SOBRE O CONTRATO
30/06/2000
SOBRE O CONTRATO
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
Inverno 2000
Boa noite a todos.
Quero dizer da minha satisfação em estar aqui, junto com tantos colegas e quero agradecer o convite que me foi feito por essa dedicada equipe do CRPSP/ Subsede Campinas para participar desse debate.
Penso que juntos, vamos poder compartilhar inquietações referentes à possibilidade de darmos uma conotação jurídica a esse importante elemento do setting terapêutico que é o CONTRATO.
Iniciei as minhas reflexões, pensando o que é um CONTRATO.
Contrato é um acordo firmado, escrito ou não, sobre um objeto ou serviço prometido, podendo constar também, responsabilidades das partes, prazo de entrega do bem adquirido, custo, etc.
É um termo de compromisso entre uma pessoa que solicita alguma coisa de que necessita e outra que está disposta a oferecer essa coisa.
O passo seguinte, foi pensar sobre que TIPOS DE CONTRATOS EXISTEM.
Encontrei uns diagramas no livro do Dr. Xxxx Xxxxxxxxx, “Teoria da Técnica Psicanalítica” que podem nos ajudar a pensar.
Num consultório de psicanálise, quem é a pessoa solicitante?
É o paciente, ou seja, uma pessoa que sofre, já que paciente vem de PATIENS, PATIENTIS, em latim, que vem de Pathos, Pathema, Παθωσ, Παθημα - paixão, turbilhão afetivo, aflição, sofrimento, em grego.
Esse paciente vem nos pedir alívio para o seu sofrimento.
Do que nós, psicólogos, psicanalistas dispomos para atender a esse pedido?
Essencialmente dispomos de nós mesmos, com nossa formação técnica em Psicologia Clínica Psicanalítica a qual se baseia na nossa própria análise, no estudo das teorias psicanalíticas da
personalidade, na teoria da técnica psicanalítica e em nossa prática clínica supervisionada.
Essa formação técnica, que se dá a longo prazo, vai nos habilitando para a escuta continente de uma pessoa que pode ser o nosso solicitante.
Apoiados em Xxxxxxx Xxxxx e seus seguidores, acreditamos que as pessoas - entre as quais, é claro, incluo o nosso suposto solicitante- possuem uma estrutura psíquica consciente e inconsciente. Isso equivale a dizer que a mente humana possui um dinamismo em que estão vivas e operantes pulsões, defesas, conflitos, angústias cuja origem o paciente desconhece e que nós, psicanalistas, pretendemos melhor compreender para oferecermos a ele esse saber sobre si mesmo que ainda não havia sido pensado de modo consciente (Xxxxxx,C. 1992).
Deste modo, o treinamento de nossa escuta continente, nos habilita a ouvirmos o que está sendo dito com o que está sendo dito, pois o paciente não tem acesso voluntário ao seu inconsciente. Através da associação livre, ele vai revelando atos falhos, lapsus linguae, sonhos, sintomas e, por meio destes, o paciente, sem saber, revela ao psicanalista treinado o seu mundo inconsciente.
Evidentemente, o paciente não tem consciência do conteúdo do seu inconsciente, mas ainda assim vem disposto a tomar contato com ele, tanto quanto possível, pois quer livrar-se dos conflitos e conseqüentemente da angústia, já que, na melhor das hipóteses, ele percebe que a causa de seu sofrimento está dentro de si mesmo, embora não consiga identiificá-la.
Xxxxx nos ensina em seus trabalhos “O Inconsciente” (1915) e em “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911) que o aparelho psíquico move-se na direção do desgaste mínimo de energia mental. Aliás, não é por outro motivo que o paciente busca a análise, quer livrar-se das tensões, angústias, sofrimentos provocados pelos conflitos que elevam muito o consumo de energia mental.
Então o paciente busca a análise para diminuir o desconforto que o excesso de consumo de energia mental provoca.
Mas, como dizia, há pouco, os psicanalistas se propõem a ouvir as associações do paciente que, como vimos, carreiam conteúdos inconscientes carregados de angústia que demanda maior consumo de energia e isso tende a fazer o aparelho psíquico trabalhar para a redução dessa angústia, com o recurso natural de que dispõe que são os mecanismos de defesa.
Assim, estamos diante de um impasse, para termos acesso ao inconsciente e aos conflitos lá existentes que fazem o paciente sofrer, ao invés de diminuirmos o consumo de energia mental, ela é aumentada pela nossa solicitação de que o paciente associe livremente e se defronte com sua angústia, mas isso o faz lançar mão de mecanismos de defesa e resistir à análise.
Então, aquele que vem nos pedir análise, quer tê-la e ao mesmo tempo, não quer, resiste à ela.
Como colocar tudo isso num contrato?
- Prometo que vou lhe oferecer a análise que conscientemente me pede, mesmo que inconscientemente não a queira...
- Prometo não oferecer o que me pede... Ou ofereço o que me pede, mas para isso, você terá que trabalhar e sofrer antes de atingir seu objetivo... mas ainda assim terá que me pagar...
Vamos acrescentar mais alguns pontos à nossa reflexão.
O principal instrumento de trabalho do analista é a sua própria mente, além da proficiência que ele conseguiu com a sua formação técnica.
Contudo, ainda que esses aspectos atinjam um considerável grau de excelência, o psicanalista permanece sendo humano e passível de falhas.
Se ele conseguir captar e decodificar O QUE É DITO COM O QUE É DITO PELO PACIENTE, e este aceitar trabalhar com sua resistência e se dispuser a ouvir e a pensar sobre o que lhe diz o psicanalista, depende ainda de que o psicanalista selecione o que dizer, quanto dizer, de que modo dizer, em que momento dizer, para que o que é comunicado seja usado positivamente pelo paciente.
Além disso, depende de quanto o paciente está disposto a ouvir, como ouve e que uso faz do que ouve.
Então, como enunciar em um contrato, uma proposta que não seja vaga já que a análise não depende exclusivamente do psicanalista, mas é um trabalho conjunto e tantos fatores imponderáveis estão em jogo.
Como determinar um tempo preciso para que esses objetivos vagos sejam atingidos já que essa variável depende tanto da excelência do psicanalista, que oscila, quanto das condições do paciente, que também oscilam, ambos sujeitos à próprias limitações humanas ( saúde, por exemplo).
Retomando, o paciente pede que o psicanalista o livre do sofrimento, o psicanalista lhe propõe que trabalhe com o sofrimento.
O paciente pede que o psicanalista resolva o seu problema e o cure, o psicanalista o informa de que só o paciente pode resolver o seu problema, aprendendo a lidar com ele, sendo esse o modo de aliviar-se do sofrimento. O psicanalista pode apenas auxiliá-lo nessa tarefa refletindo com ele sobre o sofrimento que experimenta e sobre suas possíveis origens.
Quais podem ser, então, os termos de um contrato psicanalítico? Pode-se oferecer alguma coisa?
Em primeiríssimo lugar, o psicanalista pode oferecer empenho eficiente para auxiliar o paciente a defrontar-se com a dor, advinda de dentro de si, mas não pode afirmar quanto será aliviado, nem quando obterá esse alívio. E, nem que, obtido o alívio, não possam surgir novos sofrimentos.
Pode oferecer, acolhimento e amparo para que o paciente possa ouvir o que o psicanalista descobrir a seu respeito, pode dispor-se a pensar junto com o paciente sobre tais conteúdos para que possa encontrar modos mais favoráveis de lidar com seus conflitos, e se sinta melhor, faça uso de suas potencialidades a favor de si mesmo, tornando- se mais realista em relação a si e às outras pessoas e situações.
Pode oferecer um local confortável e sigiloso para conversarem e pensarem juntos, embora não seja uma conversa de amigos, mas uma conversa de trabalho.
Pode oferecer horários claramente acordados e determinados e todo o seu empenho na escuta do que o paciente lhe disser durante esse tempo, ouvindo tudo o que ele puder e quiser dizer, de modo acolhedor e somente a ele nesse momento.
Que ali o paciente poderá usar seu tempo como quiser e puder, exceto atacando a integridade física do analista ou a sua própria.
Que esse trabalho terá um custo financeiro e econômico para o paciente, que fica claramente estabelecido no início do mesmo.
Mas, mesmo que esses termos contemplem alguns aspectos precisos, eles são necessariamente vagos conforme espero ter demonstrado.
Como objetivar, por escrito, esses termos em linguagem jurídica de modo que um funcionário do PROCON ou um advogado possa questionar o analista em relação ao trabalho contratado, se é da própria natureza desse trabalho a existência de tantas questões imponderáveis?
BIBLIOGRAFIA
1. BOLLAS, C. “A sombra do objeto - psicanálise do conhecido não pensado”. Ed. Imago. Rio de Janeiro. 1992.
2. XXXXX, Xxxxxxx. “O inconsciente”( 1915) . Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Xxxxxxx Xxxxx. Vol. XV. Ed. Imago. Rio de Janeiro. 1976.
3. XXXXX, Xxxxxxx. “Formulações sobre os dois Princípios do Funcionamento Mental”( 1911). Edição Standard Brasileira da Obras Psicológicas Completas de Xxxxxxx Xxxxx. Vol. XII. Ed Imago. Rio de Janeiro. 1976.
4. XXXXXXXXX, X. & XXXXXXX, X. “Teoria da Técnica psicanalítica”. Ed. Zahar.RiodeJaneiro.1979.
CONTRATOS BILATERAIS
a) O vendedor de maçãs (objeto à venda)
Vendedor expõe maças
Comprador percebe e aborda o vendedor
Vendedor anuncia o preço das maçãs
Comprador examina as maçãs
Vendedor entrega a maçã
Comprador paga
Houve uma troca eqüitativa e as necessidades foram mutuamente satisfeitas
b) O barbeiro (serviço à venda)
Está em condições de executar o corte de cabelo por um certo preço
Necessita de corte de cabelo
Empunhas as tesouras e executa o seu trabalho
Acerca-se do barbeiro, senta da cadeira e deixa o barbeiro cortar o seu cabelo
Mostra o trabalho com seu espelho e recebe o dinheiro
Paga pelo serviço
Transação Encerrada, ambos satisfeitos
Barbeiro com mais dinheiro e prestígio profissional
Cliente com melhor aparência
c) O Médico (Serviço mais complexo à venda)
d) O psicoterapeuta
(Serviço complexo à venda e que inclui fatores imponderáveis)
e) O Psicanalista (Serviço complexo à venda e que lida essencialmente com fatores inponderáveis)
1. Anuncia sua qualificação.
2. Ouve atentamente os relatos do paciente e/ou dos familiares e aceita “tratar do caso”
3. Colhe a história da doença e do paciente. Faz exames e requer exames complementares.
4. Identifica a patologia, formula um plano de ação e faz uma prescrição, sugerindo um método de intervenção com a finalidade de aliviar o sofrimento do paciente.
Transação encerrada, ambos satisfeitos
Está satisfeito por auxiliar o paciente a livrar-se do sofrimento, está com maior prestígio profissional e com mais dinheiro.
1. Quer alívio, mas não sabe direito como o médico o aliviará.
2. Descreve a queixa.
3. Responde às perguntas e submete-se aos exames.
4. Segue o conselho ou a prescrição do médico e paga pelos serviços recebidos.
Ou novas alternativas são buscadas para o alívio do paciente. Está aliviado de seu sofrimento e satisfeito com o tratamento.
1. Anuncia sua qualificação.
2. Ouve a história do paciente.
Identifica a natureza de seu sofrimento.
3. Pergunta sobre acontecimentos relacionados à queixa (dor de cabeça, p. exemplo)
4. Surgem pistas que podem conduzir à compreensão dos sintomas.
5. Comunica conexões psicológicas entre o que o paciente conta e sua aflição. ( P. Ex.: a dor de cabeça está associada a experiência perturbadora.)
6. Cobra por seus serviços profissionais.
Transação se mantém por prazos variáveis.
Satisfeito por estar ajudando o paciente. Está com maior prestígio profissional e com mais dinheiro.
1. Traz sua queixa. (P.Ex: dor de cabeça)
2. Conta sua história e a história de sua doença.
3. Menciona fatos e situações relacionados ao seu sofrimento.
4. Realiza mais associações relacionadas aos seus sintomas.
5. Compreende melhor seu sofrimento, se alivia em parte, mas não há, necessariamente nesse momento, a remissão da queixa.
6. Paga pelos serviços e não pelo alívio que obteve.
Alternam-se momentos de satisfação e de insatisfação.
Oscilando entre alívio e angústia, mas tendendo a lidar cada vez melhor com o seu sofrimento.
Observações complementares Terapeuta
a) Não usa instrumentos nem administra medicamentos
b) O que circula entre o terapeuta e o paciente são palavras, gestos, sorrisos, sons não verbais.
c) Mantém a relação no rumo do trabalho, orienta e conduz esse relacionamento - inclusive a permuta verbal- de modo ético e responsável no contexto do setting terapêutico.
Paciente
a) Nada de fisicamente tangível lhe é feito.
b) Nada de material lhe é dado ou retirado.
c) Submete-se e aceita/ /contesta o rumo sugerido pelo terapeuta.
Observações gerais:
A. A qualidade da relação estabelecida entre ambas as partes constitui um elemento básico da transação.
B. A alta da psicoterapia se dá quando o paciente resolve que daí em diante pode se arranjar sozinho.
C. A transação entre o psicoterapeuta e o paciente não se limita necessariamente aos dois, pode envolver outras pessoas (familiares do paciente).
Psicanalista
1. Dispõe de qualificação técnica: própria análise, estudo e reflexão sobre as teorias psicanalíticas, prática clínica supervisionada.
2. Oferece local confortável e sigiloso para conversarem e pensarem juntos.
3. Oferece horários claramente acordados e determinados e durante esse tempo dedica-se exclusivamente ao paciente.
4. Escuta o paciente com empenho eficiente e dedicação exclusiva no tempo que lhe oferece.
5. Informa que só o paciente pode aliviar o próprio sofrimento lidando com ele e lhe propõe que trabalhe com o seu sofrimento.
6. Dispõe-se a auxiliar o paciente, refletindo com ele sobre o sofrimento que experimenta e suas sobre suas possíveis origens.
7. Mantém a escuta atenta e continente à fala ou ao silêncio.
8. Impõe o limite sobre as possíveis atuações do paciente que envolvam risco à integridade de ambos.
9. Não pode afirmar QUANTO o paciente será aliviado, nem QUANDO o alívio se dará, nem que será permanente.
10. Anuncia o custo financeiro do seu trabalho.
Paciente Patiens, Patientis
Παθωζ, Παθημα
1. Quer alívio para o seu sofrimento, paixão, turbilhão afetivo, aflição.
2. Aceita comparecer a este local.
3. Aceita o limite desses horários, ou não, quer mais tempo, se atrasa, falta. Usa o tempo c/ pode e/ou quer.
4. Faz associações e defronta-se com a dor advinda de dentro de si. Pede que o analista o livre do sofrimento.
5. Paciente resiste, defende-se.
6. Ouve o que o psicanalista lhe diz - tanto quanto pode e no momento em que pode - e fala tudo o que quiser e puder, sem restrições ou silencia.
7. Pensa, junto com o psican., sobre o que lhe é dito ou continua a defender-se com atuações.
8. Sai do impasse, faz contato com conteúdos até então mantidos inc.: pulsões vivas e operantes, defesas, conflitos e angústias, estabelece nexo entre esses aspectos sabidos, mas não pensados e continua em busca do alívio para o seu sofrimento.
9. Pode encontrar modos mais favoráveis para lidar com seus conflitos, sente-se melhor, faz uso de suas potencialidades a favor de si mesmo. Torna-se mais realista em relação a si, às outras pessoas e situações.
10. Aceita ou não o custo financeiro do trabalho. Em caso positivo, paga o psicanalista.
Transação mantém-se por prazo indeterminado.
Psicanalista
* Se mantém numa escuta continente sem memória e sem desejo (Bion).
* Ganha prestígio profissional e satisfação pessoal em realizar o seu trabalho.
* Recebe dinheiro pelo seu trabalho.
Alternam-se momentos de satisfação e de insatisfação.
Paciente
* Vai obtendo um crescente fortalecimento do ego.
* Torna-se mais flexível.
* Mais apto a enfrentar as inevitáveis tensões da vida.
* Liberta-se para desenvolver atividades construtivas e planos mais eficientes e realistas para o presente e para o futuro.