DIREITO CIVIL
DIREITO CIVIL
A FIANÇA E A PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO*
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
RESUMO
Examina os efeitos da prorrogação do contrato locatício sobre a fiança, bem como afirma haver muitas divergências nos julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, o que torna a jurisprudência indefinida e vacilante.
Trata da extinção dos contratos de prazo indeterminado, por ser inadmissível impor-se a alguém que se sujeite perpetuamente a cumprir prestações a outrem. Inclui a locação e a fiança nesse caso.
Faz uma análise do alcance da Súmula n. 214 do STJ, compatibilizando-a com o art. 39 da Lei do Inquilinato, no que tange à prorrogação legal da locação e seus efeitos. O mencionado artigo opera plenamente dentro do prazo determinado (ou não) estipulado originalmente no contrato de locação.
PALAVRAS-CHAVE
Fiança; locação; prorrogação; prazo; Código Civil; Súmula n. 214 – STJ; Lei do Inquilinato – art. 39.
* Conferência proferida no Seminário “A fiança locatícia em face do novo Código Civil”, realizado no Centro de Estudos Jurídicos, no dia 22 de
agosto de 2003, no Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em Belo Horizonte-MG.
P
1 INTRODUÇÃO
ara ter-se uma idéia da dificul- dade da matéria, basta um exa- me dos julgados do Tribunal de
Alçada de Minas Gerais, onde os posicionamentos das sete câmaras cíveis divergem profundamente e até mesmo, em algumas delas, não se chega a posições unívocas. Não-raro, juízes têm, em curto espaço de tem- po, alterado seus pontos de vista, tornando vacilante e indefinida a ju- risprudência da Corte, como um todo.
São estes os seguintes pontos de dissídio, mais relevantes para este estudo:
a) se os fiadores xxxxxxx a contrato de locação por tempo deter- minado, a sua responsabilidade vai até o termo final da avença, nota- damente se a prorrogação deu-se ta- citamente, sem a expressa concor- dância deles. Nesse caso, fica afas- tada a regra do art. 39, da Lei n. 8.245/91, apta a estender a respon- sabilidade decorrente da fiança até a entrega das chaves do imóvel”1. Ou seja: Prorrogado o contrato por prazo determinado, que não contou com a anuência do fiador, não se pode ad- mitir a responsabilização do mesmo, ainda que exista cláusula estenden- do sua obrigação até a entrega das chaves”2;
b) Descabe se exigir do fiador
o adimplemento de débitos que se refiram ao período da prorrogação da locação ao qual não anuiu3. O térmi- no do prazo estipulado para o contra- to põe fim à obrigação dos fiadores. Caso seja prorrogado o contrato de locação para quaisquer meios, é mis- ter, para que se prorrogue ou esten- da a obrigação solidária, a anuência expressa do fiador nesse sentido4;
c) Não podem exonerar-se da obrigação os fiadores que manifesta- ram expressa renúncia ao direito es- tipulado no Código Civil, art. 1.500. Mesmo que o contrato tenha se tor- nado por tempo indeterminado, subsistente a fiança, que foi pactua- da até a entrega das chaves do imó- vel5. Não há interpretação extensiva do contrato de fiança, ao exigir do fi- ador o cumprimento da obrigação, até a efetiva entrega das chaves, se as- sim consta no contrato, uma vez que é da própria Lei do Inquilinato a dila- tação do prazo da obrigação, segun- do a regra do art. 39 da Lei 8.245/916. Assim, constando do contrato que a responsabilidade do fiador se esten- de até a entrega do imóvel, fica ele responsável pelo pagamento de to- das as obrigações derivadas da rela-
ção locatícia até que a efetiva resti- tuição do imóvel se concretize7;
d) Se o fiador se compromete pelas obrigações do locatário até a entrega definitiva do imóvel aos loca- dores, tal é o limite de sua responsa- bilidade (...) Para se exonerar da fian- ça sob o argumento de prorrogação irregular da locação, poderia o fiador manifestar oposição formal contra tal ocorrência8. Não havendo exoneração da fiança persiste a obrigação dos fi- adores até a data de imissão do loca- dor na posse do imóvel9;
e) A cláusula contratual que pre- vê a responsabilidade do fiador por tempo indeterminado, ou seja, até a entrega das chaves, é nula de pleno direito (...) não podem os fiadores serem responsabilizados, perpetua- mente, por obrigações futuras resul- tantes da indeterminação do contrato de locação10. Não se aplica a conven- ção em que o fiador tenha-se respon- sabilizado até a entrega das chaves, porque tal cláusula tem sido consi- derada abusiva em vários julgados11. Ainda em igual sentido: A fiança fir- mada em contrato de locação não admite interpretação extensiva e não anuindo o fiador na prorrogação da locação, não pode ser responsabili- zado por obrigação desta resultante12;
f) Embora o contrato tenha sido ajustado por prazo certo, houve pror- rogação por período indeterminado (...) Em se tratando de prazo indeter- minado, a exoneração da fiança deve ser formalizada se for concretizada uma das hipóteses previstas no art.
1.500 do Código Civil, vontade das partes ou decisão judicial. E a res- ponsabilidade vai até a data da exo- neração (...) neste caso, a obrigação dos fiadores persiste até a data de imissão do locador na posse do imó- vel (...), se não houve a exoneração e se assumiram, em caráter irrevogável, a condição de fiadores e principais pagadores dos encargos da locação até a efetiva restituição da res locata13; se o fiador comprometeu-se, em soli- dariedade com o inquilino, até a efe- tiva entrega das chaves, ocorrendo prorrogação automática (do contrato de locação), por força da lei (art. 47), (...) sendo desinfluente a falta de cláu- sula prevendo expressamente a pror- rogação automática, até porque tal prorrogação não advém do contrato de vontades, mas, como se disse, de imposição legal14. Ou, a respon- sabilidade do fiador no contrato de locação do imóvel perdura até a efe- tiva entrega as chaves, quando as- sim ajustado expressamente no con- trato (...)15;
g) Não se pode admitir a responsabilização do fiador por en- cargos locatícios decorrentes de con- trato de locação prorrogado sem a sua anuência, ainda que exista cláusula estendendo sua obrigação até a en- trega das chaves e tenha renunciado ao direito de exonerar-se da garan- tia16. Quando o contrato locatício pre- vê sua prorrogação por meio de adendo contratual, não pode o loca- dor cobrar os encargos locatícios dos fiadores se estes não anuíram à pror- rogação da garantia. Nesse caso, ine- ficaz é a cláusula contratual que pre- vê a responsabilidade dos fiadores até a entrega das chaves17;
h) No caso de prorrogação do
contrato locatício sem anuência do fiador, ainda que haja cláusula esten- dendo a garantia até a entrega efeti- va das chaves do imóvel (...) A exo- neração da fiança dada em locação residencial (...) opera-se a partir do termo final do contrato originário em que ele opôs a sua garantia18;
i) Se no curso da locação da ação de exoneração o contrato de lo- cação por prazo determinado passa a indeterminado, a questão será re- gulada pelo art. 1.500 do Código Ci- vil (...) A exoneração terá como ter- mo inicial a data da prolação da sen- tença naquela ação19;
j) Não pode ser o fiador res- ponsabilizado por majoração de alu- gueres, avençadas entre locador e locatário, em pacto adicional que não anuiu. O fiador só responde pelas majorações previstas no contrato a que se vinculou20. É que, em virtude do art. 1.006 do Código Civil, não se impõe qualquer responsabilidade ao fiador que não anuiu a novação reali- zada no contrato de locação21;
k) Tendo sido a fiança presta- da por prazo certo, não responde o fiador por obrigações constituídas depois de vencido o prazo da garan- tia22.
Em síntese, as divergências básicas são em torno dos seguintes pontos: Se o contrato de locação é de prazo determinado, sua prorroga- ção, em qualquer hipótese em que não haja anuência do fiador, exone- raria o fiador? A prorrogação da fian- ça, acompanhando a vigência do con- trato locatício por prazo indeter- minado, conduziria a uma vinculação perpétua e, por isso, nula de pleno direito? Admitida a possibilidade de exoneração do fiador nas prorroga- ções não consentidas da locação, esta ocorreria no momento da prorro- gação, ou quando do exercício do direito de liberar-se? A Súmula n. 214
do STJ, ao cogitar da não-responsa- bilidade do fiador pelas obrigações resultantes de aditamento do contra- to locatício, compreenderia toda e qualquer prorrogação contratual?
Enfrentaremos esses questio- namentos a partir da idéia fundamen- tal que reprime as vinculações obri- gacionais perpétuas, para em segui- da cuidarmos da história da Súmula
n. 214 do STJ e, finalmente, chegar- mos às divergências que ainda per- duraram na jurisprudência do Tribunal de Alçada em torno de sua exata com- preensão e fiel compatibilização com o Direito Positivo vigente.
2 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS SUJEITOS A PRAZO INDETERMINADO
Explicita o art. 166 do novo Código Civil, entre as causas de nuli- dade do negócio jurídico, a ocorrên- cia de ilicitude do objeto, o que se conjuga com a regra básica do art. 104 do mesmo diploma legal, para a qual os requisitos de validade do ne- gócio jurídico incluem o objeto lícito, possível, determinado ou deter- minável.
A ilicitude de uma avença de- corre de uma contradição entre a pres- tação contratada e alguma regra da lei ou da moral (bons costumes). Não se admite que o contratante se obri- gue a realizar um ato reprimido pela lei penal, ou que seja contrário à or- dem pública ou aos bons costumes23. No terreno da ilicitude do obje-
to contratual, insere-se a duração do vínculo obrigacional instituído nego- cialmente. As relações contratuais são necessariamente temporárias e nascem com o destino de extinguir- se a seu termo natural. A extinção natural de um contrato deve ocorrer no momento em que se cumprem as obrigações dele oriundas. Cumpridas as obrigações, o contrato está exe- cutado, seu conteúdo esgotado, seu fim alcançado. Assim, a execução é, essencialmente, o modo normal de extinção dos contratos24.
Como todo negócio jurídico,
xxxxx Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx – o contrato cumpre o seu ciclo existen- cial. Nasce do consentimento, sofre as vicissitudes de sua carreira, e ter- mina. Normalmente, cessa com a prestação. A solutio é o seu fim natu- ral, com a liberação do devedor e a satisfação do credor25.
A forma, porém, de executar o contrato nem sempre é igual, pois admite-se a possibilidade, conforme o caso, de execução instantânea
(imediata) ou de execução continua- da (periódica). Na primeira hipótese, tudo se resume numa única presta- ção, e na segunda, ocorre uma su- cessão de prestações, de maneira que o contrato só estará executado quando todas as prestações previs- tas tiverem sido completamente rea- lizadas. De qualquer modo, a extinção natural do contrato pressupõe cum- primento de todas as obrigações nele estipuladas.
Em qualquer modalidade e ex- tensão das prestações previstas, todo vínculo obrigacional há de ter um fim, sendo inadmissível impor a al- guém, por contrato, sujeitar-se perpe- tuamente a cumprir prestações a ou- trem. L’engagement d’accomplir une action ou de s’abstenir pendant toute sa vie ou, ce qui revient au même, pendant un temps qui depasse vraisemblablement la durée de la vie humaine, par exemple pendant 99 ans, est nul26.
Importando o contrato a sujei- ção de uma pessoa à vontade de outra, sua perpetuidade conduziria a uma servidão incompatível com a garantia fundamental da liberdade. Em muitos regulamentos específicos de determinados contratos se encon- tra a proibição do vínculo perpétuo, mas, mesmo sem texto expresso, la condamnation générale de la per- pétuité contractuelle pode ser dedu- zida como um princípio geral do di- reito das obrigações27.
Tradicionalmente, explica-se o princípio que proíbe as vinculações obrigacionais perpétuas pelo cuida- do da ordem jurídica em defender a liberdade individual. Modernamente, essa proibição se explica, também, por considerações de ordem econô- mica: en figeant les relations contractuelles, les engagements perpétuels empêchent l’entrée sur le marché de nouveaux agents économiques et par là-même entravent la création et la circulation des richesses28.
A nulidade, porém, não atinge o contrato de duração indeterminada, mas apenas a convenção que vise proibir o contratante de desvincular- se para sempre. Para as convenções de efeitos projetados no tempo sem prazo ou sujeitos a prazo indetermi- nado, a solução não se passa no pla- no da invalidade, mas no da exone- rabilidade. É pela resilição unilateral, assegurada nos moldes do art. 473 do novo Código Civil, que o princípio da liberdade se preserva.
Como a relação obrigacional não pode ser perpétua, fica sempre
Não teria cabimento que as partes ficassem condenadas a se manterem vinculadas, além do tempo a que se obrigaram, tornando o contrato verdadeiro grilhão. Por isso, ao contrário do que se estipulou no art. 4º (...), após o advento do termo final, e diante da indeterminação temporal, (...), qualquer das partes poderá dar por findo o contrato, independentemente do pagamento de multa, já que se trata do exercício de um direito legítimo, para o qual deverão elas estar preparadas.
assegurada a qualquer das partes, e a qualquer tempo, a denúncia, como meio unilateral de libertar-se do con- trato29. Trata-se de um princípio indeclinável dos contratos que nem mesmo a lei expressa, no Direito bra- sileiro, pode excluir sob pena de ferir de morte a liberdade contratual, es- cravizando as partes perpetuamente a uma relação negocial. Constituem objetivos da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre (art. 3o, inc. I, CF) e é exatamente por isso que a Constituição assegura a todos a garantia fundamental de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5o, inc. II).
Nos contratos de execução continuada, pactuados por prazo indeterminado, a denúncia de qual- quer dos contratantes apresenta-se como forma normal de extinção de relação obrigacional. Se não fosse assegurado o poder de resilir, em contratos da espécie, seria impossí- vel ao contratante libertar-se do vín- culo se o outro não concordasse30.
Nesse sentido, tem-se a de- núncia como denominação dada ao exercício do direito formativo - extintivo de desfazimento das obri-
gações duradouras, contra a sua re- novação ou continuação, independen- temente do inadimplemento da outra parte31.
Trata-se de um direito potes- tativo, ou seja, de uma faculdade de criar, por ato de vontade de apenas uma das partes, uma nova situação jurídica. Sua fonte pode estar na lei, em função da natureza de certos con- tratos, como pode localizar-se em cláusula do próprio contrato, na qual as partes se reservam a faculdade de fazer cessar unilateralmente a relação obrigacional, ou ainda ser o resulta- do de um princípio geral do direito, inarredável, o que se opera nos con- tratos de trato sucessivo em vigor por prazo indeterminado32.
Pode-se questionar sobre o re- flexo que a liberação do contratante
por ato unilateral pode ter sobre a segurança da relação negocial. O fia- dor, por exemplo, ao denunciar a ga- rantia de prazo indeterminado deixa o credor desprovido da segurança com que contava para realizar seu direito. No entanto, deve-se fazer um balanço entre os valores em confron- to para se determinar a prevalência da liberdade ou da segurança. E, se- gundo a tradição da cultura ociden- tal, parece não haver dúvida de que a liberdade ocupa uma posição de proeminência no meio dos demais valores envolvidos no jogo econômi- co dos contratos33.
A respeito da resilição unilate- ral (denúncia), a nota que distingue seus efeitos da resolução por inadim- plemento ou da resilição bilateral (distrato) está em que estas desfa- zem o contrato e suas conseqüênci- as para ambas as partes. Já a de- núncia, não obstante gerar a extinção da relação contratual, compadece-se com a extensão de efeitos do contra- to atingido34.
Portanto, a característica prin- cipal da denúncia está nos seus efei- tos extintivos que operam apenas ex nunc. Os efeitos contratuais já pro- duzidos não são afetados pela resilição unilateral. Rompe-se o con- trato no momento da denúncia, pre- servando-se, todavia, todos os efei- tos até então realizados35.
3 A LOCAÇÃO E A FIANÇA EM FACE DE CONVENÇÕES DE PRAZO INDETERMINADO
A locação de imóveis e a ga- rantia de fiança não se excluem da sujeição ao princípio que veda as obrigações perpétuas e que regula as de prazo indeterminado de duração.
Explica Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx que, nas convenções locatícias, a indeterminação temporal, muito fre- qüente, em sede de mercado, pode ser ajustada no próprio contrato, ou decorrer de sua prorrogação, compul- sória ou ajustada pelas partes36.
A indeterminação do prazo não induz, porém, nulidade do contrato locatício, pois trata-se de situação acolhida e disciplinada expressamen- te pela Lei do Inquilinato. Nesse caso, diz o art. 6º (da Lei n. 8.245/91), que o locatário poderá denunciar a loca- ção mediante aviso prévio por escri- to ao locador, com antecedência mí- nima de 30 dias37.
Embora o dispositivo citado apenas mencione o direito potestativo do inquilino, na verdade, ambas as partes da relação ex locato poderão exercer a denúncia, atendidas deter- minadas condições que a lei detalha, principalmente para o locador.
A denúncia da locação de imó- vel, na espécie, não é distinta da que se aplica a qualquer contrato de du- ração indeterminada. Não teria cabi- mento que as partes ficassem con- denadas a se manterem vinculadas, além do tempo a que se obrigaram, tornando, o contrato verdadeiro gri- lhão. Por isso, ao contrário do que se estipulou no art. 4º (rompimento an- tes de vencido o prazo conven- cionado), após o advento do termo final, e diante da indeterminação tem- poral (provocada pela prorrogação indefinida da locação), qualquer das partes poderá dar por findo o contra- to, independentemente do pagamen- to de multa, já que se trata do exercí- cio de um direito legítimo, para o qual deverão elas estar preparadas38.
Quanto à fiança, a Lei do
Inquilinato contém algumas disposi- ções específicas para a garantia do contrato de locação, mas sem que- brar ou prejudicar a disciplina geral do contrato fidejussório estabelecida pelo Código Civil. Esse regime, que constava dos arts. 1.481 a 1.490 do Código de 1916 e que, hoje, figura nos arts. 818 a 839 do Código de 2002, contém princípios e preceitos plenamente aplicáveis às locações, quando não for o caso de utilização dos poucos artigos específicos nes- ta Lei (Lei do Inquilinato), nesta se- ção “Das garantias locatícias”. Cum- pre que o instituto (a fiança locatícia) seja estudado dentro do capítulo do direito civil dedicado aos contratos em espécie39.
Na sistemática do Código Ci-
vil, a fiança pode ter duração limita- da ou ilimitada. Mas se for dada sem
limitação de tempo, o fiador pode exonerar-se da obrigação a todo tem- po (Art. 835 do Código Civil de 2002)40.
A propósito da cessação dos efeitos do contrato de fiança, o Códi- go Civil cuida separadamente da exo- neração nos casos em que a garantia tiver sido assinada sem limitação de tempo (art. 835, equivalente ao art.
1.500 do Código Civil de 1916) e das demais hipóteses de extinção da fian- ça (arts. 837 a 839, correspondentes aos arts. 1.502 a 1.504 do CC-1916). São casos de extinção, distintos, da exoneração por denúncia: a extinção do contrato principal (art. 837); a con- cessão de moratória ao afiançado, sem consentimento do fiador; a impossibilitação, por ato do credor, da sub-rogação do fiador nos seus direitos e preferências; a dação em pagamento aceita amigavelmente pelo credor (art. 838); e a insolvência do afiançado durante o retardamento da execução por parte do credor (art. 839).
Coerente com o sistema do
Código Civil, a Lei do Inquilinato pre- vê o direito de o locador exigir nova fiança entre outras hipóteses, sempre que: ocorrer exoneração do fiador (art. 40, IV) e extinguir-se a fiança ajusta- da por prazo certo, estando a loca- ção prorrogada por tempo indeter- minado (art. 40, V).
As duas modalidades extin- tivas têm configuração e efeitos dis- tintos, no regime do Código: a expiração do prazo certo produz, por si só, a extinção do contrato (eficácia automática, ipso iure), dispensando- se manifestação volitiva das partes e sentença judicial (esta, se houver, será meramente declaratória e não- constitutiva); a exoneração por denún- cia, que só se aplica às fianças pres- tadas por prazo indeterminado e que depende de declaração de vontade do fiador (negócio jurídico extintivo), pode exercer-se extrajudicialmente, mediante simples notificação com pré-aviso de 60 dias. Também aqui o efeito extintivo não exige sentença judicial.
Na exoneração por denúncia (resilição unilateral imotivada)41, po- rém, o contrato de fiança extingue-se ex nunc, preservando-se a obrigação fidejussória sobre as obrigações do
afiançado, até que a notificação do credor exaura o pré-aviso legal (novo Código Civil, art. 835, que substituiu o art. 1.500 do antigo Código)42. Tra- ta-se, portanto, do exercício de um direito potestativo: a lei defere ao fia- dor o direito de alforriar-se mediante
mera manifestação de sua vontade43. Mas enquanto essa vontade cons- titutiva não for exercitada, a fiança de prazo indeterminado persistirá, pro- duzindo a eficácia que lhe é própria44. Já nas diversas situações ar- roladas no art. 838 do Código Civil vigente (art. 1.503 do antigo Código Civil), quando o fiador obtém seu re- conhecimento em juízo, os efeitos retroagem à época do fato extintivo (eficácia ex tunc da sentença, que, na verdade, não é constitutiva, mas
declarativa).
Diante desse quadro, há várias situações a registrar no âmbito da fi- ança prestada em garantia de con- trato de locação de imóveis, dentre os quais, os mais relevantes são: a fiança assinada com prazo certo, que não se prorroga junto ao contrato prin- cipal, sem que se renove também o ajuste com o fiador (Lei n. 8.245, art. 40, V); e a fiança que, à falta de esti- pulação em contrário, perdura ex lege, por tempo indeterminado, en- quanto não se dê a restituição do imó- vel ao locador (Lei n. 8.245, art. 39).
A maior parte das controvér- sias jurisprudenciais em torno da pror- rogação, ou não, da fiança ao contra- to de locação, decorre da não-distin- ção entre as figuras da extinção e da exoneração da fiança.
4 A PRORROGAÇÃO LEGAL DA LOCAÇÃO E A SÚMULA N. 214 DO STJ
Por ter o Superior Tribunal de Justiça assentado, na Súmula n. 214, que o fiador na locação não respon- de por obrigações resultantes de adi- tamento ao qual não anuiu, alguns acórdãos têm utilizado esse entendi- mento para invalidar a cláusula negocial (e até mesmo legal) da per- sistência da fiança sempre que o con- trato locatício se submeter a prorro- gação legal ou convencional e o fia- dor não tenha expressamente aderi- do à prorrogação.
Em certos arestos, simples- mente se afirma que, não admitindo a fiança interpretação extensiva, a garantia prestada a contrato locatício inicialmente ajustado por prazo certo somente xxxxxxx dentro daquele pra- zo, embora se tenha inserido cláusu- la de subsistência da garantia até a efetiva entrega das chaves. Sem a participação do fiador do contrato, a exoneração da fiança ocorreria no ter- mo final do prazo certo originariamen- te previsto para o contrato de loca- ção. Para essa corrente jurispru- dencial, pouco importa que o art. 39
da Lei do Inquilinato estabeleça a duração da fiança locatícia até a efe- tiva devolução do imóvel, e que o contrato tenha estipulado a respon- sabilidade do fiador pelas obrigações do inquilino até a entrega das chaves do locador.
Segundo essa orientação juris- prudencial, a ampliação da fiança até a restituição do prédio locado somente acontecerá, em qualquer situação, quando o fiador aderir expressamen- te à prorrogação da relação ex locato seja por novo prazo certo, seja por tempo indeterminado.
Não se pode negar que a lei manda interpretar restritivamente a fiança, por se tratar de contrato natu- ralmente benéfico (novo Código Civil, art 819, equivalente ao art. 1.483 do antigo Código). Porém, a regra legal não quer que, por meio de interpreta- ção analógica ou ampliativa, a fiança venha a alcançar hipóteses que a vontade negocial de fato não tenha previsto45.
A vedação à interpretação ex- tensiva não autoriza o juiz a despre- zar o que, expressa e claramente, as partes estipularam acerca da duração e prorrogação da fiança. O intérprete não poderia eventualmente prorrogar a fiança além do único termo ajusta- do entre as partes, à base de argu- mentos analógicos ou extensivos. Não se presta, porém, a interpreta- ção restritiva a modificar a conven- ção nem, obviamente, a eliminar de seu contexto o que, efetivamente, foi querido pela vontade negocial dos contratantes.
Para o juiz recusar eficácia à alguma convenção expressa do con- trato de fiança, ela teria de ser nula. E, realmente, é o que fazem alguns acórdãos, para os quais não seria a interpretação restritiva, mas a nulida- de de pleno direito que retiraria o efeito da cláusula de prorrogação automáti- ca da fiança, além do prazo inicial da locação e até a restituição das cha- ves do locador. Diz-se, em tais arestos, que a cláusula assim esta- tuída, importaria renúncia de direito indisponível, eternizando a fiança, e, por isso, tornar-se-ia cláusula abu- siva. Daí sua nulidade absoluta46.
Há, data venia, dois equívo- cos nesse raciocínio: em primeiro lugar, porque obrigação de prazo indeterminado não é obrigação per- pétua, pois sempre haverá a possi- bilidade legal de interrompê-la me- diante denúncia; segundo, porque, sendo a cláusula autorizada por lei, jamais poderá ser qualificada de abusiva.
Por ter o Superior Tribunal de Justiça assentado, na Súmula n. 214, que o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu, alguns acórdãos têm utilizado esse entendimento para invalidar a cláusula negocial (e até mesmo legal) da persistência da fiança sempre que o contrato locatício se submeter a prorrogação legal ou convencional e o fiador não tenha expressamente
aderido à prorrogação.
A renúncia ao direito de exer- cer a faculdade de exonerar-se da fian- ça tornada sem prazo certo pode ser averbada de ineficaz. O direito de pôr fim, por resilição unilateral, aos con- tratos continuativos de duração indeterminada, é indisponível porque afeta a garantia de liberdade indivi- dual, como reconhece a doutrina e jurisprudência, de maneira categóri- ca. A perpetuação do vínculo obri- gacional, contra a vontade da parte, implica servidão, que o Direito moder- no não tolera.
A nulidade, todavia, é da re- núncia à liberdade exonerativa, e não do ajuste de prorrogação da fiança por tempo indeterminado. Vale dizer: malgrado a convenção em sentido contrário, o fiador continuará detendo o direito de, a qualquer tempo, de- nunciar a fiança. Responderá, contu- do, por ela enquanto não promover sua resilição47.
Por outro lado, para ter-se como abusiva uma contratação, é necessário que tenha sido praticada de modo a exceder manifestamente os limites impostos ao direito exerci- do pelo seu fim econômico ou social (art. 187 do novo Código Civil). Se a cláusula simplesmente transplanta
para o contrato o que consta de pre- visão expressa da lei, não há como pensar-se em abusividade. Se há norma legal, justamente para a hipó- tese de fiança em contrato de loca- ção, autorizando sua instituição para vigorar até a restituição do imóvel ao locador, inviável é pensar-se em qual- quer tipo de abusividade numa con- venção que simplesmente se vale de uma opção legal instituída especifi- camente para a hipótese em questão. Há, no Código Civil italiano,
uma regra claríssima para situações desse jaez: Non sono vessatorie le clausole che riproducono disposizioni di legge (art. 1.469-ter, n.3). Procla- ma a referida Súmula n. 214 do STJ que o fiador na locação não respon- de por obrigações resultantes de adi- tamento ao qual não anuiu. Esse enunciado sumular não cogitou de prorrogação do contrato, que não de- corre de aditamento, deflui da própria lei. Nem se referiu, obviamente, a pror- rogações já previstas na convenção inicial das partes.
Embora se lavre algum docu-
mento para registrar a prorrogação, em tais circunstâncias, o efeito da extensão do vínculo contratual é sim- ples consectário daquilo que, desde a origem, haviam ajustado os contra- tantes. A estipulação de que a fiança perduraria até a entrega das chaves, e não apenas durante o prazo certo de início avançado, decorre do pró- prio contrato de fiança. Não se pode condicionar sua eficácia à assinatura do fiador no aditivo de prorrogação, porque já convencionado se achava que assim duraria a fiança. Impossí- vel, destarte, exonerar automatica- mente o fiador, em tais circunstâncias, por falta de anuência à prorrogação. Essa anuência já fora dada nos pró- prios termos da fiança e o fora em condições de validade inconteste porque autorizada por norma legal expressa (Lei do Inquilinato, art. 39). Não pode ser subtraído do fia-
dor a faculdade de, após a transfor-
mação do contrato de prazo certo para prazo indeterminado (até a en- trega das chaves), exonerar-se me- diante notificação resilitória, nos ter- mos do art. 835 do novo Código Civil (art. 1.500 do antigo Código Civil).
Essa exonerabilidade é legíti- ma e irrecusável e não pode ser su- primida por convenção, como já se demonstrou48. A fiança, contudo, vi- gorará durante a prorrogação por pra- zo indeterminado da locação, enquan- to não utilizar o fiador do expediente liberatório do art. 835 do novo Códi- go Civil.
Esse mecanismo de exonera- ção está previsto na Lei de Inquilinato, quando, no art. 40, se impõe ao loca- tário apresentar novo fiador sempre que se dê a exoneração do fiador (pri- mitivo) (inc. IV) ou se verifique a pror- rogação da locação por prazo indeter- minado, sendo a fiança ajustada por prazo certo (inc. V).
Há dois caminhos, portanto, para o fiador evitar a perpetuação in- desejável da garantia fidejussória prestada em contrato locatício:
a) estipular expressamente um prazo certo para a vigência da fian- ça, caso em que esta se extinguirá a seu termo, mesmo que a locação se prorrogue (Lei do Inquilinato, arts. 39 c/c 40, V);
b) exercer, após a prorrogação por prazo indeterminado, a faculda- de legal de denúncia da fiança, me- diante notificação ao locador (Lei do Inquilinato, art. 40, IV, c/c art. 835 do Código Civil de 2002).
A Súmula n. 214 do STJ não atrita, de forma alguma, com o que se acaba de expor. Na verdade, ela diz respeito às inovações convencio- nais introduzidas no contrato de lo- cação por ajuste entre locatário e lo- cador, sem a anuência do fiador.
Com efeito, o enunciado sumu- lar invoca justificativas em nove pre- cedentes da Quinta e Sexta Turmas do STJ49, todos relacionados com aditivos inovadores do teor do contra- to locatício e não com simples prorro- gações legais ou autorizadas por cláu- sula do próprio negócio afiançado.
No primeiro precedente, a hi- pótese foi de reajuste extracon- tratual50; no segundo, ação revisional de aluguel51; no terceiro, novação52; no quarto, ação revisional para au- mentar o aluguel53; no quinto, nova- ção do contrato locatício54; no sexto, majoração de aluguel em pacto adi- cional55; no sétimo, acordo para majoração de aluguel56; no oitavo, pacto adicional de moratória57; e no nono, acordo de alteração con- tratual58.
A Súmula n. 214, portanto, espelha orientação jurisprudencial fir- mada para situações de pactos de natureza novativa, realizados no âm- bito do relacionamento entre locador e locatário, sem a presença ou con- sentimento do fiador. O caso não en- volve o art. 39 da Lei do Inquilinato, nem considera inválido o pacto de fiança a perdurar durante prorrogação da locação por prazo indeterminado, previsto no contrato primitivo. O enun- ciado da Súmula n. 214 foi inspirado na regra do art. 1.006 do antigo Códi-
go Civil (art. 366 do novo Código Ci- vil), que instituiu a exoneração do fia- dor pela novação feita sem seu con- senso com o devedor principal.
A extinção da fiança, tal como prevista na referida Súmula, não pro- veio de prorrogação do contrato locatício por tempo indeterminado. Deveu-se simplesmente a novações, que instituíram obrigações novas (majorações de aluguel fora dos pa- drões previstos no contrato afiança- do) sem o assentimento do fiador.
Segundo Xxxxx xxx Xxxxxx: os fiadores respondem pelos reajustes contratuais ou legais do aluguel, não pelas diferenças do locativo que de- corram da sua revisão judicial, em demanda para a qual não foram inti- mados. É que os reajustes podem ser exigidos dos fiadores, seja porque previstos no contrato, do que eles ti- nham ciência, seja porque legais, não podendo, pois alegar ignorância a respeito. Já os valores que sejam conseqüência de sentença judicial em processo do qual não participaram, nem ciência tiveram, não se lhes po- dem exigir. Por igual, os fiadores não são responsáveis por aumentos de locativos previstos em novos contra- tos ou aditamentos contratuais dos quais não participaram59.
Foi justamente essa doutrina
acerca dos aditamentos contratuais inovativos que inspirou a Súmula n. 214 do STJ, e não o simples fato de o contrato locatício passar do regime do prazo determinado para o indeter- minado.
5 JURISPRUDÊNCIA DO STJ POSTERIOR À SÚMULA n. 214
Sob invocação da Súmula n. 214, a Terceira Seção do STJ, em sucessivos embargos de divergên- cia, tem decidido que:
a) a obrigação decorrente da fiança locatícia deve se restringir ao prazo originalmente contratado, descabendo se exigir do garantidor o adimplemento de débitos que pertinem ao período de prorrogação da locação, à qual não anuiu, conso- ante a regra dos arts. 1.003 e 1.006 do Estatuto Civil60;
b) a prorrogação do contrato sem anuência dos fiadores não os vincula, sendo irrelevante, acrescen- te-se, a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fia- dor até a efetiva entrega das chaves, bem como aquela que pretenda afas- tar à disposição inserta no art. 1.500 do Código Civil61.
Há dois aspectos técnicos a ressaltar nessa jurisprudência, a sa- ber:
a) Quando se invocam os arts.
1.003 e 1.006 do antigo Código Civil (arts. 364 e 366 do novo Código Ci- vil), a posição do STJ é de meridiana clareza: se houve novação e dela não participou o fiador, exonerado fica ele da garantia prestada62. A conseqüên- cia legal é que dita novação, estra- nha ao fiador, extingue a fiança, na forma do art. 364 do novo Código Ci- vil (art. 1.003 do antigo Código Civil)63;
b) Quando, porém, o caso não
for de novação, mas de simples pror- rogação, já prevista na pactuação ori- ginal da locação e da fiança, não se vê como liberar o fiador pelo simples fato de ter sido cumprida a cláusula de prorrogação.
A jurisprudência do STJ deve ser entendida, mediante uma neces- sária distinção: há casos nos quais simplesmente se prevê que a fiança durará até a entrega das chaves; e há outros em que o contrato de fian- ça já prevê expressamente sua dura- ção na hipótese de prorrogação legal ou convencional.
Quando apenas se estipulou que a fiança duraria até a entrega das chaves, a garantia prevalecerá den- tro do prazo certo estipulado no con- trato. Se houver prorrogação e a ela não anuir o fiador, a garantia fide- jussória se extinguirá no termo do pra- zo original do contrato, sem embargo da cláusula de vigência até a entrega das chaves. Isso tem sido reitera- damente assentado pelo STJ, em ju- risprudência unânime da Terceira Se- ção.
Contudo, se o contrato não se limitar à estipulação genérica de en- trega das chaves e contiver cláusula explícita de garantia futura para as prorrogações legais e convencionais, e não apenas menção à entrega das chaves, não há como negar validade a semelhante ajuste. A fiança é contratável não apenas para obriga- ções atuais, mas também para as “dívidas futuras”, como prevê o art. 821 do novo Código Civil (art. 1.485 do Código Civil de 1916)64.
O argumento de que o fiador
não pode, contra sua vontade, per- manecer indefinidamente obrigado65 é correto. Não conduz, todavia, à ir- remediável extinção da fiança pelo simples fato de ter ocorrido a prorro- gação do contrato de locação por pra- zo indeterminado. O remédio contra a indesejável perpetuidade da fiança não é a sua nulidade na espécie, é apenas a sua submissão à faculda-
de legal de exoneração prevista no art. 835 do novo Código Civil (art.
1.500 do Código Civil de1916).
Não se pode impedir a exone- ração do fiador, nas prorrogações do contrato por prazo indeterminado, mediante prévia renúncia aos benefí- cios do art. 1.500 do antigo Código ou 835 do novo Código Civil66. A re- gra em questão protege um direito fundamental que seria ofendido caso se tornasse perpétua a vinculação do fiador de uma locação que tenha sido prorrogada por tempo indetermi- nado67.
O efeito, porém, da prevalência dos artigos acima mencionados não acarreta a nulidade da prorrogação da fiança, que subsistirá até que o fia- dor exerça a faculdade da exonera- ção, cuja eficácia será ex nunc e não ex tunc.
6 CONCLUSÃO
A maior parte das divergências jurisprudenciais em torno da prorro- gação do contrato locatício assegu- rado por fiança decorre da não-dis- tinção entre os fenômenos da extinção (ex lege) e da exoneração (ex voluntate) da garantia.
Não há nulidade da cláusula negocial que preveja a superveniência de prorrogação legal ou convencional da locação, ficando desde logo o fia- dor responsável pelas obrigações do locatário relativas ao novo período de ampliação da vigência contratual. É válida a fiança tanto para as dívidas atuais como para as dívidas futuras do novo Código Civil, art. 821.
A previsão de responsabilida- de do fiador até a restituição do imó- vel ao locador (entrega das chaves) não prevalece, segundo a atual juris- prudência do STJ (Terceira Seção), senão durante o prazo certo estatuído no original pacto locatício. Para que se estenda às renovações ou prorro- gações oriundas de aditamento contratual entre inquilino e senhorio, é necessária a anuência expressa do fiador. Não basta, para esse efeito, a simples inserção de cláusula de res- ponsabilidade até a entrega das cha- ves.
O art. 39 da Lei do Inquilinato
opera plenamente dentro do prazo determinado (ou não) estipulado ori- ginalmente no contrato de locação. Para aplicar-se após exaustão de tal prazo, ter-se-á de verificar os termos da convenção. A norma do art. 39 deverá se harmonizar com os termos do contrato a serem observados após o vencimento do prazo primitivo. Não
O argumento de que o fiador não pode, contra sua vontade, permanecer indefinidamente obrigado é correto. Não conduz, todavia, à irremediável extinção da fiança pelo simples fato de ter ocorrido a prorrogação do contrato de locação por
prazo indeterminado. O remédio contra a indesejável perpetuidade da fiança não é a sua nulidade na espécie, é apenas a sua submissão à faculdade legal de exoneração prevista no art. 835 do novo Código Civil (art. 1.500 do Código Civil de 1916).
havendo convenção expressa sobre a vigência da fiança além do prazo do contrato primitivo, a simples de- claração de responsabilidade do fia- dor até a entrega das chaves não mantém a fiança indefinidamente. Essa parece ser a atual sinalização da jurisprudência do STJ (Terceira Seção).
Operada a prorrogação legal ou convencional da locação e passan- do a vigorar por prazo indeterminado, a fiança, quando também prorroga- da, ficará sujeita à exonerabilidade voluntária assegurada pelo art. 1.500 do antigo Código Civil (art. 835 do novo Código Civil).
Ineficaz é a cláusula de renúncia prévia aos favores nos men- cionados artigos, por força da garan- tia fundamental de liberdade indivi- dual, que não condiz com vinculação obrigacional perpétua, em temas como o da fiança68. Daí a irrenun- ciabilidade do direito de exoneração da fiança prestada sem predeter- minação de tempo69.
Configurada a situação de exonerabilidade e exercendo o fia- dor a sua faculdade liberatória, cabe- rá ao locador o direito de exigir do inquilino novo fiador, sob pena de re-
solução do contrato (Lei n. 8.245/91, art. 40, inc. IV).
Não me parece, data venia, merecedora de apoio a tese de que seria desprovida de validade a con- venção que expressamente estabe- leça a continuidade da fiança na hi- pótese de prorrogação da locação por tempo indeterminado70. Isso porque o Código Civil consagra a possibili- dade de fiança por dívida futura e de duração indeterminada. Desde que se preveja essa prorrogação da ga- rantia fidejussória de maneira clara e precisa, não há razão para negar-se efeito à avença. Cria-se, na espécie, um contrato de garantia de prazo indeterminado, cuja vigência persis- tirá enquanto não se der a denúncia de que trata o art. 835 do novo Códi- go Civil.
Não há, outrossim, incompati-
bilidade entre o art. 39 da Lei de Inquilinato e o art. 835 do novo Códi- go Civil. Prorrogado o contrato locatício por prazo indeterminado, a fiança também se prorrogará por pra- zo indeterminado. Durante essa nova etapa da garantia, surgirá para o fia- dor, no entanto, a faculdade de de- nunciar, com efeito ex nunc, o contra- to de fiança, da mesma maneira que qualquer das partes do contrato de locação de prazo indeterminado pode rompê-lo.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. 373.415-0, Rel.
Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, ac. un. de 26/ 11/2002.
2 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. 371.573-9, Rel.
Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, ac. un. de 12/ 11/2002.
3 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. 365.293-9, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxx, ac. un. de 27/8/2002. 4 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 361.141-4, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, ac. un. de 4/6/2002. No mesmo sentido: TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 362.857-1, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxx, ac. un. de 20/8/ 2002.
5 TAMG, 1ª Câm. Cív., Ap. 358.060-9, Rel.
Juiz Gouvêa Rios, ac. p/ maioria de 07/5/ 2002. No mesmo sentido: TAMG, 3ª Câm. Cív., Ap. 370.697-0, Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, ac. un. de 30/10/2002.
6 TAMG, 5ª Câm. Cív., Ap. 372.077-6, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. não-unânime, de 31/10/2002.
7 TAMG, 6ª Câm. Cív., Ap. 380.078-8, Rel.
Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, ac. un. de 12/ 12/2002.
8 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 345.846-4, Rel.
Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, ac. un. de 26/ 02/2002. Não havendo exoneração da fiança, persiste a obrigação dos fiadores até a data de imissão do locador na posse do imóvel (TAMG, 3ª Câm. Cív., Ap.
363.851-3, ac. p/ maioria de 18/9/2002, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. No mesmo sentido: TAMG, 7ª Câm. Cív., Ap. 367.403-3, Rel. Juiz Unias Silva, ac. un. de 29/8/2002).
9 TAMG, 3ª Câm. Cív., Ap. 363.851-3, ac.
por maioria de 18/9/2002, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. No mesmo sentido: TAMG, 7ª Câm. Cív., Ap. 367.403-3, Rel.
Juiz Unias Silva, ac. un. de 29/8/2002.
10 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 352.521-3, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. un. de 8/10/2002. 11 TAMG, 5ª Câm. Cív., Ap. 360.049-1, Rel.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, ac. 2/5/2002. No mesmo sentido, ou seja, da nulidade da cláusula: TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 356.180-8, Rel. Juiz Alvimar de Ávila, ac. un. de 06/3/2002.
12 TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 355.840-5, Rel.
Juiz Alvimar de Ávila, ac. un. de 13/5/2002; e, ainda, TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 370.085-0, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxx, ac. un. de 25.09.2002; TAMG, 5ª Câm. Cív.,
Ap. 366.318-5, Rel. Juiz Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, ac. un de 22/8/2002; TAMG, 5ª Câm. Cív., Ap. 371.054-9, Rel. p/ ac. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, ac. por maioria de 14/11/2002; TAMG, 6ª Câm. Cív., Ap.
363.233-5, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, ac. por maioria de 29.08.2002; TAMG, 7ª Câm. Cív., Ap. 352.361-1, Rel. p/ ac. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, ac. por maioria de 25.04.2002; TAMG, 7ª Câm. Cív., Ap.
359.998-2, Rel. Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, ac. não-unânime de 25/04/ 2002; TAMG, 7ª Câm. Cív., Ap. 377.663-
2, Rel. Juiz Unias Silva, ac. não-unânime de 12/12/2002
13 TAMG, 3ª Câm. Cív., Ap. 363.851-3, Rel.
Xxxx Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, ac. por maioria de 18/9/2002.
14 TAMG, 3ª Câm. Cív., Emb. Infr. na Ap. 357.913-1/01, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, ac. por maioria de 18/12/2002.
15 TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 368.065-7, Rel.
Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, ac. un. de 25/9/ 2002; TAMG, 6ª Câm. Cív., Ap. 373.846-
5, Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, ac. un. de 7/11/2002.
16 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 364.810-6, Rel.
Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx, ac. un. de 26/ 11/2002.
17 TAMG, 2ª Câm. Civ., Ap. 364.878-8, Rel.
Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, ac. un. de 26/ 11/2002. No mesmo sentido: TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 366.745-2, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, ac. un. de 26/11/2002.
18 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 373.706-6, Rel.
Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, ac. un. de 10/12/2002. No mesmo sentido: TAMG, 3ª Câm. Cív., EDcl. na Ap. 281.719-6/01, Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, ac. un. de 6/2/2002.
19 TAMG, 3ª Câm. Cív., Ap. 350.171-5, Rel.
Juíza Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, ac. un. de 21/8/2002.
20 TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 358.258-9, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. un. de 10/4/2002. 21 TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 362.199-4, Rel.
Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, ac. não- unânime de 7/8/2002.
22 TAMG, 6ª Câm. Cív., Ap. 361.806-0, Rel.
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. de 27/6/ 2002.
23 XXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Droit Civil. Les
obligations. 6. ed. Paris: Dalloz, 1996. p. 241.
24 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, n. 131, p. 170.
25 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 3, p. 90.
26 XXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. op. cit., p. 241.
27 XXXXXX, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxxxx. Obligations. Contrato. 5ème. ed. Paris: Litec, 1995. v. 2, p. 501-502.
28 XXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx, op. cit., p. 241.
29 Les contrats conclus sans détermination de durée supposent toujours le pouvoir de s’en dégager unilatéralement (XXXXXX, Xxxxx, XXXXXX, Xxxxx, XXXXX, Xxxxxxx. op. cit., p. 501).
30 XXXXX, op. cit., p. 186.
31 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx xx. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 69- 70.
32 PEREIRA, op. cit., v. 3, p. 92.
33 Segundo a concepção dominante do mercado, cristão e liberal, a precedência da liberdade pode ser limitada apenas em nome da própria liberdade (XXXXX, Xxxx. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 267).Uma Uma
34 PEREIRA, op. cit., v. 3, n. 213, p. 92.
35 XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 70.
36 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Da locação do imóvel urbano: direito e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 63.
37 Idem.
38 Idem.
39 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Lei do inquilinato comentada. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 168.
40 XXXXX, op. cit., p. 438.
41 Em princípio, a denúncia não precisa ser justificada. Meio lícito de pôr termo ao contrato por tempo indeterminado, sabem as partes que, em qualquer momento, pode ser desfeito mediante simples declaração unilateral de vontade (XXXXX, Xxxxxxx, op. cit., n. 145, p. 186).
42 PEREIRA, op. cit. , p. 92.
43 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p. 361.
44 No novo sistema, o período de sessenta dias posterior à notificação tem a finalidade de manter hígida a garantia por esse período e, entrementes, permitir que o credor obtenha novo fiador, com ou sem concurso do devedor, dependendo do que dispuser o contrato garantido (XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 3, p. 422).
45 A regra do art. 819 do CC-2002, que repete o art. 1.483 do CC-1916, é a seguinte: A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.
46 TAMG, 2ª Câm. Cív., Ap. 352.521-3, Rel.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. de 8/10/2002; 5ª Câm. Cív., Ap. 360.049-1, Rel. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, ac. 2/05/2002; TAMG, 4ª Câm. Cív., Ap. 356.180-8, Rel. Juiz Alvimar de Ávila, ac. de 6/03/2002.
47 Dispõe o CC-2002, no art. 835, que substituiu o art. 1.500 do CC-1916 que o fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo,
sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 60 (sessenta) dias após a notificação do credor.
48 Não há que se admitir a renúncia prévia ao direito de exonerar-se o fiador da garantia, pois ninguém pode renunciar previamente direito potestativo (VENOSA, op. cit., v. 3, p. 423).
49 STJ, REsps 34.981-7/SP, 50.437-0/SP,
61.947-0/SP, 62.728-0/RJ, 64.019-9/SP,
64.237-0/SP, 74.859-0/SP, 90.552-0/SP e
151.071-0/MG, todos do período compreendido entre 1995 e 1997.
50 REsp 34.981-7/SP.
51 REsp 50.437/SP.
52 REsp 61.947/SP.
53 REsp 62.728/RJ.
54 REsp 64.019/SP.
55 REsp 64.273/SP.
56 REsp 74.859/SP.
57 REsp 90.552/SP.
58 REsp 151.071/MG.
59 XXXXXX, Xxxxx dos. Locação e despejo.
4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 204.
60 XXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxx. Div. no REsp 302.209/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, ac. un. de 23/10/2002, DJU 18/11/2002. No mesmo sentido: STJ, Emb. Div. no REsp 255.392/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, ac. 09.05.2001, DJU 17.09.2001. No mesmo sentido: STJ, Emb. Div. no REsp. 255.392/GO, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, ac. un. de 9/5/2001, DJU 17/9/2001; STJ, Emb. Div. no REsp 67.601/SP, Rel. Min. Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, DJU 29/6/98.
61 XXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxx. Div. no REsp, 255.392/GO, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, ac. de 9/5/2001, DJU 17/9/ 2001. No mesmo sentido: STJ, Emb. Div. no REsp 302.209/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, ac. 23/10/2001, DJU 18/11/2002.
62 Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem o seu consenso com o devedor principal (CC-2002).
63 Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário (CC- 2002).
64 Art. 821. As dívidas futuras podem ser objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líqüida a obrigação do principal devedor.
65 XXX, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxx. Div. no REsp 67.601/SP, DJU 29/06/1998.
66 A cláusula de validade da fiança “até a entrega das chaves”, não pode ser interpretada como um beco sem saída para o fiador, único a não poder dar por xxxxx a locação e único a dela não extrair qualquer proveito. Por isso, essa cláusula não implica em renúncia absoluta à faculdade de exoneração da fiança, prevista no art.
1.500 do Código Civil (STJ, 5ª T., REsp. 45.214-7/SP, Rel. Min. Assis Toledo, ac. 11/05/94, DJU 30/5/94).
67 A locação que por tempo determinado se transformou em locação por tempo indeterminado, ainda que o contrato contenha previsão de responsabilidade que deva subsistir até a entrega das chaves, ou mesmo cláusula de renúncia à facul- dade do art. 1.500 do CC (de 1916), não perpetua a obrigação do fiador, podendo mesmo exonerar-se da obrigação, com
base no citado artigo, do contrário resultaria incompatível com os princípios gerais do direito (...) considera-se nula a cláusula contratual que estabelecer a renúncia do fiador ao direito assegurado pelo art. 1.500 do CC (2º TACivSP, 2ª C., Ap., 155.380,
Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, ac. 18/4/83, JTACSP-RT, 85/232, apud XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Da locação do imóvel urbano cit., p. 252).
68 Segundo posição atual do STJ, passando a vigorar o contrato de locação por tempo indeterminado, não se pode desacolher ação de exoneração intentada pelo fiador, com base no art. 1.500 (CC-1.916), sendo irrelevante, na hipótese, para delimitar a duração da garantia, cláusula prevendo a obrigação do fiador até a entrega das chaves, ou ainda que tenha ocorrido renúncia ao direito de exonerar-se da garantia (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp. 457.667/SP, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx, ac. un. de 10/12/2002, DJU 24/2/2003).
69 Após o termo final previsto para o contrato de locação, o fiador pode se desonerar, com fundamento no art. 1.500 do Código Civil (de 1916), embora tenha assumido a responsabilidade até a efetiva entrega das chaves. (2º TACivSP, Inc. de Unif. de Jurisp. na Ap. 471.943-01, Rel. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, ac. 3/6/1997. In: XXXXXX, Xxxxx dos. Locação e despejo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.205). Não possui valor jurídico algum a cláusula contratual de renúncia à exoneração da fiança quando condicionada à imple- mentação da prorrogação da avença locatícia por prazo determinado, posto que a ninguém é dado renunciar antecipa- damente um direito do qual ainda não é titular (2º TACivSP, 9ª C., Ap. 484.958-00, Rel. Juiz Ferraz de Arruda, ac. 15/03/2000, in Ementário 10/2000, DOE 9/6/2000, p. 140, apud XXXXXX, Gildo dos. Locação e despejo cit., p. 205).
70 Na fiança, o garante só pode ser respon- sabilizado pelos valores previstos no contrato a que se vinculou, sendo irrelevante, na hipótese, para se delimitar a duração da garantia, cláusula contratual prevendo a obrigação do fiador até a entrega das chaves (STJ, Quinta Turma, REsp. 503.594, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx, ac. 27/5/2003, DJU 30/6/2003, p. 309).
Artigo recebido em 5/1/2004.
ABSTRACT
The author examines the effects of the lease contract’s extension on the bail bond, as well as he asserts that there are a lot of divergences between the judgements of the Special Jurisdiction Appelate Court of Minas Gerais, which turns the jurisprudence into an indefinite and hesitant one.
He deals with the indeterminate term contract’s extinguishment, for it is inadmissible to force someone to subject himself to perpetually make payments to someone else. In this case, he includes the lease and the bail bond.
He analyses the extent of the Abridgment of Law n. 214 of the Superior Court of Justice (STJ), making it compatible with the
article 39 of the Lease Law, concerning the lease’s legal extension and its effects. The mentioned article carries on entirely within the determined (or not) period, which is originally stipulated on the lease contract.
KEYWORDS – Bail bond; lease; extension; period; Civil Code; Abridgment of Law n. 214 – STJ; Lease Law – article 39.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx é Professor Titular de Direito na Universidade Fede- ral de Minas Gerais, Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e advogado.