Startup - Mutual contract convertible in social shares
STARTUPS - CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
Startup - Mutual contract convertible in social shares
Revista de Direito Empresarial | vol. 19/2016 | p. 151 - 159 | Out / 2016 DTR\2016\23020
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx
Mestre em Direito Negocial. Especialista em Direito Internacional e Econômico. Bacharel em Ciências Econômicas. Advogado. xxxxxxx@xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx
Área do Direito: Civil; Comercial/Empresarial
Resumo: Os novos modelos de negócio existentes atualmente denominados de startups trazem ao mercado possibilidades de estruturas societárias e projetos de ganhos a ser realizados, o que desperta a possibilidade de atrair investidores. O estudo objetiva apresentar uma ferramenta jurídica utilizada nos investimentos desses modelos de negócio, denominado de contrato de mútuo conversível em quotas sociais, o qual possibilita ao investidor tornar-se sócio da empresa em caso de sucesso do empreendimento, apresentando suas principais características e alguns casos que o termo contratual pode prescrever.
Palavras-chave: Mútuo conversível - Contrato de mútuo - Contrato startups
Abstract: The existing new business models currently called startups bring to the market possibilities of corporate structures and projects of gains to be made, attracting the possibility for investors. The study aims to present a legal tool used in the investments of these business models, called mutual contract convertible in social shares, which allows the investor to become partner of the company in case of success of the project, introducing its main features and some cases that the contractual term may prescribe.
Keywords: Mutual convertible - Mutual agreement - Contract startups Sumário:
1Introdução - 2Novo paradigma - 3Contrato de mútuo - 4Conversibilidade em quotas sociais - 5Condições e possibilidades - 6Conclusão
1 Introdução
O mercado produtivo possui como característica um poder de alto grau de inovação, particularmente as empresas envolvidas nos setores de tecnologia. Inovações essas que surgem desde o produto criado até os modelos de negócios e estruturas societárias.
Nesse contexto, surgem atualmente as empresas denominadas de startups, principalmente decorrentes da inserção no mercado de profissionais autônomos de grande capacidade técnica e com um perfil empreendedor, que não buscam a estabilidade de um emprego com carteira assinada, mas o sonho de criar um produto capaz de gerar riqueza em larga escala.
Nesses modelos de negócio necessitou o direito adequar instrumentos jurídicos já existentes às necessidades do mercado, garantindo a segurança jurídica tanto aos investidores quanto aos empreendedores, perfazendo-os na legalidade inerente aos negócios jurídicos.
Dessa forma, o trabalho demonstra os aspectos do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, que é basicamente um contrato de empréstimo que possibilita ao investidor tornar-se sócio da empresa em um futuro negócio de sucesso.
Para tanto, no tópico primeiro foi necessário dissertar acerca dos novos modelos de negócio, o contexto socioeconômico, a possibilidade de alavancagem em um mercado tecnológico e os desafios jurídicos para tanto.
Em um segundo tópico, o trabalho descreve com pormenores as características, natureza jurídica e conceito do contrato de mútuo, demonstrando ao leitor os aspectos principais que constituem o referido instrumento.
Já no terceiro e quarto tópicos, demonstra-se a principal característica dos contratos de mútuos adequados aos modelos negociais das startups, bem como se apresentam alguns exemplos em que os contratos podem descrever.
De fato, o mercado muda radicalmente suas necessidades, e os contratos devem ser adequados a esses novos paradigmas. O trabalho visa, sobretudo, demonstrar que instrumentos já existentes como o mútuo podem ser adaptados a esses novos desafios, consentindo e garantindo a segurança necessária aos novos negócios jurídicos.
Mais do que tudo, o escopo pretendido pelo Direito é suprir lacunas legislativas na busca da pacificação social, assegurando em todas as esferas sociais o bem comum, o desenvolvimento econômico e, principalmente, o desenvolvimento social. A legislação prevê de maneira genérica,1 cabendo à Ciência do Direito interpretá-la e subsumir suas necessidades a um modelo tangível.
2 Novo paradigma
O mercado é um modelo operante intrínseco ao sistema econômico vigente, com elevado grau de determinismo em diversos segmentos deste, podendo dizer até que com alto grau de determinismo nos demais sistemas sociais. Essa afirmação é empiricamente demonstrada no maior laboratório utilizado pelas ciências sociais, que é propriamente a sociedade.
Em uma conjuntura extremamente complexa, em que atores econômicos são criados e com um dinamismo outrora não conhecido, em passado muito recente, são capazes de criar alto valor agregado sem produzir um bem tangível. Particularmente, com o advento da internet, estruturas paradigmáticas do sistema econômico foram rompidas, quando antes as grandes corporações industriais de elevados custos de implementação e produção imperavam, hodiernamente empresas em plataformas totalmente on-line são criadas e em pouco tempo tornam-se “as novas gigantes”.
Um desses atores são as entidades hoje denominadas de startups, que poderiam ser conceituadas como empresas ou apenas execução de projetos sem personalidade jurídica, com baixos custos de implementação, preponderantemente envolvidas nos setores de tecnologia advindas da internet. Uma de suas principais características é seu desenvolvimento, o qual, na maior parte das vezes, envolve mão de obra especializada de jovens empreendedores autônomos.
Essa combinação de fatores é um ingrediente ideal para investidores, que não possuem a capacidade técnica dos empreendedores, muito menos as ideias adequadas a setores específicos do mercado, contudo possuem a percepção de um projeto que possa ter um potencial lucro e, mais do que tudo, possuem a capacidade financeira para suportar um projeto antes do start no mercado de consumo.
Evidentemente, no mercado existem poucas boas ações, mas, sobretudo, perspectivas de lucros e, principalmente, ganhos realizados. Esse parâmetro, de empresas operantes no setor de tecnologia, traz um novo modelo de investimento, em que a projeção foca tanto o produto como o capital humano que o desenvolve.
Tamanha a profusão de ideias que os modelos societários previstos na antiga legislação civilista e empresarial, como as sociedades limitadas, sociedade anônimas, de comandita, entre outras, já não se adequam a grande maioria dos projetos existentes. Dessa forma, o Direito, principalmente em seu aspecto determinante como disciplina social, não pode omitir-se diante das evoluções socioeconômicas, consequentemente, deve estar apto a adaptar seus instrumentos aos anseios dessa sociedade tecnológica.
Ainda que o direito positivo não preveja um modelo societário específico para cada projeto nascido nessa sociedade, a inerente instrumentalidade que permeia as relações jurídicas encaixa as formas às necessidades existentes. Ou seja, novos projetos, como as startups, ainda que fruto da mais genuína inovação no que se refere ao seu objeto de atuação, devem possuir a segurança jurídica, tanto aos empreendedores, que elaboram e desenvolvem o projeto, quanto aos investidores, que arcam com os custos de implementação, manutenção e divulgação, da nascença ao efetivo estabelecimento desses projetos no mercado de consumo.
Nessa senda, os contratos, no jargão mais conhecido dos operadores do direito, de que “faz lei entre as partes”, são os instrumentos garantidores de um provável sucesso do empreendimento almejado. Logo, o presente trabalho limitou-se a dissertar acerca do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, um dos mais utilizados às startups.
3 Contrato de mútuo
Antes de serem analisadas as peculiaridades do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, faz-se necessária uma breve análise do contrato puro de mútuo, demonstrando sua natureza jurídica e características.
A principio, o contrato de mútuo surgiu com a finalidade de empréstimo de coisa fungível, sendo que ao final não tem o titular da coisa intenção de transferi-la em definitivo ao contratante, obriga-se dessa forma o contratante a restituir a coisa tomada como empréstimo.
Assim, o Código Civil de 2002 conceitua o mútuo como contrato pelo qual uma das partes, o mutuante, transfere temporariamente à outra, o mutuário, o domínio da coisa fungível (arts. 586 e 587).
Sendo um objeto fungível, o dinheiro pode ser o objeto do contrato de mútuo, sendo assim, preponderantemente no mercado, os contratos de mútuo visam empréstimo monetários. Um aspecto importante do contrato de mútuo é que ao ocorrer a tradição ao mutuário, passando o domínio a ser dele, adquire também a responsabilidade exclusiva, suportando o ônus em caso de deterioração ou perda da coisa, inobstante se ocorreu devido à força maior ou caso fortuito.
Ou seja, ter-se-ia, dessa forma, a característica principal do contrato de mútuo, que seria o domínio da coisa adquirido pelo mutuário, sem a ocorrência da transferência de propriedade e, particularmente, por ser uma coisa fungível, pode ocorrer o consumo da coisa, devendo apenas o mutuário devolvê-la em igual gênero, quantidade e qualidade.
Não exigindo a lei instrumento específico, o contrato de mútuo pode ser firmado por instrumento particular, podendo até mesmo ser oral ou via eletrônica. Ele é condicionado à entrega da coisa, podendo assim ser estabelecido um prazo para tanto e, da mesma forma que constitui o contrato de mútuo sua entrega, sua resolução ocorre com a restituição desta.
Por fim, ainda é classificado como unilateral, pois gera obrigação somente a uma das partes, o mutuário, cabendo a ele a restituição no prazo determinado. Poderia dizer que a entrega da coisa não constitui obrigação do mutuante, e sim requisito intrínseco de constituição do próprio contrato, por ser um contrato eminentemente classificado como real.
Vale ressaltar que o mútuo pode ser oneroso, também conhecido como feneratício, ou seja, obriga-se o mutuário, além da obrigação principal, a pagar juros remuneratório. Esse objeto econômico do mútuo é que toma relevo aos contratos aplicados em determinados setores, nesse caso, em startups.
4 Conversibilidade em quotas sociais
Apesar da grande maioria dos contratos onerosos de mútuos possuir sua contraprestação na forma de juros, a lei civil não proibiu o estabelecimento de condições ou outra forma de contraprestação, quando permitido por lei, por evidente.
Isso quer dizer, tratando-se de negócio jurídico, o qual requer os requisitos como partes legítimas, objeto lícito, possível e determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei, podem as partes estabelecer condições outras na avença contratual.
Essa liberdade de dispor de condições pré-estabelecidas nos contratos adequa-se aos casos das novas figuras surgidas no mercado digital, como investidores-anjo, seed capital, venture capital, ou até mesmo investidores individuais que veem uma oportunidade de negócio.
Garantindo maior segurança jurídica, os contratos de mútuo, em que investidores fornecem o suporte monetário para viabilizar os projetos, podem possuir cláusula de condição suspensiva, com a possibilidade de conversão do empréstimo em quotas sociais da empresa que figura como mutuária. Condição suspensiva, pois enquanto essa não for verificada, não terá adquirido o direito a que ela visa (art. 125 do CC/2002 (LGL\2002\400)).
Isso evidencia, na maior parte das vezes, a possibilidade de ganho de capital em um projeto ainda em elaboração ou recém-lançado no mercado, em que a empresa criadora ainda não possui a estabilidade necessária para adquirir recursos monetários com outros instrumentos disponíveis, como debêntures ou abertura de capital em bolsa, ou não quer ficar refém de instituições financeiras que cobram altos juros, e sim encontrar a figura de quem aceita correr o risco do negócio e possui o aporte financeiro necessário.
É certo que o correr risco acima descrito possui limites, os quais os próprios investidores, normalmente pessoas físicas ou jurídicas que já possuem a experiência e visão do negócio para tanto, estão dispostos a correr.
A magnitude que a autonomia da vontade perfaz aos contratos importa, nesse contexto, na possibilidade de o investidor tornar-se sócio da startup, quando o objetivo pretendido é alcançado, e a mesma consegue estabelecer-se no mercado e tornar-se lucrativa.
Teria assim o contrato a possibilidade de criar condição suspensiva a termo ou a critério do mutuante converter seu empréstimo em quotas sociais da empresa, no caso as startups. Evidente que a conversibilidade prevista no contrato de mutuo depende de condições alheias a esse, como alteração em contrato ou estatuto social e arquivamento no respectivo órgão competente.
5 Condições e possibilidades
Os negócios jurídicos celebrados podem possuir as mais diversificadas peculiaridades, sendo aqui apresentados de maneira simplificada algumas possibilidades.
Em alguns casos, jovens empreendedores se lançam ao mercado apenas disponibilizando o seu ferramental intelectual, sem qualquer estrutura constituída, contudo com uma boa ideia e um potencial de sucesso grande.
Nesse caso, o contrato de mútuo poderia garantir uma condição no sentido de ser convertida em quotas de uma futura sociedade a ser constituída, que terá como objeto social o projeto que esse empreendedor lançará ao mercado. Ou seja, ainda que inexistente a sociedade, o contrato poderá prever as condições de sua futura existência.
Em outros casos, ainda mais comuns, alguns investidores encontram no mercado startups já estabelecidas e em rápido crescimento, contudo necessitando de aportes monetários ou outro tipo de know-how, como gestão, networking, visão estratégica etc. Nesses casos, o objeto do mútuo não precisa necessariamente ser financeiro, e a viabilidade do negócio pode ser condicionada a um futuro sucesso, podendo o investidor
tornar-se sócio da empresa ou não, a critério determinado por ele ou por condição estabelecida no próprio termo contratual.
Entende-se também que a conversão do mútuo possa ser a propriedade de um nome empresarial ou de uma marca, em casos específicos que abranjam um determinado produto a vir a tornar-se conhecido.
Contudo, para constituir a proposição do presente estudo, em que o mútuo possa ser convertido em quotas sociais, imprescindível será constar no termo contratual, previsão dos requisitos mínimos da conversibilidade, quais sejam, o prazo de vencimento do empréstimo e o valor das quotas sociais, determinando assim sua participação societária.
A previsão contratual também deve abarcar em caso de não conversão em quotas sociais, a forma de restituição da coisa, ou seja, a condições de pagamento do empréstimo, a possibilidade de desconto, bem como a incidência dos juros. Em caso de omissão destes, entende-se que pela incidência da regra geral contida no art. 591 do CC/2002 (LGL\2002\400), cujo teor determina que quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, incidirá a taxa que estiver em vigor para mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional.
Além do objeto do contrato aqui analisado, sua possibilidade de conversão em quotas sociais, em nada obsta que sejam criados no termo contratual os limites e alcances do objeto que a sociedade ou a futura sociedade abarcará, definindo, como exemplos, as atividades, segmentos abrangidos, estruturas de custos, os recursos ou o modelo de gestão a ser utilizado, entre diversos outros itens que são possíveis constar para melhor elaborar um termo contratual, os quais vinculariam as atividades a ele e garantiriam maior segurança jurídica, determinando assim não só deveres aos empreendedores, mas também os diretos destes.
Percebe-se que, apesar de o contrato-padrão de mútuo ser classificado como unilateral, o mesmo poderá adquirir natureza bilateral na medida em que haja a contraprestação de ambas as partes. Um exemplo já descrito é o próprio fornecimento dos investidores de benefícios como know-how.
Torna-se evidente que o mercado é capaz de criar os mais diversos modelos de negócios, modelos esses que o legislador jamais sonharia em adequar a uma norma jurídica. Conquanto, a abstração da norma determina uma gama de possibilidades a atingir os fins pretendidos, possibilitando o Direito a assegurar a garantia dos mais diversos projetos existentes.
6 Conclusão
A profusão de projetos e ideias surgidos no mercado digital cria um novo paradigma, no qual novos modelos societários são criados sem a devida previsão normativa específica. Por vezes, potenciais projetos de sucesso acabam extinguindo-se antes mesmo de chegar ao mercado de consumo, por falta de investidores dispostos a investir em modelos de negócios incertos, sem a devida garantia de retorno do seu investimento.
As possibilidades são diversas, dependendo dos casos concretos a ser analisados. A dinâmica do mercado flui em ritmo frenético, em que a segurança jurídica deve necessariamente acompanhar as vicissitudes surgidas.
Sem que necessariamente um investidor torne-se sócio de uma empresa ou de um projeto ainda em elaboração, criou-se um instrumento no qual os empreendedores possam receber aportes monetários a título de investimento e que possibilita àquele que empresta tornar-se sócio em um provável sucesso desse investimento.
O contrato de mútuo conversível em quota social é esse instrumento que possibilita
adequar a necessidade do mercado de startups, quando projetos ainda em desenvolvimento necessitam de investimentos sem que necessariamente o investidor figure como sócio da empresa. Um instrumento que visa garantir o principal fator entre a relação empreendedor-investidor, que é a segurança jurídica na relação negocial estabelecida. Enfatizando que o contrato também protege a parte que recebe o investimento, determinando seus direitos e suas obrigações.
Mais do que viabilizar um negócio jurídico, o referido instrumento cria as condições nos limites da legalidade, a fim de alavancar projetos de negócios, que por si só não teriam condições de chegar ao mercado de consumo e, muito provavelmente, morreriam nas fases de elaboração.
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OSTERWALDER; Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx Business. Model generation – Inovação em modelos de negócios: um manual para visionários, inovadores e revolucionários. Rio de Janeiro: Alta Books, 2011.
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. Marco Civil da Internet: comentado. São Paulo: Xxxxxxxx, 0000.
1 Vale citar como exemplo o art. 4.º, III, da Lei 12.965/2014 que prescreve que a disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso. Em comentários à referida lei, Xxxxxxxx menciona como barreira a ser superada em diversos países uma nova forma de marginalização social denominados de “excluídos digitais”.
XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Marco Civil da Internet: comentado. São Paulo: Xxxxxxxx, 0000. p. 48.