PATRICIA VASQUES COELHO
Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
O contrato de convivência
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Rio de Janeiro 2011
XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX
O contrato de convivência
Artigo Científico apresentado à Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, como exigência para obtenção do título de Pós- Graduação.
Professores Orientadores: Xxxxxx Xxxxxxx
Neli Fetzner Mônica Areal
Rio de Janeiro 2011
O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Graduada pela Universidade Xxxxxxx Xxxxxx. Advogada.
Resumo: O instituto da união estável revela-se falho, na medida em que estabelece, para sua constituição, critérios vagos e indeterminados, que ficam a critério do juiz. Critérios como relação pública, contínua e duradoura, mostram-se inadequados para definir um instituto que acarreta a transferência de patrimônio, em uma eventual partilha de bens. A essência do trabalho é revelar a abordagem dos critérios legislativos na prática jurisdicional e, ainda, demonstrar a importância da obrigatoriedade de um registro público para delimitar o marco inicial da relação, no sentido de garantir uma maior segurança jurídica aos companheiros.
Palavras-Chaves: União estável. Patrimônio. Contrato de convivência. União livre.
Sumário: Introdução. 1. Abordagem histórica da união. 2. Conceito de união estável. 3. Requisitos para a constituição da união. 4. Contrato de convivência. 5. União livre. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado aborda a necessidade de se tornar obrigatório o contrato de convivência, que possibilite delimitar um marco inicial da união estável, pois, assim, será conferida uma maior segurança jurídica aos companheiros.
Hodiernamente, as pessoas encontram-se inseguras para constituir um relacionamento mais sério, pois têm o receio de ter o seu namoro, equivocadamente, caracterizado como uma união estável, uma vez que os requisitos para sua constituição são vagos ficam a critério do juiz.
O referido instituto provoca a transferência do patrimônio, na hipótese de uma eventual partilha de bens, o que se requer uma maior preocupação quando da análise dos requisitos para sua constituição.
O objetivo do presente estudo é esclarecer que os requisitos legais para a constituição da união estável mostram-se falhos, na medida em que o legislador deixou a critério do juiz a análise da caracterização de uma união pública, duradoura e com objetivo de constituir família, para efetivar o reconhecimento e a dissolução da relação entre os companheiros.
Demonstra-se, ainda, que na união estável há a transferência do patrimônio, na partilha dos bens, sem nenhum documento público que tenha sido objeto da manifestação de vontade das partes, como ocorre com o casamento, a compra e venda de um imóvel, a doação ou qualquer outro ato translativo de bem imóvel.
Sendo, assim, muitas pessoas que pretendem apenas constituir uma relação de namoro têm se deparado, no momento do término, quando os sentimentos encontram-se aflorados, com o ajuizamento de ação específica de reconhecimento e dissolução de união estável, com o fim de pleitear a metade de seu patrimônio, aproveitando-se dos conceitos legais vagos para confundir o magistrado e ter declarada a sua constituição.
O que se propõe, portanto, é uma análise do instituto da união estável, bem como uma crítica aos requisitos legais vagos necessários à sua constituição, que ensejam uma desconfortável insegurança aos interessados, devido à ausência de um documento público que afirme o termo inicial da relação.
1. ABORDAGEM HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL
O Código Civil de 1916 reconhecia apenas o casamento como entidade familiar, considerando ilegítimas as uniões entre homem e mulher que não estivessem sob o manto do matrimônio.
Assim sendo, todos os filhos nascidos de relações diversas do casamento eram chamados de filhos ilegítimos, não possuindo os mesmos direitos daqueles oriundos do matrimônio.
Naquela época, toda e qualquer relação formada fora do casamento não se submetia ao Direito de Família, ficando ao amparo do Direito das Obrigações.
Importante mencionar que antes da Lei 6515/77, como o casamento era uma relação indissolúvel, muitas pessoas viviam maritalmente com seu cônjuge, mas mantinham relações amorosas com pessoas diversas, surgindo, assim, o instituto denominado de concubinato.
Apesar de não amparadas pelo legislador, tais relações afetivas produziam consequências fáticas, tendo em vista que as pessoas que viviam em concubinato passaram a reclamar uma proteção jurídica, o que culminou na edição de dois enunciados de súmulas do Supremo Tribunal Federal, conferindo algum tipo de amparo aos concubinos.
Nesse diapasão, dispõe a Súmula 380 Supremo Tribunal Federal: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
Por seu turno, reza a Súmula 382 Supremo Tribunal Federal: “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não e indispensável à caracterização do concubinato.”.
Importante mencionar que os efeitos conferidos, pela jurisprudência, aos casais que viviam em concubinato eram apenas de índole patrimonial, não havendo que se falar em nenhum tipo de efeito pessoal àquelas relações.
O concubinato significava união entre homem e mulher sem casamento, seja porque eles não poderiam casar, seja porque não pretendiam casar.
Do conceito acima exposto, extraem-se dois tipos de concubinatos: o concubinato puro (composto por pessoas que poderiam casar, mas preferiram não fazê-lo), e o concubinato
impuro (formado por pessoas que não poderiam casar, conhecido como concubinato adulterino ou incestuoso).
Com o advento da Constituição da República de 1988, o concubinato puro ganhou status de entidade familiar, sendo chamado, então, de união estável, o que fez com que o Estado passasse a dispensar especial proteção ao respectivo enlaço, como já ocorria com o casamento.
Sendo assim, o texto constitucional passou a prever a união estável em seu artigo 226, parágrafo 3º, a saber: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”.
Importante mencionar que o constituinte estabeleceu expressamente que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, conforme supra mencionado, somente para tornar menos complexo o matrimônio daqueles casais que já conviviam como se casados fossem, não havendo, assim, nenhuma hierarquia entre os institutos.
É cediço que o casamento e a união estável são institutos diversos na comprovação de sua existência e sua dissolução, mas não há que se estabelecer diferenças quantos aos efeitos que protegem os seus componentes, tendo em vista que ambos são modelos de entidade familiar, com a finalidade de proteger a vida em comum, independente de qualquer solenidade.
Sem dúvida, a função primordial do Estado é dar proteção ao gênero entidade familiar, seja lá qual for a espécie através da qual se constitua. Assim sendo, toda e qualquer leitura dos dispositivos normativos da união estável há de ser concretizada com o espírito da igualdade constitucional e, principalmente, com o escopo de tutelar os seus componentes, garantindo-lhes a imprescindível dignidade.1
Destarte, após o reconhecimento da união estável como uma das formas de entidade familiar, o constituinte deixou para o legislador ordinário a tarefa de estabelecer o conceito e
1 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx, “Direito de Família”, cit. p.432.
os requisitos a serem exigidos para a caracterização do instituto, o que foi feito anos mais tarde.
2. CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL
A primeira lei ordinária que veio regulamentar o artigo 226, parágrafo 3º, Constituição da República foi a Lei 8.971/94, que estabelecia que fosse caracterizada uma união estável quando um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo vivia com uma mulher durante, pelo menos, cinco anos, ou com ela tivesse filhos.
Essa lei permitia que, comprovados os requisitos supramencionados, o (a) companheiro (a) poderia se valer do disposto da Lei 5.478/68, que concede o direito a alimentos entre os respectivos. Além disso, conferia ao (a) companheiro (a) o direito à sucessão e meação dos bens do falecido.
Ato contínuo, entrou em vigor a Lei 9.278/96, que suprimiu do conceito de união estável os requisitos pessoais dos envolvidos, bem como o tempo mínimo de convivência e a existência da prole, passando a mencionar apenas que a relação entre o homem e a mulher tinha que ser contínua e duradoura, abolindo o critério qüinqüenal mínimo.
Insta salientar que (Xxxxxx Xxxxxxx) pregava a inconstitucionalidade do dispositivo que limitava a união estável à convivência superior a cinco anos, tendo em vista que a própria Constituição Federal não define qualquer prazo.
Ressalte-se que tal limitação acarretaria uma interpretação restritiva e inconcebível à lei infraconstitucional, reguladora do instituto, ao impor prazo mínimo, para o reconhecimento dessa entidade familiar.
Na verdade, o conceito "estável", inserido no texto constitucional, não está a depender de prazo certo, mas de elementos outros que o caracterizem, como os constantes do art. 1º da Lei n. 9.728/96.
Afirmando-se que a união deve possuir o objetivo de constituir família, claro está que não se poderá permitir a existência de concubinato impuro, não podendo, então, haver união estável entre os impedidos de casar, excluindo a possibilidade de haver mais de uma relação.
No ano de 1996, foi criado, por iniciativa do Ministério da Justiça, o Projeto de Lei n. 2686/96, com o fim de regulamentar o parágrafo 3º do artigo 226, CRFB/88, dispondo sobre o Estatuto da União Estável, e revogando, assim, as Leis n. 8971/94 e 9278/96.
Tal projeto de lei objetivava corrigir falhas e preencher as lacunas existentes no instituto, pois pretendia uniformizar um prazo mínimo de cinco anos de convivência como requisito da união, buscando evitar inseguranças e disparidades, salvo a hipótese de existência de filhos, em que o prazo mínimo cairia para dois anos. Outro requisito que se pretendia estabelecer era o da coabitação, considerado pelo projeto como um importante divisor de águas para diferenciar a união estável de um simples namoro.
Todavia, o referido projeto de lei restou vencido pela edição do novo Código Civil, em 2002.
Com o advento do Novo Código Civil de 2002, o instituto da união estável passou a ser regulamentado em seus artigos 1.723 e seguintes, definindo, ainda, seus efeitos pessoais e patrimoniais.
Dessa forma, prevê o artigo 1.723 que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”.
Estabelece o parágrafo 1º, do artigo 1.723 do CC que não haverá união estável se houver algum dos impedimentos referentes ao artigo 1.521. Todavia, não se aplica a hipótese do inciso VI, no caso de a pessoa casada se encontrar separada de fato ou judicialmente.
No tocante aos aspectos pessoais da união, prevê o artigo 1.724 que há deveres recíprocos entre os conviventes, sendo estes: lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos.
Dispõe quanto aos efeitos patrimoniais, em seu artigo 1.725, que o regime de bens entre os companheiros será o da comunhão parcial, na ausência de qualquer contrato escrito entre eles, assim como ocorre no matrimônio.
É também permitida aos companheiros a conversão de sua união em casamento, mediante pedido de ambos ao juiz e assento no Registro Civil, conforme estabelece o artigo 1.726 do diploma civil, na mesma linha do texto constitucional, na qual fica previsto que a lei deve facilitar a aludida conversão.
A regra que se extrai do artigo 1.727 é que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato, instituto já analisado anteriormente.
3. REQUISITOS PARA A CONSTITUIÇÃO DA UNIÃO
A relação entre um homem e uma mulher, para alcançar o status de união estável, gerando os devidos efeitos pessoais e patrimoniais já analisados, necessita preencher certos requisitos subjetivos e objetivos, sendo os primeiros a convivência more uxório e o ânimo de constituir família; enquanto que os segundos são a notoriedade, a estabilidade, a continuidade, inexistência de impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica.
3.1. REQUISITOS SUBJETIVOS
Como analisado anteriormente, os requisitos subjetivos que têm que ser preenchidos para que haja a caracterização de uma união como estável é a convivência more uxória e o objetivo de constituir família.
A convivência more uxória é aquela em que um homem e uma mulher vivem em estado de casados, sem que o sejam legalmente. Tal conceituação se distingue da simples convivência, que é aquela em que há coabitação, uma vez que a more uxório não necessariamente o casal tem que viver no mesmo teto.
Outrossim, a doutrina2 se divide quanto à necessidade de coabitação para a configuração da união estável. Entende-se que a regra geral na união estável é a coabitação, assim como no casamento se trata de um dever imposto no inciso II do artigo 1.566 Código Civil, quando inexistir alguma efetiva razão para embasar posicionamento diverso, tendo em vista que somente em situações excepcionais deve ser admitida a ausência de coabitação.
Todavia, doutrinadores3 mais modernos vêm entendendo que a coabitação não seria um elemento caracterizador da união estável, sendo possível a sua caracterização ainda que os companheiros estejam morando em casas separadas, sendo essa a forte tendência da jurisprudência atual.
Insta salientar que a jurisprudência atual baseia-se no verbete da súmula 382 STF, que dispensa a coabitação para caracterizar o concubinato.
Todavia, importante mencionar que o verbete acima citado é oriundo de dois arestos sobre ação de investigação de paternidade, em que se discutia a exata interpretação da palavra concubinato, que era inserta no inciso I do artigo 363 do Código Civil de 1916, com a finalidade de verificar se as relações sexuais seriam deduzidas somente se houvesse uma
2 AZEVEDO, Xxxxxx Xxxxxxx. O dever de coabitação, inadimplemento. São Paulo: Atlas, 2009, p.121.
3 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx, “Direito de Família”, cit. p.466.
convivência habitual entre a genitora do investigante e o investigado, coincidente com a época da concepção, fazendo uma analogia com a presunção de paternidade do casamento, ou se era suficiente para gerar esta presunção uma rotina de visitas dos concubinos em que houvesse coabitação entre eles.
Dessa forma, para aquela época e para efeitos de reconhecimento da paternidade do investigante revelou-se dispensável a coabitação dos concubinos, e a partir daí houve a edição do verbete em tela.
Apesar de o artigo 1723 do Código Civil não prever a coabitação como requisito para a configuração da união, Xxxxxx Xxxxxxx Azevedo preconiza que “o dever coabitacional é de ordem pública, imposto aos cônjuges enquanto durar a convivência no lar conjugal, extensível aos conviventes, porquanto se trata de um dever que está implícito na convivência dos companheiros”.4
O segundo requisito subjetivo a ser preenchido é que a união estável tenha o affectio maritalis, que significa que o casal tenha que ter o ânimo de constituir família. O requisito em apreço exige a efetiva constituição de família, não bastando para a configuração da união estável o simples animus, o objetivo de constituí-la, já que, se assim não fosse, o mero namoro ou noivado, em que há somente o objetivo de formação familiar, seria equiparado à união estável.
Importante mencionar que nem sempre os casais possuem o objetivo de constituir família, apesar de muitas vezes um dos partícipes alimentar tal desejo.
O propósito de formar família se evidencia por uma série de comportamentos exteriorizando a intenção de constituir família, a começar pela maneira como o casal se apresenta socialmente, identificando um ao outro perante terceiros como se casados fossem, sendo indícios adicionais e veementes a mantença de um lar comum e os sinais notórios de existência de uma efetiva rotina familiar, que não pode se resumir a fotografias ou encontros familiares em datas festivas, a freqüência conjunta a eventos familiares e sociais, a existência de filhos comuns, o casamento religioso, a dependência alimentar, ou indicações como dependentes em clubes sociais, cartões de créditos, previdência social, mantendo também contas conjuntas.5
4 AZEVEDO, Xxxxxx Xxxxxxx. O dever de coabitação, inadimplemento. São Paulo: Atlas, 2009, p.119.
5 XXXXXXXX, Xxxx. Curso de Direito de Família. São Paulo: Forense, 2011, p.1.046.
Sendo assim, a união estável não pode ser caracterizada com base no desejo de apenas um dos parceiros, devendo haver um objetivo comum de constituir família, que pode se caracterizar com base nos indícios expostos acima, como dependência em cartões de crédito, previdência social, contas conjuntas, prole em comum, dentre outras situações rotineiras de uma vida em família.
3.2. REQUISITOS OBJETIVOS
Feita a análise dos requisitos subjetivos a serem preenchidos para a caracterização de uma união estável, deve-se analisar, ainda, aqueles que são considerados objetivos, que também necessitam estar presentes, sendo eles: a notoriedade, a estabilidade, a continuidade, inexistência de impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica.
O primeiro requisito é que a relação tenha notoriedade, isto é, que o casal, em seu âmbito social seja reconhecido por todos como se casados fossem, sendo vedado que a união seja sigilosa, devendo, então, a mesma ser pública.
Outro requisito da união é que, como o próprio nome já insinua, tem que ser estável, isto é, tem que ter estabilidade ou uma duração prolongada. A lei não faz menção quanto ao tempo mínimo para que a relação possa ser configurada como uma união estável.
Todavia, a estabilidade se mostra necessária a partir da interpretação do artigo 1.723 do diploma civil, que expressamente prevê que a relação, além de pública e contínua, tenha que ser duradoura.
Como dito no parágrafo anterior, a união para ser estável tem que, necessariamente, ser contínua, isto é, não se admite interrupções. Apesar de todo e qualquer tipo de relacionamento poder gerar conflitos e rompimentos, o instituto da união estável não permite
que a instabilidade assombre a relação, sob pena de a mesma não poder ser caracterizada como tal.
Se o rompimento for sério, perdurando por tempo que denote efetiva quebra da vida em comum, será quebrado o elo necessário para a caracterização de uma união estável. Se já havia tempo suficiente para sua caracterização, a quebra da convivência será causa da dissolução, à semelhança do que se dá no casamento. Se não havia tempo bastante, que se pudesse qualificar como ‘duradoura’, então sequer restaria configurada a união estável, ficando na pendência de uma eventual reconciliação, com recontagem do tempo a partir do reinício da convivência, tanto para fins de duração como para sua futura continuidade.
Por fim, há que se analisar os dois requisitos restantes, são eles: a inexistência de impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica.
É mister reiterar que a união estável muito se assemelha ao casamento, sendo ambos os institutos considerados como formas de constituição de entidade familiar, previsto no texto constitucional.
Sendo assim, não há que se permitir que pessoas que sejam impedidas de casar possam contrair união estável, isto é, os impedimentos existentes em decorrência da moralidade social, como aquele que veda que ascendentes casem com descendentes, por exemplo, prevalecem, também, no âmbito da união estável, nos termos do artigo 1.723, parágrafo primeiro do Código Civil vigente.
Todavia, há que ressaltar que, o impedimento previsto no artigo 1.521, inciso IV, que veda a possibilidade do casamento entre pessoas casadas, se encontra como uma exceção ao rol dos impedimentos, já que uma vez separado de fato ou mesmo judicialmente, ao casal é permitido contrair uma união estável.
Vale lembrar que, conforme o artigo 1.723, parágrafo 2º, as causas suspensivas previstas no artigo 1.523 não impedem que a união estável seja caracterizada.
No tocante à relação monogâmica, há que se afirmar que, assim como a legislação nacional veda a bigamia, certo é que para a caracterização da união estável é necessário o caráter monogâmico da relação. Todavia, diferente do que ocorre no casamento, não há crime previsto no Código Penal, quando uma pessoa contrair duas uniões simultâneas, até por faltar na união a formalidade de celebração, bem como a dificuldade probatória para sua comprovação de fato.
Outrossim, o instituto da união estável não admite que um companheiro tenha convivência múltipla num mesmo período de tempo, uma vez que a finalidade do instituto é a formação de uma entidade familiar, com o ânimo de constituí-la, não podendo, assim, admitir que mais de uma relação simultânea seja caracterizada como união estável, pela impossibilidade de ambas as relações preencherem, ao mesmo tempo, os requisitos exigidos para sua configuração.
4. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
A maior característica que distingue a união estável do casamento é a ausência de formalidade, isto é, enquanto que para a celebração do matrimônio os noivos têm que providenciar o processo de habilitação, proclamas, dentre outras providências, a união estável, para se constituir, somente é necessário o fato da vida em comum, sendo dispensada qualquer solenidade.
Sendo assim, para que a união se constitua e se dissolva, basta o consenso dos interessados. Todavia, a grande dificuldade dos companheiros da atualidade está no fato de que a comprovação do momento constitutivo da relação se mostra obscura, por faltar-lhes o documento que faça a vez da certidão de casamento, comprovando o início da relação.
Tal situação, porém, está sendo modificada, uma vez que já existe nos Cartórios de Notas um documento que, acordado por ambos, pode fixar a data inicial para a união, bem como estabelece o regime de bens escolhido para a regência da relação. Para a dissolução da mesma, também se encontra nos serviços notariais um documento para tanto. Todavia, este último, assim como o primeiro, tem que ser assinado por ambos os companheiros.
Ocorre que tal documento, denominado contrato de convivência, não se revela obrigatório, o que faz com que a grande maioria dos casais não o tenha, permanecendo a dificuldade de estabelecer o marco inicial da relação.
Dessa forma, a questão que se coloca é que, atualmente, mostra-se necessário que o legislador reformule o instituto da união estável, para exigir, quando da sua constituição, a celebração do contrato de convivência, oferecendo maior segurança jurídica aos casais, no momento de sua dissolução.
Insta salientar que quando não havendo entendimento entre os companheiros para que se faça a dissolução amigavelmente, acordando em relação a eventuais partilhas, alimentos, guarda de filhos, dentre outras providências, os mesmos têm que recorrer às vias judiciais.
Pela via do contrato de convivência, os integrantes de uma união estável promovem a autorregulamentação do seu relacionamento, no plano econômico e existencial, e a contratação escrita do relacionamento de união estável não representa a validade indiscutível da convivência estável, porque o documento escrito pelos conviventes está condicionado à correspondência fática da entidade familiar e dos pressupostos de reconhecimento, descritos no artigo 1723, ausentes os impedimentos matrimoniais, salvo a hipótese do artigo 1723, parágrafo 1º, Código Civil.6
Sendo assim, o contrato de convivência é aquele celebrado pelos companheiros para estipular regras patrimoniais específicas que nortearão a relação do casal. Pode ser também chamado de contrato particular de convívio conjugal.
Assim como ocorre no casamento, no silêncio das partes, o regime a ser fixado será o da comunhão parcial de bens.
6Ibidem, p.1.062.
Importante mencionar que, com base no princípio da autonomia privada, que norteia as relações contratuais, é plenamente possível que os companheiros definam diferentes regimes de bens, podendo criar um regime novo ou até mesmo mesclar os já existentes no diploma civil.
Insta salientar que o pacto convivencial pode ser celebrado a qualquer tempo, diferente do pacto antenupcial, que só pode ser celebrado anteriormente ao matrimônio. Considerando o caráter informal do pacto, o negócio costuma ser celebrado após a união já ter sido constituída.
Cabe frisar que a celebração do pacto convivencial é facultativa, não sendo indispensável para a constituição da união estável.
Ocorre que a crítica que se coloca é que sendo o referido pacto facultativo, e os requisitos que constituem uma união estável, de acordo com o artigo 1723, Código Civil, considerados vagos, apresentam-se grandes dificuldades em definir se determinada união poderá ou não ser considerada estável.
É como bem explicita Xxxxxx Xxxxxx Xx.7:
A distinção entre cláusula geral e conceito jurídico indeterminado é bem sutil; ambos pertencem ao gênero conceito vago. No conceito jurídico indeterminado, o legislador não confere ao juiz competência para criar o efeito jurídico do fato cuja hipótese de incidência é composta por termos indeterminados; na cláusula geral, além da hipótese de incidência ser composta por termos indeterminados, é conferida ao magistrado a tarefa de criar o efeito jurídico decorrente da verificação da ocorrência naquela hipótese normativa. Havendo identidade quanto à vagueza legislativa intencional, determinando que o Judiciário faça a devida integração sobre a moldura fixada, a cláusula geral demandará do julgador mais esforço intelectivo. Isso porque, em tal espécie legislativa, o magistrado, além de preencher o vácuo que corresponde uma abstração no conteúdo da norma, é compelido também a fixar a conseqüência jurídica correlata e respectiva ao preenchimento anterior. No conceito jurídico indeterminado, o labor é mais reduzido, pois, como simples enunciação abstrata, o julgador, após efetuar o preenchimento valorativo, já estará apto a julgar de acordo com as conseqüências previamente estipuladas pelo texto legal.
7 XXXXXX XXXXXX, Fredie, Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Atlas, 2011.
Diante do acima exposto, observam-se que os requisitos que constituem uma união estável são considerados conceitos jurídicos indeterminados, tendo em vista que suas consequências já se encontram no diploma civil, não sendo fixadas pelo magistrado.
Como todo conceito jurídico indeterminado, tais requisitos necessitam de um preenchimento valorativo por parte do juiz, o que acarreta a insegurança jurídica do instituto da união estável, uma vez a sua caracterização resulta na divisão do patrimônio adquirido onerosamente na constância da união.
Logo, conclui-se que, muitas vezes, há a divisão do patrimônio do indivíduo, sem que esse tenha manifestado expressamente sua vontade de se unir e constituir família com o outro, tendo em vista que a caracterização do instituto depende do preenchimento valorativo do magistrado.
Diferente do que ocorre nos contratos de compra e venda, na doação, ou até mesmo no matrimônio, na união estável pode ocorrer a transferência do patrimônio de bens imóveis, sem que tenha havido um registro público anterior, o que se mostra intolerável face à insegurança jurídica que tal divisão possa acarretar.
Conferir ao magistrado a tarefa de julgar pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituir família, uma união entre duas pessoas não se revela razoável, tendo em vista que, nem mesmo o seio social do casal, muitas vezes, tem noção do título que carrega certa união.
Ao juiz de direito a tarefa nem sempre simples de declarar caso a caso, processo por processo, quando estão presentes ou não os pressupostos substitutivos do consentimento matrimonial. Deve dizer o juiz, quando a tanto for convocado, se nesta ou naquela união asseverada como estável realmente foi albergada a vontade incontroversa dos conviventes de se terem em comunhão plena de vida, e de constituírem família à semelhança do casamento.8
Ademais, a obrigatoriedade do contrato de convivência ensejaria uma maior proteção aos terceiros de boa-fé que, por exemplo, adquirissem um imóvel de um companheiro, uma vez que a lei deveria prever a possibilidade de averbação do contrato da união junto à matrícula do imóvel, podendo, assim, tomar conhecimento do verdadeiro estado civil do
8 XXXXXXXX, Xxxx. Curso de Direito de Família. São Paulo: Forense, 2011, p.1.034.
alienante, sem que acarretasse, mais tarde, problemas quanto à eventual meação desconhecida, como ocorre atualmente.
Dessa forma, vê-se a necessidade urgente e imperiosa de uma modificação legislativa para tornar obrigatória a celebração do pacto convivencial entre os companheiros para que seja delimitado o marco inicial da relação, protegendo, assim, o patrimônio daqueles que, hodiernamente, se sentem amedrontados a estabelecer uma união, sob pena de ter que dividir seu patrimônio mais adiante.
Quando a Lei 9278/96 dispensou a convivência sob o mesmo teto para a formação da união estável, houve um verdadeiro alvoroço social, com pessoas desesperadas com seus envolvimentos afetivos de simples namoro, preocupadas em ter de assumir pagamentos de pensões alimentícias ou precisar dividir bens, estando dispostas ao rompimento do namoro.9
Importante mencionar que, diante do temor de ver seu relacionamento caracterizado como uma união estável, tendo que suportar os ônus do instituto, muitos casais estão celebrando um contrato de namoro para especificar o tipo de relação que se mantém, formalizando relações amorosas que não deveriam ser formalizadas.
5. A UNIÃO LIVRE
A expressão união livre é utilizada para definir as relações mantidas entre pessoas que não são casadas e não convivem maritalmente, bem como não possuem intenção de constituir família. São exemplos dessa união o namoro e o noivado.
Os namorados não possuem vínculo de parentesco por afinidade com os parentes do outro, não podem exigir deveres matrimoniais, não havendo que se falar em produção de efeitos de ordem familiar, saindo da esfera do Direito de Família.
Não há como negar a possibilidade da formação de uma sociedade de fato resultante de uma união livre, quando os componentes adquirem bens, a título oneroso, com esforço
9 Ibidem, p.1.034.
comum. Nesse caso, uma eventual partilha de bens se impõe, sendo cabível, para tanto, uma ação judicial de dissolução de sociedade de fato, que deve ser ajuizada na vara cível.
Importante não confundir a ação de dissolução da sociedade de fato, que encontra fundamento no artigo 884, Código Civil, que veda o enriquecimento sem causa, com a ação de dissolução de união estável, em que há a presunção absoluta de esforço comum, nos termos do artigo 1.725, Código Civil.
Hodiernamente, há um considerável aumento das uniões informais em países pobres ou em desenvolvimento, em razão das dificuldades de as pessoas arcarem com os custos básicos de um matrimônio formal.
As pessoas que ostentam a condição de viúvos, solteiros ou divorciados, para não perderem seu crédito alimentar ou seu benefício previdenciário, deixam de se casar ou de manter um relacionamento exclusivo, com coabitação, para que não corram o risco de ter sua relação caracterizada como união estável, não colocando em precipitação sua segurança material.
Além dos motivos econômicos, se acredita que também são causas ensejadoras da expansão dessas uniões livres, os motivos legais, sociais, ideológicos, religiosos, dentre outros.
Sendo assim, como explicitado anteriormente, o fato de a união estável possuir requisitos vagos e de difícil comprovação pelos conviventes, impõem-se modificações legislativas que determine a obrigatoriedade da celebração do contrato de convivência como um de seus pressupostos, sendo viável que os demais requisitos sejam analisados a posteriori, quando do momento de sua dissolução.
Com ditas alterações, os conviventes, ao menos assim, não seriam surpreendidos com uma eventual divisão de seu patrimônio, sem que tivessem de fato o objetivo de constituir uma união estável, uma vez que teriam, de comum acordo, celebrado um contrato
de convivência, que explicitasse sua real intenção para com o respectivo relacionamento, impedindo que as uniões livres tivessem que ser formalizadas, como vem ocorrendo com o surgimento dos contratos de namoros.
CONCLUSÃO
O presente trabalho aborda os aspectos conflitantes do instituto da união estável, tendo em vista que a ausência de obrigatoriedade de um contrato que defina o marco inicial da relação pode gerar uma grande insegurança jurídica aos companheiros.
Dessa forma, tem-se como imperiosa a modificação legislativa no sentido de considerar união estável aquela relação constituída sob os requisitos prescritos em lei, somado a um contrato entre os companheiros que defina um marco inicial da relação, como ocorre com o casamento.
Com esse contrato, ainda assim seria a união estável um instituto menos formal do que o casamento, porém mais seguro para os companheiros, que se vêem, ao final da relação, obrigados a partilhar o patrimônio adquirido onerosamente na constância da união.
Sendo assim, hodiernamente, o instituto da união estável revela-se uma insegurança jurídica criada por lei, uma vez que foi trazida ao ordenamento jurídico para amparar os relacionamentos de fato, que se mostravam à margem do casamento, mas que, em contrapartida, pode dificultar a relação daqueles que não têm o objetivo de constituir família, apesar de ter uma relação pública, contínua e duradoura.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx%X0%X0xx.xxx >. Acesso em: 27 out. 2011
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/0000/X00000.xxx>. Acesso em: 27 out. 2011
BRASIL. Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 27 out. 2011
BRASIL. Lei n. 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 27 out. 2011
BRASIL. Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/X0000.xxx >. Acesso em: 27 out. 2011 AZEVEDO, Xxxxxx Xxxxxxx. Estatuto da Família de Fato. São Paulo: Atlas, 2011. XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Manual de Direito das Família. 4. ed. São Paulo: XX, 0000. XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx. Curso de Processo Civil. 1. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. XXXXXXXX, Xxxx. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Direito de Família. São Paulo: Forense, 2011.
XXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. Direito das Famílias. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2010.