TEXTO PARA DISCUSSÃO
TEXTO PARA DISCUSSÃO
No. 499
Matching e determinação de contratos nas micro empresas no Brasil
Xxxxx X. X. Xxxxxxxx Xxxxxxx X. Assunção
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA PUC-RIO
TEXTO PARA DISCUSSÃO No. 499
MATCHING E DETERMINAÇÃO DE CONTRATOS NAS MICRO EMPRESAS NO BRASIL
XXXXX X. X. XXXXXXXX XXXXXXX X. ASSUNÇÃO
FEVEREIRO 2005
Matching e Determinação de Contratos nas Micro Empresas no Brasil
Joana C.M. Monteiro xxxxx@xxxx.xxx-xxx.xx
Xxxxxxx X. Assunção xxxxxxx@xxxx.xxx-xxx.xx
Departamento de Economia – PUC-Rio Rua Marques de São Vicente, 225 – Gávea 22453-900 – Rio de Janeiro, RJ
Fone: (00) 0000-0000
Fax: (00) 0000-0000
Resumo
Este trabalho investiga a associação (matching) entre características observáveis dos empregados e seus empregadores e seus efeitos sobre os contratos de trabalho. Utilizando a base de dados da Economia Informal Urbana (ECINF) do IBGE sobre micro negócios no Brasil foram encontradas evidências da existência de matching: os proprietários das firmas contratam trabalhadores com o mesmo sexo, faixa etária e nível educacional que o seu, mesmo controlando para a atividade exercida. Além disso, há evidências de que essa combinação afeta a escolha do contrato de trabalho. Empregadores e empregados com características semelhantes preferem contratos de remuneração por peça ou tarefa.
Palavras-chave: associação endógena, contratos de trabalho, micro empresas
Abstract
This paper explores the ECINF database, a survey conducted by the Brazilian Census Bureau that investigates micro-enterprises in Brazil. The linked employer- employee nature of the data was used to study the issue of matching between employers and employees. The results indicate the presence of matching in the labor contracts. There is evidence that employers tend to contract workers with the same gender, age and educational level. Moreover, it is shown that this matching affects the contract form. People with the similar characteristics prefer share contracts.
Keywords: assortative matching, contracts, micro enterprise
JEL classification: J41, J23, J33
1. Introdução
Apesar da literatura sobre os determinantes teóricos dos contratos de trabalho estar bastante desenvolvida, ainda restam significativos desafios empíricos que necessitam superação e têm merecido atenção de alguns economistas nos últimos anos. A possibilidade de uma relação sistemática entre características do contratante (principal) e contratado (agente) constitui uma destas questões principais, especialmente quando se trata de características não observadas pelo econometrista e que afetam o desenho do contrato. Esta relação pode ser o resultado do que a literatura tem denominado associação endógena de características (endogenous matching). [Chiappori e Salanié (2000)]
Inúmeros motivos podem levar à existência de uma associação sistemática entre agentes econômicos. A associação pode ser tanto entre características semelhantes (positive assortative matching), quanto entre características opostas (negative assortative matching) [Becker (1973)].
Por exemplo, um principal com maior capacidade de monitoramento ou de medição da produção tende a se combinar com agentes com maior aversão ao risco, mais restritos a crédito e com maior custo de esforço, pois os dois preferirão estabelecer uma remuneração por xxxxxxx fixo [Xxxxxxxxx e Botticini (2002)]. Macours et al (2001) encontram evidências de associação positiva entre proprietários de terra e arrendatários: os proprietários preferem arrendar sua terra a arrendatários com o mesmo padrão de vida e que vivem no mesmo círculo social.
Questões de seguro também podem ser importantes na combinação entre agentes, apontando para outra direção. Analisando a formação de grupos solidários para obtenção de microcrédito na Guatemala, Sadoulet e Carpenter (2001) encontram que os grupos são formados por pessoas com características diferentes, numa tentativa de diversificar risco e diminuir a probabilidade de inadimplência coletiva.
Este trabalho apresenta evidência empírica sobre duas questões: (i) sobre a ocorrência de uma combinação endógena entre as características dos proprietários de microempresas e de seus empregados; e (ii) sobre a influência dessa combinação na determinação de contratos. Para isso, utilizamos os dados da pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF) que investiga as unidades produtivas com até cinco empregados no Brasil e oferece uma grande oportunidade para se estudar a associação entre empregados e empregadores. A estrutura da ECINF possibilita o cruzamento de informações sobre as firmas, os proprietários e os seus empregados.
Os principais resultados são os seguintes. Primeiro, encontramos evidências substantivas da existência de uma associação endógena positiva: proprietários contratam trabalhadores com o mesmo sexo, faixa etária e nível educacional que o seu, mesmo após a introdução de uma série de controles, inclusive considerando a atividade do negócio. A ocorrência de matching com respeito às variáveis consideradas (educação, gênero e idade) é bastante robusta.
Segundo, encontramos uma relação significativa desta associação com o formato dos contratos daqueles empregados que não mantinham relações pessoais prévias com o empregador e dos contratos assinados por proprietários que operam há pouco tempo no mercado de trabalho local. Contratos entre partes semelhantes com respeito a educação e gênero tendem a promover uma divisão mais igualitária de risco.
Uma possível explicação para esse resultado remete à alocação eficiente de risco. Pessoas de mesmo sexo ou grupo educacional tendem a ter graus semelhantes de aversão ao risco, fazendo com que o contrato estabeleça um compartilhamento de risco. Ao estabelecer um contrato onde a remuneração do trabalhador é parcialmente condicionada ao seu desempenho ou à situação do negócio, o risco é de alguma forma repartido entre o empregado e o empregador. O melhor contrato para um empregado avesso ao risco seria o de salário fixo, uma vez que teria uma remuneração garantida independente do desempenho do negócio. Entretanto, contratos com salários fixos, cujo risco é totalmente absorvido pelo empregador, deixam de ser ótimos se o proprietário também é avesso ao risco. [Cheung (1969)]
Encontramos também alguma evidência a favor desta explicação. Proprietários que possuem outras fontes de renda, com maior capacidade de diversificação de risco, são mais propensos a assinar contratos com salário fixo com semelhantes. De forma semelhante, trabalhadores com carga horária baixa, para os quais o contrato de trabalho não constitui a fonte principal de recursos, tendem a assinar contratos mais vinculados a desempenho com proprietários semelhantes.
Os resultados apresentados pelo artigo só foram possíveis devido a peculiaridades do questionário da ECINF. Trata-se de uma pesquisa individual, rica em informações sobre o proprietário, o pessoal ocupado e a estrutura a produtiva, o que permite o controle para uma série de características que podem influenciar a escolha do contrato. Ademais, o trabalho traz indicações sobre a determinação dos contratos de trabalho nas pequenas firmas, que executam diversos tipos de atividades, mensuráveis ou não, algo muito pouco estudado na literatura econômica. Este trabalho está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção descreve a base de dados e a terceira avalia a existência da combinação endógena. A influência do matching sobre o desenho dos contratos é
testada na seção quatro. Por fim, a última seção apresenta as conclusões.
2. Base de dados
Este trabalho utiliza a base de dados Economia Informal Urbana (ECINF), coletada pelo IBGE em 1997, com o intuito de entender a dinâmica dos pequenos negócios no Brasil. A pesquisa foi realizada da seguinte forma. Primeiro, os pesquisadores foram até domicílios pré-selecionados e aplicaram um questionário simples, no qual perguntava-se a posição na ocupação de cada morador do domicílio e algumas características pessoais como gênero, idade e renda auferida. Para as pessoas que responderam que eram trabalhadores por conta-própria ou empregador com até cinco empregados, foi aplicado um segundo questionário. Esse segundo questionário era dividido em três partes: uma com informações sobre a firma, outra com perguntas sobre o proprietário e por fim uma parte sobre cada pessoa ocupada no negócio.
Dessa forma, é possível avaliar a relação entre as características do empregador e de seus empregados e controlar para a estrutura de produção e especificidades da atividade desenvolvida. Esse desenho faz com que essa pesquisa seja classificada pela literatura internacional como ‘linked employer- employee data’. Com esses três níveis de informações, é possível saber, por exemplo, o nível educacional do proprietário e de cada pessoa que trabalha no empreendimento, fatores de extremo interesse para a análise de matching, controlando para características da firma.
Para efetuar a análise foram feitos alguns ajustes. A base de dados foi organizada de forma que cada observação seja um empregado. Foram excluídos da amostra todos os indivíduos que responderam que tinham alguma relação de parentesco com o empregador. A exclusão de parentes foi feita por se acreditar que a relação de trabalho entre parentes e trabalhadores contratados é bem distinta, como é suposto em Feder (1985) e comprovado em Frisvold (1994).
A análise da existência de associação endógena foi feita através de variáveis binárias que indicam o gênero (igual a um quando é do sexo feminino) e o nível educacional dos empregados e dos empregadores. A informação sobre a educação dos indivíduos da ECINF é obtida através de uma variável categórica que indica se o indivíduo não tem instrução, possui primeiro grau incompleto, completo, segundo grau incompleto, completo ou ensino superior. Sendo assim, construiu-se uma variável indicadora que é igual a um quando o indivíduo não tem instrução ou tem o primeiro grau incompleto. A análise de combinação entre pessoas da mesma faixa etária foi feita com as variáveis originais da ECINF, que indicam a idade dos empregados e do empregador em anos.
Para se avaliar o tipo de contrato, utilizou-se a variável que informa sobre a base de pagamento do empregado, ou seja, indica se a remuneração do empregado é feita através de pagamento de salário fixo (por hora ou mensal), por xxxxxxx fixo mais comissão, por peça ou tarefa, por participação nas vendas, por retirada do sócio ou se o trabalhador é não remunerado. Como se está interessado na relação estrita e remunerada entre empregado e empregador, retirou-se da amostra todos os empregados que eram não remunerados ou recebiam como sócios. Criou-se, então, uma variável binária que é igual a zero quando o pagamento é independente do desempenho do trabalhador (salário fixo) e igual a um quando a remuneração contém algum estímulo à performance do empregado (xxxxxxx fixo mais comissão, por peça / tarefa ou participação nas vendas).
Dessa forma, a base utilizada contém 8.424 observações, onde cada observação é um empregado. A Tabela 1 mostra as estatísticas descritivas.
Pode-se observar que a relação entre homens e mulheres é maior entre os proprietários e que os proprietários são relativamente mais velhos e mais educados que seus empregados. Há um grande percentual de empregados sem instrução ou com no máximo primário incompleto: 46%. O mesmo percentual é de 27% para os proprietários. Sobre a base de pagamento, a maioria esmagadora dos empregados (80,4%) recebe um salário fixo.
3. Matching
O teorema de ‘assortative matching’ de Xxxxxx (1973) afirma que pessoas com características similares irão se associar se essas características forem complementares na produção de um bem comum (positive assortative matching) e que pessoas com características opostas se juntam se essas forem substitutas (negative assortative matching).
No contexto do mercado de trabalho, existem vários argumentos que apontam para a complementaridade de características similares. O primeiro é baseado na teoria de custos de transação - esses custos podem ser menores quando se contrata pessoas parecidas. Cornell e Xxxxx (1996), partindo do suposto que o custo de seleção de trabalhadores é menor para pessoas com as mesmas características e histórias pessoais, demonstram que os empregadores tendem a contratar pessoas semelhantes mesmo quando não possuem preferências claras
por indivíduos similares ou mesmo não acreditando que a qualidade entre os trabalhadores dos dois grupos seja diferente. A discriminação seletiva ocorreria porque os indivíduos se sentiriam mais capazes de distinguir entre trabalhadores ruins e bons numa população de pessoas com características similares às suas.
Um segundo argumento diz respeito a questões de monitoramento - o esforço de um semelhante pode ser mais facilmente monitorado ou determinado. Além disso, é possível argumentar que trabalhar com pessoas do mesmo sexo ou da mesma faixa etária pode evitar conflitos de interesses.
O primeiro exercício deste trabalho concentrou-se na identificação da existência de matching entre características observáveis dos proprietários da firma e seus empregados. Mais especificamente, avaliou-se a existência de matching entre pessoas com a mesma educação, sexo e idade. Nos três casos realizou-se o mesmo exercício: estimou-se a característica de interesse do empregado como função da mesma característica do empregador e mais uma série de controles.
A Tabela 2 mostra os resultados da estimação para as variáveis dependentes educação, sexo e idade. A primeira coluna mostra o resultado da regressão simples de educação, de forma a avaliar a correlação entre o nível educacional do empregado e do empregador. Na coluna seguinte, são utilizados controles para as características do proprietário, do empregado, características médias do pessoal ocupado na firma (idade média, sexo predominante entre a mão-de-obra, razão entre o número de familiares e o pessoal contratado, número de empregados e número de empregados com primeiro, segundo e terceiro grau), informações sobre a estrutura da firma (receita, patrimônio) e dummies de região geográfica. Na terceira coluna, foram acrescentadas dummies da atividade econômica desenvolvida pela firma (107 dummies). As colunas seguintes mostram os resultados do mesmo exercício para verificar a associação por gênero (colunas 4 a 6) e por idade (colunas 7 a 9).
Pode-se constatar que há uma associação significativa entre níveis educacionais semelhantes, sexo e idade. Mesmo com a inclusão de todos os controles, a correlação entre sexo, idade e educação do proprietário e do empregado continua elevada e significante a 1%. Note que a correlação persiste mesmo após a inclusão de 107 dummies para tipo de atividade econômica, o que demonstra que há um padrão de contratação de pessoas semelhantes que independe da atividade desenvolvida pela firma.
Portanto, a estimação revela que contratos de trabalho entre pessoas de nível educacional semelhantes são mais freqüentes em 21 pontos percentuais. O mesmo ocorre para contratos de pessoas de mesmo sexo, cuja freqüência é maior em 23 pontos percentuais, e pessoas com faixas etárias semelhantes.
4. Contratos
Uma vez detectado a existência de matching, o próximo passo é avaliar se o matching exerce alguma influência sobre a determinação de contratos. Xxxxxxxxx e Botticini (2002) demonstram que quando há incentivos econômicos para a existência de matching e há características que não são observadas plenamente pelo econometrista, as estimativas das equações de contrato ótimas podem ser viesadas. Dessa forma, qualquer análise empírica de determinantes do contrato que não considera esse tipo de efeito estaria sujeita a conclusões equivocadas.
Nesta seção, avaliamos se essa questão levantada por Xxxxxxxx e Botticini (2002) é relevante para a amostra em análise. O interesse é avaliar se a associação
entre empregados e empregadores do mesmo sexo, da mesma idade e do mesmo nível educacional influencia o tipo de contrato que eles estabelecem.
A coluna 1 da Tabela 3 apresenta os resultados da estimação da equação de contratos onde a variável dependente é igual a zero quando o trabalhador recebe salário fixo e igual a um quando a remuneração é atrelada ao desempenho, seja a produção ou a receita da firma (salário mais comissão, pagamento por peça/tarefa ou participação nas vendas). Foram utilizadas como variáveis de controle: as características do empregado,5 do empregador,6 características médias dos empregados da firma,7 características da firma8 e região geográfica. Incluiu-se, ainda, dummies de associação de educação, gênero e idade9 para avaliar se a associação identificada na seção anterior influencia a escolha do contrato.
A primeira coluna sugere que há um pequeno efeito, significativo a 10%, indicando que empregados e empregadores com mesmo nível educacional e gênero estabelecem contratos por desempenho. Entretanto, esse efeito desaparece quando controlamos para as 107 dummies de atividade econômica.
Porém, existem alguns fatores não observáveis que podem potencialmente afetar a escolha do contrato, para os quais a base de dados nos permite controlar. A seguir, apresentamos os resultados da regressão em subamostras que foram construídas com o intuito de filtrar alguns efeitos.
Primeiro, optamos por excluir da amostra todos os empregados que declararam ter entrado no trabalho através de relações pessoais (75% da amostra). A necessidade de utilizar o contrato para promover incentivos depende fundamentalmente da capacidade de monitoramento e punição do contratante. Essa capacidade pode ser diferente para indivíduos dentro e fora do círculo social dos proprietários e, portanto, produzir uma análise inconsistente da importância do matching para os contratos de trabalho.
Os resultados estão apresentados na coluna 3 da Tabela 3 e são significativos. Analisando-se somente os contratos estabelecidos por pessoas que não se conheciam antes de começarem a trabalhar juntas, encontra-se que o fato de ter o mesmo nível educacional aumenta em 40% (significativo a 1%) a ocorrência de contratos com remuneração atrelada ao desempenho. Os resultados apontam que tanto empregados e empregadores com primário incompleto, quanto empregados e empregadores com segundo grau ou ensino superior, preferem estabelecer contratos por peça ou tarefa.
Outro exercício na mesma direção é apresentado na coluna 4. Nessa regressão só foi considerado no cálculo proprietários que moram no município há dois anos ou menos, na tentativa de considerar apenas pessoas que têm pouco conhecimento do mercado de trabalho local e de sua mão-de-obra, conhecimento este que pode também afetar a escolha do contrato. Novamente, se o tempo de atuação no mercado local alterar a capacidade de monitoramento e punição do
5 Idade, gênero, nível educacional, se entrou no negócio através de relações pessoais e tempo que trabalha na firma.
6 Idade, gênero, nível educacional e se possui outro emprego.
7 Idade média, sexo predominante entre a mão-de-obra, razão entre o número de familiares e o pessoal contratado, número de empregados e número de empregados com primeiro, segundo e terceiro grau.
8 Patrimônio, receita, se possui licença municipal e se atividade é desenvolvida fora do domicílio do proprietário.
9 A dummy de educação é igual a 1 quando o proprietário e o empregado têm o mesmo nível educacional,9 a dummy de gênero indica se proprietário e empregado têm o mesmo gênero e a variariável indicadora de associação por idade indica se ambos tem a mesma faixa etária
contratante, isso pode ter efeitos importantes sobre a determinação do contrato. Os resultados também são fortes: o fato do empregado e do empregador terem o mesmo sexo está associado com uma maior (40%) ocorrência de contratos por desempenho.
Entender porque pessoas semelhantes em termos de nível educacional e gênero preferem contratos que remuneram o desempenho torna-se uma questão mais ambiciosa, que não é objeto de análise deste artigo. Uma possibilidade é que agentes mais parecidos tendem a ter preferências similares em relação ao risco, devendo estabelecer um tipo de contrato onde o risco seja mais compartilhado e não fique totalmente a cargo do empregador. A parcela de risco assumida pelo empregado irá depender da relação entre o seu nível de aversão ao risco e o grau de aversão de seu empregador [Cheung (1969)].
Com o objetivo de lançar alguma luz nesta direção, os exercícios das colunas 5 e 6 da Tabela 3 tentam avaliar se a influência do matching sobre a determinação de contratos varia de acordo com o grau de dedicação do proprietário e do empregador. Em princípio, trabalhadores (ou empregadores) que têm fontes de renda alternativas têm uma maior capacidade de diversificação de risco e, portanto, não precisam utilizar o formato de um contrato em específico para suavizar a renda ao longo do tempo. Por outro lado, aqueles que têm em um determinado contrato de trabalho a sua fonte de renda principal tendem a utilizar mais o formato desse contrato como forma de reduzir risco.
Começando com os proprietários, a coluna 5 apresenta os resultados para aqueles que possuem outro trabalho e, conseqüentemente, outra fonte de renda. Encontra-se que empregados e empregadores com mesmo nível educacional escolhem contratos de salário fixo com uma freqüência 3% maior. Nesse caso, o proprietário tem outra fonte de renda e, assim, outras alternativas para lidar com o risco inerente ao negócio. Sendo assim, mesmo se tiver aversão ao risco semelhante ao de seu empregado, ele poderia optar por assumir uma maior porção do risco desse contrato, uma vez que pode compensar a tomada de risco nesse negócio no outro trabalho.
A coluna 6 analisa o resultado simétrico a esse, tentando identificar o que acontecesse para trabalhadores com baixa carga horária, que dedicam menos de 20 horas semanais a esse empreendimento. Os resultados indicam que, para esses trabalhadores, ter a mesma faixa etária do proprietário aumenta em 22% as chances de estabelecer uma remuneração por desempenho. A evidência é na mesma direção dos resultados da coluna 5: quando os empregados só têm aquele trabalho como principal fonte de remuneração, eles acabam tendo que lidar com questões de risco naquele contrato e acabam por estabelecer uma forma de remuneração onde o risco está compartilhado.
Dessa forma, os resultados da Tabela 3 indicam que há uma influência da associação endógena de características de empregado e empregador sobre a determinação de contratos. Aparentemente, essa influência ocorre de modo que pessoas mais parecidas no que diz respeito a variáveis observáveis têm parâmetros de aversão ao risco semelhantes e por isso optam por um contrato onde o risco seja mais compartilhado.
5. Conclusão
Este trabalho avalia a existência de associação endógena entre empregados e empregadores por nível educacional, sexo e idade e investiga a influência dessa relação sobre a determinação de contratos. Encontram-se evidências de que há uma associação endógena positiva de sexo, idade e nível educacional. O resultado de que proprietários de firmas preferem contratar trabalhadores semelhantes com respeito a educação, gênero e idade resiste mesmo quando se controla para distintas estruturas produtivas e para as mais de cem atividades econômicas existentes na amostra.
Além disso, avalia-se a influência dessa associação sobre a escolha dos contratos de trabalho e encontra-se que a associação de nível educacional, gênero e idade afetam a escolha de contratos, havendo uma preferência por contratos que remuneram o desempenho. Aparentemente, esse resultado decorre de questões relacionadas à partição de risco. Se pessoas semelhantes em termos educação, gênero ou idade tendem a possuir níveis de aversão ao risco similares, contratos cuja remuneração está atrelada ao desempenho são preferidos por essas pessoas por proporcionarem uma divisão do risco mais igualitária entre empregado e empregador. De fato, encontramos alguma evidência que a existência de fontes alternativas de renda, e portanto outras possibilidades de diversificação de risco, afeta a relação entre essa associação de características e o formato do contrato de trabalho. Trabalhadores e proprietários que se dedicam a outras atividades são mais propensos a arcar com uma parcela maior de risco quando defrontados com semelhantes.
Enfim, esse trabalho constitui uma contribuição para a literatura empírica de contratos. Além de apresentar evidência sobre a existência de associação endógena de características de contratantes e contratados nas microempresas no Brasil, estima-se de forma indireta a importância do risco na determinação dos contratos de trabalho. A importância do risco na escolha de contratos é evidente na literatura teórica, mas de difícil verificação empírica devido às dificuldades de aferição da aversão ao risco, limitações que ainda persistem neste artigo.
Referências
Xxxxxxxxx, D. e Xxxxxxxxx, M. (2002). "Endogenous matching and the Empirical Determinants of Contract Form", Journal of Political Economy, 110 (3), 564-591.
Xxxxxx, X.X. (1973). "A Theory of Marriage: Part I", The Journal of Political Economy, 81 (4), 813-846.
Xxxxxxxxx, P.A. e Xxxxxxx, B. (2000). “Testing Contract Theory: a survey of some recent work”, invited lecture of World Congress of Econometric Society, agosto.
Xxxxxx, X. (1969). The Theory of Share Tenancy. Chicago: University of Chicago Press.
Cornell, B. e Xxxxx, X. (1996). “Culture, Information and Screening Discrimination”, Journal of Political Economy, 104 (3), 542-571.
Xxxxx, X. (1985). "The Relation Between Farm Size and Farm Productivity: the role of family labor, supervision and credit constraints", Journal of Development Economics, 18, 297-313.
Xxxxxxxx, X. (1994). “Does supervision matter? Some hypothesis using Indian farm-level data”, Journal of Development Economics, 43, 217-238.
Xxxxxxx, X., Xxxxxx, X. x Xxxxxxxx, X. (2001). "Matching in the Tenancy Market and Acess to Land", Departament of Agricultural and Resource Economics, University of California at Berkeley, mimeo.
Xxxxxxxx, X. x Xxxxxxxxx, S. (2001). "Endogenous Matching and Risk Heterogeneity: evidence on microcredit group formation in Guatemala”, mimeo.
Anexo
Tabela 1 – Estatísticas Xxxxxxxxxxx
Características da Força de Trabalho | ||
Empregados | Proprietário | |
Gênero | ||
Homens | 61,0% | 74,0% |
Mulheres | 39,0% | 26,0% |
Faixa de Idade | ||
Menos de 18 anos | 11,0% | 0,1% |
Entre 18 e 23 anos | 33,9% | 4,2% |
Entre 24 e 29 anos | 21,2% | 10,1% |
Entre 30 e 39 anos | 19,3% | 38,2% |
Entre 40 e 49 anos | 9,3% | 28,6% |
Entre 50 e 59 anos | 3,6% | 12,8% |
Mais de 60 anos | 1,8% | 6,1% |
Nível de instrução Sem instrução Sabe ler e escrever | 3,9% 6,8% | 1,9% |
1º grau incompleto | 35,8% | 25,1% |
1º grau completo | 18,7% | 11,4% |
2º grau incompleto | 12,5% | 6,4% |
2º grau completo | 17,8% | 27,7% |
Superior incompleto | 2,1% | 22,3% |
Superior completo | 2,3% | 5,1% |
Base de Pagamento | ||
Salário Fixo | 80,4% | |
Salário Fixo mais comiss | 10,1% | |
Por peça/tarefa | 8,1% | |
Participação nas vendas | 1,5% | |
Características das Firmas | ||
Receita Média | R$ 6.952 | |
Receita Mediana | R$ 3.631 | |
Xxxxxxxxxx Xxxxx | R$ 31.159 | |
Patrimônio Mediano | R$ 11.000 | |
Número de empresas com | ||
1 empregado | 2.083 | |
2 empregados | 2.122 | |
3 empregados | 1.700 | |
4 empregados | 1.368 | |
5 empregados | 1.144 | |
Número de empresas com maior parte da mão-de-obra Masculina 5.487 |
Feminina 2.937
Fonte: ECINF/IBGE
Tabela 2 – Associação Endógena
Tabela 3 – Equações de Contratos
Entrou no trabalho SEM ser por relações pessoais | Só proprietários que moram no município há 2 anos ou menos | Só proprietários que tem outro trabalho | Só trabalhadores cuja jornada é menor que 20 horas semanais | |||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
Nível educacional do proprietário é | ||||||
igual ao do empregado | 0.058* | 0.020 | 0.396*** | -0.048 | -0.035** | 0.109 |
Gênero do proprietário é igual ao do | ||||||
empregado | 0.066* | 0.016 | -0.000 | 0.403** | -0.024 | -0.090 |
Faixa de idade do proprietário é | ||||||
igual ao do empregado | 0.050 | 0.034 | -0.093 | 0.264 | 0.008 | 0.222** |
Nível educacional do proprietário (Até | ||||||
4 anos de estudo=1) | 0.070* | 0.056 | -0.203** | 0.184 | 0.014 | -0.000 |
Idade do proprietário Dummy de gênero do proprietário | -0.006*** | -0.005*** | -0.013*** | 0.009 | 0.001 | 0.001 |
(mulher=1) | 0.024 | 0.019 | -0.179** | 0.237 | 0.041 | -0.073 |
Proprietário possui outro trabalho | -0.085** | -0.070* | -0.163 | 0.333 | -0.047 | |
Nível educacional do empregado (Até | ||||||
4 anos de estudo=1) | -0.032 | -0.038 | -0.013 | -0.049 | 0.024 | 0.072 |
Idade do empregado | 0.000 | 0.000 | 0.003 | 0.016 | 0.002*** | 0.003 |
Dummy de gênero do empregado | ||||||
(mulher=1) | -0.094** | -0.066 | -0.052 | 0.213 | 0.031 | -0.141 |
Dummy de relações pessoais (Se | ||||||
entrou no trabalho através de relações | ||||||
pessoais=1) | -0.070* | -0.058 | 0.169 | -0.039 | -0.517*** | |
Tempo que o empregado trabalha na | ||||||
firma | -0.000 | 0.000 | 0.001 | 0.006 | -0.000 | 0.000 |
Idade média do pessoal ocupado | 0.004** | 0.003 | -0.001 | -0.018 | -0.000 | -0.004 |
Maioria dos empregados é do sexo | ||||||
feminino | -0.027 | -0.018 | -0.088 | -0.392 | -0.241*** | 0.123 |
Razão entre o nº de familiares e | ||||||
pessoal contratado | -0.144*** | -0.121** | -0.048 | -0.684** | -0.001 | 0.109 |
Nº de empregados com 1º grau | 0.001 | -0.013 | -0.032 | -0.150 | 0.018 | 0.023 |
Nº de empregados com 2º grau | -0.015 | -0.012 | -0.051 | 0.199 | -0.000 | -0.078 |
Nº de empregados com 3º grau | -0.033 | -0.012 | 0.083 | 0.378* | -0.015 | -0.088 |
Número de empregados | -0.017 | -0.014 | 0.091* | 0.407*** | -0.017 | 0.008 |
Atividade é desenvolvida fora do | ||||||
domicílio | -0.057 | -0.074* | -0.049 | 0.026 | -0.009 | -0.204* |
Clientela da empresa é fixa | -0.003 | 0.002 | -0.051 | 0.412** | -0.055*** | -0.169 |
Receita da firma | -0.000 | -0.000 | -0.000 | -0.000** | -0.000*** | -0.000*** |
Patrimônio da firma | 0.000 | 0.000 | -0.000 | 0.000 | 0.000 | 0.000*** |
Firma possui licença | -0.043 | -0.032 | -0.153 | -0.558*** | -0.110*** | -0.161* |
Dummies de atividade | não | sim | sim | sim | sim | sim |
Dummies de região geográfica | sim | sim | sim | sim | sim | sim |
Número de observações | 3847 | 3679 | 000 | 000 | 000 | 343 |
Erros padrões com cluster para firmas
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Departamento de Economia PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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