Releitura dos deveres laterais das instituições financeiras nas relações de Crédito Rural
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Releitura dos deveres laterais das instituições financeiras nas relações de Crédito Rural
Trabalho apresentado como requisito à obtenção do título de especialista na pós-graduação de Processo Civil da Escola de Direito de Brasília
– EDB/IDP.
Brasília, agosto de 2.014.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 01
CAPÍTULO 1: O CONTRATO NA ATUAL CONJUNTURA 04
1 A EVOLUÇÃO DO CONTRATO 04
1.1 O escopo contratual contemporaneo 06
2 DEVERES LATERAIS 08
2.1 Parâmetros para identificação e definição dos deveres laterais 10
2.2 Autonomia dos deveres laterais diante do dever de prestação primária e sua atipicidade 12
2.3 Das espécies de deveres laterais: proteção, lealdade e cooperação, e esclarecimento e informação 13
2.4 A mitigação de prejuízos pelo credor e a redução dos custos de inadimplemento 17
CAPÍTULO 2: ANÁLISE DA CÉDULA DE CRÉDITO RURAL, PRINCIPAL INSTRUMENTO JURÍDICO UTILIZADO NAS RELAÇÕES DE CRÉDITO RURAL. 21
1 Breve retrospecto sobre a evolução dos instrumentos jurídicos institucionalizados para celebração das operações de financiamento rural 21
2 Da relevância da Cédula de Crédito Rural nas relações de crédito rural 24
CAPÍTULO 3: RELEITURA DOS DEVERES LATERAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CRÉDITO RURAL 27
1 Do dever do credor de cientificar os mutuários dos benefícios instituídos pelo Conselho Monetário Nacional e do prazo para exercê-los 27
2 A obrigatoriedade de se informar aos mutuários do direito de solicitarem a redução das garantias reais durante a execução do contrato 30
3 A informação correta quanto aos efeitos da liquidação com desconto, de dívida inadimplida. A questão da “herança maldita” e da inscrição do mutuário na lista negativa do sistema de informações de crédito do Banco Central 34
4 Do dever do credor de informar o mutuário produtor rural do direito de prorrogar o pagamento da dívida inadimplida, com manutenção dos mesmos encargos financeiros e de acordo com o ciclo biológico da cultura que desenvolve 36
CONCLUSÃO 40
REFERÊNCIAS 42
INTRODUÇÃO
Um produtor rural realiza um empréstimo em uma instituição financeira para custear a sua safra, todavia, por fatores climáticos, dentre outros alheios a sua vontade, ocorre a quebra expressiva da produção ficando impossibilitado de adimplir o empréstimo contraído. Seu único imóvel rural, onde reside, o qual é o seu meio de produção, está garantindo via hipoteca a satisfação da referida dívida. Inadimplente não consegue acesso a novos empréstimos. Por anos prossegue com muita dificuldade na atividade, até que é editada uma resolução pelo Conselho Monetário Nacional autorizando a quitação de determinadas dívidas, aqui inserida a do produtor em comento, com a autorização para pagar a dívida com até 70% de desconto ou parcelamento com juros com taxas bem abaixo das praticadas no mercado. A adesão a tal benefício pelo produtor rural propiciaria sua saída da situação de inadimplente e do cadastro restritivo de crédito, e portanto, viabilizaria o aumento de sua produção bem como a contratação de novos empregados.
O produtor tem um prazo decadencial para manifestar seu interesse em se beneficiar de tal resolução, todavia não tem conhecimento da existência da mesma, que foi publicada apenas no Diário Oficial. A instituição financeira credora, por sua vez, teve pleno conhecimento, e tem capacidade técnica e econômica para identificar e cientificar todos os seus mutuários que encontram-se inadimplentes e se enquadram nos requisitos da resolução.
A reflexão realizada no presente trabalho é, se em circunstâncias como a narrada acima e inúmeras outras contingências recorrentes nas relações de crédito rural há o dever pelas instituições financeiras que compõe o Sistema Nacional do Crédito Rural – SNCR de mitigar os prejuízos dos mutuários que são produtores rurais, de acordo com a releitura das cláusulas gerais e princípios que compõe o nosso ordenamento jurídico.
Na primeira parte do primeiro capítulo aponta-se suscintamente a evolução pela qual passou as relações contratuais, saindo de um contexto em que as obrigações, após celebradas deveriam ser rigidamente cumpridas, de forma inflexível, partindo-se da concepção de que sempre havia igualdade formal entre as partes, e isto seria suficiente para validade, eficácia e irreversibilidade do avençado, até chegarmos no atual estado – longe de ser o ideal, no qual visualiza-se a necessidade de realizar a igualdade material entre as partes integrantes da relação contratual, através de princípios gerais de conduta, textos normativos de ordem pública reguladores das relações negociais, cuja inobservância pode implicar na
nulidade absoluta do convencionado, bem como impondo a vigência entre as partes de normas contratuais cogentes – ainda que não escritas pelas partes. Tendo por finalidade a busca da máxima efetividade da justiça social e econômica.
No segundo capítulo, em sua primeira parte é realizado um breve retrospecto sobre os instrumentos normativos que foram instituídos para criação e regulamentação dos contratos e títulos de créditos específicos utilizados nas relações de crédito rural, desde o período imperial até a atual conjuntura, com notas sobre os aspectos positivos e negativos a cada texto legal criado.
Nesse contexto, questão que chama a atenção, à qual é abordada na segunda parte do segundo capítulo, são os deveres laterais que permeiam as relações negociais. Partindo-se da premissa de que toda relação obrigacional possui uma duplicidade de interesses. No primeiro tem-se a atuação do devedor para cumprir com a prestação primária, objeto principal da relação contratual, considerando-se tal atuação como um interesse positivo, de que algo deve ser feito para que ocorra a satisfação da prestação. Em um segundo plano, existe outro interesse, de que durante a execução da prestação, do objeto principal da relação jurídica, evite-se a lesão das partes contratantes e seus respectivos bens, podendo e devendo o credor auxiliar e cooperar com devedor para que este satisfaça a prestação de forma mais eficiente e justa. Haja vista os deveres laterais que lhe são impostos, oriundos de princípios gerais de conduta como a proteção, solidariedade, lealdade, informação e esclarecimento, e boa-fé, este último informador de todos os outros.
É destacado que nas relações de crédito rural são inúmeras as circunstâncias em que a instituição financeira credora poderia e deveria ter uma conduta ativa para melhorar a eficiência econômica e social nas operações de crédito rural.
Na terceira parte do segundo capítulo é abordado o dever do credor de mitigação dos prejuízos do mutuário, e os benefícios daí decorrentes para o credor, mutuário e a sociedade.
Ao final do segundo capítulo, chamamos a atenção para a cédula de crédito rural, suas peculiaridades e sua relevância por ser o principal título de crédito utilizado pelas instituições financeiras operadoras do Sistema Nacional do Crédito Rural.
Por fim, no terceiro capítulo é apontado que, inobstante seja limitada a capacidade de previsão da solução de contingências nos contratos, as vezes até inviável pela quantidade de cláusulas que seriam necessárias para prever todas as possíveis intercorrências, bem como face os custos de transação que daí poderiam decorrer. Há problemas que são recorrentes nas relações de crédito rural, e que reclamam a previsão de soluções.
O objeto central desse trabalho monográfico, como indicado no título, é realizar uma releitura dos deveres laterais nas relações de crédito rural, apontando-se possíveis condutas ativas e cláusulas padronizadas – standartizadas, que poderiam dispor as instituições financeiras, para maximizar a eficiência dos empréstimos rurais. Eis que em regra o mutuário é hipossuficiente diante das instituições financeiras, sendo carente de informação quanto a seus direitos. Carência e hipossuficiência essa que podem e devem ser mitigadas pelas instituições financeiras, conforme se pretendeu demonstrar.
CAPÍTULO 1: O CONTRATO NA ATUAL CONJUNTURA 1 A EVOLUÇÃO DO CONTRATO
Com o desenvolvimento do liberalismo, houve a redução ou ausência da intervenção do Estado notadamente nas relações negociais, concebeu-se a liberdade de contratar baseada na premissa de que todos os homens juridicamente capazes de negociar, estariam supostamente em situação de igualdade, conforme disposto na máxima do pact sunt servanda. Tal pensamento ignorava a hipossuficiência financeira, técnica e jurídica de alguns contratantes, a redução ou ausência da volição em determinados contratos.
A realidade política, econômica e social altera-se constantemente. Nesse movimento o pensamento jurídico refletindo tal fato, adota novas premissas e abandona outras6. O contrato como meio primordial de instrumentalização da circulação de riquezas, igualmente insere-se nessa dinâmica7, na transição de uma concepção liberalista para a do dirigismo contratual, é alvo de novas proposições diante da sua reconhecida relevância social e econômica8, servindo na atual conjuntura não apenas para estabelecer direitos e obrigações, indo além das regras produzidas pelo consentimento.
Vivenciamos um momento de superação da compreensão e aplicação do direito as relações contratuais. Inicialmente partia-se unicamente de normas previamente positivadas, de um sistema civilista fechado, decorrente do Código Civil de 1.916, o qual foi baseado na escola pandectista e de uma codificação européia dos séculos XVIII e XIX, em que o contrato era sempre fundado e interpretado na manifestação dogmática da vontade dos contratantes, e, por mais abusiva que pudesse parecer uma cláusula, nunca era em princípio inválida, desde
6 Na presente era denominada de pós-modernidade “é criado um “Novo Direito”, marcado pela tarefa de renovação e consagração de valores que ficavam a “a latere” do sistema jurídico”. XXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. Tese Doutorado da UFRGS. Orientadora: Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Porto Alegre, 2.006. (xxxx://xxx.xxxx.xxxxx.xx). Acesso em 01 de abril de 2014.
7 “El contrato se ha “descongelado” y muestra una vitalidad enorme, desde que comienzan las tratativas hasta su extinción; el vínculo se reformula, se adapta, se alongad en el tiempo dando lugar a los fenómenos de larga duración.” In: XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Problemas actuales de la teoria contractual”. p. 3. (Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/). Acesso em 01 de abril de 2014.
8 “Classicamente o contrato é entendido como um acordo bilateral, com objeto definido, poucas obrigações essenciais, imutável e isolado, resultado de uma declaração consensual de vontade. Mas essa tratativa não abarca a complexidade das relações presentes na atualidade ao se cuidar dos contratos. A realidade é dinâmica, fluída, na qual as relações são multilaterais, e às obrigações nucleares são acrescidos os deveres colaterais de conduta e obrigações acessórias. Os contratos estão interligados em redes de relações, os vínculos contratuais se alongam no tempo e por isso precisam ser mutáveis e adaptáveis. A finalidade do contrato é supra contratual: é econômica e social.” XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. O contrato sob a abordagem da teoria sistêmica. (xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/). Acesso em 01 de abril de 2014.
que livremente contratada. Passando para as cláusulas gerais abertas, principalmente com o advento do Código Civil de 2.002, permitindo que o ordenamento jurídico admita e se renove de forma mais célere e eficaz, como tem exigido a dinâmica das relações sociais9.
Partindo-se da constatação da realidade10, de que a liberdade contratual e a igualdade formal não asseguram de per si a justiça na relação negocial, foi percebida a falência do sistema fechado, o qual não possui como premissa a aplicação funcional dos institutos jurídicos que o integram, e consequentemente com os valores de Direito e Justiça Social, mas sim, com o simples funcionamento do próprio sistema.
Constatando-se então a necessidade de funcionalização do contrato, através do dirigismo contratual. Sendo que, de acordo com Nalim11 a justiça só passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores como “a dignidade do homem, a busca pela redução da pobreza e das diferenças regionais, a tutela dos hipossuficientes e vulneráveis”.
A Carta Magna, pedra angular do nosso direito, estabelece algumas diretrizes que inequivocamente devem ser observadas na celebração e interpretação dos contratos, que são, a dignidade da pessoa humana (art. 1°, inc. III), a erradicação da pobreza, diminuição das diferenças sociais, construir uma sociedade justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem comum (art.3°). Não sendo esquecidas as previsões infraconstitucionais que preceituam a ordem da boa-fé dos contratantes12.
A Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, preceitua em seu art. 5° que o juiz ao aplicar a lei deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Tais objetivos, não se restringem ao agir do magistrado na prestação jurisdicional, antes, porém, devem ser o norte, a baliza do agir das partes na relação contratual.
No direito italiano é utilizada a expressão “correttezza”, a qual aproxima-se e tem objeto comum ao da boa-fé e da solidariedade contratual, quanto ao dever de condução das partes de forma proba na relação contratual, em qualquer que seja a fase, não causando danos
9 “O propósito da propagada abertura do sistema é o de se fazer reconhecer a historicidade do Direito e a modificabilidade dos seus valores fundamentais, comprometidos eles (valores), e por sua vez também os princípios, com o tempo em que a situação concreta é posta à luz do ordenamento”. XXXXX, Xxxxx. Do Contrato. Conceito Pós-Moderno (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constituciona)l. 2° Edição, Ver. e Atual. Juruá. Curitiba, 2.006. p. 67.
10 XXXXX, Xxxxxx X. Carneiro. Contrato e Deveres de Proteção. Coimbra: Coimbra, 1.994. p. 20.
11 IN: Nalin, Op. Cit. p. 69.
12 Art. 422 do Código Civil: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
a contraparte. Em uma acepção contemporânea, equivale a do dever de mitigação dos prejuízos da parte devedora através de uma conduta ativa da parte credora, exigindo-se cooperação e auxílio à aquele no adimplemento do seu débito, e não apenas de uma conduta omissa, de não causar dano.
1.1 O escopo contratual contemporâneo
Impera-se no presente momento a reflexão sobre quais valores realmente se propõe a realizar o contrato à luz dos comandos constitucionais. Superando-se a visão clássica de que contrato encerra em si uma função única ou precípua, econômica circulatória. Em que não importava as consequências advindas no plano material às partes durante a celebração e execução do contrato, mas unicamente se houve a concretização do objeto específico da relação contratual.
A função social do contrato impõe a busca do equilíbrio material, através da efetivação de uma relativa justiça social - na medida do possível.
Realizando uma leitura constitucional do contrato13, partindo da premissa de que seu fim meramente econômico frustra o desejo constitucional da livre-iniciativa interligado a justiça social concebida no art. 170 da CF14, tem-se que a legalidade à livre-iniciativa dos titulares da relação condiciona-se a finalidade de assegurar a digna existência de todos15.
A interpretação do contrato, não ignora sua função econômica, o ter, mas analisa antes se a relação jurídica que deu causa ao contrato levou em conta a dignidade dos contratantes, o ser, conforme premissas constitucionais estabelecidas no art.1, III e 170, caput da CF, sendo indiferente se de consumo, civil ou comercial a relação creditícia 16.
13 De acordo com Xxxxx Xxxxx alguns dispositivos do Código Civil vigente “revelam um ranço da legislação para com interesses econômicos e de mercado, os quais merecem adequada leitura constitucional”. In: Nalin, Op. Cit. p. 242.
14 “Art. 170, caput – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”
15 “Mostra-se evidente que, se, implicitamente, a função econômica se insere no âmbito da livre-iniciativa, esta surge legalizada, tão-somente, se cumprida a explícita função (social) de dignificação dos sujeitos contratantes”. In: Nalin, Op. Cit.. p. 243.
16 “o homem está no centro das atenções constitucionais. Um contrato que não leve em conta tal aspecto fundamental de nosso ordenamento jurídico é inválido, mesmo que virtualmente nulo. Uma decisão judicial que
Destaca NALIM que “o deslocamento do foco da interpretação do contrato do Código Civil para um sistema civil-constitucional é que enquadra o homem no centro das atenções do ordenamento”17. O homem como titular de direitos e deveres, encontra na Constituição a tutela de seus valores existenciais dentro de uma visão antropocêntrica, aniquilando de certo modo o egocentrismo e individualismo inseridos no Código Civil.
Partindo das premissas apresentadas acima chegamos à conclusão de que a obrigação não se identifica estritamente no direito do credor a satisfação de seu crédito, nem da obrigação do devedor de cumprimento de sua prestação, mas sim, de que a obrigação antes se interliga mais adequadamente com uma relação de cooperação com a finalidade da satisfação do credor, mas em total observância ao valor da dignidade da pessoa humana do devedor.
Portanto, demarcado está “a nova tendência do direito contratual, que se distancia, cada vez mais, do individualismo preponderante no revogado código e cultua o respeito ao outro contratante”18.
Na presente era denominada de pós-modernidade os deveres contratuais laterais, os quais não são obrigações, mas deveres derivados da boa-fé.19 Evidencia-se neste contexto o dever de solidariedade contratual, considerado um princípio geral do direito20, que transcende a autonomia privada, diante do seu status de ordem pública, superando as relações privatistas para calcar o equilíbrio das relações sociais21, segundo o qual, na medida do possível, devem as partes em uma relação contratual buscar a satisfação e proteção não apenas de seus interesses, mas também, o da outra parte, em busca do almejado bem comum.
o desconsidere não realiza mesmo que os valores constitucionais da dignidade e da solidariedade, sendo, destarte, contrária à Carta.” Xxxxx Xxxxx. Do Contrato. Conceito Pós-Moderno (Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2° Edição, Ver. e Atual. Juruá. Curitiba, 2.006. p. 247.
17 In: Nalin, Op. Cit. p. 243.
18 In: Nalin, Op. Cit. p. 83.
19 “Es importante señalar que los deberes colaterales cumplen una función en la asignación de un curso eficiente a la negociación contractual, favoreciendo los juegos de ganancia mutua.” In: XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Problemas actuales de la teoria contractual”. p. 7. Acesso em 01 de abril de 2014. (Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/)
20 Quanto a força dos princípios deve-se partir da premissa de que o sistema jurídico somente deve ser assim considerado se, de princípios gerais do Direito puderem ser deduzidas regras concretas. In: Nalin, Op. Cit. p. 64.
21 De acordo com Xxxxx Xxxxx admite-se hoje o princípio da solidariedade “como princípio geral do ordenamento jurídico, independentemente da existência de uma expressa regra jurídica que o contemple, posto no ápice do ordenamento jurídico, independentemente da existência de uma expressa regra jurídica que o contemple, posto no ápice do ordenamento e acerca do qual deve sempre reportar-se o intérprete na aplicação de qualquer fattispecie concreta, na lógica do sistema.” In: NALIN, Op. Cit.p.65.
2 DEVERES LATERAIS
A relação contratual é composta por uma realidade complexa. Inicialmente tem-se de forma clara uma ou mais prestações que definem o objeto do contrato, segundo a doutrina tais prestações são denominadas de deveres principais ou primários de prestação22.
Simultaneamente compõe a relação contratual, deveres acessórios a prestação principal também denominados de deveres laterais, cujas características são uma relação de acessoriedade com a prestação principal, a propiciar a adequada realização do objeto do contrato salvaguardando-se os direitos das partes na relação contratual23.
Já para LÔBO apud 24LOPES os deveres laterais a que mencionamos, não são acessórios da relação obrigacional, pois decorreriam de deveres gerais de conduta:
“os deveres de conduta estão acima da relação obrigacional ou do dever de seu adimplemento e decorrem diretamente dos princípios normativos, dentre os quais a boa-fé objetiva. Os deveres de conduta se irradiam sobre a relação obrigacional e seus efeitos, impondo-lhes limites e fixando a sua forma de acordo com os princípios e valores socialmente vigentes e reconhecidos pelo ordenamento jurídico em certo momento histórico”.
De acordo com a doutrina em epígrafe, os deveres laterais de conduta na relação negocial estão acima dela e sobre ela se irradiam, e não seriam acessórios nem derivados da relação obrigacional, sendo indiferente, portanto, se está previsto ou não no contrato que as partes devam agir de boa-fé, com cooperação e transparência, encontrando-se intrínseco tais deveres àquela relação jurídica.
Trata-se da superação de uma visão míope e individualista, de que o mero cumprimento do dever de prestação, por si só, representaria o adequado cumprimento do
22 XXXXX, Xxxxxx X. Carneiro. Contrato e Deveres de Proteção. Coimbra: Coimbra, 1.994. p. 37.
23 “A envolver os deveres de prestar, qualquer que seja a sua natureza, predispõem-se na relação obrigacional uma outra série de deveres essenciais ao seu correcto processamento. Não estão estes virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação”. XXXXX, Xxxxxx X. Carneiro. Contrato e Deveres de Proteção. Coimbra: Coimbra, 1.994. p. 39.
24 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Mitigação dos Prejuízos no Direito Contratual. 1° Edição. Saraiva. São Paulo. 2.013. p. 156.
contrato de acordo com o seu fim, que as obrigações das partes se resumiriam apenas aquelas expressamente dispostas no contrato25.
Deve-se partir da premissa de que toda relação obrigacional possui uma duplicidade de interesses. No primeiro tem-se a atuação do devedor para cumprir com a prestação, objeto principal da relação contratual, considerando-se tal atuação como um interesse positivo, de que algo deve ser feito para que ocorra a satisfação da prestação. Em um segundo plano, existe outro interesse, de que durante a execução da prestação, da relação jurídica obrigacional principal, evite-se a lesão das partes contratantes e seus respectivos bens, auxiliando o devedor na satisfação da prestação.
Esclarece MENGONI que:
“la obligación es reconstruida como una estructura compleja, según la cual el núcleo principal está constituido por la obligación [obbligo] de prestación y está integrado por una serie de obligaciones [obblighi] accesorias coordinadas en un nexo funcional unitario. El aspecto más interesante de esta evolución está representado por la teoría de los «deberes [obblighi] de protección», que ha extendido la tutela de la relación obligatoria, y por ello el régimen de la responsabilidad contractual, al interés de ambas partes para preservar la propia persona y los propios bienes del riesgo específico de daño creado por la particular relación que se produce entre los dos sujetos26.”
No mesmo sentido o jurista português Xxxxxx Xxxxx preceitua que qualquer contato humano, como o estabelecido em uma relação contratual potencializa riscos de interferências danosas na integridade pessoal ou patrimonial dos intervenientes27. Daí passou- se a conceber os deveres de conduta pelas partes para que venham a agir de modo a evitar a concretização de tais danos.
Há, portanto, uma expansão da noção de adimplemento, que não se resume aos deveres de prestação (satisfação da obrigação principal), vai além, abarcando os deveres de comportamento – laterais, tanto os não-vinculados a prestação, mas relativos aos cuidados necessários à pessoa e aos bens da outra parte, expostos na relação, quanto os deveres indiretamente vinculados à prestação28.
00XXXXX, Xxxxxx X. Carneiro. Contrato e Deveres de Proteção. Coimbra: Coimbra, 1.994. p. 262.
26 Xxxxx Xxxxxxx apud Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Op. Cit.p.262.
27 Op. Cit. p. 263.
28 XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx da. Op. Cit. p. 82.
Deve ser destacado que os deveres laterais são uma via de mão dupla, independentemente da posição contratualmente definida pelas partes quanto ao dever de prestação primária29.
Ademais a competitividade das partes, nos contratos onerosos, onde se reduz a termo os direitos e obrigações necessários à realização do contrato, não é incompatível com a criação de uma zona envolvente com deveres de solidariedade30 e cuidado.
2.1 Parâmetros para identificação e definição dos deveres laterais
Pode se dizer que são deveres laterais todos os interesses que compõe a relação, cuja atividade respectiva seja em sua essência conexa à execução do contrato, como o dever de “não destruir o patrimônio da outra parte com a execução do contrato, ou o de não informar as eventuais consequências danosas do mau uso da máquina instalada”31. E por outro lado, não devem ser considerados deveres laterais, os que não possam ser relacionados como “necessários à execução do contrato, ou da obrigação, como o dever de não furtar ou de não roubar o patrimônio da outra parte32.”
Algumas características gerais podem ser elencadas para identificação dos deveres laterais (a imputação do dever-ser) tendo em vista que assim como os deveres obrigacionais de prestação (principal), estes também tem sua veiculação normativa nos mesmos instrumentos – a lei, o negócio jurídico e o princípio da boa-fé. 33
Os deveres laterais decorrem preponderantemente de um mesmo fundamento material-normativo, qual seja o princípio da boa-fé, especialmente em seus vetores confiança, lealdade e cooperação.
29 “Tal característica decorre do fato de que as esferas jurídicas (pessoal e patrimonial) de ambas as partes podem ser atingidas por atividades culposas da outra” e “A proteção dos contratantes, nesses casos, é decorrência direta do fato de que as partes se relacionam contratualmente e não do objetivo das partes na relação. Por isso, a posição ativa ou passiva das partes na relação obrigacional não tem relevância para a subjetivação desses deveres”. XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 2° Edição. Renovar. São Paulo. 2.007. p. 103.
30 O Código Civil Italiano prevê expressamente o dever de solidariedade entre as partes na relação obrigacional: “Art. 1175. Comportamento secondo correttezza. Il debitore e il creditore devono comportarsi secondo le regole della correttezza [in relazione ai principi della solidarietà corporativa]”.
31 Op. Cit. p. 89.
32 Op. Cit. p. 89.
33 Op. Cit. p. 90.
Para melhor análise das características dos deveres laterais, deve-se ter em vista a distinção entre o contrato como fonte normativa e o contrato como fato jurídico.
O contrato como fonte normativa, é considerado como o conjunto de normas jurídicas individuais, no qual é estabelecida a prestação (obrigação de um dever de prestar algo à outra parte).
Já a acepção do contrato como fato jurídico, nada tem de normativo, dizendo respeito ao conjunto fático sobre o qual incidem as normas, não se considera a validade, mas a constatação da existência do contrato como um fato.
Diz-se que os deveres laterais possuem fontes normativas diversas dos deveres de prestação, posto que no que tange a fonte normativa, inexiste nos deveres laterais a imposição a uma prestação específica “a impedir que danos venham a ser provocados à pessoa ou aos bens da outra parte”, ou a “determinar que o adimplemento se dê de forma qualitativa e objetivamente mais satisfativa aos interesses do credor de forma menos onerosa ao devedor.”
No que concerne à fonte fática percebe-se que no dever de prestação, circunscreve-se ao momento de celebração do contrato, em que as duas vontades se conjugam. Havendo a alteração de vontade posteriormente, por uma das partes, somente poderá ocorrer a alteração da prestação, se for realizado um aditivo contratual, momento este que estará alterado o conteúdo normativo da relação.
Já os deveres laterais, independem do momento de conjugação das vontades, eis que são independentes das declarações emitidas quando da gênese do contrato, possuindo como fonte fática o “conjunto de fatos ensejadores e/ou decorrentes do acordo”, a atuação das partes e as “circunstâncias, mesmo que decorrentes de terceiros, envolvidas na relação.34”
2.2 Autonomia dos deveres laterais diante do dever de prestação primária e sua atipicidade
Interessante destacar a autonomia dos deveres laterais diante do dever de prestação primária, diante de um fato que leve a invalidade do contrato, e torne inexistente
34 Op. Cit. p. 96.
qualquer pretensão a prestação primária. Caso este em que os deveres laterais, principalmente de proteção poderão persistir, e caso sua inobservância cause danos a outra parte (ou até mesmo a terceiros), haverá uma responsabilidade contratual pela reparação do dano35.
Analisando a relação entre os deveres laterais e os deveres de prestação, denota-se a ausência de uma vinculação direta entre os primeiros, e a espécie de obrigação ou tipo contratual, ou seja, um mesmo tipo de contrato com igual dever de prestação, não enseja a existência de iguais deveres laterais, que conforme já assinalado surge de um conjunto de fatos e especificidades decorrentes da relação negocial concretamente analisada.
De acordo com XXXXX isso se dá porque “o tipo contratual, ou a eventual atipicidade, ou ainda o fato do dano, vinculam-se teleologicamente à prestação primária ou secundária” todavia “não se determina – até por ser impossível - o conjunto de circunstâncias concretas que a específica relação testemunhará”36.
Exemplificando a questão posta acima XXXXX diz que duas relações contratuais de compra e venda do mesmo bem poderão dar ensejo ao surgimento de deveres laterais diversos, de acordo com a diferença das especificidades das partes ou o peso da confiança gerada pelas circunstâncias concretas37.
2.3 Das espécies de deveres laterais
A distinção e verticalização dos deveres laterais em diferentes espécies se apresenta relevante diante da possibilidade de melhor percepção e definição desses deveres.
Constata-se a existência de classificações das mais diversas pela doutrina38, muitas vezes adotando nomes distintos referem-se diferentes juristas ao mesmo instituto.
35 Xxxxx-Xxxxxxx Xxxxxxx apud Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx , ilustrando tal assertiva narra “a hipótese do mecânico que recebe um automóvel para o conserto do motor e constata a existência de defeito nos freios, a cujo conserto não procede nem avisa a necessidade ao proprietário. Com relação ao conserto do motor, o contrato é invalidado por dolo, por ter o mecânico escondido o alto custo do conserto em face do valor do automóvel. Contudo, posteriormente à reparação do motor, o proprietário do automóvel sofre um acidente exatamente pelo defeito dos freio”, p. 100.
36 Op. Cit. p. 103.
37 Op. Cit. p. 104.
38 “Neste sentido, pode-se referir XXXXXX, que distingue seus “outros deveres de conduta” em deveres de proteção e lealdade; os comentários de PALANDT, que separa os deveres laterais em deveres de confiança quanto à prestação (Leistungstreupflicht), cooperação, proteção, esclarecimento e deveres de informação
Ficamos então com uma classificação simples, mas precisa definida por XXXXX, que o faz em três grupos: “os deveres de proteção, os de lealdade e cooperação e os de esclarecimento e informação”39.
No que concerne ao dever de proteção, como exposto em linhas volvidas, este decorre de uma superação de uma visão míope e individualista, de que a mera satisfação da prestação primária, por si só, represente o adequado cumprimento do contrato de acordo com o seu fim, em que se limitariam as obrigações das partes, apenas aquelas expressamente dispostas no contrato40. Durante a celebração e execução do contrato, da relação jurídica obrigacional principal, devem as partes, tanto credor como devedor, agir de modo a evitar lesionarem a si mesmos e aos seus respectivos bens, devendo o credor auxiliar o devedor na satisfação da prestação primária, e o devedor cumprindo com aquela de modo a efetivamente alcançar seus fins, econômicos e sociais, evitando-se o chamado cumprimento defeituoso.
O dever de lealdade tem como premissa a não quebra das expectativas postas pelas partes no contrato, através de atos comissivos ou omissivos, anteriormente à conclusão do contrato, durante a vigência dele ou até após sua extinção.
Para XXXXXXX XXXXXXXX apud XXXXX tais deveres correspondem à imposição, diretamente decorrente da boa-fé, de as partes atuarem, de forma leal inobstante defendam interesses contrapostos. Não se confundindo com o dever de prestação primária, apesar de sobre aquele exercer grande influência quanto a realização do objeto-fim do contrato. Nesse sentido preceitua HERVIA41 que:
“De ahí que el criterio de lealtad se especifica en dos direcciones: «como criterio idóneo para permitir la formación de una norma contractual que haga posible la realización completa de la operación económica perseguida por las partes», y
«como criterio que, compatiblemente con el tipo de reglamento de intereses perseguido por las partes, permite la formación de una norma contractual adecuada a las finalidades del orden social perseguidas por el ordenamiento».”
(Auskunftpflicht); XXXX XXXXX, que, desenvolvendo a catalogação de SIEBERT, nos comentários ao BGB de SOERGEL (§ 242), destaca os deveres de cuidado, previdência e segurança, os de aviso e declaração, os de notificação, os de cooperação e os deveres de proteção e cuidado, ou, dentre nós, CLÓVIS DO COUTO E SILVA, que distingue os deveres por ele chamados de “secundários” em “deveres de indicação e esclarecimento” e “deveres de cooperação e auxílio”. XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 2° Edição. Renovar. São Paulo. 2.007. p. 108.
39 Op. Cit. p. 108
00XXXXX, Xxxxxx X. Carneiro. Contrato e Deveres de Proteção. Coimbra: Coimbra, 1.994. p. 262.
41 HERVIA, Xxxxxx Xxxxxxx. Los contratos con deberes de protección: a propósito de la vinculación entre el derecho constitucional y el derecho civil. Revista de La Faculdad Derecho Peru. N° 71, 2013, pp. 53-75. Acesso em 21/04/14. (Disponível em: xxxx://xxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/).
O mesmo ocorre com o dever de cooperação, segundo o qual as partes contratantes possuem o dever de auxiliar a realização das atividades necessárias a consecução do fim do contrato, assim como afastar as dificuldades que eventualmente surgirem, e que estejam ao alcancem dos contratantes. Estes deveres surgem em regra durante a execução contratual, e se circunscrevem a questões fáticas e jurídicas de acordo com o fim do contrato ou da obrigação, presentes no caso concreto.
Ilustrativa e sensível é a lição dada por XXXXX apud NAIM42 a qual convêm ser
transcrita:
“Somente por uma questão patológica dos nossos dias, motivada pelo exagerado tecnicismo e pela especialização dos estudos e profissões, perdeu o homem a sua espiritualidade, a sua personalidade e sua capacidade de julgamento, tornando-se um uomo-massa, que afasta de si valores instáveis (não passiveis de descrição matemática), pois que não existenciais, como o da cooperação. A cooperação entre contratantes, sob a ótica personalista do Direito Civil é inarredável, enquanto própria essência da obrigação, hoje demanda estudos apartados, para que seja inserida no contexto obrigacional, ao menos, como dever jurídico”.
Xxxx exposto a cooperação deveria ser indissociável das relações humanas, não o sendo, por uma falha sociocultural. O ser humano em sua ambição ou autodefesa age egoisticamente de forma recorrente. Todavia, tal agir, deve ser rechaçado em busca de um bem comum, de um comportamento ético, ainda que lhe seja imposto pela acepção de um dever jurídico de solidariedade e cooperação. Eis que o comportamento virtuoso ainda não é inerente aos homens, para Dworkin “A virtude deveria ser sua própria recompensa.”43
O dever de informação e esclarecimento, assim como os demais deveres laterais são impostos as partes, e dizem respeito a todos os aspectos que envolvem o vínculo contratual, das ocorrências que a ele se relaciona, bem como dos efeitos que poderão advir da execução do contrato.
Tem, portanto, tais deveres, fundamental relevância para que os contratantes tenham a exata dimensão dos reflexos decorrentes do contrato, questões essas que irão implicar na sua volição quanto a adesão das mesmas aos termos contratuais, e influem na capacidade das partes de conseguirem cumprir o contrato.
42 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato. Conceito Pós-Moderno (Em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional. 2° Edição, Ver. e Atual. Juruá. Curitiba, 2.006. p. 198.
43 XXXXXXX, Xxxxxx. What is a good life?. TRADUÇÃO Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. Rev. Direito GV vol.7 no.2 São Paulo July/Dec. 2011. Acesso em 17 de abril de 2014. (Disponível em: xxxx://xx.xxx.xxx/00.0000/X0000-00000000000000000)
Observa-se nesse contexto, que muitos deveres de informação estão sendo normatizados, como no caso do Código de Defesa do Consumidor, impondo-se de forma objetiva o dever de em determinados contratos, serem obrigatoriamente prestadas determinadas informações as quais se presumem serem relevantes e indispensáveis ao conhecimento da parte contratante.
Deve se ressaltar a distinção no fundamento material para a imposição de deveres de informação e esclarecimento, quanto a relação se der entre profissionais e não- profissionais, caso em que tais deveres decorrerão dos conhecimentos técnicos do profissional, e por outro lado, na relação entre não-profissionais e não-profissionais, terá como fundamento a boa-fé, a ensejar os deveres de informação44.
A definição dos deveres de informações e esclarecimento é meramente enunciativa, eis que sua identificação no caso concreto, passa por inúmeras dificuldades, sendo difícil de distingui-lo dos demais deveres laterais, posto que a ausência de informação, poderá simultaneamente e sem qualquer confusão, configurar-se como a violação dos deveres de cooperação, de lealdade ou de proteção.
Em alguns casos os deveres de informação e esclarecimento poderão confundir-se com o próprio dever de prestação principal ou primária, a depender do quanto afetará a correta e adequada identificação do objeto do contrato pelas partes45. Para uma adequada compreensão dos limites dentre os deveres laterais em comento e os deveres de prestação, deve se ter como premissa que o dever de informar será considerado um dever primário quando as informações forem típicas e genéricas a determinados contratos, ligadas de forma inerente ao objeto do contrato, de tal modo, que sua ausência, corresponde ao descumprimento do próprio objeto do contrato. Ao contrário, em se tratando de informações excepcionais, decorrentes da relação individualmente considerada, mas necessárias a plena realização do objeto contratual, sê-lo a um dever lateral.
Por fim, quanto aos deveres de informação e esclarecimento, registramos a observação realizada por XXXXX de que a distinção, se lateral ou de prestação, tais deveres são especialmente relevantes em países como o Brasil, “onde significativa parcela da
44 XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 2° Edição. Renovar. São Paulo.
2.007. p. 116.
45 “Assim dispõe a Diretiva da Comunidade Européia sobre Falta de Informação e assim também determina o Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 12, caput e §1° iguala a falta de informação ao defeito do produto.” Op. Cit. p. 117
população não tem acesso à leitura e onde, sobretudo no âmbito rural, muito valiosa é a informação prestada pelo comerciante”46.
A assimetria existente na distribuição e no acesso à informação é uma falha de mercado47. Segundo o economista Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx a assimetria informacional ocorre quando uma das partes envolvidas em uma relação possui acesso privado a certa informação, ou ainda que seja pública a informação, a capacidade de acesso é desigual entre as partes.
Em uma relação de crédito rural, é notória, em regra, a carência de informação do produtor rural - contratante, em face da instituição financeira – contratada, quanto aos seus direitos diante daquela relação creditícia, configurando uma assimetria informacional desfavorável ao contratante. A carência de informação em comento geralmente não é suprimida na fase pré-contratual, nem durante ou após a celebração do contrato, eis que, segundo XXXXX:
“novas necessidades obrigacionais surgem no decorrer da execução do contrato e, assim como aquelas necessárias antes da contratação, podem não estar disponíveis a todas as partes interessadas; de outro lado, se não houver alinhamento perfeito de interesses ou se o contrato não dispor todas as possíveis intercorrências (contrato incompleto), uma das partes pode tentar burlá-lo para seu benefício privado. Se essa ação indevida não puder ser identificada ou verificada, tem-se o que denomina a literatura de ação oculta. Existe, portanto, na fase pós-contratual o risco de que uma das partes, diante da possibilidade de agir de forma oculta, ignore sua responsabilidade moral intrínseca pelo cumprimento do acordo e gere danos às demais.”48
Pelo transcrito acima, tem-se que durante a execução do contrato podem surgir novos direitos, principalmente para os mutuários bem como e consequentemente novas obrigações para os credores, distintas daquelas existentes durante a celebração do contrato.
Diante da assimetria informacional, em regra, os produtores rurais celebram contratos sem terem conhecimento de incontáveis direitos, bem como, não tomam
46 Op. Cit. p. 119.
47 Segundo o economista em epígrafe: “A assimetria de informação é a disparidade de acesso entre as partes de uma transação à informação relevante para garantia de um resultado ótimo. A parte mais bem informada possui incentivos a explorar essa vantagem em benefício próprio; a parte menos informada, ciente disso, age com maior cautela. Em decorrência deste ajuste de comportamento devido à assimetria informacional, o resultado da interação entre os agentes pode levar a um resultado subótimo”. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Uma avaliação de contratos de crédito sob a ótica da economia da informação. Dissertação (Mestrado em Economia)
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Porto Alegre, 2.009. Acesso em 02/04/2014. (Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxxxx.xx/)
48 Op. Cit.p.118.
conhecimento dos “novos direitos” que eventualmente lhes são conferidos, direitos estes que poderiam tornar a execução do contrato mais justa e eficiente sob o aspecto econômico e social. Diante do direito de informação e do dever de cooperação deve o credor informá-los, quer seja através de cláusulas gerais previamente previstas nos contratos ou da cientificação posterior dos mutuários.
2.4 A mitigação de prejuízos pelo credor e a redução dos custos de inadimplemento
Como já exposto neste trabalho, a disposição contratual prévia de soluções para alguns casos de inadimplemento, ou até mesmo para se evitar o inadimplemento, possuem óbices intransponíveis, quer seja pela limitação da capacidade humana em imaginar todos os possíveis problemas, ou pelos altos custos que poderiam incrementar na elaboração do contrato.
Todavia, conforme será exposto no terceiro capítulo, ao se falar em crédito rural, existem problemas que são recorrentes, e que as medidas para a mitigação dos prejuízos, pelo credor, poderiam ser solucionadas pela previsão de deveres de cooperação e informação quer seja na fase de celebração do contrato ou até mesmo após o seu inadimplemento. E tais medidas importariam, em verdade, na redução dos custos do contrato tanto para o credor, quanto para o devedor e principalmente para a sociedade. Nesse sentido esclarece LOPES49 que:
“Cabe reconhecer, entretanto que a adoção da norma de mitigação não traz apenas o efeito benéfico de reduzir os custos do inadimplemento para a sociedade e para o devedor. Com o inadimplemento surgirá se houve a ocorrência de uma contingência entre o momento da contratação e a data em que a prestação seria devida, a redução dos custos de inadimplemento, que pode ser percebida com a diminuição das despesas com as contingências que surgirem após a celebração da avença”.
Portanto os custos do inadimplemento podem ser diminuídos de acordo com a eficiência das disposições contratuais que estimulem o credor a mitigar os prejuízos efetivos ou possíveis dos mutuários.
O doutrinador em comento preceitua ainda que “segundo Posner todo contrato é um seguro”, partindo-se da premissa que na contratação as partes assumem riscos. E para
49 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Mitigação dos Prejuízos no Direito Contratual. 1° Edição. Saraiva. São Paulo. 2.013. p. 127.
assumir tais riscos um contratante (instituição financeira) irá cobrar um prêmio, para firmar o contrato, e o valor desse prêmio é embutido no valor da contraprestação a ser paga pela contraparte (produtor rural).
Preceitua LOPES50 que: “Embora a adoção da norma de mitigação não reduza os riscos, ou seja, a probabilidade de ocorrência de contingências, diminui o valor que terá que ser desembolsado pelo devedor”, que será o segurador daquele risco, caso ocorra aquela contingência – inadimplemento do contrato de mútuo.
No contrato de seguro a franquia tem por finalidade incentivar o segurado a agir diligentemente, ou seja, a não visualizar como um bom negócio – risco moral, permitir que o sinistro ocorra ou tenha efeitos mais nefastos, que poderiam ser economicamente mais interessantes. No presente caso, equivaleria a incentivar a instituição financeira a mitigar os prejuízos do mutuário. Finalizando este raciocínio analógico XXXXX dispõe que “em vez de o devedor/segurador pagar indenização por todos os danos” neste caso, do produtor rural pagar inúmeros encargos moratórios decorrentes do inadimplente, o mesmo “arcará apenas com aqueles inevitáveis, sendo que os evitáveis constituirão a “franquia” que fica por conta do credor/segurado”51.
Portanto “a norma de mitigação estimula a cooperação entre as partes no momento em que há o inadimplemento, em busca de uma solução que reduza o impacto do descumprimento contratual”52.
O dever do credor de mitigar os prejuízos dos produtores rurais mutuários, quer seja através da regulamentação de novas normas ou através da releitura (adequada interpretação) das normas já existentes, tem a função de induzir a conduta que seja mais eficiente sob o aspecto econômico e social.
É consabido, que sem a previsão, ou a devida interpretação e aplicação da norma o credor tende a se manter inerte porque para ele mitigar, em princípio e racionalmente falando seria pior do que não mitigar, eis que sendo “o credor um agente racional que visa
50 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Mitigação dos Prejuízos no Direito Contratual. 1° Edição. Saraiva. São Paulo. 2.013. p. 127.
51 Op. Cit. p. 127.
52 Op. Cit. p. 117.
maximizar sua própria riqueza, ele não adotará condutas para evitar os danos”53. No caso em análise os danos seriam os encargos moratórios dos quais advém o lucro obtidos pelas instituições financeiras, ou seja, em princípio quanto maior o número de inadimplentes e maior o tempo de inadimplência do mutuário, maior serão os lucros de tais instituições financeiras54.
Uma segunda razão, para que naturalmente o credor tenha a tendência, como efetivamente percebemos na prática, a não querer mitigar os prejuízos do mutuário, decorre da incerteza de que receberá integralmente o empréstimo realizado com todos os encargos decorrentes da mora55.
Todavia, deve se ter em vista que “com a inserção no ordenamento jurídico do dever de mitigar, os interesses do credor, do devedor e da sociedade como um todo ficam alinhados”56. Diz-se que os interesses de ambas as partes ficam alinhados pois cooperando o credor com o mutuário para que esse satisfaça seu débito, propiciará uma reação em cadeia no ciclo econômico, favorável ao desenvolvimento, com a realização de lucro pelo credor, a retomada de novos empréstimos pelo mutuário e consequentes reinvestimentos, os quais geram novos postos de trabalho e a circulação de riquezas.
Diante de tais pressupostos, concluímos desde já e adotamos como premissa o entendimento de que “ Não mitigar passa a ser a pior conduta para o credor, assim como é a pior conduta do ponto de vista social de preservação de riquezas”57.
Assim sendo as instituições financeiras operadoras do Sistema Nacional do Crédito Rural deveriam ser induzidas a adotar a conduta que mais interessa à sociedade, que perpassa necessariamente pela mitigação dos prejuízos dos produtores rurais que obtém empréstimos para custeio e investimento na produção agropecuária nacional.
53 Op. Cit. p. 111.
54 Nessa reflexão ignora-se o risco relativo a liquidez dos mutuários, eis que um maior número de inadimplentes não representa necessariamente maior lucro.
55 “Se os danos majorados pela falta de mitigação são igualmente difíceis de serem apurados, essa não parece ser uma estratégia racional, pois o credor estaria se submetendo a maiores riscos. Assim, o credor apenas terá incentivo para não mitigar, em razão da incerteza de recuperar todos os danos, se os danos majorados forem mais fáceis de serem apurados em futuro processo judicial”. XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Mitigação dos Prejuízos no Direito Contratual. 1° Edição. Saraiva. São Paulo. 2.013. p. 111.
56 Op. Cit. p. 111.
57 Op. Cit. p. 111.
CAPÍTULO 2: ANÁLISE DA CÉDULA DE CRÉDITO RURAL, PRINCIPAL INSTRUMENTO JURÍDICO UTILIZADO NAS RELAÇÕES DE CRÉDITO RURAL
1 Breve retrospecto sobre a evolução dos instrumentos jurídicos institucionalizados para celebração das operações de financiamento rural
Desde o século XVIII assistimos no Brasil a busca por inúmeras modalidades de títulos de crédito e contratos que melhor se adequassem as relações de crédito rural. Nesse percurso o foco foi e continua sendo a disponibilização para as partes de instrumentos jurídicos menos onerosos, menos burocráticos e mais seguros para o credor.
A criação de instrumentos jurídicos específicos para o crédito rural se deu ainda durante o período Imperial, em 05 de outubro de 1.989 com o advento da Lei n° 3.272 que regulamentou o Penhor Agrícola, dispondo sobre a forma de registro e publicidade.
Em 06/11/1903 adveio a Lei n° 829, quando então já havia se instaurado no Brasil a República, permitindo que Sindicatos Rurais organizassem suas “Caixas de Crédito Agrícola”.
O Penhor Agrícola novamente foi objeto de mais regulamentações com a Lei n° 492 de 30/08/37 que deu nova dimensão ao instituto. A novel lei veio a ser muito mais específica e clara quanto a sistemática para emissão e cobrança do Penhor Rural, inclusive corrigindo algumas atecnias, eis que anteriormente dizia-se Penhor Agrícola, o qual assim como o Penhor Pecuário, são espécies do gênero Penhora Rural.
Aspecto interessante da nova lei que regulamentou o Penhor rural foi a criação da Cédula Rural Pignoratícia, até então inexistente. Naquela época era apresentado ao oficial de registro imobiliário a escritura pública ou particular que instrumentaliza o mútuo rural, e as garantias pignoratícias. Após o registro o credor poderia solicitar ao cartório que lhe entrega- se uma Cédula Rural Pignoratícia. Era obrigatório que consta-se na cédula inúmeros dados quanto as partes, o local de celebração do negócio, o valor da dívida, seus juros e data de vencimento, e os bens que a garantiam, por exemplo.
Foi conferido a referida cédula a natureza de título de crédito, a qual era transferível por simples endosso. Tais alterações vieram a conferir maior segurança jurídica, e maior dinamicidade a economia. Eis que o credor que inicialmente emprestava o dinheiro para o produtor rural, não precisaria necessariamente aguardar o prazo final previsto para o vencimento da dívida, o mesmo poderia vender sua posição, com a cessão do título, permitindo assim que houvesse maior circulação de capital no campo.
Apesar dos avanços, a cédula rural pignoratícia que surgia ainda tinha exigências que a tornavam burocrática e onerosa, como a exigência contida no art. 22 e seguintes da Lei n° 492/37 de que, vencida e não paga a dívida, deveria o credor protestar a cédula no cartório de notas, para somente após poder executá-la.
Havia, por outro lado, o receio pelo mutuário, de constituir garantias pignoratícias, diante da possibilidade de ser preso, caso fosse protestado e não apresenta-se os bens que garantiam a cédula, independente se havia alienado ou perdido os bens garantidores.
Diante da inequívoca necessidade de se prever e melhor regulamentar a garantia real – hipoteca, nas operações de crédito rural, com a dinâmica e inovações já institucionalizadas para o penhor, foi criada a Lei n° 3.253, de 27 de agosto de 1.957, através da qual foram criadas as além da cédula rural pignoratícia, a cédula rural hipotecária e a cédula rural pignoratícia e hipotecária.
Apesar dos avanços instituídos no diploma legal acima mencionado, foi objeto de polêmica as disposições nele contidas que conflitavam com o Código Civil vigente à época. Analisando tais questões MARQUES destacou a dispensa de outorga uxória na constituição da hipoteca, conquanto expressamente exigida pelo Código Civil:
“Assim, por exemplo, a dispensa da outorga uxória na constituição da hipoteca cedular vulnerava, abertamente, o art. 235, I, do Código Civil, que dispõe sobre a proibição de o marido hipotecar ou gravar de ônus reais os bens imóveis do casal, qualquer que seja o regime de bens adotado no casamento.”58
Foi instituído ainda, entrave que limitava a dinâmica das relações negociais, como a vedação prevista em seu artigo 25 de venda dos imóveis hipotecados sem a anuência do credor.
58 MARQUES, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. As garantias do crédito rural e suas indagações jurídicas. 1° Edição. Instituto Cartográfico Nacional Ltda.: São Paulo. 1.979. p. 32.
Comentando o art. 25 da Lei n° 3.253/57, MARQUES dispôs que:
“De outra parte, a proibição de venda dos bens apenhados ou hipotecados, sem anuência prévia e expressa do credor, criava uma situação nova na ordem jurídica subjacente, ao restringir a livre disposição de bens pelo seu titular, quando era sabido, pela inteligência do artigo 677, do Código Civil, que a venda do imóvel hipotecado era perfeitamente viável, independentemente de anuência do credor hipotecário, sendo apenas exigido a notificação deste credor, em caso de alienação judicial (art. 826, do Código Civil). Em alienação particular o novo adquirente recebia o imóvel com o ônus constituído, sendo este apenas o inconveniente.”59
O que se constata das normas regulamentadoras criadas naquele momento foi uma preocupação do legislador, não apenas de simplificação e desoneração dos custos na realização dos empréstimos rurais, mas também a instituição de maiores garantias aos credores. Todavia, como apontado, nesse desiderato o legislador acabou por violar algumas garantias individuais bem como a causar outros entraves quanto ao aspecto dinamicidade, das relações econômicas.
O que foi considerado o grande marco legislativo no que tange ao crédito rural, foi o Estatuto da Terra – Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, que adveio logo após o Golpe Militar, o qual definiu novos parâmetros para a Política Rural. Surgiu de um clamor que já vinha há décadas, e em um momento em que a economia com a base predominante agrária primária passava por recessão.
Nesse contexto é que em 31/12/64 foi editada a Lei n° 4.595, através da qual foi criado o Conselho Monetário Nacional, definindo-se ali algumas competências específicas relacionados ao crédito rural, como a possibilidade de limitação de juros concedidos ao rurícola.
Todavia, foi através da Lei n° 4.829, em 5/11/65 que houve a efetiva institucionalização do crédito rural, sendo considerado um dos marcos históricos mais importantes quanto ao crédito rural desde o período imperial. Através dessa lei foi definido que o Conselho Monetário Nacional seria responsável por disciplinar o crédito rural, através das então denominadas normas operativas, dispondo o art. 4° do referido diploma legal algumas das atribuições exclusivas daquele órgão, quais sejam:
“I - avaliação, origem e dotação dos recursos a serem aplicados no crédito rural; II - diretrizes e instruções relacionadas com a aplicação e contrôle do crédito rural; III -
59 MARQUES, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. As garantias do crédito rural e suas indagações jurídicas. 1° Edição. Instituto Cartográfico Nacional Ltda.: São Paulo. 1.979. p. 32.
critérios seletivos e de prioridade para a distribuição do crédito rural; IV - fixação e ampliação dos programas de crédito rural, abrangendo tôdas as formas de suplementação de recursos, inclusive refinanciamento.”
Definiu-se ainda que competiria ao Banco Central do Brasil coordenar e fiscalizar a aplicação das normas regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional, quanto ao crédito rural. Sendo atribuído ao Banco Central ainda a competência para controle do sistema nacional do crédito rural, assim dispôs o art. 6° da norma supracitada:
Art. 6º Compete ao Banco Central da República do Brasil, como órgão de contrôle do sistema nacional do crédito rural:
I - sistematizar a ação dos órgãos financiadores e promover a sua coordenação com os que prestam assistência técnica e econômica ao produtor rural;
II - elaborar planos globais de aplicação do crédito rural e conhecer de sua execução, tendo em vista a avaliação dos resultados para introdução de correções cabíveis;
III - determinar os meios adequados de seleção e prioridade na distribuição do crédito rural e estabelecer medidas para o zoneamento dentro do qual devem atuar os diversos órgãos financiadores em função dos planos elaborados;
IV - incentivar a expansão da rêde distribuidora do crédito rural, especialmente através de cooperativas;
V - estimular a ampliação dos programas de crédito rural, mediante financiamento aos órgãos participantes da rêde distribuidora do crédito rural, especialmente aos bancos com sede nas áreas de produção e que destinem ao crédito rural mais de 50% (cinqüenta por cento) de suas aplicações.
O breve retrospecto quanto as normas que visaram a regulamentação de títulos de crédito rural, bem como a instituição de políticas de crédito rural mais abrangentes e eficientes, demonstram, ainda que superficialmente o esforço histórico em fomentar essa atividade econômica e social de suma importância para o Brasil. O que mais nos chama atenção para o enfoque deste trabalho monográfico é a relevância e o papel da Cédula de Crédito Rural, que veio a se tornar o principal título de crédito utilizadas nas operações de crédito rural.
2 Da relevância da Cédula de Crédito Rural nas relações de crédito rural
Como assinalamos, desde o século XVIII assistimos no Brasil a busca por inúmeras modalidades de títulos de crédito e contratos de mútuo que melhor se adequem ao financiamento rural, e as necessidades peculiares inerentes a esse setor. Nesse percurso o foco foi e continua sendo a disponibilização para as partes de instrumentos jurídicos mais simplificados, menos onerosos, menos burocráticos e mais seguros para o credor.
De acordo com MARQUES:
“Os propósitos condensados em cada texto legal que se editou, desde o Estatuto da Terra, foram evidentes: levar o crédito rural ao campesino, facilitando-lhe o acesso e eliminando entraves burocráticos. E não só isso: a simplificação dos instrumentos de créditos, com a adoção das Cédulas de Crédito Rural e com a uniformização da tabela de emolumentos cartorários, reduziu extremamente os custos operacionais, além do que permitiu a racionalização das operações.”60
Tendo em vista o assinalado pelo agrarista acima, de acordo com o propósito e finalidade do crédito rural, foi editado o Decreto-Lei n° 167, de 14 de fevereiro de 1.967, através do qual foram instituídas alterações as normas regulamentares dos títulos de crédito rural que estão em vigor até hoje, tendo se destacado desde aquela época a Cédula de Crédito Rural. Título este que atualmente é utilizado na grande maioria das operações de crédito rural realizadas pelas instituições financeiras.
A razão para o sucesso da Cédula de Crédito Rural se dá diante da segurança jurídica oferecida as partes – quase inexistente discussão judicial quanto as suas cláusulas, e sua completude, diante das garantias nela inseríveis que podem ser reais, através de hipoteca, e pessoais, através do aval ou do penhor de bens móveis, como máquinas utilizadas na produção agrícola, animais e até mesmo a própria produção futura.
O Decreto-Lei em comento, que regulamentou a Cédula de Crédito Rural dispõe sobre requisitos essenciais na emissão deste título, sobre informações e cláusulas que devem estar contidos na mesma.
Nesse contexto, será refletido no próximo capítulo sobre a necessidade de se impor através da atividade legislativa, normas positivas de natureza coercitiva, sobre os deveres de proteção e mitigação de prejuízos pela parte com melhores condições técnicas e econômicas – instituições financeiras, em face daquela hipossuficiente61 - os produtores rurais. Dispondo de forma clara e expressa sobre os deveres das instituições financeiras, de acordo com os problemas identificados de forma recorrente que podem levar o produtor rural a inadimplência ou dificultá-lo na adimplência de seu débito. Bem como da sanção a que
60 MARQUES, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. As garantias do crédito rural e suas indagações jurídicas. 1° Edição. Instituto Cartográfico Nacional Ltda.: São Paulo. 1.979. p. 16.
61 De acordo com o censo agropecuário do IBGE de 2.006 apenas 3% do total das propriedades rurais do país são latifúndio, ou seja, presume-se inequivocamente que a grande maioria dos produtores rurais – pequenos e médios, são partes hipossuficientes técnica e economicamente diante das instituições financeiras que lhes concedem crédito.
poderia ser submetido o credor, caso não observe tais requisitos e não mitigue os prejuízos do devedor.
Certo é que no atual estágio de desenvolvimento do direito, despiciendo se faz a existência de normas jurídicas expressas, minuciosamente detalhadas, para daí o aplicador da lei poder extrair a existência de um dever legal ou até mesmo de uma sanção. Diante das cláusulas gerais e princípios norteadores do nosso ordenamento jurídico é possível ao julgador no exercício da atividade jurisdicional, mais do que fazer uma mera subsunção de uma norma ao caso concreto, realizar uma concreção uma atividade que ao mesmo tempo é interpretativa e integrativa, criando-se a norma mais adequada de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
Quanto a essa segunda via, através da atividade judicante, de evolução, da releitura (adequada interpretação) dos deveres laterais por parte das instituições financeiras nas relações de crédito rural, parece-nos demasiadamente intangível diante da realidade em que vivemos - visão pragmática. A exemplo do que vemos em relação a outras celeumas jurídicas, há uma dificuldade continental em se criar, desenvolver e pacificar no judiciário, um entendimento que venha inovar o direito que já está posto, além de que esse processo leva anos, até mesmo décadas, e o custo econômico e social – decorrente da insegurança jurídica, é imensurável.
A necessidade de intervenção estatal, quer seja pelo legislativo ou pelo judiciário nas relações entre particulares é inquestionável, a exemplo do que se vê na lei regulamentadora das relações consumeristas, as quais inclusive aplica-se as relações de crédito rural entre produtores rurais e instituições financeiras.
CAPÍTULO 3: RELEITURA DOS DEVERES LATERAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CRÉDITO RURAL
1 Do dever do credor de cientificar os mutuários dos benefícios instituídos pelo Conselho Monetário Nacional e do prazo para exercê-los
O Conselho Monetário Nacional - CMN possui competência normativa sobre questões atinentes as operações de crédito rural62, podendo editar resoluções para servir as finalidades da Política Agrícola nacional, as quais vinculam a atuação das instituições financeiras que operam o Sistema Nacional do Crédito Rural - SNCR.
Nas operações de crédito rural, diante das peculiaridades inerentes a produção agropecuária, é recorrente a ocorrência de inadimplência em massa, diante de perdas expressivas de produção que atingem uma grande quantidade de produtores que realizam empréstimos com instituições financeiras, como seca, geada, chuvas excessivas, entre outros.
É recorrente portanto a quebra da base fática-econômica em que foram celebrados os empréstimos pelos produtores. Assim, tendo em vista a relevância social e econômica que possui o crédito rural o CMN edita com frequência resoluções, determinando por exemplo que produtores que realizaram empréstimos em determinadas linhas de créditos e em determinados períodos, e se encontram inadimplentes, tenham o direito de solicitarem a renegociação de suas dívidas, com recálculo, aplicando-se juros menores, prorrogando-se as parcelas, e concedendo descontos expressivos para liquidação.
É inegável, que com a globalização e a acessibilidade aos novos meios de comunicação tivemos nas últimas duas décadas um considerável aumento no acesso à informação pelas pessoas, até mesmo com aquelas que residem no meio rural. Todavia é fato
62 Lei 4.829/65 - Art. 4º O Conselho Monetário Nacional, de acordo com as atribuições estabelecidas na Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, disciplinará o crédito rural do País e estabelecerá, com exclusividade, normas operativas traduzidas nos seguintes tópicos:
I - avaliação, origem e dotação dos recursos a serem aplicados no crédito rural;
II - diretrizes e instruções relacionadas com a aplicação e controle do crédito rural; III - critérios seletivos e de prioridade para a distribuição do crédito rural;
IV - fixação e ampliação dos programas de crédito rural, abrangendo todas as formas de suplementação de recursos, inclusive refinanciamento.
notório que o nível de conhecimento dos produtores rurais quanto a aspectos legais, ainda é muito deficiente.
Diante desse quadro deve se refletir sobre os deveres contratuais laterais das instituições financeiras em auxiliarem (cooperarem) os produtores rurais que com elas contrataram empréstimos, dos novos direitos que lhes sejam concedidos por uma nova Resolução do CMN, eis que dificilmente terá o produtor rural - seu destinatário, conhecimento da mesma, e se tiver, poderá não conseguir realizar a subsunção da resolução ao seu caso e compreender que ele é de fato beneficiário da norma. Situação essa que se agrava de acordo com a hipossuficiência técnica e financeira do produtor, afetando portanto principalmente os médios e pequenos produtores.
Deve se ter como premissa que o deveres da credora, não se resumem e se exaurem com a mera liberação do empréstimo pecuniário, objeto principal do contrato, seria essa uma visão muito limitada dos fins e do potencial do contrato. Sendo imprescindível ainda que a credora coopere, na medida do possível, com o devedor, ainda que inadimplente para que este consiga satisfazer a prestação primária.
Como exemplo do exposto acima tem-se a Resolução N° 4.298, de 30 de dezembro de 2.013 do CMN, que autorizou a concessão de desconto para quitação e renegociação de dívidas de pequenos produtores rurais contratadas ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF.
Na resolução em epígrafe foi estabelecido, em síntese, que os produtores rurais endividados poderiam quitar a dívida com desconto de até 80%, ou, requerer o alongamento para pagamento em até 10 anos, com juros de 1,5% ao ano. Condicionando-se o prazo de até
30 de junho de 2.014, para o mutuário manifestar formalmente à instituição financeira interesse em renegociar a operação, sob pena de não o fazendo perder tal faculdade.
É inegável a relevância de tal resolução tendo em vista a persecução de um desenvolvimento socialmente sustentável, buscando dar reequilíbrio financeiro a pequenos produtores rurais, viabilizando que estes voltem a operar no sistema financeiro de crédito rural, e assim consigam prosseguir na atividade, ampliando a produtividade com o custeio da produção e edificação de novas benfeitorias.
Todavia, tem havido considerável ausência de adesão, pelos produtores rurais endividados nos referidos programas de renegociação de dívida, que seriam enquadráveis nos requisitos exigidos. Em debate realizado no dia 25 de março de 2.014 na Câmara dos Deputados foi expressamente reconhecida tal constatação pelo secretário-adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Xxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, segundo o qual “apenas 30% dos agricultores do semiárido procuraram as instituições bancárias para renegociar suas dívidas em razão da seca e chamou a atenção para o prazo para solicitar a renegociação que termina em 30 de junho de 2014.”63
É certo que alguns produtores que tomaram conhecimento da resolução em comento não renegociaram a dívida, parcelando-a ou liquidando-a, por falta de recursos. Todavia, o índice de baixa adesão não se circunscreve apenas aqueles que tiveram conhecimento e optaram por não aderir, mas sim, acreditamos que em sua grande maioria, se tratam de produtores que por não terem tomado conhecimento da existência da referida resolução, ou se tomaram conhecimento, não souberam que foi delimitado um prazo para manifestarem interesse em renegociarem suas dívidas ou até mesmo que seriam beneficiários, e portanto, por uma ou outra forma, perderam a chance de se reestabelecerem economicamente, voltando a ter acesso ao crédito. Tudo isso em decorrência da carência de informações as quais tem acesso, somada a presumida hipossuficiência técnica.
Ao contratar um empréstimo o produtor é cientificado, pelas cláusulas contratuais, de seus direitos e obrigações, haja vista seu direito à informação e o dever de cooperação da instituição financeira. Caso se torne inadimplente a relação contratual prossegue existindo. Durante a inadimplência poderá ser conferido novos direitos ao mutuário, através de resoluções do Conselho Monetário Nacional.
As instituições financeiras, por sua vez, diante da capacidade técnica e econômica que detêm, possuem condições plenas de identificar a quais contratos se aplicam as normas publicadas pelo CMN. Diante da situação apresentada, parece-nos inequívoco, que surge para a instituição financeira a obrigatoriedade diante de seu dever de cooperação e do direito de informação do produtor, de cientificá-lo dos novos direitos que lhe são concedidos, para que caso queria possa exercê-lo, informando-os ainda do prazo que terão.
63 JÚNIOR, Xxxx Xxxxx Xxxxxx. Rádio Câmara, Brasília. (Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/XXXXXXX-XXXXXXXX/)
O dever de informação e esclarecimento, no presente caso, é um típico dever lateral, mas circunscrito as condições necessárias a realização do objeto principal do contrato
– prestação primária, cuja ausência pode prejudicar a sua adequada realização (eficiência econômica e social). Destaca SILVA64 que:
“Porém, quando especificidades típicas da relação concreta demandarem um conjunto diferenciado de informações ou esclarecimentos, tendo em vista permitir a correta fruição do bem ou o melhor adimplemento, então entra-se no campo dos deveres tipicamente laterais.”
Conforme defendemos em tópico próprio neste breve trabalho, os deveres laterais possuem autonomia diante do dever de prestação primária. Inobstante tenha havido o inadimplemento do devedor e sua resistência quanto a satisfação da prestação primária, nada obsta e impede, que tenha o credor o dever lateral de conduta, de cooperar com o devedor para que este consiga satisfazer a prestação primária. Ao contrário, neste caso específico, é imprescindível a existência do inadimplemento da prestação primária, e da existência de resolução do CMN com o teor já referido, para que então venha surgir o dever lateral específico, de informação e cientificação do mutuário inadimplente do novo direito que lhe foi conferido.
Vislumbra-se claramente, portanto, o dever das instituições financeiras de cientificarem os produtores rurais dos novos direitos que lhe foram conferidos pelo CMN. A via através da qual deverá haver tal cientificação, é algo que deve ser estudado e refletido diante dos inúmeros meios de comunicação existentes na atualidade, como por exemplo os já tradicionais: cartas, notificações, telefone, e-mail, etc.
2 A obrigatoriedade de se informar aos mutuários do direito de solicitarem a redução das garantias reais durante a execução do contrato
Nos contratos de mútuo de crédito rural geralmente são estipuladas prestações continuadas, com pagamentos mensais ou anuais, principalmente se o crédito for destinado a investimento em benfeitorias ou aquisição de maquinários. Tendo-se ainda, o caso dos
64 XXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. 2° Edição. Renovar. São Paulo.
2.007. p. 118.
produtores que endividados parcelaram suas dívidas, como do Programa de Saneamento de Ativos – PESA, em que houve parcelamento em até 25 anos de dívidas rurais.
Não extinguindo-se as obrigações de imediato, ao contrário, sendo estabelecidas e exigidas no decorrer do tempo, poderá ocorrer a alteração da conjuntura social e econômica, entre aquela existente no momento da celebração do contrato em que é obtido o empréstimo e a que transmutará e surgirá durante a sua execução.
Com o passar do tempo a dívida tende a ser amortizada pelo mutuário, sendo portanto reduzida, e de outra sorte os imóveis que houverem sido dados em garantia hipotecária deverão se valorizar. Diante desse contexto, é comum o surgimento de uma desproporcionalidade entre as garantias reais contratuais e a dívida garantida, em que essas sejam manifestamente excessivas.
O setor agropecuário depende de um grande volume de crédito para custeio da produção e constantes investimentos, para tanto pode-se dizer que tornou-se inerente a atividade a dependência do crédito das instituições financeiras. Principalmente os pequenos e médios produtores.
É frequente que produtores rurais tenham seus bens imóveis garantindo dívidas cujos valores são infinitamente menores que dos bens garantidores. Dívidas essas que são pagas parceladamente. E ao necessitarem obter novos empréstimos, ficam impossibilitados diante da inexistência de imóveis livres e desembaraçados, sem qualquer ônus, leia-se hipoteca, para garantirem novos mútuos. O mercado financeiro geralmente exige garantias reais para essas operações.
Da análise da legislação em vigor, denota-se indiscutível o direito do produtor rural de obter a redução das garantias reais instituídas em favor do credor, quando após a celebração do mútuo e durante a execução do contrato tornar-se manifestamente excessivas tais garantias – leia-se, parcialmente desnecessárias. Todavia é igualmente indiscutível o desconhecimento dos produtores rurais da existência de tal direito.
É inequívoco que nos contratos em geral, ainda existe uma considerável carência de cláusulas com a finalidade de informação de direitos a parte adversa, inobstante o inegável avanço ocorrido nos últimos anos.
Analisando a problemática exposta verificamos a necessidade da inserção de novas cláusulas “padrão” nos contratos que operacionalizam as operações de crédito rural, de prestação continuada, em que se constituam garantias hipotecárias.
Nos termos dos incisos II e III do art. 3° da Lei n° 4.829/65, são objetivos específicos do crédito rural: “II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;” bem como “III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios.”
A referida norma destaca que é objetivo específico do crédito rural favorecer o custeio e possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais.
O Decreto-Lei n° 167/67, que regulamenta os títulos de crédito rural, dispôs de forma tímida em seu art. 63 que o emitente poderia dispor de parte ou de todos os bens dados em garantia. Havendo total dependência do devedor a benevolência (ou não) do credor: “Art.63 - Dentro do prazo da cédula, o credor, se assim o entender poderá autorizar o emitente a dispor de parte ou de todos os bens da garantia, na forma e condições que convencionarem.”
Já a Lei 9.138/95, que dispõe sobre o Crédito Rural, constou em seu art. 5°, inciso VI, texto com maior cogência, retirando o arbítrio absoluto do credor: “VI - caberá ao mutuário oferecer as garantias usuais das operações de crédito rural, sendo vedada a exigência, pelo agente financeiro, de apresentação de garantias adicionais, liberando-se aquelas que excederem os valores regulamentares do crédito rural”.
Por fim, tem-se de forma expressa e inequívoca no art. 59, I e II da Lei 11.775/2008, que regula as operações de crédito rural, que: “Art. 59. São asseguradas ao mutuário de operações de crédito rural: I - a revisão das garantias; II - a redução das garantias em caso de excesso”.
Portanto, analisando-se os dispositivos legais acima, em vigor, conclui-se ser indiscutível o direito do produtor rural de obter a redução das garantias reais instituídas em favor do credor, quando após a celebração do mútuo e durante a execução do contrato tornar- se manifestamente excessivas tais garantias.
A assimetria existente na distribuição e no acesso à informação é uma falha de mercado65. Segundo o economista Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx a assimetria informacional ocorre quando uma das partes envolvidas em uma relação possui acesso privado a certa informação, ou mesmo sendo pública a informação, a capacidade de acesso é desigual entre as partes.
O economista em comento em sua dissertação de mestrado intitulada de “Uma avaliação de contratos de crédito sob a ótica da economia da informação”, busca responder ao seguinte questionamento. Sendo do contrato a função de mitigar os efeitos deletérios da assimetria informacional, e se este instrumento ocupa posição central na concessão de crédito, ocorrem de fato em suas cláusulas dispositivos desenhados ao incentivo de publicidade de informações e prevenção de ações ocultas66? Tendo o mesmo chegado à conclusão que: “caso tenham posse de informações relevantes que outra parte desconheça e isso abra oportunidade para ganhos excepcionais, os agentes não hesitarão em fazê-lo”.
Analisando a conduta do credor, pode-se considerar uma ação/omissão oculta não cientificar o devedor do direito que possui de solicitar a redução das garantais reais quando excessivas. Sendo de conhecimento público e notório o desconhecimento dos produtores rurais da existência dos direitos em epígrafe deveria haver previsão expressa, através de cláusulas “padrão” - standards, informando aos produtores de forma inequívoca de tais direitos, nos contratos que operacionalizam as operações de crédito rural. Cumprindo-se assim o princípio da boa-fé, da solidariedade contratual, do dever de cooperação e lealdade, bem como de esclarecimento e informação do produtor.
Conclui-se que esclarecendo e viabilizando a liberação de garantias reais por produtores rurais, por certo ocorrerá a mitigação de eventuais prejuízos por parte do produtor rural e maior eficiência econômica do contrato, o que enseja o desenvolvimento econômico e social sustentável.
65 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Uma avaliação de contratos de crédito sob a ótica da economia da informação. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Porto Alegre, 2.009. Acesso em 02/04/2014. (Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxxxx.xx/)
66 Op. Cit.
3 Do dever do credor de informação adequada quanto aos efeitos da liquidação com desconto, de dívida inadimplida. A questão da herança maldita67 e da inscrição do mutuário na lista negativa do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central.
Ao se falar em operações de crédito rural, vislumbra-se uma situação recorrente. O produtor rural que se encontra endividado com uma instituição financeira, após ter obtido empréstimo e não ter conseguido liquidá-lo no prazo contratualmente estipulado, entra em contato com a mesma buscando uma renegociação para liquidação da sua dívida. Então, via de regra, lhe é oferecido um desconto para pagamento à vista. Acreditando então o produtor que estará resolvendo definitivamente seu problema, levanta os recursos necessários e paga o novo valor acordado, muitas vezes liquidando parte ou todo o seu patrimônio.
Ao realizar um acordo para quitar a dívida, e honrá-lo, acredita o produtor que encerrou-se ali todos os efeitos jurídicos inerentes aquela relação jurídica. Ledo engano, o mesmo somente poderá obter novos empréstimos com a mesma instituição financeira, se quitar o “saldo remanescente” referente ao valor do desconto de outrora. E caso tente obter crédito em outras instituições financeiras poderá igualmente ver negada sua pretensão.
Após realizar a quitação da dívida com “desconto”, a instituição financeira insere tal informação no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, gerando a mesma, neste caso, um efeito de restrição de crédito, inobstante a dívida já tenha sido liquidada.
O enfoque deste tópico será analisar a seguinte problemática: Após a realização de acordo, com concessão de desconto para liquidação da dívida, e efetivo pagamento, poderá a instituição financeira condicionar a realização de novos empréstimos ao pagamento do “saldo remanescente”? E ainda, é legítima a inserção do nome do ex-mutuário no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central?
Em princípio se trata do exercício regular de um direito o condicionamento do acesso ao crédito nas circunstâncias em comento, bem com a inserção do nome do ex- mutuário em sistema de controle de crédito com efeito negativo. Todavia, vislumbra-se claramente a nosso ver, ser absolutamente imprescindível, que o mutuário no momento da liquidação da dívida com desconto, seja expresso e inequivocamente advertido de tais efeitos.
67 Expressão utilizada por Ezequiel Morais no artigo "Banidos do crédito rural" - Oferta mais que dobrou desde 2005, mas a previsão para 2011 é de que apenas 25% dos produtores tenham acesso aos recursos.”. publicado na Revista SAFRA (ano XII), nº 133, edição de abril/2011.
Chama-nos a atenção a ausência de informação adequada prestada por parte do credor, para com o mutuário que pretende liquidar sua dívida. É recorrente consumidores de crédito bancário em geral, não só produtores rurais, que após “quitarem” suas dívidas com descontos, e recorrem a novos empréstimos serem surpreendidos por tal restrição – condicionamento do acesso ao crédito ao pagamento do desconto concedido outrora. A surpresa consiste no fato de não terem consciência dos efeitos e das consequências do acordo celebrado com a instituição financeira.
Se o produtor rural contraiu um empréstimo, e após tornar-se inadimplente procurou sua credora, renegociou, lhe foi concedido desconto, alterou-se a forma e prazo de pagamento, e o mesmo efetuou o pagamento, obviamente acredita ele que nada mais deve com relação aquela obrigação, sendo essa por certo uma das motivações primordiais para que busque cumprir o novo acordo (e nisso a credora faz o devedor crer para motivá-lo a liquidação de sua dívida!). Nessa situação deve se considerar a concretização de uma novação da dívida, o que enseja por conseguinte a extinção de todos os direitos e garantias – desde que não sejam expressamente ressalvadas, sobre o crédito anterior. E assim sendo não pode o mesmo ser exigido do mutuário por nenhuma forma.
Ademais ainda que não se admita a ocorrência de novação, que implicaria na extinção do saldo remanescente, aplicar-se-ia a estes casos a teoria da supressio segundo a qual ocorre o desaparecimento de um direito, não exercido por um dado tempo, de modo a gerar no outro contratante a expectativa de que não seja mais exercido. Parte-se da premissa que o credor que concedeu o desconto, que fez acordo “com prejuízo” teria abusado do direito de se omitir, mantendo comportamento reiteradamente omissivo, seguido de um surpreendente ato comissivo – a exigência posterior da dívida, com que já legitimamente não contava o produtor rural.
Pode-se afirmar ainda que a exigibilidade a posteriore do desconto concedido - sem a prévia cientificação do devedor, configura-se patente venire contra factum proprium, o que é rechaçado pelo ordenamento.
Diante do quatro exposto acima, sob a luz do princípio da boa-fé, lealdade, confiança, cooperação e do direito/dever da informação - transparência, é inequívoco que deve haver por parte do credor, da instituição financeira que oferece um desconto para quitação da dívida, uma informação expressa, clara e precisa, de que o pagamento daquele
acordo ensejará a inserção de tal informação no banco de dados do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, que ele não obterá acesso a crédito em outras instituições financeiras, nem mesmo naquela que ora lhe concede o empréstimo, porque constará a informação de “pagamento com prejuízo”, e, somente se promover ao pagamento do respectivo saldo representado pelo desconto, é que se estará efetivamente livre e desonerado de tal relação creditícia. Sob pena de não o fazendo, não podê-lo cobrá-lo do mutuário, ainda que sob a forma de condicionante ao acesso de novos empréstimos.
4 Do dever do credor de informar o mutuário produtor rural do direito de prorrogar o pagamento da dívida inadimplida, com manutenção dos mesmos encargos financeiros e de acordo com o ciclo biológico da cultura que desenvolve
Em 1.964 foi institucionalizado através da Lei n° 4.595 o Sistema Financeiro Nacional, criando-se o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão público vinculado ao Poder Executivo.
No art. 4° da Lei em epígrafe foi expressamente definido a competência do CMN para disciplinar, dentre outras questões, o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas, bem como estatuir normas para as operações das instituições financeiras públicas.
Ao CMN, órgão ligado ao Poder Executivo, foram outorgadas tais competências regulatórias das atividades bancárias, diante da conhecida incontrolável dinâmica do mercado financeiro, eis que, sabidamente o legislativo possui inúmeros entraves burocráticos que o tornam moroso de forma incompatível com as demandas do setor financeiro.
As determinações contidas nas Resoluções e demais meios normativos emanados do CMN devem obrigatoriamente ser observadas pelas instituições financeiras que compõe o Sistema Financeiro Nacional.
Já em 1.965 entrou em vigor a Lei 4.829 que criou uma regulamentação ainda mais específica - o Sistema Nacional de Crédito Rural, tal duplicidade de regramento, se deu em virtude das inequívocas especificidades desse setor.
Na lei em epígrafe foi expressamente estabelecido em seu art.4° a função do CMN de estabelecer e disciplinar o crédito rural no país, sendo conferido de forma inequívoca competência normativa ao CMN sobres as operações de crédito rural.
Realizada as considerações acima ressaltamos conforme já exposto nesse trabalho a problemática decorrente do déficit de informações as quais, em regra, o produtor rural tem acesso, sobre questões relativas as operações de crédito rural, principalmente quanto aos seus direitos.
É de conhecimento público as incontáveis intempéries as quais a atividade rural está exposta, como questões climáticas e ataques de pragas, circunstâncias essas, que ainda que previsíveis, muitas vezes não são aguardadas e nem controláveis, podendo, como de fato impactam o equilíbrio econômico do produtor rural, o qual depende precipuamente do crédito para custeio e investimento.
Ocorrendo circunstâncias que abalem a liquidez financeira do produtor rural, e sua capacidade de satisfação das obrigações as quais tenha contraído, como mútuos bancários, tem-se um quadro, em que, de um lado o credor tem interesse que seu crédito seja integralmente satisfeito, evitando-se os custos do inadimplemento bem como a demora ou até mesmo impossibilidade de recebimento de seu crédito, por outro lado, o produtor rural tem o interesse em satisfazer suas obrigações, manter-se economicamente equilibrado e com crédito à disposição para prosseguir na atividade.
O interesse em que haja a manutenção do produtor rural na atividade transcende a sua relação direta com seus fornecedores e compradores, eis que a produção de alimentos se trata de uma questão de interesse público, que impacta diretamente toda população. Nesse sentido constou expressamente no art.1° da Lei 4.829/65 que: “Art. 1º - O crédito rural, sistematizado nos termos desta Lei, será distribuído e aplicado de acordo com a política de desenvolvimento da produção rural do País e tendo em vista o bem-estar do povo”.
Tendo em vista esses interesses que tem em comum a sustentabilidade das operações de crédito rural, caso o produtor rural seja afetado por fatores climáticos ou pragas, que o impeçam de honrar com o pagamento do seu mútuo bancário, no prazo e na forma incialmente definida, conclui-se que diante de um dever de cooperação, lealdade e boa-fé,
deverão as partes, produtor e respectivo credor, envidar todos os esforços na perseguição do elemento comum, a satisfação do objeto do contrato, qual seja, o pagamento do mútuo.
O Manual do Crédito Rural, editado pelo Conselho Monetário Nacional, preceitua em seu item 2.6.9 que:
9 - Independentemente de consulta ao Banco Central do Brasil, é devida a prorrogação da dívida, aos mesmos encargos financeiros antes pactuados no instrumento de crédito, desde que se comprove a incapacidade de pagamento do mutuário, em consequência de:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações.
Diante do exposto na referida norma constata-se a existência de um dever por parte da instituição financeira operadora do Sistema Nacional de Crédito Rural, bem como de um direito do produtor rural que obteve empréstimo com tal instituição, de obter a prorrogação do pagamento de suas dívidas, caso ocorram algumas das hipóteses ilustrativamente apresentadas no Manual do Crédito Rural.
Outrossim, analisando-se a questão pelo enfoque da teoria do duty the mitigate the loss conclui-se ainda, que deve o credor agir para mitigar os prejuízos do produtor rural, para que possa proteger seus interesses, do devedor e da sociedade. Caso o produtor que teve expressivos prejuízos não tenha conhecimento e não seja cientificado do direito de solicitar a prorrogação da sua dívida, nos termos expostos, incorrerá o mesmo em grave risco de reduzir sua produção ou até mesmo sair do mercado (que por fim enseja o êxodo rural com problemas sociais no campo e na cidade), diante da impossibilidade que terá de obter novos empréstimos para custeio da produção e ou investimento, bem como das consequências deletérias da negativação do seu nome no mercado e nos órgãos de proteção ao crédito68.
É inegável que uma relação contratual envolve riscos, todavia, deve-se buscar prever ao máximo nos contratos as soluções, direitos e deveres decorrentes e eventuais infortúnios futuros. Nesse sentido RENCK69 assevera que:
68 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Mitigação dos prejuízos no direito contratual. 1° Edição. Saraiva. São Paulo.
2.013. p. 111.
69 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Uma avaliação de contratos de crédito sob a ótica da economia da informação. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Porto Alegre, 2.009. p. 45. Acesso em 02/04/14. (Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxxxx.xx/)
“Contratação envolve riscos: além da possibilidade de uma das partes deliberadamente não cumprir o acordado, eventos externos podem prejudicar ou mesmo impedir a execução do contratado. Teoricamente, um contrato pode prever em seus termos todas as possíveis situações que poderiam prejudicar sua plena consecução por uma ou mais partes e estabelecer quais as ações que cada contratante deve tomar nesses casos ou alocar os danos decorrentes da impossibilidade de se contornar alguma situação extrema. A esta ficção, que cumpriria plenamente o segundo propósito do contrato, a doutrina chamou contrato contingente. Todavia, nenhuma contrato é capaz de atingir tal nível de provisão, especialmente diante da hodierna complexidade dos negócios contratáveis.”
Inobstante a inequívoca falibilidade e limitação do contrato em prever todas as contingências, notório é a necessidade de se dispor sobre aquelas que com frequência ocorrem.
Partindo-se da premissa, de que: I) é recorrente na agropecuária grandes perdas de produtividade, que inviabilizem o adimplemento pelos produtores rurais de suas operações de crédito, e ainda II) que em regra, não possuem os produtores rurais, principalmente os pequenos e médios, acesso a essa informação – direito de prorrogação da dívida pelos mesmos encargos, ainda que pública. Diante de tal circunstância, chega-se à conclusão que necessário, aliás imprescindível se faz, que nas operações de crédito rural sejam os produtores rurais expressa e claramente cientificados, através de cláusulas contratuais da existência de tal direito, bem como do procedimento para utilização do mesmo, como o prazo para solicitarem, e os documentos necessários a instruir a solicitação.
CONCLUSÃO
A problemática apontada nesse trabalho – ainda que superficialmente, evidencia que inobstante os incontáveis avanços na seara contratual, e especificamente quanto aos direitos dos produtores rurais, nas operações de mútuo bancário realizadas com as instituições financeiras que operam o Sistema Nacional do Crédito Rural, há ainda uma infinidade de inovações potenciais que podem ser alcançadas na atual conjuntura, com o arcabouço legal que se tem a disposição.
Deve ser reconhecida a existência de deveres laterais por parte das instituições financeiras, de proteção, solidariedade, cooperação, informação e esclarecimento, para com os mutuários produtores rurais, diante da presumida hipossuficiência técnica e econômica, principalmente dos pequenos e médios produtores rurais, inobstante o avanço sociocultural e dos meios de comunicação nas últimas décadas. Para que deste modo sejam mitigados os eventuais prejuízos decorrentes das operações de crédito, e ainda, tornando essas mais efetivas social e economicamente.
Assim sendo, conclui-se que, as instituições financeiras devem cientificar os mutuários produtores rurais dos novos direitos que lhe são conferidos pelo Conselho Monetário Nacional, ou qualquer outro texto de lei como Medidas Provisórias, para que estes possam renegociar, liquidando por valores menores, ou prorrogando a dívida, de modo a voltarem a terem crédito disponível para custeio e investimento.
No mesmo sentido, devem as instituições financeiras informar expressamente, e por escrito, na celebração do mútuo rural, do direito dos produtores rurais de solicitarem a redução das garantais reais quando, durante a execução do contrato tornarem-se excessivas.
Inequívoco ainda, o dever das financeiras, de informarem claramente, que o pagamento de uma dívida inadimplida através de “desconto” com prejuízo para a credora, ensejará a inserção de tal informação no banco de dados do Sistema de Informações de Crédito do Banco Central, com efeitos negativos de acesso a crédito, e que somente obterá novo acesso a crédito naquela instituição (as vezes até em outras instituições) se pagar o referido “desconto” que ficou em aberto.
Chega-se à conclusão ainda, que necessário, aliás imprescindível se faz, que nas operações de crédito rural sejam os produtores rurais expressa e claramente cientificados, através de cláusulas contratuais da existência do direito de prorrogação de dívida inadimplida em decorrência de: a) dificuldade de comercialização dos produtos; b) frustração de safras, por fatores adversos; e c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. Conforme preceitua o Manual do Crédito Rural, do Conselho Monetário Nacional.
Tais deveres poderiam ainda, ser impostos as instituições financeiras através de emendas no Dec. Lei n° 167/67, o qual regulamenta o principal instrumento de operacionalização do crédito rural – a Cédula de Crédito Rural, através de cláusulas “padrão”
– standards. Neste caso, não haveria margem de discricionariedade para tais instituições optarem ou não pela inserção de tais cláusulas, eis que seria uma norma cogente, inserindo requisito formal essencial para validade do título.
Questão que deve ser objeto de análise mais aprofundada, que não foi possível diante da limitação do objeto do presente trabalho, diz respeito a responsabilidade das instituições financeiras que descumprem os deveres laterais expostos acima, haja vista que conforme exposto, o ordenamento jurídico que se apresenta já permite concluir pela existência dos referidos deveres, sejam eles considerados de natureza contratual ou extracontratual. Parece-nos claro que há o dever de reparação por perdas e danos, por parte das instituições financeiras, o que todavia dependerá de uma análise casuística.
Inobstante possa ser objeto de sanção, o descumprimento dos deveres laterais em comento, concluímos que o ideal seria a positivação de dispositivos legais de ordem pública, cogentes, impondo as instituições financeiras que operam o crédito rural de incluírem em seus contratos e cédulas de crédito rural, os esclarecimentos quanto aos direitos e informações dos mutuários produtores rurais, expostos neste trabalho. Realizando um efetivo e necessário dirigismo contratual. Permitindo-se assim, através de tais contingências, uma maior efetividade econômica e social decorrente da relação jurídica do mútuo celebrado com o produtor, o que em última instância reverte em benefício para toda a sociedade.
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