LUCIANO ELIAS REIS
XXXXXXX XXXXX XXXX
O DEVER DO ESTADO BRASILEIRO DE USAR AS LICITAÇÕES E AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS PARA A PROMOÇÃO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO NACIONAL
XXXXXXX XXXXX XXXX
O DEVER DO ESTADO BRASILEIRO DE USAR AS LICITAÇÕES E AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS PARA A PROMOÇÃO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO NACIONAL
Tese apresentada como requisito parcial para a conclusão do Curso de Doutorado em Direito Econômico e Social do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e no Curso de Doutorado em Derecho de la Administración na Universitat Rovira I Virgili, conforme convênio de regime de cotutela.
ORIENTADORES: PROF. DR. XXXXXXX XXXXXXX
PROF. DR. XXXXXXX XXXXXXXX PROF. DRA. XXXXXX XXXXXXXXX XXXX
Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central
Xxxxxxx xx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx CRB-9/1636
Xxxx, Xxxxxxx Xxxxx | |
R375d | O dever do estado brasileiro de usar as licitações e as contratações públicas para |
2020 | A promoção da ciência, tecnologia e inovação nacional / Xxxxxxx Xxxxx Xxxx ; orientadores, |
Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx. -- 2020 | |
499 f. ; 30 cm | |
Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, | |
Curitiba, 2020. | |
Bibliografia: f. 464-499 | |
1. Direito administrativo. 2. Administração pública. 3. Contratos administrativos. 4. | |
Ciência e tecnologia. 5. Inovações tecnológicas. 6. Sustentabilidade. I. Xxxxxxx, | |
Xxxxxxx. II. Cocciolo, Endrius. III. Xxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx. | |
IV. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós- Graduação em | |
Direito. V. Título | |
Doris. 4. ed. – 341.3 | |
TERMO DE APROVAÇÃO
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O DEVER DO ESTADO BRASILEIRO DE USAR AS LICITAÇÕES E AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS PARA A PROMOÇÃO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO NACIONAL
Tese aprovada como requisito parcial para a conclusão do curso de Doutorado em Direito Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e, em regime de cotutela, no Curso de Doutorado em Derecho de la Administración na Universitat Rovira i Virgili pela banca composta pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxx
Pontifícia Universidade Católica do Paraná Orientador
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxx Universitat Rovira i Virgili Orientador
Prof. Dra. Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx Universitat Rovira i Virgili Orientador
Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxxxx-Xxxxx Xxxxx
Universidad de La Coruña Membro
Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem Pontifícia Universidade Católica do Paraná Membro
Prof. Dr. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxx
Universitat Rovira i Virgili Membro
Profa. Dra. Xxxxxx Xxxxxx i Font Universitat Autònoma de Barcelona Membro
Profa. Dra. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Universidade de Santa Cruz do Sul Membro
CURITIBA, 15 DE ABRIL DE 2020.
AGRADECIMENTOS
Como é bom recordar das pessoas que me ajudaram nesta jornada acadêmica do doutorado e também dos meus estudos desde pequeno. Agradecer é a atitude mais sábia de um ser, pois é sabido que sozinho nada se alcançará e sem as bases qualquer edificação declinará.
Primeiramente, agradeço a Deus pelas oportunidades e pela boa vida (boa) que me proporciona com muita saúde e afeto dos amigos e familiares que me xxxxxxxxx, sem a sua força, sua luz e seu poder nada seria possível.
Ao Professor Xxxxxxx Xxxxxxx, exemplo de jurista e cientista, que foi um excelente orientador e sempre presente nas fases da pesquisa. Além disso, agradeço- lhe pelas diversas oportunidades acadêmicas que tem me proporcionado, pelo singular incentivo na ida para a Espanha e pelas críticas que me serviram para o contínuo amadurecimento.
Ao Professor Xxxxxxx Xxxxxxxx da Universitat Rovira i Xxxxxxx, que, além de me recepcionar muito bem em Tarragona, transmitiu e compartilhou uma visão avançada e interligada do Direito, do Meio Ambiente e da Concorrência.
À Professora Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx da Universitat Rovira i Xxxxxxx que com seus textos e orientação me ajudaram para que pudesse compreender a realidade das licitações e dos contratos espanhóis; doutro lado, pude auxiliá-la para que compreenda a língua portuguesa ao ler toda a tese.
Ao meu sócio e irmão Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx pela compreensão e incessante ajuda no aspecto profissional e acadêmico, sendo que foi, e é, imprescindível para a maturação dos meus pensamentos críticos acadêmicos e profissionais.
Ao amigo de longa data Xxxxxxx Xxxxxxxx xxx Xxxxxx Risolia pela sua criteriosa leitura, revisão e crítica ao texto, bem como pelas palavras de apoio.
Aos amigos Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, os quais de uma forma, direta ou indireta, contribuíram para este trabalho e para o meu crescimento.
Aos amigos e Professores de Direito Administrativo Xxxxx Xxxxxxxxx, Daniel Wunder Hachem, Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxx, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx,
Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx, os quais têm sido companheiros de estudos do Direito Administrativo e acima de tudo meus tutores para diversas revisões teóricas, inspiradores para a continuidade nos estudos, bem como para novos projetos profissionais.
Aos Professores Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx e Romeu Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx que servem de exemplos para a contínua reflexão crítica, estudo sério e comprometido para a melhoria do cenário das contratações públicas brasileiras.
Aos Professores do querido Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA que tem sido a minha casa desde a minha graduação nos idos de 2000 e que a partir de 2011 na docência da cadeira de Direito Administrativo, em especial aos Professores Xxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx.
Ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PPGD e aos amigos do Doutorado que foram excelentes companheiros nesta jornada, em especial a todos da nossa querida turma de jantar do ano de 2016-1, e à querida Xxx por todo auxílio na parte da secretaria. Aqui não poderia deixar de fazer um destaque para a querida Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, a qual sempre esteve junto para agregar com palavras de incentivo, dividir as angústias do processo de sanduíche e subsidiar na tradução da introdução e conclusão.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela viabilidade de concretizar este trabalho, tanto a partir do benefício da taxa durante o curso quanto pelo doutorado-sanduíche (PSDE).
Ao Programa de Pós-Graduação em Direito Administrativo da Universitat Rovira i Xxxxxxx que muito me enobreceu com a possibilidade de estudar em uma série instituição de ensino espanhola, sendo marcante para a minha vida pessoal e profissional os seis meses ali vividos, os dois anos de curso e a viabilidade de aprender com o Professor Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx i Gasó e com os amigos Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxx Xxxxxx.
Aos meus pais e professores de vida, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxx, que sempre foram e sempre serão os meus mestres, devo-lhes tudo e principalmente os valores, os princípios e a educação ensinados.
Aos meus irmãos Xxxxxxx Xxxxx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxx pelo amor fraternal e respeito, bem como pelo incomensurável estímulo, apesar da minha ausência nos últimos tempos.
Ao meu querido cunhado Xxxxx Xxxxxxx que tem sido um grande amigo e incentivador desta jornada, bem como à querida cunhada Xxxxxx Xxxxxxx pelo carinho. À minha amada Xxx Xxxxx Xxxxxxx, a qual foi compreensiva, amorosa, parceira de Espanha, amiga e muito companheira para que um sonho pudesse ser concretizado, até porque não é fácil aguentar a ausência, a ansiedade e o
nervosismo de um parceiro que tem o defeito do perfeccionismo.
Ao pequeno e gigante Xxxxxxx, que me mostrou o quão é linda a vida, o quão ímpar é o amor paternal e que todos os dias me ensina de tudo, rogando a Deus para que possa tirar dez na árdua tese de educá-lo e então ser compensado com os seus beijos e abraços.
Ao mais novo integrante da família, que apesar dos obstáculos já passados, peço para Deus sempre iluminar, conceder muita saúde e abençoar em toda vida. Seja muito bem vindo(a)!
Resumo
A tese apresentada no Programa de Pós-Graduação em sentido estrito em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e também no Programa de Doutorado da Universitat Rovira i Virgili investigou a possibilidade de o estado brasileiro usar as licitações e as contratações públicas como instrumentos para direcionar e fomentar a ciência, a tecnologia e a inovação nacionais. O objetivo geral foi defender a intervenção estatal via indução e regulação em sentido estrito, independentemente da elevação de suposto custo financeiro a ser suportado pelos órgãos e entidades da Administração Pública, já que o desenvolvimento nacional e regional, bem como a autonomia nacional tecnológica, impõe uma visão estratégica dos ajustes e uma reconfiguração da teoria usualmente adotada para compreender o custo de uma contratação pública e da sua vantajosidade. Assim, especificamente o trabalho visou: à definição da regulação do estado no domínio econômico e suas várias formas; ao enquadramento necessário da contratação pública como uma política pública; à comprovação de que a função socioeconômico dos contratos administrativos sempre ocorreu, não sendo novidade legislativa; ao exame da relevância da ciência, tecnologia e inovação nacionais nos termos da legislação brasileira e sua correlação com as compras públicas como instrumentos para seu alcance; à inexistência de óbices ao uso desse tipo de intervenção ante os acordos bilaterais e multilaterais celebrados pelo Brasil; à explicação da distribuição de competência legislativa para atrelar o tratamento normativo da ciência, da tecnologia e da inovação nacionais por intermédio de licitações; e à proposição de critérios objetivos para que seja viável a imposição normativa de critérios diferenciadores para a pretensão principal desse trabalho. O estudo adotou o método dedutivo e realizou-se a partir de ampla pesquisa bibliográfica e normativa, considerando a realidade do Brasil e da Espanha, inclusive a partir das decisões judiciais e administrativas. O uso das lições da destruição criativa de Xxxxxx Xxxxxxxxxx e o enfoque atual, inclusive, sobre os benefícios ou não do acordo de livre comercio entre MERCOSUL e União Europeia, que foi noticiado em junho de 2019, também serviram de arrimo para confirmar a tese de que o estado brasileiro tem o dever de regular a favor da ciência, tecnologia e inovação nacional por meio do favorecimento de empresas que invistam no país, desde que seja estruturada uma política pública estratégica de acordo com o setor a ser beneficiado, respeite todas as etapas do ciclo para a sua formação, seja temporária e permita ampla participação dos cidadãos e operadores econômicos. Outrossim, ressalta-se que o tema é agenda primordial para os estados no cenário mundial, já que, de um lado, há a preocupação em fortalecer a economia nacional para aumentar o bem-estar social e, doutro, existe a necessidade (e/ou ganância) de obtenção de novas riquezas para internacionalizar sem esvair as existentes.
Palavras-chave: Contratos públicos; compras públicas inovadoras; mercado nacional; desenvolvimento; sustentabilidade; ciência, tecnologia e inovação.
Resumen
La tesis presentada en el Programa de Doctorado en Derecho en la Pontificia Universidad Católica del Paraná y también en el Programa de Doctorado en Derecho de la Universitat Rovira i Virgili investiga la posibilidad del Estado Brasileño de utilizar la contratación pública como instrumento para dirigir y fomentar la ciencia, tecnología e innovación nacional. El objetivo general del trabajo es la necesidad de intervención estatal vía fomento y regulación en sentido estricto, sin el condicionamiento derivado del aumento del coste financiero que soportarán las entidades de la Administración Pública, debido a que consideramos que el desarrollo nacional y regional, así como la autonomía nacional tecnológica, implican una misión estratégica de los contratos y una reconfiguración de la teoría tradicional mediante la cual se determina el coste de la contratación y la ventaja más económica. Sobre esta premisa, en el trabajo se ha estudiado: la mejor definición de la regulación del estado en el dominio económico; de qué manera se puede entender la contratación pública como una política pública; comprobar que el contrato público siempre tuvo una función social y económica; la importancia de incorporar la ciencia, la tecnología y la innovación nacionales en la legislación brasileña y el uso de las compras públicas para su fomento; la ausencia de obstáculos a la utilización de dicha intervención frente a los acuerdos bilaterales y multilaterales celebrados por el Estado Brasileño; la aclaración de la distribución de la competencia legislativa para abordar la regulación de la ciencia, tecnología e innovación nacionales a través de los contratos públicos; y la fijación de criterios objetivos para la imposición de una preferencia nacional. En la tesis se ha aplicado una metodología jurídico-deductiva y se ha llevado a cabo una amplia investigación bibliográfica y normativa, tomando en cuenta la realidad de Brasil y España, tomando también en consideración decisiones judiciales y resoluciones administrativas. Se aprovecharon las lecciones de “destrucción creativa” de Xxxxxx Xxxxxxxxxx de acuerdo con la actualidad, incluso sobre los beneficios o las desventajas del acuerdo de libre comercio entre el MERCOSUR y la Unión Europea, que se firmó en junio de 2019, para confirmar la tesis de que el Estado Brasileño tiene el deber de regular la ciencia, tecnología e innovación nacional y conceder beneficios para las empresas que inviertan en el país. Para que eso suceda, es condición que se estructure una política pública estratégica conforme el sector a beneficiar, que respete todas las etapas del ciclo de formación de una política pública, sea temporal y permita una amplia participación de los ciudadanos y de los operadores económicos. Además, se destaca que la cuestión representa un asunto prioritario en la agenda global de los Estados, ya que, por un lado, existe la preocupación de fortalecer la economía nacional para aumentar el bienestar social y, por otro, existe el interés de atraer nuevas inversiones internacionales sin perjuicio de las existentes a nivel internacional.
Palabras clave: contratos públicos; compra pública innovadora; mercado nacional; desarrollo; sostenibilidad; ciencia, tecnología e innovación.
Abstract
The thesis presented in the Strict Sense Law Post Graduation at Pontificia Universidade Católica do Paraná and also in the doctoral program of the Universitat Rovira i Virgili researched brazilian's state possibility of using public bids and public contracts as instruments to direct and develop national science, technology and innovation. General objective was to defend State intervention through strict sense induction and regulation, regardless the increase o financial costs held by Public Administration's organs and entities, since national and regional development, as technological autonomy, demands strategic view of the adjustments and a reconfiguration of the commonly adopted theory to comprehend public contracting's cost and advantageousness. Therefore, specifically the work aimed: the definition of State's regulation in economic dominium and its forms; the necessary framing of public contracting as a public policy; the confirmation that administrative contract's socioeconomic function has always occurred, as so it is not legislative news; to national’s science, technology and innovation examination in brazilian law terms and its correlation with public buys as instruments to reach them; to the absence of obstacles to this kind of intervention usage regarding Brazil's bilateral and multilateral agreements; to the explanation of legislative jurisdictional distribution to attach national's science, technology and innovation normative treatment through public bids; and to propose objective criteria to make viable the impositive normative differentiators criteria of this work's main goal. The study adopted the deductive method and have been developed through large bibliographical and normative research, considering Brazil's and Spain's realities, including through judicial and administrative decisions. Xxxxxx Xxxxxxxxxxx'x destructive creation lessons usage and nowadays focus, including the benefits, or its absence, of the Mercosur and EU free trade agreement, revealed june 2019, also served to confirm the thesis that brazilian State has the duty to regulate in favor of national's science, technology and innovation by favoring companies that invest in the country, since the structure of strategical public policy according with the benefited sector, respect all the stages of the cycle to its formation, be temporary and allow broad citizens and economical operators participation. In this way, it is necessary to highlight that the subject is primary agenda to all countries worldwide, as, in one hand, there is consern in strengthen national economy to increase social welfare and, in the other, the need (and/or greed) to obtain new profits to internationalize whitout spending the already exintent ones.
Keywords: public contracts; innovative public purchase; national market; development; sustainability; science, technology and innovation.
SUMÁRIO
PRÓLOGO 3
PROLOGO 10
INTRODUÇÃO 16
INTRODUCCIÓN 21
CAPÍTULO I – A FUNÇÃO SOCIAL DA LICITAÇÃO E DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PELA NECESSÁRIA REGULAÇÃO ESTATAL 26
1.1. Breves considerações conceituais sobre licitação e contrato administrativo e a existência de (nova) função, de acordo com a Constituição da República Federativa de 1988 e a legislação infraconstitucional 26
1.2. O ambiente normativo brasileiro como espelho da função (socioeconômica) das licitações e dos contratos administrativos 55
1.3. A regulação estatal por meio de licitações públicas e contratos administrativos: fomento e direção 68
CAPÍTULO II – A POLÍTICA PÚBLICA DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA COMO IMPRESCINDÍVEL AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL SUSTENTÁVEL NO DIREITO ADMINISTRATIVO CONTEMPORÂNEO 96
2.1. A concreção do desenvolvimento e da sustentabilidade nas licitações públicas e nos contratos administrativos 96
2.2. O Direito Administrativo Contemporâneo: concertação e consensualização para além da unilateralidade 144
2.3. O uso da contratação pública como integrante da política econômica de um Estado 162
2.4. A política da contratação pública como integrante da política econômica é uma política pública 175
CAPÍTULO III – A INTERFACE ENTRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AS COMPRAS PÚBLICAS VISANDO À CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
................................................................................................................................192
3.1. A compreensão da ciência, tecnologia e inovação e seu tratamento jurídico na legislação brasileira 192
3.2. O fundamento constitucional no ordenamento jurídico-brasileiro para a edição de normas de licitações públicas e contratos administrativos relacionadas com ciência, tecnologia e inovação 228
CAPÍTULO IV – REVISITANDO O CONCEITO DA BUSCA DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA A PARTIR DO ATUAL CONTEXTO DAS COMPRAS PÚBLICAS INOVADORAS NO BRASIL E NA ESPANHA 253
4.1. Uma reanálise da busca da proposta mais vantajosa, da isonomia e do desenvolvimento nacional sustentável nas licitações públicas e nos contratos administrativos 253
4.2. A comparação entre as compras públicas inovadoras no Brasil, na União Europeia e na Espanha 311
CAPÍTULO V – A VÍSÃO CRÍTICA SOBRE AS BARREIRAS PARA O FOMENTO E A DIREÇÃO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO POR MEIO DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS E DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 351
5.1. Os acordos internacionais como (supostos) obstáculos para qualquer tratamento discriminatório e afrontoso à concorrência 351
5.2. A relação custo-benefício para a regulação estatal nas compras públicas para a direção e promoção da ciência, tecnologia e inovação conforme ferramentas da Análise Econômica do Direito 390
5.3. Critérios para o estabelecimento de medidas eficientes para promover e direcionar a ciência, tecnologia e inovação nas compras públicas 412
CONCLUSÕES 448
CONCLUSIONES 456
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 464
PRÓLOGO
Em meados de 2008, li o livro “A emergência socioambiental” para fazer a prova de mestrado em Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e o seu final me chamou muita atenção, ao enfatizar que, no Brasil, deveria ser conferida mais enfoque à ciência, tecnologia e inovação do que para as novelas e para a televisão.
Passado isso, veio a aprovação e o curso, oportunidade em que pude aumentar a inquietude por diversos temas, dentre eles, o desenvolvimento, a eficiência, as licitações, os contratos, as parcerias governamentais e a sustentabilidade, tanto que o tema da dissertação foi sobre convênios administrativos e sua relação com a eficiência e o desenvolvimento.
Ao tempo desses fatos, não posso olvidar-me dos estudos e das leituras desde 2003 sobre Direito Administrativo, com ênfase em licitações, contratos e convênios administrativos. Da mesma maneira, tenho exercido a docência desde 2007 em diversas instituições de ensino em cursos de pós-graduação e na graduação na minha querida UNICURITIBA, bem como em cursos e treinamentos ministrados para centenas de órgãos e entidades da Administração Pública no Brasil.
Tudo isso, aliado à experiência profissional no escritório de advocacia e a pessoal com diversos acontecimentos de índole familiar (em especial, o casamento e o nascimento do meu filho), assim como a preocupação com a pragmaticidade de qualquer pesquisa científica, fizeram com que o tema da ciência, tecnologia e inovação voltasse com bastante vigor ao meu foco.
Em 2015, quando me preparava para fazer a seleção do programa de doutorado da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, li o livro “Estado Empreendedor” de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, e, em seguida, participei como palestrante num congresso em que houve uma ênfase sobre os novos ferramentais tecnológicos a serem implantados por alguns órgãos públicos, então, tive a certeza que o tema das compras públicas e a sua relação com a ciência, tecnologia e inovação nacional havia me beliscado.
Como toda e qualquer relacionamento passa por encantos e desencantos, não sendo diferente nesses quatro anos de pesquisa, em especial no último ano. Às vezes, a sensação de que o tema não era atraente e nem de agenda obrigatória para o atual
Estado Brasileiro, doutro lado, às vezes com a convicção de que o raciocínio adotado no presente poderá representar inovações legislativas a serem implementadas futuramente.
Sobre os últimos dozes meses, quando a pesquisa foi verticalizada e sistematizada, uma conversa com o orientador e cientista, Professor Xxxxxxx Xxxxxxx, fez com que a intenção dita por mim durante a entrevista de seleção em 2016 acontecesse, qual seja, ficar seis meses fora do país e da zona de conforto para realizar um estágio de doutoramento na Universitat Rovira i Virgili em Tarragona, Espanha, sob o financiamento do governo federal, mais precisamente da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Essa representa mais uma influência recebida por esse Professor e amigo durante a minha trajetória acadêmica nos últimos dez anos.
O período foi enriquecedor para conhecer uma nova realidade, pesquisar e pensar na tese por vinte e quatro horas por dia, explorar a séria pesquisa desenvolvida na Espanha, notadamente em Tarragona, onde pude comprovar, e amadurecer ainda mais pessoal e profissionalmente. É claro que a acolhida e a orientação segura do Professor Xxxxxxx Xxxxxxxx, bem como as diretrizes tracejadas pela Professora Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxx e pelo Professor Xxxxx Xxxxx-Xxxxxxx Xxxx, foram essenciais para descortinar vários olhares sequer imaginados quando da estruturação do projeto inicial de pesquisa.
Diante desse cenário fático, inicialmente o trabalho era para ser desenvolvido a partir da ciência do Direito, entretanto, percebeu-se a necessidade de correlacioná- lo com outras ciências como a economia, sociologia e a administração. Sem dúvidas a que gerou maior contribuição foram as ciências econômicas, que tenho uma certa facilidade por ter lido alguns livros do meu pai da série dos Economistas, ainda quando tinha 14 a 16 anos, muito embora naquele momento a leitura gerava pouca compreensão, incitando, desde já, a curiosidade. De qualquer maneira, quando retornei à leitura e ao estudo aprofundado sobre alguns economistas clássicos, notadamente Xxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx xxx Xxxxx para o desenvolvimento da pesquisa, pude assimilar que a experiência, as leituras anteriores e a vivência despertaram um raciocínio diferenciado e mais maduro sobre a postura do Estado e a confusão existente nas arenas pública e privada.
A interrelação e a transdisciplinaridade, presentes na própria bibliografia
adotada para este trabalho, demonstram vários setores abordando a questão das compras públicas e sua interface com a ciência, tecnologia e inovação nacional, seja para contratar objetos com tal qualidade, seja para impor que tais temas sejam beneficiados direta ou indiretamente. Portanto, indubitavelmente, trata-se de tema atual e de singular apreço no cenário político, acadêmico, jurídico, social e cultural, em especial na conjuntura mundial em que o conhecimento, informação, tecnologia e inovação têm sido as grandes moedas e apostas para a estruturação das economias estatais.
Para corroborar com a modernidade do tema, insta pontuar que, ao final da escrita desta tese, a União Europeia e o Mercosul selaram um acordo de cooperação comercial, incluindo as compras públicas. Números significativos foram e permanecem sendo divulgados na imprensa como motivos para animação do mercado na suscitada cooperação, como, por exemplo, possibilidade de as empresas brasileiras participarem de licitações europeias que quantificam 1,6 trilhões de euros e doutro lado as empresas europeias nas compras públicas brasileiras que movimentam 0,6 trilhões de reais. As condições do acordo ainda não foram divulgadas e será possível que se estabeleçam termos especiais conforme o setor e as regras de fracionamento de aplicabilidade completa do acordo a fim de cuidar ou descuidar das respectivas economias nacionais.
A separação dos conceitos científicos e das formas de compreensão ideológicas são fundamentais para qualquer diretriz a ser encampada perante o temário em questão, isso porque é muito comum que o seu tratamento seja efetuado a partir de pré-conceitos ou preconceitos do interlocutor e do escritor. Com o afã de perpassar uma linha isenta e idônea, buscou-se aprofundar cientificamente sobre as bases jurídicas, sociológicas e econômicas para cerzir uma linha de raciocínio que se revela passível de críticas em virtude da elevada riqueza dos pontos nevrálgicos do trabalho, mas não por uma miopia ideológica.
Cumpre tecer que algumas experiências estrangeiras vivenciadas por este autor, além dos seis meses em Tarragona na Universitat Rovira i Virgili, foram importantes como o Congresso de Direito Econômico em Lisboa em 2013, o Congresso de REDOEDA em Salamanca em 2018, o Congresso de Professores de Direito Administrativo da Espanha em 2019, o Congresso Internacional de Contratação Pública na Universidade Castilla-La-Mancha e principalmente o
Congresso sobre a Organização Mundial do Comércio em Coimbra, no qual pude escutar de vários profissionais atuantes no comércio internacional e do próprio órgão em si, a imprescindibilidade de ter uma visão macroscópica e holística sobre decisões importantes de entrar numa zona de comércio ou de abertura do mercado nacional. Ademais, outro ponto pertinente foram os rápidos conselhos passados pelo Professor Xxxxx Xxxxxxxxx acerca das compras públicas inovadoras e os debates existentes para a melhoria do ambiente das contratações administrativas europeias.
Aliado a tais conhecimentos adquiridos no exterior, a atividade profissional exercida pelo autor nos últimos quinze anos como advogado ou nos últimos dez como professor representou um grande ponto de amadurecimento das ideias e da necessidade de uma proteção da ciência, tecnologia e inovação nacional. Os mais diversos cursos, seminários, congressos e palestras ministradas me permitiram conhecer vinte e três capitais de Estados brasileiros mais o Distrito Federal, ir a outros diversos municípios que não são capitas, bem como a possibilidade de falar para mais de vinte mil pessoas e ter conhecido inúmeros professores e estudiosos da área de licitações públicas e contratos administrativos, sendo que tudo isso gerou um amadurecimento como pessoa e profissional.
Portanto, houve a relação da teoria e da prática, sempre pensando como operacionalizar comandos normativos atuais e outros a serem propostos, para que a pesquisa seja pragmática e produza resultados favoráveis para o desenvolvimento nacional sustentável, ponderando inclusive as dificuldades a serem enfrentadas para a perpetração e fortalecimento da ciência, tecnologia e inovação nacional.
Para a realização deste trabalho, utilizei a metodologia dedutiva no qual “uma proposição teórica geral é aplicada a um caso particular”.1 Para tanto, houve a investigação sobre um variado e multidisciplinar acervo bibliográfico nacional e estrangeiro, bem como acerca das decisões dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário.
Foi deveras importante a comparação com outros países, em especial o cenário atual do Brasil e da Espanha, cotejando-os de acordo com os seus blocos econômicos respectivamente MERCOSUL e União Europeia, para aferir como as modificações normativas foram incorporadas no dia a dia dos órgãos e entidades da Administração
1BARRAL, Welber. Metodologia da pesquisa jurídica. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 76.
Pública, como está sendo usada a contratação estratégica, como são feitas as compras públicas de ciência, tecnologia e inovação (compras inovadoras) e como estão trabalhando a questão da proteção econômica e a promoção da ciência, tecnologia e inovação nacional.
Atinente ao contexto do tema em relação à delimitação ante a área de concentração Direito Econômico e Desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a sua relação reside justamente pelo fato de se perquirir a realização de uma análise crítica da realidade contemporânea brasileira e a imperiosidade da regulação estatal no ambiente das licitações e dos contratos públicos para a busca do desenvolvimento sustentável. Coadunou-se com a linha de pesquisa Estado, Economia e Desenvolvimento, pois investigou-se a viabilidade e até que ponto seria possível a regulação do Estado sobre o mercado para a direção e o incentivo de determinadas finalidades constitucionais como a ciência, tecnologia e inovação, inclusive apreciando de acordo com as ferramentas da análise econômica do direito.
Quanto à pertinência no Programa de Doutorado em Direito Administrativo da Universitat Rovira i Virgili, salienta-se que a pesquisa foi realizada em conformidade com a linha de pesquisa do Direito da Administração Pública do Programa DRETMEDI (Territorio, Cidadania e Sustentabilidade, Direito Ambiental, Imigração e Governo Local), porque explorou a importância e os cuidados necessários pela Administração Pública para usar as suas compras públicas a fim de fomentar a sustentabilidade.
No que se refere à estruturação do trabalho, optou-se por dividir em cinco capítulos. O primeiro abordou sobre a função da licitação pública e do contrato administrativo em conformidade com a legislação brasileira, o espelho normativo atualmente existente para que tais instrumentos cumpram a sua função socioeconômica e o papel da regulação estatal para intervir por meio da direção e do fomento.
O segundo tratou da contratação pública como política pública imprescindível ao desenvolvimento nacional sustentável no viés do Direito Administrativo Contemporâneo, discorrendo sobre a concretização do desenvolvimento, da sustentabilidade e do desenvolvimento nacional sustentável, o ambiente atual do Direito Administrativo como propício para o enfoque na concertação e na consensualização e ainda o uso da contratação como instrumento de política pública
e em especial da econômica.
O terceiro capítulo enfatizou a interface entre o desenvolvimento sustentável e o tratamento diferenciado para a ciência, tecnologia e inovação nacional nas compras públicas. Com este afã, desmitificou-se os conceitos de ciência, tecnologia e inovação, bem como o seu tratamento no regime jurídico brasileiro; a fim de consolidar premissas essenciais para o raciocínio ulterior do trabalho. A mais, depurou-se a dificuldade na compreensão da competência legislativa para a edição de normas de licitações públicas e contratos administrativos no Brasil, ainda mais sobre as normas que versam sobre ciência, tecnologia e inovação incidentais sobre as compras públicas.
O quarto revisitou (e reconsiderou) o conceito e a abrangência do princípio da proposta mais vantajosa a partir da sua composição com a isonomia, da diferenciação entre a análise financeira e a econômica e da imprescindibilidade de adotar uma forma de quantificação do custo da solução da licitação no qual se leve em consideração diversos custos vilipendiados atualmente. Depois, dissertou-se acerca das compras públicas inovadoras (abarcadas a ciência, a tecnologia e a inovação) no Brasil, na União Europeia e em especial na Espanha, sendo para tal escopo houve a devida comparação de acordo com as normas vigentes.
O quinto e último capítulo teve por desiderato fazer um exame crítico sobre as barreiras atualmente levantadas para a não concessão de um tratamento diferenciado às compras públicas que incentivem ou direcionem a ciência, tecnologia e inovação nacional. Nesse ideário, explanou-se sobre os acordos internacionais como (não) obstáculos para a concessão de um regime discriminatório e favorável à ciência, tecnologia e inovação nacional, sob o viés de uma verificação conforme a Constituição da República Federativa de 1988. Em um segundo momento, foi apreciada a relação custo versus benefício para o aproveitamento da contratação pública estratégica para a ciência, tecnologia e inovação nacional a partir dos instrumentais da análise econômica do direito, e, ao fim, encetou-se sobre os critérios e propostas para que no Brasil se implante medidas normativas e práticas visando à promoção e direção da ciência, tecnologia e inovação nacional por meio das compras públicas, inclusive com adoção dos atuais textos normativas e da necessidade de criação de outros.
Pelo exposto e considerando que o Brasil tem o dever constitucional de evitar a dependência em inovação, ciência e tecnologia estrangeira, valores extremamente
significativos no mercado global, além do tema deste trabalho possuir singular relevância para o desenvolvimento econômico e para o bem estar da sociedade brasileira, espera-se que a leitura seja aprazível e provocadora.
PROLOGO
A mediados de 2008, leí el libro “A emergencia socioambiental” para el examen de acceso a la maestría en Derecho Económico en la Pontificia Universidad Católica del Paraná y su parte final me despertó interés, la que describía que en Brasil debería tener más énfasis en la ciencia, tecnología e innovaciones que en las novelas y televisión.
Después de eso, tuve la oportunidad de estudiar importantes temas, como el desarrollo, la eficiencia, las licitaciones, los contratos públicos, los convenios y la sostenibilidad, a punto de escoger como tema de tesis los convenios administrativos y su relación con la eficiencia y el desarrollo económico.
Pero al mismo tiempo, no puedo olvidarme de los estudios y lecturas en Derecho Administrativo desde 2003, haciendo hincapié en las licitaciones, contratos públicos y convenios. Igualmente, imparto clases desde 2007 en distintas universidades, tanto en cursos de posgrado como en el curso de derecho de mi querida universidad, UNICURITIBA, así como enseñanza para centenares de funcionarios públicos de órganos y entidades públicas de la Administración Pública en Brasil.
Por todo eso, más la experiencia profesional en mi bufete de abogados y de mi vida personal (boda y nacimiento de mi hijo), así como mi inquietud con los efectos prácticos de cualquier investigación académica, hicieron que el tema de ciencia, tecnología e innovación regresara con mucha intensidad como mi enfoque de estudio.
Xx 0000, xxxxxx hacía la preparación para la selección del curso de Doctorado en la Pontificia Universidad Católica del Paraná, he leído el libro “Estado Emprendedor” de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, y, luego en seguida, fui ponente en un congreso donde se ha discutido con gran vehemencia la necesidad de incremento de nuevas herramientas tecnológicas por la Administración Pública, entonces tuve la certidumbre cien por cien de mi tema de investigación, compras públicas y su enlace con la ciencia, tecnología e innovación nacional.
En toda relación hay encantos y desencantos, lo mismo ha pasado aquí en los últimos cuatro años de investigación, en especial el último año. En muchos casos la sensación que el tema no es pauta de la agenda obligatoria para el Brasil es desalentador, por otro lado, tengo la convicción de que la propuesta de la tesis, si
adoptada, podrá significar efectivas innovaciones de legislación en el futuro.
Durante los últimos doce meses, cuando la investigación fue profundizada y sistematizada, una charla con el director y científico, Profesor Xxxxxxx Xxxxxxx, permitió la realización de una intención dicha en 2016 cuando hice la selección para el doctorado, es decir, hacer una estancia fuera del país y de mi zona de comodidad, a partir de un periodo en la Universitat Rovira i Virgili en Tarragona, España, bajo la financiación del gobierno brasileño, más precisamente de la CAPES (“Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior”). Eso implica una ulterior influencia recibida por este alumno del amigo y profesor director de la tesis en mi carrera académica en los últimos diez años.
La estancia fue muy exitosa para conocer una nueva realidad, investigar y reflexionar cien por cien en los días en la estancia, explotar la investigación hecha en España, en especial en Tarragona, donde pude demostrar y madurar aún más personal y profesionalmente. Por supuesto, la acogida y orientación segura del Profesor Xxxxxxx Xxxxxxxx, así como las directrices de la Profesora Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx y del Profesor Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, fueron esenciales para revisar algunos puntos no pensados cuando la estructuración inicial del proyecto de investigación.
Ante ese escenario, el trabajo inicialmente sería desarrollado a partir de la ciencia del derecho, sin embargo, se percibió la necesidad de correlacionarlo con otras ciencias como la economía, la sociología y la administración. Entre ellas, indudable la que más añadió fue la ciencia económica, la cual tengo un poco de proximidad por la lectura de algunos libros de la serie “Os Economistas” de mi padre cuando tenía 14 a 16 años, aunque en aquel momento la lectura era de pequeña comprensión, a pesar de la curiosidad. Asimismo, cuando volví a leer y profundizar el estudio sobre algunos economistas clásicos, en particular, Xxxxxx Xxxxxxxxxx y Xxxxxxx Xxxxx para el desarrollo de la investigación, aproveché la experiencia de las lecturas previas para tener un razonamiento diferenciado y más maduro sobre la posición y la confusión existente del estado en los ámbitos público y privado.
La interrelación y la transdisciplinariedad, presentes en la bibliografía adoptada para esta tesis, demuestran varios sectores que examinan las compras públicas y su relación con la ciencia, tecnología e innovación nacional, ya sea para contratar objetos con esa calidad, ya sea para imponer que dichos temas se beneficien directa o
indirectamente. Por lo tanto, sin duda, es un tema actual y de singular apreciación en el escenario político, académico, jurídico, social y cultural, especialmente en la coyuntura global en que el conocimiento, la información, la tecnología y la innovación han sido las grandes monedas y apuestas para la estructuración de las economías estatales.
Para evidenciar la actualidad de la tesis, , se subraya que la Unión Europea y el Mercosur han firmado recientemente un acuerdo de cooperación comercial, incluyendo las compras públicas. Se han publicado y siguen publicitando cifras significativas en la prensa como razones de entusiasmo del mercado en la cooperación, como si hubiera la posibilidad de que las empresas brasileñas participen en los pliegos europeos que cuantifican 1.600 millones de euros y, por otro, empresas europeas en contrataciones brasileñas que aportan 6 millones de reales. Las condiciones del acuerdo aún no se han divulgado y pueden ser especiales de conformidad con el sector y la viabilidad de normas de plena aplicabilidad con el fin de cuidar o descuidar sus economías nacionales.
La separación de los conceptos científicos y las formas de asimilación ideológicas son fundamentales para cualquier línea de raciocinio sobre ese tema, porque es común que haya prejuicio en la interpretación del juicio a partir de la vida común de las personas. Con el propósito de obtener una línea idónea e imparcial, intento profundizar científicamente las bases jurídicas, sociológicas y económicas para llevar a cabo una directriz factible de críticas ante la cantidad de puntos discutibles en este trabajo.
Algunas experiencias extranjeras experimentadas por este autor, además de los seis meses en Tarragona en la Universitat Rovira i Virgili, fueron relevantes para la investigación, como el Congreso de Derecho Económico en Lisboa en 2013, el Congreso de REDOEDA en Salamanca en 2018, el Congreso de Profesores de Derecho Administrativo de España en 2019, el Congreso Internacional de Contratación Pública en la Universidad Castilla-La-Mancha y en el Congreso sobre la Organización Mundial del Comercio en Coímbra, donde pude compartir con profesionales que actúan en el comercio internacional y que tienen un análisis integral sobre las importantes decisiones de entrar o no en una zona libre de comercio o en la apertura del mercado nacional. Igualmente, otro punto bueno fue conocer y oír algunos consejos del Profesor Xxxxx Xxxxxxxxx sobre el futuro de las compras
públicas innovadoras y los principales debates para mejorar las contrataciones públicas en la Unión Europea.
Agregando los conocimientos recibidos en mi estancia, la actuación profesional llevada a cabo como abogado en los últimos años y también como profesor representaron una ventaja para madurar las ideas acerca de la protección inexorable para la ciencia, la tecnología y la innovación nacional. Los más variados cursos, congresos y ponencias me permitieron conocer veintitrés capitales de provincias brasileñas más el Distrito Federal, compartir con más de veinte mil personas, hacer amistad con otros profesores y diletantes de contrataciones públicas, fuera el crecimiento como persona y profesional.
Por lo tanto, en mis estudios hay una relación entre la teoría y la práctica, siempre pensando como tener mayor eficiencia operativa de las normas actuales y de otras futuramente legisladas, eso todo para que la investigación sea pragmática y con resultados favorables para el desarrollo nacional sostenible, incluso apalancando las dificultades existentes para el robustecimiento de la ciencia, de la tecnología o de la innovación nacional.
En la tesis se ha aplicado una metodología jurídico-deductiva en que “uma proposição teórica geral é aplicada a um caso particular”.2 En ese intento he llevado a cabo una amplia investigación bibliográfica y normativa, tomando en cuenta la realidad de Brasil y España, tomando en cuenta también las decisiones judiciales y resoluciones administrativas de los Tribunales de Cuentas.
La comparación entre países, como Brasil y España, de acuerdo con los bloques económicos a los que pertenecen, ha sido sustancial para verificar las diferencias de normas, cómo se usa la contratación pública estratégica, cómo se hacen las compras públicas innovadoras y cómo se comprende la protección nacional con relación a la ciencia, la tecnología y la innovación.
En especial sobre el tema y su delimitación, la pertinencia con el Programa de Doctorado de la Pontificia Universidad Católica del Paraná está investigar el uso de las contrataciones como instrumentos para la búsqueda del desarrollo nacional sostenible. Escudriñé con la línea de investigación “Estado, Economia e Desenvolvimento”, pues se apreció la viabilidad y en qué medida sería posible la
2BARRAL, Welber. Metodologia da pesquisa jurídica. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2003, p. 76.
intervención estatal, incluso utilizando el análisis económico del derecho como útil para confirmar los efectos beneficiosos para el desarrollo del Estado Brasileño.
En cuanto a la pertinencia, en el Programa de Doctorado en Derecho de la Universitat Rovira i Xxxxxxx se destaca que la investigación se llevó a cabo de acuerdo con la línea de investigación de Derecho de la Administración Pública del programa DRETMEDI (Territorio, ciudadanía y sostenibilidad. Derecho ambiental, inmigración y gobierno local), porque exploto la importancia y el cuidado necesario por la Administración Pública para utilizar sus compras públicas para fomentar la sostenibilidad.
Con respecto a la estructura de la tesis, se optó por dividirla en cinco capítulos. El primer capítulo aborda la función de la licitación y el contrato público de conformidad con la legislación brasileña, el espejo normativo actual para que dichas herramientas cumplan su función socioeconómica estratégicamente y la función de la regulación estatal dirigida y fomentada.
En el segundo capítulo se discurre la contratación pública como una política pública esencial para el desarrollo nacional sostenible como recorte del Derecho Administrativo Contemporáneo, subrayando los modos de concreción del desarrollo, de la sostenibilidad y del desarrollo nacional sostenible, el entorno actual del Derecho Administrativo con énfasis en el consenso y también el uso de la contratación como herramienta de política pública y, en particular, económica.
El tercer capítulo hace hincapié en la cercanía entre el desarrollo sostenible y el trato diferenciado para la ciencia, la tecnología y la innovación nacional a partir de la contratación pública. Con este propósito, se presentan los conceptos de ciencia, tecnología e innovación, así como su tratamiento en el régimen jurídico brasileño, fijando así premisas inevitables para la tesis. Además, se halla la dificultad para comprender la competencia legislativa para la aprobación de las normas de licitación y los contratos públicos en Brasil, más aún en las normas que se ocupan de la ciencia incidentalmente, la tecnología y la innovación en materia de contratación pública.
En el cuarto capítulo se revisa (y reconsidera) el concepto y el alcance del principio de la propuesta más ventajosa a partir de su composición harmónica o no, con la isonomía, de la diferenciación entre el análisis financiero y el económico y la desconexión inexorable para que la búsqueda de un modo de cómputo del coste de la solución de licitación más adecuado ante los diversos costes en general olvidados.
Luego, se hizo un análisis pormenorizado sobre las compras públicas innovadoras (englobadas por la ciencia, la tecnología y la innovación) en Brasil, en la Unión Europea y en especial en España, con el fin de hacer un cotejo entre las normas.
En el quinto, y último capítulo, se realiza un examen crítico de los obstáculos que actualmente se plantean sobre la no concesión de un tratamiento de discriminación al contratista que fomenta la ciencia, la tecnología y la innovación nacional directamente. Bajo este raciocinio, se enfoca sobre los acuerdos internacionales de cooperación como no obstáculos para la concesión de un régimen de discriminación favorable a la ciencia, la tecnología y la innovación nacional de acuerdo con la Constitución de Brasil. En seguida, se apreció la relación coste versus beneficio para aprovechar la contratación pública estratégicamente para la ciencia, la tecnología y la innovación nacional a partir de las herramientas del análisis económico del derecho y, al final, diseñó los criterios y propuestas de medidas legislativas y prácticas para promover y dirigir la ciencia, la tecnología y la innovación a través de la contratación pública, incluida la adopción de normas vigentes y de la necesidad de crear normas más adecuadas.
Por lo anterior y considerando que el Brasil tiene el deber constitucional de evitar la dependencia de la innovación, la ciencia y la tecnología extranjera, valores muy significativos en el mercado global, al mismo tiempo el tema de la tesis tiene una notabilidad singular para el desarrollo económico y para el bienestar de la sociedad brasileña, por todo eso se espera que la lectura sea agradable y provocativa.
INTRODUÇÃO
As compras públicas sempre constituirão uma importância elevada para cada Estado. Não é por outro motivo que têm sido alvo de vários debates nos últimos vinte anos no mundo, principalmente de como utilizá-las estrategicamente. Apesar de mencionar esse pequeno lapso temporal, convém recordar que o afã de alinhar a contratação pública, por exemplo, com o protecionismo do mercado nacional sempre aconteceu, inclusive por países que atualmente pleiteiam aberturas comerciais e que desde a década de trinta do século passado protegem os empresários locais em aquisições governamentais como os Estados Unidos da América.
Juntamente com outros propósitos de interesse público, a ciência, a tecnologia e a inovação nacional também merecem ser incentivadas e aprimoradas a partir do instrumental da licitação e do contrato administrativo. É nesse ponto que reside a grande preocupação do estudo ao explicar a função desempenhada por essas ferramentas, as quais sempre foram justificadas por interesses socioeconômicos, não havendo sentido em discorrer sobre suposta nova função social ou econômica. Caso se discorde dos argumentos ventilados no bojo desta tese, no mínimo uma reflexão se faz necessária.
O desenvolvimento nacional sustentável – que apareceu na legislação brasileira em 2010 de maneira expressa, quando houve a alteração da Lei nº 8.666/93 pela Lei nº 12.349 – significou uma externalização de deveres e prescrições já determinados, a partir de uma leitura da legislação de licitação nacional em conformidade com a Constituição. De qualquer modo, seja deduzida por interpretação sistemática ou literal, o fato é que cerzir a teoria e a prática erige um grande obstáculo aos operadores diários das contratações públicas. A medida razoável e proporcional para que o desenvolvimento nacional sustentável não desencadeie discriminação ilegítima ou abuso de direito pelo redator do instrumento convocatório ou da minuta contratual faz com que o referido princípio do desenvolvimento nacional sustentável por diversas vezes não passe de mera retórica quando da sua aplicação.
Ainda que atualmente no Brasil já exista um dever insuperável de a atividade controladora, judicial ou administradora sopesar os obstáculos e os entraves vivenciados pelo gestor público quando da prática de seus atos e decisões, consoante preconiza o artigo 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
infelizmente, de maneira nefasta, os agentes públicos preferem a inação, ainda mais quando a legalidade estrita não a suporta e jamais suportará, ao invés de uma ação de acordo com a juridicidade. Motivo que enseja a discussão e elucidação de caminhos mais prósperos para as atividades da Administração Pública, fato que deve ser ressaltado nas pesquisas acadêmicas no Brasil. Não basta que números de doutores e de pesquisas acadêmicas sejam aflorados para fins de comparação com outras nações, mas se mostra imprescindível que exista maturidade (e pragmatismo) das pesquisas científicas, bem como devolução de conteúdo a ser aproveitado pelo Estado por intermédio de soluções ou teses factíveis de serem implementadas para a melhoria do bem-estar.
A mais, avaliar a compra pública como uma estratégia nacional, a imperiosidade de respeito ao princípio do desenvolvimento nacional sustentável nos editais e contratos ou ainda os impactos socioeconômicos das opções estatais nesse tema, enfim todos esses fatores não podem permitir que se alijem as opções governamentais de um planejamento estratégico a médio e longo prazo a partir de uma política pública bem definida. Correlacionar as licitações e os contratos públicos como objeto e ferramenta de política pública é prospectar um cenário mais seguro e estável a operadores econômicos e agentes públicos. Em geral, a importância do assunto é motivada pela vinculação existente entre os valores despendidos em aquisições públicas em geral e o produto interno bruto, ou, ainda, pelo impacto social que poderá promover via cláusulas sociais, ambientais ou inovadoras. Conquanto essa seja a forma comum de se valorar, deve-se cotejar a partir da estabilidade e segurança a ser promovida para os agentes em geral que negociam com o Estado, sejam integrantes do segundo ou do terceiro setor.
Em especial as contratações de objetos que direcionam ou fomentam a ciência, a tecnologia e a inovação nacional transluzem a preocupação em um foco protagonizado pelos Estados em geral, seja mensurando o comportamento individual ou via blocos econômicos. Como se verificará no decorrer do raciocínio adotado, exultam-se diversos fundamentos para a defesa dessa pauta como de arena pública e não meramente privada. Inviável o Estado ser um mero expectador ou um consumidor comum, mas exsurge o seu dever de ação por meio de uma regulação segura, democrática e duradoura. Índice de transparência, de competitividade, de ambiente de negócios ou até o seu enquadramento segundo os objetivos do
desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas, são algumas das balizas que sedimentam o dever de tratamento prescritivo do Estado na e sobre a economia.
A regulação da contratualização administrativa requer do Estado e do Direito Administrativo Contemporâneo mecanismos adequados e necessários para intervir no mercado com responsabilidade. Em um ambiente democrático, como é o caso do Brasil ou da Espanha, seja com mais ou menos amadurecimento cultural sobre a democracia, dessume-se que os holofotes sobre as licitações públicas e os contratos administrativos demonstram a busca de um ambiente mais dialógico e consensual ao invés da unilateralidade e mera imposição de vontade do interesse público (primário ou até algumas vezes secundário) à sociedade.
Assim, num cenário que se permeie a boa-fé e a confiança para que o colaborador/parceiro privado possua interesse em ajustar com o Poder Público, a compra pública inovadora tem aparecido como uma possível solução para alguns problemas encontrados (falta de soluções à disposição no mercado) e como foco de melhorar a imagem (não raras vezes, desgastada) dos órgãos e entidades compradores. Quando se discorre compras inovadoras, a intenção não é discorrer sobre os meios de tecnologia para promover as contratações públicas, as licitações eletrônicas ou o uso de criptomoedas para pagamento, mas sim tratar da viabilidade de uso da regulação estatal para direcionar e promover as licitações e contratações que versem sobre ciência, a tecnologia e a inovação, seja a partir do anseio de contratar objetos que especificamente venham a ter este foco ou de quaisquer objetos ou que em contrapartida imponham ao contratado este “ônus” para o bem da sociedade.
Como o Direito é embasado pela solidariedade,3 não é justo que aqueles que se beneficiem moral e licitamente do Poder Público, ao perceberem contraprestações pecuniárias em razão do cumprimento de obrigações contratuais, não devolvam à sociedade uma parcela. É claro que ciência, tecnologia e inovação são palavras ressoadas nos últimos tempos em veículos de comunicação, técnicos ou meramente
3 Xxxx Xxxxxx compreende que há uma unidade na sociedade (consenso) em virtude da chamada solidariedade ou interdependência social, que acontece seja pela solidariedade por semelhança (por necessidades comuns cuja satisfação está na vida em comum) ou pela solidariedade por divisão de trabalho (todos têm anseios e aptidões diversas cuja satisfação é efetivada pela troca de serviços recíprocos). (XXXXXX, Xxxx. Fundamentos do Direito. São Paulo: Xxxxxx Xxxxxx, 2009, p. 35-44).
de notícias em geral, como palavras em ênfase, ainda mais quando se admoesta a adoção de meios disruptivos ou o intento de disrupção. No decorrer da argumentação proposta neste trabalho, almeja-se de forma crítica avaliar a definição de ciência, tecnologia e inovação, inclusive recorrendo ao marco teórico de Xxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx xxx Xxxxx, até para corroborar com os fatores positivos que deverão ser enfatizados para a atual imputação de medidas estatais em sede de compras públicas. Especificamente, anui-se em partes com a ideia de a destruição criadora ser saudável, nos termos da lição de Xxxxxx Xxxxxxxxxx, pois sempre gerará um crescimento. Porém, ponderando que crescimento e desenvolvimento são coisas diferentes, bem como pode ser que o crescimento não seja sustentável para o desenvolvimento da sociedade, inequívoco que a mão estatal será preponderante para evitar uma ruína socioeconômica, a qual sucederia caso a inércia fosse a regra. O encontro do equilíbrio precisará do apoio da sociedade com a sua efetiva participação, bem como dos mais diversos atores, isto porque ciência, tecnologia e inovação são temas que são comumente trabalhados por profissionais dos mais diversos setores e interesses (agentes públicos, instituições de ensino e ciência, agentes privados, financiadores, dentre outros). Por isso, discorrer-se-á durante o
transcorrer em algumas oportunidades sobre ecossistema.
Pautar de maneira favorável à proteção do mercado nacional para direcionar ou favorecer, a depender do caso, ciência, tecnologia ou inovação nacional é a princípio sedutor para os nacionalistas e intervencionistas, ao mesmo tempo que é pernicioso para os liberais e que desejam um Estado menos regulador. Argumentos fáceis de aumento de custo ou favorecimento ao custo de oportunidade ou aferição de custos de transação são largamente aventados quando do trato do temário em voga, porém precisam ser encarados sob a verticalidade necessária para evitar assertivas não correspondentes à verdade ou não passíveis de serem contrastadas (falta de checagem).
No mesmo sentido, o mantra da proposta mais vantajosa sem a devida perspicácia de como examinar a vantajosidade pela análise econômica da proposta (e não mera análise financeira), bem como a composição de custos do mercado pela Administração Pública sem qualquer metodologia, inclusive sem ponderar o custo da ciência, tecnologia e inovação nacional, são dogmas que merecem ser superados. Por isso, diversas assertivas foram para pavimentar um raciocínio passível de adoção
instantânea nos órgãos e entidades da Administração Pública Brasileira ou no mínimo para que dúvidas sejam lançadas sobre a rotina usualmente adotada.
Considerando que a preocupação com a acumulação de capital intelectual e de seu uso para apoderar ou manipular ou capturar interesses representa talvez a moeda mundial mais poderosa e desejada, o fato é que a ciência, a tecnologia e a inovação nacional pelas compras públicas puderam ser estudadas pela legislação brasileira e espanhola, dentro do seu contexto da União Europeia. Os tópicos e os detalhes de aproximação e de repulso foram destacados, inclusive os normativos, sublinhando sempre que o estado de arte da comparação se mostra efetivamente bastante prejudicado em razão das posições de saída bastante diferentes entre o Brasil e a Espanha.
Mesmo assim, como alhures mencionado, inúmeras barreiras são levantadas para obstaculizarem a proteção nacional diretamente em desfavor dos operadores econômicos ou indiretamente a partir de alguma imposição normativa diretiva ou fomentadora para os operadores ou sobre os objetos adquiridos, tanto é que se buscou rechaçar todos os argumentos refratários ao foco central da tese, qual seja, o dever de o Estado Brasileiro usar das licitações e dos contratos administrativos para regular, por meio da direção e do fomento, favoravelmente à ciência, tecnologia e inovação nacional. Por fim, com o afã sempre de apresentar possíveis soluções e como implementar a tese ora proposta, houve a apresentação de critérios e regras objetivas para que, no Brasil, exista efetivamente sua aplicação como forma de proteger a sociedade nacional, e, com isso, o bem-estar geral.
Por todas essas razões, a grandeza e atualidade dessa tese afloram a necessidade de um debate crítico, ainda mais após o anúncio de acordo comercial para afastar as fronteiras entre o Mercosul e a União Europeia em vários temas, inclusive nas compras públicas, e que poderão ser adiantadas até por meio de acordos bilaterais entre países do bloco econômico americano diretamente com a União Europeia. Um acordo desejado por décadas e que teve breves contornos para encetá- lo a partir de céleres blocos de negociação, entretanto, será que fará bem à saúde do Estado Brasileiro e de sua população, eis a pergunta a ser respondida nas próximas décadas.
INTRODUCCIÓN
La contratación pública siempre será de gran importancia para los Estados. No es por otra razón que haya sido objeto de varios debates en los últimos veinte años en el mundo, principalmente cómo utilizarla estratégicamente. A pesar de mencionar un tiempo tan pequeño, se subraya que el objetivo por alinear la contratación pública, por ejemplo, con el proteccionismo del mercado nacional siempre ha ocurrido, incluso por los países que actualmente reclaman aperturas comerciales y que desde 1930 protegen a los empresarios locales en adquisiciones gubernamentales como en los Estados Unidos de América.
Junto con otros propósitos de interés público, la ciencia, la tecnología y la innovación nacional también merecen ser fomentadas y mejoradas a partir de los instrumentos de licitación y del contrato público. Es en este punto que se encuentra la gran preocupación del estudio para explicar la función realizada por estas herramientas, que siempre han estado justificadas por intereses socioeconómicos, y por ende no es novedosa la dicha función social o económica. La defensa de un desacuerdo con los argumentos fijados en la tesis, por estos motivos, merece al menos una reflexión.
El desarrollo nacional sostenible - introducido xx xx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xx 0000 xxx xx xxxxxxxxxxxx de la Ley nº 8.666/93 por la Ley nº 12.349 - significó una externalización de deberes y prescripciones, a pesar que estaban determinados a partir de una interpretación de la legislación nacional en conformidad con la Constitución. En cualquier caso, sea deducido por interpretación sistemática o literal, lo cierto es que la unión de la teoría y la práctica representa un obstáculo importante para los habituales operadores de contratos públicos. La medida razonable y proporcional para que el desarrollo nacional sostenible no desencadene la discriminación de trato ilegítima o el abuso de la ley por parte de los redactores de los pliegos o de las minutas contractuales hace con que ese principio sea meramente retórico, sin aplicación efectiva.
Aunque actualmente en Brasil exista un deber insuperable de la actividad de control, judicial o administrativa, de apreciar los obstáculos acostumbrados por el administrador público cuando de la práctica de sus actos y decisiones, como prescribe el artículo 23 de la Ley de Introducción a las Reglas del Derecho Brasileño,
lamentablemente los agentes públicos prefieren la inacción, especialmente cuando la legalidad estricta no apoya y no se basan en una norma específica. Tienen miedo de una futura responsabilidad. Esta es la razón que justifica una discusión y un esclarecimiento de los caminos más prósperos para las actividades de la Administración Pública, en especial para las investigaciones académicas en Brasil. No basta cantidad de doctores en derecho y de investigaciones académicas se presenten ante otras naciones, sino que es esencial que haya madurez (y pragmatismo) de la investigación científica, así como la devolución de sus contenidos para que el Estado las use a través de soluciones factibles o tesis que si implementadas van a mejorar el bienestar del pueblo.
Además, para evaluar la contratación pública como una estrategia nacional, el respecto del principio de desarrollo nacional sostenible en los pliegos y en las cláusulas contractuales, así como en los impactos socioeconómicos de las opciones estatales en este tema, se muestra inexorable que las opciones gubernamentales sigan una planificación estratégica a medio y largo plazo a partir de una política pública bien delimitada. Usar la contratación pública como objeto y herramienta de política pública es prospectar un escenario más seguro y estable para los operadores económicos y agentes públicos. En general, la importancia del tema está justificado por un criterio financiero (la relación entre los valores gastados en contratos públicos y el producto interior bruto), pero es mucho más, eso porque existe un gran impacto social que se puede promover a través de las cláusulas sociales, ambientales o innovadoras. De todos modos, es muy importante que haya confianza y seguridad para los operadores económicos que negocian con el Estado.
En particular, la contratación de objetos que dirigen o fomentan la ciencia, la tecnología y la innovación nacional se transformaran en una preocupación de los Estados en general, ya sea individualmente ya sea a través de bloques económicos. Como será demostrado en este trabajo, existen muchos fundamentos para la defensa de la actuación del Estado como motivo de ámbito (interés) público y no meramente privado. No es factible que el Estado sea un mero espectador o un consumidor común, pero sí es su deber conducir con liderazgo una acción en este sentido a partir de una regulación segura, democrática y duradera. Los índices de transparencia, de competitividad, de libertad económica o hasta los objetivos de desarrollo sostenible de las Naciones Unidas, son algunas de las metas insuperables que consolidan el
deber de tratamiento prescriptivo del Estado en y sobre la economía.
La regulación de los contratos públicos requiere mecanismos adecuados y necesarios del Estado y del Derecho Administrativo Contemporáneo para intervenir en el mercado de manera responsable. En un entorno democrático, como es el caso de Brasil o España, con una maduración más o menos cultural sobre la democracia, se percibe que las contrataciones públicas buscan más diálogo y consenso al revés de unilateralidad e imposición de voluntad de interés público (primario o incluso a veces secundario) sobre la sociedad.
Así, en un escenario en que la buena fe y la confianza son elementos indispensables para generar el interés en contratar con el Gobierno, la compra pública innovadora ha aparecido como una posible solución a algunos problemas encontrados (falta de soluciones disponibles en el mercado) y se ajusta para mejorar la imagen (no inusualmente desgastada) de los organismos y entidades de compra, disminuyendo así la desconfianza. Cuando se discuten compras innovadoras, la intención no es un debate de los medios de tecnología que sirven para efectuar la contratación pública, las licitaciones electrónicas o el uso de criptomonedas para el pago, pero si la viabilidad de utilizar la regulación estatal para imponer e impulsar las licitaciones, ofertas y contrataciones que fomenten la ciencia, la tecnología y la innovación, ya sea por las compras innovadoras, ya sea por la imposición de inversión a los contratistas para esos enfoques como una contrapartida.
Dado que el Derecho se basa en la solidaridad4, no es justo que quienes se benefician moral y jurídicamente del Poder Público no regresen una parte a la sociedad cuando perciben ingresos económicos por la contraprestación pactada. Por supuesto, la ciencia, la tecnología y la innovación son palabras dichas con resonancia en los últimos tiempos en los medios de comunicación, técnicos o no, como palabras en énfasis, en especial cuando se refiere a los medios disruptivos o la intención de alteración. Por tales razones, en esta tesis se propone una crítica sobre la definición de ciencia, de tecnología y de innovación a partir del marco teórico de Xxxxxx Xxxxxxxxxx y de Xxxxxx xxx Xxxxx, incluso para corroborar los puntos positivos que
4 Xxxx Xxxxxx entiende que hay unidad en la sociedad (consenso) debido a la llamada solidaridad o interdependencia social, que ocurre ya sea por solidaridad por similitud (para necesidades comunes cuya satisfacción es en la vida común) o por la solidaridad división del trabajo (todos tienen diversos deseos y habilidades cuya satisfacción se lleva a cabo mediante el intercambio de servicios recíprocos). (XXXXXX, Xxxx. Fundamentos do Direito. São Paulo: Xxxxxx Xxxxxx, 2009, p. 35-44).
deben ser enfatizados para la imputación actual de las medidas estatales en la contratación pública.
Específicamente, se acuerda en parte de que la destrucción creativa es saludable, según lecciones de Xxxxxx Xxxxxxxxxx, ya que siempre generará crecimiento. Sin embargo, considerando que el crecimiento y el desarrollo son cosas distintas, porque el crecimiento puede no ser sostenible para el desarrollo de la sociedad, es imprescindible la actuación estatal para evitar una ruina socioeconómica. La búsqueda de un equilibrio necesita del apoyo de la sociedad con su participación efectiva, así como de los actores más diversos, porque la ciencia, la tecnología y la innovación son temas comunes a diferentes profesionales de diversos sectores e intereses (actores públicos, instituciones educativas y científicas, agentes privados, financiadores, entre otros). Por lo tanto, se discute durante el curso de este trabajo en algunas oportunidades sobre el ecosistema.
Guiar de manera favorable a la protección del mercado nacional, a depender del caso, para dirigir o favorecer la ciencia, la tecnología o la innovación nacional es a principio una propuesta bastante seductora para los nacionalistas e intervencionistas, al tiempo que es perniciosa para los liberales y para aquellos que desean un Estado menos regulatorio. Argumentos fáciles sobre una supuesta ampliación de los costes o de favorecimiento del coste de oportunidad o todavía de aumento de los costes de transacción se sugieren en gran medida cuando se trata del tema, pero deben ser apreciados bajo una crítica más profunda para impedir aserciones engañadoras o que no se puedan contrastar (falta de verificación).
En el mismo sentido, considerar la propuesta más ventajosa sin la interpretación adecuada de cómo examinar esa ventaja a través del análisis económico de la propuesta (economicidad que sostenga precio y calidad, y no solo un mero análisis financiero - precio), así como a partir de los estudios de composición de los costes de mercado por parte de la Administración Pública sin alguna metodología correcta, incluso sin considerar el costo de la ciencia, la tecnología y la innovación nacional, son dogmas que merecen ser superados. Por ende, varias afirmaciones fueron lanzadas para insertar incertidumbres sobre algunas acciones comunes xx xxxxxxx xxxxxxxxx xx xx xxxxxx xx xx Xxxxxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx.
Como la preocupación por la acumulación de capital intelectual y su uso para tomar o manipular o capturar intereses representa quizá la moneda mundial más
poderosa y deseada, por eso es que la ciencia, la tecnología y la innovación nacionales a partir de la compra pública fueron estudiados de acuerdo con la legislación brasileña y la española en su contexto como integrante de la Unión Europea. Los temas y detalles de aproximación y repulsión, incluidos los normativos, fueron estudiados en la búsqueda de una comparación efectiva, no obstante, las grandes diferencias existentes entre Brasil y España.
Aun así, como se ha mencionado, se plantean numerosos obstáculos para dificultar la protección nacional directamente o indirectamente a favor de los operadores económicos o de los objetos, por eso se logró traer todos los argumentos refractarios al objetivo central de la tesis, que sea el deber del Estado Brasileño de usar de las licitaciones y contrataciones públicas para imponer, por un dirigismo o fomento, a favor de la ciencia, la tecnología y la innovación nacionales. Por fin, con el plan de presentar posibles soluciones y viabilizar las mismas, hubo la estructuración de algunos criterios y normas objetivas para que en Brasil se usen normas protectoras, así tutelando efectivamente la sociedad nacional, y con eso el bienestar general.
Por tales razones, la grandeza y actualidad del objeto de la tesis establecen la necesidad de un debate y un análisis crítico, en especial después de la comunicación de un acuerdo comercial para vedar las fronteras entre el Mercosur y la Unión Europea sobre diversos temas, incluso en la contratación pública, que podrán adelantarse incluso a través de acuerdos bilaterales entre países del bloque económico americano directamente con la Unión Europea. Un acuerdo deseado durante décadas y que ha firmado en rápidas rodadas de negociación, a pesar que permanece la incertidumbre sobre las ventajas para el Estado Brasileño y sus ciudadanos, que solo será contestada en las próximas décadas.
CAPÍTULO I – A FUNÇÃO SOCIAL DA LICITAÇÃO E DO CONTRATO ADMINISTRATIVO PELA NECESSÁRIA REGULAÇÃO ESTATAL
1.1. Breves considerações conceituais sobre licitação e contrato administrativo e a existência de (nova) função, de acordo com a Constituição da República Federativa de 1988 e a legislação infraconstitucional
Inicialmente, os conceitos de licitação e de contrato administrativo merecem ser descortinados para que se possa inferir acerca da plausibilidade ou não do discurso existente nos últimos vinte anos de uma função social e econômica da licitação e do contrato administrativo, ou, ainda, de uma “nova função social e econômica”. De imediato, já convém fazer um aparte sobre a necessidade de abordar a função da licitação e do contrato, não se restringindo tão somente à função da contratação administrativa.
É sabido que existem censuras sobre a função da licitação em si, já que a referida estaria diretamente relacionada com a contratação administrativa ou com o contrato administrativo. Quando houve a inserção da nova finalidade da licitação em 2010, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx exarou críticas asseverando que a busca de desenvolvimento nacional sustentável deve ser realizada pela contratação administrativa, e não pela licitação – que é mero procedimento para a seleção dos fornecedores. Segundo o seu raciocínio, não se deveria ter colocado o princípio do desenvolvimento nacional sustentável como finalidade a ser objetivada pela licitação, mas, sim, tê-lo estipulado como princípio da contração em si.5
Anui-se parcialmente com a posição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, isso porque a contratação é o ato ou o efeito de contratar que abarca o contrato e todos os procedimentos anteriores à sua feitura, o que per si alberga a licitação. Ao mesmo tempo, não se concorda com a ideia de que a licitação não tenha que obedecer ao
5 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Desenvolvimento nacional sustentado: contratações administrativas e o regime introduzido pela Lei 12.349. Informativo Justen, Xxxxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, n. 50, abr.2011. Disponível em xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx. Acesso em 20 de jan. de 2017. De forma diversa, pela compreensão de o referido escopo alcançar as licitações, as contratações diretas e os contratos, vide “as contratações públicas (e antes mesmo, as licitações) podem serviro de estímulo para a adaptação voluntária da indústria, do comércio e da prestação de serviços aos parâmetros entendidos necessários à satisfação dos interesses (públicos) gerais, na direção do desnvolvimento nacional sustentável.” (FERREIRA, Xxxxxx. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 43-46).
desenvolvimento nacional. Do ponto de vista de natureza jurídica, é um procedimento administrativo e, como tal, não pode ser implementado sem observar tal diretriz principiológica. Além disso, o segundo argumento, a contrario sensu, é de que nem sempre todo contrato administrativo é perfectibilizado a partir de uma licitação, já que, no ordenamento jurídico brasileiro, há os casos de dispensa e de inexigibilidade, os quais podem originar avenças que não necessariamente são contratos administrativos propriamente ditos, pelo menos do ponto de vista deste autor.6 O terceiro argumento é de que existem documentos e critérios somente racionalmente possíveis de serem exigidos na licitação para a conferência do respeito ao desenvolvimento nacional sustentável pelos fornecedores.7 Para aclarar, explica-se: quando há a solicitação, para que um licitante tenha determinado documento ou critério relacionado ao desenvolvimento nacional sustentável como requisito para ser habilitado ou ainda para que a sua proposta seja valorada, logo pode-se dizer que a licitação está atingindo o desiderato do desenvolvimento nacional sustentável, e não somente o contrato em si.
Continuando o raciocínio, argui-se, ainda, que, numa análise ex-post, após a celebração do contrato como momento para aferir o mencionado cumprimento ao desenvolvimento nacional por meio de alguns documentos, seria ilógica tal exigência por dois motivos: (i) o descumprimento geraria um processo administrativo sancionador por possível incumprimento contratual e até, a depender da situação, uma rescisão contratual, sendo que se não tivesse tal documento ou condição já na licitação – e ali sendo avaliado –, sequer teria sido declarado vencedor e muito menos contratado; assim, já celebrado o contrato, haveria um prejuízo claro a terceiros e aos objetivos legalmente previstos; (ii) quando determinada condição para participar do certame ou documento habilitatório é pressuposto de acesso à seleção de fornecedores, logo haverá uma indução maior aos fornecedores para que cumpram
6 Posição que encontra eco na tese de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, o qual questiona a natureza jurídica do enlace entre uma pessoa jurídica de direito público interno e um órgão ou entidade da Administração, tanto que corrobora a aludida hipótese como não de contrato administrativo propriamente dito, mas de um convênio administrativo entre pessoas administrativas. (XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 499). De forma contrária, inclusive sobre o mesmo inciso, vide GUIMARÃES, Xxxxx. Contratação direta. Curitiba: Negócios Públicos, 2013, p. 72.
7 Usa-se a palavra racionalmente, porque a exigência poderá acontecer em momento após a licitação ou durante a execução do contrato, todavia perderá a finalidade ante as consequências jurídicas ocasionadas ao infrator.
um objetivo diretamente relacionado ao interesse público, partindo por óbvio da premissa que se trata de uma exigência legal e adequada. Com isso, emerge motivo suficiente para pedir critérios/documentos durante o certame, antes da celebração do contrato, que não estão essencialmente relacionadas com o contrato e suas especificidades de execução (direta ou indiretamente), mas em função da condição do licitante ou de sua proposta como requisito/vantagem que deverá ser avaliada já durante a licitação, sob pena de ser excluído da disputa.
Feitos os esclarecimentos iniciais sobre as justificativas acerca da nomenclatura mais adequada que parece ser a função da licitação e do contrato administrativo, agora é imprescindível conhecer um pouco a história de cada instituto (licitação e contrato) e suas respectivas definições para saber se existe de fato uma nova função.
Pelo vernáculo, a palavra licitação (do latim lacitatione) significa o ato ou efeito de licitar, bem como lançar leilão, dar preço ou oferecer lance. A sua origem remonta tempos anteriores ao Estado Moderno do século XV, quando se aventa sobre a existência da “licitação da vela” (também denominada de vela e pregão), na qual os licitantes eram apregoados para comparecerem em uma determinada data e hora para iniciarem a disputa com a oferta de lances, sendo que no recinto havia uma vela acessa, a qual ditava o tempo de disputa. Assim que apagasse, haveria a finalização do certame e o vencedor seria o autor da menor oferta até o último momento em que estivesse acessa.8
Especificamente no Brasil, as licitações remontam as Ordenações Filipinas, em 1592, visto que em tal coletânea de normas já prescrevia que “(...) não se fará obra alguma, sem primeiro andar em pregão para se dar de empreitada a quem de houver fazer de melhor e por menos preço”. Em 1828, a Lei de 29 de agosto, em seu art. 5º, também obrigava a realização de obras públicas mediante empresários previamente selecionados por “Editais Públicos” e, para aquele que tivesse ofertado a maior vantagem. Ademais, havia a Lei 1º de outubro de 1828, de acordo com a qual as obras poderiam ser feitas por pregão àquele que ofertasse a menor oferta e na falta
8 ARAÚJO, Xxxxx Xxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 549- 550.
deveria fazer com publicidade por jornal.9 Em 1909, a Lei nº 2.221 estatuiu preceitos sobre a necessidade de sobriedade e seriedade com o uso do dinheiro público.10
Posteriormente, em 1922, com o Código de Contabilidade, estabeleceram-se algumas normas de como a Administração Pública deveria portar-se para a realização de suas contratações. Não era um conjunto de normas compilados numa lei exclusiva sobre o assunto, porém os seus parcos dispositivos preceituavam algumas diretrizes a serem obedecidas. Em 1967, o Decreto-Lei nº 200/67, que trata da organização da administração pública federal até hoje (infelizmente!)11, em seus artigos 125 a 144 estatuiu de maneira um pouco mais clara sobre a forma e os procedimentos a serem praticados para a concretização de uma licitação, sendo também auxiliado pelos decretos regulamentadores nº 73.140/73, 86.025/81 e 87.770/82. A parte específica do Decreto-Lei nº 200/67 foi revogada com a edição do Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, e este passou a ser um texto normativo geral sobre licitações e contratos em seus noventa artigos.12
Em 1993, após a Constituição da República Federativa de 1988, o Decreto-Lei nº 2.300 foi revogado pela atual e questionada Lei nº 8.666/93, que é extensa com cento vinte e três artigos, porém não é o único texto normativo que versa sobre licitações e contratos em vigor no Brasil, até porque existe um grande emaranhado de
9 “Art. 47. Poderão ajustar de empreitada a obras que se houverem de fazer, mettendo-as primeiramente em pregão para preferirem aquelles que se offerecerem por menor preço, precedendo vistoria legal, publicação do plano, e sua avaliação: e na falta de empreiteiros, as poderão fazer por jornal. E quando as obras forem de grande importancia, e alguns SOCIOS, ou Emprehendedores se offerecerem a fazê-las, percebendo algumas vantagens para sua. Indemnisacão, enviarão as propostas aos Conselhos· Geraes de Provincia.” (Lei do 1º de outubro de 1828. Criando em cada cidade e villa do império camaras municipais).” (ALMEIDA, Candido Mendes de. Codigo Philippino, ou, Ordenações e leis do Reino de Portugal: recopiladas por mandado d'El-Rey D. Xxxxxxxx X. 14. ed. Rio de Janeiro: Typografia do Instituto Philomathico, 1870).
10 Sobre o tema, vide MOTTA, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx. Eficácia nas licitações e contratos. 12. ed. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2011, p. 2-6.
11 Infelizmente, porque haveria a necessidade de uma nova reconfiguração do esqueleto da Administração Pública Federal, considerando as mudanças sociais e os problemas políticos que demandam uma atuação e uma estruturação diferente do Estado Brasileiro. Salienta-se que tais motivos inclusive corroborariam para modificar as bases de um Direito Administrativo Autoritário para um Direito Administrativo Dialógico. Acerca das necessárias mudanças, vide: XXXXXXX, Xxxxxxx. A flexibilização da legalidade mediante o prestígio de uma ideia equivocada de eficiência e uma visão niilista da separação dos poderes. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Administrativo e suas transformações atuais. Curitiba: Ithala, 2016, p. 207- 216.
12 Existiram outros atos normativos durante a história da legislação brasileira, porém não relevantes a ponto de serem citados neste trabalho em razão da falta de utilidade para esta explanação. De qualquer maneira, aludem-se para permitir a consulta: Decreto nº 41.019/57, Lei nº 4.320/64, Emenda Constitucional nº 15/1965 e Lei nº 4.717/65, Decreto Federal nº 73.140/73, Decreto Federal nº 86.025/81.
leis, decretos, instruções e demais atos normativos tratando direta ou indiretamente sobre a matéria, o que demonstra a grande complexidade enfrentada por todos operadores.13
Conhecendo rapidamente como se deu o avanço normativo das licitações públicas brasileiras, é indispensável uma definição para ao final encontrar a resposta se tem ou não uma nova função hodiernamente. Pode-se dizer que não é de difícil definição, mesmo em nível internacional.14 Xxxxxxx Xxxx expõe que licitação pública é um procedimento para celebrar determinados contratos, cuja finalidade é a determinação daquele que oferece as condições mais vantajosas para a Administração a partir de um convite externado a todos os possíveis interessados por meio de um ato convocatório (pliego de condiciones) para que então possam formular propostas e, por sua vez, a Administração selecionará e aceitará aquela mais vantajosa para perfectibilizar um contrato. 15
De maneira similar, Xxxxx Xxxxxxxxx conceitua licitação como “procedimento administrativo consubstanciado num conjunto de atos praticados de forma ordenada e sucessiva pelo Poder Público, visando à seleção da melhor oferta, em razão de um negócio jurídico que pretende celebrar por meio de um contrato.” 16 Para Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, é o procedimento administrativo, disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que visa selecionar a proposta mais vantajosa, observados os princípios da isonomia, da competitividade e da promoção do desenvolvimento
13 Sobre o contentamento ou descontentamento com a Lei nº 8.666/93, vide REIS, Xxxxxxx Xxxxx. (Des)esperança no marco regulatório de contratações públicas: viver o presente e aplicar as normas existentes ou imaginar que a solução vem com novas normas. Cadernos Jurídicos da OABPR, Curitiba, p. 55 - 56, 26 mai. 2017; XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Temas de Direito Administrativo e Constitucional. São Paulo: Xxxxxxx, 0000, p. 881-883; XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Mudança nas licitações. Revista Colunistas do Direito do Estado, ano 2015, número 17; NÓBREGA, Marcos. Uma nova lei de licitações. Revista Colunistas do Direito do Estado, ano 2016, número 314; SUNDFELD, Xxxxxx Xxx. Contratações Públicas e seu Controle. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 267-285.
14 Em outros tempos, havia a problemática se a licitação era instrumento de Direito Administrativo ou de Direito Financeiro, bem como se era um processo ou procedimento administrativo. Acerca do tema, vide Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx (XXXXXX, Carlos Ayres. O perfil constitucional da licitação. Curitiba: Zênite, 1997, p. 69-78 e 106-145).
15 “un procedimiento relativo al modo de celebrarse determinados contratos, cuya finalidad es la determinación de la persona que ofrece a la Administración condiciones más ventajosas; consiste en una invitación a los interesados para que, sujetándose a las bases preparadas (pliego de condiciones), formulen propuestas, de las cuales la Administración selecciona y acepta la más ventajosa (adjudicación), con lo que ele contrato queda perfeccionado; y todo el procedimiento se inspira, para alcanzar la finalidad buscada, en estos principios: igualdad de todos los licitantes ante la Administración y cumplimiento estricto de las cláusulas del pliego de condiciones.” (XXXX, Xxxxxxx. La licitación pública. Montevideo: Xxxxx Xxxxx Xxxxx Editor, 2005, p. 01).
16 XXXXXXXXX, Xxxxx. Controle das licitações públicas. São Paulo: Dialética, 2002, p. 38.
nacional sustentável, por meio de um órgão específico competente.17 Outros autores possuem definições similares, não havendo grande discrepância entre eles, salvo no que se refere a sua natureza jurídica – procedimento ou processo administrativo.18
Para diferenciar processo e procedimento administrativo, adota-se a posição de Romeu Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, o qual realizou um percuciente estudo sobre as distinções a partir de vários autores nacionais e estrangeiros. Para o jurista, processo e procedimento possuem uma relação entre espécie e gênero, respectivamente. O processo representa instrumento constitucional de atuação de todos os poderes estatais, é, portanto, uma espécie de exteriorização da função administrativa em que há a participação dos interessados em contraditório “imposto diante da circunstância de se tratar de procedimentos celebrados em preparação a algum provimento (ato de poder imperativo por natureza e definição) apto a interferir na esfera jurídica das pessoas.”19 Já o procedimento não contém necessariamente a pluralidade de sujeitos e a factibilidade de contraditório.
Na mesma esteira, em aprofundado estudo, Odete Xxxxxxx explica que a processualidade não é ínsita ao exercício da função jurisdicional e pode estar presente em outras funções estatais. Outrossim, explica que o processo administrativo é uma sucessão encadeada e necessária de atos administrativos, permeada pelo contraditório e com uma pluralidade de sujeitos, no exercício de poder, que objetiva um ato final, qual seja, o resultado “a que se direcionam as atuações interligadas dos
17 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 68.
18 Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx define licitação como "o procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico." (XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de Direito Administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 209-210). Em sentido similar, XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Das licitações públicas. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 50-59; XXXXXX, Xxxxx. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 305; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 477; XXXXXXX, X. X. Xxxxxxxx. Licitação: teoria e prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 19.
19 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Processo Administrativo Disciplinar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 47-48. Discordando da diferença entre processo e procedimento, vide Xxxxxxx Xxxxxx “No direito brasileiro, no entanto, embora se utilize os termos “processo e procedimento” as consequências jurídicas da opção por um ou outro termo tem sido as mesmas.” (XXXXXX, Xxxxxxx. Processo administrativo: aspectos gerais. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxxx (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xx., Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxx Xxxxxx (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxxx/000/xxxxxx-0/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxx:- aspectos-gerais.)
sujeitos em simetria de poderes, faculdades, deveres e ônus, portanto em esquema de contraditório.”20 Diferentemente de Xxxxx Xxxxxxx e Romeu Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx,21 existem autores defensores de o termo processo administrativo ser adequado tão somente para situações litigiosas, tal qual Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx prenuncia que a característica do processo “é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia.”22
Defende-se que a natureza jurídica da licitação é de procedimento administrativo, mesmo que o inciso XXI do artigo 37 da Constituição prescreva “processo de licitação”. Feliz ou infelizmente, a Constituição da República, assim como outros textos legais infraconstitucionais, emana normas, porém a redação de seus preceitos foi – e é –, realizada, na maioria das vezes, por pessoas sem a profunda tecnicidade teórica, seja jurídica ou de outras ciências. Por isso, deve ser encarada como algo comum a inserção de palavras ou expressões equivocadas do ponto de vista técnico teórico. Aqui reside a necessidade de inteligência para a sua interpretação e aplicação.
A licitação é um procedimento porque nem todos os seus atos e seus etapas são marcados pela abertura de contraditório e pluralidade de sujeitos. É composta de duas fases: interna e externa. A fase interna compreende todos os atos necessários desde o momento em que a Administração Pública manifesta o seu desejo
20 MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: XX, 0000, p. 41-42. Em sentido similar, Cármen Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx aduz “O processo é o meio que pode se desenvolver por mais de um modo, que é o procedimento. Como escrevemos em outra ocasião, ‘processo é o meio, o instrumento juridicamente criado para se realizar uma determinada finalidade. Difere de procedimento, que é o modo pelo qual se atua...’ O processo é instrumento; o procedimento é a maneira de fazer ou agir, ou, como na hipótese em foco, de conduzir o processo. O processo identifica o objeto e a forma de exercer determinadas atividades administrativas; o procedimento é o modo de aperfeiçoar esta atividade”. (XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Princípios constitucionais do processo administrativo brasileiro. Revista de direito administrativo, v. 209, p. 189-222, jul.set.1997, p. 190)
21 Utilizou-se tão somente os dois autores, porém existem outros diversos na mesma diretriz de amplitude à definição de processo administrativo: XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 498-510; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Processo Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 39-65; XXXXXX, Xxxxx, XXXXXXX, Xxxxxx. Processo Administrativo. São Paulo: Atlas, 2009, p. 23-26; DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A Lei de Processo Administrativo: sua ideia matriz e âmbito de aplicação. In: XXXXXX, Xxxxx, XXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de (Org.). Processo Administrativo: Temas Polêmicas da Lei nº 9.784/99. São Paulo: Atlas, 2011, p. 185-201, p. 197.
22 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito Administrativo Brasileiro. 11. ed. São Paulo: XX, 0000, p. 581. Na mesma senda: FIGUEIREDO, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 424.
internamente para pedir uma solução, a fim de atender uma necessidade pública.23 De acordo com a sistemática do órgão ou entidade, vários atos são realizados internamente, sem a participação de estranhos ao corpo de agentes públicos da estrutura administrativa, como, por exemplo, a análise da viabilidade contábil de abrir a licitação, a autorização da autoridade competente para o prosseguimento dos atos, a realização de estudos para avaliar qual a melhor solução que satisfaça a necessidade exteriorizada, a ponderação de custo versus benefício das alternativas de solução, a pesquisa de mercado e pesquisa de preços da solução a ser adotada, dentre outros.
Como se pode observar, são vários e típicos atos que ocorrem internamente sem a oportunidade de contraditório e pluralidade de sujeitos no momento do seu acontecimento. Destaca-se que a falta de contraditório está no instante da sua feitura, isso porque nada impede que, posteriormente, seja alvo de controle externo praticado por qualquer pessoa. No mesmo cariz, a pluralidade de sujeitos assume-se como regra e significa que estranhos ao corpo administrativo do licitador não são aptos a participarem efetivamente de toda a fase interna. Isso, todavia, é bem diferente de inexistirem atos, documentos ou até propostas de terceiros, pois, por exemplo, será indispensável ter na etapa de pesquisa de preços a oitiva e coleta, por meio da consulta a terceiros (fora da Administração), podendo até acontecer uma audiência pública para escutar potenciais fornecedores e analisar suas soluções mercadológicas
23 “No Direito Administrativo, convertidos em pressupostos dos contratos da Administração Pública, esses elementos lógicos, axiológicos e psicológicos – a escolha, a convicção, a confiança, o enlace – hão de receber tratamento jurídico, centrado no julgamento, para atender aquela necessidade de crescer o subjetivismo de que estão necessariamente – mas não ilimitadamente, porque não completamente – imbuídos. Nesse cerceamento, o direito há de empenhar-se até certo ponto: o bastante à necessidade pública. Somente com essa medida prudente assegurará a prevalência do interesse público sobre o interesse privado, o que é princípio basilar não só da contratação, mas de toda a atuação da administração pública. Caso contrário, a pretexto de tolher o subjetivismo deletério, o direito estará tolhendo deleteriamente a liberdade de contratar. Compete, portanto, à prudência do direito descobrir parâmetros verdadeiros para dosar o cerceamento apenas por verdadeiros parâmetros. Tais, que não entravem a administração pública. A necessidade de disciplinar a contratação administrativa é indiscutível. Em face dela, o que se pode e deve discutir é se a licitação é o melhor meio de gerar e gerir o enlace contratual da administração pública. Essa discussão será levada a efeito neste livro mediante comentários históricos, que virão até a realidade presente, partindo do contratualismo.” (XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Liberdade e Contrato: a crise da licitação. Piracicaba: Editora Unimep, 1995, p. 26). De modo similar, Xxxxxxx X. Kodelia entoa: “La finalidad general de las contrataciones del Estado, debe relacionarse con los requerimientos sociales. Es decir, el Estado invierte recursos de la sociedad para alcanzar las metas que ésta le impone, las cuales se relacionan con la satisfacción de sus necesidades.” (KODELIA, Xxxxxxx X. Teoría General del Contrato Administrativo. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx X. Xxxxxx et al. Contratos de la Administración: teoría y práctica. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: La Imprenta Ya SRL, 2017, p. 17-68, p. 50).
existentes para enfrentar a necessidade pública, etc..24
A processualidade típica e seus elementos caracterizadores como a pluralidade de sujeitos e contraditório estarão evidentes na fase externa da licitação. Em outras palavras, verifica-se que, durante toda a realização de uma licitação, existe o momento típico de procedimento administrativo (até o final da fase interna) e o típico de processo administrativo (a partir da fase externa, a qual se inicia pela publicação do ato convocatório). Como existe a relação entre espécie e gênero, todo processo é procedimento, mas nem todo procedimento é processo, logo, pode-se afirmar que licitação é procedimento. Caso se disserte sobre o processo da licitação, do ponto de vista técnico, deve-se referir à fase externa. O caráter procedimental é uma sucessão de atos concatenados desenvolvidos de forma ordenada e sucessiva para o alcance de um objetivo. Contudo, esta expressão possui polissemia e pode significar também o chamado “iter procedimental”. Para evitar confusões de nomenclatura que trariam finalidades diversas para a teoria ora proposta, compreende-se que iter procedimental é sinônimo de caráter procedimental e que este está sempre estará presente em um procedimento ou em um processo administrativo.
A licitação busca satisfazer uma necessidade material que é o seu objetivo imediato (um produto, serviço, obra ou alienação), para, posteriormente, satisfazer o objetivo mediato que é atender o interesse público ao acudir a necessidade pública em conformidade com o regime jurídico vigente.25 É dessa maneira um procedimento típico do sistema democrático, no qual é inadmissível arbítrio ou pessoalidade do governante, e possui fundamento legal, econômico e financeiro.26 Tem sempre como
24 Sobre a pesquisa de mercadológica e de preços, vide: XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. O problema chamado pesquisa de mercado e a recente Instrução Normativa SLTI/MPOG n. 05/2014. Revista JML de Licitações e Contratos, v. VIII, p. 17-26, 2014.
25 Xxxxxx Xxxxxxxx também trabalha a ideia de finalidade material da licitação e da contratação administrativa, diferenciando-a das finalidades legais (seleção da proposta mais vantajosa, igualdade e promoção do desenvolvimento nacional sustentável): “(...) a finalidade material da licitação se aproxima, em muito, da finalidade (material) da contratação administrativa e no mesmo panorama antevisto para o objeto licitado e o objeto contratado: enquanto o fim ordinário da licitação é, abstratamente, tornar viável a satisfação da necessidade ou da utilidade, administrativa ou coletiva, a finalidade material da contratação administrativa é concretamente satisfazâ-la , na forma e nas condições propostas.” (XXXXXXXX, Xxxxxx. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 34)
26 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Manual da licitação: orientação prática para o processamento de licitações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 04-06. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx alerta que: “la sujeción de la acción administrativa a determinadas formalidades, la necesidad de que la acción administrativa se realice a través de los cauces formales de un procedimiento ha sido siempre =-- y sigue siéndole – una de las más firmes garantías del interés público.” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. La ética en la Administración Pública. 2. ed. Madrid: Civitas Ediciones, 2000, p. 103).
destinatário a coletividade e se revela fundamental não confundi-la com a patologia da licitação, conforme explica Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, para quem “a licitação não é um mal, não é um procedimento lento, complicado, burocratizado, puramente formal e sem resultados práticos”, isso porque “não se pode confundir a licitação com o mau uso que dela se tem feito.”27
Deve-se tomar cuidado para não criticar as licitações públicas a tal ponto de torná-las um instrumento de incredulidade de sua eficiência e legitimidade para a escolha pelo Estado do seu futuro contratado.28 Recorda-se que o massivo ataque ao instituto do serviço público ajudou a sua bancarrota, como explica Xxxxxxx Xxxxxxxxxx em sua obra “Serviço Público”. Ademais, a repetição despropositada da ineficiência da gestão pública longe de ser uma crítica positiva a fim de aprimorar os métodos administrativos e modernizar a capacidade administrativa passa a ser uma crítica negativa que somente tem o condão de apontar “a inferioridade intrínseca e congenital da gestão pública e postulando a incapacidade da administração de ser reformar; por essência, pouco perfomativos e fracamente produtivos.”29
Pelo exposto, compreende-se que a natureza jurídica é de procedimento e, com isso, defini-se licitação como o procedimento administrativo desenvolvido de forma ordenada e sucessiva, almejando encontrar a proposta economicamente mais vantajosa ao Poder Público, a partir de uma análise interna da melhor solução para satisfazer a necessidade pública, e, desde que seja observada a isonomia, a competitividade e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Nem todo procedimento instaurado atinge o seu objetivo, visto que uma licitação pode ter cinco destinos: (i) licitação frutífera; (ii) licitação deserta; (iii) licitação fracassada; (iv) licitação revogada e (v) licitação anulada. A licitação frutífera ocorre quando ela se propõe e atende ao seu fim mediato e imediato; a deserta quando não comparece qualquer possível interessado para disputar o objeto licitado; a fracassada
27 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Aspectos Jurídicos da Licitação. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8 e
18. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx explana que três exigências públicas sempre deverão ser atendidas: (i) proteção aos interesses públicos e recursos governamentais; (ii) respeito aos princípios da isonomia e da impessoalidade e (iii) obediência aos reclamos da probidade administrativa (XXXXX, Celso Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Elementos de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, 177.
28 “Certame licitatórios não é cenário circense, onde se premia o irrealismo.” (ALCORADO, Xxxx Xxxxxx.
Licitação e Contrato Administrativo. 2.ed. Brasília: Brasília Juridica, 2000, p. 265).
29 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. O serviço público. Trad. Xxxxxxx Xxxxx Xxx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Belo Horizonte: Fórum 2017, p. 54.
quando todos os interessados participantes da licitação ou o interessado participante têm suas propostas desclassificadas ou os seus documentos de habilitação, em parte ou na integralidade, rejeitados;30 a anulada, quando existe algum vício de legalidade em seu procedimento ou em sua existência que a torne ilegal, o que per si determina a sua anulação, nos termos do art. 49 da Lei de Licitações e de acordo com as Súmulas nº 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal;31 e a revogada quando não mais presente a oportunidade e a conveniência a partir da ocorrência de um fato superveniente à deflagração do certame, nos termos do artigo 49 da Lei nº 8.666/93 e da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal.32
Como consequência da licitação frutífera e sua sequência lógica normal, a Administração Pública deve celebrar o contrato administrativo com o fornecedor que venceu a disputa. Abre-se parêntese para destacar que se defende a ideia de “sequência lógica normal”, porque, não havendo qualquer motivo devidamente apresentado aos autos e publicizado a todo e qualquer interessado, é ato vinculado à contratação. Não existe uma expectativa de direito ao adjudicatário e uma faculdade da Administração Pública licitadora, e, sim, há um direito ao adjudicatário e um dever de ser convocado para perfectibilizar o ajuste. Quanto ao prazo para a feitura do contrato, daí não se defende um prazo fixo, mas um lapso temporal razoável, o qual poderá variar de acordo com o substrato fático e o planejamento do órgão ou entidade envolvida.
Para o enquadramento do instituto do contrato administrativo e sua função,
30 Sobre a diferença da licitação fracassada e deserta, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx esclarece que:“A licitação deserta ocorre na hipótese do inciso V do art. 24 da Lei nº 8.666, ou seja, quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas. Licitação fracassada é aquela em que se apresentam licitantes interessados, porém nenhum deles preenche os requisitos, ou porque faltaram documentos exigidos para habilitação (art. 27), ou porque foram desclassificados com base no art. 48” (DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; et al. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 114).
31 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx detalha que a anulação deriva diretamente da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Nas palavras do autor, “como a Administração está estritamente vinculada à Lei, não se admite que pratique atos ofensivos a dispositivos legais. Por isso, a autoridade administrativa tem o dever de invalidar seus próprios atos que se revelem viciados” (XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 893).
32 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de. Princípios gerais de Direito Administrativo. 3 ed. São Paulo: 2007, p. 632-633. Especificamente sobre revogação e a necessidade sempre de permitir contraditório e ampla defesa prévios ao ato revogatório, vide: REIS, Xxxxxxx Xxxxx. Revogação da licitação pública: aspectos conceituais, procedimentais e de controle judicial. Revista Juris Plenum Direito Administrativo, v. 1, p. 63-92, 2016.
também é importante que se conheça um pouco de sua história para saber inicialmente se faz sentido diferenciá-los dos demais contratos, bem como defini-lo a partir de suas características principais.33
A Administração Pública começou a chamar os particulares para colaborarem na satisfação das necessidades coletivas e, com isso, realizar tarefas públicas como concessões de obras e serviços, serviços de transporte iluminação das cidades, contratos de empreitada, motivo pelo qual Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx diz que o contrato administrativo é uma “forma de exercício do poder administrativo.”34 A referida autora explicita que, (i) desde a Antiguidade Oriental, mobilizavam-se recursos humanos amplos para a defesa externa e a segurança interna, a circulação de pessoas e bens e a realização de obras para a coletividade; (ii) na Grécia Antiga e na Roma, apesar de uma estrutura administrativa incipiente, verifica-se uma preocupação para o atendimento de necessidades coletivas; (iii) na Roma Imperial, a Administração Pública foi estruturada por um sistema administrativo territorial que ficou responsável para satisfazer as múltiplas necessidades coletivas, como infraestrutura, abastecimento de água, defesa, comunicações, mercados, ensino e lazer; (iv) ainda na Roma Imperial, os contratos administrativos apareceram, o que, inclusive, ajudou na diminuição do uso dos escravos para algumas tarefas públicas até o século I d. C, e foram usados até mesmo para a cobrança de impostos – e não apenas nas obras públicas.35
Apesar disso, no século XIX, aparecem os contratos administrativos nos moldes conhecidos até hoje a partir de negócios à época que visavam à construção de estradas de ferro e a iluminação das cidades a gás, até porque os exemplos mencionados anteriormente estavam muito mais próximos de atos administrativos em si do que de contratos.
Assim como ocorre com o próprio surgimento do Direito Administrativo, é a França que oferece larga contribuição para a existência dos contratos administrativos.
33 Sobre a história dos contratos administrativos, vide AMARAL, Xxxxx Xxxxxxx do. Curso de Direito Administrativo. Vol. II. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 544-549; PASTOR, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Princípios de Derecho Administrativo Geral II. 2 ed. Madrid: Justel, 2009, p. 166-172.
34 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx X. Direito da contratação pública: uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009, p. 24.
35 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx X. Direito da contratação pública: uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009, p. 31-32. Sobre o tema, vide também ESCOLA, Xxxxxx Xxxxx. Compendio de Derecho Administrativo. Vol. II. Bueno Aires: Ediciones Depalma, 1984, p. 597-599.
Alguns casos deliberados pelo Conselho de Estado são extremamente significativos para gerar um afastamento do Direito Civil como fonte imediata à resolução dos conflitos decorrentes dos ajustes envolvendo a Administração Pública. Esses julgamentos evidenciam a busca de um regime jurídico próprio (ou normas específicas) para tratar dos contratos públicos ao invés de atrelar-se integralmente ao regime de direito privado, quais sejam: (i) em 1902, ao deliberar que a contratante pública poderia impor unilateralmente a modificação do conteúdo das prestações contratuais numa lide envolvendo um município e seu concessionário de uma rede de iluminação pública a gás, a fim de determinar a mudança do combustível para a iluminação (de gás para eletricidade); (ii) em 1910, quando o concessionário foi obrigado pelo município contratante a criar novas linhas de tráfego não previstas inicialmente no contrato; (iii) em 1916, quando o concessionário de iluminação a gás solicitou uma majoração da sua remuneração contratual ante a subida significativa do preço do carvão como insumo essencial do objeto contratual.36
Ressaltando os casos concretos, Xxxxxxx Xxxxxx Enterría explica que é a partir da base empírica que se produz a “substantivación jurídico-material de la figura” do contrato administrativo. Salienta, ainda, que, da experiência francesa, resulta a substituição do critério estrutural de atos de autoridade, por meio dos atos de gestão como critério central de delimitação do âmbito da jurisdição contencioso- administrativo, e passa para o critério de serviço público.37 O autor chama a atenção também para o Arrêt Terrier de 1903, no qual, pela primeira vez, a competência da jurisdição contenciosa-administrativa se define caso o fato gerador da demanda esteja relacionado com a organização e o funcionamento dos serviços públicos propriamente dito, apesar que a consolidação de tal raciocínio acontece pelos Théroud (1910), Compagnie d`Assurance Le Soleil (1910) y Societé de Granits Porphyroides des Vosges e pela escola realista de Bordeau (Duguit e Jèze).38
36 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx X. Direito da contratação pública: uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009, p. 47-48.
37 Sobre o histórico de serviço público e sua concepção no Estado Liberal e no Estado Social, vide SCHIER, Xxxxxxx Xxxxxxx Público: garantia fundamental e cláusula de proibição de retrocesso social. Curitiba: Íthala, 2016, p. 36-58; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de. Direito dos Serviços Públicos. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 71 e seguintes.
38 ENTERRÍA, Xxxxxxx Xxxxxx. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 00/000, Xxxxxx, 0000, p. 99-128, p. 103-104. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx xxxxxx: “Desde hace al menos quinientos años, los poderes públicos han hecho um empleo sistemático de la
A importância de compreender a história do contrato administrativo em outros países, que servem de inspiração para o Direito Administrativo Brasileiro, tem uma razão de ser, qual seja, avaliar qual a forma mais adequada de conceituá-lo.39 Seguindo nessa missão, convém salientar que, muito diferente da França, a Alemanha historicamente era refratária à existência do contrato administrativo, já que o repasse de uma atividade da Administração Pública para o particular seria um ato administrativo unilateral de submissão (ou subjugação)40 no qual este anui como condição de sua eficácia. A sua causa está no interesse e no poder público que não admite negociação.41 Como diz Xxxxxxxx Xxxxxxx, para os alemães, o contrato administrativo está próximo de uma requisição que se exterioriza por dois atos administrativos (um impõe uma prestação e outro o pagamento da indenização), sendo que a diferença reside, pois na requisição “se impone unilateralmente la voluntad de la Administración, mientras que en el contrato la sumisión es voluntaria.”42 Esse raciocínio, segundo Enterría, reverbera também na doutrina suíça e italiana.43 A diferença (França versus Alemanha) não está somente no fato de os litígios envolvendo contratos administrativos irem para a jurisdição administrativa, mas no modo de visão do ato em si: ato de gestão que gera uma colaboração versus ato de
técnica contractual para realizar no pocas de sus actividades. Pero esta modalidade de actuación conoce en nuestros días um auge considerable (en perjuicio de la actividad unilateral y autoritaria) tanto en cantidad como en variedad: no sólo se ha incrementado sustancialmente el número y volumen de convenios que cada Administración celebra con empresas privadas, con las restantes Administraciones y con entidades de todo tipo (incluso con algunas pertenecientes a su propria organización); también las modalidades contractuales que se emplean son sumamente diversas e innovadoras, careciendo muchas de ellas de paralelo en el ámbito privado.” (PASTOR, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Princípios de Derecho Administrativo Geral II. 2 ed. Madrid: Justel, 2009, p. 165).
39 Sobre a relação entre a busca da autonomía do contrato administrativo e do Direito Administrativo em relação, respectivamente, ao contrato privado e ao Direito Privado, Enterría comenta: “La gravedad del problema teórico del contrato administrativo es que en él se viene a condensar el problema entero del Derecho Administrativo o, y en especial las tres cuestiones centrales de la modulación en su ámbito de instituciones procedentes del Derecho civil, de la posición jurídica de la Administración como sujeto y de la aplicación a la misma del Derecho privado.” (ENTERRÍA, Xxxxxxx Xxxxxx. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 00/000, Xxxxxx, 1963, p. 99-128, p. 110-111).
40 Como possíveis significados para fins de tradução da sumisión que Enterría escreve.
41 XXXXXXXXX, Xxxxx. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 18.
42 VELAZCO, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx de. Los contratos administrativos. 2. ed. Madrid: Institutos de Estudios de Administración, 1945, p. 32. Até porque o raciocínio alemão se embasava no ato administrativo: “El régimen del derecho (rechtsstaat) se perfecciona en virtud del acto administrativo, el cual, con su fuerza obligatoria, está ubicando dentro de las relaciones a regular entre el Estado y el súdito. (…) El acto administrativo es un acto de autoridad que emana de la administración y que determina frente al súdito lo que para él debe ser de derecho en un caso concreto.” (XXXXX, Xxxx. Derecho administrativo alemán. Tomo I. Buenos Aires: De Palma, 1982, p.125-126).
43 ENTERRÍA, Xxxxxxx Xxxxxx. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 00/000, Xxxxxx, 1963, p. 99-128, p. 104-105.
submissão ou subordinação que a partir da anuência impõe o mero cumprimento.44 Espanha e Portugal seguiram noções de contrato administrativo de acordo com
a linha francesa, a qual suplica o seu tratamento por meio de um regime jurídico especial.45 No Estado Espanhol, a legislação prescreveu o seu caráter de colaboração, exceto as concessões, que se assujeitam aos tribunais de contencioso- administrativo.46 De forma similar, no Estado Português, o contrato administrativo “foi puramente obra da lei” e tem o intuito colaborativo, apesar que o conceito de matriz substantiva nem sempre seguiu às riscas a sua matriz processual. Isso quer dizer que o Estado age e buscar o particular para satisfazer as suas necessidades como um cliente, conquanto existam normas peculiares.47
Como visto, a jurisdição administrativa é uma característica muito utilizada para discernir o contrato administrativo do privado, todavia, esse não é um critério válido no contexto brasileiro, o qual não possui dualidade de jurisdição. Desse modo, deve- se perquirir outras características a partir dos conceitos nacionais e estrangeiros, a fim de encontrar qual seria uma definição atual adequada. Seguindo essa missão, para Xxxxxx Xxxxx Escola são “aquellos contratos celebrados por la administración pública con una finalidad de interés público y en los cuales, por tanto, pueden existir cláusulas exorbitantes del derecho privado o que coloquen al cocontratante de la administración pública en una situación de subordinación respecto de ésta.” 48 No mesmo intento, Xxxxxxx Xxxxx aduz que a caracterização do contrato administrativo se dá em razão: “a) del objeto del contrato, es decir, las obras y los servicios públicos cuya realización y prestación constituyen precisamente los fines de la Administración;
b) de la participación de un órgano estatal o ente no estatal en ejercicio de la función administrativa, y c) de las prerrogativas especiales de la Administración en orden a su
44 Sobre a história da Itália e Alemanha como contrários à ideia de contratos administrativos ou com pensamento adversário e favorável Espanha, França e Portugal, consoante se denota respectivamente de: XXXXXXXXX, Xxxxx. O Contrato Administrativo. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 12-16 e 16-19.
45 XXXXXXXXX, Xxxxx. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 18.
46 ENTERRÍA, Xxxxxxx Xxxxxx. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 00/000, Xxxxxx, 1963, p. 99-128, p. 106-107.
47 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx X. Direito da contratação pública: uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009 p. 55. Sobre os sistemas tradicionais de contratação pública na Europa, em especial França, Grã-Bretanha, Espanha e Alemanha, vide ESTORNINHO, Xxxxx Xxxx. Curso de Direito de Contratos Públicos: por uma contratação pública sustentável. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 159-218.
48 ESCOLA, Xxxxxx Xxxxx. Compendio de Derecho Administrativo. Vol. II. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1990, p. 614.
interpretación, modificación y resolución.”49 Assim, o regime jurídico do contrato administrativo é marcado pelo formalismo, pelas prerrogativas da Administração Pública (desigualdade jurídica entre as partes contratantes e as cláusulas exorbitantes), pelos direitos e obrigações personalíssimas e pelos efeitos perante terceiros.50
De forma idêntica, Xxxx Xxxxxx elenca três características dos contratos administrativos: as partes do contrato, pois somente é contrato administrativo se uma das partes é uma pessoa coletiva de direito público; o objeto do contrato, este deve estar atrelado à própria execução do serviço público; as cláusulas do contrato deverão confiar um objeto à execução do serviço a um particular com a existência de cláusulas exorbitantes ao direito comum.51 De forma um pouco diversa, Romeu Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx compila seis elementos integrativos: (i) é um ajuste bilateral, no mínimo deve existir duas partes; (ii) é consensual, necessitando de vontade recíproca na contratação, característica imprescindível para a sua não descaracterização; (iii) é formal, pois deve atender às formalidades legais; (iv) é comutativo, porque estipula obrigações e direitos recíprocas, bem como sanções no caso de inadimplemento; (v) é oneroso, devendo ser pago na forma ajustada e (vi) é intuitu personae pois exige a pessoa do contratado para o seu cumprimento, somente podendo ser adimplido por outros nos casos autorizados e establecidos em lei.52 Vide que o autor não elenca as cláusulas exorbitantes como um diferencial, até porque nega a sua existência, alegando que decorrem diretamente do ordenamento jurídico, por isso, não há que se falar em qualquer exorbitância ou algo incomum.53
49 XXXXX, Xxxxxxx. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 474- 475.
50 XXXXX, Xxxxxxx. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 483- 486.
51 XXXXXX, Xxxx. Direito Administrativo. Trad. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Coimbra: Livraria Xxxxxxxx, 0000, p.133-137. A título complementar, vale frisar que outros juristas também qualificam a existência das cláusulas exorbitantes como diferenciais aos demais contratos (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 640 e s.; MEIRELLES, Xxxx Xxxxx. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 187 e s.; XXXXXXX, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 219 e s.; DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 298 e s.; XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 131 e s.; XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Réquiem pelo contrato administrativo. Coimbra: Almedina, 1990, p. 75-76).
52 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 130.
53 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Reflexões sobre Direito Administrativo. Belo Horizonte: Saraiva, 2009, p. 178.
Marçal Justen Filho diferencia os contratos administrativos em sentido amplo (gênero) dos acordos de vontade da Administração, dos contratos administrativos em sentido restrito e os contratos de direito privado (espécies). O gênero é um “acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que pelo menos uma das partes atua no exercício da função administrativa”, já a espécie de contrato administrativo em sentido restrito “acordo de vontades para constituir relação jurídica destinada ou a satisfazer de modo direto necessidades da Administração Pública ou a delegar a um particular o exercício de competências públicas.”54 Xxxxx Xxxx Xxxxxx enfoca a natureza jurídica de ato bilateral e da imputação de normas jurídicas infralegais individuais, quando conceitua como “ato administrativo bilateral introdutor de normas jurídicas infralegais individuais, concretas, obrigatórias para as partes (sendo uma delas entidade da Administração Pública) e reguladoras de uma relação jurídica obrigacional.”55
De acordo com a realidade portuguesa, Xxxxx Xxxxxxxxx qualifica como “um acordo juridicamente vinculativo celebrado entre dois ou mais sujeitos de direito com vista à constituição, modificação ou extinção de uma relação regulada pelo direito administrativo e que, por isso mesmo, fica submetido a um regime substantivo de direito público.”56 De forma igual, outro jurista português, Xxxxxxx X. Xxxxxxx Xxxxxx pontua que o contrato é ajuste pelo qual uma pessoa se obriga para com a Administração a colaborar e cooperar no exercício de determinadas atividades administrativas, sob as exigências que o interesse público clama no caso, mediante uma remuneração estipulada e sempre ressalvado o direito à indenização, isto é, “equitativa compensação, ou rescisão, no caso de acrescida onerosidade que afete o equilíbrio financeiro do empreendimento.” 57
Por todo esse panorama, indaga-se se o contrato administrativo de fato é diferente ou igual ao contrato de direito privado. Se for igual, já se adianta que a
54 JUXXXX XXXXX, Maxxxx. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 451,452 e 464.
55 FRXXXX, Xxxxx Xxxx. Manutenção e retirada dos contratos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 54.
56 GOXXXXXXX, Xxxxx. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 27.
57 GUXXXX, Xxxxxxx X. Xarques. Direito Administrativo (apontamentos das lições ao 2º ano jurídico de 1955-56 pelo Exmo Senhor Prof. Doutor Maxxxxx Xxxxxx). Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1955, p. 362. Sobre o enquadramento do contrato administrativo em direitos estrangeiros, vide Joxx Xxxx Xxxxxxxx (ESQUÍVEL, Joxx Xxxx. Os contratos administrativos e a arbitragem. Coimbra: Almedina. 2004, p. 27-63).
nomenclatura com adjetivação “administrativo” não faria sentido algum, salvo para questões mercadológicas de venda de livros, para outro intuito comercial ou para uma suposta separação metodológica de ramos do direito. Entretanto, se houver motivo que os torne distintos, então será justa a denominação.58
Defendendo inexistir qualquer dessemelhança entre eles já que fariam parte do contrato como instituto do direito, e não do direito civil ou do direito administrativo, Romeu Fexxxx Xxxxxxxx Xxxxx xduz que a diferenciação não tem o menor sentido, pois não é instituto de exclusivo de qualquer ramo do Direito.59 Luxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxx x Maxxxxx Xxxxx Xxxxxxx xlegam que o contrato é uma instituição jurídica pertencente à Teoria Geral do Direito e é comum a todas as disciplinas jurídicas, sendo que o contrato administrativo é aquele regido pelo Direito Administrativo.60 Nesse ponto, não se discorda de que tal é um instituto de Direito Administrativo que é consectário de um instituto do Direito como um todo, mas que justamente por suas particularidades e tratamento jurídico precisa ser tratado de maneira segmentada.61 Seria a comparação exposta por Enterría de que ambos (contrato administrativo e contrato civil) são montanhas diferentes que integram a mesma cordilheira.62
Indubitavelmente, um dos pontos centrais arguidos pelos diversos posicionamentos seria a existência de cláusulas exorbitantes, as quais representam
58 Sônia Yuriko Kanashiro Tanaka explana em sua obra, de maneira diversa, ao apresentar três possibilidades para o seu enquadramento, mais precisamente a partir da teoria negativa do contrato administrativo, a teoria positiva do contrato administrativo e a teoria intermediária (TANAKA, Sônia Yuriko Kanashiro. Concepção dos contratos administrativos. São Ppaulo: Malheiros, 2007, p. 16- 49).
59 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 182-184.
60 MONTANER, Luis Cosculluela; BENIÍTEZ, Mariano López. Derecho público económico. 2. ed. Madrid: Justel, 2008, p. 169. Igualmente, MONTANER, Luis Cosculluela. Manual de Derecho Administrativo. 8. ed. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p. 391; FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 49.
61 Tal tronco comum pode ser percebido inclusive nos contratos administrativos e nos contratos privados da Administração Pública, observação que também tem o mesmo sentido na realidade de Portugal: “Parece-nos de facto que não pode deixar de se reconhecer que há, em certa medida, um regime comum a todos os contratos da Administração ou, noutra fórmula, um regime que se aplica aos contratos da Administração seja qual for a sua natureza jurídica; é assim quanto a tudo o que se relaciona com o princípio da primazia da lei ou com a vinculação da Administração pelos direitos fundamentais, bem como com a sujeição do procedimento de formação de certos contratos (independentemente da sua natureza jurídica) a um regime jurídico unitário. Tudo isso é verdade; de resto, nada tem de estranho ou de anormal a existência de um regime comum a todos os contratos da Administração, por isso que se trata sempre de contratos.” (GONÇALVES, Pedro. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003 p. 35-36)
62 ENTERRÍA, Eduardo García. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 41/110, Madrid, 1963, p. 99-128, p. 116.
uma característica essencial dos contratos administrativos. Podem ser delimitadas como todas as cláusulas e condições que excedem ao comum, aquilo que normalmente é utilizado no Direito Privado, para, segundo as palavras de Hely Lopes Meirelles “consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao particular contratante.”63 As referidas cláusulas demonstram as prerrogativas inerentes à Administração Pública na perquirição do interesse público primário, sendo que são estereotipadas para aplicar a relação de desigualdade entre as partes. Roberto Dromi explica que a origem desta diferenciação está “en la desigualdad de propósitos perseguidos por las partes en el contrato, pues al fin económico privado se opone y antepone un fin público o necesidad pública colectiva que puede afectar su ejecución.”64 No ordenamento jurídico pátrio, tais cláusulas seriam aquelas previstas nos artigos 58 e 59 da Lei nº 8.666: (i) alteração unilateral do contrato administrativo;
(ii) a inoponibilidade do princípio “exceptio non adimpleti”; (iii) rescisão unilateral; (iv) aplicação de sanções administrativas; (v) ocupação temporária e (vi) dever de fiscalização contratual.
Com a devida vênia para aqueles, como Romeu Felipe Bacellar, os quais alegam a inexistência de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos, já que são cláusulas positivadas e comuns aos contratos administrativos em razão da condição da Administração Pública e da natureza dos seus propósitos, insta ponderar que não se discorda da razão exposta, porém tal não pode gerar a asserção de inexistência das ditas cláusulas ou, no mínimo, dos efeitos prescritos pela lei sobre elas para com os terceiros – contratados – como consequência. Quanto à rotulagem, aquiesce-se que a denominação exorbitante foi sendo posta e repetida durante o tempo, tanto que gerou uma certa quietude sobre ela, do ponto de vista de rotulagem. A título complementar, salienta-se que Fernando Vernalha Guimarães compreende pela releitura do termo “cláusula exorbitante” sob o argumento de impropriedade técnica de conceituá-la como cláusula, uma vez que induz a ideia de elemento constitutivo e como causa do contrato, enquanto, na verdade, ela é efeito
63 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 187. Igualmente, “Exorbitantes em relação ao direito comum, já que neste as obrigações derivam geralmente do contrato e a imposição material da vontade das partes depende de intervenção judicial.” (ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 36)
64 DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 484.
aplicável ao contrato administrativo decorrente do regime jurídico que a contempla, in verbis “efeito da imposição de normas jurídico-públicas injuntivas. Jamais cláusulas contratuais, no sentido que lhes empresta o Direito. Constituem, em suma, poderes jurídico-públicos.”65
Porém, quando se fala de rotulagem, seja nominada e prescrita pelo ordenamento, o que pode gerar para fins de raciocínio uma regra incontroversa ou um auxílio para a comunicação entre todos os aplicadores, o fato é que de nada adianta estar estipulada se não houver razão de ser, se não tiver como aplicar e se não tiver parâmetro de aplicação. Para o operador do Direito, o conhecimento do regime jurídico é impreterível para a correta adequação e utilização do instituto. Celso Antônio Bandeira de Mello aponta sobre a indispensabilidade de conhecer o regime jurídico para a compreensão de um instituto jurídico:
Se o que importa ao jurista é determinar em todas as hipóteses concretas o sistema de princípios e regras aplicáveis – quer seja a lei clara, obscura ou omissa-, todos os conceitos e categorias que formule se justificam tão-só na medida em que através deles pressione logicamente uma determinada unidade orgânica, sistemática, de normas e princípios. A razão de ser destes conceitos é precisamente captar uma parcela de regras jurídicas e postulados que se articulam de maneira a formar uma individualidade.66
Assim, ao analisar o regime jurídico do contrato administrativo no Brasil, atualmente em vigor, é inconteste que a legislação confere determinadas potestades à Administração Pública no Brasil ante os terceiros contratados, as quais podem ser rotuladas como cláusulas exorbitantes ou qualquer outra denominação.67 Exemplo disso é a possibilidade de o contrato administrativo ser alterado em razão de novos interesses distintos daqueles que o justificaram quando da celebração, diferindo
65 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Alteração unilateral do contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 105. Sobre um estudo comparado acerca da exorbitância no contrato administrativo, vide GIACOMUZZI, José Guilherme. Estado e Contrato. São Paulo: Malheiros, 2011.
66 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 91.
67 Marcos Juruena Villela Souto discrimina as seguintes diferenças no contrato administrativo ante o privado: firmado pela administração pública, objetivos de interesse público, supremacia do Poder Público, exigência de licitação prévia e existência de cláusulas exorbitantes. (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Tópicos de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 54). Ainda, computa recordar de Themístocles Brandão Cavalcanti: “o contrato administrativo, embora contenha os mesmos elementos intrínsecos, comuns a todos os contratos, obedece, entretanto, a razões de interesse público que acarretam cláusulas que constituem pressupostos do próprio contrato. Essas cláusulas, nem sempre expressas, são baseadas na supremacia do interesse público, que geralmente se identifica com a posição assumida pelo Estado no contrato.” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1967, p. 62).
daqueles subordinados ao direito civil.68 O regime jurídico específico tem o condão justamente de gerar uma autonomia.69 Prosper Weil explicita que, se não houver algum regime de potestade, seria insubsistente o uso da teoria do fato do príncipe e da imprevisão, os quais, por óbvio, não significam que possam ser usados de maneira arbitrária e indiscriminada, sob pena de flagrante ilegalidade.70
Enterría explica que os contratos administrativos possuem uma modulação típica do Direito Administrativo que seria uma dupla exigência a estar presente para a sua configuração: a presença da Administração como organização coletiva e o seu “giro ou tráfico” peculiar e próprio, o qual seria a justificativa para possuir um tratamento diferente, inclusive para a existência das cláusulas exorbitantes que não são, em si, parte dos contratos (como algo interno), mas uma decorrência da satisfação das necessidades públicas ou da execução dos serviços públicos.71
Feitas tais considerações acerca da presença dessas cláusulas como fundamentais para a caracterização dos contratos administrativos, é imperioso recordar, inclusive com apego ao que já foi dito alhures sobre a imperiosidade de uma Administração Pública Consensual e Paritária, o que a sua aplicação nos tempos atuais per si demanda uma interpretação consentânea com a realidade.72 Interessante
68 MENDES, Pedro Vaz. Pacta Sunt Servanda e interesse público nos contratos administrativos. Lisboa: Universidade Católica, 2016, p. 384. Giza-se que os contratos típicos de direito civil também podem ser alterados a partir de alguma mudança de cenário e inclusive poder-se-ia aventar a sua mudança sem a necessidade de apresentação posterior de volitividade da outra parte, desde que os termos ajustados já previssem de maneira bastante exauriente quais seriam tais ocasiões e suas consequências jurídicas para o negócio em tela.
69 GONÇALVES, Pedro. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003, p. 28
70 WEIL, Prosper. Derecho administrativo. Trad. Luis Rodríguez Zúñiga. Madrid: Editorial Civitas, 1994, p. 92-93.
71 ENTERRÍA, Eduardo García. La Figura Del Contrato Administrativo. Revista de Administración Pública, nº 41/110, Madrid, 1963, p. 99-128, p. 115-116 e 123. Ainda às fls. 115-116 discorre que: “No ocurriendo esto en los contratos de la Administración, existiendo en este caso una modulación, como venimos diciendo, de la figura, ocurre que esta modulación, en cuanto que alcanza una cierta «unidad de sentido» y no es una pura particularidad o excepción casuística respecto del régimen general, ha dado lugar, sin más, a que exista una teoría ius adminstrativa del contrato, por lo mismo qué el Derecho administrativo es el derecho propio de las Administraciones públicas en cuanto sujetos. Ahora bien, esto no puede querer significar que el contrato objeto del Derecho administrativo sea algo radicalmente irreductible al cuadro contractual tradicional del Derecho civil, y que, por consiguiente, tenga que tratarse de una institución totalmente singular o independiente; más bien lo correcto es afirmar que la misma doctrina general del contrato, que no es tampoco la que resulta de todas las particularidades que sobre el mismo puedan encontrarse en un Código civil positivo, sino algo propio del Derecho sin especificaciones, esa doctrina general se especifica o modula (…) de una manera peculiar en el Derecho Administrativo.”
72 Acerca da interpretação das normas, sempre valioso recorrer ao escólio de Karl Larenz ao dizer que: “Interpretar é (. ) una actividade de mediação, pela qual o intérprete traz à compreensão o sentido de
um texto que se lhe torna problemático. O texto da norma torna-se problemático para quem a aplica
e bastante ponderada é a defesa de Vivian Lima López Valle sobre as prerrogativas num contrato administrativo deverem ser aplicadas de maneira subsidiária somente no casos em que demonstrar a sua necessidade/adequação a partir dos seguintes critérios, bastante lúcido e racionais: ”a) urgência (perigo ao interesse público), b) excepcionalidade (aplicação episódica), c) ultima ratio (caráter residual às soluções consensuais), d) justificação (benefício às finalidades contratuais).”73
Fernando Dias Menezes de Almeida, em tese de livre-docência, manifesta que contrato administrativo integra parte da categoria jurídica geral “contrato” e qualifica- se dessa maneira em virtude da incidência do regime jurídico de Direito Público autoexecutório que lhe garante uma série de prerrogativas nos casos em que o objeto assim demandar, e não pelo simples fato de algum órgão ou entidade da Administração Pública participar do polo contratante. Em síntese, defende que o critério do objeto da relação convencional será o determinante para permitir o uso e gozo de prerrogativas.74
Também fazendo uma crítica contextualizada e mais contemporânea à década de 1990 em diante, Maria João Estorninho pondera que não se pode ficar aplicando o modelo oitocentista de contratação pública, até porque existe uma certa aproximação entre o direito privado e o direito administrativo, concluindo que “nem o contrato administrativo é tão exorbitante quanto isso, nem os contratos privados da Administração são exatamente iguais aos contratos celebrados entre particulares, o que reflete desde logo uma eventual aproximação entre todos os contratos da
atendendo à aplicabilidade da norma precisamente a uma situação de facto dessa espécie.” (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 437). Ademais, nunca se pode esquecer da correlação entre a interpretação jurídica e a relação social sempre deve existir. Sobre o tema, Pablo Jiménez Serrano esclarece que “(...) a interpretação jurídica está condicionada à norma, que, por sua vez, é o resultado da realidade social. Por isso mesmo, e de forma indireta, ao pesquisar o direito, e ao interpretar as normas jurídicas, estaremos conhecendo e avaliando o nível de desenvolvimento da realidade social. Verifica-se, portanto, que o direito como fenômeno social é o objeto mediato da interpretação jurídica.” (SERRANO, Pablo Jiménez. Interpretação jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002, p. 84)
73 VALLE, Vivian Cristina Lima López. Contratos administrativos e um novo regime jurídico de prerrogativas contratuais na Administração Pública Contemporânea: da unilateralidade ao consenso e do consenso à unilateralidade na relação contratual brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p 242.
74 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2012. Acerca do caráter procedimental consensual dos contratos administrativos, apesar de normas exorbitantes ao corriqueiro do normalmente visualizado na esfera privada, assim também esposa VEDEL, Georges. Derecho Administrativo. Trad. Juan Rincon Jurado. Madrid: Aguilar, 1980, 186- 196.
Administração.”75
É claro que este autor não pode deixar de externar a preocupação com a mera importação de raciocínio adotado por juristas que estão em países com outra realidade socioeconômica, por isso, sustenta-se que algumas ponderações acerca dos contratos administrativos deverão ser obtemperadas para a realidade brasileira. Indubitavelmente, existem movimentos pendulares transnacionais, como é o caso da Administração Paritária, Concertada, Dialógica e Consensual, todavia, na parte de contratações públicas, existem alguns movimentos específicos, de acordo com o país ou bloco econômico. Vide, por exemplo, os portugueses, os quais servem de inspiração e réplica para inúmeros manuais e artigos publicados pelo Brasil afora, sendo que sua realidade nem sempre se reflete no país.76 Atualmente, já estão defendendo que a natureza jurídica do contrato público é neutra, inclusive por suas normas estarem sendo direcionadas/prescritas a partir do direito comunitário da União Europeia.77 Tal raciocínio, por exemplo, não poderá ser emprestado para o Brasil, já
75 ESTORNINHO, Maria João. Contratos da administração pública (esboço de autonomização curricular). Coimbra: Almedina, 1999 p. 65. Na mesma senda, Marta Portocarrero enuncia: “O epíteto de Administração consensual, participada, de Estado Cooperativo, surge em consequência da acentuação de uma determinada forma de relacionamento do Estado e da Administração com a Sociedade e que não é mais do que a resposta a novas exigências sociais de informação, de participação, de transparência; em suma, de um novo estatuto do administrado, para além de uma evidente e atual necessidade prática de colaboração recíproca. Em consequência, muito se tem tratado de uma mudança do direito administrativo e da necessidade de este se adaptar a novas realidades. As razões são várias e sobejamente conhecidas: inadequação/insuficiência do instrumento classifico centrado no ato autoritário a uma Administração dialogante, participada, e mudança social (com forte interpenetração entre os diversos atores sociais e o Estado e convívio numa sociedade de interesses globalizados), que obrigam a um repensar de método e perspectiva. Por outro lado, o tempo é de hegemonia das ciências econômicas, ciências que trazem para a ordem do dia a procura de uma maior eficácia, eficiência e racionalidade da ação administrativa, concedendo muitas vezes relevância jurídica a critérios que não os da estrita legalidade.” (PORTOCARRERO, Marta. Contratos sobre o exercício de poderes públicos, transação e arbitragem: ensaio sobre disponibilidade e indisponibilidade do poder administrativo. Porto: Universidade Católica – Editora Porto, 2015, p. 16-17)
76 Para demonstrar, é só verificar a necessidade que possuíam antes das novas Directivas da União Europeia de 2014 acerca de contratação pública para diferenciar contratos da administração, contratos administrativos e contratos públicos: “Na verdade, o contrato administrativo, associado a uma regulação jurídica administrativa, constitui apenas uma categoria de contratos de direito público, à qual pertencem, por ex., os contratos fiscais – sobre eles, cfr. J. Casalta Nabais, Contratos Fiscais (reflexões acerca da sua admissibilidade) – os contratos de direito constitucional (v.g., entre os Estados de uma Federação), bem como os tratados e acordos internacionais (entre Estados e entre Estados organizações internacionais); note-se que os acordos internacionais podem ter por objeto ‘questões administrativas’, v.g., quando esteja em causa o estabelecimento de relações de cooperação ou de assistência recíproca entre as administrações públicas de dois ou mais Estados.” (GONÇALVES, Pedro. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003 p. 55).
77 GONÇALVES, Pedro. O Contrato Administrativo. Coimbra: Almedina, 2003 p. 53.Mesma preocupação externada por Isabel Celeste M. Fonseca: “No atual contexto de blocos econômicos e direito comunitário, em especial na União Europeia, tem-se questionado o enquadramento do novo
que o Mercosul do qual integra é incipiente ainda em seu desenvolvimento e está muito longe de possuir uma maturação igualmente a União Europeia.
Postas tais observações, além das cláusulas exorbitantes, os contratos administrativos diferenciam-se pelo fato de figurar no polo contratante um órgão ou entidade da Administração Pública.78 Anuindo com León José Maria Baño, é fato incontroverso que o contrato administrativo possui um critério orgânico e formal, já que, respectivamente, a parte contratante é a Administração Pública e há exclusão total ou parcial de normas de outras categorias de contratos, o que per si gera a sua regência pelo regime jurídico de Direito Público. 79
Por isso, pode-se definir o contrato administrativo como sendo o acordo de vontades celebrado pelas partes, em que o contratante é parte integrante da Administração Pública no exercício de função pública típica, que visa satisfazer necessidades públicas e norteia-se pelo regime jurídico de direito administrativo.
A definição ora proposta difere-se parcialmente daquela prescrita pelo ordenamento jurídico brasileiro no artigo 2º da Lei nº 8.666/93 que preceitua contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
De um lado, organicamente, para que exista contrato administrativo, no mínimo
regime de contratação pública, mais precisamente para saber se ainda faz sentido discernir o contrato administrativo dos demais contratados de natureza jurídico-privado, considerando que mesmo quando celebra estes contratos também está assujeitam a vinculações jurídico-públicas, as quais estereotipam- se pelas normas estabelecidas pela EU”. (FONSECA, Isabel Celeste M. Direito da contratação pública: uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009, p. 26).
78 Como bem argumentado por Diogo Freitas do Amaral, a igualdade das partes num contrato não pressupõe “a igualdade de posição das partes (a aequitas posicional), mas sim a igualdade reportada directamente à prestação (a aequitas prestacional)”, por isso existe a imperiosidade de acordo de ambas partes para a existência, constituição e manutenção do ajuste. (AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. II. Coimbra: Almedina, 2013, p. 552).
79 LEÓN, José Maria Baño. La figura del contrato en el derecho público: nuevas perspectivas y límites. In: Congreso Luso-Hispano de Profesores de Derecho Administrativo (5º Barcelona, 2002). La contratación pública en el horizonte de la integración europea. Madrid: Instituto de Administración Pública, 2004, p. 11-29, p. 13-14. Em sentido análogo, José Anacleto Abduch Santos defende que o contrato administrativo é composto por três elementos estruturais e constitutivos. O primeiro de natureza subjetiva que se dá pela participação do Estado em um dos polos da relação jurídico- contratual. O segundo de natureza objetivo-material que é a finalidade que justifica a celebração da avença, a qual está correlacionada diretamente com a satisfação de uma necessidade pública ou de um interesse público. O terceiro tem natureza jurídica que significa a sua subordinação ao regime jurídico de direito público o que implica na “possibilidade de se valer de prerrogativas jurídicas exorbitantes, no exercício da potestade pública.” (SANTOS, José Anacleto Abduch. Contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 23).
o polo contratante deve figurar um órgão ou entidade da Administração Pública. Não há contrato administrativo propriamente dito se o contratante for uma pessoa estranha à Administração, ainda que esteja exercendo a função administrativa típica. Não é o fato de um concessionário de serviço público, que seja uma pessoa jurídica de direito privado não integrante organicamente da estrutura administrativa, exercer função pública durante os atos necessários imprescindíveis para a consecução do serviço público que tornará o seu contrato com terceiros como contrato administrativo. Nada impede que possa gozar dos efeitos, parcial ou totalmente, de um contrato administrativo como, por exemplo, o dever de fiscalização contratual, a rescisão unilateral ou outra potestade. Defende-se até que, a depender do caso, poder-se-ia ventilar na possibilidade de alteração unilateral das condições administrativas (cláusulas regulamentares), desde que houvesse previsão nas condições preliminares de negociação contratual e nos termos contratuais.
Doutro lado, o conceito legal é bastante equivocado ao requerer a necessidade de o contratado ser um particular. É plenamente possível que o contratado seja outro órgão ou entidade da Administração Pública, como está previsto na própria Lei 8.666, quando estabelece sobre os contratos privados da administração, in verbis do artigo 62, § 3º. Além disso, existem as empresas estatais que podem participar de licitações ou de procedimentos de contratação direta e celebrar contratos administrativos. Por conseguinte, qualquer restrição da figura do contratado parece bastante equivocada, razão pela qual não é feita qualquer individualização ou caracterização sobre a figura do contratado na definição ora defendida.
Quando se discorre no exercício de função pública, recorda-se do escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello de quem exerce função age em nome de terceiro, portanto, tem o dever de realizar muita bem a sua tarefa.80 A função relaciona-se com a atividade de administração, o que significa gerir pessoa e patrimônio. Já administração pública representa a tutela de pessoa e patrimônio público para o bem da sociedade. Segundo a clássica lição de Ruy Cirne Lima, a função de administrar “é a atividade do que não é proprietário – do que não tem a disposição da coisa ou do negócio administrado.”81 Ou seja, independente de previsão expressa em alguma
80 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 100.
81 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 41.
norma jurídica, o Estado deverá pautar a sua conduta sempre ciente da sua missão, mero gestor dos interesses da coletividade e executá-la de forma eficiente.82 O Estado existe para servir a sociedade que o integra. Sob esse raciocínio, jamais poderá existir um contrato administrativo que afronte o bem-estar social, bem como os fundamentos e objetivos fundamentais do Estado. Caso exista algum contrato infringindo, então é dever invalidá-lo, pois “no exercício da função administrativa, a Administração Pública tem, em princípio, o dever de invalidar seus atos desconformes do Direito” 83
Quanto à satisfação das necessidades públicas, esse é um critério inserido na definição para ressaltar a finalidade de todo e qualquer contrato. Aparentemente, figura como um reforço ou até uma repetição do exercício da função pública, todavia o que pretende é deixar patente que não se busca colmatar o interesse de um órgão ou entidade da Administração Pública sobre um objeto determinado, mas sim a satisfação de uma necessidade pública. Esta, por sua vez, é aflorada a partir de um problema público detectado e para o qual serão realizados diversos atos, a fim de encontrar qual a melhor forma de superá-la pela via da contratação. O objeto é o que se busca como útil e satisfatório para enfrentar uma necessidade a partir de uma relação jurídica. Por exemplo, o objeto é o contrato de terceirização de veículos de grande porte e a necessidade seria o deslocamento de bens e materiais de expediente de Curitiba para as unidades administrativas localizadas no interior do Estado. Como se verifica, não se deve confundir objeto e necessidade pública a ser solucionada.
Neste sentido, Josep Ramon Fuentes I Gasó explica sob o viés dos interesses sociais presentes na contratação pública ao defini-la como “uno de los diversos medios jurídicos de que puede hacer uso la Administración Pública en el desarrollo de su actividad propia y la realidade refleja que la contratación adquiere en la vida administrativa un lugar cada vez más destacado, que crece con proporcional medida a como aumenta la presencia de la Administración en el acontecer de los intereses sociales.”84
82 “O Estado está vinculado, necessariamente, às normas regidas pelo Direito Público; atua nos termos da Constituição e das leis, que lhe inculca, quando menos, a competência (conjunto de atribuições = deveres) e o fim (interesse público = finalidade cogente).” (VITTA, Heraldo Garcia. Aspectos fundamentais da licitação. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 16).
83 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233.
84 FUENTES I GASÓ, Josep Ramon. Contratación administrativa. In: BALLBÉ MALLOL; M., Franch I Saguer, M. Manual de Derecho Administrativo. Girona: AECI-UAB, 2002, p. 435. Sobre a dilatação
Atinente ao regime jurídico-administrativo para interpretar e aplicar todas as circunstâncias fáticas e suas consequências jurídicas, insta ponderar que tal é o elemento formal da definição proposta. O importante é buscar nas normas de Direito Público o amparo para resolver problemas decorrentes nas contratações administrativas. Além das regras, alvitra-se que os princípios de tal regime contribuem significativamente também para o encontro dos melhores caminhos, seja pela impossibilidade de positivar em regras todas as múltiplas variedades casuísticas, passíveis de surgirem numa relação contratual; seja pelo caráter orientativo e prescritivo direto que os princípios oferecem.
Nortear-se pelo regime jurídico-administrativo no Estado Brasileiro, em específico para os contratos administrativos, não representa afastar-se por completo da teoria do direito, dos contratos civis e do regime de direito privado. A própria Lei nº 8.666 em seu artigo 54 prescreve que tais contratos serão regidos pelos preceitos de Direito Público e por suas cláusulas, aplicando-lhes supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de Direito Privado. Desse modo, existe a interpenetrabilidade entre o Direito Público e o Direito Privado por disposição expressa estipulada no próprio ordenamento jurídico, ressaltando que o Direito Posto alça o seu uso de modo supletivo.85
Feitas tais considerações conceituais, verifica-se que a função social ou econômica da licitação e do contrato administrativo sempre existiu. Não é possível raciocinar um contrato administrativo sem a sua respectiva função social ou
da ingerência dos órgãos administrativos no exercício da autonomia contratual, Enzo Roppo pondera que esse processo “corresponde a uma linha de tendência provavelmente irreversível; donde poderia retirar-se a conclusão de que o papel do contrato está destinado a ser, cada vez mais, comprimido e circunscrito, pelo multiplicar-se das funções e dos poderes da intervenção da administração pública. (...) porque é também verdade que estes mesmos fenómenos de acrescida intervenção dos aparelhos públicos na esfera da sociedade estão na origem de um iter exatamente oposto, com base no qual o contrato se apresenta como instrumento cada vez mais utilizado e necessário para as finalidades da acção administrativa – não já, portanto, simples objeto da intervenção pública, mas seu meio insubstituível.” (ROPPO, Enzo. O Contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009, p. 342).
85 Silvio Luís Ferreira da Rocha explana que os princípios da boa-fé, da justiça contratual e da função social poderão ser ponderados com normas publicísticas para até mesmo condicionar, limitar ou afastar alguma prerrogativa a depender do caso concreto: “(...) mesmo a Administração, investida em suas prerrogativas, não pode afastar-se dos deveres criados pela necessária observância da boa-fé, da função social e da justiça nas relações contratuais. Esses princípios podem nas respectivas funções interpretativa, integradora e limitadora diminuir ou mesmo suprimir pretensões ou direitos da Administração em matéria contratual.” (ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Princípios contemporâneos do contrato administrativo. In: ROCHA, Silvio Luís Ferreira da (org.). O contrato administrativo e os princípios da boa-fé, justiça contratual e função social do contrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 01-30, p. 28).
econômica. Compete pontuar a crítica de Eros Roberto Grau, que entoa a dinamicidade dos mesmos e o fim de serem instrumentos para atenderem os objetivos das partes e do Estado frente a ordem econômica.86 Por isso, são “condutos da ordenação dos mercados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social.” Diante de tal importância, a atuação estatal não se adscreve a normas condicionadoras, conformadoras e direcionadoras, mas também a normas criadoras de direitos e obrigações aos agentes privados.87 Consequentemente, a obediência aos propósitos finalísticos do Estado Brasileiro, aos fundamentos e aos objetivos fundamentais da República é um pressuposto quando se examina a juridicidade do instituto e sua aplicabilidade.88 É claro que no mundo dos fatos nem sempre foi assim, porém a falta da adequada aplicação de acordo com a ordem jurídica não significa dizer que é uma nova função. A falta de uso ou o desuso voluntário não modifica o dever normativo. De qualquer sorte, sequer haveria necessidade de maiores elucubrações sobre a relevância da licitação e do contrato administrativo, bem como
86 A despeito de uma visão geral dos contratos e sua relação com as relações econômicas, Irineu Galeski Júnior e Marcia Carla Pereira Ribeiro destacam: “O contrato é instituto intimamente ligado às relações econômicas, pois é seu instrumento de operacionalização. O Direito assume o papel de definir e regular os contratos porque é seu papel principal normatizar as instituições relevantes para a dinâmica social. Nesse contexto, a forma pela qual o Direito regula o contrato pode dar maior ou menor efetividade às relações econômicas, pode otimizar os enlaces suficientes ou pode reprovar as relações viciadas. Desse modo, uma análise jurídica e econômica do contrato é indispensável para um modelo de mercado baseado na propriedade privada, livre iniciativa e livre concorrência.” (GALESKI JÚNIOR, Irineu. Economia dos contratos. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 129-139, p. 138).
87 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 92 e 94-95. Como destaca José María Gimeno Feliú, deve-se “Educar el paladar de instituciones públicas y privadas y de los ciudadanos, para que pongan em valor la sostenibilidad social, es el gran reto para poder consolidar um Estado de Derecho que puede enarbolar como principal bandera la de la justicia social.” (FELIÚ, José María Gimeno e outros. La gobernanza de los contratos públicos en la colaboración público-privada. Barcelona: Cambra Oficial de Comerç de Barcelona, 2018, p. 53).
88 Relativamente à juridicidade versus a legalidade estrita e a inexorável mudança de concepção de controle, Prosper Weil explica “Formulando la nocion de legalidad, los juristas del siglo XIX pensaban menos en la limitación del gobierno por el derecho, en el sentido amplio del término, que en su subordinación a la ley, es decir al Parlamento. Para ellos, el Estado de Derecho debía ser ante todo un Estado legal. Se ha visto que esta concepción, característica del liberalismo político del último siglo último, estaba basada en la desconfianza hacia el poder ejecutivo y la confianza en el Parlamento, único capaz de expresar la voluntad general. Esta significación originaria de la noción de legalidad no puede perderse de vista; sin ella, el derecho administrativo, privado de su soporte político e histórico, sería incomprensible. Con el uso, el término de legalidad ha recibido una acepción más amplia y ha pasado a ser sinónimo de regularidad jurídica, de juridicidad; el <bloque de la legalidad> (HAURIOU) abarca hoy día el conjunto de reglas de derecho que limitan la acción administrativa.” (WEIL, Prosper. Derecho administrativo. Trad. Luis Rodríguez Zúñiga. Madrid: Editorial Civitas, 1994, p. 138).
a sua repercussão na esfera social e econômico, dado que, como definido neste tópico, ambos visam à satisfação de necessidades públicas com base no interesse público.
Pode-se até defender que a “nova função” se dá pelo comportamento ilícito praticado nos últimos tempos que não se interpretava adequadamente a licitação e o contrato administrativo, porém isso precisa ser muito bem explicado. Quando se ventila o desuso ou a incorreta aplicação como fatores presentes na realidade brasileira, isso é facilmente comprovado pela asserção da “nova função” do contrato administrativo nos inúmeros textos recentes em leis e atos normativos para expressar de forma literal tal dever.89 Em razão dessa crítica, o autor propositalmente coloca entre parêntese “nova” no título deste tópico.
89 De qualquer modo, o alerta feito por Flavio Amaral Garcia é preciso, para que a licitação não perca a sua verdadeira finalidade. Pondera que “existem três princípios que limitam, ou em certa medida devem ser ponderados, no momento de se utilizar a licitação como função regulatória: o princípio da proporcionalidade, o princípio da eficiência e o princípio da isonomia.” (GARCIA, Flávio Amaral. Licitações & Contratos Administrativos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 74).
1.2. O ambiente normativo brasileiro como espelho da função (socioeconômica) das licitações e dos contratos administrativos
A regra e o princípio do dever de licitar está insculpido no artigo 37, XXI, da Constituição da República de 1988, quando esta assevera que excepcionados os casos previstos na legislação, as obras, os serviços, as alienações e as compras deverão ser contratadas mediante processo de licitação pública, a qual assegure as condições de igualdade, e somente se exijam os requisitos de qualificação técnica e econômica indispensáveis à execução contratual.
Regulamentando tal dispositivo constitucional, foi sancionada a Lei nº 8.666/1993 que disciplina as licitações e os contratos administrativos. Tal legislação já foi alvo de várias modificações ao longo dos seus vinte e seis anos e possui um projeto legislativo desde 1995 para a sua alteração completa. Atualmente, o projeto está em fase de aprovação no Congresso Nacional.90 Dentre as reformas já publicizadas, destacam-se as seguintes para evidenciar o poder de compra do Estado e a sua utilização para a satisfação das necessidades públicas:
A Lei nº 8.883/1994 que criou e modificou algumas hipóteses de dispensa de licitação demonstra o uso das contratações para aspectos eminentemente sociais, como foi o caso do inciso XIII ao prever a possibilidade de contratação de entidades com vistas à recuperação social do preso, e do inciso XX e a possibilidade de contratação de associação de portadores de deficiência física;
A Lei nº 10.973/2004 que instituiu a hipótese de dispensa para a contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento do direito de uso ou de exploração de criação protegida;
A Lei nº 11.445/2007 que inseriu como caso de dispensa de licitação a contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis por meio de associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas de baixa renda;
A Lei nº 11.484/2007 que versou a hipótese de contratação direta para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no país que envolvam
90 Projeto legislativo 1292/1995.
cumulativamente alta complexidade tecnológica e defesa nacional;
A Lei nº 12.188/2010 que previu como dispensa de licitação a contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal;
A Lei nº 12.349/2010 que alterou para incluir o desenvolvimento nacional sustentável como princípio e finalidade da licitação e do contrato administrativo, a possibilidade de preferência em situação de empate e de margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais e a inserção de dois novos casos de dispensa de licitação relacionados com a pesquisa, ciência, tecnologia e inovação;
A Lei nº 12.715/2012 que prescreveu a contratação por dispensa em situações que haja transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde;
A Lei nº 12.873/2013 que estipulou como dispensa de licitação a contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água;
A Lei nº 13.246/2013 que conceituou produtos para pesquisa e desenvolvimento, criar nova hipótese de dispensa de licitação para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento e possibilitar a dispensa parcial de documentos quando for o caso de licitação para a contratação dos referidos produtos para pesquisa e desenvolvimento;
A Lei nº 13.204/2015 que criou como dispensa de licitação a compra de insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS;
A Lei nº 13.146/2015 que estabeleceu como critério de desempate favorável
aos bens produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade calcadas na legislação.
Os casos retro esposados são somente aqueles que por lei alteraram diretamente a Lei nº 8.666/93, porém é necessário abordar outras leis e atos normativos infralegais que demonstram o uso da contratação pública para a satisfação das necessidades públicas, indo além da mera busca do melhor objeto, já que retratam a preocupação com o interesse público, mais precisamente em sua faceta do interesse social e econômico.91 Por uma questão metodológica, serão expostas as leis por ordem cronológica, salvo na questão das “licitações verdes”, na qual se optou por discorrer sobre as principais legislações de forma contínua.
A Lei Complementar nº 123/2006 representou uma grande mudança de paradigma para as compras públicas brasileiras, já que, mesmo sob um olhar um pouco cético em seu início, representou – e até hoje representa – um destaque no uso da contratação pública como instrumento de política pública econômica. Proporciona benefícios e regime diferenciado às microempresas, empresas de pequeno porte, cooperativa92, microempreendedores individuais93 e agricultores familiares94, o que fez com que se aumentasse significativamente o número de êxitos de tais pessoas nas licitações instauradas no país desde 2006. Há um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) que demonstra o impacto de intervenção estatal similar no sucesso das microempresas e empresas de pequeno porte na Coréia do Sul e nos Estados Unidos, bem como um estudo de caso feito no Ceará, ainda que tal relatório reclame a alta apreciação de dados empíricos para proporcionar uma
91 “Processo de contratação pública é o conjunto de fases, etapas e atos estruturados de forma lógica para permitir que a Administração, a partir da identificação precisa de sua necessidade de demanda, possa definir com precisão o encargo desejado, minimizar seus riscos e selecionar, isonomicamente se possível, a pessoa capaz de satisfazer a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo.” (MENDES, Renato Geraldo. Processo de Contratação Pública. Curitiba: Zenite, 2012, p. 25)
92 Nos termos do artigo 34 da Lei 11.488/2012: Art. 34. Aplica-se às sociedades cooperativas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta até o limite definido no inciso II do caput do art. 3o da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, nela incluídos os atos cooperados e não-cooperados, o disposto nos Capítulos V a X, na Seção IV do Capítulo XI, e no Capítulo XII da referida Lei Complementar.
93 Conforme artigo 18-E, parágrafo quarto, da Lei Complementar n. 123/2006 após alteração pela Lei Complementar n. 155/2016.
94 De acordo com o artigo 3º-A da Lei Complementar n. 123/2006 incluído pela Lei Complementar 147/2014.
conclusão.95 Apesar da crítica de falta de dados brasileiros no relatório do IPEA, salienta-se que alguns números acessíveis no mercado das compras públicas, como é o caso dos dados extraídos do site www.comprasgovernamentais.com.br, demonstram a inclusão e a acessão de tais pessoas aos contratos administrativos. Para tanto, pode-se averiguar os referenciais do Painel de Compras do Governo Federal, o qual concluiu, em 2018: (i) 5.367 das empresas cadastradas eram microempresa e empresa de pequeno porte, enquanto 3.173 como de outros portes;
(ii) 67,59% dos 16.373 contratos foram celebrados com ME/EPPs, sendo o total de tais somaram o importe de R$ 22.783.313.578,30. Atualmente, em 2019, não é diferente, já que dos 28537 fornecedores cadastrados, 17.067 são ME/EPP.96 Por conseguinte, esta legislação é um bom exemplo do uso adequado e racional das compras públicas como instrumento de modificação do comportamento do mercado.
Estritamente às compras governamentais “verdes” (licitações visando à proteção ambiental pelo consumo sustentável),97 no âmbito brasileiro, merecem destaque as Leis nº 6.938/1981, nº 12.187/2009 e nº 12.305/2010.98 Abre-se um
95 ARAÚJO JÚNIOR, Ignácio Tavares de. Análise comparada sobre medidas de favorecimento de micro e pequenas empresas (MPES) em compras públicas com avaliação de eficácia e identificação de melhores práticas (Texto 2422 para discussão). Brasília: Rio de Janeiro, Ipea, 2018.
96 Dados extraídos diretamente do Portal de Compras do Governo Federal (http://paineldecompras.planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=paineldecompras.q vw&lang=en-US&host=QVS%40srvbsaiasprd04&anonymous=true. Acesso em 05 de fev, de 2019 às 11:23).
97 Sobre a regulação para o incentivo de condutas que visam à proteção ambiental e práticas de consumo e produção sustentável, vide DROMI, Roberto. La revolución del desarrollo: inovaciones en la gestión pública. Buenos Aires, Madrid, México: Ciudad Argentina – Hispania Libros, 2007, p. 114-118.
98 Convém observar que existiam diversos decretos e regulamentações estaduais que já disciplinavam ou inseriam algumas ferramentas para colimar a sustentabilidade das contratações públicas no Brasil. Por exemplo, Lei do Estado de São Paulo n. 11.878, de 19 de janeiro de 2005, Decreto Estadual do Paraná n. 6.2.52/2006, etc.. Sobre a função social da licitação pública e o desenvolvimento sustentável, vide: FERREIRA, Daniel. Função Social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP 495/2010). In: Fórum de contratação e gestão pública – FCGP. Belo Horizonte: Fórum, ano 9, n. 107 nov. 2010, p. 49-64 e FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012; BARKI, Teresa Villac Pinheiro; SANTOS, Murillo Giordan (org.) Licitações e contratações públicas sustentáveis. Belo Horizonte: Fórum, 2011; FREITAS, Juarez. Licitações sustentáveis: conceitos e desafios. In: BACELLAR, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito público no MERCOSUL: Intervenção estatal, direitos fundamentais e sustentabilidade. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 373-385; MATA DIZ, Jamile Bergamaschine; CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes. Contratos administrativos à luz de novas formas de gestão e da sustentabilidade: por uma concretização do desenvolvimento sustentável no Brasil. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 16, n. 65, p. 249-275, jul.set. 2016; VILLAC, Tereza; BLIACHERIS; Marcos Weiss; SOUZA, Lilian Castro (org.). Panorama de licitações sustentáveis: Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2016; PAZ, Jorge García. Las compras
parêntese para fazer uma censura à comum denominação de “licitação verde” como se algumas pudessem ser verdes e outras não do ponto de vista de anseio ao equilíbrio ambiental. Não há discricionariedade administrativa para não trilhar o caminho de proteção ambiental nas licitações e nos contratos, ou seja, todo e qualquer certame deverá priorizar e pautar-se nos ditames normativos existentes para a busca da proteção. Em outras palavras, para este autor, toda licitação é verde, até porque faz parte da função do Estado a proteção e o respeito ao meio ambiente, logo não há que se adjetivar “verde ou não”. É o mesmo raciocínio da “nova função social”. Se continuar com tais adjetivações, futuramente haverá a segmentação quase como se fosse modalidade: licitação verde e função ambiental da licitação, licitação tecnológica e função tecnológica da licitação, licitação aberta e função transparente da licitação, licitação social e função social da licitação, licitação inovadora e função inovadora, dentre outras. Ou seja, todas estas divisões tão somente facilitam para enfraquecer a postura proativa que deverá acontecer pela Administração Pública quando das suas contratações, porquanto, em breve, estar-se-á num suposto atenuante ou excludente de culpabilidade pelo descumprimento das funções normativamente preconizadas para o atendimento do interesse público, quando alegar que não se fez a licitação verde, porém fez a licitação tecnológica. Fazendo uma comparação, é o mesmo que, a partir de uma determinação atuação, o Estado pudesse alegar que buscou o desenvolvimento nacional, porém infelizmente malferiu a igualdade de gênero, a liberdade de iniciativa e a dignidade da pessoa humana de um grupo social. Afinal, é tão interesse público a preocupação ambiental quanto a social, tecnológica, científica, afora outros.
Adstrito às leis nacionais citadas, a Lei nº 6.938/1981 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e traça em linhas gerais o dever de os particulares e a Administração Pública tomarem as cautelas necessárias para a prevenção e precaução com o meio ambiente, ressaltando vários princípios, dentre eles, a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, nos incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologia orientadas para o uso racional e proteção dos recursos ambientais. Outro destaque que pode ser aproveitado de tal legislação para as compras públicas é o cadastro técnico federal de atividades potencialmente poluidoras
verdes, una práctica sustentable y ecológica: posibilidad de su aplicación en el Perú. Revista Contabilidad y Negocios, Lima, vol. 4, número 7, jul.2009, p. 39-52.
e/ou utilizadoras dos recursos ambientais, bem como a possibilidade de o Poder Executivo incentivar o desenvolvimento de pesquisas e processos tecnológicos destinados a reduzir a degradação da qualidade ambiental, a fabricação de equipamentos antipoluidores ou quaisquer outas iniciativas que propiciem a racionalização do uso de recursos ambientais.
A Lei nº 12.187/2009 versa sobre a Política Nacional sobre Mudança do Clima e estabeleceu, como um dos instrumentos passíveis de serem fruídos para a estruturação e aplicação da política brasileira sobre mudança de clima, a adoção das medidas existentes ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, inclusive com o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.
A Lei nº 12.305/2012 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos é muito reverberada, pelo menos nas cláusulas editalicias e contratuais, para a questão da logística reversa que deverá ser respeitada nos contratos públicos. Fala-se “pelo menos”, porque, muitas vezes, o dispositivo editalício, a cláusula contratual e a norma da lei são esquecidas durante a execução contratual, ainda mais nos efeitos posteriores à execução quando deverá ser inutilizado e jogado fora determinados objetos como é o caso de bens de informática. O direito posto trata a logística reversa como o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. A lei também obriga os fabricantes, importadores, distribuidores e comercial de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e produtos eletroeletrônicos a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos. Mais uma vez, salienta-se que a questão não está na previsão normativa, mas sim na aplicação efetiva de tais normas, a partir da conscientização dos agentes públicos acerca de sua aplicação.
A Lei nº 12.462/2011, que criou o regime diferenciado de contratação, foi importante também ao positivar os seguintes objetivos: aumentar a eficiência das contratações e a competitividade entre os licitantes; promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; incentivar a inovação tecnológica e assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública. Ao traçar tais objetivos, pode-se perceber que o uso da força da contratação do Estado é colocado como meio para a majoração do ambiente tecnológico no país, bem como para um repensar na relação custo versus benefício para o setor público no alcance da proposta mais vantajosa, o que pode ser encarado como um arrefecimento à ideia pura de mensuração tão somente pelo preço. Além disso, a legislação em questão expressou claramente preocupação não só com a satisfação do objeto em si, mas com a solução buscada pela Administração Pública, para que esta seja transversal a ponto de atingir outros pontos de interesse público como é a questão do meio ambiente a partir da geração de resíduos, mitigação por condicionantes e compensação ambiental, uso de objetos e serviços que auxiliem na diminuição do consumo de energia e de recursos naturais, da avaliação de impacto de vizinhança, da proteção do patrimônio cultural e da acessibilidade para pessoas com deficiência. Diretrizes para o uso de tal regime diferenciado, expostas no artigo 4º, tem uma elevada contribuição foi incluir a busca da maior vantagem para a administração pública como um vetor para os certames, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. Trata-se de tema extremamente prático e relevante, como se verá adiante neste trabalho, ao diferenciar preço e custo, direto e indireto, bem como as suasdiferenças teóricas e práticas.99
A Lei nº 13.303/2016, que trata especificamente das licitações e dos contratos das empresas estatais, também enfocou o poder da compra como meio para o atingimento de finalidades de interesse público, tanto que determinou o respeito (i) à disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas; (ii) à mitigação dos danos ambientais, por meio de medidas
99 Apesar de existirem outras previsões contributivas para evidenciar a utilização da contratação como instrumento para mudança, não serão mencionados
condicionantes e de compensação ambiental, que serão definidas no procedimento de licenciamento ambiental; (iii) à utilização de produtos, equipamentos e serviços que, comprovadamente, reduzam o consumo de energia e de recursos naturais; (iv) à avaliação de impactos de vizinhança, na forma da legislação urbanística; (v) à proteção do patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado por investimentos realizados por empresas públicas e sociedades de economia mista; (vi) à acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Igualmente à Lei do RDC, a legislação das estatais fixou o dever de avaliar a busca da proposta mais vantajosa, optando por denominar de busca da maior vantagem competitiva para a estatal a partir da consideração dos custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância.100
A Lei nº 13.246/2016, conhecida como Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, dentre as várias e profundas modificações e inserções, acrescentou de maneira cristalina “o poder de compra do Estado” ao elevá-lo como princípio (inciso XIII do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 10.973/2004),101 replicando posteriormente no inciso VIII do § 2º do artigo 19 como instrumento de estímulo à inovação nas empresas, quando aplicáveis, e no inciso IX do § 6º do artigo 19 ao estatuir que as iniciativas da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, ICTs e suas agências de fomento poderão ser estendidas às ações visando à indução de inovação por meio de compras públicas.
Além do panorama legal em normas nacionais, sublinha-se que, especialmente em sede de compras públicas, existe uma série de atos infralegais disciplinadores do tema. Dentre eles, chama-se atenção no âmbito federal a Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 01, de 19 de janeiro de 2010, e em 2012 o Decreto nº 7.746, de 05 de junho que estabeleceu critérios, práticas e diretrizes gerais para a promoção do
100 Sobre o tema, vide GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2017; PEREIRA JÚNIOR, Jessé; HEINEN, Juliiano; DOTTI, Marinês Restelatto; MAFFINI, Rafael. Comentários à Lei das Empresas Estatais. Belo Horizonte: Fórum, 2017; REIS, Luciano Elias; CHIESORIN JÚNIOR, Laerzio. Lei das Empresas Estatais: responsabilidade empresarial e o impacto para o desenvolvimento econômico nacional. Curitiba: OAB-PR, 2017.
101 XIII - a utilização do poder de compra do Estado para fomento à inovação.
desenvolvimento nacional sustentável por meio das contratações realizadas pela administração pública federal direta, autárquica, fundacional e pelas empresas estatais dependentes, e para instituir a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP.
Em 2017, o Decreto nº 9.245 previu, dentre outros aspectos, a Política Nacional de Inovação Tecnológica na Saúde (PNITS) para regulamentar o uso do poder de compra do Estado em contratações e aquisições que envolvam produtos e serviços estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), no âmbito do Complexo Industrial da Saúde (CIS). O decreto tem como objetivos específicos, na área de contratações administrativas, que se (i) promova o aprimoramento do marco regulatório referente às estratégias e ações de inovação tecnológica na área da saúde, (ii) promova a sustentabilidade tecnológica e econômica do SUS, com a definição de condições estruturais para aumentar a capacidade produtiva e de inovação do País, com vistas à contribuição para a ampliação do acesso à saúde, (iii) estimule e fomente a parceria entre a administração pública e as entidades privadas, com vistas à promoção da transferência, da internalização, da incorporação, do desenvolvimento e da qualificação de tecnologias em saúde no território nacional, bem como (iv) o estabelecimento de critérios para o uso do poder de compra estatal com o intuito de racionalizar os gastos em saúde e induzir o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial, com vistas à sustentabilidade do SUS e à consolidação do CIS no País.
No final de 2018, foi editado o Decreto nº 9.571/2018 que trata sobre as diretrizes nacionais sobre empresas e direitos humanos. De pronto, salienta-se que esta legislação impacta também nas licitações e nos contratos administrativos, porque, em primeiro lugar, a matéria dos direitos humanos está diretamente relacionada aos direitos fundamentais, e, em segundo, porque o próprio decreto prescreve algumas normas incidentes aos fornecedores da Administração Pública. Além disso, o decreto também gerará efeitos diretos e imediatos para as empresas estatais nos termos da Lei nº 13.303. Para demonstrar esta correlação, vide o artigo 3º que determina ao Estado a responsabilidade de proteger os direitos humanos em atividades empresariais, pautando-se, além de outros, no desenvolvimento de políticas públicas e realização de alterações no ordenamento jurídico para considerar, fora os impactos diretos gerados pela empresa, os impactos indiretos ocasionados pela cadeia de fornecimento e para estimular a criação de medidas adicionais para a
proteção e elaboração de matriz de priorização de reparações e indenizações para grupos em situações de vulnerabilidade. Ademais, também está previsto como diretriz o dever de o Estado estimular a adoção, por grandes empresas, de procedimentos adequado ao dever de vigilância em direitos humanos, bem como promover e apoiar as medidas de inclusão e de não discriminação com criação de incentivos para contratação de grupos vulneráveis. Dessa maneira, a Administração Pública deverá adaptar os seus editais de licitação e suas minutas contratuais para estarem compatíveis com o novel decreto e também deverá criar mecanismos aptos a fiscalizar e acompanhar o cumprimento dessa legislação. Como algumas normas estaduais e municipais já iniciaram a tratar da exigência do compliance e da preocupação com o gerenciamento de riscos por desvios de conduta dos funcionários dos contratados, o Decreto também previu que é responsabilidade das empresas fazer mecanismos operacionais de denúncia e de reclamação que permitam a identificação dos riscos e impactos de violações aos direitos humanos.102 Nesse sentido, especificou uma série de possíveis condutas que explicitam o dever de criar um programa de integridade e um sistema de compliance para alijar qualquer risco de afronta aos direitos humanos. Existem também normas que vigoram para os contratos públicos no Brasil, no entanto, são pouco tratadas nos editais e nas minutas contratuais, como, por exemplo, a Convenção nº 94 da Organização Internacional do Trabalho, devidamente recebida e aprovada pelo Decreto-Legislativo nº 20/1965, o qual estipula a imperiosidade de garantir aos trabalhadores envolvidos nos contratos públicos de terceirização salários, jornada de trabalho e outras condições de trabalho que não sejam menos favoráveis que outras condições impostas para qualquer trabalho da mesma natureza, na
profissão ou indústria interessada da mesma região.
Outros atos normativos infralegais, no Brasil, também exteriorizam a ideia de pensar a contratação pública como estratégica e relacioná-la com um planejamento macro-estatal. Para tanto, serão expostas algumas instruções normativas atualmente em vigor editadas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (atualmente, tal pasta é denominada como Ministério da Economia), as quais têm relação direta
102 Sobre a viabilidade da exigência de as empresas a serem contratadas com o Poder Público terem programas de compliance, vide MUÑOZ, Jaime Rodríguez -Arana. Compliance y self-cleaning en la contratación pública europea. Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña, v. 21, 2017, p. 277-299.
com a ideia de a contratação pública servir como instrumento de política pública e também por estarem atreladas, direta ou indiretamente, ao modelo a ser proposto no final desta tese como viável a ser implantada para as contratações de ciência, tecnologia e inovação.
A Instrução Normativa da Secretaria de Gestão nº 01/2019 dispõe sobre o plano anual de contratações de bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação, a qual tem por finalidade criar a obrigação de os órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional planejarem anualmente as suas contratações, pois precisam informar antecipadamente numa ferramenta informatizada e publicizada para todos terem a possibilidade de acompanharem. Com isso, cria-se uma metodologia para que efetivamente se planejem as licitações de cada órgão ou entidade, a partir da identificação prévia de suas necessidades, do autoconhecimento – inclusive com as experiências de exercícios anteriores – e do seu alinhamento com a estratégica orçamentária.
A Instrução Normativa da Secretaria de Gestão nº 05/2017 trata sobre as regras e os procedimentos a serem obedecidos na contratação de serviços e trouxe boas inovações ao separar a fase de planejamento da contratação, da seleção do fornecedor e da gestão contratual.103 A estrutura da seleção do fornecedor e da gestão contratual, anteriormente, já era tratada a partir de atos normativos anteriores, ainda que tenham ocorrido alguns avanços e melhores detalhamentos, entrementes a parte do planejamento da contratação não era tão bem estabelecida e, nos moldes atualmente tracejados, transluz a relação instrumental que deve existir nas licitações e nos contratos públicos. Tanto é assim que, na fase de planejamento, haverá a necessidade de um grupo de trabalho multidisciplinar, devidamente preparado e qualificado, para realizar um estudo preliminar, um mapa de riscos a partir do seu gerenciamento e o termo de referência ou projeto básico para então se pensar ulteriormente na elaboração do ato convocatório. Cumpre enfatizar a etapa de estudos
103 “E diferente falar em planejamento da contratação pública. O planejamento antecede o preparo. O momento do planejamento é aquele em que as ações são pensadas para obter os resultados desejados. Planejamento é a ação de pensar antes de fazer, com o objetivo de identificar claramente os objetivos e os métodos mais eficientes para o seu alcance. O preparo da licitação é a etapa posterior ao planejamento da contratação, que deve ser elaborado de acordo com o planejamento estratégico institucional da entidade ou ente público.” (PÉRCIO, Gabriel Verona. Contratos Administrativos: Manual para Gestores e Fiscais. Curitiba: Juruá, 2015, p. 20).
preliminares, a qual será de extrema valia para avaliar a viabilidade ou não da contratação, bem como para ponderar qual a melhor solução para o enfrentamento da necessidade pública, representando, dessa maneira, a previsão normativa do modelo que se defende neste trabalho, qual seja, a realização na fase interna de um percuciente estudo para perquirir a melhor forma de enfrentar o problema público e, com isso, atender futuramente a necessidade pública que clama pelo procedimento administrativo licitatório.
A Instrução Normativa da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação nº 05/2014, que foi alterada pela Instrução Normativa nº 03/2017, trata do procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para instruir a fase interna da licitação. Ela concebe um formato adequado para a busca de preços a balizarem e estimarem o valor da licitação, já que, antes de sua edição, era habitual que os órgãos e entidades da Administração Pública baseassem o valor do certame tão somente com base em orçamentos buscados junto a fornecedores. A referida instrução normativa apresentou outras fontes verossímeis e compatíveis para que se alcance o objeto da pesquisa de preços, como é o caso de embasamento em preços de outros contratos públicos já celebrados, consulta ao painel de preços governamentais, ou pesquisa publicada em mídias especializadas e sítios eletrônicos especializados ou de domínio público.
Pelo relato normativo apresentado neste ponto, pode-se visualizar que existem muitas normas em variadas fontes que regulam sobre licitações e contratos administrativos, inclusive sob o ponto de vista do seu uso estratégico, o que já se revela como uma grande dificultador para a aplicação de todas, pois nem sempre os agentes públicos possuem conhecimento delas, ainda que isso não possa ser alegado considerando o velho jargão positivado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro de que ninguém pode se escusar do cumprimento da lei. Apesar desta última assertiva, salienta-se que, sabiamente ao crivo deste autor, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro sofreu uma modificação, a fim de incluir alguns novos textos que retratam normas mais compatíveis e de acordo com o princípio da realidade ante os agentes públicos que atuam diretamente na gestão pública. Disso resulta, indubitavelmente, que o correto e ponderado uso da contratação pública perpassa pela preparação e qualificação dos operadores de licitações e contratos, de modo a
possuírem condições para manejar todo este “arcabouço” normativo existente.104 Até porque se defende que a preparação e capacitação são pressupostos para a ocorrência de uma licitação e de um contrato administrativo e, com isso, para o atingimento da função do Estado com os seus propósitos de interesse público.
104 Joel de Menezes Niebuhr expressa que a legislação brasileira sobre licitação pública é “composta por um cipoal de normas espalhadas por leis, decretos, portarias, etc.. Aliás, isso tumultua as atividades dos intérpretes, que, com frequência, para tomarem decisões, precisam recorrer a diversos diplomas normativos, muitos deles contraditórios.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 51).
1.3. A regulação estatal por meio de licitações públicas e contratos administrativos: fomento e direção
A partir de 1990, a reforma da atuação estatal diante da globalização perpassa pela imperiosidade de revisitar a regulação, inclusive utilizando a contratualização administrativa como um útil instrumento.105 O Direito tem assumido papel fundamental para esse processo de intervenção estatal, a partir de prescrições normativas visando ao desenvolvimento. Nesse prumo, os contratos e demais ajustes (dentre eles os convênios administrativos) precisam ser repensados sobre a sua atual pragmaticidade, isto é, sob o viés da necessidade versus utilidade106 levando em consideração o impacto econômico-social de tais avenças diante do mercado e da sociedade.107 Para essa missão, em especial os contratos administrativos devem estar aptos para enfrentarem os “desafios da força do mundo dos atos e da pujança dos seus múltiplos tempos”, podendo sempre ser relembrado que a “realidade é sempre mais forte do que a imaginação humana” e é “tão veloz quanto inacreditável, inexplicável, desproporcional”, diferenciando-se das obras criadas pelo homem que em geral são mais paulatinas.108
105 Outros países também estão no mesmo caminho para uma reanálise da regulação estatal, conforme se desprende de obras da Espanha (PUIGPELAT, Oriol Mir. Globalización, Estado y Derecho. Las transformaciones del Derecho Administrativo. Madrid: Civitas Ediciones, 2004, p. 95-116), Portugal (MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 425-438; GONÇALVES, Pedro Costa. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013), França (CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 59-80) e México (VILLANUEVA, Luis F. Aguiar. Gobernanza y gestión pública. México: FCE, 2006, p. 137-236).
106 “Utilidade é a satisfação e o prazer retirado de cada bem, sem haver, necessariamente, uma conotação material. Maximizar a utilidade significa extrair o máximo de utilidades possível com o menor custo. Nesse sentido, como os recursos disponíveis são escassos, antes de fazer uma escolha, cada indivíduo leva em consideração os custos e benefícios de adquirir os bens que constam da sua lista de preferências. É o que, em economia, se chama trade-off, ou seja, uma escolha realizada a partir da análise comparativa de custo e benefício entre opções disponíveis, porém, mutuamente excludentes em razão da restrição orçamentária.” (PINHEIRO FILHO, Francisco Renato Codevila. Teoria da agência: problema agente-principal. In: RIBEIRO, Marcia Carla Pereira; KLEIN, Vinicius (Coord.). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 97-109, p. 98- 99).
107 Contrário à intervenção estatal na economia por entender que a ação estatal gerará distorção no mercado competitivo, bem como pela possibilidade de captura de interesses privados na ação estatal, na assimetria informacional e na teoria public choice (escolha coletiva ou escolha pública), vide MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 125-127.
108 MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos púbicos de longo prazo, mutações e segurança jurídica. In: ACEVEDO, Rafael Fernández; FERNÁNDEZ, Patricia Valcárcel (directores). La contratación pública a debate: presente y futuro. Navarra: Civitas, 2014, p. 511-524, p. 522.
Quando se trata de uma nova abordagem para o tema de regulação, quer-se, inclusive, parametrizá-la de maneira diversa daquela anterior e comumente discorrida.109 Se antes em classificações, a regulação aparecia ao lado da normatização muito mais próxima da atividade administrativa de polícia ou limitação, o uso da expressão regulação estatal deve ser enquadrada de maneira mais ampla, como toda forma que gere a intervenção indireta do Estado na ou sobre a economia. A realidade vivenciada pelos Estados a partir dos eventos nas sociedades e o avanço da informação, das relações jurídicas e do papel estatal ante as novas demandas (em geral)110, fazem com que tal remodelação se mostre mais razoável.111
No âmbito doutrinário, Floriano de Azevedo Marques Neto assenta que regulação envolve “toda a atividade estatal sobre o domínio econômico que não envolva a assunção direta da exploração de atividade econômica (em sentido amplo).”112 Sobre a sua importância, Jacques Chevallier explica que este raciocínio acarreta uma nova concepção do papel do Estado na economia, advogando favoravelmente ao seu papel de árbitro no processo econômico, até porque, segundo o autor, “falar da função regulatória do Estado pressupõe que o sistema econômico não possa atingir por si próprio o equilíbrio, que ela tenha necessidade da mediação do Estado para o alcançar.”113 Exsurge para Diogo de Figueiredo Moreira Neto como um novo tipo de atividade jurídica do Estado para aperfeiçoar a atividade administrativa e superar a administração burocrática de perfil burocrático em que tanto a eficiência e a legitimidade possuíam papéis secundários e periféricos.114 Com o devido respeito, discorda-se em parte desse autor, porque a eficiência e a legitimidade
109 Para evitar repetições utilizar-se-á a palavra regulação ao invés de regulação estatal, portanto sempre que neste texto aludir-se a regulação é a regulação estatal.
110 Incluindo as sociais, econômicas, ambientais, culturais, etc..
111 Segundo Jaime Rodriguez Arana, o Direito Administrativo não pode se desapegar ou ficar longe da realidade, bem como das diferenças existentes nas necessidades de cada Estado conforme o grau de bem-estar sociedade e de demandas. (MUÑOZ, Jaime Rodriguez-Arana. Derecho administrativo y derechos sociales fundamentales. Sevilla: Global Law Press Editorial Derecho Global/INAP, 2015, p. 166-183).
112 MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 04, nov/dez 2005, jan. 2006. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br.> Acesso em 17. jul. 2017, p. 03.
113 CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 72.
114 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 68, 88 e 95.
nunca tiveram, ou pelo menos nunca deveriam ter, qualquer tipo de papel secundário na atuação estatal, e sim devem sempre ter um papel incidental sobre ela, inclusive buscando sempre a relação entre justiça e eficiência.115
De forma um pouco diferente e com um enfoque teleológico interessante, Roberto Correia da Silva Gomes Caldas e Thiago Penido Martins ponderam que a regulação é uma atividade que objetiva “conformar o setor privado aos interesses públicos” e compreende todos os tipos de normas jurídicas (total amplitude) e controles administrativos que busquem a máxima eficiência alocativa e produtiva setoriais, tanto de forma ativa como “passiva (reativa) preventiva ou repressiva.”116 A preocupação em alargar a definição parece profícua, entretanto, não parece que a ideia de regulação possa ser substituída pela mera conformação, sob pena de parecer que a regulação possa ser sempre orientativa, o que se distancia da maioria das vezes que é ordenatória e prescritiva. Da mesma maneira, compreende-se que a máxima eficiência alocativa deverá subsistir, contudo, não se pode resumir a setoriais, já que muitas atuações regulatórias poderão ser intersetoriais como uma política regulatória de consumo atingindo vários setores econômicos. A capacidade regulatória é serviente para atender a especialidade, complexidade e multiplicidade de questões econômicas e sociais, inclusive equalizando os interesses e os diversos atores para a satisfação dos interesses da coletividade.117
De qualquer forma, impende observar que a regulação é a forma pela qual o Estado atua quando intervém indiretamente sobre o domínio econômico.118 Utiliza-se
115 De acordo com Paulo Caliendo Velloso da Silveira, citando Casamiglia, no mínimo existem cinco sentidos que demonstram uma relação de conexão entre justiça e eficiência: 1º) uma sociedade idealmente justa é uma sociedade eficiente; 2º) uma sociedade justa e equitativa dificilmente será uma sociedade que desperdiça, não utiliza ou subutiliza recursos; 3º) A eficiência é um componente da justiça, embora não seja nem o único, nem o principal critério de justiça; 4º) A eficiência, entendida como processo de maximização da riqueza social, exige intervenções regulatórias, corretivas ou estratégicas do Estado no Mercado e; 5º) Existe uma utilidade em observar se os mecanismos jurídicos de controle são eficientes na produção de riqueza social.” (SILVEIRA, Paulo A. Caliendo Velloso da. Direito tributário e analise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de janeiro: Elsevier, 2009, p. 76).
116 CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; MARTINS, Thiago Penido. Princípios do Equador e Governança Regulatória nas contratações públicas sustentá¬veis: implicações nas desapropriações. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 112, p. 183-229, jan.jun. 2016, p. 196. 117 MOURA, Emerson Affonso da Costa. Estado gerencial, regulação econômica e serviços públicos – O papel das agências na promoção do desenvolvimento. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 14, n. 57, p. 193-217, jul./set. 2014, p. 199-200 e 203.
118 “(...) a função de regulação, portanto, fundamenta-se na atuação do Estado sobre decisões e atuações empresariais, com fundamentos teóricos e científicos, que visem atender ao interesse público
a expressão regulação como sendo mais adequada e será adotada a noção de regulação em sentido amplo e também a regulação em sentido estrito. A intervenção é o ato ou efeito de o Estado intervir sobre o domínio econômico, a qual pode acontecer de maneira direta, quando atua no mercado por meio de empresas estatais ou qualquer outra forma (v. g. participação minoritária em empresas); ou de forma indireta, quando o Estado usa do instrumento da regulação para gerar tal interferência.119 A regulação também não é puro sinônimo de intervenção indireta porque é o meio usado para atingi-la, bem como não representa toda e qualquer forma de intervenção, pois esta pode ser direta ou indireta. Toda regulação é interventiva, mas nem toda intervenção é regulatória, pois a intervenção poderá ocorrer por meio do exercício da atividade econômica.120 Por sua vez, a regulação possui variadas formas de ser praticada, a partir de atividades administrativas de fomento, de gestão ou por direção, denominada por este autor como regulação em sentido estrito. Neste ponto, salienta-se ainda que há discordância quanto ao uso da expressão intervenção sobre o domínio econômico como sustenta Luiz Alberto Blanchet, uma vez que no Brasil juridicamente a palavra intervenção é o conceito adotado pela Lei nº 8.987 para externar uma das medidas adotadas pelo poder concedente sobre o concessionário em caso de irregularidade durante a execução do contrato de concessão.121
substantivo sem, contudo, deixar de soperar os efeitos dessas decisões no subsistema regulado com os interesses de segmentos da sociedade e, até mesmo, com o interesse individual no caso concreto. Trata-se de espécie de intervenção indireta, que alcança atividades econômicas e sociais. Ela visa, basicamente, a implementação de políticas públicas e realização dos direitos sociais.” (GUERRA, Sérgio. Riscos, assimetria regulatória e o desafio das inovações tecnológicas. In: In FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (coord.). Regulação e novas tecnologias. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 83-98 e 90).
119 “Qualquer ação estatal que repercuta na sociedade, criando, modificando ou extinguindo direitos e situações, pode ser concebida como uma forma de interferência do Estado.” Nesse compasso, a autora defende que interferência estatal é gênero, compreendendo as espécies interferência em sentido estrito, cuja área de incidência é a vida privada, e intervenção, cuja área de incidência é a ordem econômica. (MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 01-02).
120 MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 01, fevereiro, 2005. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em 14 de mai. de 2019.
121 BLANCHET, Luiz Alberto. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 185. Valioso recordar que as classificações podem ser legais (normativas) ou doutrinárias. As legais (normativas) são preconizadas por alguma lei ou norma infralegal, assim como ocorre com a classificação de espécies de bens públicos consoante o artigo 99 do Código Civil. As doutrinárias partem de uma divisão desenvolvida por algum jurista com base em premissas e pautada numa utilidade para o seu raciocínio. Para ilustrar estas, Evert Verdung divide a intervenção pública em substantiva e a direcionada para um determinado processo. As medidas de intervenção pública
Como se verifica, o termo regulação precisa ser bem definido para o correto entendimento do seu significado, sob pena de confundi-lo com outros instrumentos e institutos jurídicos. Sobre a polissemia gerada pela palavra, Evert Vedung explica os vários significados que poderá dela extrair como: (i) aclaramento oficial de estudos, regulamentos ou ordens administrativas; (ii) atividade de governo no controle de assuntos da sociedade e (iii) tipo de instrumento político a ser usado pelos governos.122
A relação e respectiva regulação entre Estado e Mercado sempre existiu e continuará existindo.123 Não é possível que todos os mercados sejam completamente autorregulados. O Estado precisa exercer a sua função regulatória para que os fins estatais e o bem da sociedade sejam mantidos em ordem. Ademais, salienta-se, por exemplo, que, no Brasil, existe autoregulação no mercado de publicidade, o qual é exercido pelo CONAR, porém sempre que há qualquer desequilíbrio ou não entendimento entre os atores do referido mercado, é o Estado que socorrerá para determinar as diretrizes e a palavra final para a sua manutenção e preservação dos direitos dos envolvidos. Em síntese, é patente que regulação é exercício de função estatal. Entretanto, até que ponto e como exercerá são questões a serem debatidas de acordo com o modelo de Estado, a sociedade e o tempo de análise.
A intervenção, ou também denominada de interferência, do poder público é uma realidade histórica “consubstancial ao próprio conceito de civilização e de autoridade”, bem como é um fenômeno “permanente e não é específico de um país, mas sim universal, independente das ideologias dos sistemas econômicos com maior ou menos atuação estatal, possuindo também condicionantes externos ao país em razão da internacionalização das atividades econômicas ou o pertencimento de
substantiva “afectan a varias campos funcionales tales como los de la energia, medio ambiente, recursos naturales, utilización de la tierra, vivienda, bienestar social, transporte, desarrollo económico y otros muchos campos del esfuerzo humano.” (…) Os programas orientados direcionados para un determinado programa “se refieren a ideas y medidas dirigidas a la organización y función de la propia administración pública.” (VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 21).
122 VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 155.
123 Segundo Eros Roberto Grau, o mercado “além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica (= institucionalizado e conformado pelo Direito posto pelo Estado). Sua consequência é função da segurança e certeza jurídicas que essa institucionalização instala, permitindo a previsibilidade de comportamentos e o cálculo econômico.” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 36).
blocos, acordos ou convenções internacionais com políticas supranacionais.”124 Qualquer ordenamento jurídico independente do seu tempo prescreverá a intervenção admitida pelo Estado, seja através de regras claras ou a partir de princípios normatizadores das balizas a serem respeitadas. As normas jurídicas sempre cravarão os limites e deverão ser interpretadas para a sua correta aplicação de acordo com as circunstâncias sociais e mercadológicas. O modelo de Administração Pública adotado pelo Estado já indica uma “pré-determinação da sua atuação através da função reguladora limitada pelo princípio da juridicidade”.125 Não é o fato de uma Constituição ser da década de 1970, por exemplo, que deverá possuir uma visão enrijecida sobre a participação dos privados no mercado de transportes públicos, sob pena de na atualidade ser inviável por exemplo a admissão do transporte remunerado privado individual de passageiros ou chamado na Espanha como “las licencias de vehículo de turismo con conductor” (uber, cabify, etc.). A interpretação e a aplicação deverão fazer o adequado silogismo da realidade, de acordo com o interesse público, a fim de atender as necessidades sociais, por meio do manejo proporcional da ação estatal.
Por isso, parecem pertinentes as seguintes palavras de José Bermejo Vera, quando descreve que o processo de liberalização, regulação ou desregulação não exige a diminuição do papel estatal na economia, senão que deve haver a adaptação às normas e circunstâncias usando as técnicas de intervenção indireta, e não somente a intervenção direta, para assentir com o desenvolvimento e direção de uma política econômica concreta pautada mais nos estímulos positivos, consensuais e participativas ao invés de meramente coercitiva.126 Ademais, nas modificações observadas das últimas décadas, principalmente para o século XXI, observa-se a progressão do direito privado e das relações contratuais ao Direito Administrativo, a
124 VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 785.
125 CARVALHO, Raquel. O direito à informação administrativa procedimental. Publicações Universidade Católica: Porto, 1999, p. 133.
126 VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 788. Não se pode esquecer que a desregulação não significa falta de regulação: “... debe matizarse que la desregulación tiene efectos complejos porqu hace creer que es un movimiento inverso al de la reglamentación de ámbitos de la actividad por parte de la Administración, cuando en su realidad se trata de utilizar otros dispositivos, incluso de autorregulación, de fomento, de negociación, de flexibilidad por medio de normas evolutivas, pero sin descartar la utilización de algunas de las técnicas administrativas clásicas como las sancionadoras.” (ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. Derecho administrativo y globalización. Madrid: Civitas, 2004, p. 199)
redução das ações dotadas de império e da preponderância dos fins e interesses subjetivos nas relações jurídico-administrativas, tudo isso pela complexidade atualmente vivenciada pelo Direito Administrativo em razão da realidade econômica, social e técnica, necessitando assim uma regulação que leve em consideração os vários sistemas e subsistemas na ordem nacional e internacional.127 Convém exaltar que os próprios limites entre o Direito Público e o Direito Privado não são fixos e nem apriorísticos, devendo ser estudados de acordo com a época dos fatos e as circunstâncias históricas.
Do ponto de vista econômico, Ludwig Von Mises usa a expressão estatismo para qualificar uma entidade política fundada em pressupostos coletivistas e intervencionistas, sendo que estes têm por missão a subordinação incondicional do indivíduo ao Estado.128 Já o Estado pode ter a intervenção do governo como obstáculos à diminuição da liberdade no afã da preferência temporal,129 assim como ocorre com as atividades criminosas, uma vez que nem sempre é imediato o seu reflexo para a sociedade. Aqui, reflete-se a importância de uma política regulatória ter premissas publicizadas e com metas claras para que a sociedade possa ter a sensibilidade de legitimidade para qualquer intervenção, seja relacionada com as contratações públicas ou não. A participação, o controle e a transparência são imprescindíveis para aproximar a Administração e os cidadão, sendo um vis atrativo
127 ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. Derecho administrativo y globalización. Madrid: Civitas, 2004, p.
383. Fernando Araújo também externa que: ““(...) a fuga para o direito privado tem efetivamente levado à proligração muito rápida das soluções contratualizadas no próprio seio do direito público, numa tendência que faz a privatização seguir as tendências gerais de <downsizing> e de <outsourcing>; sendo que a própria regulação tem vindo a adoptar formas contratualizadas (pensemos nos já aludidos
<contratos-programas), formas flexibilizadoras mas susceptíveis de diluírem, e por isso de confundirem, questões de legitimação e de responsabilização políticas.” (ARAÚJO, Fernando. Teoria Económica do Contrato. Coimbra: Almedina, 2007, p. 91).
128 MISES, Ludwig Von. Caos planejado: intervencionismo, socialismo, fascismo e nazismo. Trad. Beatriz Caldas. São Paulo: LVM, 2017, p. 59.
129 “E não é por acaso o fato da intensidade da preferência pela satisfação no presente, em vez de no futuro, ser designada por taxa de preferência temporal, que ‘é (e pode ser) diferente de uma pessoa para outra e (varia) de um momento para o outro, mas que nunca pode ser algo positivo para todos’, e que é influenciada por ‘fatores externos, biológicos, individuais, sociais e institucionais’. A preferência temporal, portanto, está intrinsecamente conectada ao objetivo da ação, que, de acordo com Ludwig von Mises: ‘Visa sempre a remover um mal-estar futuro, mesmo que o futuro seja apenas o momento iminente. Entre o início da ação e a obtenção do fim pretendido decorre um lapso de tempo, a saber, o tempo de maturação no qual a semente plantada pela ação produz o fruto.’” (HOPPE, Hans-Hermann. Prefácio. In: MISES, Ludwig Von. Caos planejado: intervencionismo, socialismo, fascismo e nazismo. Trad. Beatriz Caldas. São Paulo: LVM, 2017, p. 62-63)
pelo princípio democrático inarredável das sociedades atuais complexas.130
Em interessante estudo sobre o diálogo contínuo entre Estado e Mercado para a demarcação da economia política, Maurin Almeida Falcão aborda, a partir da obra de Gilpin, o papel das intervenções e a busca do legítimo autor do poder político, com intuito de compreender a mudança social no mundo contemporâneo, de acordo com a interação entre os aspetos social, econômicos e político da sociedade. Para o autor, “o cientista político arremata de forma contundente que o Estado seria o mundo puro da ciência política, responsável pela distribuição dos recursos econômicos. Por sua vez, ausente o Estado, o mecanismo dos preços e as forças do mercado determinariam o resultado das atividades econômicas, ou seja, o mundo puro do economista.”131 A presença e o exercício efetivo da regulação é imprescindível para a sociedade, tanto que o Estado não só aparece de maneira indireta para interferir sobre o domínio econômico quanto diretamente, já que os objetos tutelados são estratégicos para o bem estar geral.132 No decorrer da história, presencia-se a posição do Estado ora mais próximo, ora mais longe do mercado, caracterizando movimentos pendulares (Estado mínimo versus Estado de Bem-Estar).133
130 MORÓN Miguel Sánchez. Derecho Administrativo (Parte general). 6. ed. Madrid: Tecnos, 2010. p 82.
131 FALCÃO, Maurin Almeida. O Estado, o mercado e as transformações econômicas, políticas e sociais como determinantes de uma economia política do tributo. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 104, p. 263-289, jan.jun. 2012, p. 273.
132 Sobre o Estado atuando de maneira direta na economia, vide passagem de Eloi Pethechust e Marcia Carla Ribeiro: “É possível extrair-se a conclusão de que pode a Administração Pública atuar no mercado por meio de sociedades estatais, pois seus objetivos perseguidos ultrapassam a mera produção de bens e serviços econômicos, atingindo interesses subjacentes de fundamental importância para o atendimento do interesse público, tal como domínio de setores estratégicos (energia elétrica, petróleo e energia nuclear) e fomento de infraestrutura básica necessária ao desenvolvimento econômico e social do país (saneamento, programas de financiamento habitacional, linhas de crédito voltadas ao financiamento de empreendimentos privados considerados necessários ao desenvolvimento do país etc.).” (PETHECHUST, Eloi; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Perspectivas para as empresas estatais no Brasil: propostas para um estatuto jurídico. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 15, n. 62, p. 99-121, out./dez. 2015 p. 109).
133 “(….) el binomio intervención (pubificación)- liberalización se presenta históricamente en una relación de movimiento pendular, conforme a la cual se van sucediendo distintas etapas en las que el eje de fuerza de la relación pasa de un extremo a otro, segundo la tendencia universalmente sentida, sin que ello quiera decir que existan ni momentos de completa intervención ni fases sucesivas de total liberalización de la economía, sino que en cada caso el conjunto de medidas que tiende a regular la actuación pública en la economía se orienta mayoritariamente en un sentido o en otro, existiendo siempre, incluso en los momentos de mayor liberalización, alguna parcela o sector en la que encuentran acomodo situaciones interventoras y a la inversa.” VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 793-794. Fazendo um paralelo com os contratos administrativos, é possível visualizar que nas sociedades empresariais públicas (denominação utilizada para se referir às empresas públicas e sociedades de economia mista)
Compete recordar da direção à economia de mercado, seja pela economia livre ou economia social ou economia dirigida/controlada. A economia livre é tradicional do modelo liberal e o Estado se limita a criar uma ordem jurídica objetiva e imparcial que visa não atuar, influenciar e nem orientar as linhas político-econômicas, deixando grande liberdade para os agentes (players) econômicos. A economia social de mercado precisa do Estado e seu protagonismo para garantir a concorrência, assegurar o mercado quando este é defeituoso ou não existe, e, com isso, proporcionar aos cidadãos o bem-estar. Já a economia dirigida ou controlada coaduna com a economia social, porém acrescidos dois pontos: (i) se existente a autoregulação do mercado, mesmo assim deve ser corrigida pela regulação do Estado e (ii) que existem objetivos nacionais que não são livres ao mercado e o Estado deve regular em sentido genérico, planejando pela pela via coativa, condicionamentos, incentivo ou encauzando a ação empresarial privada.134
Como se verifica a importância da regulação e da intervenção estatal deve ser obtemperada por ângulos além do Direito, não se podendo restringir a uma discussão meramente jurídica. O Direito deve servir para que se alcance o bem-estar social de forma segura. Entretanto, sem dúvidas, os ambientes econômico e social merecem ser compreendidos para saber até que ponto haverá a sua utilidade.135 Por isso, toda esta nova estruturação da intervenção indireta possui respaldo na necessidade de
o Estado ora tem procurado uma redução de sua influencia e direção, inclusive com a privatização, de algumas, já doutro lado em outros setores tem buscado uma maior intervenção, direta ou indireta. Discorre-se de uma administrativização do direito empresarial, de um lado ampliando as empresas estatais ou participação minoritária em empesas e de outro a partir de um rigor maior sobre tal atuação por meio de controles legais para a proteção dos consumidores, da livre concorrência, regras contábeis, transparência de atuação, etc.. As razões justificadoras para as técnicas ou medidas liberalizadoras do Estado podem ser qualificadas como de índole política, financeira e económica, as quais são descritas como: “de índole política, porque supone la acogida de planteamientos neoliberales, dentro de los cuales la iniciativa y la propiedad privada juegan un papel de primer orden, y de índole económico- financeira, ya que se pretende reducir el déficit público, así como aumentar la eficacia de las empresas.” (VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 792-793).
134 VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 805
135 “... el derecho administrativo sigue ampliando sus espacios de regulación, aun cuando adecue sus técnicas y se aproxime a otros ámbitos del conocimiento técnico-científico y disciplinas jurídicas, como ocurre con las actividades sanitarias, urbanísticas, de las telecomunicaciones, del bienestar social, del medio ambiente, de la biotecnología, etc. No sólo asume los términos de otros ámbitos de conocimiento, que le exigen un proceso continuo de adaptación, sino que asimila las aportaciones de otras ramas del Derecho, que habían regulado anteriormente los nuevos espacios, lo que supone un nuevo proceso de armonización y ósmosis, que contribuye a integrarlo en un nuevo orden más extenso y lo hace cada día más complejo.” (ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. Derecho administrativo y globalización. Madrid: Civitas, 2004, p. 382).
revisitar as formas em si de atuação do Estado. Ramón Parada explica que a tripartição dos modos de atividade administrativa sempre aconteceu, mais precisamente segmentando-se em atividade de limitação ou de polícia, atividade de fomento e atividade de prestação ou de serviço público, porém, atualmente, não pode ser mais sustentado como adequado para retratar as atividades administrativas necessárias para a consecução do interesse público, tanto é que o autor acresce uma quarta e quinta atividade, quais sejam, a sancionadora e a arbitral da Administração Pública.136
Evert Vedung, em 1977, de forma um pouco diferente e metafórica já explicava que os governos podem recorrer a três instrumentos básicos:
(…) el palo, la zanahoria y el sermón. Los gobiernos pueden obligarnos a hacer lo que ellos desean, recompensarnos o premiarnos materialmente por haberlo hecho, o predicarnos que debemos hacerlo. Al palo se de denomina regulación, a la zanahoria medios económicos, y el sermón podría calificarse de información. En mi opinión, todos los demás tipos de instrumentos políticos propuestos en la bibliografía sobre el tema pueden reducirse a estos tres fundamentales. También afirmo que esta tricotomía no se puede reducir; si se transformase en un esquema de dos, la pérdida de información sería irreparable.137
Carlos Ari Sundfeld sustenta a necessidade de reconstrução da teoria da ação administrativa, a qual perpassa por três grandes setores, quais sejam: a administração
136 PARADA, Ramón. Derecho administrativo I. Parte General. 15. ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 369 e seg. Prosper Weil comenta a classificação com as seguintes palavras: “Esta clasificación expresa la intensidad variable de la acción administrativo: intervención lejada por meio de la ayuda el otorgamiento y el control; intervención más rígida, pero todavía exterior, en la policía; gestión directa en el servicio púbico orgánico. Su interés es e orden sociológico o político, ya que traduce perfectamente la graduación de las limitaciones que la intervención del Estado acarrea para la iniciativa privada. Bajo este punto de vista, está incontestablemente inspirada en la concepción liberal de finales mucho más discutible – la distinción de policía y servicio público no ha sido nunca claramente precisada
– y no presenta un interés práctico demasiado importante. Los auténticos problemas se situán en otro plano.” (WEIL, Prosper. Derecho administrativo. Trad. Luis Rodríguez Zúñiga. Madrid: Editorial Civitas, 1994, p. 67). Santiago Muñoz Machado explica a divisão histórica das formas de atuação administrativa. Recorda da classificação de L. Jordana de Pozas (policia, serviço público e fomento), de Eduardo García de Enterría que sistematizou de maneira diferente com a ideia de intervenção ou regulação econômica ou social e do italiano Santi-Romano que classificou em atividade administrativa de limitação e atividade de prestação. (MACHADO, Santiago Muñoz. Tratado de Derecho Administrativo y Derecho Público General: Libro XIV – La actividad regulatoria de la Administración. Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado, 2015, p. 13-18). Sobre outras formas de classificação das formas de atividade administrativa de acordo com a formalização jurídica e por sua incidência na esfera jurídica dos particulares, vide MONTANER, Luis Cosculluela; BENIÍTEZ, Mariano López. Derecho público económico. 2. ed. Madrid: Justel, 2008, p. 203-205.
137 VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 155.
de gestão, a administração fomentadora e a administração ordenadora.138 Ao seu lado, José Roberto Pimenta Oliveira explana que para o cumprimento dos objetivos constitucionais inerentes à estruturação do Estado Social e Democrático de Direito, desenhado pela Constituição, não há como a função administrativa restringir-se, na atualidade, ao campo ordenador e sancionatório.139
Ainda que existam várias classificações como acima refletido, adota-se para este trabalho a regulação como um gênero representativo instrumental da intervenção indireta, a qual abarcará a função de direção (regulação em sentido estrito), fomentadora e de gestão.140 Para o desenvolvimento deste, destacar-se-á sobre as duas primeiras, porém, antes de adentrar, é imperioso ponderar que o uso da regulação por meio das licitações e dos contratos administrativos revela-se bastante saudável.
Segundo estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre as instituições e investimentos privados em infraestrutura nas economias emergentes, existe correlação direta impactante entre o aumento quantitativo e qualitativo do investimento em infraestrutura para o desenvolvimento econômico, tanto na literatura macroeconômica quanto na da distribuição de renda e minoração da pobreza, por isso, atrelar a participação do privado como operador e investidor é um ponto comum e crescente para os países de baixa e média renda nas últimas décadas. Considerando que, de 2003 a 2010, o cenário externo para investimentos foi amplamente favorável pela alta liquidez internacional para países emergentes como
138 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. Em sentido análogo, Célia Cunha conceitua a administração fomentadora “como um complexo de atividades concretas e indiretas que o Estado desempenha despido do poder de autoridade, cujo labor se limita a promover e/ou incentivar atividades e regiões, visando melhorar os níveis de vida da sociedade.” (MELLO, Célia Cunha. Op. cit., p. 38). Nos mesmos termos, vide GARCÍA, Jorge Sarmiento. Derecho publico. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1998, p. 647.
139 Postulou-se da Administração uma crescente e cada vez mais complexa intervenção estatal no domínio social e econômico, formalizada, pela ordem jurídica, com a positivação de dever de prestar serviços públicos nos diversos campos em que o interesse da coletividade mandava uma presença ativa da atividade administrativa, considerados como atividades materiais vinculadas à existência da própria sociedade, passíveis de fruição direta pelos administrados, fornecidos pela Administração, sob regime de direito público. (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 514-515).
140 A atividade administrativa de gestão seria a função de “gerir – como agente, como sujeito ativo – determinadas atividades. Engloba inicialmente o ‘oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados.’ Em sua dupla modalidade: prestação de serviços públicos (isto é, os reservados ao Estado) e de serviços sociais (atribuídos a ele sem caráter de exclusividade, o que eliminar a técnica concessional; são os casos de educação e saúde).” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16).
é o caso do Brasil, o mesmo não se repetiu de 2010 a 2015, quando houve diminuição de fluxo de entrada para tais países, em virtude dos efeitos do menor crescimento, dos menores preços de commodities e da possibilidade do fim (ou da diminuição sensível) do ciclo de política monetária expansiva que era realizada pelas economias dos países desenvolvidos. A partir disso, com a menor liquidez internacional, faz-se necessário que as economias emergentes trabalhem com fatores locais, que são fundamentos de suas economias, como chamariz para os investimentos. Justamente neste ponto, entra o índice de liberdade econômica e o de qualidade regulatória, os quais se mostram relevantes para investimentos e aqui reside inclusive a relação do mercado das licitações e dos contratos administrativos, tanto que o relatório sugere ao final dentre outras medidas a aprovação de uma nova lei de licitações para produzir um cenário regulatório mais seguro aos investidores.141
José María Gimeno Feliu exalta que a contratação pública e sua regulação é um dos fenômenos de maior relevância, inclusive sociopolítica, no marco da política econômica dos Estados. Explica que além dos aspectos financeiros, representativos pelos relevantes valores destinados aos contratos públicos como se denota em comparação com o PIB, eles representam que “los poderes públicos realizan uma política de intervención en la vida económica, social y política del país, utilizan por las distintas autoridades nacionales como mecanismo protecionista y evitando, por tanto, una auténtica competência.” A proteção do mercado nacional é muito questionada se pode ser feita pelo mercado das compras públicas ou não, sendo que o referido autor, a partir dos estudos de A. Mattera, explana e sintetiza os motivos dessa prática: 1) em certos casos, a contratação pública é uma ferramenta preeminente para gerar a devida vazão de certos produtos de tecnologia avançada, e, assim, garantir por essa via a rentabilidade industrial e comercial dos gastos de investigação, pesquisas e desenvolvimento das empresas nacionais, sendo que em muitos casos tais empresas são subvencionadas pelo Estado; 2) a política de contratação pública tende a
141 ROCHA, Katia; MOREIRA, Ajax; FIUZA, Gabriel. Instituições e investimentos privados em infraestrutura nas economias emergentes. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília: Rio de Janeiro : Ipea , 2018, p. 08-09, 17 e 19. Sobre os referidos índices, vide ainda às fls 17 do Relatório que “Esses índices resumem diferentes aspectos institucionais: o primeiro contempla diversos aspectos que vão desde abertura comercial até simplificação tributária e trabalhista; e o segundo leva em conta aspectos relativos à governança das agências reguladoras e à estabilidade das regras. Mesmo que a relação entre esses índices e as recomendações práticas de política não seja conhecida, consideramos útil fazer algumas recomendações e considerações práticas relacionadas ao tema e que estão na agenda econômica relativa ao Brasil.”
favorecer a empresas instaladas em zonas economicamente subdesenvolvidas ou em declínio, gerando-lhes um tratamento preferencial ante o resto das empresas competidoras, sob o fundamento de favorecer o desenvolvimento industrial e econômico das zonas consideradas, por algum motivo, de interesse público como de prioritário desenvolvimento; 3) às vezes, a contratação pública promove a transformação e a adaptação das estruturas de produção, favorece a reconversão industrial, luta contra o desemprego, reativa os investimentos ou compensa setores discriminados, etc. 4) existem obstáculos psicológicos, que buscam uma mentalidade direcionada para a compreensão das realidades políticas e econômicas em um contexto exclusivamente nacional para a confiança de produções e técnicas nacionais ao patriotismo, às influências e inclusive as razões de comodidade.142 Posto isso, a contratação pública é considerada um importante objeto de regulação, tanto que envolve dois aspectos: (i) a regulação normativa ou regulamentação dos procedimentos de contratação e (ii) a regulação jurídica dos operadores econômicos que participam dos certames e integram o mercado dos licitantes.143
Não se pode olvidar que a imperiosidade de regulação se dá também pelo fato de tal pauta possuir repercussão no equilíbrio do mercado e da concorrência. Por isso, os critérios gerais para a integração das considerações concorrenciais na regulação de contratação pública pontuados por Albert Sánches Graells são: a) o arquétipo normativo do procedimento de licitação deve assegurar um amplo acesso para todas as empresas potencialmente interessadas; b) as regras relativas à avaliação das ofertas e da adjudicação do contrato devem assegurar a igualdade de oportunidades, a neutralidade de avaliação e a ausência de distorções à competência;
c) depois da adjudicação, as regras relativas ao cumprimento do contrato, sua revisão e sua eventual segunda licitação, assim como as impugnações das decisões, devem seguir garantidores da concorrência não distorcida; d) o exercício do poder de compra
142 FELIÚ, José María Gimeno. El control de la contratación pública (las normas comunitarias y su adaptación en España). Madrid: Editorial Civitas, 1995, p. 37.
143GONÇALVES, Pedro Costa. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 23. Em sentido análogo, Santiago Muñoz Machado exalta que os objetivos da função regulatória atual devem ser não somente o poder de ditar normas, mas sim “de utilizar todos los instrumentos, normativos y ejecutivos, precisos para orientar el funcionamento de los mercados hacia la competência e imponer obligaciones de servicio público a los operadores para que su natural afán de beneficio fuera compatible com las exigências del interés general.” (MACHADO, Santiago Muñoz. Tratado de Derecho Administrativo y Derecho Público General: Libro XIV – La actividad regulatoria de la Administración. Madrid: Agencia Estatal Boletín Oficial del Estado, 2015, p. 25).
pública deve limitar-se na medida necessária para evitar o exercício abusivo, de modo que os contratos públicos reflitam condições anormais de mercado.144 Valioso recordar de Luis Cosculluela Montaner e Mariano López Benítez quando abordam o princípio da menor onerosidade nas medidas de intervenção pública que gere restrição à liberdade da empresa, o Estado deve buscar a menor onerosidade possível diante do caso a ser enquadrado, não significando jamais a limitação completa da interferência estatal, tanto que não se apoia a abstenção interventiva liberal ou o intervencionismo desarrazoado, rogando só que tal medida estatal seja a menos gravosa para o exercício dos direitos e liberdades que em matéria econômicas tem os cidadãos.145
É claro que o estudo sobre o desenho normativo, prescrito pelo Estado a partir das licitações e dos contratos públicos, deve ser realizado com cuidado, porque tal dinâmica contratual-regulatória exige que se respeite os princípios basilares da concorrência, em especial àqueles que são preconizados pela Constituição e pelas legislações nacionais. O agente econômico precisa de garantias contra o Estado e contra os demais agentes econômicos que operam no mercado. Como dito Por Eros Roberto Grau, “cálculo e segurança inerentes à produção capitalista exigem uma dupla garantia: (a) contra o Estado (=liberalismo político) e (b) em favor do mercado (=liberalismo econômico).”146 No caso brasileiro, a liberdade de iniciativa e a livre concorrência estampam-se nos fundamentos e nos objetivos fundamentas da República, não podendo ser desconsiderados. Ao mesmo tempo, reitera-se que a Administração Pública precisa utilizar os ferramentais necessários para o alcance dos seus fins, inclusive utilizando a sensibilidade técnica para modificações de interpretação e aplicação jurídica, ainda mais quando se está pensando em soluções de interesse público à base de respeito, negociação e participação das partes contratantes.
Como diz Egon Bockmann Moreira, a contratação pública atual reclama o
144 GRAELLS, Albert Sánchez. Reflexiones críticas em torno a la disciplina del comportamiento de mercado del comprador público. In: ACEVEDO, Rafael Fernández; FERNÁNDEZ, Patricia Valcárcel (directores). La contratación pública a debate: presente y futuro. Navarra: Civitas, 2014, P . 275- 298, 288-296.
145 MONTANER, Luis Cosculluela; BENÍTEZ, Mariano López. Derecho público económico. 2. ed. Madrid: Justel, 2008, p. 30-31.
146 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 37.
afastamento de velhos paradigmas e conviver com o novo, ter sensibilidade técnica sobre as mudanças jurídicas ocorridas e a celeridade necessária para o enfretamento dos problemas, até porque “a certeza da precariedade vista não como um dado negativo, mas sim na condição de premissa positiva – a de acolher com segurança o futuro que não para de chegar.”147 Por tais razões, trabalhar tal força regulatória significa não ficar adstrito a repetição de fórmulas antigas que não mais se apresentam como aptas à satisfação das necessidades atuais, e sim aproveitar das lições antigas concebidas no século XIX e início do século XX para promover uma realidade mais consentânea com os valores atuais sempre em plena conformidade com a segurança jurídica.
Diante dessas breves colocações teóricas e passando a sistematizá-las, propõe-se explicar, no campo prático, como o Estado deverá efetivá-las no campo da regulação (ou intervenção)148 da atividade econômica em sentido estrito.149 Para tanto, aproveita-se a classificação de Eros Roberto Grau que diferencia esta em três modalidades, sendo que poder-se-ão ser aproveitadas para o critério da regulação em geral: (i) intervenção por absorção ou participação quando o Estado intervém diretamente no domínio econômico, mais precisamente na atividade econômica em sentido estrito como agente (sujeito) econômico;150 (ii) intervenção por direção, “o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito”; e (iii) intervenção por indução, “o Estado manipula os instrumentos de
147 MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos púbicos de longo prazo, mutações e segurança jurídica. In: ACEVEDO, Rafael Fernández; FERNÁNDEZ, Patricia Valcárcel (directores). La contratación pública a debate: presente y futuro. Navarra: Civitas, 2014, p. 511-524, p. 524.
148 Usa-se aqui a intervenção como sinônimo tão somente para se utilizar a classificação de Eros Roberto Grau que parece apropriada quanto ao seu modo, em que pese as ressalvas quanto ao uso dos signos intervenção e regulação.
149 “Já se sabe que grande parte da intervenção indirecta do Estado assume hoje em dia a natureza da regulação, característica de um sistema econômico em que o mercado é o meio natural da decisão econômica e a propriedade privada o instituto predominante, mas em que o Estado continua a, por seu intermédio, assegurar certos interesses gerais consubstanciados no adequado funcionamento das regras do mercado e a prestação de certos serviços de interesse geral. A intervenção indirecta subdivide-se em: 1) criação de infra-estrutura; 2) polícia económica; 3) fomento econômico.” (MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 439).
150 A absorção ocorre quando o Estado “assume integralmente o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de monopólio”; já a participação “o Estado assume o controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de competição com empresas privadas que permanecem a exercitar suas atividades nesse mesmo setor.” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 143).
intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.”151
Advoga-se que o uso das contratações públicas para a regulação evidencia-se por intermédio da direção (regulação em sentido estrito) e da indução (fomento), a fim de direcionar condutas desejáveis para o desenvolvimento nacional e impor determinados comportamentos no domínio econômico.152 Quanto à constitucionalidade para tal mister, alvitra-se do comando normativo do artigo 174 da Constituição da República Federativa do Brasil ao prescrever que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exerce, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo que este será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Logo, o Estado deverá (e não poderá) atuar na fiscalização, planejamento e incentivo, e, para tanto, deverá utilizar todos os meios possíveis, inclusive os contratos e licitações.
Especificamente sobre a regulação em sentido estrito (ordenação ou direção) pela via das licitações e dos contratos administrativos, a sua característica se dá pela prescrição normativa que determina um padrão de comportamento a ser respeitado pelos agentes. O Estado ao regular “reserva para si o desempenho material e direto de algumas atividades essenciais e concentra seus esforços em produzir um conjunto de normas e decisões que influenciem o funcionamento das instituições estatais e não estatais, orientando-as em direção de objetivos eleitos.”153
Quando o Estado impõe que determinados produtos necessariamente precisam estar certificados no INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Certificação de Qualidade), não é possível que um produto não certificado seja comercializado no âmbito privado ou público. Por uma determinada norma, houve a expressão de vontade do Estado estipulando a necessidade de
151 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 143.
152 “Qualquer ação estatal que repercuta na sociedade, criando, modificando ou extinguindo direitos e situações, pode ser concebida como uma forma de interferência do Estado.” Nesse compasso, Célia Mello Cunha defende que interferência estatal é gênero, compreendendo as espécies interferência em sentido estrito, cuja área de incidência é a vida privada, e intervenção, cuja área de incidência é a ordem econômica. Não se desconhece que existem autores que não distinguem interferência e intervenção, porém para o presente ensaio utilizar-se-á o raciocínio de Célia Mello Cunha. (MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 01-02).
153 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 665.
cadastro para a preservação da saúde e do bem-estar da sociedade.154 Na própria exposição de motivos ao Projeto de Lei de criação do INMETRO, em 31 de outubro de 1973 (EM/GM/nº 79) está exposto que o seu advento decorre de um controle estatal sobre os produtos nacionais e importados para que haja a segurança mínima do ponto de vista econômico e confiabilidade do mercado para que se permita a livre concorrência e do lado do consumidor, com intuito de não fazer deste alvo de bens irregulares, com qualidade temerária ou perigosos para a sua vida. Da mesma forma acontece com a aquisição pelos órgãos e entidades públicas de armas, que são produtos controlados de uso permitido, pois necessariamente a fornecedora interessada em participar da licitação deverá ser devidamente registrada e fiscalizada nos termos das Leis nº 10.826/2003 e nº 13.060/2014, bem como pelos Decreto Federal nº 3.665/2000 e Decreto nº 5.163/2004.
Evert Vedung inclusive utiliza um exemplo de possível restrição a produtos têxteis da Coreia, sendo que o Estado pode impor restrição para a importância por meio da regulação, pode impor alguma valoração maior (que o autor chama de instrumento econômico) ou determina que se coloque na etiqueta a proveniência e esperar que a informação leve a conscientização e não compre o produto. O autor faz uma diferença entre o instrumento de regulação, no qual existe uma cogência para fazer ou não fazer, o instrumento econômico onde existe uma liberdade para fazer, porém terá que suportar os encargos (subvenções, impostos, taxas, algum saque, etc.) e o instrumento da informação que busca a mudança de comportamento a partir da informação e conhecimento das razões para tomar uma postura diversa. Aduz que a regulação está associada a alguma ameaça de sanção negativa como multa, pena de prisão ou outro tipo de castigo, bem como existem casos de sanção positiva, o que ele chama de normas não sancionadoras por meio de lex imperfecta. Em que pese esta divisão realizado pelo autor, parece que o instrumento econômico e o instrumento de regulação se equivalem, não havendo qualquer sentido para a sua diferença, uma vez que ambos decorrem de uma vontade estatal emanada por meio de uma norma que busca impor uma determinada postura, seja proibindo, ordenando um encargo
154 Convém pontuar que nem todos os certificados são compulsórios, por isso faz-se questão de ressaltar, neste parágrafo, a lista de produto com certificação obrigatória, já que existem alguns produtos que a certificação é facultativa, logo não havendo qualquer impedimento à sua comercialização sem o certificado.
que deverá ser suportado (não tem liberdade ao agente privado) ou estipulando uma regra obrigatória a ser seguida.155
Convém ponderar que a informação, ainda que colocada como instrumento apartado, deverá estar presente sempre, inclusive na regulação. A informação é indispensável para que exista a possibilidade de controle, bem como para que a sociedade se sinta legitimada com a atuação estatal. A informação gera o convencimento ou o que Vedung chama de persuasão moral para influenciar as pessoas através do conhecimento repassado pela comunicação com argumentos racionais.156 Inclusive, a informação poderá acarretar a atividade administrativa de fomento que Eros Roberto Grau trabalha como normas de intervenção por indução as quais estipulam “preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção”. A norma de intervenção por indução confere ao destinatário a alternativa de aderir ou não à prescrição nela veiculada. Caso haja a sua adesão, resultará em benefícios usufruídos pelo aderente. Diferentemente, as normas de intervenção por direção impõem comportamentos por intermédio da cogência das normas.157
Atinente à ação estatal na intervenção por indução, impende tecer que o intuito do Estado é justamente que o aderente da medida estatal possa beneficiar-se
155 VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 156-158. Inclusive, vale recordar da seguinte passagem: “La diferencia consiste en que una regulación proscribe o prescribe la propria acción, mientras que la obligación, en nuestro ejemplo tributario, se aplica al pago del impuesto, no a la acción en sí misma. Existe una evidente diferencia fundamental entre prohibir la elaboración, comercialización y venta de los puros marca Rimeeester y gravar un impuesto a la producción y oferta de los mismos.” (VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 158).
156 “La información transmitida puede ser de muchos tipos distintos. Puede afectar al carácter del problema en cuestión, a cómo las personas no están abordando de hecho, a las medidas que se pueden adoptar para modificar la situación prevalente y las razones por las cuales los destinatarios deberían tomar en consideración y adoptar dichas medidas. No obstante, para presionar a las personas para que hagan lo que el gobierno considera conveniente, no se ofrece nada más que la simple transferencia de conocimientos o el razonamiento persuasivo.” (VEDUNG, Evert. Evaluación de políticas públicas y programas. Madrid: Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales. 1997, p. 158). Mises defende que a simples persuasão já seria suficiente para direcionar as pessoas a fazerem boas escolhas, não havendo a imprescindibilidade de atuação estatal (MISES, Ludwig Von. Burocracia. Trad. Raul Martins. Campinas: Vide Editorial, 2018, p. 35-45) Contudo, com o digno respeito, o Estado precisa regular certas escolhas para o bem-estar social, pensando inclusive na heterogeneidade de interesses e factíveis capturas “ilegítimas” por algum “poder” sobre as pessoas, o que per se demonstra que não se trata de um aviltamento a consciência dos cidadãos.
157 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 144-145.
ante os demais no mercado.158 O benefício exsurge como um prêmio àquele que realiza a conduta – seja positiva ou negativa – incitada pelo Estado.159 Por exemplo, na Lei nº 10.973 (Lei de Inovação), os mecanismos de sanções premiais estão baseados na equação retorno privado dos investimentos em propriedade intelectual versus retorno social na exploração dos direitos garantidos, por meio da propriedade intelectual.160
O enaltecimento à atividade administrativa de fomento tem aparecido como um dos aspectos mais comentados da reforma estatal das últimas décadas, mesmo que não seja algo recente.161 Maria Sylvia Zanella Di Pietro conduz que diversas alterações têm se destacado em razão do Estado Subsidiário, dentre estas, o crescimento de técnicas de fomento e o debate sobre o dever do Estado em fomentar, mais precisamente ajudando, estimulando, criando condições com intuito de que os vários grupos de interesses busquem os seus próprios objetivos conciliados com o interesse público.162 Sobre o assunto, Diogo Figueiredo Moreira Neto qualifica que se trata de um “direcionamento não coercitivo do Estado à sociedade, em estímulo das atividades privadas de interesse público. É uma atividade que se sistematiza e ganha consistência acoplada ao planejamento dispositivo.” Por tal relevância, o autor infere
158 Nesta tese defende-se o fomento como instituto passível de ser aplicado sob a natureza de função administrativa (meio) e também sob atividade legislativa. Sobre a diferença, vide SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: Administração Pública, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019, p. 146 e seguintes.
159GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 145. Na mesma esteira, Marcos Juruena Vilela Souto manifesta: “Consequência natural do planejamento econômico dentro de um regime que privilegia a livre iniciativa é o fomento, pela qual o administrado é livre para aderir a objetivos de interesse público fixado em lei, em troca dos incentivos nela previstos. Uma vez estabelecida a adesão do administrado, o Estado pode obrigar a particular a cumprir a leia e aquilo a que voluntariamente se comprometeu.” (SOUTO, Marcos Juruena Vilela. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 03).
160OLIVEIRA, Fabrício de Souza; SAMPAIO, Kelly Cristine Baião. Lei de Inovações tecnológicas: a relação entre direito e economia legislativa da propriedade intelectual. In: KEMPFER, Marlene e outros. Direito e inovação: estudos críticos sobre Estado, empresa e sociedade. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013, p. 283-297, p. 290.
161 “La incentivación de atividades privadas es conocida desde los primeros tiempos de nuestra civilización, pero es en el Despotismo Ilustrado del siglo XVIII donde ese modo de intervención es teorizado más conscientemente como una modalidad de la acción pública y de forma más consciente. En Francia el gran ministro Colbert empleó técnicas incentivadoras, económicas y honoríficas. Estas últimas cobran también gran importancia en nuestra patria declarándose, frente a la reinante infravalorización de determinados oficios (herreros, sastres, zapateros, carpinteros y otros), la posibilidad de acceder sus ejercientes a la hidalguía e incluso a la nobleza si en tres generaciones se consiguieren en las fábricas <adelantamientos notables y de utilidad al Estado> (Carlos III, 5 de febrero de 1788).” (PARADA, Ramón. Derecho administrativo I. Parte General. 15. ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 390).
162 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 39.
que é “inegável que o fomento público, conduzido com liberdade de opção, tem elevado alcance pedagógico e integrador, podendo ser considerado, para um futuro ainda longínquo, a atividade mais importante e mais nobre do Estado.”163
Carlos Ari Sundfled é favorável à administração fomentadora como impreterível para uma nova concepção e análise da teoria da ação administrativa, sendo que ela deverá ser compreendida como “a função de induzir, mediante estímulos e incentivos
– prescindindo, portanto, de instrumentos imperativos, cogentes – os particulares a adotarem certos comportamentos.”164 Consiste em dirigir a ação dos particulares em direção a fins de interesse geral mediante a outorga de incentivos diversos.165
De maneira um pouco diversa, Manuel Maria Diez aponta que a atividade de fomento pode ser estudada partindo de uma ideia negativa ou positiva. Pelo lado negativo, a Administração mediante o fomento persegue fins públicos sem o emprego de coação e sem a realização de prestações. Já pelo positivo, o fomento é considerado como ação administrativa encaminhada a proteger ou promover aquelas atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares ou de outros entes públicos que satisfaçam necessidades públicas ou visem utilidade geral.166 Apesar de
163 MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 45. Silvio Luis Ferreira da Rocha define a atividade de fomento de maneira descritiva e excludente, a partir da exposição de que a Administração poderá alcançar a satisfação das necessidades coletivas a partir de sua atuação de modo direto e imediato ou de modo indireto e mediato quando as atividades são prestadas pelos particulares, as quais foram incentivadas pela Administração, e servem para alcançar as necessidades coletivas. (ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor.
2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 23). Ecoando a mesma finalidade, porém pontuando que poderá alcançar os estabelecimentos particulares, Roberto Dromi define o fomento administrativo como uma “acción dirigida a proteger o promover las actividades y establecimientos de los particulares, que satisfagan necesidades públicas o que se estimen de utilidad general.” O autor argentino posiciona-se ainda que a ideia predominante do fomento é que versa sobre uma atividade persuasiva ou de estímulo, sendo que a sua finalidade será obtida com o convencimento para que se faça algo ou se omita. (DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 1027). 164 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. Em sentido análogo, Célia Cunha conceitua a administração fomentadora “como um complexo de atividades concretas e indiretas que o Estado desempenha despido do poder de autoridade, cujo labor se limita a promover e/ou incentivar atividades e regiões, visando melhorar os níveis de vida da sociedade.” (MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 38). Nos mesmos termos, vide GARCÍA, Jorge Sarmiento. Derecho publico. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1998, p. 647.
165 PARADA, Ramón. Derecho administrativo I. Parte General. 15. ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 390.
166 “Se puede estudiar la actividad de fomento partiendo de una idea negativa y de una idea positiva. Si se parte de la idea negativa, mediante el fomento, la administración persigue fines públicos, sin el empleo de la coacción y sin la realización de prestaciones. En cuanto a la idea positiva, el fomento debe ser considerado como la acción administrativa encaminada a proteger o promover aquellas atividades, establecimientos o riquezas de los particulares u otros entes públicos que satisfagan necesidades públicas o se estimen de utilidad general.” (DIEZ, Manuel Maria. Manual de Derecho Administrativo. T. II. 3. ed. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1981, p. 231).
interessante tal divisão, não se visualiza óbice para a junção de tais ideias negativa e positiva para uma noção única ante a inexistência de diferenças substanciais com as demais noções apresentadas.
De todo modo, fica incontroverso considerar que a finalidade sempre será o interesse geral, o legítimo interesse público primário.167 Silvio Luis Ferreira da Rocha qualifica a atividade de fomento que não persiga um fim de interesse geral como ilícita, já que o fomento legítimo e justificado “é aquele que visa a promover ou a estimular atividades que tendem a favorecer o bem estar geral.”168 Por isso, o objeto pode recair tanto em atividades de particulares como de entidades públicas, mas “el fin del fomento es la satisfacción indirecta de necesidades públicas.”169 O interesse público primário é a mola propulsora do fomento, sendo que o excesso às custas de recursos públicos escoima a sua validade.170 É uma forma de “política de dirigismo social” com o apoio dos terceiros (cidadãos e pessoas em geral, inclusive jurídicas) os quais serão beneficiários. 171
Segundo Silvio Luis Ferreira da Rocha, a atividade administrativa possui algumas características, como: (i) é uma atividade administrativa que visa à satisfação das necessidades coletivas e à obtenção dos fins do Estado; (ii) não procura alcançar imediata e diretamente tais fins, e sim objetiva que estes sejam alcançados pelas atividades dos particulares mediante a proteção e a promoção dessas atividades, excluída qualquer forma de intervenção coativa; (iii) a determinação concreta das atividades particulares a serem fomentadas caracteriza-se como uma questão política
167 O interesse público e o princípio da supremacia do interesse público foram criticados nos últimos vintes anos, entretanto não parece existir dúvidas sobre a sua importância para a compreensão do Direito Administratitvo e seus institutos. Para tanto, algumas classificações são feitas como interesse público primário e interesse público secundário a partir dos escólios dos autores italianos e como interesse público em sentido amplo e interesse público em sentido estrito para diferenciar o verdadeiro interesse público do privado. Neste ponto, vide excelente obra de Daniel Wunder Hachem que inclusive descreve que “o interesse público em sentido amplo é aquele objetivamente protegido pelo ordenamento, ao passo que o interessado privado é aquele subjetivamente pretendido por qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, voltado à satisfação de suas conveniências pessoais.” (HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 178). Referência na segmentação de interesse público primário e secundário, vide ALESSI, Renato. Instituciones de Derecho Administrativo. Tomo I. Trad. Buenaventura Pellisé Prats. Barcelona: Bosch Cada Editorial, 1970, p. 183-187.
168 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 31.
169 DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 1027.
170 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 527
171 MONTANER, Luis Cosculluela; BENIÍTEZ, Mariano López. Derecho público económico. 2. ed. Madrid: Justel, 2008, p. 245.
de conveniência e política, escapando ao campo estritamente jurídico e; (iv) a participação é voluntária, ou seja, depende da vontade dos particulares.172
O Estado, como diretor da economia por meio do fomento, enfoca o caráter de colaboração ao invés da imposição, já que alcançará os fins com os particulares, participando de maneira livre, inclusive fixando objetivos e preferencias, bem como dispondo de dinheiro para premiar determinadas iniciativas e terceiros.173 Não pode esquecer que em uma economia social de mercado as medidas de fomento representam uma garantia do direito à liberdade da empresa e dos particulares, sempre destacando que tais técnicas geram desenvolvimento econômico e devem ser articuladas sob as arestas do direito de livre iniciativa e o princípio da livre concorrência.174
Carlos Ari Sundfeld expõe que os atos da administração fomentadora não se cingem “a conferir aos particulares possibilidades de autuações que estes já não tenham” e sim “consiste em prestações produzidas pela Administração – sejam positivas (ajuda financeira a cientistas, créditos subsidiados a empresas estratégicas) ou negativas (isenção de impostos) – para tornar mais fáceis ou eficazes atividades que, não obstante, os indivíduos são livres para explorar.”175 Ademais, insta lembrar também “a atividade de fomento não pode mais ser compreendida como benevolência do Estado, deixando de ser considerada mera liberalidade, favor ou graça, para apresentar-se como poderosos mecanismo de apoio, promoção e auxílio das iniciativas socialmente significantes, voltada ao desenvolvimento socioeconômico.”176 Diante da escassez de recursos públicos, da limitação de recursos versus inúmeras necessidades e da própria (re)discussão do tamanho do aparelho estatal, o fortalecimento da atividade administrativa de fomento aparece como uma excelente
172 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26. Célia Cunha Mello define a atividade de fomento pela existência de quatro caracteres fundamentais, quais sejam: exercício de função administrativa; proteção e/ou promoção de seu objeto; ausência de compulsoriedade e; satisfação indireta das necessidades públicas. Compete destacar que a satisfação é indireta das necessidades públicas em razão de não ser realizada diretamente pela Administração fomentadora, e sim pelo agente fomentado. (MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 26-27, 31).
173 VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 938.
174 VERA, José Bermejo. Derecho administrativo (parte especial). 6. ed. Navarra: Editorial Arazandi (Thomson Civitas), 2005, p. 938.
175 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25.
176 MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 36.