VALIDADE E EFICÁCIA DOS CONTRATOS DE TRUST NO DIREITO BRASILEIRO
Trabalho de Graduação Interdisciplinar – junho de 2000 Universidade Presbiteriana Mackenzie
Faculdade de Direito
VALIDADE E EFICÁCIA DOS CONTRATOS DE TRUST NO DIREITO BRASILEIRO
CAPÍTULO I INTRODUÇÃO
O trabalho em tela tem por escopo examinar a validade e a eficácia do trust agreement no direito Brasileiro, considerando a crescente globalização, e a influência de culturas alienígenas, bem como seus institutos jurídicos, que se mostram cada vez mais presentes. Ou seja, visa explicar o instituto alienígena e sua respectiva aceitação pelo ordenamento jurídico nacional.
A relevância da compatibilização do trust com as legislações que o desconhecem foi reconhecida em nível internacional, tendo sido formalizada uma Convenção, de 1º de julho de 1985, em Haia, Holanda, sobre o reconhecimento, em países de ordenamentos jurídicos romanísticos, de trusts estrangeiros. (Xxxxxxx Xxxxxx, Direito Tributário Internacional do Brasil, 2 ed, Forense, Rio de Janeiro, 1993, p.108)
Instituto típico do direito anglo-americano, o trust é um contrato privado, lastreado fundalmentalmente na confiança. O instituidor do trust (“settlor ou grantor”) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém (“trustee”), que assume a obrigação de bem administrá- los em benefício do próprio settlor ou de pessoas por ele indicadas (“beneficiaries”).
Existe uma grande dificuldade para se traduzir, diretamente do inglês para o português, o termo trust. Justamente por ser um instituto desconhecido de nosso ordenamento jurídico, não é possível a tradução da palavra, pura e simplesmente, por outra de igual sentido.
Desta forma, a melhor maneira de se fazer entender, seria explicar literalmente o funcionamento do instituto alienígena. Como faz com propriedade a advogada Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx: “Custódia e administração de bens ou valores de terceiros; fundo constituído de valores pertencentes a terceiros; administração de bens, interesses ou valores de terceiros; qualquer tipo de negócio jurídico que consista na entrega de um bem ou valor a uma pessoa para que seja administrado a favor do depositante ou de outra pessoa por ele indicada”. (XXXXX, Xxxxx Xxxxxx de, )
Com o fim de verificar a validade e a eficácia do trust agreement,
celebrado no exterior, no Direito Brasileiro, precisamos estudar primeiramente suas origens e histórico no Direito Inglês (common law). Partindo deste ponto começaremos a entender os fundamentos deste peculiar instituto.
Em seguida, passaremos à análise dos Elementos Formadores e Elementos Caracterizadores, sendo que os primeiros oferecem a origem e formação do trust, enquanto os últimos distinguem o trust dos demais negócios fiduciários.
Como todo instituto jurídico, o trust possui um objetivo, ou mais, que serão analisados demonstrando a utilidade e a importância do mesmo.
Sendo um instituto tipicamente fiduciário, cabe neste trabalho destacar as características que diferenciam o trust dos outros negócios fiduciários. Esta tarefa não é fácil, pois os negócios fiduciários se aparentam superficialmente, sendo separados apenas por tênues diferenças. Institutos como mandato e comissão mercantil serão diferenciados do trust por sua individualização e análise.
O estudo da Jurisprudência e Xxxxxxxx é indispensável para confirmar a aceitação do trust na seara jurídica brasileira, que comprovadamente eliminam qualquer dúvida a esse respeito.
O trust agreement celebrado no estrangeiro, com eficácia no território nacional, está, sem dúvida alguma, sujeito às regras de DIP (Direito Internacional Privado), pois é um contrato internacional. Assim sendo analisaremos seus aspectos, com destaque à autonomia da vontade nos contratos internacionais.
Por fim, as regras dos contratos no Direito Brasileiro devem ser inteiramente respeitadas pelo instituto do trust para que este esteja plenamente compatível. Apenas sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro conferirá ao trust a total validade e eficácia em território nacional.
Por todos os aspectos acima mencionados, demonstraremos não apenas a compatibilidade do trust agreement celebrado no exterior com o ordenamento jurídico brasileiro, mas também sua plena validade e eficácia.
CAPÍTULO II HISTÓRICO
A partir do declínio do feudalismo na Inglaterra medieval, começou a firmar-se a noção de propriedade e domínio, e com estes os trusts. Na realidade os trusts têm origem fundada nos chamados usos (uses). “O mecanismo dos usos implicava o desdobramento do domínio. Não só separava- se o domínio direto do domínio útil, como este era exercido por um em benefício de outro”. (XXXXXX, Xxxx Xxxxx, Truste “trustees” – Sua origem é Natureza, RF, vol 96, p.266)
Para entendermos melhor o instituto do trust,inserido no sistema legal britânico, precisamos explicar uma diferença básica entre a Common Law e a Equity. No sistema do common law, as obrigações nascem unicamente dos contratos e delitos, enquanto que na equity o dever de consciência comportava cumprimento coativo.
A equity, nada mais é do que um corpo estável de princípios de aplicação uniforme a certos casos julgados pelos Chancellors. Estes eram inicialmente eclesiásticos a quem se atribuía a função de conselheiro do rei, dada sua capacidade de lidar com questões de consciência, bem como a função de guarda do selo real.
Com o passar do tempo, as atribuições do Chancellor passaram a ser exercidas em caráter moderador, visando corrigir situações em que o excessivo rigor da common law ou a influência sobre a mesma de nobres locais, por intimidação ou corrupção, pudessem levar a injustiças.
Como o trust baseava-se inteiramente na confiança, era judicialmente inexigível pelo sistema da common law, todavia, pela ótica dada pela equity, era perfeitamente cabível sua exigência. Desta forma, a força coercitiva aplicada ao bom funcionamento do trust, tem como base jurídica a equity.
De origem que alguns situam no feudalismo inglês, o trust teve amplo desenvolvimento no direito americano, estando hoje amplamente difundido nos países do common-law e mesmo em França, como forma de investimento para preservação do patrimônio.
CAPÍTULO III ELEMENTOS FORMADORES
Os trusts são constituídos por cinco elementos, quais sejam: Transferência
Coisa Settlor Trustee Beneficiário
3.1. TRANSFERÊNCIA
As três maneiras mais utilizadas para criar um trust, são (The Restatement, Second, Trusts §17):
A) declaração do proprietário, que o mesmo possui os referidos bens como
trustee;
B) transferência inter-vivos dos bens para um terceiro (trustee) que os administrará em favor dos beneficiários;
C) transferência dos bens a um terceiro (trustee) por testamento, que os administrará em favor dos beneficiários;
As formalidades máximas requeridas são: 1) o trustee deve aceitar formalmente suas obrigações, 2) os beneficiários devem ser notificados da existência do trust, sendo aos mesmos fornecida uma cópia do instrumento do contrato.
Todavia, poderá o trust seguir formalidades mínimas, estabelecidas na própria declaração do trust, já que a transferência legal dos bens não é necessária/exigida. Tudo que se exige é que o settlor manifeste de alguma forma que ele ou ela possui os bens em trust em benefício de outrem.
Aquele que procurar provar a existência do trust terá severas dificuldades sem uma clara manifestação da intenção do settlor.
Para a realização da transferência em vida ou por testamento, o settlor deve ter a capacidade legal exigida pela lei local do trust. Desta forma, o menor, o incapaz ou pessoa legalmente incapaz não poderá declarar sua vontade de transferência, tanto em vida quanto por testamento.
O settlor deve manifestar a intenção de criar o trust, de uma forma a ser claramente identificado. Apesar de não existir regra que estabeleça um mínimo de provas necessárias para a formação de um trust, a intenção secreta é insuficiente se não houver indicação da intenção.
3.2. RES (COISA)
A formação do trust exige a presença de bens sobre os quais incidirão a relação fiduciária do instituto.
Diferentemente de outras instituições confidenciais, o trust existe apenas
em relação a algo específico e determinável como bens imóveis, ações e montantes em espécie. Dá-se a este algo a denominação de res evitando assim problemas terminológicos entre principal, ganhos e outros.
Por fim, a res pode ser qualquer tipo de bem imóvel, móvel ou intelectual, desde que seja factível e determinável.
3.3. SETTLOR (INSTITUIDOR)
O settlor tem importância apenas até que este tenha transferido a res ao trust impondo obrigações fiduciárias ao trustee sobre a res e quanto aos beneficiários. Após a manifestação e a transferência dos bens, o settlor é considerado como um ex-proprietário.
Na instituição do trust, o papel do settlor se resume na capacidade do mesmo de manifestar legalmente suas intenções, e de transferir seus bens conforme estas últimas.
Com isso em mente, certos aspectos devem ser observados:
1) o settlor deve ser o proprietário da res ou ser legalmente qualificado para realizar a sua transferência;
2) o settlor deve ser legalmente capaz de realizar a transferência e declarar sua intenção de criar um trust;
3) apesar de o trust poder ser criado sem a necessidade de uma comunicação da intenção do settlor para qualquer pessoa, o trust não poderá ser criado sem a manifestação de intenção da criação do mesmo. Desta forma,
uma declaração expressa de sua intenção, escrita ou não é estritamente necessária;
4) o settlor pode reter parte ou a totalidade do legal tittle (propriedade), ou o beneficial interest (ganhos), mas não poderá reter ambos. Isso porque o trust é criado a partir da separação do legal tittle e do beneficial interest.
5) o settlor pode ainda exercer poderes sobre o trust, o que não seria permitido em uma doação comum dentro da common law. O poder de revogação é o mais óbvio dos poderes, que incluem ainda modificação ou controle dos investimentos, tempo e montantes da distribuição de ganhos e do principal.
3.4. TRUSTEE
A indicação do trustee é geralmente feita pelo settlor no próprio instrumento do trust. Caso o settlor não indique um trustee capaz e que queira aceitar o encargo, o Tribunal competente indicará um trustee.
O trustee pode ser qualquer pessoa física ou jurídica capaz de tomar o legal tittle. Essa capacidade se mostra indispensável para permitir a separação entre o legal e o equitable rigths dos bens envolvidos.
O trustee possui a faculdade de recusar o recebimento do encargo. Todavia, uma ver aceito, não poderá ser rescindida, exceto na forma prescrita no instrumento ou por permissão do Tribunal competente.
Existe a possibilidade de nomeação de pessoas chamadas de “quase trustees”, que atuam como conselheiros do trustee em matérias como
investimentos, mas que não estão envolvidas nas atividades/operações diárias do trust. Esses conselheiros estão sob as mesmas exigências da obrigação fiduciária de um trustee, apesar de seu papel na relação ser limitado.
Pode ainda o trustee ser removido de seu encargo, por disposições contratuais ou por sentença de um Tribunal competente. Deve estar estabelecido no instrumento do trust, a quem cabe o poder de remover o trustee. A remoção do trustee é considerada uma medida extrema e não é facilmente realizada.
3.5. BENEFICIÁRIOS
Existem dois principais tipos de trust: charitable trusts (visam à caridade) e os private trusts (objetivos particulares). Ambos possuem características peculiares que podem ser demonstradas da seguinte forma:
Determinação vs. Imposição: o beneficiário de um private trust deve ser determinado afim de que o trust possa ser executado. Já um charitable trust pode ser executado por um attorney general (procurador público), não necessitando, desta forma, ter um beneficiário determinado.
Rule agains Perpetuities e doutrina relacionada: uma doação realizada por uma entidade beneficente à outra, não estará sujeita à Rule agains Perpetuities, permitindo desta forma a imposição de condições por tempo indefinido. Uma doação poderia ser feita dentro dos limites da Rule agains Perpetuities ultrapassando assim os limites temporais impostos ou private trust, que o tornariam inválido. Por exemplo, uma orientação de para por
tempo indefinido os ganhos sem dispor do principal.
Os charitable trusts gozam de diversas vantagens fiscais, tais como total exclusão da tributação.
CAPÍTULO IV ELEMENTOS CARACTERIZADORES
Os trusts possuem três elementos básicos caracterizadores que os distinguem dos demais negócios fiduciários, quais sejam:
4.1. PROPRIEDADE LIMITADA
Os bens dados em trust ficam, ao menos formalmente em nome do
trustee, que é o proprietário legal e aparente, o legal owner;
Deve-se ressaltar que os bens dados em trust formam uma massa distinta do resto do patrimônio do trustee, todavia não possuem personalidade jurídica própria. Pode ser considerado como uma espécie de gravame pesando sobre a propriedade legal detida pelo trustee.
4.2. ADMINISTRAÇÃO CONFORME ACORDO:
O trustee está obrigado a administrar os bens de acordo com as condições e instruções determinadas pelo settlor no instrumento de constituição do trust;
A administração dos bens que constituem o trust deve ser desempenhada de forma independente pelo trustee, que possui ampla discricionariedade para tal, sendo limitado apenas, pelos interesses dos beneficiários. Ou seja, o administrador deve sempre ter em mente o interesse dos beneficiários na hora de tomar alguma decisão na administração dos bens em trust.
No que tange à administração, deve-se ressaltar que o trustee poderá ser removido do encargo se restar demonstrado que o mesmo não está administrando corretamente os bens entregues em trust.
Ainda, tanto o settlor quanto seus beneficiários, são dotados de remédios legais efetivos para fazer valer os termos do trust. Remédios estes baseados na equity.
4.3. INTANGIBILIDADE DA MASSA POR PARTE DE TERCEIROS
Os bens dados em trust formam uma massa separada do resto do patrimônio do trustee, não podendo ser atingidos pelos credores deste.
Mesmo nos casos de dificuldades financeiras do trustee, os bens componentes da massa em trust não poderão ser empregados no pagamento de dívidas, ficando assim, a salvo de credores do mesmo.
CAPÍTULO V OBJETO
Comumente são instituídos os trusts por pessoas, famílias, que temem a dilapidação dos bens amealhados pela inexperiência de jovens herdeiros.
Desta forma, o trustee age com bônus pater familiae, ou seja, protege diretamente os interesses dos beneficiários. Por essa razão a escolha dos trustees é de extrema importância e requer cautela. O mesmo precisa ser experiente e confiável para que se possa realizar tal operação.
No caso daqueles que querem realizar caridade, por meio da instituição de trust, afasta-se o risco da doação ser mal utilizada, já que o trustee poderá fiscalizar o uso do benefício. O mesmo possui poderes delegados pelo settlor para que sua vontade seja observada. Caso contrário poderá o trustee até mesmo retomar os bens dos beneficiários, se assim determinado pelo settlor.
O trust pode ser instituído sobre bens móveis ou imóveis. Pode ser instituído com cláusulas de rescisão a qualquer tempo, ou de revisão dos seus termos, por iniciativa do settlor. Pode, também, ser instituído por ato inter- vivos ou por testamento. Pode, ainda, prever que os bens transferidos fiquem indisponíveis enquanto vivo o settlor e, na sua ausência ou incapacidade, só
possam ser alienados de acordo com as instruções que tiverem sido dadas pelo settlor no trust agreement, instruções essas que o trustee está obrigado a respeitar.
Via de regra, o trust é instituído por prazo determinado ou sujeito a alguma condição. Na vigência do trust agreement, o trustee tem total disponibilidade sobre os bens que lhe foram confiados. Vencido o termo do contrato, ou preenchida a condição, o capital é devolvido ao settlor ou aos beneficiários por ele indicados.
Nos Estados Unidos, o imposto de transmissão causa mortis é extremamente elevado, possuindo até mesmo caráter confiscatório (tabela abaixo). Desta forma, o trust é freqüentemente utilizado como ferramenta de economia fiscal.
VALORES | ALÍQUOTAS |
até U$ 2.500,00 | 18% |
de U$ 2.500,00 a U$ 3.000,00 | 53% |
acima de U$ 3.000,00 | 55% |
(Lei Federal vigente desde 1993)
Não apenas nos Estados Unidos, mas também Inglaterra, Alemanha entre outros países, possuem semelhantes alíquotas tributárias incidentes sobre as transmissões causa mortis.
PROGRESSIVIDADE DO TRIBUTO SUCESSÓRIO NA ALEMANHA (1990-1991) Imposto sobre heranças e doações Alíquotas em % por classes de beneficiários | ||||
valor do bem (em DM) | cônjuge - filhos | netos | pais, irmãos cônjuge divorciado | outros |
até 50.000 | 3 | 6 | 11 | 20 |
75.000 | 3,5 | 7 | 12,5 | 22 |
100.000 | 4 | 8 | 14 | 24 |
125.000 | 4,5 | 9 | 15,5 | 26 |
150.000 | 5 | 10 | 17 | 28 |
200.000 | 5,5 | 11 | 18 | 30 |
250.000 | 6 | 12 | 18,5 | 32 |
300.000 | 6,5 | 13 | 21,5 | 34 |
400.000 | 7 | 14 | 23 | 36 |
500.000 | 7,5 | 15 | 24,5 | 38 |
600.000 | 8 | 16 | 26 | 40 |
700.000 | 8,5 | 17 | 27,5 | 42 |
800.000 | 9 | 18 | 29 | 44 |
900.000 | 9,5 | 19 | 30,5 | 46 |
1.000.000 | 10 | 20 | 32 | 48 |
2.000.000 | 11 | 22 | 34 | 50 |
3.000.000 | 12 | 24 | 36 | 52 |
4.000.000 | 13 | 26 | 38 | 54 |
6.000.000 | 14 | 28 | 40 | 56 |
8.000.000 | 16 | 30 | 43 | 58 |
10.000.000 | 18 | 33 | 46 | 60 |
25.000.000 | 21 | 36 | 50 | 62 |
50.000.000 | 25 | 40 | 55 | 64 |
100.000.000 | 30 | 45 | 60 | 67 |
(+) 100000000 | 35 | 50 | 65 | 70 |
FONTE: Xxxxxxxxxx et alii, Einkommensteuer, Xxxxx Xxxxxxxxx Verlag, Achim, 1991
Visando evitar a penosa incidência tributária, o contrato de trust é firmado fora da jurisdição norte-americana (ou outra qualquer), em paraísos fiscais, pois nestes, geralmente não incidem, ou são insignificantes, tributos de transmissão causa mortis e ganho de capital.
CAPÍTULO VI
O TRUST COMO MODALIDADE DE NEGÓCIO FIDUCIÁRIO
Como instituto originado no direito anglo-americano, o trust, não encontra correspondente no direito brasileiro, embora dele não seja desconhecido.
A natureza jurídica do trust é contratual, com características de investimento e mandato de administração. Apresenta, porém um detalhe que o torna contrato atípico e especialíssimo, qual seja, a efetiva transferência da propriedade, do settlor para o trustee.
Sobre os bens transferidos institui-se duplo título: legal title, protegido pelo direito e que passa a ser detido pelo trustee; e o equitable title ou equitable ownership, protegido tão somente pelas regras de equidade, que permanece com o settlor ou, morrendo este, com os beneficiários, até o vencimento ou a rescisão do trust agreement.
Entre o settlor e o trustee, estabelece-se o vínculo obrigacional, que é fundamentado, basicamente, na confiança, este se torna proprietário dos bens transferidos em trust, em benefício do próprio settlor ou dos beneficiários por este indicados.
Com o trust, o trustee adquire a plena disponibilidade dos bens transferidos, podendo vendê-los ou onerá-los independentemente de aprovação do settlor ou dos beneficiários. Responde o trustee tão somente por ato de negligência ou má-fé. Ao final do contrato, deve o trustee restituir o capital ao settlor ou aos beneficiários por este indicados. Pode o trust ser constituído em vida ou por disposição de última vontade. Pode, ainda, ser constituído sobre bens móveis, imóveis ou sobre ambos.
O direito brasileiro contempla diversas modalidades de contrato fiduciário, nenhuma porém com as características do trust anglo-americano. Dentre outros contratos fiduciários contemplados no direito brasileiro, poderiam ser mencionados:
MANDATO - regulado pelos artigos 1.288 a 1.323 do Código Civil, pelo qual alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. O mandato não implica em transferência de propriedade. O mandatário age em nome e por conta do mandante;
COMISSÃO MERCANTIL - regulada pelos artigos 165 a 190 do Código Comercial, pela qual o comitente nomeia um comissário para concluir um determinado negócio mercantil. Perante terceiros, o comissário atua e contrata em nome próprio, mas por conta do comitente, como mandatário deste. Não há transferência de propriedade de um para outro;
USUFRUTO - regulado pelos artigos 713 a 741 do Código Civil, pelo qual o usufrutuário obtém para si o uso e o gozo da propriedade, mas não o título, que permanece com o nú-proprietário. O usufruto pode ser vitalício ou por
tempo certo. Extingue-se o usufruto com a morte do usufrutuário ou com o vencimento do termo.
Uma série de modalidades de negócio fiduciário poderiam ser mencionadas, tais como a alienação fiduciária em garantia, a enfiteuse, a constituição de renda e o fideicomisso, todas elas de natureza jurídica semelhantes ao trust, dele porém diferenciando.
CAPÍTULO VII
REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO APLICÁVEIS AOS CONTRATOS DE TRUST
Os contratos de trust antes de tudo, têm o escopo de proteger patrimônio. Desta feita, não é de se estranhar o fato de seus instituidores escolherem países seguros, estáveis, enfim, confiáveis, na medida em que visam preservar seus bens.
Países pequenos, com governo e economia estáveis, nos quais operam grandes e discretas instituições financeiras. Estes países, comumente chamados de “paraísos fiscais”, por proporcionarem tributação mais amena e discrição como inviolabilidade de contas por autoridades judiciais, atraem toda gama de patrimônio vindo do resto do Globo.
Desta forma, a maior parte de trust são constituídos nestes ditos “paraísos fiscais”. Por esse motivo devemos analisar com maior profundidade as regras de DIP aplicáveis ao trust. Não apenas por ser criado e regulado pela common law, mas também por ser geralmente constituído nesses “paraísos”.
7.1 – Autonomia da Vontade
No Direito Internacional Privado, prevalece nas obrigações contratuais a autonomia de vontade. Todavia, Xxxxxx Xxxxx, em obra sobre o assunto, ressalta que tal princípio tem menor amplitude do que aparenta, significando que as partes apenas têm a liberdade de exercer sua vontade tendo em vista a escolha da legislação à qual querem submeter sua convenção, sob reserva de respeitarem a ordem pública. Assim, a determinação de uma lei aplicável a certas relações jurídicas nas relações jurisdicionais, derivando ela da confiança que a comunidade internacional concede ao indivíduo no interesse da sociedade, e exercendo-se no interior de fronteiras definidas de um lado pela noção de ordem pública e de outro pelas leis imperativas.
Na common law, dá-se proeminência ao princípio da autonomia da vontade, pois de acordo com diversos autores, na busca da lei apropriada (proper law) para a regulamentação do contrato, é preciso ter em mente a vontade das partes. Uma corrente doutrinária contrariando a primeira, entende que se deve dar preferência à lei com a qual se apresenta “the most real connection”.
Prevaleceu no direito inglês o ponto de vista da primeira corrente, encabeçada por Xxxxx, que expôs no seu Digest of the Law of England with reference to the conflict of Laws, de 1896, nos termos abaixo transcritos:
“In this Digest the term ´proper law of contract´ means the law, or laws, by which the parties to a contract intended, or may fairly be presumed to have intended, the contract to be governed…”
Todavia, a common law aplicada nos Estados Unidos, tomou curso diferenciado tanto doutrinária como jurisprudencialmente, passando a admitir
que as partes escolham a lei reguladora de seu contrato, mas com uma dúplice limitação: 1) razoabilidade da escolha e 2) a escolha não vai contra uma “fundamental policy” de outro Estado.
7.2 - Regra Obrigacional Brasileira
A atual LICC (Lei de Introdução ao Código Civil), dispõe em seu artigo
9º:
“Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se á a lei do país em que se constituírem.”
O dispositivo é silente no tocante à autonomia das partes, todavia, não a exclui, se ela for admitida pela lei do país onde se constituir a obrigação.
O parágrafo segundo do dispositivo acima, complementa:
“A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”
A regra acima, reproduz o artigo 1087 do Código Civil, assim sendo, só pode ser visto como regra de qualificação preliminar da questão de direito internacional.
“art. 1087. Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”
Contudo, na opinião de Xxxxxxx xx Xxxxxx, há aparente divergência de redação, pois, enquanto o art. 1087 fala que o contrato se reputa celebrado no lugar em que foi proposto, o artigo 9o, § 2o, dispõe que a obrigação resultante de contrato se reputa constituída no lugar que residir o proponente. Aparente a divergência, pois o verbo “residir” possui dois sentidos: 1)morar, ter sede, estabelecer morada, como também 2) achar-se, ser, estar.
Tendo em vista o segundo sentido, o legislador não quis criar uma exceção no § 2 do artigo 9o, mas sim, apenas esclarecer e confirmar o disposto no caput, mantendo a mesma regra do artigo 13 da antiga Lei de Introdução ao Código Civil.
Deste modo, um contrato internacional celebrado por brasileiro no estrangeiro, tendo a lei estrangeira como reguladora, será plenamente acolhido pelo direito brasileiro.
CAPÍTULO VIII
OS NEGÓCIOS FIDUCIÁRIOS NA JURISPRUDÊNCIA E NA DOUTRINA BRASILEIRA
São escassos os casos envolvendo negócios fiduciários atípicos examinados pelos tribunais brasileiros, fora os das modalidades previstas em lei. Não obstante, os poucos casos registrados confirmam a validade desse tipo de negócio, como um contrato perfeitamente lícito e eficaz entre as partes.
Em 1969, o Tribunal de Alçada de São Paulo teve a oportunidade de decidir uma questão envolvendo o Espólio de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx contra o Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx, que apresenta nítida conotação de trust.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, proprietário de ação nominativa da Companhia Territorial Urbana Paulista, cedeu-a a Xxxxxx Xxxxx, mediante termo de transferência no livro próprio da sociedade. A transferência foi efetivada em 10.12.1945, mas na mesma data Xxxxxx Xxxxx subscreveu um documento no qual declarava que a ação transferida continuava sendo de plena e exclusiva propriedade de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx e que lhe seria devolvida quando fosse solicitada, independentemente de qualquer formalidade.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx morreram. O espólio deste, entretanto, recusou-se a devolver ao espólio daquele a ação da Companhia Territorial Urbana Paulista.
O espólio de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx perdeu em primeira instância e apelou. No Tribunal, a sentença foi reformada, obtendo-se um mandado judicial para que a ação da Companhia fosse transferida ao espólio de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, fazendo-se o necessário registro no livro da sociedade. O acórdão ficou redigido com a seguinte ementa:
“Não é exato supor que o negócio fiduciário possa ser anulado pelo vício da simulação. O negócio fiduciário encerra uma transação válida, efetivamente realizada e formalmente em ordem. O proprietário a quem se transferiu a coisa o é perante a lei e terceiros. Guarda somente, para com o alienante, um pacto de fidúcia que o obriga a lhe retransmitir a propriedade.” (RT 292/505)
Outro caso clássico de trust foi decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em 1968, na ação movida por Xxxxx Xxxxxx contra Xxxxx Xxxxxx e outros, envolvendo uma disputa de bens deixados por Euphly Jalles.
Euphly Jalles havia recebido, em vida, de sua mãe e de suas irmãs, imóveis rurais e dinheiro, para usá-los e administrá-los como se dele fosse, sob a condição de que, após sua morte, o capital retornasse à mãe e às irmãs.
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, sua irmã Xxxxx Xxxxxx, propôs ação para reaver o patrimônio que ao irmão havia entregado em confiança, posto que os herdeiros deste se recusavam a cumprir o negócio fiduciário. No caso, o documento
lavrado de próprio punho por Euphly Jalles atestava que, não obstante as propriedades estivessem em seu nome, pertenciam “de fato e de direito” à mãe e às irmãs.
Por unanimidade de votos, o Tribunal de Justiça deu ganho de causa à autora, confirmando a sentença de primeira instância. O acórdão ficou redigido com a seguinte ementa:
“A fidúcia configura negócios jurídicos complexos; por ela o fiduciante transfere ao fiduciário, através de ato jurídico externo, bens e direitos, porém, mediante ato jurídico interno aniquila os efeitos dessa transferência, porque o seu objetivo é outro; apenas a aparência da transferência efetivada. É valido o negócio fiduciário desde que, através dele, não se desrespeite a lei, nem se venha a causar prejuízo à terceiro.”
Na doutrina, também prevalece a opinião no sentido de se reconhecer a validade e eficácia do trust como modalidade de negócio fiduciário, gênero do qual o trust seria espécie. Dentre outros respeitáveis juristas, poderiam ser destacados:
XXXXXXX XXXXXXXX
“O negócio fiduciário, tal como se desenha na exposição da consulente e consta dos documentos anexos, é perfeitamente lícito, compreendido como se acha na liberdade de contratar, sem que se lhe oponha qualquer dispositivo de lei” (RT 184/532)
XXXXX XX XXXXXX
“Trata-se, portanto, de um negócio sério, em que não há simulação, porque o fiduciário é, para todos os efeitos, o legítimo dono provisório dos bens adquiridos, com a só obrigação, pessoal e não real, de respeitar a fidúcia ou confiança nele depositada. Falta-se ao compromisso assumido, isto é, como na hipótese, deixa-se de restituir os bens fiduciariamente adquiridos, terá que pagar as perdas e danos, que acarretar a falta de cumprimento da obrigação contraída. Não há falar em simulação, porque a transmissão realizada corresponde, exatamente, à vontade das partes.” (RT p.543)
XXXXX XXXXXXX XX XXXXXX XXXXX
Xxxxx, porém, válidos os chamados “negócios fiduciários?"
A resposta, a nosso ver, tem que ser procurada no artigo 82 do Código Civil, que dispõe sobre a validade dos atos jurídicos em geral. E isso porque, não traçando o referido código disciplina própria àquela espécie de atos, forçoso é recorrer aos preceitos relativos ao gênero.
Ora, nos termos do citado dispositivo, válido será o ato jurídico se concorrerem agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei.
No caso, dúvida não há quanto à capacidade das partes contratantes. Em dúvida também não pode estar o caráter lícito assim do contrato aparente que foi a transferência das casas, como da cláusula oculta, pela qual se obrigaram os Réus a transmiti-las à Autora. E em dúvida não pode estar, por não ter havido, no negócio, quer intenção de terceiros, quer o de violar preceito de lei.
Xxxxxx o negócio fiduciário celebrado entre Autora e Réus, andou bem a primeira pleiteando a condenação dos segundos a lhe restituírem os prédios que se haviam obrigado a lhe retransmitir, ou a lhe pagarem o valor respectivo em dinheiro, acrescido das rendas produzidas desde que confiados à sua administração, deduzidas unicamente as despesas legítimas que demonstrarem haver efetuado.” (RT, p.556/557)
CAPÍTULO IX
A COMPATIBILIDADE DO TRUST COM AS REGRAS GERAIS DOS CONTRATOS NO DIREITO BRASILEIRO
Do acima exposto é possível extrair as principais objeções quanto a validade e eficácia do trust no direito brasileiro.
A primeira delas seria a falta de previsão legal para aquela modalidade de contrato. Entretanto, no direito brasileiro, prevalece o secular princípio de que as partes são livres para contratar. A liberdade contratual é limitada tão somente pelos requisitos de validade do contrato como ato jurídico, quais sejam, a capacidade das partes, objeto lícito, e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82 do Código Civil Brasileiro). Sobre todos os outros, prevalece o princípio da legalidade, segundo o qual ao cidadão é permitido fazer tudo aquilo que não seja expressamente proibido por lei (Constituição Federal, art. 5º, II). Desta feita, não há no direito brasileiro nenhuma proibição legal ao trust.
O aspecto da simulação, deliberada ou inocente, é freqüentemente no exame dos negócios fiduciários, causa de anulabilidade do ato jurídico. Prevê o Código Civil, dentre outras situações, que haverá simulação quando o ato jurídico aparentar conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas
que realmente se conferem ou transmitem (art. 102, I). Definitivamente não é o caso do negócio fiduciário, em geral, tampouco do trust, em particular. Pontes de Xxxxxxx já dizia que “os negócios jurídicos de fidúcia e outros atos jurídicos fiduciários são queridos. Não são aparentes: são.” (Tratado de Direito Privado, Parte Geral, tomo IV, Editor Borsoi, 1954, p.377) No trust não há aparência de negócio. Há a efetiva transferência da propriedade, por vontade de partes capazes, que entram em um negócio sério. Não há, portanto, que se falar em simulação ainda que inocente.
Ainda sob o aspecto da simulação, poderia ser questionada a questão fiscal. Existem situações em que o trust agreement oferece como um dos seus atrativos a possibilidade de diminuir o impacto fiscal incidente sobre a transmissão de bens, por ato intervivos ou por herança, que nos Estados Unidos e Inglaterra, particularmente, está sujeita a impostos significativos.
Todavia, não parece ser a situação no Brasil. O imposto sobre a transmissão de bens, por alienação ou doação “intervivos”, é de competência municipal e incide sobre bens móveis e imóveis, a uma alíquota que, via de regra, varia entre 2 e 6%, dependendo do município. Na instituição do trust, evidentemente o imposto de transmissão terá que ser recolhido sobre o valor dos bens transferidos ao trustee.
Por outro lado, tratando-se de bens da herança, o imposto devido será o de transmissão “causa-mortis”, que é de competência estadual, pago, em regra, a uma alíquota de 4% e incide somente sobre os bens imóveis da herança. Se o trust tiver sido constituído em vida, o benefício fiscal se resumirá ao não pagamento do imposto “causa-mortis” sobre bens imóveis, sem que isso signifique simulação ou ilegalidade. Se o trust tiver sido constituído por testamento, caberá recolher o imposto de transmissão.
Deve-se ressaltar, é que não há na legislação brasileira nenhum impedimento maior que proíba a um cidadão brasileiro transmitir a um terceiro, por cessão, doação ou alienação, a titularidade de bens que possuir no Brasil, ainda que esse terceiro seja domiciliado no estrangeiro.
Evidentemente, tratando-se de situação não prevista na legislação brasileira, o contribuinte que se desfizer de parte ou da totalidade do seu patrimônio, poderá ser questionado pelas autoridades fiscais, mas não por evasão fiscal, mesmo porque esse mesmo contribuinte será tributado pelos rendimentos que auferir no Brasil ou no estrangeiro com a instituição do trust.
Outra consideração que se faz diz respeito à restituição do patrimônio, no sentido de que, havendo se operado a transferência da propriedade, ao beneficiário do trust restaria reclamar perdas e danos caso o trustee se recuse a restituir. Também esse argumento não se aplica ao trust. Terminado o contrato, ou atendida a condição, a restituição do patrimônio é compulsória. Na recusa do trustee, o beneficiário tem à sua disposição, meios processuais adequados para obter uma decisão judicial substitutiva de declaração de vontade, tal como nos casos de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx acima mencionados.
Questão certamente tormentosa será saber se os bens instituídos em trust devem ser devolvidos ao settlor ou aos beneficiários na hipótese de falência do trustee, cabendo indagar qual a lei aplicável e qual o foro competente.
Se o trust tiver sido constituído fora do Brasil, a questão deverá ser discutida em foro estrangeiro, de acordo com a lei do país onde o trust
agreement tiver sido assinado. Entretanto, se o trust compreender bens imóveis, situados no Brasil, as ações relativas a tais imóveis serão de competência exclusiva de juiz brasileiro, ainda que aplicável seja a lei estrangeira (Lei de Introdução do Código Civil, arts. 9 e 12). Se o trust tiver sido constituído no Brasil, sobre bens aqui situados, aplica-se evidentemente a lei brasileira e o foro competente será o brasileiro.
Numa primeira avaliação, poder-se-ia entender que, detendo o trustee a propriedade dos bens, estes deveriam ser arrecadados na falência como ativo da massa. Entretanto, não se pode ignorar que o trust encerra uma relação contratual, baseada na fidúcia, que obriga o trustee a devolver os bens que lhe foram confiados, vencido o termo do contrato ou preenchida a condição.
A Lei de Falências brasileira prevê a restituição dos bens arrecadados em poder do falido, quando a restituição for devida “em virtude de direito real ou de contrato” (Decreto-lei 7,661, art. 76). Trata-se da restituição ordinária, que assegura ao legítimo interessado a devolução dos bens ou direitos arrecadados pelo síndico. Também prevê a Lei de Falências, que os contratos bilaterais não se resolvem pela falência (art. 43). Esses dispositivos, somados ao fato de que a natureza jurídica do trust é contratual, permitem entender que na hipótese de falência do trustee, os bens que lhe foram confiados em trust não podem ser considerados como ativo da massa, portanto, estão fora da arrecadação.
Por último, poder-se-ia questionar a validade do trust diante dos direitos assegurados aos herdeiros necessários, que ficariam impedidos de dispor dos bens deixados em trust. Esta nos parece a principal questão a ser colocada e merece um desdobramento:
(i) se o trust tiver sido constituído, em vida ou por testamento, apenas
sobre a parte disponível do settlor, não há que se questionar o contrato, que obriga as partes e sucessores, ainda que os beneficiários não sejam herdeiros necessários;
(ii) se o trust tiver sido constituído, em vida, sobre a universalidade do patrimônio, ainda assim a validade e a eficácia do trust agreement podem ser defendidas. Em primeiro lugar, porque a ninguém é defeso dispor do seu patrimônio em vida. O herdeiro, enquanto vivo o autor da herança, tem sobre os bens que futuramente herdará tão somente uma expectativa de direito. Em segundo lugar, porque o trust tem a característica de investimento financeiro, de tal sorte que o resgate do capital há de aguardar o vencimento do contrato, que igualmente obriga as partes e os sucessores, sem prejuízo dos rendimentos que serão pagos aos beneficiários na vigência do trust agreement. O herdeiro que recebe por herança um certificado de investimento, por exemplo, terá que aguardar o vencimento do certificado para resgatar o investimento;
(iii) problema de fato xxxxxx se o trust for constituído por testamento, sobre a universalidade do patrimônio. Isso porque no direito brasileiro o testador está expressamente impedido de dispor da parte legítima da herança, sempre que houver herdeiros necessários (Código Civil, art. 1.576). Por isso, e porque a herança transmite-se aos herdeiros necessários tão logo seja aberta a sucessão, o trust constituído por testamento estará limitado à metade disponível do testador, sendo nulo no que a exceder.
Colocados esses conceitos, podemos concluir ser perfeitamente defensável a validade e a eficácia do trust agreement no direito brasileiro, que aqui teria a natureza jurídica de contrato especialíssimo, atípico, com características de investimento e mandato de administração.
Os requisitos de validade do trust agreement são os mesmos aplicáveis aos atos jurídicos em geral, previstos no art. 82 do CC, quais seja, capacidade das partes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Assim sendo, o trust agreement há de observar aqueles requisitos, dentre os quais se incluem, por exemplo, o consentimento da mulher no contrato assinado pelo marido, a impossibilidade de se constituir o trust sobre imóveis rurais quando o trustee for estrangeiro, a impossibilidade de se transferir capital acionário privativos a brasileiros a trustee estrangeiro, etc.... e assim por diante. Pelo mesmo motivo, sendo o trust instituído por testamento, há de se respeitar a legitima dos herdeiros necessários.
CAPÍTULO X CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
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comparado. Revista Forense, volume 334 – 1996 (abril/maio/junho)
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Enciclopédia Saraiva
Revista dos Tribunais: nº 292, página 505 (jurisprudência) Revista dos Tribunais: nº 402, página 135 (jurisprudência)
Revista dos Tribunais: doutrina - Xxxxxxx Xxxxxxxx 184/532, Xxxxx xx Xxxxxx p.543, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx p. 556/557