Agente de Contratação como expoente de Governança na nova Lei de Licitações
Agente de Contratação como expoente de Governança na nova Lei de Licitações
Xxxxxxx xx Xxxxxx X. xx Xxxxx Xxxxx*
Sumário
1. Introdução. 2. O agente público. 2.1. Princípio da Segregação de Funções. 3. O Agente de Contratação. 4. Governança pública na Lei n° 14.133/2021. 5. O papel do agente de contratação como expoente de governança. 6. Considerações finais. Referências.
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar o papel do Agente de Contratação introduzido no mundo jurídico pela Lei nº 14.133, de 1 de abril de 2021, no estabelecimento de práticas de governanças na Administração pública. Para tanto, utilizar-se-á da metodologia de revisão bibliográfica com abordagem qualitativa. A nova lei de licitações encampou vários conceitos de governança, a serem concretizados pela alta de administração do órgão ou instituição, contudo, a medida somente será efetiva se concretizada nos procedimentos licitatórios por quem a conduz: o agente de contratação, servidor do quadro efetivo ou empregado público permanente, com habilidade técnica para a função. Esse é um dos principais desafios da administração pública, nos próximos dois anos, estruturar-se para tornar as diretrizes de governança do legislador, lugar-comum nas contratações públicas.
Abstract
This paper aims to analyze the role of the Hiring Agent introduced in the legal world by Law nº 14.133, of April 1, 2021 in the establishment of governance practices in public administration. For that, we will use the methodology of bibliographic review with a qualitative approach. The new bidding law took on board several concepts of governance, to be materialized by the top management of the agency or institution, however, the measure will only be effective if carried out in the bidding procedures by those who conduct it: the contracting agent, staff member permanent public employee, with technical skill for the function. This is one of the main challenges for public administration, in the next two years, to structure itself to make the governance guidelines of the legislator, commonplace in public contracts.
* Mestre em Direito – Justiça Administrativa, Faculdade de Direito, Núcleo de Ciências do Poder Judiciário, NUPEJ, Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduada no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
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Palavras-chave: Licitação. Agente de Contratação. Governança.
Keywords: Bidding. Contracting Agent. Governance.
1. Introdução
A Lei Federal nº 14.133/2021 substituirá, nos próximos 2 anos (artigo 193, II), de forma definitiva a Lei nº 8.666/93. Por ora, a Administração pública deve organizar seus recursos materiais e humanos para, dentro desse prazo, cumprir o determinado pelo Legislador.
Entre as inovações trazidas merece destaque a figura do agente de contratação que, nos termos da lei, é a pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação,1 ou seja, sob seu comando direto se desenvolverá todo processo licitatório.
Nesse sentido, mostra-se fundamental compreender o papel que esse servidor público terá na garantia do cumprimento das normas, no balizamento ético e na probidade das licitações, sobretudo quando a ideia de governança, compliance e integridade são explicitamente incorporadas às contratações públicas, atividade estatal sensível, ponto de grande vulnerabilidade à corrupção.
Para tanto, a partir da revisão bibliográfica com abordagem qualitativa, será feita uma correlação entre uma análise da disciplina legal da atuação dos servidores públicos na nova lei, as funções que serão desempenhadas pelo agente de contratação e sua responsabilidade como gestor imediato da lisura do processo.
2. O agente público
A Lei nº 14.133/2021 em seu capítulo IV disciplina, em linhas gerais, o trabalho do agente público nas contratações e indica flagrante preocupação com a capacidade técnica e atuar ético, lícito e honesto dos mesmos.
De início, na esteira da tendência2 de adoção de conceitos afetos à iniciativa privada, o legislador indica que a autoridade máxima do órgão ou entidade, ou quem a norma indicar, deverá promover gestão por competência, o que já sinaliza para a necessidade de prestigiar a obtenção de resultados no fazer público.
De acordo com a teoria organizacional, competência representa não somente um conjunto de qualificações que o indivíduo detém, mas também sua capacidade
1 BRASIL. Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021, artigo 6º, LX.
2 Movimento que começa a ganhar a força em 2004 no evento “Gestão por Competências em Organizações de Governo” organizada pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP.
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de colocar em prática o que se sabe e gerar resultado, a junção de conhecimento, habilidades e atitudes, destinadas à consecução de determinado propósito3.
O conceito não é novo no setor público. Ainda em 2006, o Decreto Federal nº 5.7074 instituiu as Diretrizes para o Desenvolvimento de Pessoal, tendo como uma das finalidades a adequação das competências dos servidores aos objetivos de cada instituição. Este decreto compreende a gestão por competência como a “gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição”.
Assim, o legislador passa a exigir, em primeiro lugar, um comprometimento específico da autoridade máxima do órgão na escolha de um profissional hábil, capacitado tecnicamente e que tenha atributos fundamentais para o sucesso de qualquer empresa e que agora são explicitamente exigidos no setor público5 em suas contratações.
Nessa linha de ideias, os agentes públicos que desempenharão as funções essenciais à execução devem ser preferencialmente servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração. A estabilidade no cargo tem por função garantir a autonomia do servidor, logo, a “preferência” ora analisada deve ser regra, afastada somente de forma motivada e excepcional.
Mas não basta que o servidor seja preferencialmente efetivo, importante que seja preparado, com formação compatível ou qualificação específica atestada por certificação profissional emitida por escola de governo6.
De certo, a adoção dessa medida por Municípios menores poderá apresentar um verdadeiro desafio, considerando a dificuldade em conciliar qualificação e remuneração. Assim, o legislador atribuiu expressamente aos Tribunais de Contas a missão de promover eventos de capacitação para os servidores, seja por cursos presenciais e a distância, ou mesmo por redes de aprendizagem, seminários e
3 XXXXXXX, Xxxx Xxxx; GUIMARÃES, Xxxxx xx Xxxxxx. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil, p. 09. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxx/x00x0/ v41n1a02. Acessado em: 18 maio 2021.
4 Revogado pelo Decreto nº 9.991/2019, modificado pelo Decreto nº 10.506/2020.
5 Diversas empresas têm recorrido à utilização de modelos de gestão de competências, objetivando planejar, selecionar e desenvolver as competências necessárias ao respectivo negócio. Um modelo sugerido por Xxxxxx (1998) tem como passo inicial a identificação do gap (lacuna) de competências da organização, como mostra a Figura 2. Esse processo consiste em estabelecer os objetivos e as metas a serem alcançados segundo a intenção estratégica da organização e, depois, identificar a lacuna entre as competências necessárias à consecução desses objetivos e as competências internas disponíveis na empresa. Os passos seguintes compreendem o planejamento, a seleção, o desenvolvimento e a avaliação de competências, buscando minimizar a referida lacuna, o que pressupõe a utilização de diversos subsistemas de recursos humanos, entre os quais, recrutamento e seleção, treinamento e gestão de desempenho. A ideia é que a organização e seus profissionais eliminem as lacunas entre o que podem fazer e o que os clientes esperam que eles façam (Xxxxxxx, 1998, p. 84) idem.
6 O governo federal no artigo 1º-B, do Decreto nº 9991/2019, indica que são escolas de governo aquelas
previstas em lei ou decreto, bem como as reconhecidas em ato do Ministro de Estado da Economia.
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congressos.7 Além disso, os Municípios com até 20.000 habitantes terão o prazo de 6 anos para implementar essas medidas8.
Por fim, o agente público não deve ter vínculo conjugal, de parentesco até o terceiro grau ou ligação de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e cível com licitantes ou contratados habituais. Medida que visa evitar favorecimentos (quebra do princípio da impessoalidade e moralidade administrativa), bem como preservar a imagem da Instituição envolvida, dentro da ideia de governança pública.
Essa condição deverá ser aferida pela autoridade que fizer a nomeação do agente para as funções do processo licitatório, por certo, o servidor deverá firmar declaração do sentido de não se enquadrar nas disposições do artigo 7º, III, sob pena de falta funcional grave, além da caracterização do crime de falsidade ideológica (artigo 299, do Código Penal9).
O legislador também deixou claro que os servidores devem exercer suas funções no procedimento licitatório de forma separada, conforme será melhor analisado no tópico seguinte.
2.1. Princípio da Segregação de Funções
O princípio da segregação de funções é o mecanismo de controle interno da Administração Pública caracterizado pela separação dos momentos de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização exercida nas atividades administrativas10. Sua adoção almeja evitar a ocorrência de condutas tendenciosas, conflito de interesses, erros, omissões, fraudes e atos de corrupção,11 além de reduzir os riscos de não detecção de procedimentos incorretos, evitar desperdícios, possibilitar revisões e avaliações efetivas de conduta, impossibilitar conluios.
A Lei n° 8.666/93, em seu artigo 9º, veda que o autor do projeto básico ou executivo, o servidor público ou dirigente do órgão contratante participasse do certame de forma direta ou indireta, algo mais assemelhado ao impedimento trazido no artigo 7º, I. A nova lei tem o mérito de inovar ao trazer o princípio de forma expressa, ao exigir que, no procedimento licitatório, as funções típicas do servidor público sejam desempenhadas de forma separada, o que possibilita o exercício da autotutela dos atos administrativos e garante a eficiência na atuação administrativa, pela especialização e desconcentração de funções.
7 Artigo 173, da Lei nº 14.133/2021.
8 Artigo 176, da Lei nº 14.133/2021.
9 Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único
- Se o agente é funcionário público, e comete o crime, prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
10 Portaria TCU nº 63/96, de 1996.
11 Acórdão TCU nº 5.615/2008, nº 3.031/2008.
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Xxxxx as hipóteses de conduta dolosamente orquestrada por uma organização criminosa destinada a cometer reiteradamente atos de corrupção, o cumprimento desse princípio tende a ser valioso ao conferir mais eficiência, racionalidade, imparcialidade, transparência e eficácia sobre os processos de contratação pública12. Além de se mostrar como essencial para o bom funcionamento das linhas de defesa do procedimento, que serão melhor analisadas adiante.
3. O Agente de Contratação
Após essa análise geral das disposições normativas afetas aos agentes públicos envolvidos no processo de contratação pública, convém discorrer sobre o agente de contração, figura introduzida pelo artigo 8º, da Lei nº 14.133/2021.
O artigo 51 da Lei n° 8.666/93 atribuía a uma comissão com 3 (três) membros, sendo pelo menos 2 (dois) qualificados e integrantes dos quadros permanentes dos órgãos da Administração Pública, a responsabilidade de conduzir a licitação. Doravante, esse trabalho será desempenhado pelo agente de contratação.
Servidor efetivo ou empregado público do quadro permanente, escolhido pela autoridade competente, lhe incumbirá tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, impulsionar o procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.
O agente será apoiado por uma equipe, em que as atividades devem ser distribuídas respeitando o princípio da segregação de funções, para garantir a autonomia do procedimento, na esteira do artigo 7º, esses profissionais devem ser preferencialmente efetivos, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica da lei.
Na hipótese de licitação de bens ou serviços especiais, aqueles que não possam ser objetivamente definidos no edital, em decorrência de sua alta heterogeneidade ou complexidade, bem como não encontrem especificações usuais no mercado13, o agente de contratação poderá ser substituído por uma comissão formada por, no mínimo, 3 (três) membros, preferencialmente servidores efetivos, qualificados e sem impedimentos objetivos e subjetivos, conforme artigo 7º da lei.
O trabalho será assessorado pelo setor jurídico da instituição e acompanhado pelo controle interno. Na hipótese de certame que envolva bens ou serviços especiais, cujo objeto não seja contratado rotineiramente, será possível contratar, por prazo determinado, sociedade empresária ou profissional especializado para assessorar o agente de contratação ou a comissão que o substituir.
A aquisição de bens ou contratação de serviços comuns, aqueles que podem ser objetivamente definidos pelo edital e encontram parâmetros no mercado, será
12 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. O princípio da segregação de funções e sua aplicação no controle processual das despesas: uma abordagem analítica pela ótica das licitações públicas e das contratações administrativas. p. 09. Disponível em: file:///C:/Users/Membro%20Home/Downloads/68-Texto%20do%20 artigo-130-1-10-20150916%20(1).pdf. Acessado em: 19 maio 2021.
13 Artigo 6º XIII e XIV, da Lei 14.133/2021.
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obrigatoriamente realizada adotando-se o pregão como modalidade de licitação (artigos 6º, XLI e 29), hipótese na qual o processo será conduzida pelo pregoeiro.
A lei não elencou qualquer característica que pudesse diferenciar o trabalho do pregoeiro das funções do agente de contratação. Assim, a princípio, trata-se apenas de uma opção legislativa em preservar a nomenclatura já consagrada na Lei n° 10.250/2002, aplicando-se ao pregoeiro todas as prerrogativas do agente de contratação.
As contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia especiais não podem ser realizadas através de pregão (artigo 29, parágrafo único). Logo, nesses casos o certame será conduzido pelo agente de contratação.
Compreendida a atividade e a função desempenhada pelo agente de contratação, surge interesse em analisar o papel que ele terá nas práticas de governança elencadas pelo novel diploma legal.
4. Governança pública na Lei n° 14.133/2021
A União, no Decreto nº 9.203/2017, dispôs sobre a política de governança da administração pública federal. Para tanto adotou um conceito bastante aberto: conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade14.
A ideia de governança vem do setor privado, remonta aos estudos da teoria da agência que identifica, na seara empresarial, a ideia de separação entre os interesses do proprietário (acionistas) e seu delegatário, o agente (administradores), muitas vezes divergentes. As funções de propriedade e controle são segregadas, como forma de tornar a organização mais eficiente.
Desse ponto, emerge o conceito de prestação de contas (accountability), que se refere à reponsabilidade de uma pessoa perante a outra de prestar informações e justificar seus atos, bem como ser responsabilizada por atos ilícitos. Além de passar pela teoria dos custos da transação, em que o foco está em identificar e mitigar os riscos contratuais, passa-se a considerar todos os sujeitos que podem influir e ser influenciados pela corporação ou ter algum tipo de interesse em sua atividade (Stakeholders) 15, objetivando-se a criação de um ambiente de confiabilidade, integridade, melhora regulatória, com capacidade de resposta e transparência.
Assim, governança pública tem por diretrizes a busca por resultados para a sociedade, com a adoção de soluções inovadoras para lidar com a finitude dos recursos e a crescente exigência de atenção a prioridades, a desburocratização, o crescente uso
14 Artigo, 2º, II, do Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de 2017.
15 XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Governança pública em três dimensões: conceitual, mensural e democrática. Organ. Soc., Xxxxxxxx, v. 27, n. 94, p. 370-395, Sept. 2020. Available from: <xxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxxx&xxxxX0000-00000000000000000&xxxxxx&xx m=iso>. Access on: 17 May 2021. Epub Aug 10, 2020. xxxxx://xxx.xxx/00.0000/0000-0000000.
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de meios eletrônicos em seus procedimentos, o que facilita a transparência, adoção de um plano estratégico, a crescente articulação entre instituições, incorporação de elevados padrões de conduta pela alta administração para orientar o comportamento dos agentes públicos, aprimoramento dos níveis de controle interno, gestão de risco (prevenir mais, sancionar menos).
Além de manter processo decisório orientado pelas evidências, conformidade legal, estabilidade, coerência, dirigir sua atividade pela adoção de “boas práticas” fomenta pela participação popular ativa e passiva, facilitada pela disponibilização de meios de informação e comunicação com funções e competências bem definidas e segregadas16.
Esse é o espírito da Lei n° 14.133/2021, em que se busca aprimorar a imagem da Administração Pública, conferir transparência e confiança a seus processos de compras, que passam a ser eletrônicos como regra, expostos em um portal nacional. E nesse cenário, o agente de contratação surge como protagonista.
5. O papel do agente de contratação como expoente de governança
Na esteira do que foi discorrido até aqui, resta evidente que o agente de contratação exercerá papel fundamental na implementação das práticas de governança nos processos de contratações públicas.
De certo, que cabe à alta administração a responsabilidade legal pela governança, o que inclui o dever de implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com intuito de assegurar a contratação mais vantajosa, com tratamento isonômico entre os licitantes, que observe o princípio da competitividade, com zelo para que não ocorra dano ao erário decorrente de sobrepreço, superfaturamento ou que seja estabelecido preço inexequível, com incentivo para inovação e para o desenvolvimento sustentável, no seu viés ambiental e social17.
O processo de licitação deve ser desenvolvido em um ambiente íntegro e confiável, alinhado com o planejamento estratégico da instituição, que preferencialmente deve organizar-se anualmente para definir as compras que pretende fazer e os serviços que precisa contratar18, tudo em consonância com leis orçamentárias, com fito de promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
Contudo, toda essa estrutura depende do comprometimento e da lisura do agente de contratação, responsável direto por fazer cumprir as diretrizes de governança da autoridade superior. Por esse motivo, o cargo deve ser ocupado por servidor do quadro efetivo, estável, capacitado especificamente para a função, comprometido com concretude dos valores indicados pelo legislador.
16 Artigo 4º, do Decreto nº 9.203/2017.
17 Artigo 11, da Lei nº 14.133/2021.
18 Artigo 12, VII, da Lei nº 14.133/2021.
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Dentro desse escopo, a possibilidade de substituição do agente de contratação por comissão de servidores, preferencialmente efetivos é excepcional, não pode ser tornar uma prática corriqueira da administração, pois na medida em que surge a possibilidade de servidores com vínculo precário, a autonomia e lisura do processo decisório poderão ser questionadas, o que contrária o espírito de governança da lei.
E mais, as contratações devem ser submetidas a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, conforme artigo 169, da Lei n° 14.133/2021, que aponta que a primeira linha defesa19 do processo são os próprios servidores que atuam na licitação e autoridades da estrutura de governança do órgão. A segunda é integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade. Por fim, a terceira linha é o órgão central do controle interno da administração (por exemplo, controladoria geral da união) e o Tribunal de Contas.
Logo, a figura do agente de contratações terá fundamental importância no cumprimento das diretrizes de governança implantadas pela alta administração, ao garantir, por exemplo, que os dados inseridos nos portais eletrônicos sejam fidedignos, que os atos do procedimento sejam presenciais de forma excepcional. Além, é claro, de pautar o certame no respeito irrestrito à lei.
A face do planejamento da lei também receberá grande contribuição do agente, profissional que deve participar da elaboração do plano anual de contratações, além de atuar ativamente para que, in concreto, as necessidades da Administração sejam sanadas através das contratações, com o menor gasto de recursos (racionalização).
Nessa ordem de ideia, convém destacar que o agente de contratação é individualmente responsável pelos atos que praticar, salvo se for induzido a erro pela atuação da equipe, o que será, por certo, objeto de dificílima prova, caso o procedimento não seja corretamente documentado, com a utilização, inclusive, de meios audiovisuais.
Do mesmo modo, a comissão que vier a substituí-lo em casos especiais, será solidariamente responsabilizada, ressalvado o membro que expressar posição individual divergente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que a decisão houver sido tomada (artigo 8º, §2º).
E mais, o agente de contratação ou a comissão deverá receber adequado assessoramento jurídico (segunda linha de defesa) e, além de ser orientado, importante que paute sua atuação de acordo com os parâmetros legais que lhe foram fornecidos.
Por fim, de certo que órgãos de controle terão sua atenção voltada para esse servidor, cuja capacitação contará com a contribuição de excelência dos Tribunais
19 O modelo das três linhas de defesa também vem da iniciativa privada. Surge como resposta à necessidade de estabelecer uma forma simples e eficaz de melhorar a comunicação do gerenciamento de riscos e controle por meio do esclarecimento dos papéis e responsabilidades essenciais. A primeira linha é formada pelos que gerenciam e têm propriedade sobre os riscos; a segunda, sobre os que supervisionam os riscos; e a terceira fornece avaliação independente. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/0/00000/00/ As_tres_linhas_de_defesa_Declaracao_de_Posicionamento.pdf. Acessado em: 25 maio 2021.
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de Contas, que, por intermédio de suas escolas, deverão oferecer cursos específicos para profissionais que irão exercer essa função, assim como avaliar sua conduta em suas auditorias e na análise, sobretudo, das contas de gestão.
Também o Ministério Público, como órgão de controle, nesse momento, acompanhará o empenho da alta administração em aparelhar sua estrutura, de forma a garantir que, no final do período de vacatio legis, o Ente conte com profissionais habilitados para exercer função de tamanha importância.
6. Considerações finais
A contratação de serviços e aquisição de bens são pontos de grande sensibilidade na gestão pública. Para além da constante ameaça da corrupção, desvio de recursos e favorecimentos espúrios, a falta de técnica, planejamento e capacitação contribuem para que o dinheiro público seja gasto sem representar proporcional benefício à sociedade.
A nova lei de licitações, embora sem ineditismo, tem o mérito de apontar a necessidade de observar os princípios e diretrizes de governança nos procedimentos que fundamentam esses negócios jurídicos.
Caberá à alta administração da entidade promover a estruturação física e humana adequada para tornar as premissas do legislativo efetivas. Aqui, especial cuidado deve receber o agente de contratação, que terá papel fundamental em garantir que os objetivos da lei sejam alcançados.
Municípios com população superior a 20.000 habitantes, Estados, o Distrito Federal e a União terão o prazo de 2 (dois) anos para se organizar e contarão com o valioso trabalho do Tribunal de Contas na capacitação dos servidores que estarão à frente dos procedimentos licitatórios.
Nessa toada, é de se esperar que o bom gestor se ocupe dessas questões, empreenda esforços para fazer concretizar as diretrizes de governança da nova lei e proposta de lei orçamentária para o exercício de 2022, direcione recursos de forma a permitir que a lei seja cumprida.
Referências
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