A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA NO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL: DIÁLOGO ENTRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
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A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA NO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL: DIÁLOGO ENTRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG
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A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA NO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL: DIÁLOGO ENTRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Tese de Doutorado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Direito.
Área de concentração: Direito e Justiça Orientador: Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx
Belo Horizonte Faculdade de Direito da UFMG
2014
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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Direito
Curso de Pós-Graduação
Tese intitulada A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA NO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL: DIÁLOGO ENTRE O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR, de autoria de XXXXXXX XXXXXXXX XXXXX, analisada pe- la banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx – Orientador
Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Professor Doutor Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx
Professor Doutor Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx
Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx
Professora Doutora Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (Suplente)
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À minha família, com a eterna gratidão por me permitirem
experimentar o amor incondicional.
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Xxxxxxxx, Ao Pai celeste, pois sem a tua iluminação eu nada poderia ter feito.
Ao professor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx, por sua zelosa e incisiva orientação.
Ao mestre Xxxxxxx Xxxxxx, por ter despertado e alimentado meu interesse pelo Direito
Comercial desde o início dos meus estudos. À Xxxxxxxx, Xxxx e Xxxxxxx, minha família, a quem devo tudo que sou.
À Xxxxx, que, com sua doçura, acalentou-me nos momentos mais difícieis.
Aos amigos Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx, Xxxxx, Xxxxx e Xxxxxxxx, pelo apoio que me
proporcionaram durante a elaboração deste trabalho.
Às queridas amigas Xxxx e Xxxxxx, exímias confidentes e conselheiras diante de qualquer
intempérie da vida. À orientanda Líbera, pelo compromisso na execução das atividades de auxílio à pesquisa.
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Porque eu bem sei os pensamentos que tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos
de paz, e não de mal, para vos dar o fim que esperais.
Jeremias 29:11
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Esta tese analisa a relação jurídica estabelecida entre investidor individual e sociedade corre- tora de títulos e valores mobiliários para a aquisição e a alienação de ações na Bolsa de Valo- res de São Paulo. Com isso, busca identificar o tipo de responsabilidade que deve ser aplicada àquela instituição financeira quando, pela violação de seus deveres, provoca danos ao seu cliente (responsabilidade subjetiva ou objetiva). Investiga-se, para tanto, a natureza civil ou consumerista do contrato de comissão bursátil, cogitando-se sobre a aplicação da teoria do diálogo das fontes como fundamento para a combinação de normas provenientes do Direito Civil e do Direito do Mercado Financeiro com aquelas oriundas do Direito do Consumidor. Para verificar a viabilidade dessa hipótese, são adotadas como diretrizes teóricas a Análise Econômica do Direito e a Análise Jurídica da Economia, cujos postulados da eficiência eco- nômica e da proteção do investidor orientam o raciocínio desenvolvido neste trabalho. Em seguida, sucintamente, são expostas as estruturas normativas e operacionais do Sistema Fi- nanceiro Nacional, com foco na função desempenhada pelas sociedades corretoras na ativida- de de intermediação financeira do mercado acionário. Também são examinados os elementos que compõem o contrato de comissão bursátil, de constituição obrigatória para acesso ao mer- cado de bolsa. Tais análises permitem constatar que as regras consumeristas somente deverão ser aplicadas em benefício do investidor quando verificada tanto a vulnerabilidade quanto a hipossuficiência desse sujeito contratual. Com isso, torna-se possível conciliar, a partir de diálogo de complementaridade, as normas de direito contratual do Código Civil, os princípios e regras que estruturam o Sistema Financeiro Nacional e as disposições legais protecionistas do Código de Defesa do Consumidor. Ao final desta tese, a veracidade da hipótese é compro- vada mediante a demonstração do principal efeito decorrente da identificação da natureza do contrato de comissão bursátil como consumerista: a responsabilidade objetiva das sociedades corretoras em virtude de danos causados ao investidor individual. Conclui-se, então, que o procedimento hermenêutico do diálogo das fontes atende, a uma só vez, aos imperativos de eficiência e de segurança ditados pelo ordenamento jurídico brasileiro no que concerne à pro- teção do investidor individual. Isso porque oferece a esse a devida proteção demandada por suas condições econômicas, jurídicas e técnico-científicas.
PALAVRAS-CHAVE: sociedade corretora de títulos e valores mobiliários, responsabilidade civil, contrato de comissão bursátil, investidor, consumidor.
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This thesis analyses the juridical relationship between individual investor and securities trade companies in order to acquire and sell stocks in Stock Exchange. By this way, it aims to iden- tify the type of liability that may be applied against that financial institution when, due to vio- lation of its duties, it causes damages to its client (fault or nonfault liability). It is investigated, for this, the civil or consumerist nature of stock exchange commission contract and it is cogi- tated about the application of Sources Dialogue’s Theory as the justification for the combina- tion of rules coming from Civil and Financial Market Law to those related to Consumer Law. To verify the viability of this hypothesis, it is adopted as theoretical guidelines the Law & Economics and the Legal Analysis of Economy, whose postulates of economic efficiency and investor’s protection orientate the reasoning developed on this work. Subsequently normative and operating structures of National Financial System are briefly exposed, focusing on the function performed by the securities trade companies in the stock market’s financial interme- diation activity. The elements of the commission contract established for access stock market are also analyzed as their use is compulsory to access stock exchange market. Such analysis enable to attest that consumer rules only may be applied on benefit of the investor when oc- curs vulnerability and weakness of this contractual party. Thus, it is possible to conciliate, founded on a complementarity dialogue, the contractual law rules from Civil Code, the struc- tural principles and rules of the National Financial System and the protectionist legal disposi- tions of Consumer’s Protection Code. Finally, the hypothesis veracity is confirmed by the demonstration of the mainly effect generated by the identification of the commission stock exchange consumerist nature: the securities trade companies’ non-fault responsibility for damages generated against individual investor. It is concluded, that the hermeneutic procedure of Sources Dialogue fulfills not only the efficiency but also the security imperatives dictated by the Brazilian legal order concerning to individual investor protection. That’s because it offers the deserved protection demanded by individual investor economical, juridical and technical-scientific conditions.
KEYWORDS: securities trade companies, civil liability, stock comisson contract, investor, consumer.
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AED – Análise Econômica do Direito
AJE – Análise Jurídica da Economia
BCB – Banco Central do Brasil
BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros
BM&FBOVESPA – Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (atual) Bovespa – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (antiga)
BSM – BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados
CBLC – Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CMN – Conselho Monetário Nacional
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
CC/02 – Código Civil de 2002
G20 – Grupo dos 20 países mais ricos do mundo e nações emergentes IN – Instrução Normativa
Ltda – Sociedade Limitada
IPO – Inital Public Offering
LSA – Lei das Sociedades Anônimas
MRP – Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos
OPA – Oferta Pública de Ações
S.A. – Sociedade Anônima
SFN – Sistema Financeiro Nacional
STJ – Superior Tribunal de Justiça
STF – Supremo Tribunal Federal
TJMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
TJPR – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
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1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 13
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS........................................................... 21
2.1 PERSPECTIVAS TRANSDISCIPLINARES..................................................... 21
2.2 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO....................................................... 24
2.2.1 Princípios básicos................................................................................................ 24
2.2.2 Responsabilidade civil e eficiência econômica................................................. 30
2.2.3 Vertentes da Análise Econômica do Direito..................................................... 33
2.3 A ANÁLISE JURÍDICA DA ECONOMIA........................................................ 35
2.3.1 Noção propedêutica............................................................................................ 35
2.3.2 Direito do Mercado Financeiro......................................................................... 40
2.4 OPÇÃO METODOLÓGICA............................................................................... 51
3 CONTEXTUALIZAÇÃO JURÍDICA E ECONÔMICA................. 54
3.1 COMPOSIÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.......................... 56
3.2 ORGANIZAÇÃO SISTÊMICA DO MERCADO DE CAPITAIS................... 60
3.2.1 Noções gerais....................................................................................................... 60
3.2.2 Classificações do mercado de valores mobiliários........................................... 63
4 ESTRUTURA NORMATIVA DO MERCADO DE CAPITAIS...... 68
4.1 Regulação financeira............................................................................................. 68
4.2 CMN, BCB e CVM.......................................................................................... 74
4.3 Autorregulação no mercado de capitais.............................................................. 85
5. ESTRUTURA OPERACIONAL DO MERCADO DE BOLSA...... 94
5.1 AGENTES PARTICIPANTES DAS NEGOCIAÇÕES BURSÁTEIS............. 94
5.1.1 A BM&FBOVESPA........................................................................................... 94
5.1.2 Os emissores de valores mobiliários................................................................. 99
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5.1.3 As instituições financeiras intermediárias........................................................
5.2 INTERAÇÕES ENTRE OS AGENTES DOS MERCADOS ACIONÁRIOS.
5.3 VISÃO PANORÂMICA DAS CADEIAS CONTRATUAIS INTERMEDIÁRIAS DOS NEGÓCIOS COM AÇÕES..........................................
5.3.1 Contratos intermediários do mercado primário de ações..............................
5.3.1.1 A subscrição particular de ações......................................................................
5.3.1.2 A subscrição pública de ações......................................................................
5.3.2 Contratos intermediários do mercado secundário de ações (à vista)............
6 O CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL...................................
6.1 SUJEITOS CONTRATANTES...........................................................................
6.1.1 As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários...............................
6.1.2 O investidor........................................................................................................
6.2 OBJETO CONTRATUAL...................................................................................
6.3 CONTEÚDO OBRIGACIONAL.........................................................................
6.3.1 Os deveres de conduta decorrentes da boa-fé-objetiva..................................
6.3.2 Obrigações primárias oriundas do contrato de comissão bursátil................
6.4 TIPICIDADE CONTRATUAL............................................................................
6.5 CLASSIFICAÇÕES GERAIS..............................................................................
7 A NATUREZA CONSUMERISTA DO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL........................................................................
7.1 A RELAÇÃO DE CONSUMO NO DIREITO BRASILEIRO.........................
7.1.1 O conceito de fornecedor...................................................................................
7.1.2 O conceito de consumidor..................................................................................
7.1.2.1 A polêmica sobre a caracterização do investidor como consumidor..............
7.1.3 O serviço como objeto da relação de consumo................................................
7.1.4 Danos decorrentes de defeito do serviço ou do mero risco do investimento.
7.2 Proposta hermenêutica para a proteção do investidor individual....................
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8 A RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CORRETORA PELA VIOLAÇÃO DO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL...............................................................................................
8.1 NOÇÕES PRELIMINARES.......................................................................
8.2 A CONTROVÉRSIA JURISPRUDENCIAL SOBRE O TIPO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA SOCIEDADE CORRETORA PELA VIOLAÇÃO DO CONTRATO DE COMISSÃO BURSÁTIL...............................
8.2.1 A responsabilidade civil subjetiva.....................................................................
8.2.2 A responsabilidade civil objetiva......................................................................
9 CONCLUSÃO.......................................................................................
REFERÊNCIAS.......................................................................................
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LISTA DE QUADROS, FLUXOGRAMAS E ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1.................................................................................................
FIGURA 2.................................................................................................
FIGURA 3.................................................................................................
FIGURA 4.................................................................................................
FIGURA 5.................................................................................................
FIGURA 6.................................................................................................
FIGURA 7.................................................................................................
FIGURA 8.................................................................................................
FIGURA 9.................................................................................................
FIGURA 10...............................................................................................
FIGURA 11...............................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
Após o colapso provocado pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, a proteção dos interesses envolvidos no mercado financeiro somente voltou a re- ceber devida atenção em razão das crises econômicas mundiais de 2001 e de 2007.
A primeira teve como motivos propulsores os escândalos contábeis relacionados a grandes companhias norte-americanas, os quais provocaram a promulgação do Sarba- nes-Oxley Act. Essa lei visou coibir manipulações nas demonstrações contábeis dessas instituições e, para isso, criou um organismo regulador das empresas de auditoria, impu- tando penas e responsabilidades a seus administradores que praticassem ilícitos1.
A segunda foi precipitada, dentre outros fatores, pela falência do tradicional banco de investimento estadunidense Lehman Brothers. Por causa das consequências desse evento, o encontro dos membros do G20 promovido em Los Cabos (Méxi- co/2012) ressaltou, dentre suas conclusões, a necessidade de esforço conjunto para or- ganização, prevenção e recuperação das economias em crise.
No que diz respeito aos países da União Européia, restou assentado que eles de- vem tomar todas as medidas necessárias para salvaguardar a integridade e a estabilidade de suas áreas de abrangência. Dessa maneira, estão incumbidos, especificamente, de aprimorar o funcionamento dos mercados financeiros e quebrar o círculo rotativo de prejuízos entre os Estados e as instituições financeiras2.
Apesar de também sentir os efeitos dessa última crise, a economia brasileira não teve seu crescimento paralisado, o que possibilitou considerável multiplicação do volu- me de negócios efetuados no mercado de valores mobiliários. Consequentemente, inves- timentos em companhias abertas foram popularizados entre pessoas detentoras de pouco conhecimento acerca da dinâmica regulatória e operacional desse setor da economia.
Por outro lado, recentes avanços tecnológicos também aceleraram o progresso das transações financeiras, por ampliarem o acesso à bolsa de valores, permitindo que se
1 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Sarbanes-Oxley Act. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
2 Against the background of renewed market tensions, Euro Area members of the G20 will take all neces- sary measures to safeguard the integrity and stability of the area, improve the functioning of financial markets and break the feedback loop between sovereigns and banks. (G20 LEADER’S SUMMIT, 6, 2012, Los Cabos. G20 leaders declaration. Los Cabos: México G2012, 2012, p. 2. Disponível em:
<xxxx://xxx.x00xxxxxx.xxx/xxxxxx/xxxxxxx/xxxx/x00/xxxxxx/X00_Xxxxxxx_Xxxxxxxxxxx_0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
invista de forma ágil e menos complexa nesse campo econômico. Como exemplo, tem- se a ferramenta tecnológica do homebroker, que consiste em sistema operacional capaz de conectar o usuário ao pregão eletrônico, viabilizando investimentos, em tempo real, por meio da internet.
Nesse contexto, assumem relevância os objetivos da regulação econômica no âmbito do mercado de capitais. Dentre eles, merecem ênfase os postulados da proteção do investidor e da eficiência do sistema de intermediação e distribuição de valores mo- biliários.
Sobre o tema, Xxxxxx Xxxxxxx et al. explicam
A proteção dos investidores é basicamente provida mediante normas que regulam a conduta dos emissores de valores mobiliários e dos in- termediários financeiros. Com relação aos emissores, as normas vi- sam especialmente a exigir a prestação plena e acurada das informa- ções necessárias à avaliação dos valores mobiliários ofertados e coibir comportamentos ilegais ou abusivos dos administradores e acionistas controladores. Já com relação aos intermediários financeiros, objeti- vam as normas, principalmente: coibir práticas de manipulação do mercado; eliminar conflito de interesses; impedir a discriminação en- tre seus clientes; e promover tratamento adequado às necessidades fi- nanceiras dos clientes.
Outro objetivo fundamental da regulação é o de fazer com que o mer- cado funcione com eficiência. Nesse sentido, vários estudos vêm de- monstrando que a regulação demanda a prestação de um volume mai- or de informações do que os emissores de títulos apresentariam num mercado não regulado. O aumento na quantidade e qualidade das in- formações resulta num processo de formação de preços mais eficien- te, bem como na tomada de decisões mais racionais, com resultados benéficos para a economia3.
3 Os autores ainda acrescentam que: “[...] a regulação deve promover a confiança dos investidores nas entidades que emitem publicamente seus valores mobiliários, assim como naquelas que os intermedeiam ou propiciam os locais ou mecanismos de negociações, de custódia, compensação e liquidação das opera- ções. Ou seja, os investidores devem poder acreditar que seus retornos em aplicações no mercado estarão razoavelmente relacionados aos riscos dos investimentos; que as instituições atuantes apresentam integri- dade financeira; e que as informações providas pelas emissoras de valores mobiliários são verazes e fide- dignas. [...] Assim, a regulação pode reduzir os riscos dos investidores, na medida em que obriga os emis- sores dos valores mobiliários a divulgar todas as informações relevantes, assim como veda a utilização de informações privilegiadas e quaisquer outras práticas fraudulentas ou de manipulação de mercado. Tal não significa, porém, que a regulação elimine os riscos, que são da essência do mercado de capitais; o que ela pode prover é uma redução de determinados riscos, não dos riscos dos investimentos, mas daqueles derivados de comportamentos ilícitos. Com efeito, os riscos dos investimentos em títulos de renda variá- vel, que são mais negociados no mercado de capitais, não podem ser eliminados, uma vez que constituem títulos que não atribuem a seus tomadores retornos fixos, mas simplesmente o direito de participarem nos eventuais lucros gerados pela companhia emissora.” (XXXXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de Capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 18 e 19, grifos nossos).
Contudo, o binômio proteção-eficiência não importa somente em exigir que o fluxo de informações atinja nível ótimo de difusão no mercado de capitais. Ele também implica na repressão eficaz das condutas prejudiciais ao regular funcionamento dessa seara econômica. Do contrário, não haverá como eliminar agentes ímprobos ou prevenir condutas contrárias à integridade do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Com o propósito de contribuir para a evolução do conhecimento científico nesse campo, este trabalho analisa a relação jurídica estabelecida entre investidor individual e sociedade corretora de títulos e valores mobiliários, com o objetivo de identificar, pri- meiramente, a qual regime se submete o contrato de comissão bursátil (civil ou consu- merista).
Nessa perspectiva, a hipótese que se pretende confirmar ou refutar para a pro- blemática levantada considera, com base na Teoria do Diálogo das Fontes:
i. que o Direito Civil é o regime geral aplicável ao mencionado vínculo jurí- dico e deve ser combinado com as normas específicas provenientes do Di- reito do Mercado Financeiro e que;
ii. essa disciplina legal deve ser complementada por regras oriundas do direito do consumidor – e, dentre elas, aquela que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor (art. 14 do CDC) – nas situações em que o investi- dor se encontra em condições de vulnerabilidade e hipossuficiência.
Dessa forma, para testar a veracidade de tal hipótese, é necessário analisar, pri- meiramente, se o contrato de comissão bursátil pode se submeter à disciplina normativa do Código de Defesa do Consumidor e se as condições do investidor individual deman- dam o tratamento jurídico diferenciado proporcionado por esse diploma legal.
Com base nas conclusões extraídas dessas análises, será possível investigar a principal problemática desta tese: o tipo de responsabilidade (subjetiva ou objetiva) aplicável às sociedades corretoras em virtude do descumprimento de dever oriundo do contrato de comissão bursátil firmado com o investidor individual para compra e venda de ações.
Na jurisprudência nacional, há precedentes fundamentados na regra geral da res- ponsabilidade subjetiva, prevista no art. 186 do Código Civil de 2002 e outros que se alicerçam na disciplina excepcional da responsabilidade objetiva, consignada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, nenhum desses julgados enfrenta a
aparente contradição entre consumo e investimento, nem considera o regime jurídico especial, que incide sobre a intermediação financeira de valores mobiliários. Tal regime se encontra edificado pelas normas do SFN e, em regra, não prevê a responsabilização das sociedades corretoras independentemente da existência de culpa.
Além disso, as decisões judiciais brasileiras nem sempre se detém à distinção en- tre os prejuízos experimentados pelos investidores em razão do risco do investimento e aqueles provenientes da conduta ilícita do intermediário financeiro. Por outro lado, há manifestações jurisprudenciais que consideram, equivocadamente, o valor mobiliário como objeto do contrato de comissão bursátil ao passo que esse consiste, na verdade, na prestação dos serviços necessários à aquisição ou alienação de tais bens.
Essas constatações revelam a necessidade de se realizar profunda análise da re- lação jurídica estabelecida entre o investidor individual e as sociedades corretoras com o fim de avaliar, particularmente, se o ordenamento jurídico brasileiro admite a aplicação simultânea de normas4 provenientes do Direito do Mercado Financeiro e do CDC.
Noutras palavras, urge perquirir se o investidor individual do mercado de valores mobiliários pode ou não ser equiparado ao consumidor para fins de extensão do regime protetivo consumerista. Outrossim, caso se conclua que a referida equiparação é compa- tível com o direito brasileiro, cabe esclarecer as nuances da tutela concedida aos consu- midores de serviços financeiros. Sob essa perspectiva, Xxxxxx Xxxxxx explica
Tal proteção diverge daquela comumente outorgada aos consumidores de outros produtos, tanto pela natureza da prestação, quanto pela for- ma de operação dos mercados. Os meios peculiares para a proteção ao consumidor no mercado financeiro e de capitais estão relacionados não apenas à tutela das posições individuais, mas também à necessi- dade de garantir a confiabilidade dos mercados, sua estabilidade e efi- ciência (o que lembra que mesmo a regulação de condutas não deixa de ser de efeitos sistêmicos). Mais do que a qualidade do produto ad- quirido, não raro de difícil, senão impossível, reconhecimento a prio- ri, cumpre garantir a legitimidade dos procedimentos adotados. Natu- ralmente, tal distinção não é, por si, impeditiva da aplicação de dispo-
4 A atuação das sociedades corretoras não é regida apenas por leis, mas também por outros tipos de nor- mas que, embora não provenham do Poder Legislativo, integram o SFN (ex. Resoluções do CMN, instru- ções da CVM, etc). Dessa forma, vale lembrar o conceito de norma apresentado por Xxxx Xxxxxxx Xxxx: “norma é todo preceito expresso mediante estatuições primárias (na medida em que vale por força pró- pria, ainda que eventualmente com base em um poder não originário, mas derivado ou atribuído ao órgão emanante), ao passo que lei é toda estatuição, embora carente de conceito normativo, expressa, necessari- amente com valor de estatuição primária, pelos órgãos legislativos ou por outros órgãos delegados daque- les. A lei não contém, necessariamente, uma norma. Por outro lado, a norma não é necessariamente ema- nada de uma lei. E, assim, temos três combinações possíveis: a lei-norma, a lei não-norma e a norma não- lei.” (XXXX, Xxxx Xxxxxxx. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 179).
sições comuns de defesa do consumidor, mas ela se impõe quando da elaboração de mecanismos específicos para tal5.
Para verificar a veracidade da hipótese antes aludida, cogitou-se, durante a pes- quisa, acerca de provável diálogo de complementaridade entre a lei consumerista e as demais fontes normativas estruturantes do SFN. Isso porque, por meio desse diálogo, tornar-se-ia possível atender aos graus variados de proteção necessários para a adequada salvaguarda dos interesses dos investidores brasileiros.
Tal diálogo de complementaridade consiste em uma das aplicações da Teoria do Diálogo das Fontes, elaborada pelo jurista alemão Xxxx Xxxxx e trazida para o Brasil por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Segundo essa autora, há pluralidade de leis ou fontes que coe- xistem num mesmo ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, possuem campos de apli- cação ora coincidentes, ora não coincidentes6. No entanto, há efetivamente mais convi- vência de leis com campos de aplicação diferentes, do que evidente exclusão 7. Tais circunstâncias importam no desafio de aplicar as fontes em diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado inegavelmente plural, fluído, mutável e complexo8.
Convém, entretanto, delimitar alguns aspectos quanto ao tema-problema objeto de análise. Primeiramente, cabe esclarecer que as sociedades corretoras são intermediá-
5 O autor ainda ilustra que: “são exemplos dessas regras de proteção aos consumidores dos serviços fi- nanceiros, incidindo sobre o próprio intermediário ou sua organização interna ou sobre atos negociais diversos (as práticas adotadas na relação com terceiros), mecanismos formais (como regras de qualifica- ção, técnica ou mesmo moral, aplicáveis aos intermediários, seus administradores e representantes); a obrigação de uniformizar procedimentos e modelos negociais, a obrigatoriedade de envio de informações para os consumidores e também para os reguladores (o chamado ‘full disclosure’), pelo intermediário, seus administradores ou controladores, conforme o caso, ou mesmo pelos emissores dos títulos negocia- dos; a vedação ao uso de informações detidas em razão da posição privilegiada, pelo intermediário finan- ceiro ou pelo administrador do emissor dos títulos negociados (a vedação ao ‘insider trading’). Embora, a bem da verdade, todos os pontos acima assinalados estejam relacionados à redução da situação de hipos- suficiência dos consumidores ou de terceiros em geral, os autores dedicam especial atenção, ao tratar da matéria, às obrigações de prestar informações (ou dar acesso a elas) e de não fazer uso das informações privilegiadas. Estes são, com efeito, os mecanismos mais simples para a redução das distorções geradas, de forma direta ou indireta, pelas assimetrias informacionais típicas das relações financeiras, mitigando os efeitos dos conflitos de interesses inerentes à relação ‘principal-agent’.” (XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 224 e 225).
6 XXXXX, Xxxx. Identité culturelle et intégration: Le droit internationale privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye. Kluwer: Doordrecht, II, 1995, 60 e 251 apud MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da ESMESE. n. 7, Aracaju: ESMESE/TJ, 2004, p. 16.
7 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da ESMESE. n. 7, Aracaju: ESMESE/TJ, 2004, p. 43.
8 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da ESMESE. n. 7, Aracaju: ESMESE/TJ, 2004, p. 44.
rias que, compulsoriamente, devem ser contratadas para que o investidor individual acesse o mercado de bolsa e negocie valores mobiliários com terceiros. Logo, outros investidores podem ser afetados pelas condutas dessas instituições financeiras e não apenas os seus clientes.
Contudo, o presente texto se atém apenas às relações entre as sociedades corre- toras e os investidores individuais que com elas contrataram, vez que, quanto a esses, será enfrentada a polêmica sobre seu possível enquadramento na categoria de consumi- dor. Portanto, devido à delimitação que foi estabelecida no desenvolvimento deste estu- do, estão excluídos da pesquisa os investidores considerados qualificados ou institucio- nais (ex. fundos e clubes de investimento, entidades de previdência privada etc).
Outro limite demarcado pela investigação proposta nesta tese diz respeito ao tipo de bem objeto da atividade de intermediação potencialmente lesiva aos investidores. No exercício de suas funções, as sociedades corretoras intervêm em negociações relaciona- das a diversas espécies de valores mobiliários. Por isso, optou-se por investigar apenas a responsabilidade derivada de negócios cuja finalidade é transferir ações, pois tanto a emissão quanto a comercialização desse tipo de valor mobiliário são operações essenci- ais ao funcionamento de qualquer companhia aberta.
O Direito Português apresenta considerável avanço quanto ao tratamento da ma- téria, razão pela qual será tomado como modelo comparativo da investigação proposta, o que permitirá verificar se a literatura, a jurisprudência e as normas regulatórias nacio- nais tratam adequadamente o problema. Contudo, tal opção metodológica não impede a menção pontual à doutrina espanhola ou o exame de como a proteção dos investidores- consumidores tem sido tratada pelas diretrizes da União Europeia.
No que tange às implicações concretas de se aplicar a disciplina civil ou consu- merista à relação jurídica constituída entre investidor individual e sociedade corretora, opta-se por averiguar, neste trabalho, somente a responsabilidade dessa devido ao des- cumprimento dos deveres impostos pelo contrato de comissão bursátil.
Além disso, deve ter-se em mente que as condutas ilícitas praticadas no âmbito do mercado de valores mobiliários ocasionam aos seus autores responsabilidades de três ordens: civil, administrativa e criminal. Daí porque este estudo se limita a investigar apenas a primeira dentre essas formas de responsabilização, qual seja: aquela que impli- ca em indenização como consequência dos atos lesivos a interesses de terceiros. E isso porque esse mecanismo jurídico é apto a tutelar simultaneamente o interesse individual
da vítima e a confiança do público investidor, a qual constitui viga mestra das relações jurídicas estabelecidas no mercado de capitais9.
Com a finalidade de analisar o tema-problema desta tese, conjugar-se-ão, no primeiro capítulo, como referenciais teóricos, postulados fornecidos pela Análise Eco- nômica do Direito e pela Análise Jurídica da Economia10.
A primeira proporciona os elementos necessários para a compreensão do concei- to de eficiência das trocas econômicas, essencial à compreensão da dinâmica inerente às relações estabelecidas no mercado de valores mobiliários. Além disso, esse conceito também fundamenta a submissão do contrato de comissão bursátil ao Direito Civil co- mo seu regime jurídico geral e ao conjunto das normas especiais do Direito do Mercado Financeiro instituídas para conferir segurança e presteza às negociações financeiras.
A segunda oferece o arcabouço teórico necessário à compreensão do princípio da proteção do investidor, capaz de alicerçar a sujeição daquele mesmo negócio jurídico ao regime consumerista, sempre que restar clara a situação de inferioridade do investi- dor devido à sua vulnerabilidade e hipossuficiência11.
Por outro lado, também convém apresentar as bases conceituais indispensáveis à compreensão da atividade de intermediação financeira no mercado de capitais. Com esse escopo, o segundo capítulo do presente texto busca contextualizar a função exerci-
9 Enfatizando a confiança como condição essencial para a existência do mercado de capitais, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “As operações de Bolsa e as aplicações em mercado de capitais, pelas suas características e celeridade com que se realizam, repousam, em regra. no fator ‘confiança’ que o investidor deposite nas entidades financeiras e corretores. É um mercado nervoso, que exige presteza e velocidade em suas operações, e, diante do fator, ‘confiança’, descuida-se do aspecto formal. A pressa signo lamentável da sociedade moderna exige cada vez mais a confiabilidade e a confiança em substitui- ção do formalismo burocrático. Assim, provada a realização de aplicações financeiras através de agente autônomo credenciado da instituição nas instalações desta e em impresso próprio presumida a normalida- de da transação, irrelevante não se ter dado a operação por cheques nominais emitidos pelo investidor em favor da financeira e de omitido seu nome na prestação de contas do intermediador, que não exigia tal cautela. De se aplicar, portanto, a teoria da aparência de direito, que deve produzir, para o terceiro de boa- fé, os mesmos efeitos das situações regulares, admitido o resgate da quantia acrescidas de juros de mora e correção monetária.” (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Quarta Câmara Cível. Apelação Cível nº 102.653-1.Relator: Des. Xxxxx Xxxxx. 16 fev. 1989. XXXXX, Xxx. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5 ed., São Paulo: RT. 2001,
p. 512, grifos nossos).
10 A Análise Jurídica da Economia propõe o exame de questões econômicas segundo parâmetros forneci- dos pelo Direito. Essa nova técnica epistemológica vem sendo aplicada por pesquisadores da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais liderados pelo Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx.
11 Xxxxxx Xxxxxx sustenta que proteção do investidor propiciada pela regulação do mercado de capitais repousa sobre duas razões. De um lado, tem-se a falta de especialização daqueles que não atuam cotidia- namente nesse mercado ou junto ao emaranhado de relações internas estruturantes da intermediação fi- nanceira. De outro, vislumbram-se as assimetrias informacionais nas relações com instituições financei- ras, que dificultam a mensuração dos riscos impostos àqueles que com elas contratam. (YAZBEK, Ota- vio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 192).
da pelas sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários no SFN. Dedica-se, para tanto, a explicitar os principais contornos jurídicos e econômicos que permeiam a con- clusão das operações bursáteis pelas instituições financeiras intermediárias do mercado de capitais.
Nas bolsas de valores, as transações econômicas envolvem complexas cadeias de contratações tanto para a distribuição quanto para a comercialização de ações. Daí por- que se mostra imprescindível identificar o mercado acionário como segmento do SFN e, em seguida, expor os principais elementos de sua estrutura normativa e operacional.
Seguindo essa lógica, o terceiro capítulo trata de apresentar os entes responsá- veis por regular a intermediação bursátil enquanto o quarto descreve a organização dos agentes que interagem no mercado de ações. A exposição de tais elementos viabiliza a análise isolada da natureza jurídica de cada contrato necessário à celebração de negócios com ações dos mercados primário e secundário.
Como componente dessas cadeias de negociações, o contrato de comissão bursá- til é estudado detalhadamente no quinto capítulo deste trabalho. Nessa parte, são lança- dos os pressupostos para a compreensão da natureza civil ou consumerista da relação estabelecida entre investidor individual e sociedade corretora. Para isso, são apresenta- dos os sujeitos daquele contrato, os deveres dele provenientes, bem como sua categori- zação típica e suas classificações gerais.
Com base nessas informações, são analisados, no capítulo seguinte, os principais elementos da relação de consumo em confronto com aqueles que compõem o contrato de comissão bursátil. Com isso, torna-se possível verificar se esse liame contratual se submete à disciplina legal consumerista, com a consequente dispensa da análise da cul- pa para se impor à sociedade corretora o dever de reparação das lesões ocasionadas ao investidor individual.
E, levando em consideração que esse é o principal desdobramento da categoriza- ção do contrato de comissão bursátil como civil ou consumerista, o último capítulo co- laciona julgados relevantes acerca da matéria, com objetivo de avaliar se a questão tem sido tratada adequadamente pelos tribunais pátrios.
2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
2.1 PERSPECTIVAS TRANSDISCIPLINARES
As interações entre Direito e Economia foram, por muito tempo, negligenciadas pelos estudiosos de ambas as áreas12. Nas Ciências Jurídicas, isso ocorreu tanto quando o Direito se encontrava permeado de forte carga teológica quanto na época posterior, em que passou a ser percebido conforme modelo análogo ao das Ciências Naturais.
Entretanto, a concepção orgânica e hierárquica do ordenamento perdeu força em meados do século XX13, quando declinaram as teorias hermenêuticas fundadas na ideia do Direito como campo isolado do conhecimento. Notou-se, então, que a multidimensi- onalidade da Ciência Jurídica era incompatível com a depuração de seus fundamentos filosóficos, psicológicos, históricos, econômicos, políticos, etc. Mas ainda predominava a visão do sistema legal como mero instrumento do Estado para promoção de paz social, devido à sua eficácia para garantir igualdade, segurança e justiça entre os cidadãos. Até
12 Xxxxxxx Xxxxx, prêmio nobel de economia, evidencia a íntima ligação entre as duas ciências: “De fato, a dificuldade em se criar um sistema judicial dotado de relativa imparcialidade, que garanta o cumprimen- to dos acordos, tem-se mostrado um impedimento crítico no caminho do desenvolvimento econômico. No mundo ocidental, a evolução dos tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial relativamente imparcial tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um complexo sistema de contratos capaz de se estender no tempo e no espaço, um requisito essencial para a especialização econô- mica.” Indeed, the difficulty of creating a relatively impartial judicial system that enforces agreements has been a critical stumbling block in the path of economic development. In the Western world the evolu- tion of courts, legal systems, and a relatively impartial system of judicial enforcement has played a major role in permitting the development of a complex system of contracting that can extend over time and space, an essential requirement for economic specialization. (NORTH, Xxxxxxxx Xxxxx. Transaction costs, institutions, and economic performance. Occasional papers. São Francisco: Centro Internacional para o Crescimento Econômico, n. 30, 1992, p. 8, tradução nossa).
13 “O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse con- texto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhe- cimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre ética e Direito.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Fun- damentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2 ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 27 e 28).
este momento, não se cogitava a respeito das interações recíprocas existentes entre as regras jurídicas e o fluxo contínuo de bens e direitos na sociedade.
A Economia, a seu turno, também nasceu e se desenvolveu à margem do Direito. Concebida inicialmente como “ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que possuem usos alternativos” 14, a Economia sur- giu balizada por postulados alheios às influências das normas e decisões jurídicas sobre as ações pessoais.
Até a década de 1930, os fatos econômicos eram explicados com fundamento no contexto histórico-evolutivo das instituições sociais. Ignoravam-se, portanto, as reper- cussões das regras jurídicas e da jurisprudência sobre o desenvolvimento mercantil e financeiro da sociedade.
Por conseguinte, muitos institutos e políticas econômicas foram elaborados sem a devida consideração para com seu significado perante o Direito. E, apesar dessa reali- dade experimentar sensível avanço15, subsistem, ainda, operações econômicas engen- dradas sem atenção compatível com suas correspondentes repercussões jurídicas. É o caso, por exemplo, dos contratos derivativos e de diversas negociações cujo teor jurídi- co ainda permanece obscuro ou pouco compreendido pelos juristas (edge, swap, draw back etc).
A Análise Econômica do Direito surgiu como movimento científico voltado ao combate da perspectiva reducionista do fenômeno jurídico descrita acima. Para tanto, propôs novo modelo compreensivo da realidade normativa e do sistema decisório, cujo ponto de partida é a percepção do Direito como resultado de sua época e, por isso, vin- culado a fatores econômicos.
14 Economics is the science which studies human behaviour as a relationship between ends and scarce means which have alternative uses. (XXXXXXX, Xxxxxx. An essay on the nature and significance of eco- nomic science. 2. ed., London: Macmillan and Co., Limited., 1945, p. 16. Disponível em:
<xxx.xxxxx.xxx/xxxxx/xxxxxxxxxxxx0.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014, tradução nossa).
15 Atualmente, evidenciam-se sinais de que os economistas têm atinado para a importância das implica- ções legais das relações econômicas. Hay, Xxxxxxxx e Xxxxxx explicitam essa mudança de horizontes quando esclarecem: “o primado do Direito significa em parte que as pessoas usam o sistema legal para estruturarem suas atividades econômicas e resolverem suas contendas. Isso significa, entre outras coisas, que os indivíduos devem aprender o que dizem as regras legais, estruturar suas respectivas transações econômicas utilizando essas regras, procurar punir ou obter compensações daqueles que quebram as re- gras e voltar-se a instâncias públicas, como os tribunais e a polícia, para a aplicação dessas mesmas re- gras.” The rule of law means, in part, that people use the legal system to structure their economic activi- ties and resolve disputes. This includes learning what the legal rules say, structuring their economic transactions using these rules, seeking to punish or obtain compensation from those who break the rules, and turning to the public officials, such as the courts and the police, to enforce these rules. (XXX, Xxxx- xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx. Toward a theory of legal reform. European economic re- view. Holanda: Elsevier, v. 40, n. 3 a 5, p. 559 a 567, abril 1996, p. 559, tradução nossa).
Descobriram-se, então, as inúmeras contribuições que as Ciências Econômicas poderiam oferecer para o aperfeiçoamento da formulação, interpretação e aplicação das normas jurídicas. Em face da premissa de que as pessoas agem racionalmente, identifi- cou-se a suscetibilidade humana a incentivos externos indutores de certos comporta- mentos (ex. prêmios e punições). Nesse plano, a legislação e as decisões judiciais se revelaram como fortes mecanismos estimuladores das condutas individuais16. Com isso, notou-se a relação direta entre a eficiência do sistema jurídico e a aderência das normas positivadas às instituições sociais. Essa interconexão constitui denominador comum entre os vários estudos realizados à luz da AED17.
Noutra monta, a Análise Jurídica da Economia desponta, atualmente, como res- posta à proliferação de figuras econômicas cuja composição fática desconsidera o senti- do jurídico de sua arquitetura financeira. Trata-se de nova forma de enfrenta-las, pois considera a natureza legal das negociações sob a ótica das categorias e valores constan- tes do ordenamento. Para isso, a AJE se propõe a decompor os aspectos e conceitos econômicos estruturantes de cada instituto ou contratação existente no mercado, com o fim explicitar seu significado jurídico.
Inserido nesse contexto, o tema deste trabalho – o contrato de comissão bursátil destinado a negócios com ações e o tipo de responsabilidade imputável à sociedade corretora pelo descumprimento dos deveres nele consignados – assumem contornos transdisciplinares. Tanto assim que, para ser investigado, são necessárias noções prove- nientes tanto do Direito quanto da Economia. Daí porque os métodos de abordagem fornecidos pelas correntes científicas supramencionadas se mostram úteis para enfrentar a referida discussão na sua integralidade.
Diante disso, a noção de “Justiça” orientadora do raciocínio lógico-dedutivo acerca da problemática abordada nesta tese terá por fundamento pressupostos que, de
16 Xxx Xxxx Xxxxxx sintetiza o fim precípuo da Análise Econômica do Direito: “o direito é, de uma pers- pectiva mais objetiva, a arte de regular o comportamento humano. A economia, por sua vez, é a ciência que estuda como o ser humano toma decisões e se comporta em um mundo de recursos escassos e suas consequências. A Análise Econômica do Direito, portanto, é o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.” (XXXX XXXXXX, Xxx. Introdu- ção ao direito e economia. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1).
17 XXXXXX, Xxxxxx. Law & Economics. ZYLBERSZTAJN, Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxx (org.). Direito & economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 75.
forma complementar, são extraídos tanto da Análise Econômica do Direito quanto da Análise Jurídica da Economia.
O aparato científico fornecido pela AED permite identificar parâmetros confor- madores da “Justiça” a partir da lógica da eficiência alocativa. Noutro ângulo, a AJE possibilita depurar essa concepção com base no complexo de valores recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dentre eles, incluem-se diretrizes desprovidas de qualquer conotação financeira, com ênfase no princípio da proteção do investidor.
A combinação de tais enfoques se mostra adequada porque ambos conservam o mesmo escopo científico: a promoção de previsibilidade e segurança jurídicas18. Logo, convém explicitar suas bases teóricas antes de se proceder à análise do contrato de co- missão bursátil em sua pluralidade de dimensões. Isso permitirá construir referencial teórico apto a captar as diversas implicações econômicas e jurídicas do tema-problema.
2.2 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
2.2.1 Princípios básicos
O movimento científico da Análise Econômica do Direito é frequentemente identificado com a chamada “Escola de Chicago” porque seus fundamentos foram, ini- cialmente, formulados por teóricos ligados a essa universidade. Todavia, cabe frisar que, os adeptos dessa corrente da AED, liderados por Xxxxxxx Xxxxxx, desenvolveram-
18 Nessa linha, Xxxxx Xxxxxxxx defende: “Para afastar discursos que muito sucesso podem fazer nas salas de bacharelado – mas que não resistem a uma análise mais profunda –, é preciso ter bem claro que todos os operadores do Direito, por mais ‘modernos’ que se proponham ser, preocupam-se em preservar (ou, pelo menos, em não abalar demasiadamente) a segurança e a previsibilidades jurídicas. Caso contrário defenderiam o autoritarismo e deixariam portas abertas para que a legalidade, pela qual a Humanidade lutou séculos, fosse substituída pelo despotismo e pelo arbítrio. Note-se, todavia, que a segurança e a previsibilidade são valiosas também para os juristas ‘progressistas’, que vêem na interpretação uma ativi- dade criativa - e não meramente declaratória; e o são também para os que admitem a existência de uma pluralidade de ordenamentos jurídicos, reconhecendo como Direito normas não postas exclusivamente pelo Estado. Valem para os que defendem a larga utilização das cláusulas gerais, como fator necessário à flexibilização/adequação do Direito.” (XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Análise econômica do direito (AED): paranóia ou mistificação? Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIV, n. 139, p. 242 a 256, jul.-set., 2005, p. 243 e 244).
na no sentido da elaboração de uma teoria positiva do sistema jurídico, sob a ótica da eficiência econômica.
Xxxxxx xxxx, outros partidários da AED – principalmente os seguidores de Xxxxx Xxxxxxxxx, na Universidade de Yale – defenderam a conciliação entre cálculos econômi- cos e mundo dos valores, equilibrando princípios jurídicos e econômicos. Logo, o mé- todo de abordagem construído pelos partidários dessa vertente aliava à noção de efici- ência econômica diretrizes de natureza diversa, tais como: equidade e justiça19.
A AED proporciona nova forma de avaliar as questões sociais, unindo raciocínio jurídico e econômico20. Assim, o diferencial desse movimento se encontra na aplicação de princípios econômicos para o estudo e avaliação de normas, decisões jurídicas e ins- tituições políticas com o escopo de, dentre outros fins, desvendar suas repercussões so- bre a sociedade. Sob quaisquer de suas correntes, a “Law & Economics” propugna, por- tanto, o emprego de “métodos de economia para resolver problemas legais e inversa- mente, como o direito e as regras legais impactam a economia e o seu desenvolvimen- to”21.
Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx explica, por etapas, a gênese desse movi- mento, iniciando pela origem semântica da expressão “análise econômica”:
Para mais fácil entendimento, pode-se buscar o sentido etimológico. Ανά, que indica movimento para diante e para cima, e λυσις, substan- tivo que indica a ação de desatar, de desamarrar, de libertar, de deci- frar. Assim, podemos dizer que análise significa etimologicamente a
19 Muito embora existam outras correntes passíveis de serem incluídas no movimento da AED, a presente tese limitou-se a apontar apenas as duas acima. E isso em virtude das contribuições científicas proporcio- nadas pela Escola de Chicago e pela Escola de Yale se mostrarem como as mais adequadas às pondera- ções acerca tanto da natureza do contrato de comissão bursátil e quanto da responsabilidade da sociedade corretora decorrente do descumprimento de dever consubstanciado nesse negócio. Por outro lado, vale observar que, sob quaisquer de suas vertentes, a proporção alcançada pela AED no campo científico teve, dentre suas principais razões propulsoras: a) o declínio do intervencionismo do Estado sobre a economia, provocado pelo avanço do utilitarismo moderno e; b) a necessidade de superação do formalismo jurídico como método de aplicação do Direito. Essa última surgiu pelo fato do realismo jurídico ter se apresentado como alternativa viável ao abandono da subsunção autômata de regras legais, técnica que, até então, se calcava em conceitos fechados.
20 “A Análise Econômica do Direito tem como pressuposto a idéia de que o Direito é instrumento para conseguir fins sociais, sendo que o fim a conseguir é o da eficiência econômica. Afirma a idéia do jurista como engenheiro social que não descarta conhecimento das demais ciências sociais e considera a econo- mia como teoria geral da sociedade, que serve como instrumento fundamental do estudo dos fenômenos jurídicos. Outrossim, a função do Direito desloca-se de estabelecimento de parâmetro meramente moral de ação para um parâmetro de equilíbrio entre forças da demanda e da eficiência econômica.” (XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx. E-civitas revista científica do departamento de ciências jurídicas, políticas e gerenciais do UNI-BH. Belo Horizonte, vol. I, n. 1, nov., 2008, p. 10).
21 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Campus; Elsevier, 2005, p. 88.
ação de progressivamente examinar a realidade. Por outro lado, οικος (no grego moderno ήκος) significa casa, lar, e νοµία indica regulação. Daí poder-se dizer que “análise econômica” tem o sentido de um exa- me detalhado, objetivo e real da regulação, da administração domésti- ca, entendida esta num sentido restrito e num sentido amplo.22
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, por sua vez, parte da concepção da Economia como ciên- cia que analisa escolhas humanas, num mundo no qual os recursos são limitados para inferir que o homem age como maximizador racional de suas próprias finalidades23. Sob esse fundamento, sustenta que os recursos são utilizados eficientemente quando são empregados em seu mais elevado valor ou quando qualquer realocação não é capaz de lhes aumentar a importância.
Por essa razão, as consequências econômicas das decisões judiciais devem ser sopesadas ao se aplicar o Direito. Para executar essa tarefa, o magistrado deve se valer da maximização da riqueza como critério circunstancialmente útil, de modo que resulta- dos econômicos indesejáveis sejam evitados24. Do contrário, os indivíduos não poderão fruir os melhores benefícios possíveis dos bens e das trocas econômicas em face do bai- xo nível de eficiência da atuação jurisdicional25.
22 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx da. Análise econômica do direito e direito da concorrência brasi- leiro. Revista brasileira de estudos políticos. Belo Horizonte, n. 98, p. 231 a 256, jul.-dez., 2008, p. 234. 23 “Com ‘maximização da riqueza’ quero indicar a política de se intentar maximizar o valor agregado de todos os bens e serviços, sejam aqueles que se comercializam em mercados formais (os bens e serviços ‘econômicos’ usuais) ou (no caso dos bens e serviços ‘não econômicos’, como a vida, a recreação, a famí- lia e a liberdade de dor e sofrimento) que não se comercializam em tais mercados. O ‘valor’ é determina- do pelo que o dono do bem ou serviço exigirá para se separar dele ou pelo que um não dono estaria dis- posto a pagar para obtê-lo – qualquer deles que seja o maior. A ‘riqueza’ é o valor total de todos os bens e serviços, ‘económicos’ e ‘não económicos’ e essa é maximizada quando todos os bens e serviços, na medida em que isto seja possível, são assignados aos seus usos mais rentáveis.” Con “maximización de la riqueza” quiero indicar la política de intentar maximizar el valor agregado de todos los bienes y servi- cios, ya sea que se comercien en mercados formales (los bienes y servicios “económicos” usuales) o (en el caso de bienes y servicios “no-económicos”, como la vida, la recreación, la familia y la libertad de dolor y sufrimiento) que no se comercien en tales mercados. El ‘valor’ es determinado por lo que el due- ño de los bienes o el servicio exigiría para separarse de él o por lo que un no-dueño estaría dispuesto a pagar para obtenerlo – cualquiera de los sea mayor. La “riqueza” es el valor total de todos los bienes y servicios. “económicos” y “no-económicos” y ésta es maximizada cuando todos los bienes y servicios, en la medida en que esto sea posible, sean asignados a sus usos más rentables. (XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Maximización de la riqueza y tort law: una investigación filosófica. Disponível em: <xxx.xxxxx.xxx/ cursecon/textos/posner-tort.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014, tradução nossa).
24 Nessa ordem de ideias, embora não ignore que o significado usual para “Justiça” se relacione com o “grau adequado de igualdade econômica” (justiça distributiva), Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx compreende que um segundo significado de justiça deve ser o de “eficiência” e que o critério para avaliar se os atos e as insti- tuições são justas, boas ou desejáveis deve ser, impreterivelmente, a maximização da riqueza da socieda- de (XXXXXX, Xxxxxxx. Economic analysis of law. 5 ed., Nova Yorque: Aspen Law & Business, 1998, p. p. 27).
25 Ao descrever o pensamento de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx esclarece que: “os instrumentos de que se serve nessa avaliação são as noções de preço, custo, custo de oportunida- des, de gravitação dos recursos em direção ao uso mais vantajoso. Para Posner, a eficiência é a utilização
Em outras palavras, cabe sempre ao magistrado considerar os reflexos econômi- cos do precedente judicial – ainda que não o faça de maneira inflexível –, verificando se suas decisões são compatíveis com o princípio da eficiência. Na visão do autor supraci- tado, essa postura equivale a uma ética de produtividade e cooperação mais coerente com os valores dominantes em uma sociedade capitalista26.
A partir dessas premissas, cabe ponderar que a eficiência das trocas econômicas no plano do mercado de capitais pode ser diretamente afetada caso investidores que não são hipossuficientes e/ou vulneráveis sejam considerados como consumidores perante as sociedades corretoras. Isso porque os custos relacionados à prevenção e à litigância, ambos ocasionados pela sujeição indiscriminada dessas instituições financeiras ao regi- me consumerista (ex. responsabilidade objetiva), serão repassados para todos os demais investidores do mercado, sendo embutidos nos preços dos serviços de intermediação.
Por outro lado, na investigação do tema-problema desta tese, também convém levar em conta a compreensão de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx acerca dos impactos ocasiona- dos pelas regras legais sobre as relações econômicas. Para ele, as normas jurídicas in- corporam “incentivos” ou “preços” às condutas, conforme sejam socioeconomicamente desejáveis ou indesejáveis. Por isso, convém ponderar os efeitos das várias interpreta- ções possíveis para uma norma antes de sua vigência, caso se tenha em mente induzir ou coibir certos comportamentos27.
O Direito tem, dessa forma, a missão de auxiliar os agentes econômicos median- te decisões voltadas a, dentre outros fins, minimizar custos de transação28. Caso contrá-
dos recursos econômicos de modo que o valor, ou seja, a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização da diferença entre os custos e as vantagens.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx. Direito econômico. 2. ed., Rio de Janei- ro: Forense, 2010, p. 36-37).
26 XXXXXX, Xxxxxxx. Economic analysis of law. 5 ed., Nova Yorque: Aspen Law & Business, 1998, p. 526.
27 Segundo Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx frisava sempre que “o direito consuetudiná- rio, ligado aos costumes, instituído pelos Magistrados em geral, em regra, proporcionaria maior eficiência do que o direito meramente legislado.” (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx X. X. Análise econômica do direito e sua relação com o direito civil. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 57, p. 85-138, jul./dez. 2010, p. 94).
28 O papel da AED na regulação dos contratos bem ilustra o modelo teórico desenvolvido pelo autor: “O objetivo de um sistema, metodologia, ou doutrina de interpretação contratual é o de minimizar os custos de transação, compreendidos, em sentido amplo, como obstáculos a esforços voluntários de mover recur- sos para um uso mais valioso. Esses custos podem ser muito grandes quando, induzindo-se as partes a não contratar, eles evitam que os recursos sejam alocados de maneira eficiente. Em razão de os métodos de redução de custos de transação contratuais, como a litigância, serem, em si mesmos, onerosos, cuidadosos custos de oportunidade se fazem necessários.” The goal of a system, methodology, or doctrine of contract interpretation is to minimize transaction costs, broadly understood as obstacles to efforts voluntarily to shift resources to their most valuable use. Those costs can be very great when, by inducing parties not to
rio, a própria razão da existência dos mercados – a facilitação das trocas – pode se frus- trar, produzindo-se descompasso entre fenômeno jurídico e realidade econômica.
Com base em análoga linha de raciocínio, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx defende que as alocações de recursos assumem grau perfeito de eficiência quando inexistem custos transacionais ou esses são irrelevantes. Quando esse nível organizacional é alcançado, a tendência é a negociação espontânea entre os agentes econômicos, no sentido de alcan- çarem situação na qual ninguém pode obter mais sem que outro alguém perca algo.
Nesse quadro hipotético, denominado pelo autor como “ponto ótimo de Pare- to”29, os bens de produção fluem, naturalmente, para os agentes que melhor uso lhes atribuem, independentemente da distribuição inicial dos direitos de propriedade30. Desse modo, revelando nítida feição não intervencionista, o “Teorema de Coase” recomenda que a ingerência jurisdicional na esfera privada ocorra de forma consciente quanto às suas repercussões econômicas.
Essa postura se revela indispensável quando os custos de transação impedem a eliminação natural das externalidades31 pelos agentes econômicos. Nessas situações, o Direito pode induzir a redução ou mesmo o desaparecimento desses custos por meio de
con-tract, they prevent resources from being allocated efficiently. Because methods of reducing contrac- tual transaction costs, such as litigation, are themselves costly, careful tradeoffs are required. (XXXXXX, Xxxxxxx. The law and economics of contractual interpretation. Texas law review. Austin: Faculdade de Direito da Universidade do Texas, v. 83, n. 06, p. 1581 a 1614, 2005, p. 1583, tradução nossa).
29 A ideia do ponto “ótimo de pareto” decorre do pensamento do economista Xxxxxxxx Xxxxxx (1848- 1923), que definiu o estado ótimo da economia como a circunstância em que nenhuma mudança pode ser feita sem prejudicar uma das partes.
30 “Como o equilíbrio decorre da livre interação dos agentes até que todas as possibilidades de trocas benéficas se esgotem, diz-se que um mercado em equilíbrio tem uma propriedade socialmente valiosa: o seu resultado eliminou todos os desperdícios, ou seja, é eficiente. Eficiência aqui também é um termo técnico utilizado no sentido Pareto-eficiente, que significa simplesmente que não existe nenhuma outra alocação de recursos tal que eu consiga melhorar a situação de alguém sem piorar a de situação outrem. Equilíbrios constituem, portanto, ótimos de Pareto. Note-se que uma alocação Pareto-eficiente não neces- sariamente será justa segundo algum critério normativo, todavia, uma situação Pareto ineficiente certa- mente será injusta, pois alguém poderia melhorar sua situação sem prejudicar ninguém, mas não conse- gue. Enfim, estes são alguns dos pressupostos básicos característicos da AED.” (XXXX XXXXXX, Xxx. Introdução ao direito e economia. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Direito e economia no Brasil. São Pau- lo: Atlas, 2012, p. 21. “Em Pareto, o padrão ótimo de eficiência se dá quando os agentes econômicos têm acesso aos bens que mais valorizam, através de um sistema de trocas ou alocação de recursos.” (PIMEN- TA, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. O princípio da preservação da empresa em crise econômico- financeira em direito & economia. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 11, n. 21, p. 97 a 120, 1. sem./jan., 2008, p. 100).
31 Externalidade é “todo efeito (negativo ou positivo) que uma pessoa produz sobre a atividade econômi- ca, a renda ou o bem-estar de outra, sem compensar os prejuízos que causa nem ser compensada pelos benefícios que traz.” (XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial. v. 1, 11. ed., São Paulo: Sarai- va, 2007, p. 33).
mecanismos simples, acessíveis, flexíveis e baratos de negociação privada, como é o caso dos contratos32.
Em razão dessa primazia da negociação interna, o Direito deverá atuar no senti- do de fazer com que as consequências de uma externalidade sejam suportadas pelo agente econômico mais apto a evita-la mediante menor custo. Com isso, as normas e decisões judiciais podem auxiliar o mercado nas soluções de suas próprias externalida- des33, para que os recursos sejam empregados conforme seus usos mais valiosos. Atin- ge-se, dessa forma, a alocação eficiente capaz de gerar maior riqueza aos bens e meios de produção disponíveis na sociedade34.
Verifica-se, portanto, que a apreciação econômica quanto às consequências da atuação jurisdicional permite selecionar o arranjo hábil a gerar melhores resultados no uso dos fatores de produção, maximizando-se, assim, os recursos disponíveis. Ao mes- mo tempo, também possibilita avaliar se a forma como as normas e decisões judiciais afetam a economia constituem obstáculos ou incentivos para que os agentes econômicos alcancem a máxima eficiência.
32 “Para que alguém realize uma transação, é necessário descobrir quem é a outra parte com a qual essa pessoa deseja negociar, informar às pessoas sobre sua disposição para negociar, bem como sobre as con- dições sob as quais deseja fazê-lo, conduzir as negociações em direção à barganha, formular o contrato, empreender meios de inspeção para assegurar que os termos do contrato estão sendo cumpridos, e assim por diante. Tais operações são, geralmente, extremamente custosas. Custosas o suficiente para evitar a ocorrência de transações que seriam levadas a cabo em um mundo em que o sistema de preços funcionas- se sem custos.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (trad.). XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (rev.). O problema do custo social. The latin american and caribbean journal of legal studies. Berkeley: Universidade de Chicago, v. 3, n. 1, artigo 9, 2008, p. 12).
33 Observe-se que, para Xxxxxx Xxxxx, mecanismos de composição internos ao mercado baseados na manifestação racional da vontade são suficientes para corrigir as externalidades. Logo, em regra, cabe às próprias partes acertarem a assimilação dessas externalidades em seus custos, internalizando-as, sendo a norma jurídica mera coadjuvante na promoção desse concerto. (XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxx- co Xxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (trad.). XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (rev.). O problema do custo social. The latin American and caribbean journal of legal studies. Berkeley: Universidade de Chicago, v. 3, n. 1, artigo 9, 2008, p.12)
34 A respeito dessa questão, o autor explica: “por óbvio, se as transações ocorrem sem custos, tudo o que importa (questões de justiça à parte) é que os direitos das partes devam estar bem definidos e os resulta- dos das ações judiciais devam poder ser previstos com facilidade. Contudo, como vimos, a situação é muito diferente quando as transações no mercado são tão custosas a ponto de tornar difícil mudar a aloca- ção de direitos estabelecida pelo sistema jurídico. Nesses casos, as cortes influenciam diretamente a ativi- dade econômica. Desse modo, seria aparentemente desejável que as cortes tivessem os deveres de com- preender as conseqüências econômicas de suas decisões e, na medida em que isso fosse possível sem que se criasse muita incerteza acerca do próprio comando da ordem jurídica, de levar em conta tais conse- qüências ao exercerem sua competência decisória.” (XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (trad.). XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (rev.). O problema do custo social. The latin american and caribbean journal of legal studies. Berkeley: Univer- sidade de Chicago, v. 3, n. 1, artigo 9, 2008, p. 15).
Há que se ponderar que, nem sempre, a alocação de direitos estabelecida pelo sistema jurídico é capaz de gerar o maior valor de produção. Nessas hipóteses, os custos para se chegar a uma alocação eficiente “pela alteração e combinação dos direitos pelo mercado podem ser tão elevados que esse arranjo ótimo de direitos, e a maximização do valor da produção dele advinda, podem jamais ser atingidos”35. Daí porque Xxxxxx Xxx- ry Coase, atento aos efeitos totais de cada atividade, percebeu que o raciocínio econô- mico contribui para eleger, juridicamente, a melhor estrutura social para a distribuição dos recursos disponíveis no mercado36.
Portanto, dentre as questões que esse trabalho se propõe a investigar, importa ve- rificar, em especial, se o modo como o direito brasileiro vem tratando o problema é coe- rente com o objetivo de redução dos custos transacionais, o qual constitui pedra angular da estruturação do mercado de valores mobiliários.
2.2.2 Responsabilidade civil e eficiência econômica
Seguindo a mesma linha de intelecto dos autores anteriormente mencionados, Xxxxx Xxxxxxxxx defendeu a aplicação de princípios econômicos para a disciplina legal da responsabilidade civil. Segundo ele, essa atitude colaboraria com a elaboração de normas providas de maior eficiência quanto à repressão e prevenção dos danos causados pelos acidentes.
Para o autor, um sistema de responsabilidade civil deve guardar justiça (ou equi- dade) e, ao mesmo tempo, prestar-se à redução do custo dos infortúnios. A justiça (ou equidade) importaria, então, em “um teste final pelo qual qualquer sistema de responsa- bilidade civil deve passar”, tal qual “um veto ou limitação do que pode ser feito para
35 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (trad.). XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (rev.). O problema do custo social. The latin american and caribbean journal of legal studies. Berkeley: Universidade de Chicago, v. 3, n. 1, artigo 9, 2008, p. 13.
36 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx (trad.). XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (rev.). O problema do custo social. The latin american and caribbean journal of legal studies. Berkeley: Universidade de Chicago, v. 3, n. 1, artigo 9, 2008, p. 28.
alcançar a redução de custos”37. Mas, além dessa finalidade, é axiomático que o Direito também tem como escopo reduzir a soma dos custos gerados pelos ilícitos e dos gastos necessários à sua prevenção38.
Para comprovar esta tese, o autor analisou estruturalmente os custos dos aciden- tes, classificando-os da seguinte forma: a) primários: aqueles que se relacionam com os danos diretos causados às vítimas (ex. reparação específica e lucros cessantes); b) se- cundários: associados à dispersão dos riscos, são os custos sociais dos acidentes (ex. seguro obrigatório, previdência social); c) terciários: referem-se às despesas para pro- mover a reparação dos danos (ex. processo judicial, sistema penitenciário)39.
Essa classificação se baseia no princípio do menor custo de prevenção (cheapest cost avoider), segundo o qual, na hipótese em que qualquer das partes teria condições de ter evitado o acidente, os custos primários devem ser suportados por quem poderia tê-lo impedido com menor ônus, vez que possuía vantagem comparativa para fazê-lo40.
37 O autor alerta para o fato de que as normas e decisões judiciais devem levar em conta fatores econômi- cos e jurídicos, dado que “a teoria econômica pode sugerir uma abordagem – o mercado – para a tomada de decisões. Mas as decisões considerando vidas contra dinheiro ou conveniência não podem ser pura- mente monetárias, então o método de mercado nunca deve ser o único utilizado.” Economic theory can suggest one approach – the market – for making the decision. But decisions balancing lives against mon- ey or convenience cannot be purely monetary ones, so the market method is never the only one used. (XXXXXXXXX, Xxxxx. The cost of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale University Press, 1970, p. 18).
38 “Xxxxx Xxxxxxxxx assinala que, ao desestimular condutas potencialmente danosas, a responsabilidade civil contribui para a redução da quantidade e gravidade dos acidentes e, consequentemente, dos custos a eles relacionados. Previnem-se acidentes tanto por meio de proibição a determinados atos ou atividades como tornando estas menos lucrativas. Para Xxxxxxxxx, aliás, a função preventiva da lei é mais importante até mesmo que a de compensar as vítimas pelos prejuízos. Privilegiado o objetivo de redução dos custos associados aos acidentes, a responsabilidade civil é mais eficiente ao evitá-los que ao atenuar seus efeitos. [...] Desse modo, a prevenção é função tanto da responsabilidade civil subjetiva como da objetiva, embora de modos bem diferentes.” (XXXXXXXXX, Xxxxx. The cost of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale University Press, 1970, p. 24 a 31 apud COELHO, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 2, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 274 e 275.). Nesse plano, também há que se ponderar que, “uma primeira diferença, bastante evidente, entre os dois sistemas está na distribuição dos custos entre ofensor e vítima. A análise econômica tende a desconsiderar aspectos distributivos, prio- rizando a eficiência. O direito, contudo, dá elevado peso a questões distributivas. A regra da responsabili- dade subjetiva imputa custos mais elevados à vítima, enquanto a regra de responsabilidade civil objetiva imputa custos mais elevados ao ofensor.” (PORTO, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxxx. Análise econômica da responsabilidade civil. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 196).
39 XXXXXXXXX, Xxxxx. The cost of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale Univer- sity Press, 1970, p. 24 a 33.
40 Xxxxx Xxxxxxxxx elenca, como exemplo de aplicação do princípio do menor custo de prevenção (chea- pest cost avoider), a hipótese de prevenção de acidentes mediante a instalação de equipamento de segu- rança (para-choques com amortecimento de impacto – spongy bumpers) pelo fabricante de automóvel, considerado como aquele capaz de inibir o dano a menor custo. (XXXXXXXXX, Xxxxx. The cost of acci- dents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale University Press, 1970, p. 135 a 138). Outro vetor teórico apto a conduzir o jurista a soluções desse jaez pode ser encontrado no “critério de compensação” de Xxxxxx-Xxxxx. Segundo esse parâmetro, as leis devem buscar o máximo de bem estar em relação ao
Para Xxxxx Xxxxxxxxx, em determinadas situações (ex. acidentes de consumo) os gastos com a reparação dos danos devem ser suportados por quem os causou, indepen- dentemente de culpa, vez que consistem em “custos reais” do desempenho dessas ativi- dades. Além disso, entre os vários agentes econômicos engajados em determinada em- presa, os prejuízos devem ser alocados sobre o que detém melhores condições para re- passá-los a terceiros, diluindo-os nos preços de seus produtos e/ou serviços41.
Logo, ao invés da culpa, a responsabilidade civil deve considerar a capacidade do autor para analisar o custo-benefício do ilícito e, com isso, determinar seu compor- tamento. Ou seja, deve ser apurada a sua conveniência em evitar o dano, comparando-se custos de prevenção e custo final do próprio evento. Com base nesse raciocínio, o pro- fessor de Yale conclui que, à luz da eficiência, o sistema da responsabilização subjetiva não é o mais adequado para coibir acidentes cujo custo final seja inferior aos custos de prevenção42.
No que tange à intermediação financeira praticada pelas sociedades corretoras de valores mobiliários, cabe perquirir se a forma pela qual os magistrados brasileiros lhes têm imputado responsabilidade se mostra apta a manter os custos da reparação de seus
maior número de indivíduos, na medida em que ganhos gerais compensem possíveis perdas individuais. Consequentemente, o nível máximo de bem estar será alcançado se a batalha pela alocação de recursos se resolver de modo eficiente, ou seja, se o benefício proporcionado aos vencedores for adequado para com- pensar os prejuízos pelos perdedores. “Tem-se a eficiência de Xxxxxx-Xxxxx, portanto, quando o produto da vitória de A excede os prejuízos da derrota de B, aumentando, portanto, o excedente total. Haverá um ganho real no bem-estar da sociedade quando a redistribuição da riqueza importe que os agentes econô- micos não desejem retornar à posição original, embora ainda recebessem, em dinheiro, o valor correspon- dente ao acréscimo em seus bens e serviços.” (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. O princípio da preservação da empresa em crise econômico financeira em direito & economia. Revista da Faculdade Mineira de Direito. v. 11, n. 21, p. 97 a 120, 1. sem./jan., p. 101, 2008)
41 XXXXXXXXX, Xxxxx. Some Thoughts on Risk Distributions and the Law of Torts. The Yale law jour- nal. Yale: The Yale Law Journal Company, x. 00, x. 0, xxx., 0000, x. 000, 000 x 000. “O segundo signifi- cado da responsabilidade empresarial como um sistema de alocação de perdas envolve escolher o porta- dor do risco não porque ele é o mais provável segurador, mas porque ele é o mais provável de ser capaz de repassar em parte a carga da perda para os compradores dos produtos que ele produz ou para os fatores de produção empregados na produção de seus produtos, distribuindo então a perda amplamente. A deter- minação do grau que cada empresa está de fato capaz de dispersar perdas adiante para consumidores e para os fatores de produção é um problema muito complicado envolvendo, entre outras coisas, se a em- presa opera em uma indústria competitiva ou monopolizada.” The second meaning of enterprise liability as a system of allocating losses involves choosing a risk bearer not because he is the most likely insurer, but because he is most likely to be able to pass on part of the loss burden to buyers of the products he makes or to factors of production employed in making his products, thus distributing the loss broadly. The determination of the degree to which enterprises are in fact able to spread losses forward to consum- ers and backward to production factors is a very complicated matter involving, among other things, whether the enterprise operates in a competitive or a monopolistic industry. (XXXXXXXXX, Xxxxx. The cost of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale University Press, 1970, p. 53, tradução nossa).
42 XXXXXXXXX, Xxxxx. Does the fault system optimally control primary accident costs? Law and con- temporary problems. Durham: Faculdade de Direito de Duke, v. 33, n. 3, p. 429-463, 1968, p. 458.
ilícitos em patamar superior aos custos de prevenção necessários à tutela dos investido- res individuais, notadamente quando esses revestem a condição de consumidores.
2.2.3 Vertentes da Análise Econômica do Direito
A AED pode ser aplicada segundo um viés positivo ou outro normativo43. O primeiro trata de análise descritiva destinada a estabelecer explicações (diagnose) e pre- visões (prognose) dos comportamentos sociais em face das normas jurídicas. Com isso, é possível verificar ou mesmo antever a eficácia dessas a partir de princípios e conceitos extraídos da economia.
O perfil normativo investiga meios pelos quais o raciocínio econômico pode for- necer modelos prescritivos para a construção de discursos jurídicos. Sob essa vertente, a AED viabiliza a função interventiva do Direito voltada à correção de situações nas quais o mercado não se organiza com eficiência44. Os princípios econômicos funcionam, en- tão, como guia para o legislador e para o magistrado na elaboração e na interpretação dos comandos normativos.
Verifica-se, então, que o viés normativo da AED supõe a instrumentalidade do Direito em favor da eficiência econômica e do mercado, a lhe dedicar a tarefa precípua
43 Segundo Xxx Xxxx Xxxxxx, “a Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do instrumen- tal analítico e empírico da economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica para tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito. [...] “Em resu- mo, a AED positiva nos auxiliará a compreender o que é a norma jurídica, qual a sua racionalidade e as diferentes conseqüências prováveis decorrentes da adoção dessa ou daquela regra, ou seja, a abordagem é eminentemente descritiva/explicativa com resultados preditivos. Já a AED normativa nos auxiliará a escolher entre as alternativas possíveis a mais eficiente, isto é, escolher o melhor arranjo institucional dado um valor (vetor normativo) previamente definido.” (XXXX XXXXXX, Xxx. Introdução ao direito e economia. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 14 e 18).
44 Tais anomalias costumam defluir das falhas de mercado presentes quando, por exemplo: i) externalida- des negativas não são espontaneamente eliminadas; ii) ocorre concentração do poder econômico (ex. monopólios) ou; iii) as utilidades proporcionadas por bens públicos são usufruídas sem a respectiva con- traprestação de todos os beneficiários. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx também elenca entre elas as assimetrias informacionais, haja vista que, no mercado, para que o fluxo das relações econômicas seja eficiente, “é necessário que as partes, ao se vincularem, tenham acesso às informações necessárias à tomada de deci- são, sob pena de desestímulo às contratações, por aumento dos custos a elas relacionados.” (XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Análise econômica do direito (AED): paranóia ou mistificação? Revista de direito mercan- til, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIV, n. 139, p. 242 a 256, jul.-set., 2005, p. 246).
de garantir seu livre funcionamento. Para isso, a atuação legislativa e jurisdicional deve atender ao imperativo de maximização da riqueza social traduzida, em termos científi- cos, como utilidade.
Com fundamento na interação entre o sistema jurídico e a racionalidade econô- mica dos agentes de mercado, cabe examinar se os preceitos normativos disciplinadores da atividade das sociedades corretoras de valores mobiliários proporcionam eficiência às operações por elas intermediadas.
Além disso, como a regulação da atividade financeira visa reduzir os custos de transação, convém perquirir acerca do nível de segurança concedido pelo ordenamento jurídico às negociações efetivadas no mercado de capitais45. A título de exemplo, têm-se as normas relacionadas à assimetria de informações ou à reparação dos prejuízos do investidor em caso de liquidação da sociedade corretora intermediária de valores mobi- liários46.
Todo esse diagnóstico deve se voltar, em especial, à verificação do grau de efici- ência alocativa das regras sobre a responsabilidade civil dessas entidades. Para tanto, é imprescindível contrabalançar o custo gerado pelo cumprimento das imposições norma- tivas e o nível de proteção do investidor alcançado47. Busca-se, então, identificar quan- do o sistema de responsabilização objetiva ou o sistema de responsabilização subjetiva é o mais apto a gerar bem estar para a sociedade.
Para tanto, é preciso identificar aquele que fornece coeficiente de proteção satis- fatória para o investidor ao mesmo tempo em que gera custos transacionais razoáveis para os intermediários financeiros. Ou seja, custos transacionais (ex. litigância) que não
45 “Se o sistema jurídico não proporciona grau adequado de segurança e de previsibilidade, torna-se mais difícil a concretização de transações econômicas, porque essa concretização implica o dispêndio de maior quantidade de recursos em decorrência ao acréscimo de risco.” (XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Análise eco- nômica do direito (AED): paranóia ou mistificação? Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIV, n. 139, p. 242 a 256, jul.-set., 2005, p. 247).
46 Sob esse aspecto, há que se considerar que “o direito é, então, um importante elemento na conformação da sociedade e sua orientação à maximização da riqueza e otimização de sua distribuição. Analisar o Direito conforme critérios e métodos econômicos nada mais é do que procurar elabora-lo, interpreta-lo e aplica-lo de modo a alcançar a eficiência econômica, entendida esta como a maximização na geração e distribuição dos recursos materiais disponíveis em uma dada comunidade, [...].”(XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Recuperação de empresas: um estudo sistematizado da nova lei de falências. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 24 e 25).
47 Na lição de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, para a AED “o escopo determinável e uniforme do Direito é a busca da eficiência alocativa acima referida, atrelada sempre ao bem-estar do consumidor. Conseqüentemente, o grau de eficiência alocativa é diretamente proporcional ao bom fluxo de relações econômicas (= funcio- namento adequado do mercado).” (XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Análise econômica do direito (AED): paranóia ou mistificação? Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIV, n. 139, p. 242 a 256, jul.-set., 2005, p. 245).
inviabilizam sua atividade de intermediação e nem encarecem desproporcionalmente a prestação de seus serviços.
Também é de suma importância averiguar se o regime jurídico da responsabili- dade civil das sociedades corretoras de valores mobiliários busca repartir adequadamen- te riscos operacionais. Especificamente, cabe indagar se ele propicia distribuição equili- brada dos custos de prevenção em face dos custos de reparação, no que diz respeito aos danos causados pela conduta das instituições intermediárias frente ao público investidor. Contudo, não há como responder a todos esses questionamentos sem antes apre-
ender os princípios informadores do mercado financeiro, assim como o sentido de cada instituto jurídico-econômico componente do tema-problema ora enfrentado. Por isso, convém expor os fundamentos da Análise Jurídica da Economia adequados a alicerçar a investigação proposta.
2.3 A ANÁLISE JURÍDICA DA ECONOMIA48
2.3.1 Noção propedêutica
No Brasil, um novo modelo teórico vem sendo desenvolvido a partir de foco in- verso ao da AED. Enquanto essa propõe o estudo das questões jurídicas à luz dos prin- cípios econômicos, a Análise Jurídica da Economia visa abordar os fenômenos econô- micos sob a ótica dos valores recepcionados e já consolidados no ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme explica Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx
A análise jurídica da economia é o contraponto à análise econômica do Direito. A conhecida e muito válida análise econômica do Direito cuida de enxergar a justiça com os olhos da eficiência e da conveniên- cia econômica. A análise jurídica da economia, igualmente necessária
48 A Análise Jurídica da Economia propõe o exame de questões econômicas segundo parâmetros forneci- dos pelo Direito. Essa nova técnica epistemológica vem sendo aplicada por pesquisadores da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais liderados pelo Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Xxxx.
mas inédita, consiste em observar a economia na busca do que é ad- missível, justo, correto e equilibrado49.
Segundo essa nova concepção, o Direito é operacionalizado no caso concreto com esteio em razões normativas efetivamente deduzidas do sistema jurídico e não ape- nas com base na eficiência econômica abstraída em termos de maximização da rique- za50.
Adotar essa perspectiva não significa, entretanto, desconsiderar as contribuições que o raciocínio econômico tem a oferecer ao Direito, mas importa apenas reconhecer que ele não é suficiente para prover todos os padrões deontológicos indispensáveis ao processo de decisão judicial51.
Tal como ressalta Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, “apesar de se submeter a leis próprias, a atividade econômica é regulamentada juridicamente, de modo que a ordem jurídica
49 Segundo o mesmo autor, a Análise Jurídica da Economia surge como resposta à demanda da sociedade moderna por estudos sólidos: “(1) que envolvam análise conjunta da economia e do Direito [...] (2) que analisem tanto a Doutrina clássica quanto a moderna: Aqueles que afirmam dedicar-se exclusivamente à modernidade, como forma de justificar o pouco ou nenhum estudo dos dados históricos, da Doutrina tradicional e dos Princípios fundamentais, não podiam imaginar que, na atualidade, o contrato de depósito bancário fosse tornar-se o centro da atenção dos economistas e a principal forma de compreender as su- cessivas crises que vem assolando o mundo; (3) que não se impressionem com indicadores econômicos momentâneos e artificiais: O crescimento econômico exagerado e desequilibrado, que geralmente provo- ca euforia momentânea e satisfação com os governantes da época, pode se tornar insustentável, além de provocar crise e gerar sofrimento, se não houver proporcional poupança e investimento das pessoas e dos governos. (4) que percebam a estreita conexão entre decisões e atitudes isoladas (micro) com o contexto maior (macro): Tal como há o ponto de conexão entre a micro e a macro economia, há ocasiões nas quais uma decisão singular (micro Direito) serve de pilar, de base, de alicerce para fixar o padrão ético, moral e jurídico da coletividade de pessoas (macro Direito). Portanto, há momentos em que o Direito é muito maior do que um caso ou uma decisão; mas confunde-se com o destino ou com o futuro. (5) que estejam comprometidos com o bem de todos, em detrimento dos interesses de poucos: A economia somente pode seguir até os limites que lhe sejam impostos pelo Direito. Nesta linha, os economistas não podem enxer- gar suas teorias como remédios e a população como cobaia; os juristas tampouco. Logo, nenhum deles deveria lastrear opiniões em suas próprias vaidades ou na conveniência de qualquer corrente política.” (XXXXXX-XXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Análise Jurídica da Economia. Revista de direito mercantil, industri- al, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano L, v. 158/159, p. 53 a 86, jul.-dez., 2011, p. 54).
50 Apesar das contribuições oferecidas pela AED à Ciência Jurídica, se levada às últimas conseqüências, ela importa em visão reducionista do fenômeno jurídico devido à universalização do objeto econômico. Nessa perspectiva, embora tenha revisto seu posicionamento, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx chegou a identificar eficiência econômica com Justiça: “Um segundo significado para ‘justiça’, e o mais comum, eu argumen- taria, é simplesmente eficiência. Quando descrevemos como injusta uma condenação sem julgamento, uma tomada de propriedade sem justa compensação, ou quando se falha em responsabilizar um motorista descuidado em responder à vítima pelos danos causados por sua negligência, podemos interpretar sim- plesmente que a conduta ou prática em questão desperdiçou recursos.” A second meaning of ‘justice‘ and the most common, I would argue, is simply efficiency. When we describe as unjust convicting a person without a trial, taking property without just compensation, or failing to require a negligent automobile driver to answer damages to the victim of his carelessness, we can be interpreted as meaning simply that the conduct or practice in question wastes resources. (XXXXXX, The economic approach to law. Texas law review. Austin: Faculdade de Direito da Universidade do Texas. v. 53, p. 757 a 782, 1975, p. 777, tradução nossa).
51 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx de. A análise jurídica da economia. Revista do mestrado em direito (Universidade Católica de Brasília). V. 01, n. 01, p. 49 a 101, 2007, p. 80.
deve conformá-la a finalidades jurídicas”52. Essas se referem à existência de valores não econômicos, que devem ser perseguidos na regulação da vida social. Não é por outra razão que a Constituição da República contém normas de natureza programática, mes- mo diante da impossibilidade fática da plena realização de suas diretrizes, haja vista a escassez de bens materiais disponíveis no mercado.
Isso pode ser percebido quando se emprega o enfoque econômico a institutos não mercantis. Tomem-se como exemplos as questões relacionadas a direitos persona- líssimos. Autorizar a venda de órgãos ou a comercialização de crianças são alternativas interessantes para suprir a demanda procedente de pessoas com problemas graves de saúde ou de casais que não podem ter filhos. Mas o ordenamento jurídico brasileiro, compreendido como um complexo normativo lógico, não admite tais soluções53.
Ao verificar a existência desses impasses, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx assinala que, nos dias de hoje, “muitos dos problemas da sociedade simplesmente não são passíveis de serem modelados pela política econômica e requerem soluções políticas ou jurídicas (por exemplo, os problemas de discriminação racial ou de gênero).” 54
No mesmo sentido, o abastecimento de comunidades carentes com serviços es- senciais de água, esgoto e energia elétrica configura medida inviável sob o ponto de vista econômico. Entretanto, os gastos com esses serviços visam satisfazer direitos soci- ais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Percebe-se, então, que existem searas da vida social inconciliáveis com a racio- nalização juseconômica. Paradoxalmente, subsistem realidades econômicas que necessi- tam ser mais bem compreendidas segundo o complexo de princípios e valores presentes na ordem jurídica.
Tomem-se como exemplos algumas criações provenientes das práticas econômi- cas, que não podem escapar à análise de seus aspectos jurídicos, como é o caso dos con- tratos de derivativos e as operações para colocação de valores mobiliários no mercado. Essas contratações financeiras não podem passar isentas ao teste da análise jurídico- dogmática, orientada no sentido de promover o bem ético e a justiça.
52ALMEIDA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx de. A análise jurídica da economia. Revista do mestrado em direito (Universidade Católica de Brasília). V. 01, n. 01, p. 49 a 101, 2007, p.80.
53 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx de. Julgar a economia. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 68, n. 1, p. 190 a 203, jan.-mar., 2002, p. 197.
54 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx de. Julgar a economia. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 68, n. 1, p. 190 a 203, jan.-mar., 2002, p. 200.
Quando as decisões judiciais não se sustentam no sentido jurídico de cada ele- mento econômico envolvido na lide, resta comprometida a concretude do valor Justiça. Além disso, o risco jurisdicional55 se eleva significativamente na composição do cálculo concernente ao direito-custo56 da atividade empresária. E isso porque, para se ter um mercado de crédito de longo prazo, é “preciso precificar, perceber os riscos da obtenção de um tipo de sentença ou outro, em uma eventual disputa que envolva a operação”57. Contudo, no Brasil, essa estimativa é tão incerta e tão difícil de ser feita que, para mui- tos agentes econômicos, é preferível não operar nos mercados de crédito ou de capi- tais58.
55 A mensuração desse tipo de risco se baseia na probabilidade de que a proteção judicial devida a certo direito subjetivo não possa ocorrer integral e/ou regularmente em razão de fatos suscetíveis de acontece- rem ainda antes do momento em que o ordenamento autoriza a prestação da tutela jurisdicional. Tais ocorrências abrangem tanto a alteração das regras legais quanto a modificação de entendimentos dos tribunais sobre questões relativamente pacificadas (ex. multas contratuais, responsabilidade civil, etc). Referidos parâmetros possibilitam mensurar a chance de vitória em uma demanda. Logo, o risco jurisdi- cional será maior ou menor conforme o grau de incerteza sobre os resultados da prestação jurisdicional.
56 Entende-se por direito-custo normas e orientações jurisprudenciais cujas repercussões importam no aumento dos custos do negócio. (COELHO. Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial, v. 1., 11. ed., São Paulo. Saraiva, 2007, p. 53 e 54).
57 XXXXX, Xxxxx. O mercado de crédito só irá se desenvolver com um Judiciário coerente. Entrevista concedida a Xxxxxx Xxxxx. Disponível em: <xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx-x-xxxxxxxxxxx/ Noticias/070813 NotA.asp. Acesso em: 14 jan. 2014>.
58 Essa é a tese defendida por Xxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxx-Xxxxxxx, para quem a incerteza jurisdicional explica o baixo índice de capital disponível para investimentos a longo prazo no mercado de crédito local. Para os autores, “a incerteza jurisdicional é uma incerteza de caráter difuso, que permeia as decisões do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e se manifesta predominantemente em um viés anti-poupador e em outro viés anti-credor. [...] A incerteza jurisdicional deve então ser decom- posta, no seu viés anti-credor, como o risco de atos do Príncipe mudarem o valor de contratos antes ou no momento de suas execuções, e como o risco de uma interpretação desfavorável do contrato no caso de uma decisão judicial. [...] A incerteza jurisdicional é, entretanto, a razão por detrás da inexistência de crédito a longo prazo e de instrumentos de financiamento a longa razão. A maneira difusa e não quantifi- cável por meio da qual ela afeta o valor real de contratos duradouros de financiamento impede o desen- volvimento de um amplo mercado de financiamento a longo prazo. Poupadores não aceitam firmar con- tratos de financiamento a longo prazo devido aos riscos imensuráveis envolvidos na preservação do valor de contratos financeiros durante longos períodos de tempo. A incerteza jurisdicional reduz a disponibili- dade total de crédito na economia e impede a existência de um amplo mercado financeiro de crédito a longo prazo.” It is an uncertainty of a diffuse character, which permeates the decisions of the Executive, Legislative, and Judiciary, and manifests itself predominantly as an anti-saver and anti-creditor bias. […] Jurisdictional uncertainty may thus be decomposed, in its anti-creditor bias, as the risk of acts of the Prince changing the value of contracts before or at the moment of their execution, and as the risk of a unfavorable interpretation of the contract in case of a court ruling. […] Jurisdictional uncertainty is, therefore, the reason behind the inexistence of long-term credit and long-term financial instruments. The diffuse and non-quantifiable way through which it affects the real value of long-dated financial contracts precludes the development of a large long-term financial market. Savers do not accept to hold long-term financial contracts due to the non-measurable risks involved in the preservation of financial contracts’ values over longer time periods. Jurisdictional uncertainty reduces the overall availability of credit in the economy and precludes the existence of a large long-term financial market. (XXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Credit, interest, and jurisdictional uncertainty: Conjectures on the case of Brazil. XXXXXXXX, Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx (edit). Inflation targeting, debt, and the brazilian experience: 1999 to 2003. Cambridge: MIT Press, 2005, p. 270, 271 e 274, tradução
Por outro lado, cabe ponderar que não é só o Poder Judiciário que contribui para a instabilidade do mercado financeiro. Há decisões do Poder Executivo escoltadas por políticas econômicas desconectadas dos valores basilares do ordenamento jurídico bra- sileiro, mas que assumem feição de intervenção normativa indireta. É o que ocorre com as deliberações sobre a fixação das taxas de juros e de câmbio.
A AJE visa superar esse obstáculo ao abordar questões econômicas sob a ótica da principiologia estruturante do ordenamento jurídico brasileiro. Por via de consequên- cia, tem-se maior segurança e uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito. Por isso, se dispõe a tratar de temas próprios da área econômica, mas que permanecem alheios a um exame mais apurado, conduzido a partir de parâmetros jurídicos59.
Assim como o Direito não pode se desvencilhar das regras de mercado, a Eco- nomia também não deve ser apreendida sem sua adequada avaliação jurídica. Atento ao fato de eficiência e equidade nem sempre coincidirem, Jairo Saddi sustenta que harmo- nizar esses valores no Judiciário é caminho longo e penoso. Mas um valor “não deve se sobrepor ao outro; antes, eles devem caminhar juntos com o objetivo de resolver confli- tos sem desperdiçar recursos!”60.
nossa). Em texto próprio, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx acrescenta que a incerteza jurisdicional “associa-se ao conceito de ‘impunidade civil’ do devedor, mas enfatiza fraquezas jurisdicionais mais amplas, no sentido do poder do Estado, em sua soberania, de fazer leis e administrar a Justiça. Como a incerteza jurisdicional é difícil de ser quantificada, especialmente para prazos mais longos, ela não pode ser compensada por um prêmio de risco. Por isso, tem por conseqüência a quase inexistência de uma oferta privada voluntária de financiamento de longo prazo na jurisdição interna.” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Incerteza jurisdicional e créditos de xxxxx Xxxxx. Disponível em: <xxx.xxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxxx/XxxxxxxXxxxx/ 041220ResumoIncertezaLivro.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014).
59 Ao propor a realização dessa tarefa, a AJE preenche a lacuna científica alertada por Xxxxxxx Xxxx, quando detectou o risco da total submissão do Direito à Economia: “Cabe, todavia, não exagerar o papel da economia em relação ao direito. A análise econômica é importante e a introdução da noção de eficiên- cia no direito é condição sine qua non do progresso econômico e da boa aplicação da Justiça. O que não se pode fazer é submeter o Direito à Economia. Queremos uma justiça eficiente, no tempo e na qualidade, mas não uma justiça que esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificando os direitos individuais ou, em certos casos, afetando até o respeito dos contratos e a sua fiel execução. Entendemos que Econo- mia e Direito se complementam, pois ‘o direito sem o mercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade, enquanto o mercado sem o direito é o caos (Xxxxx Xxxx)’.” (XXXX, Xxxxxxx. Prefácio. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx; SADDI, Xxxxx. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005,
p. XXII).
60 “Daí porque muitos acabam entendendo que o objetivo do movimento de Direito & Economia é sobre- por a justiça pela eficiência. Isso é parcialmente falso. Quando uma mudança leva a uma situação Pareto superior, pelo menos uma pessoa ficou melhor, sem que ninguém tenha ficado pior. O conceito do ótimo de Xxxxxx é exatamente este: melhorar a situação de A, sem piorar a de B. Claro que se trata de um con- ceito econômico que não leva em consideração quem tem ou não tem razão, se a decisão prolatada é justa, equânime ou mesmo correta. Porém, a constatação de que se obteve ganho de eficiência, do ponto de vista econômico, ainda que a nova situação possa ou não ser mais eqüitativa, depende da posição relativa de quem se beneficiou. Pelo princípio da eficiência, e sem considerações morais, mudanças de regras que levem a uma situação Pareto superior são sempre desejáveis. Entretanto, uma mudança que não seja eqüi- tativa, no longo prazo, acarreta problemas de distribuição de renda, por exemplo. Assim, eficiência e
2.3.2 O Direito do Mercado Financeiro
A base normativa para a análise jurídica da intermediação praticada pelas socie- dades corretoras provém de ramo do Direito pouco explorado na doutrina pátria: o Di- reito do Mercado Financeiro (ou Monetário)61. Por isso, cabe apresentar seus principais fundamentos para, em seguida, compreender a função daquelas entidades no âmbito do mercado de capitais.
Entende-se como Direito do Mercado Financeiro “o conjunto de prescrições ju- rídicas que disciplinam as operações intersubjetivas realizadas nesses mercados”62. Sob essa ótica, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx enfatiza que o plexo de normas reguladoras do mercado financeiro forma um sistema, pois elas “estão dispostas em função de certos princípios jurídicos. Tais princípios são vetores do sistema e estão positivados no orde- namento jurídico”63.
O mais importante postulado do Direito do Mercado Financeiro é o princípio da proteção do fluxo econômico da poupança popular que, quando resguardado, garante a circulação eficiente dos recursos monetários. Com isso, aprimora-se a atuação das insti- tuições financeiras, que funcionam ora como intermediárias diretas (mercado bancário),
eqüidade não são necessariamente divorciadas. E, evidentemente, as relações sociais devem ser pautadas pela ética – outro valor moral que nada tem a ver com eficiência. E o direito é moral, afinal de contas, dirão alguns. Enquanto não se discute que a eqüidade deve estar presente em todo e qualquer processo judicial – por consistir de conceito caro à democracia moderna –, não seria de todo mal acrescentar um pouco mais de eficiência ao processo (e aqui não há nenhum trocadilho).” (XXXXX, Xxxxx. Por quê é pre- ciso combinar eficiência com Equidade no Judiciário. Carta Forense, 11 jan. 2006, Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxx-xxx-x-xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxx
-no-judiciario/213. Acesso em: 14 jan. 2014).
61 “Pouco a pouco, por diferenciação de princípios, foi surgindo o Direito Monetário, com suas normas e características peculiares, que devem ser examinadas e pesquisadas segundo metodologia própria. Isso se justifica plenamente, pois já existe um sistema de normas jurídicas próprias, regidas por princípios dife- rentes daqueles que presidem outros sistemas, e que tratam dêste nôvo ramo do Direito Público.” (FON- SECA, Herculano Borges da. As instituições financeiras do Brasil. Rio de Janeiro: Crown – Editôres Internacionais, 1970, p. 307).
62 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de Capitais. São Paulo: Dialética, 1999, p. 261.
63 A função dos princípios é atuar como regras fundamentais, conferindo harmonia ao corpo normativo. Entretanto, eles não se encontram condensados em um único diploma legal, vez que são extraídos tanto de dispositivos localizados no topo da pirâmide normativa, quanto em preceitos de menor posição hierár- quica (ex. resoluções, instruções normativas etc). “Os princípios jurídicos são prescrições de grande gene- ralidade no sistema e estão sempre positivados no direito, isto é, são enunciados expressos em linguagem nos diferentes ordenamentos jurídicos. Os princípios não se confundem com os valores jurídicos. Estes não estão positivados, aqueles estão.” (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999, p. 261).
ora como facilitadoras das relações entre poupadores e tomadores de recursos monetá- rios (mercado de capitais).
Dessa forma, garante-se àqueles que detêm capital acumulado meios não apenas de multiplica-lo, mas também de evitar que seu dinheiro se desvalorize, pois são dispo- nibilizadas diversas alternativas para investi-lo. Ao mesmo tempo, asseguram-se os inte- resses dos empreendedores em captar recursos para financiamento das suas atividades.
A proteção à circulação da poupança popular decorre, diretamente, do caput do art. 192 da Constituição da República Federativa do Brasil64. Tal preceito legal estipula que o SFN deve se estruturar com o fim de “promover o desenvolvimento equilibrado do país e de servir aos interesses da coletividade”65. Ambos os desideratos só podem ser atendidos mediante regras jurídicas destinadas à salvaguarda da movimentação da eco- nomia popular, pois o trânsito eficiente do capital é condição indispensável ao fomento empresarial66.
Noutro giro, para que o SFN atenda ao ideal de servir aos interesses da coletivi- dade, é indispensável um mercado equitativo e eficiente. Esse implica em realidade econômica competitiva e justa, suscetível de oportunizar distribuição de renda. Não há como ignorar que “um mercado de capitais dinâmico, com a troca de recursos financei-
64 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014.
65 O desenvolvimento equilibrado do país constante do caput do art. 192 engloba a atenção às regiões menos favorecidas economicamente, o que somente pode ser arquitetado mediante o uso das normas jurídicas como mecanismos de regulação financeira. Outrossim, a redação dada a esse dispositivo legal pela Emenda Constitucional 40/2003 reforçou o caráter equânime com o qual deve ser disciplinada a mobilidade da poupança nacional, conforme esclarece Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxx: “Mantido o obje- tivo do Sistema Financeiro Nacional, que é a promoção do desenvolvimento equilibrado do país e o servi- ço à coletividade, foi enfatizado o acesso a todas as camadas da coletividade e a abrangência das coopera- tivas de crédito como instrumento para consecução de seus objetivos. Trata-se de proclamação mais abrangente do que a limitada previsão de critérios restritivos de transferência de poupança de regiões com renda inferior à media nacional para outras de maior desenvolvimento, como se encontrava no inciso VII do art. 192 do texto inicial. Está evidenciada a substituição do elitismo pelo banco dos pobres, que se tornou fonte fundamental de progresso para pequenas empresas e para os artesãos. Antes, o texto consti- tucional propugnava-se pela equiparação das cooperativas de crédito às instituições financeiras. Agora, aquelas são tratadas como instituições financeiras típicas e preferenciais da Constituição.” (XXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Direito constitucional do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 1.070).
66 Importante frisar que o caput do art. 192 cria uma obrigação legal e não mero conselho ou recomenda- ção, pois “a Carta Maior, como plexo de normas formador do Estado Brasileiro, não estipula recomenda- ções ou sugestões, não é ela uma mera carta de intenções. Como corpo normativo que é, o Texto Supremo impõe, determina, obriga, prescreve, permite comportamentos humanos. Portanto, o legislador infracons- titucional e, em especial, o complementar, deve editar normas jurídicas que atendam às pretensões do legislador constitucional, isto é, ao elaborar as leis deve-se atentar para o fato de que tais normas deverão:
a) promover o desenvolvimento equilibrado do país; e b) servir os interesses da coletividade. Dentro des- ses comandos é que se insere a necessidade de se proteger o fluxo interno da poupança nacional.” (MOS- XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999, p. 263 e 264).
ros entre seus participantes atenderá, de igual maneira, o objetivo pretendido pelo legis- lador constitucional, qual seja, fazer o bem comum; servir a comunidade brasileira”67.
A defesa do livre fluxo da economia popular deveria informar a atuação do le- gislador e do magistrado, fato que, no Brasil, nem sempre acontece. Isso porque a este compete coibir interferências ilegais no livre fluxo do capital e cuidar para que suas decisões contribuam para a manutenção do intercâmbio econômico; àquele, por outro lado, cabe confeccionar aparato normativo hábil a sustentar um sistema eficiente de movimentação financeira, sendo-lhe vedado restringir, sem fundamentos razoáveis, o fluxo econômico da poupança popular.
Para que a movimentação da poupança ocorra regularmente, é imperioso res- guardar a economia popular contra danos provenientes de ilícitos. Por isso, o plexo normativo do SFN deveria se estruturar com vistas à segurança do capital disponibiliza- do para investimento pelo povo brasileiro. De outra maneira, não há como impulsionar o desenvolvimento equilibrado do país e nem viabilizar uma adequada prestação de ser- viços de intermediação financeira à coletividade68. No entanto, na atual realidade brasi- leira, tais diretrizes nem sempre são obedecidas pelos integrantes dos três poderes.
Por esses motivos, a proteção da economia popular (poupança nacional) con- forma outro vetor do Direito do Mercado Financeiro, que norteia as atividades legislati- va e jurisdicional69. Resulta desse princípio o conjunto de normas sancionatórias de ilí-
67 Com base no princípio constitucional da proteção à mobilização da economia popular consideram-se inconstitucionais atos legislativos arbitrários voltados ao bloqueio de ativos financeiros, tal como ocorreu com a Medida Provisória n. 168 de 15 de março de 1990 que instituiu o “Plano Collor” e, dentre outras providências, determinou a conversão dos saldos de cadernetas de poupança em cruzeiros até o limite de NCZ$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos). A mesma medida provisória ordenou que os valores excedentes deveriam ser recolhidos ao Banco Central, sendo convertidos e liberados a partir de setembro de 1991 em 12 parcelas mensais, iguais e consecutivas. Nesse sentido: BRASIL. Tribunal Regional Fede- ral da Terceira Região. Pleno. Arguição de Inconstitucionalidade na Apelação em Mandado de Segurança
n. 36.325 (90.03.32177-9). Relator Des. Xxxxxxx Xxxxxxx. Diário Oficial do Estado, 15.04.91, p 100. Observe-se que medida semelhante também foi combatida pelo Judiciário argentino. Em razão da crise que assolou recentemente o país, o governo limitou o saque em conta corrente em US$ 250 por semana. Diante disso, o juiz Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx decretou medida cautelar suspensiva dessa restrição solicitada pela deputada Xxxxxx Xxxxxx, que se desligou da base governista por discordar da condução da política econômica do país. (Correio Web. Disponível em: <xxxx://000.000.00.000/xxxxx.xxx?xxxxx0 &id no ti cia=33387>. Acesso em 14 jan. 2014).
68 Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx lembra que há sério abalo na captação de poupança ou na confiança do mercado quando falhas no sistema econômico ou jurídico assumem grave proporção. (XXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 686).
69 Tal princípio estava disposto no inciso V, do art. 192 da CRFB que remetia à legislação complementar a disciplina legal da “criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garan- tindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação da União.” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/ constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014). Sobre o assunto: XXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx
citos penais e administrativos perpetrados por meio de operações efetuadas no âmbito do mercado financeiro e de capitais. Do mesmo modo, tem-se a exigência legal de auto- rização para funcionamento, assim como o procedimento específico de intervenção esta- tal e de liquidação70 de instituições financeiras. Esses mecanismos visam a assegurar, dentre outros fatores, a atuação lícita dos dirigentes, a recuperação de instituições finan- ceiras em risco de quebra ou, ainda, a transparência do procedimento de execução con- cursal.
No entanto, de nada adianta tutelar contra danos a economia popular sem reves- tir com equivalente manto protetivo os agentes do mercado responsáveis pelas ativida- des que viabilizam a circulação do crédito: as instituições financeiras (ex. bancos). São elas que atuam junto ao público ora como intervenientes de operações financeiras, ora como captadoras ou provedoras diretas de recursos monetários. Assim, devido à sua relevante função na economia, o princípio da proteção da estabilidade das instituições financeiras impõe a tutela da integridade econômica dessas entidades. Além disso, tam- bém traz requisitos para que um agente econômico possa exercer atividades de interme- diação financeira71.
Convém observar que a quebra de instituição participante do SFN ocasiona pre- juízos a todos os interesses correlacionados com sua atividade. Fatos históricos compro- vam que, conforme o porte da entidade, a economia de um país pode até mesmo entrar em colapso. Isso porque os efeitos da bancarrota incidem não só sobre os clientes da
Ribeiro. Mecanismo de garantia de depósitos e investimentos no mercado financeiro brasileiro: análise jurídica do FGC. 2013. 192 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013).
71 Em sentido amplo, entende-se por intermediação financeira a atividade que “consiste em viabilizar o atendimento das necessidades financeiras de curto, médio e longo prazos, manifestadas pelos agentes carentes, e a aplicação, sob riscos minimizados, das disponibilidades dos agentes com excedentes orça- mentários. Trata-se, pois, de uma atividade que estabelece uma ponte entre os agentes que poupam e os que se encontram dispostos a despender além dos limites de suas rendas correntes.” (XXXXX, Xxxx xx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Economia monetária. 7. ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 409).
instituição financeira, mas também ressoam sobre seus credores e sobre outras interme- diárias a ela coligadas, devido ao processo de produção de moeda escritural72.
Portanto, diante do perigo suscitado pelo mosaico segundo o qual as transações monetárias se interseccionam, cabe ao enredo normativo provisionar instrumental jurí- dico hábil a atenuar prováveis conseqüências da falência de uma instituição financeira.
Noutra monta, o princípio do sigilo bancário também preside as relações consti- tuídas no mercado financeiro e encontra arrimo nos incisos X e XII do art. 5º da CRFB. São de caráter íntimo as informações sobre quantias depositadas em contas correntes, tipos e formas de aplicações financeiras ou rendimentos auferidos em operações bursá- teis. Por esse motivo, tais dados não podem ser revelados sem que haja autorização ju- dicial ou legal para tanto, ou a permissão expressa daquele que detém direito sobre eles73.
72 O processo de criação de moeda escritural decorre da prática bancária constituída pela conjugação de duas atividades (depósito e empréstimo de dinheiro). A organização dessas operações, em cadeia, se ba- seia num único lastro fático, mas faz com que se reproduzam os meios fiduciários, isto é, o dinheiro não corporificado em notas e moedas metálicas. Por conseguinte, tem-se a larga expansão da base monetária do país (inflação). Essa realidade coloca em sério risco a estabilidade do Sistema Financeiro Nacional. Isso porque, como alerta Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Lima: “os governos dos países, através das autoridades monetárias, não costumam reprimir esta prática; ao contrário, são coniventes com ela, por quatro razões. Primeiro: a multiplicação do dinheiro escritural, ainda que sem lastro em notas e moeda metálica, propicia aumento significativo da riqueza de várias pessoas, que podem lançar mão de sua fortuna escritural para adquirir bens, contratar serviços, adquirir ações em bolsa e, também, financiar campanhas eleitorais. Se- gundo: a enorme quantidade de moeda escritural em circulação faz com que os cidadãos pensem que a economia vai muito bem, atribuindo o suposto “êxito” aos governantes da época. Terceiro: os bancos retribuem o benefício que lhes foi outorgado através de empréstimos ao Estado, para pagamento de des- pesas e gastos governamentais crescentes. Quarto: O próprio Estado pode, mediante a constituição de bancos estatais ou de economia mista, praticar e beneficiar-se da multiplicação da moeda escritural.” (XXXXXX-XXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Análise Jurídica da Economia. Revista de direito mercantil, industri- al, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano L, v. 158/159, p. 53 a 86, jul.-dez., 2011, p. 60).
73 Esses dados consubstanciam direito personalíssimo do seu titular. Por isso, devem ser mantidos em sigilo por quem eventualmente os detenha, seja ele instituição financeira, magistrado, auditor do Banco Central, funcionário da Comissão de Valores Mobiliários, etc. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os prin- cípios informadores do direito do mercado financeiro e de capitais. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999, p. 268. Dessa forma, “o ocultamento dessas informações é atitude ética, moral e, em especial, atitude expressa- mente assegurada pelo Texto magno.” Advirta-se, entretanto, que o acobertamento desses números não deve se prestar à prática de atos criminosos, razão pela qual o sigilo bancário é relativo. A Lei Comple- mentar 105/01 estabelece as hipóteses em que cabe sua desconsideração: “[...] § 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: I – de terrorismo; II – de tráfi- co ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; III – de contrabando ou tráfico de armas, muni- ções ou material destinado a sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organiza- ção criminosa.” (BRASIL. Lei Complementar 105 de 10 de Janeiro de 2001. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/xxx/Xxx000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
Com efeito, não gozam da mesma proteção as informações necessárias à tomada de decisões por parte do investidor quanto à alocação de seus recursos. Isso porque o princípio da proteção da transparência das informações nas negociações do mercado financeiro impõe igual disponibilidade dos dados de relevância pública às partes envol- vidas. Esse princípio também recebe a denominação de full disclosure (divulgação completa) e, na lição de Xxxxx Xxxxxx Comparato, “implica o respeito a duas regras básicas: a ‘transparência’ das informações publicadas e a igualdade de acesso de todos os investidores a essas informações” 74.
A neutralidade quanto às decisões sobre as oportunidades de negócios perfaz condição sem a qual não é possível o exercício da liberdade econômica em ambiente especulativo. Dessa forma, para garantir a isonomia competitiva, são necessárias nor- mas cogentes garantidoras da veracidade e amplitude das informações administradas aos participantes do mercado75.
Sob essa ótica, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, ex-presidente da CVM, enfatiza que o principal bem jurídico tutelado pela intervenção estatal no mercado de capitais é a informação76. Acrescente-se, todavia, que essa informação deve ser da melhor qualidade e a mais completa possível. Sem sombra de dúvidas, a disseminação desse tipo de con-
74 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx. A regra do sigilo nas ofertas públicas de aquisição de ações. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano 22, v. 49, p. 56 a 73, jan.-mar., 1983, p. 61. Sob essa perspectiva, “um dos princípios por trás da regulamentação do mercado de capitais e da atuação da CVM é a tentativa de prover os investidores de certo grau de igualdade (some degree of equalization of bargaining position), possibilitando-lhes um juízo consciente sobre suas deci- sões de investimento.” (XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Insider trading: uma análise crítica. 2008. 74f. Monografia (Graduação em Direito). Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008, p. 7).
75 A obrigatoriedade da mais completa informação ao mercado “trata-se de princípio orientado especial- mente à garantia da proteção do investidor, segundo o qual as empresas de valores mobiliários devem prestar amplas e completas informações a respeito delas próprias e dos valores mobiliários por ela emiti- dos.” (XXXXXX, Xxxxxxxx. Crimes Contra o Mercado de Capitais. São Paulo. 2007. 163f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, p. 30-31.). Disponível em: <xxx.xxxxx.xxx.xx>. Acesso em: 14 jan. 2014. Nesse sentido, o inciso VI do art. 4º da Lei 6.835/76 enumera, dentre os propósitos da Comissão de Valores Mobiliários, o objetivo de “assegurar acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido.” (XXXXXXX, Xxxxxx. Insider trading e responsabilidade de administrador de companhia aberta. Revista de direito mercantil industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 50, p. 42 a 56, abril-jun., 1983, p. 45.). Regra semelhante já constava do art. 2º. da Lei 4.728/65, que elegia, como finalidade da regulação financeira, “facilitar o acesso do público a informações sôbre os títulos ou valôres mobiliários distribuídos no mercado e sôbre as sociedades que os emitirem.” (BRASIL. Lei 4.728 de 14 de julho de 1965. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/ l4728.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014). 76 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. XXXXX XXXXX (org.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 309.
teúdo ampara duplamente o investidor, pois viabiliza a tomada da melhor decisão de investimento ao mesmo tempo em que coíbe fraudes por parte de terceiros77.
Nesse mesmo rumo, o combate ao uso e tráfico de informações inacessíveis a todo o público investidor também milita a favor do princípio da transparência78. No di- reito brasileiro, quem delas se beneficia (insider trading) incorre em sanções civis, ad- ministrativas e penais (155, § 1º da Lei 6.404/76, arts. 11 e 27-D da lei 6.385/76)79.
Osmar Brina Corrêa-Lima conceitua o insider trading como “aquela pessoa de uma determinada companhia que, devido à sua posição em função de confiança, tem acesso privilegiado a informações antes que elas sejam de conhecimento público”80. Nessa mesma esteira, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, sustenta que a repressão a esse tipo de comportamento conforma verdadeira expressão da democracia brasileira81.
77 “Um dos princípios fundamentais sobre os quais se alicerça a legislação do mercado de capitais é o do full disclosure. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade reguladora e fiscalizadora desse mercado, pauta suas ações nesse princípio, segundo o qual os investidores são livres para tomar suas decisões de investimento com base nas informações disponíveis no mercado. Se quiserem ser tolos, tem esse direito. Mas devem ter à sua disposição informações que reflitam, com fidedignidade e precisão, a situação financeira e patrimonial das companhias emissoras e as características dos valores mobiliários ofertados.” (XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. O exercício do poder de polícia e regulador da CVM: aperfeiçoamentos recentes. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org.). Aspectos atuais do mercado financei- ro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999, p. 211).
78 “Penal e processual penal. Crime contra o mercado de capitais. Uso indevido de informação privilegia- da. Insider trading. Art. 27-d da Lei nº 6.385/76. Justiça federal. Competência. Autoria, materialidade e dolo. Comprovação. Ofensa ao bem jurídico tutelado no Brasil. Reprimendas que devem ser majoradas. Pena de multa. Fundo Penitenciário Nacional. Artigo 72 do CP. Inaplicabilidade. Fixação do dano moral coletivo (art. 387, VI, CPP). Aplicação. Apelação ministerial parcialmente provida. Apelação defensiva desprovida.” (BRASIL. Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Quinta Turma. Apelação Criminal n. 0005123-26.2009.4.03.6181/SP. Des. Xxxx Xxxxxxxxx. 04 fev. 2013. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx0.xxx.xx/xxxxxxxx/Xxxxxxx/XxxxxxXxxxxxxxxXxxxxx/0000000>. Acesso em: 14 jan. 2014). 79 “Art. 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negó- cios, sendo-lhe vedado: [...] § 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe veda- do valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.” (BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/ l6404compilada.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014). “Art. 11. A Comissão de Valores Mobiliários poderá impor aos infratores das normas desta Lei, da lei de sociedades por ações, das suas resoluções, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscali- zar, as seguintes penalidades: [...].” “Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliá- rios: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.” (BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/x0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
80 CORRÊA-LIMA, Xxxxx Xxxxx. Responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima.
Rio de Janeiro: Aide, 1989. p. 81.
81 A autora explica que o insider trading “é conduta prejudicial à companhia emissora dos valores mobi- liários, aos acionistas, aos investidores e ao próprio mercado de capitais. Prejudicial à companhia e aos acionistas porque denegrindo a imagem dela, acarreta para esses, uma perda do valor econômico da parti- cipação acionária. Prejudica os investidores, quando negociam valores mobiliários em posição não equita-
Entretanto, muito embora a transparência das informações seja a principal via para salvaguarda dos interesses em jogo no mercado financeiro, é indiscutível que, não só ela, mas todas as outras diretrizes antes descritas, militam em favor de um ideal co- mum: a proteção ao investidor.
Para garantir a confiabilidade no mercado e a consequente atração do maior con- tingente possível de investidores, busca-se o tratamento equitativo entre os diversos agentes econômicos. Considerando ser o investidor a parte sobre a qual recaem os prin- cipais riscos das operações financeiras, torna-se imprescindível resguardar seus interes- ses perante instituições intermediárias e companhias. E isso, especialmente, em favor do investidor individual, dado seu menor poder econômico e exígua capacidade de organi- zação.
O princípio da proteção ao investidor também justifica a atuação estatal sobre a economia mediante entidades regulamentadoras de disposições legais82. E isso porque “tanto a proteção dos agentes não-financeiros individuais, geralmente hipossuficientes perante as instituições que lhes prestam serviços, quanto a tutela do sistema financeiro fogem à mera negociabilidade ou a soluções organizativas ‘privadas’”83.
Por tais razões, impõe-se, “para a proteção dos clientes e do sistema financeiro (do conjunto de relações e de instituições interligadas), a regulamentação externa, usu- almente estatal, das atividades financeiras”84. Conforme ensina Otávio Yazbek, o fenô- meno do intervencionismo estatal para fins de regulamentação e fiscalização da ativida- de financeira decorre de único diagnóstico: “as atividades e a forma de integração dos
tiva e celebram negócios com perdas financeiras. E, o mercado de capitais, pois se considerado não efici- ente e não confiável, deixa de ser atrativo e perde a sua força, não se colocando mais como uma opção de financiamento aos empreendedores de atividades produtivas do país.” (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Repres- são ao insider trading: uma expressão de democracia. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011, p. 11.903.)
82 Inúmeras regras regulamentadoras das atividades financeiras tem por fundamento a tutela do investidor. Exemplificativamente, o art. 4º da IN CVM 400/2003, ao tratar da dispensa do registro (ou de certos requisitos) para a oferta pública de distribuição de valores mobiliários, determina como critérios para a expedição desse ato “a observância do interesse público, a adequada informação e a proteção ao investi- dor” (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários Instrução Normativa 400 de 20 de dezembro de 2003. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/xxxxxx.xxx?xxxxx%0Xxxxx%0Xxxxx000.xxx. Acesso em: 14 jan. 2014). Com o mesmo escopo protetivo, o § 2º do art. 62 da IN CVM 461/2007 confe- re à Comissão de Valores Mobiliários a prerrogativa de alterar as regras relativas à divulgação de infor- mações pelas entidades administradoras do mercado organizado, quando verificar que não são suficientes para a proteção dos investidores. (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução Normativa 461 de 23 de outubro de 2007. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/Xxxx/xxxx/ inst461consolid.doc. Acesso em: 14 jan. 2014).
83 XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 175 e 176.
84 XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 175 e 176.
agentes privados geram riscos que a sociedade inteira, e não apenas aqueles agentes, precisa suportar.”85
Em Portugal, Xxx xx Xxxxxxxx Xxxxx explana que a tutela da posição jurídica de certos sujeitos constitui princípio informador de diversas áreas do Direito. É o que ocor- re, por exemplo, no campo do “direito das obrigações quanto aos meios de protecção do devedor e do credor, no direito do consumo em relação ao contraente consumidor e no direito societário a respeito, por exemplo, da protecção do acionista minoritário” 86.
Na sequência, o autor pondera que, “no domínio financeiro, a protecção do in- vestidor traduz a ideia de tutela do sujeito que aporta capital às entidades que dele ne- cessitam para a satisfação de necessidades econômicas”87. Essa aplicação de capitais, do ponto de vista do investidor, acontece com propósitos econômicos ligados à obtenção de riqueza e, “ainda que esse escopo não seja o resultado, pelo menos é o escopo”88.
Com base nessa dúplice perspectiva, o doutrinador português sustenta que “o funcionamento do mercado de capitais depende da existência de princípios e regras jurí- dicas que protejam o encontro entre a oferta e a procura de capitais”89. E conclui que a proteção do investidor “reflecte, nesta medida, a necessidade de preservação do merca- do de capitais como instrumento de circulação de riqueza e elemento mobilizador dos meios de capital necessários ao desenvolvimento de atividades econômicas”90.
Nessa mesma linha, Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão aponta alguns dispositivos do Código dos Valores Mobiliários inspirados no princípio da proteção do investidor91,
85 XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 175 e 176.
86 XXXXX, Xxx xx Xxxxxxxx. Fiscalização e protecção do investidor: alguns problemas do governo societá- rio. XXXXXX, Xxx Xxxxx (coord.); XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx; XXXXX, X. Coutinho de. I Congres- so Direito das Sociedades em Revista. Lisboa: Almedina, 2011, p. 337 e 338. Nessa mesma esteira: RO- DRIGUES, Xxxxx Xxxxxxxxxx. A protecção dos investidores em valores mobiliários. Coimbra: Almedina, 2001, p. 23.
87 XXXXX, Xxx xx Xxxxxxxx. Fiscalização e protecção do investidor: alguns problemas do governo societá- rio. XXXXXX, Xxx Xxxxx (coord.); XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx; XXXXX, X. Coutinho de. I Congres- so Direito das Sociedades em Revista. Lisboa: Almedina, 2011, p. 337 e 338.
88 XXXXX, Xxx xx Xxxxxxxx. Fiscalização e protecção do investidor: alguns problemas do governo societá- rio. XXXXXX, Xxx Xxxxx (coord.); XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx; XXXXX, X. Coutinho de. I Congres- so Direito das Sociedades em Revista. Lisboa: Almedina, 2011, p. 337 e 338.
89 XXXXX, Xxx xx Xxxxxxxx. Fiscalização e protecção do investidor: alguns problemas do governo societá- rio. XXXXXX, Xxx Xxxxx (coord.); XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx; XXXXX, X. Coutinho de. I Congres- so Direito das Sociedades em Revista. Lisboa: Almedina, 2011, p. 337 e 338.
90 XXXXX, Xxx xx Xxxxxxxx. Fiscalização e protecção do investidor: alguns problemas do governo societá- rio. XXXXXX, Xxx Xxxxx (coord.); XXXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxx xx; XXXXX, X. Coutinho de. I Congres- so Direito das Sociedades em Revista. Lisboa: Almedina, 2011, p. 337 e 338.
91 “O Código dos Valores Mobiliários revela uma preocupação acentuada com a protecção do investidor. Logo o n.º 9 do Preâmbulo se sublinha que pela primeira vez se dedica um capítulo aos investidores em diploma deste género. Essa preocupação expande-se por muitos lugares do Código. O art. 1/2 prevê a
dentre os quais se destaca o art. 321º, 2º, c, que equipara o investidor individual a con- sumidor para efeito de aplicação do regime de cláusulas contratuais gerais.
No Brasil, essa proteção constitui conclusão lógica da sistemática organizacional do Direito do Mercado Financeiro92. Deflui, por exemplo, da hipossuficiência técnico- científica e econômica de alguns investidores, contraposta à existência de força paralela ao Poder Estatal: o poder econômico93. Ademais, há que se levar em conta que tanto a hipossuficiência quanto a vulnerabilidade também resultam da necessária intervenção das sociedades corretoras em todo e qualquer tipo de negociação bursátil, oligopólio esse que é assegurado pelo arcabouço normativo do SFN.
Isso torna fundamental atingir um equilíbrio entre o poder econômico privado e os objetivos relacionados à promoção de segurança para os investidores. Isso porque “o
criação administrativa de outros tipos de valores mobiliários, ‘em circunstâncias que assegurem os inte- resses de potenciais adquirentes’. Embora este trecho não integre o conceito de valor mobiliário, traduz uma atenção acrescida à protecção do investidor. A informação é exaustivamente regulada. Completa a que é já assegurada ao accionista pelo Código das Sociedades Comerciais; generaliza-a pela protecção de outros tipos de investidor; faz a ponte para uma informação do público em geral; e irá possivelmente no sentido de se diluir numa preocupação de transparência global que favoreça o controlo do mercado de valores mobiliários. À supervisão, amplamente regulada, dentro e fora do código, cabe assegurar a pro- tecção do investidor em geral: é este o primeiro “princípio” proclamado pelo art. 358 CVM.” (ASCEN- SÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. XXXX, Xxxxxx Xxxxx et al (org.). A protecção do investidor. Direito dos valores mobiliários. v. 4, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 14).
92 O art. 1º da Lei 7.913/89 corporifica o princípio da proteção do investidor ao enumerar, em rol não taxativo, as condutas que podem provocar dano ao investidor tais como: a) as operações fraudulentas;
b) as práticas não equitativas; c) a manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; d) a compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos admi- nistradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado, ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas;
e) omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua pres- tação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.” (BRASIL. Lei 7.913 de 7 de dezembro de 1989. Brasí- lia, Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014). Operação fraudulenta deve ser entendida como aquela na qual é utilizado artifício ou meio astucioso para induzir o investidor a erro e, com isso, obter vantagem patrimonial ilícita para os envolvidos na operação, os intermediários ou terceiros. A prática não equitativa provoca, direta ou indiretamente e de modo efeti- vo ou potencial, um tratamento para uma das partes que provoque desequilíbrio, desigualdade ou vanta- gem indevida em face dos demais participantes do negócio. Condições artificiais de demanda, oferta ou preço se dão quando, devido à manipulação das negociações, participantes ou terceiros provocam altera- ção no fluxo de ordens de compra e venda, de modo direto ou indireto. Referida manipulação advém de qualquer processo ou artifício que induz terceiros à compra e venda de valor mobiliário ao elevar, manter ou baixar a sua cotação, ainda que de maneira indireta. (BRUSCATO, Wilges. A proteção judicial aos investidores no mercado de valores mobiliários. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, x. 00, x. 000, x. 00-00, xxxxx-xxx., 0000, x. 00.). As hipóteses mencio- nadas nas letras “d” e “e” dizem respeito à proibição do uso de informação sigilosa e/ou privilegiada, bem como ao dever de prestar informação completa. Ambas as hipóteses já foram anteriormente elucidadas.
93 Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx ensina que “as empresas, no intuito de liberar-se das incertezas do mercado, procuram maximizar seus ganhos, formando agrupamentos destinados a fortalecer-se. Nessa luta, os mais hábeis e mais organizados levam vantagem sobre os mais fracos e desestruturados. Surge o poder econômico privado a rivalizar com o poder estatal.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx. Direi- to econômico. 6. ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 07).
princípio da proteção dos investidores implica, antes de tudo, que se procure assegurar a igualdade e simetria de tratamento entre os diversos intervenientes no mercado”94.
Porém, advirta-se que a tutela do investidor não deve distorcer, por exemplo, os fatores de risco próprios das aplicações em valores mobiliários. De fato, sua finalidade é assegurar que tais riscos se limitem somente às características do tipo de investimento realizado95. Impõe-se, assim, o equacionamento entre a proteção dispensada aos investi- dores e o correspondente custo ocasionado aos demais agentes de mercado (intermediá- rios e emissores de valores mobiliários), levando-se sempre em conta as discrepâncias concretas decorrentes das condições factuais em que todos eles se encontram.
Destarte, o princípio da proteção do investidor não importa na defesa absoluta de seus interesses, pois o meio em que ele opera pressupõe os riscos inerentes ao mercado. Sua plena observância implica apenas que tais riscos, apesar de jamais excluídos, devem ser conhecidos pelo investidor que, consciente deles, fará escolhas certas ou erradas de acordo com suas próprias convicções96.
De todo o exposto, infere-se que a AJE, com fulcro na proteção do investidor, é imprescindível ao estudo da polêmica acerca do tipo de responsabilidade civil aplicável às sociedades corretoras. Tal ferramenta teórica-metodológica, conjugada com a noção de eficiência alocativa proveniente da Análise Econômica do Direito é imprescindível tanto para a elaboração como para a compreensão da diretriz Justiça. Essa, por sua vez,
94 XXXXX, Xxxxxxx. Minoritários vs. qualificados: acordo de defesa e voto. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxx.xxx/xxxxxxx-x-xxxxx/00-xxxxxxx/000-xxxxxxxxxxxx-xx-xxx lificados-acordo-de-defesa-e-voto>. Acesso em: 14 jan. 2014. Nesse diapasão: “O objetivo de proteção dos investidores tem por finalidade criar um contexto jurídico e econômico em que os seus interesses, no que toca ao investimento que realizam, tenham um tratamento adequado quanto a uma diversidade de aspectos: informação, igualdade de oportunidades, regularidade das transações, entre outros. Contudo, todo o investimento em valores mobiliários tem um risco econômico determinado: em certos casos, esse risco é maior; noutros será menor. Mas o risco econômico existirá sempre e daí que um aspecto comple- mentar do investimento seja a necessidade, cada vez maior, de conscientizar os investidores para o risco, tornando-o visível e transparente, e de criar mecanismos de prevenção e alerta para esses riscos advenien- tes da atividade econômica.” (XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxx. A protecção dos investidores em valores mobiliários. Porto: Xxxxxxxx, 0000. p. 33).
95 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Cadernos da CVM. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxxxxx0(xxx).xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
96 “A proteção do investidor no mercado decorre da pronta divulgação de informações fidedignas sobre a empresa ou sobre a composição da carteira e rentabilidade dos fundos de investimento, e é de fundamen- tal importância para a decisão desses investidores em comprar ou vender seus títulos ou cotas de fundos.” (XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx. A indústria de fundos de investimento: o poder regulamen- tar como garantia ao investidor e a responsabilidade civil do administrador de fundos. São Paulo. 937f. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 48).
fundamentará a estruturação do raciocínio lógico dedutivo desta tese, tal como o próxi- mo tópico cuidará de demonstrar.
2.4 OPÇÃO METODOLÓGICA
Direito e Economia são ciências cujo objeto provém de diferentes planos. Essa se refere ao mundo dos fatos (ser) e visa descrever a realidade concreta do comporta- mento humano em relação aos bens. Aquele se ocupa do mundo dos valores (dever-ser) e almeja identificar as condutas exigidas, permitidas ou proibidas pelo sistema jurídico. Daí porque a Economia trabalha com enunciados passíveis de prova ou falsificação en- quanto o Direito estabelece proposições insuscetíveis de verificação empírica97.
A discussão acerca da natureza jurídica do contrato de comissão bursátil, assim como do tipo de responsabilidade civil imputável às sociedades corretoras de valores mobiliários transita entre essas duas áreas do conhecimento, motivo pelo qual não é suficiente sua apreciação jurídica apartada dos correspondentes efeitos econômicos. E, também não é satisfatório o exame dessas questões pautado na descrição concreta de suas implicações reais, que não seja acompanhada da compreensão quanto ao significa- do de cada uma dessas implicações fáticas para o Direito.
Nesse contexto, os enfoques propostos pela Análise Econômica do Direito e pela Análise Jurídica da Economia fornecem o instrumental teórico adequado à construção de raciocínio lógico-dedutivo capaz de guiar a presente pesquisa. A conjugação dessas perspectivas estabelece os limites hermenêuticos da concepção de Justiça direcionada, simultaneamente, ao progresso econômico e à preservação dos valores vigentes no or- denamento jurídico98.
97 Tome-se como exemplo a cláusula fixadora dos juros em um contrato. Sob a perspectiva econômica, aduzem-se as consequências fáticas decorrentes da elevação dos custos transacionais, confirmando-as ou não, conforme o correspondente nexo de causa e efeito. Sob o prisma jurídico, analisa-se se o ordenamen- to admite ou não, como válido, o referido percentual de juros, sem que esse juízo se sujeite a qualquer tipo de comprovação fática.
98 Conforme adverte Xxxxxxx Xxxx, “se houver um mercado sem Direito, teremos uma selva selvagem. Se ao contrário, tivermos um Direito sem o funcionamento do mercado, haverá a paralisação do País, e não haverá desenvolvimento.” XXXX, Xxxxxxx. Entrevista. Informativo IASP. N. 72, abril-maio, 2005, p. 03.
Assim, convém ir além da mera avaliação baseada no binômio lícito-ilícito ou fundada na simples subsunção do fato à(s) norma(s) que lhe corresponda(m). É preciso atentar para a organização sistêmica do Direito, que se estrutura, hierárquica e funcio- nalmente, por um complexo coerente e orgânico de princípios e normas. Tal uniformi- dade deve ser observada não só na elaboração da lei ou da decisão judicial, mas também na investigação de qualquer problemática científico-jurídica99.
Com base nessas premissas, infere-se, desde já, que a responsabilização civil das sociedades corretoras de valores mobiliários independe de disciplina legal específica. Isso porque o caráter típico ou atípico do contrato de comissão bursátil, os deveres im- putados às sociedades corretoras e, principalmente, a natureza do regime jurídico (civil ou consumerista) aplicável para suas violações, são questões passíveis de serem respon- didas com base no conteúdo lógico-normativo do Direito do Mercado Financeiro.
Por outro lado, também se deduz que os juristas não podem se furtar ao desen- volvimento de noções doutrinárias capazes de serem aplicadas na análise de institutos e decisões político-jurídicas de caráter econômico. Esses devem se submeter, obrigatori- amente, a uma apreciação crítica apta a compatibilizar a eficiência econômica com a proteção dos hipossuficientes100.
Assim, reforce-se que o equilíbrio entre esses parâmetros materializa a noção de Justiça orientadora do raciocínio científico desta tese101, haja vista que a intermediação
99 O modelo hermenêutico supramencionado se pauta na integridade da ordem jurídica brasileira e leva em conta que “perante um problema a resolver, não se aplica, apenas, a norma primacialmente vocacio- nada para a solução: todo o direito é chamado a depor.” (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Introdução. XXXXXXX, Xxxxx-Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (trad.). Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. CXI). Assim, a com- pletude do Direito Brasileiro transcorre do caráter teleológico com o qual seus princípios e normas se articulam, derivando-se de uma mesma regra de justiça.
100 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx de. A função social como objeto da análise jurídica da política econômica.
Notícia do direito brasileiro. Brasília: Universidade de Brasília, 2007, p. 111 a 131, p. 131.
101 Vale advertir, entretanto, que, embora a “eficiência econômica” configure ferramenta útil na aferição da “Justiça”, este trabalho não considera as duas expressões como sinônimas. A contradição entre essas duas idéias é rejeitada, tão somente, para admitir que se complementam e não para supor qualquer identi- ficação. Nesse sentido, Xxx Xxxx Xxxxxx pondera: “em um mundo onde os recursos são escassos e as ne- cessidades humanas potencialmente ilimitadas, não existe nada mais injusto do que o desperdício. Nesse sentido, a AED pode contribuir para (i) a identificação do que é injusto – toda regra que gera desperdício (é ineficiente) é injusta, e (ii) é impossível qualquer exercício de ponderação se quem o estiver realizando não souber o que está efetivamente em cada lado da balança, isto é, sem a compreensão das conseqüên- cias reais dessa ou daquela regra. A juseconomia nos auxilia a descobrir o que realmente obteremos com uma dada política pública (prognose) e o que estamos abrindo mão para alcançar aquele resultado (custo de oportunidade). Apenas detentores desse conhecimento seremos capazes de realizar uma análise de custo-benefício e tomarmos a decisão socialmente desejável. [...] Como dito, se os recursos são escassos e as necessidades potencialmente ilimitadas, todo desperdício implica necessidades humanas não atendidas, logo, toda definição de justiça deveria ter como condição necessária, ainda que não suficiente, a elimina-
compulsória das sociedades corretoras nas negociações do mercado de capitais tem, dentre outras finalidades, a missão de conferir segurança à circulação financeira. Essa segurança, ao mesmo tempo em que contribui para a manutenção de um mercado efici- ente e equitativo, também se dirige à proteção do investidor. E isso demonstra que o regime jurídico do contrato de comissão bursátil e da responsabilidade civil daquelas instituições financeiras consiste em um dos pilares do bom fluxo das operações com valores mobiliários.
Dessa forma, para bem compreender a importância do papel desempenhado pe- las sociedades corretoras nas negociações efetivadas no âmbito do mercado de valores mobiliários, cabe descrever, em linhas gerais, a estrutura desse segmento do SFN. À realização de tal tarefa, dedica-se o próximo capítulo deste trabalho.
ção de desperdícios (i.e. eficiência). Não sabemos o que é justo, mas sabemos que a ineficiência é sempre injusta, por isso, não consigo vislumbrar qualquer conflito entre eficiência e justiça, muito pelo contrário, uma é condição de existência da outra.” (XXXX XXXXXX, Xxx. Introdução ao direito e economia. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 28.)
3 CONTEXTUALIZAÇÃO JURÍDICA E ECONÔMICA
O presente tópico trata de delinear os contornos gerais do contexto jurídico- econômico em que é firmado o contrato entre investidor e sociedade corretora de títulos e valores mobiliários. No entanto, conforme já elucidado, para explicar a atuação dessas instituições financeiras, é preciso recorrer a terminologias oriundas tanto do Direito quanto da Economia. Por isso, há que se ter cuidado para não apreender termos proveni- entes da seara econômica segundo equivocada acepção jurídica.
A título de exemplo, é comum a referência às sociedades corretoras de valores mobiliários como auxiliares ou intermediárias do mercado financeiro. O zelo para com a precisão terminológica exige esclarecer que essa qualificação deve ser entendida apenas no sentido de que elas colaboram com o fluxo do capital, posicionando-se entre investi- dores e tomadores de recursos. Logo, denominá-las como intermediárias não pressupõe que recebam e/ou ofertem, diretamente e por conta própria, os recursos. Ou seja, elas não assumem a posição jurídica de partes mutuárias ou depositárias do dinheiro ou dos valores mobiliários e, da mesma maneira, não atuam na condição de mutuantes ou de- positantes quando repassam esses bens102.
Na verdade, como instituições financeiras auxiliares do mercado, sua função é colocar em contato indireto os investidores entre si, ou o investidor e a companhia aber- ta. Com isso, conferem negociabilidade adequada aos valores mobiliários nos pregões ocorridos dentro ou fora da bolsa. Daí porque, em suas operações, agem em nome pró- prio, mas por conta dos investidores, de modo a garantirem segurança operacional às relações financeiras intermediadas.
Percebe-se, assim, que a sociedade corretora não figura como tomadora ou ofer- tante dos recursos ou valores mobiliários adquiridos ou alienados. Na verdade, ela ape-
102 Neste ponto, convém apontar a diferença entre intermediação financeira direta e indireta: “o processo de intermediação financeira entre agentes superavitários e deficitários pode ser realizado de duas manei- ras distintas. A primeira consiste na atuação tradicional dos bancos comerciais. Nela, o agente superavi- tário ou poupador deposita seus recursos não consumidos em uma instituição financeira, que os capta sob a forma de depósito em conta-corrente (também conhecido como depósito a prazo), depósitos em pou- pança, ou outras formas de captação, e os repassa para um agente deficitário ou tomador de empréstimos. Nesse processo, não existe contato direto entre o agente superavitário e o agente deficitário. [...] A segun- da forma de intermediação consiste na atuação da instituição financeira como mera prestadora de serviço ao exercer a função de colocar poupadores e tomadores de recursos em contato direto.” (grifos nossos) (XXXXXXXX, Xxxxxx; PACHECO, Xxxxxxx. Mercado financeiro: objetivo e profissional. Fundamento Educacional: São Paulo, 2011, p. 13, grifos nossos).
nas age como intermediária dos negócios no sentido de contratar diretamente com a companhia ou com o investidor (comprador ou vendedor) e cobrar uma comissão por viabilizar o negócio com terceiros, mediante a prestação de seus serviços103.
Da mesma maneira, a designação “contrato de distribuição de valores mobiliá- rios” usada pela IN CVM 400/2003 não deve fazer presumir sua total identificação com a figura típica do contrato de distribuição regulado pelo Código Civil (art. 710)104. O termo “contrato de distribuição” constante daquela norma regulatória remete a conjunto de operações demasiadamente complexas destinadas à inserção dos valores mobiliários no mercado. Logo, sua estrutura poderá ou não se aproximar da figura típica do contrato de distribuição disciplinada na Lei Ferrari (art. 1º da Lei 6.729/79), tal como se explici- tará mais adiante.
Para a Economia, somente interessa o sentido léxico das expressões usadas no mercado financeiro, mas, para o Direito, há critérios legais e doutrinários que determi- nam o sentido e o alcance de cada instituto. Isso obsta o uso indiscriminado de certas nomenclaturas, o qual poderia conduzir a conclusões equivocadas na seara jurídica. Por- tanto, para evitar excessivo descompasso em relação à linguagem econômica, sempre que surgir expressão proveniente dessa área no decorrer deste trabalho, buscar-se-á ex- plicar, de imediato, sua natureza perante o ordenamento jurídico.
Feita essa ressalva, passa-se a analisar o setor jurídico-econômico em que é fir- mado o contrato de comissão bursátil entre a sociedade corretora e o investidor indivi- dual. Após a descrição panorâmica desse segmento do SFN, será possível examinar as particularidades de tal negócio jurídico, bem como a responsabilidade civil decorrente da sua violação por parte das sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários.
103 Logo, a sociedade corretora de títulos e valores mobiliários “não capta nem empresta recursos em nome próprio; ela ajuda o tomador a captar recursos diretamente dos poupadores.” (XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx e LIMA, Iran Siqueira. Mercado financeiro: aspectos conceituais e históricos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 3).
104 “No teor do art. 710 do Código Civil, a distribuição não é a revenda feita pelo agente. Esse nunca compra a mercadoria do preponente. É ele sempre um prestador de serviços, cuja função econômica e jurídica se localiza no terreno da captação de clientela. A distribuição que eventualmente, lhe pode ser delegada, ainda faz parte da prestação de serviços. Ele age como depositário apenas da mercadoria do preponente, de maneira que, ao concluir a compra e venda e promover a entrega de produtos ao compra- dor, não age em nome próprio, mas o faz em nome e por conta da empresa que representa. Ao invés de atuar como vendedor atua como mandatário do vendedor.” (XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Do con- trato de agência e distribuição no novo Código Civil. Revista dos tribunais. São Paulo: RT, v. 92, n. 812, p. 22 a 40, jun., 2003, p. 24).
3.1 COMPOSIÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários operam no âmbito do mercado de capitais. Entretanto, não há como estudar esse setor econômico dissociado do complexo maior do qual faz parte, o mercado financeiro, que, por sua vez,
[...] consiste no conjunto de instituições e instrumentos destinados a oferecer alternativas de aplicação e captação de recursos financeiros. Basicamente, é o mercado destinado ao fluxo de recursos financeiros entre poupadores e tomadores. Dessa forma, o mercado financeiro po- de exercer as importantes funções de otimizar a utilização dos recur- sos financeiros e de criar condições de liquidez e administração de ris- cos105.
As estruturas regulatórias e organizacionais do mercado financeiro compõem o Sistema Financeiro Nacional, que é formado pelo conjunto de unidades institucionais atuantes nos diversos setores de intermediação de recursos. A interação entre elas ocorre de modo tipicamente complexo, com o fim de mobilizar dinheiro para investimentos e, com isso, possibilitar meios de financiamento da atividade empresarial106.
Em definição bastante abrangente, Xxxxxxx Xxxxxxx elucida que o SFN importa no “conjunto de instituições que se dedicam, de alguma forma, ao trabalho de propiciar condições satisfatórias para a manutenção de um fluxo de recursos entre poupadores e investidores”107.
105 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx e LIMA, Iran Siqueira. Mercado financeiro: aspectos conceituais e históricos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1.
106 No original: A financial system consists of institutional units and markets that interact, typically in a complex manner, for the purpose of mobilizing funds for investment, and providing facilities, including payment systems, for the financing of commercial activity. (INTERNATIONAL MONETARY FUND – IMF. Compilation guide on financial soundness indicators. IMF: Waxxxxxxxx XX, 0000, p. 12). Esse é o teor do art. 2º do Projeto de Lei que será proposto pelo Sindicato Nacional de Funcionários do Banco Central (SINAL), com a finalidade de criar o Conselho Nacional de Política Econômica e Financeira e dispor sobre a estrutura básica do Sistema Financeiro Nacional. Com essa lei, o sindicato pretende efeti- var a regulamentação do art. 192 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (BRASIL. Projeto 192 do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxx000>. Acesso em: 14 jan. 2014). Sob essa mesma ótica, também é possível elencar a seguinte definição para o Sistema Financeiro Nacional: “conjunto de instituições financeiras e instrumentos que visam transferir recursos dos agentes econômicos (pessoas, empresas e governo) supe- ravitários para os deficitários.” (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Como funciona o Sistema Finan- ceiro Nacional. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/Xxx/xxXxxxxxxxxxxx/Xxxxxxxxx/Xxxx%00Xxxxxx na%20o%20Sistema%20Financeiro%20Nacional%20%5BModo%20de%20Compatibilidade%5D.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014).
107 XXXXXXX, Xxxxxxx. Mercado financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2002, p. 17.
Para bem cumprir essa tarefa, o SFN também engloba uma diversidade de normas, institutos jurídicos e mecanismos de gestão. Esses elementos visam garantir aos agentes e usuários do mercado um ambiente apropriado para a administração e canaliza- ção de valores financeiros de pessoas e/ou instituições superavitárias (ex. poupadores) para pessoas e/ou instituições deficitárias (ex. tomadores).
Desse modo, para disciplina jurídica da atividade financeira,
o legislador brasileiro (Congresso Nacional) atribuiu, conforme ex- pressamente permite o art. 174 da Constituição Federal, os poderes normativos a seis instituições: (1) Conselho Monetário Nacional – CMN, como órgão Superior do Sistema Financeiro Nacional; (2) Ban- co Central, competente para sistema bancário; (3) Comissão de Valo- res Mobiliários – CVM; (4) Bolsas de Valores, como entidades auto- regulamentadoras; (5) Entidades do Mercado de Balcão Organizado, bem como entidades auto-regulamentadoras; (6) as Bolsas de Merca- dorias e Futuros; e (7) Entidades de Compensação e liquidação. Isso ocorre por força da Lei nº 6.385 de 7 de dezembro de 1976. Essa lei é uma parte essencial das reformas que institucionalizaram o Sistema Financeiro Nacional, iniciado em 1964, quando as Bolsas de Valores assumiram as características que hoje possuem. Na opinião do legis- lador brasileiro, devido à agilidade, complexidade e constante evolu- ção do Sistema Financeiro, seria impossível que todos os atos norma- tivos a ele pertinentes passassem pelo processo parlamentar108.
Considerando a delimitação temática proposta no início desta tese, convém apresentar a estrutura geral do SFN, destacando-se, no seio desse, as instituições que estão relacionadas com o mercado de capitais e as subdivisões desse (mercado de valo- res mobiliários e mercado acionário)109. Para tanto, é oportuna a apresentação do se- guinte quadro esquemático proposto pelo Banco Central do Brasil:
108 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Direito do mercado de capitais: do ponto de vista do direto europeu, alemão e brasileiro (uma introdução). São Paulo: Rexxxxx, 0000, p. 12 e 13. A distribuição de competências entre esses agentes revela a separação entre a atividade reguladora e a atividade regulamentar do Estado. A primeira parte geralmente da Administração Indireta (descentralização) e, além de outras funções, alcança principalmente a criação de normas, mediante atuação indiscutivelmente legiferante. Por outro lado, a regulamentação trata da densificação das normas legais já existentes. Para isso, o Estado, em certos casos, vale-se de instrumentos dotados de força cogente, que produzem efeitos similares à lei, embora não se originem do Poder Legislativo, mas, via de regra, da Administração Direta (desconcentração).
109 “A palavra ‘mercado, neste contexto’, possui a conotação de substantivo abstrato. Mercado não pres- supõe, necessariamente, uma estrutura física ou organizacional. É apenas a denominação global de um conjunto ou fluxo de operações negociais. Assim, qualquer transação envolvendo papéis de emissão de sociedade anônima, aberta ou fechada, fará parte de um mercado específico.” (CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 16)
FIGURA 1
Composição do Sistema Financeiro Nacional110
ÓRGÃOS NORMATIVOS | ENTIDADES SUPERVISORAS | OPERADORES | |||
CMN Conselho Monetário Nacional | BCB Banco Central do Brasil | Instituições financeiras captadoras de depósitos à vista (bancos) | Demais instituições financeiras Bancos de Câmbio | Outros intermediários financeiros e administradores de recursos de terceiros | |
CVM Comissão de Valores Mobiliários | Bolsas de mercadorias e futuros (BM&F) | Bolsas de valores (BOVESPA) | |||
CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados | SUSEP Superintendência de Seguros Privados | Resseguradores | Sociedades seguradoras | Sociedades de capitalização | Entidades abertas de previdência complementar |
CNPC | PREVIC | ||||
Conselho Nacional de Previdência Complementar | Superintendência Nacional de Previdência Complementar | Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão) |
Quatro setores mercadológicos podem ser abstraídos da organização estrutural acima: 1º) mercado de crédito (bancário); 2º) mercado de capitais, contratos de merca- dorias e derivativos111; 3º) mercado de seguros; 4º) mercado de previdência comple- mentar.
No primeiro, tem-se a atividade bancária típica, cujas operações de crédito e débito têm como objeto a moeda, seja ela física ou escritural112. No segundo, os bens e
110 BRASIL. Banco Central do Brasil. Composição do Sistema Financeiro Nacional. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/?XXXXXXX. Acesso em: 14 jan. 2014.
111“A noção de ‘derivativo’ não é jurídica; trata-se de termo traduzido literalmente do inglês (‘derivati- ve’), de uso corrente na prática dos negócios desenvolvidos em mercados futuros. Os derivativos são, genericamente, instrumentos financeiros cujo valor é derivado, resultante de outro instrumento ou ativo financeiro, como a taxa de juros, índice de um mercado, contrato de opções, etc.” (LEÃES FILHO, Xxxx Xxxxxx. Derivatives suitability. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Pau- lo: Malheiros, v. 102, p. 59 a 71, 1996, p. 60).
112 Em distinção bastante objetiva, pode-se afirmar que a noção de moeda física está relacionada ao “pa- pel moeda”, ou seja, o dinheiro em estado físico, bem móvel fungível. Em contrapartida, a moeda escritu-
direitos envolvidos são de diversa ordem, como ações, títulos e contratos de mercadori- as e de derivativos. Por fim, nas duas últimas seções, tem-se a comercialização de servi- ços de natureza securitária ou previdenciária.
Observe-se, entretanto, que o mercado de capitais não se encontra mais disso- ciado do mercado de derivativos devido à recente fusão da Bolsa de Valores de São Paulo com a Bolsa de Mercadorias e Futuros113, ocorrida logo após o processo de des- mutualização. Mas esclareça-se, desde já, que o presente estudo não abordará a sistemá- tica de circulação dos contratos derivativos, pois tal setor da economia apresenta parti- cularidades que ampliariam, por demais, o objeto de investigação.
O foco deste trabalho recai na responsabilidade civil das sociedades corretoras em virtude do descumprimento do contrato de comissão bursátil. Conforme ressaltado anteriormente, esse tipo de pessoa jurídica consiste em instituição financeira que atua
ral é aquela criada pelo sistema bancário quando suas instituições emprestam ou aplicam quantidades superiores às que lhe foram originalmente introduzidas mediante depósito em um dos bancos componen- tes do sistema. Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxx explica sua origem: “em verdade, os depósitos recebidos pelos bancos – identificados como moeda escritural ou bancária com liquidez equivalente à moeda legal em circulação – geram aplicações (empréstimos) que, por sua vez, podem resultar em novos depósitos. Esse mecanismo operacional promove elevações nos meios de pagamento da economia. Pela experiência, os bancos observaram a reduzida probabilidade de que todos os seus depositantes viessem a sacar seus fun- dos ao mesmo tempo e, dado o objetivo do lucro inerente à atividade empresarial, passaram a aplicar parte desses recursos junto a agentes deficitários de caixa. Por meio de encaixes geralmente bastante inferiores ao volume de seus depósitos captados, os bancos contribuem para que os meios de pagamento superem, em muito, a quantidade de papel-moeda emitida na economia.” (XXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Mercado financeiro. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 14).
113 BRASIL. Banco Central do Brasil. Composição do Sistema Financeiro Nacional. Disponível em:
<xxx.xxx.xxx.xx/?XXXXXXX>. Acesso em: 14 jan. 2014. Observe-se, contudo, que alguns autores apresentam classificações distintas da proposta pelo Banco Central. É o caso, por exemplo, de Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, que cinde o “mercado financeiro em sentido amplo” em dois seguimentos: a) “merca- do financeiro em sentido estrito”, que engloba a atividade bancária como mecanismo de intermediação financeira; b) “mercado de capitais”, no qual entende ocorrer verdadeira “desintermediação financeira”. (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Os Princípios Informadores do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (org.). Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais. V. 1, São Paulo: Dialética Edições, Eventos e Cursos, 1999, p. 259 e 260). Xxxxxx Xxxxxxx tam- bém apresenta compreensão própria do mercado de capitais, segundo a qual esse pode ser dividido em:
a) mercado de crédito, onde ocorrem negociações bancárias típicas de captação de recursos e empréstimo;
b) mercado de câmbio, o qual se direciona à troca de moedas, bem como financiamentos à importação e à exportação; c) mercado monetário, em que são realizados contratos de curto ou curtíssimo prazo com títulos da dívida pública, com o objetivo de alterar a liquidez da economia; d) mercado de capitais, consis- tente no local em que se negociam instrumentos destinados a financiar as atividades empresariais. (XX- XXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008). Por fim, Otávio Yazbek ainda prefere uma classificação aberta, que divide os mercados conforme: a) a natureza da pretensão negociada (de participação ou de dívida); b) o vencimento do instrumento que incorpora tal pretensão (de moeda ou de capitais); c) o momento de negociação do instrumento (primário ou secundário); d) a entrega imediata ou diferida do ativo negociado (à vista ou futuro); e) a estrutura organizacional adotada (de bolsa ou de bal- cão). (XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2 ed., Rio de Janeiro: Elxxxxxx, 0000, p. 127).
como interveniente obrigatória para conclusão de operações no âmbito do mercado de capitais.
Dessa forma, cabe apresentar o mercado de capitais brasileiro e seus seguimen- tos, bem como o modo de atuação das sociedades corretoras. Somente depois disso será possível enfrentar as controvérsias relacionadas ao referido tema problema.
3.2 ORGANIZAÇÃO SISTÊMICA DO MERCADO DE CAPITAIS
3.2.1 Noções gerais
O termo mercado concerne ao “lócus abstrato em que ocorre a formação de preço a partir da contraposição entre oferta e demanda, sem maiores considerações de cunho institucional”114. É nesse meio que se encontram compradores e vendedores ou, ainda, poupadores e tomadores de recursos.
A partir dessa noção, pode compreender-se o mercado de capitais como aquele em que são estabelecidas relações de conteúdo financeiro com o fim de repartir os riscos característicos da empresa e, simultaneamente, prover financiamentos às atividades econômicas115.
É comum admitir como sinônimas as expressões “mercado de capitais” e “mercado de valores mobiliários”. No entanto, essa equiparação não é apropriada, haja vista a substancial comercialização, no mercado de capitais, de bens diferentes dos valo- res mobiliários116.
Nessa linha, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx-Lima ensina que “o mercado de valores mo- biliários é um segmento do mercado de capitais que, por sua vez, integra o chamado mercado financeiro”117. Na concepção do autor, o mercado de valores mobiliários está
114 XXXXXX, Xxxxxx. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2 ed., Rio de Janeiro: Elxxxxxx, 0000, p. 54..
115 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. Rio de Janeiro: Campus Jurídico: Coimbra, 2009, p. 125.
116 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Mercado de capitais: fundamentos e técnicas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 155.
117 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 26.
aparelhado juridicamente como um sistema de vasos comunicantes, segundo o qual “pequenas somas, de pequenos investidores, aglutinadas, podem formar um grande vo- lume de recursos financeiros”118. Isso traz incontáveis benefícios para a economia, por- quanto “aumenta as alternativas de financiamento para as empresas; reduz o risco global de financiamentos; diversifica e distribui risco entre os aplicadores e democratiza o acesso ao capital”119.
Para identificar topograficamente o ambiente em que são concluídos os contra- tos de intermediação para compra e venda ou subscrição de ações, é oportuno ir um pouco mais adiante da segmentação acima descrita. Desse modo, convém inserir o mer- cado de ações entre os setores que compõem o mercado de valores mobiliários120.
FIGURA 2
Localização topográfica do mercado de ações121
MF
MC
MVM
MA
Legenda:
MF – Mercado Financeiro MC – Mercado de Capitais
MVM – Mercado de Valores Mobiliários MA – Mercado de Ações
118 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 27.
119 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Mercado de capitais: fundamentos e técnicas. São Paulo: Atlas, 2005, p. 155.
120 “Partindo do princípio de que ações são títulos que conferem ao seu titular o direito de participar nos lucros e/ou nas decisões da empresa que as emitiu, podemos enumerar exemplificativamente alguns ele- mentos que determinam o interesse do mercado no que tange à aquisição destes títulos: a) baixo grau de endividamento; b) alto grau de produtividade; c) potencial de expansão em termos de produção e de mer- cado; d) fundo de comércio e competitividade; e) tecnologia de ponta; f) crédito; g) qualificação profissi- onal dos funcionários; h) identificação e valor das marcas etc.” (XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx. Valores mobiliários, especulação e consequências jurídicas. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XL, n. 121, p. 160 a 181, jan.-mar., 2001, p. 170.)
121 Figura elaborada pelo autor com inspiração no desenho apresentado pelo Prof. Osmar Brina Corrêa- Lima para ilustrar a relação de continência entre o mercado de valores mobiliários e os mercados finan- ceiro e de capitais. (CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 26).
O mercado de ações se origina de uma das formas pelas quais a legislação brasi- leira permite que as sociedades anônimas de capital aberto angariem recursos para fo- mentar suas atividades: a capitalização. Basicamente, podem ser colacionados três mo- dos pelos quais essas instituições captam recursos.
Primeiramente, tem-se a opção do financiamento mediante mútuo bancário. Es- se, embora apresente custo marginal razoavelmente alto em virtude dos juros associados ao spread bancário, pode afigurar-se como alternativa interessante em face de oportuni- dades econômicas inesperadas.
Nessas circunstâncias, a celeridade na formalização da operação e a desnecessi- dade de procura por investidor externo são fatores determinantes para a conclusão do empréstimo, principalmente quando a companhia almeja saldar a dívida a médio e curto prazos.
Em segundo lugar, tem-se a securitização, expressão que, na praxe societária, costuma indicar simplesmente a emissão de dívidas por sociedade empresária. Entretan- to, em definição mais precisa quanto ao seu conteúdo, ela consiste numa espécie de ne- gócio jurídico coligado que viabiliza a antecipação do recebimento de dinheiro por quem necessite. Tal operação é efetivada mediante a cessão de créditos a entidade ad- quirente, a qual emitirá, pública ou privadamente, títulos ou valores mobiliários para serem amortizados e/ou resgatados após efetivo pagamento dos créditos que lhe foram cedidos122.
Por último, tem-se a capitalização oriunda, por exemplo, da emissão de títulos representativos do capital social da companhia123. Esse caminho se mostra viável quan- do, a longo prazo, pretende-se a exploração de empreendimentos de maior envergadura. Contudo, a companhia deve gozar de suficiente credibilidade perante os agentes de
122 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Direito empresarial: securitização de crédito. Belo Horizonte, Ed. Xxx Rey, 2006, p. 52.
123 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxx explicam que “sempre que a companhia emite títulos representa- tivos do seu capital social opera-se uma capitalização, tendo em vista o ingresso na conta ‘capital social’ de parte ou totalidade dos recursos obtidos. [...] De fato, mesmo diante de um empreendimento de grande porte que requeira para sua exploração o ingresso adicional de capital, a companhia aberta pode preferir o acesso ao mercado de ações à emissão de títulos representativos de uma operação de empréstimo, tendo em vista o custo (de amortização de juros e pagamento do principal) mais elevado relacionado aos últi- mos. Ou, ainda nesta hipótese, pode optar por uma alternativa híbrida, emitindo títulos conversíveis em ações da companhia, o que faria diminuir o referido custo, pois o direito de crédito contra a companhia legitimado pelos portadores dos títulos seria substituído pelo de participação na sociedade.” (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXX, Xxxxxx. Entre o investidor e a companhia aberta: formas de investimento, regula- ção, intermediação e negociação. Texto estudado na disciplina: Direito do Mercado Financeiro: Análise Jurídica da Economia, ministrada pelo Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx-Lima na pós-graduação da Facul- dade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2011, p. 3).
mercado (ex. investidores, instituições financeiras etc) e não apresentar empecilhos (ex. acordo de acionistas) quanto à modificação de seu quadro social.
Tanto a securitização quanto a capitalização constituem formas de financiamen- to da empresa e envolvem um conjunto de operações que dão origem a mercados nos quais são transacionados os títulos emitidos pelas companhias (ex. mercado de debêntu- res e mercado acionário).
Entretanto, quanto à capitalização, convém frisar que, os mercados de ações ad- ministrados pelas bolsas de valores envolvem operações que visam não somente o in- vestimento em organizações empresariais, mas também a especulação sobre o valor das participações acionárias disponíveis no mercado124.
3.2.2 Classificações do mercado de valores mobiliários
No que diz respeito ao mercado de capitais, a primeira distinção que se faz oportuna é aquela entre os mercados de bolsa e de balcão. O primeiro pode ser definido como “aquele em que as transações se efetuam num local determinado e adequado ao encontro de seus membros (sociedades corretoras) e à realização, entre eles, de transa- ções de compra e venda de títulos e valores mobiliários”125. Portanto, consiste num mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado pela associação civil ou sociedade anônima que o mantém (bolsa de valores) e pela Comissão de Valores Mobi- liários.
O segundo consiste no “conjunto de transações concluídas diretamente entre instituições ofertantes e aceitantes, sem qualquer interferência de terceiros, convencio-
124 “Ora, na economia, não há máquinas nem edifícios, mas investimentos, não há produtos nem mercado- rias, mas estatísticas de trocas, não há trabalhadores, mas salários que aparecem como ‘custos’; o que continua a haver é a rubrica ‘capital’, que é dela mesma dada em termos monetários, quaisquer que sejam as formas de propriedade respectivas e que em regra já não são governadas pelos proprietários, mas por gestores, que são tanto mais compensados monetariamente quanto os crescimentos de lucros que obtive- ram e que por via de consequência trabalham em função desse crescimento, os olhos postos nos ‘acionis- tas’, os que jogam nas bolsas. É isto a especulação financeira.” (XXXX, Xxxxxxxx. A questão da especula- ção financeira. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/xxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxx- financeira-um.html>. Acesso em: 14 jan. 2014).
125 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à lei de sociedades anônimas. V. 1, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49. Observe-se que, atualmente, não é mais necessário que as sociedades corretoras sejam mem- bros componentes das bolsas de valores para que possam operar em seus recintos.
nando-se livremente o valor da transação”126. Todavia, frise-se que isso não significa ausência de fiscalização por parte da Comissão de Valores Mobiliários sobre tais ativi- dades.
Sob esse enfoque, a organização geral do mercado de capitais pode ser repre- sentada pelo seguinte esquema:
FIGURA 3
Segmentação do Mercado de Valores Mobiliários127
No mercado de balcão não organizado brasileiro, as negociações com valores mobiliários se estabelecem sem o comando e supervisão de entidade central128. Esse não é propriamente um lugar porque funciona por meio de instituições financeiras autoriza- das a operar no sistema de distribuição e circulação de valores mobiliários, que execu- tam operações diretamente entre si e com seus clientes investidores129.
126 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Comentários à lei de sociedades anônimas. V. 1, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.
127 Quadro elaborado pelo autor.
128 “Art. 4º Considera-se realizada em mercado de balcão não organizado a negociação de valores mobili- ários em que intervém, como intermediário, integrante do sistema de distribuição de que tratam os incisos I, II e III do art. 15 da Lei nº 6.385, de 1976, sem que o negócio seja realizado ou registrado em mercado organizado que atenda à definição do art. 3º. Parágrafo único. Também será considerada como de balcão não organizado a negociação de valores mobiliários em que intervém, como parte, integrante do sistema de distribuição, quando tal negociação resultar do exercício da atividade de subscrição de valores mobiliá- rios por conta própria para revenda em mercado ou de compra de valores mobiliários em circulação para revenda por conta própria.” (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução Normativa 461 de 23 de outubro de 2007. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/Xxxx/xxxx/xxxx000xxxxx lid.doc>. Acesso em: 14 jan. 2014).
129 Por diversos fatores, as ações transacionadas no mercado de balcão não organizado possuem menor liquidez do que aquelas comercializadas pelas entidades do mercado de balcão organizado e pelas bolsas de valores. Dentre eles, convém ressaltar o maior risco proporcionado pela inexistência de entidade ope-
Muito embora não haja limite quantitativo para que uma sociedade anônima oferte seus valores mobiliários no “mercado de bolsa”, a IN CVM 461/2007 o regula- menta com vistas a atender os interesses de companhias de grande porte. Em compensa- ção, essa mesma norma atribui ao “mercado de balcão organizado” configuração hábil a propiciar a ampliação do acesso de companhias de médio e pequeno porte ao mercado de valores mobiliários.
No Brasil, os negócios firmados nos mercados de balcão organizado e de bolsa contam, atualmente, com a administração da BM&FBOVESPA. Isso passou a ocorrer depois que essa incorporou a Sociedade Operadora do Mercado de Ativos (SOMA).
O mercado de balcão organizado engloba um conjunto maior de intermediários do que as bolsas de valores e permite, inclusive, a dispensa de sua participação como parte interveniente130. Isso possibilita maior grau de exposição e visibilidade de novas companhias, o que não ocorre com o mercado gerenciado pela BM&FBOVESPA, pois semelhante prerrogativa aumentaria o risco de suas operações.
Outrossim, o mercado de bolsa é salvaguardado por um Mecanismo de Ressar- cimento de Prejuízos (MRP), mantido para reparar danos provenientes de ilícitos finan- ceiros. Além disso, também se sujeita a procedimentos especiais para o caso de variação significativa de preços ou de oferta representativa de quantidade relevante de ações131.
Apesar de não ser obrigada a aplicar esses procedimentos, a entidade adminis- tradora do balcão organizado deve ter seus atos normativos submetidos à aprovação da
raxxxx xncarregada de centralizar a autorregulação, a supervisão e a operacionalização das contratações firmadas em seu âmbito.
130 “Art. 93. Em mercado de balcão organizado, a negociação ou o registro de operações previamente realizadas pode ocorrer sem a participação direta de intermediário integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, desde que neste caso, nos termos previstos no regulamento, a liquidação da operação seja assegurada contratualmente pela entidade administradora do mercado de balcão organizado, ou, al- ternativamente, seja realizada diretamente entre as partes da operação.” (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Instrução Normativa 461 de 23 de outubro de 2007. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/Xxxx/xxxx/xxxx000xxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
CVM. Essa autarquia está incumbida de verificar, dentre vários aspectos, a existência de instrumentos adequados à boa formação de preços e à disseminação de informações aos participantes do mercado132.
Também é importante mencionar que o mercado de valores mobiliários apre- senta duas subdivisões, estabelecidas conforme o momento de negociações perpetradas em seu interior. Considera-se pertencente ao mercado primário, a primeira transação efetivada com certo valor mobiliário, a qual se conclui com a companhia aberta emisso- ra e assume a natureza jurídica de subscrição. Consequentemente, a cadeia das contrata- ções estabelecidas para efetivar esse negócio terá, em uma de suas pontas, o investidor- subscritor e, na outra, a companhia emissora dos valores mobiliários133.
Embora uma das finalidades precípuas do mercado de valores mobiliários seja conferir liquidez aos títulos emitidos por companhias abertas, viabilizando sua capitali- zação, ainda mais importante é seu papel de implementar o crescimento econômico. Destarte, ao mesmo tempo em que oportuniza vantagens ao público – as quais estão relacionadas aos retornos financeiros de seus investimentos –, também labora como matriz geradora de recursos para expansão e otimização tecnológica das empresas134.
Conforme demonstrado anteriormente, quando as sociedades anônimas care- cem de recursos a médio e longo prazos, os empréstimos bancários mostram-se inviá- veis para fomentar sua atividade, haja vista os altos custos marginais com juros, taxas, etc. Assim, no mercado primário de valores mobiliários, as companhias encontram me- lhores alternativas para captar investimentos de poupadores sem ter que arcar com tal onerosidade, pois não precisam restituir os valores recebidos, por exemplo, pelas ações.
Por outro lado, as operações entre investidores que são concluídas subsequen- temente ao ato de subscrição consubstanciam, em última instância, negócio jurídico de compra e venda e compõem o mercado secundário135. A cadeia das contratações neces- sárias para realização desse tipo de operação tem, em uma de suas pontas, o investidor-
132 Convém observar que, a despeito de ambos os mercados admitirem investidores individuais e institu- cionais, esses últimos predominam no mercado de balcão organizado.
133 Para uma visão panorâmica da cadeia de contratações necessárias às subscrições de ações, consultem- se as figuras 8, 10 e 11, localizadas, respectivamente, nas páginas 108, 129 e 136 deste trabalho.
134 FAXXXX XXXXXX, Waldo. Manual de direito comercial: atualizado de acordo com a nova lei de falên- cias. 7 ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 242.
135 No mercado secundário, há também a figura do empréstimo de ações, que não provoca a alienação da propriedade e é bastante difundido entre investidores de longo prazo detentores de títulos de empresas sólidas, rentáveis e com elevado índice de negócios. Esse instituto não será abordado no presente trabalho em face da delimitação do tema-problema investigado.
comprador e, na outra, o investidor-vendedor136. Logo, a companhia aberta emissora não tem qualquer participação nessa negociação137, pois em um dos lados da operação financeira se encontra o proprietário do valor mobiliário (ex. ação) enquanto, no extre- mo oposto, tem-se o respectivo adquirente.
A função do mercado secundário é dar liquidez aos valores mobiliários emiti- dos pelas companhias, motivo pelo qual interage continuamente com o mercado primá- rio. Tanto assim que, um dos principais fatores que influenciam na decisão do investidor quanto à subscrição de novo valor mobiliário é a possibilidade de reaver rapidamente a totalidade ou parte do capital investido, mediante negociações no mercado secundário.
No entanto, todos esses mercados se submetem a complexo de regras estrutu- rado de forma lógica e funcional, que se origina do subsistema normativo do Sistema Financeiro Nacional. Em razão disso, o próximo capítulo cuidará de descrever, panora- micamente, os principais agentes responsáveis pela produção das regras jurídicas que compõem tal parte do ordenamento jurídico brasileiro.
136 A cadeia de contratações necessárias à conclusão da compra e venda de ações pode ser visualizada na figura 11, constante da página 136.
137 Excepcionalmente, a sociedade anônima emissora pode participar de operações realizadas no âmbito do mercado secundário, como é o caso da oferta pública de aquisição de ações de iniciativa da companhia e da negociação com as próprias ações, admitidas pela legislação societária (art. 30, § 1º da LSA).
4 ESTRUTURA NORMATIVA DO MERCADO DE CAPITAIS
4.1 Regulação financeira
O mercado de valores mobiliários desempenha papel significativo nas socieda- des capitalistas e, por isso, seu funcionamento reclama controle governamental. Mas, devido às particularidades da atividade de intermediação financeira, a interferência esta- tal nessa seara não acontece pelos meios ordinários de atuação do Estado na economia.
Essa, de acordo com Erxx Xxxxxxx Xxxx, pode ser concebida em sentido amplo, alcançando o planejamento econômico138 e a prestação de serviços públicos ou, em sen- tido estrito, abrangendo somente a intervenção do Estado sobre a economia139.
Ao prestar um serviço público, a Administração pode agir diretamente, encarre- gando-se de todos os ônus impostos por essa tarefa ou pode operar indiretamente, dele- gando-a à iniciativa privada mediante os regimes de concessão ou de permissão.
Noutro giro, a intervenção do Poder Público sobre o domínio econômico em sen- tido estrito também pode ocorrer de forma direta ou indireta. Naquela, há a exploração de atividade econômica por parte do Estado140, enquanto, nesta, procede-se à normati- zação do comportamento dos agentes do mercado.
Na intervenção direta sobre o domínio econômico, o Estado detém o controle pa- trimonial dos meios de produção, titularizando parte (intervenção por participação) ou a totalidade do capital de determinada unidade econômica (intervenção por absorção). Essa atuação do Estado pode assumir o formato de monopólio ou se desenvolver em regime de concorrência com o particular, sendo que a sociedade de economia mista e a
138 O autor conceitua planejamento econômico “como a forma de ação estatal, caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos, mediante a qual se procura ordenar, sob o ângulo macroe- conômico, o processo econômico, para melhor funcionamento da ordem social, em condições de merca- do.” (GRXX, Xxxx Xxxxxxx. GRXX, Xxxx Xxxxxxx. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: XX, 0000, p. 65).
139 GRAU, Erxx Xxxxxxx. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: XX, 0000, p. 136.
140 GRAU, Erxx Xxxxxxx. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: XX, 0000, p. 137.
empresa pública servem, respectivamente, como instrumentos para as duas modalidades intervencionistas mencionadas acima.
Por outro lado, a intervenção indireta apresenta duas diferentes modalidades. Na intervenção por indução, são concedidos incentivos aos agentes de mercado com o fim apenas de influenciar seus comportamentos ao passo que, na intervenção por direção, são estabelecidos mecanismos e normas de observância compulsória.
Diante desse quadro, a atuação do Estado na economia pode ser representada pe- lo seguinte organograma:
FIGURA 4
Atuação do Estado na Economia141
ATUAÇÃO EM SENTIDO AMPLO
PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS PÚBLICOS
ATUAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO
(Intervenção do Estado na Economia)
PLANEJAMENTO
ECONÔMICO
INTERVENÇÃO INDIRETA
(Estado como agente regulador)
INTERVENÇÃO DIRETA
(Estado como agente econômico)
INTERVENÇÃO
POR INDUÇÃO
INTERVENÇÃO
POR DIREÇÃO
INTERVENÇÃO
POR PARTICIPAÇÃO
INTERVENÇÃO
POR ABSORÇÃO
141 Organograma elaborado pelo autor.
Tanto a intervenção estatal na economia por indução quanto aquela que acontece por direção podem ser efetivadas por via da regulação. Essa, em ampla acepção, englo- ba as seguintes prerrogativas: i) criação de normas jurídicas; ii) sua implementação me- diante atos administrativos (ex. resoluções ou instruções normativas); iii) fiscalização quanto ao seu cumprimento e; iv) punição daqueles que as infringem. Por isso, não é exagero afirmar que “o regulador exerce um poder normativo, um poder executivo e um poder ‘parajudicial’”142.
Nesse diapasão, Nexxxx Xxxx Xxxxxxx xt al sustentam configurar regulação “o emprego dos instrumentos legais necessários à implementação de objetivos de política econômica ou social”143. Para esses autores, a função reguladora do Estado envolve tan- to as atividades de elaboração das normas legais ou regulatórias quanto aquelas voltadas ao registro e fiscalização das entidades que atuam no mercado e abrangem também a aplicação dessas normas por meio de punições administrativas, após o competente pro- cesso sancionador144.
É esse o sentido de regulação adotado neste estudo, ou seja, como “estabeleci- mento e a implementação de regras para a atividade econômica destinadas a garantir o seu funcionamento equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos”145.
142 YAZBEK, Otavio. Xxxxxxxxx xx xxxxxxx xxxxxxxxxx x xx xxxxxxxx. 0 xx., Xxx xx Xxxxxxx: Elsevier, 2009, p. 184. Sobre a existência de um Poder Normativo Conjuntural disserta Fexxxxxx Xxxxxx: “o Estado precisa cada vez mais fixar preços, adquirir e vender títulos públicos, estabelecer regras com relação a importações, induzir atividades econômicas para um ou outro setor, interferir em crises de balanços de pagamento, enfim, executar toda uma gama de atos que são verdadeiros exercícios de poder normativo no seu sentido mais amplo, mas que não podem e nem são submetidos caso a caso ao Poder Legislativo e nem tampouco reunidos nas mãos de uma só autoridade. Além disso, e cada vez mais, a sociedade civil se organiza em diferentes corporações, órgãos, associações etc. que querem também interferir legitimamente na condução da política estatal, pois esta lhes diz respeito imediatamente. Então, começam a aparecer órgãos administrativos que exercem poder normativo e fiscalizador e que não são compostos apenas por pessoas designadas pelo Poder Público, mas também por representantes da sociedade civil de diferentes setores, normalmente aqueles envolvidos com a atividade que se quer ver regulada. E o exemplo típico entre nós é o do Conselho Monetário Nacional, composto tanto de representantes do Poder Público como daqueles que lá têm assento em nome da iniciativa privada.” (OLXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx. CVM – Comissão de valores mobiliários e mercado de capitais. Revista de direito público. São Paulo: RT, v. 22, n. 89, p. 256 a 262, jan.-mar., 1989, p. 259). “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planeja- mento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” (BRASIL. Consti- tuição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/ constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 14 jan. 2014).
143 EIXXXXX, Nexxxx, GAXX, Arxxxxx X., PAXXXXX, Flxxxx x HEXXXXXXX, Maxxxx xx Xxxxxxx. Merca- do de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 13.
144 EIXXXXX, Nexxxx, GAXX, Arxxxxx X., PAXXXXX, Flxxxx x HEXXXXXXX, Maxxxx xx Xxxxxxx. Merca- do de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 14.
145 MOXXXXX, Xxxxx. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 34.
Porém, não se deve ignorar que o conceito de regulação está longe de atingir seu con- senso na doutrina jurídica.
Não é por outro motivo que Vixxx Xxxxxxx xponta três significados para esse ter- mo. Segundo o autor, no sentido mais geral possível, a regulação abarca toda e qualquer forma de intervenção estatal na economia, independentemente dos instrumentos e fins almejados. Numa noção menos abrangente, indica o condicionamento, a coordenação e a disciplina da atividade econômica privada despida de participação direta do Estado como agente empresarial. Na sua última acepção, o termo regulação restringe-se somen- te ao condicionamento da atividade econômica privada por ato normativo146.
Com base nessas noções gerais, é possível afirmar que a disciplina normativa da economia realizada mediante a regulação (em sentido amplo) pode ocorrer por dois diferentes meios: a regulamentação e a regulação em sentido estrito.
A regulamentação envolve a densificação de preceitos legais de superior posi- ção hierárquica e é veiculada, via de regra, pela Administração Direta por meio da emis- são de atos infralegais. Convém sublinhar que a regulamentação não inova no ordena- mento jurídico, pois o exercício desse tipo de atividade legislativa pelo Poder Executivo deve se restringir aos limites assinalados pela norma à qual se reporta o ato regulamen- tador (ex. decreto)147. E, como parte integrante da regulação em sentido amplo, conserva lastro constitucional, pois consubstancia “função política exercida para impor regras secundárias, em complemento às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e dar- lhes execução, sem que possa criar, modificar ou extinguir direitos subjetivos”148.
A regulação em sentido estrito consiste na expedição de normas específicas que, por justificação técnica, derivam preponderantemente de entes da Administração Indire- ta. É, portanto, uma função administrativa que não se vincula necessariamente ao poder
146 MOXXXXX, Xxxxx. Auto-Regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 35.
147 Sob esse prisma, percebe-se que o poder regulamentar se destina à expedição de normas jurídicas com conteúdo material similar às leis (regulamentos), mas que devem respeitar os limites impostos pela CRFB/88 e subsequente legislação infraconstitucional. Assim, define-se regulamento como “um ato ad- ministrativo, contendo regras ou preceitos gerais, abstratos e obrigatórios, emanado de uma autoridade pública [...], em virtude de uma atribuição constitucional. Visa a execução de uma lei (regulamento de execução) ou para o fim de governar ou administrar, pois, nos casos em que inexistirem leis ordinárias, cabe ao Executivo a faculdade de dar aplicação à Constituição.” (OLXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx. Poder regulamentar da Comissão de Valores Mobiliários. 1989. 221 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989, 138).
148 SAXXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. O Estado regulador. São Paulo. 2007. 129 f. Disserta- ção (Mestrado em Ciências Jurídicas). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 37.
político dos órgãos legislativos. Isso porque ela decorre “da abertura, pela lei (princípio da legalidade), de um espaço decisório sobre conflitos de interesses concorrentes dentro de um setor social”149.
As decisões expedidas na seara da regulação stricto sensu assumem formatos normativos, executivos e, até mesmo, judicantes150. Por isso, percebe-se que, em seu exercício, o Poder Executivo desempenha indiscutível função legiferante, ou seja, inova no ordenamento jurídico ao criar regras voltadas tanto à outorga de direitos e deveres aos administrados quanto à limitação do comportamento dos agentes econômicos. Mas apesar de ser menos submetida a influências políticas se comparada à regulamentação, essa espécie de ação regulatória deve sempre respeitar o perímetro delimitado pelas atribuições que lhe foram conferidas pela lei.
De acordo com Joxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, a atividade regulatória se distingue da atividade regulamentar porque “enquanto a primeira é conferida no Brasil, por lei, às Agências Reguladoras, a atividade regulamentar é, por força de imperativo constitucio- nal, privativa do chefe do poder executivo”151.
Nesse mesmo norte, Nexxxx Xxxxxxx xt al explanam
A moderna doutrina administrativista justifica o caráter inovador – ou, melhor dizendo, a possibilidade de inovação – dos atos normativos emanados da Administração Indireta por meio da distinção conceitual entre regulação e regulamentação.
A regulamentação é atribuída a chefes de Estado ou Governo e é uma função política, que visa a impor regras de caráter secundário em complementação às normas legais, com o objetivo de explicitá-las e dar-lhes execução. Já a regulação constitui uma função administrativa, que não decorre da prerrogativa do poder político, e sim da “abertura” da lei para que o agente regulador pondere, de forma neutra, conflitos entre os interesses público e privado, sejam eles potenciais ou efeti- vos. [...]
A função reguladora abrange, mas não se limita a dar fiel execução às leis (função regulamentar). Não se trata, pois, de hipótese de delega- ção de poderes legislativos, uma vez que a função reguladora, incluin- do-se aqui sua parcela normativa, não compete originalmente ao Poder Legislativo. A função reguladora não é atribuída especificamente à
149 SAXXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. O Estado Regulador. São Paulo. 2007. 129 f. Disserta- ção (Mestrado em Ciências Jurídicas). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 37.
150 SAXXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. O Estado Regulador. São Paulo. 2007. 129 f. Disserta- ção (Mestrado em Ciências Jurídicas). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 37.
151 MADEIRA, Joxx Xxxxx Xxxxxxxx. Administração pública centralizada e descentralizada. São Paulo: América Jurídica, 2. ed., 2005, p. 265.
Administração, ao Legislativo ou ao Judiciário, mas, como a função normativa, está presente em todos os ramos do Estado152.
Deduz-se, então, que a regulamentação está mais ligada ao fenômeno da descon- centração enquanto a regulação detém maior compatibilidade com a descentralização da Administração Pública. A primeira se verifica quando, para melhor atender aos seus objetivos, a atividade administrativa é distribuída dentro da mesma pessoa jurídica de direito público (ex. órgãos). A segunda decorre da transferência de função legiferante à entidade da Administração Pública indireta (ex. autarquia). Mas isso não pressupõe submissão hierárquica para com o Poder Executivo central, muito embora esse mante- nha o controle e a fiscalização do serviço descentralizado.
Neste trabalho, a ideia de regulamentação é adotada em sentido mais amplo do que aquele que alude apenas ao poder atribuído ao Presidente da República para a disci- plina infralegal de uma lei ou norma constitucional153.
Na verdade, a interpretação unitária e sistemática da CRFB revela que a função de regulamentar preceitos normativos, obedecendo-se às restrições impostas pelo prin- cípio da legalidade, também pode ser exercida por outros entes ou órgãos de direito pú- blico (ex. Conselho Monetário Nacional).
Sobre essa questão, Joxx Xxxxxx Xxxxxxxxx xsclarece que
são também regulamentos os atos normativos editados por autoridades que não o Chefe do Executivo, quando a própria constituição ou a lei assegurarem ao ente da administração direta ou indireta a tarefa de complementar o ato de natureza primária (por exemplo, os atos das agências reguladoras que exercem competência normativa descentrali- zada e excluída da função normativa do Chefe do Executivo). Não há necessidade de identidade entre decreto e regulamento, de modo que os regulamentos dos demais órgãos da administração ou entes da ad- ministração indireta podem ter outras formas jurídicas (como portarias e resoluções)154.
152 EIXXXXX, Xxxxxx; GAXX, Arxxxxx X.; PAXXXXX, Xxxxxx; HEXXXXXXX, Maxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 254.
153 Essa seria a hermenêutica suscitada, a priori, pelo seguinte dispositivo constitucional: “Art. 84 - Com- pete privativamente ao Presidente da República: [...] IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/ constituicaocompilado.htm. Acesso em: 14 jan. 2014).
154 FRXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 44.
Dessa maneira, cabe ilustrar a ação regulatória do Estado sobre a economia com o seguinte esquema:
FIGURA 5
Regulação da Economia por parte do Estado155
REGULAÇÃO ESTATAL DA ECONOMIA
(em sentido amplo)
REGULAÇÃO ESTATAL DA ECONOMIA
(em sentido estrito)
REGULAMENTAÇÃO ESTATAL DA ECONOMIA
Contudo, é importante frisar que o poder de regular a economia imputado a pes- soas jurídicas de direito público (ex. Comissão de Valores Mobiliários) coexiste, no Brasil, com a autorregulação promovida pela iniciativa privada. Essa ocorre quando as funções de normatização e fiscalização são outorgadas, excepcionalmente, a entidades privadas (autorregulação legal) ou quando os próprios agentes econômicos criam ins- trumentos destinados a ordenar suas próprias condutas (autorregulação voluntária).
Feito esse esclarecimento, cabe iniciar o estudo da regulação e da autorregulação da economia no campo específico do mercado de valores mobiliários. Passa-se, então, à análise das principais entidades responsáveis por essa função, de acordo com a legisla- ção estruturante do Sistema Financeiro Nacional.
155 Organograma elaborado pelo autor.
4.2 CMN, BCB e CVM
No que tange especificamente ao sistema financeiro, verifica-se que o texto constitucional156 não foi claro em delimitar e distinguir as hipóteses em que compete aos agentes normativos do Poder Executivo a regulamentação ou a regulação do merca- do. Por consequência, essas atribuições não foram devidamente distribuídas, de forma apartada, entre os diversos entes responsáveis por normatizar a intermediação financei- ra.
Em linhas gerais, pode afirmar-se que o Conselho Monetário Nacional é respon- sável predominantemente por regular e regulamentar, de forma ampla, o setor econômi- co-financeiro enquanto ao Banco Central do Brasil e à Comissão de Valores Mobiliários cabem funções mais restritas, direcionadas a regular, respectivamente, o mercado ban- cário e o mercado de capitais157.
Essa constatação decorre dos papéis desempenhados por esses agentes regulado- res no mercado financeiro, pois “se o CMN é entidade deliberativa e normativa por de- finição, cabe ao BCB e à CVM realizar sobretudo os atos de execução das regras e polí- ticas por ele definidas, dentro de suas respectivas esferas de competência”158.
No entanto, ao normatizar as atividades de intermediação financeira, os poderes exercidos por esses entes devem observar estrita legalidade. Ou seja, seus atos devem atender não só aos limites assinalados pela lei, mas também à compatibilidade para com todo o conjunto de normas, princípios e valores constantes do ordenamento jurídico pátrio159.
156 “Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equili- brado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participa- ção do capital estrangeiro nas instituições que o integram.” (BRASIL. Constituição da República Federa- tiva do Brasil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
157 Anote-se, entretanto, que, mesmo após a criação da Comissão de Valores Mobiliários, o Banco Central do Brasil ainda conserva algumas prerrogativas relacionadas à fiscalização das instituições financeiras intermediárias do mercado de capitais. Tanto assim que lhe é facultado, inclusive, decretar o regime de administração especial temporária ou a liquidação extrajudicial dessas entidades.
158 YAZBEK, Otavio. Regulação do Xxxxxxx Xxxxxxxxxx x xx Xxxxxxxx. 0 xx., Xxx xx Xxxxxxx: Elsevier, 2009, p. 203.
159 OLXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx. Poder regulamentar da Comissão de Valores Mobiliários. São Paulo. 1989. 221 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989, p. 132.
Sem pretender adentrar a discussão acerca da inclusão do BCB e da CVM na classe das “agências reguladoras”160, convém realçar que as atribuições que o ordena- mento jurídico lhes confere objetivam operacionalizar diretrizes do governo federal, garantindo eficiência no desempenho de suas incumbências.
O Conselho Monetário Nacional é órgão colegiado integrante do Ministério da Fazenda, sendo sua estrutura composta pelo Ministro da Fazenda como seu presidente, pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e pelo Presidente do Banco Central do Brasil.
A Lei 4.595/64 o erigiu à condição de instituição máxima do Sistema Financeiro Nacional, cuja responsabilidade consiste em coordenar a política da moeda e do crédito, sempre tendo em vista o progresso econômico e social. Todavia, advirta-se que perma- nece a subordinação hierárquica do CMN ao Presidente da República, além de certos atos de sua competência também dependerem da “autorização” ou “homologação” do Poder Legislativo (art. 4º, I).
Dentre suas diversas competências, o CMN autoriza a emissão de papel moeda e limita, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos e comissões, bem como qualquer outro tipo de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros161.
160 A Lei 6.395/76 instituiu o BCB e a CVM sob os moldes de autarquias de regime especial. Há quem recuse a qualificação dessas entidades como agências reguladoras por elas não guardarem todas as carac- terísticas necessárias ao enquadramento nessa categoria. O BCB, por exemplo, é mantido com o orçamen- to da União e não por taxas de fiscalização como as demais agências reguladoras do setor econômico. Nesse sentido: MOXXXXX, Egxx Xxxxxxxx. Agências administrativas, poder regulamentar e o sistema financeiro nacional. Revista diálogo jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica. V. I, n. 7, out., 2001. Disponível em: <xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx_0/XXXXXXX-XXXXXXXX-00-XXXXXXX-0000- EGXX-XXXXXXX.xxf>. Acesso em: 14 jan. 2014. Todavia, a doutrina majoritária entende que a Lei 10.441/02, ao modificar os arts. 5º e 6º da Lei n. 6.385/76, dotou a CVM dos elementos próprios das agências reguladoras, a despeito do Projeto de Lei 3.337/2004 que trata da “gestão, organização e contro- le social das agências reguladoras” não inclui-la em sua lista taxativa de agências. Nessa esteira: EI- ZIRIK, Nexxxx; GAXX, Arxxxxx X.; PAXXXXX, Xxxxxx; HEXXXXXXX, Maxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 245. BRASIL. Procuradoria Jurídica da União. Consultoria Jurídica. Parecer CVM/PJU n. 001 de 27 jan. 2003. Interessada: Superintendência Geral da Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/ portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/galerias/pareceres/2003/Parecer01_2003.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2013. PIXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx. Direito Administrativo. 14. ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 402. WAXX, Xxxxxxx. Revista da CVM. n. 35, abril, 2002, p. 38.
161 O CMN também detém competência para, dentre outras finalidades: a) aprovar os orçamentos monetá- rios preparados pelo Banco Central do Brasil, por meio dos quais serão estimadas as necessidades globais de moeda e de crédito; b) fixar diretrizes e normas da política cambial; c) disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas; d) expedir normas de contabilidade e estatística a serem observadas pelas instituições financeiras; e) determinar percentual de recolhimento compulsório; f) deliberar acerca da equalização de taxas de juros em programas de crédito incentivado e programas de auxílio à safra agrícola estabelecidos por via do Sistema Financeiro Nacional; g) discipli- nar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redescontos e de empréstimos efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas; h) outorgar ao Banco Central do Brasil o mo-
Para cumprir seus objetivos, o CMN se vale de resoluções destinadas a discipli- nar as condições de constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financei- ras e estabelecer as diretrizes gerais que deverão ser seguidas pela CVM e pelo BCB. Compete a esse último secretariar o CMN, organizando e assessorando suas reuniões deliberativas mensais mediante a elaboração de atas e manutenção de arquivos históri- cos, com a consequente publicação dos respectivos atos normativos.
Como órgão normativo superior, o CMN normalmente delega poder para que tais entidades regulem seus mercados em nível mais detalhado. Entretanto, em situações específicas, que refogem à competência desse órgão, a CVM e o BCB poderão regular ou regulamentar determinado setor, com exclusividade, caso exista previsão legal para tanto.
O Banco Central do Brasil é autarquia de regime especial vinculada ao Ministé- rio da Fazenda, sendo responsável pela normatização e supervisão das instituições fi- nanceiras do mercado bancário e de capitais. Para atingir esse desiderato, emite resolu- ções, circulares e instruções destinadas a cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e demais normas expedidas pelo CMN.
De modo específico, o BCB arroga as responsabilidades quanto à regulação e supervisão do mercado financeiro e de seus agentes. E as exerce seja controlando a abertura, o funcionamento e as transformações das instituições financeiras, seja vigian- do a interferência de outras empresas nessa área162.
É considerado “banco dos bancos”, por receber depósitos compulsórios e reser- vas voluntárias dos demais bancos brasileiros e também garantir a liquidez do sistema
nopólio das operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos ou hou- ver sérias razões para prever a iminência de tal situação. Advirta-se, no entanto, que todos os atos ema- nados com base nessas prerrogativas devem observar necessária sintonia para com as previsões orçamen- tárias da União. (BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014. BRASIL. Lei 4.595 de 31 de dezembro de 1964. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
162 Também é de competência do BCB: a) emitir papel-moeda e moeda metálica; b) executar os serviços do meio circulante; c) receber recolhimentos compulsórios e voluntários das instituições financeiras e bancárias; d) realizar operações de redesconto e empréstimo às instituições financeiras; e) regular a exe- cução dos serviços de compensação de cheques e outros papéis; f) efetuar operações de compra e venda de títulos públicos federais; g) exercer o controle de crédito sob todas as suas formas; h) gerir a dívida pública e negociar a dívida externa; i) representar o governo brasileiro junto às instituições financeiras estrangeiras e internacionais. (BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx. Acesso em: 14 jan. 2014. BRASIL. Lei 4.595 de 31 de dezembro de 1964. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
bancário, realizando, para isso, operações de redesconto163. No ano de 2002, a diretoria colegiada do BCB definiu como sua missão institucional “assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e a solidez do sistema financeiro nacional”164.
Com isso, o BCB não se posicionou explicitamente como defensor do consumi- dor quanto a práticas financeiras abusivas ou do desenvolvimento sustentável, muito embora esses sejam fins implícitos das atividades do setor público. Não é por outra ra- zão, que esses objetivos constituem princípios gerais da atividade econômica nos termos do art. 170 da CRFB165.
Conforme explica Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, os instrumentos de atua- ção do BCB são essencialmente normativos, punitivos e monetários. Contudo, essa au- tarquia também proporciona “estudos que influenciam o governo na determinação de preços administráveis e alíquotas fiscais, instrumentos de política financeira que não estão na sua alçada, mas que influenciam na administração da inflação.”166
Nesse diapasão, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxx explica
Atendendo a uma conceituação mais abrangente de sua atuação, pode- se tratar o Banco Central como um banco fiscalizador e disciplinador do mercado financeiro, ao definir regras, limites e condutas das insti- tuições, banco de penalidades, ao serem facultadas pela legislação a intervenção e a liquidação extrajudicial em instituições financeiras, e gestor do Sistema Financeiro Nacional, ao expedir normas e autoriza- ções e promover o controle das instituições financeiras e de suas ope- rações. É também considerado um executor da política monetária, ao exercer o controle dos meios de pagamento e executar o orçamento monetário e um banco do governo, na gestão da dívida pública interna e externa167.
163 XXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx. Mercado financeiro: objetivo e profissional. Fundamento Educacional: São Paulo, 2011, p. 13.
164 BRASIL. Banco Central do Brasil. Relatório da administração 2005. p. 18. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxx0000/XxxxxxxxxXxxXX0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
165 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - trata- mento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
166 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O Sistema Financeiro Nacional comentado: instituições super- visoras e operadoras do SFN & políticas econômicas, operações financeiras e administração de risco. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 30.
167 XXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Mercado financeiro. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 39.
Por resultar do fenômeno da descentralização, o BCB não guarda subordinação hierárquica para com a Administração Direta, embora dela dependa administrativamen- te, pois é o chefe do Poder Executivo quem indica o nome de seu presidente. Esse, in- clusive, não goza de mandato fixo, uma vez que é facultada sua demissão a qualquer momento por decisão do Presidente da República.
Muito embora funcione como banco do Tesouro Nacional, não é permitido ao BCB emitir moeda para custeio próprio, vez que se submete às restrições de orçamento previstas anualmente na forma da Lei do Orçamento da União.
Apesar do BCB exercer a supervisão sobre as instituições intermediárias do mercado de capitais, não lhe compete atuar como principal entidade reguladora desse setor da economia. Considerando sua especificidade e importância, tal ofício é reserva- do à outra autarquia de regime especial do Sistema Financeiro Nacional, a CVM.
A essa entidade cabe zelar pelo cumprimento da legislação societária, assegu- rando principalmente a ampla informação ao mercado sobre as conjunturas das compa- nhias abertas. Para tanto, tem o poder de chancelar a validade das informações financei- ras prestadas por essas sociedades empresárias, verificando se administradores, contro- ladores, intermediários financeiros ou investidores operam sem auferir vantagens inde- vidas ou lesar interesses de, por exemplo, acionistas minoritários168.
De acordo com a Lei 6.385/76, a CVM constitui autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, sem subordinação hierárquica para com o Poder Executivo cen- tral, com autonomia financeira, técnica e orçamentária. Também é dotada de autoridade administrativa independente, porquanto seus dirigentes ocupam cargos estáveis e de mandato fixo169.
Tanto a autonomia quanto a independência da CVM visam a promover eficácia na regulação do subsistema econômico financeiro do mercado de capitais. Especifica- mente, objetivam extirpar do processo decisório influências político-partidárias ou mesmo pressões dos próprios regulados, detentores de considerável poder econômico.
168 Nesse sentido, a Comissão de Valores Mobiliários pode ser vista como um dos “braços do Estado”, pois se submete a “regime jurídico próprio do poder estatal, isto é, a supremacia do interesse público sobre o interesse particular, do qual decorre a presunção de legitimidade e legalidade dos atos administra- tivos por ela expedidos.” (XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx. CVM – Comissão de valores mobi- liários e mercado de capitais. Revista de direito público. São Paulo: RT, v. 22, n. 89, p. 256 a 262, jan.- mar., 1989, p. 258).
169 BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ cci- vil_03/leis/L6385.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014.
Porém, tais qualificações não conformam “imunidade injustificável” em face de qualquer controle estatal, mas necessária barreira à intervenção política em normatiza- ções, decisões ou julgamentos da CVM. De outra maneira, seus atos não podem ser neu- tros e eficazes, guardando “correlação apenas com as políticas públicas democratica- mente referendadas, estas sim emanadas do Poder Político da Nação, e cuja observância será sempre obrigatória”170.
As despesas da CVM são custeadas principalmente pela taxa de fiscalização co- brada dos administrados que estão sujeitos à sua regulação. Conforme as Leis 7.940/89 e 11.076/04, esse tipo de tributo tem como fato gerador os poderes de fiscalização e de regulação legalmente exercidos pela CVM.
Para Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, “a atividade da Comissão de Valores Mobiliários enquanto autarquia pode ser resumida como a de exercício de autêntico poder de polícia”171. Esse tipo de poder consiste na “faculdade de que dispõe a Admi- nistração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direi- tos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”172. Sua finalidade se dirige, portanto, a limitar o exercício da liberdade econômica e da propriedade, vedando comportamentos contrários aos parâmetros impostos pelo ordenamento jurídico.
Com fundamento nesse propósito, concedeu-se à CVM, a par da autonomia fi- nanceira e funcional, verdadeira autonomia reguladora, que decorre da redistribuição de prerrogativas anteriormente atribuídas ao CMN. Essa alteração de competências permi- tiu que se mantivesse intacta a harmonia hierárquica das autoridades reguladoras e regu- lamentadoras do mercado financeiro, “dada a evidente interconexão das medidas adota- das nos diversos mercados, e a possibilidade efetiva de as atuações em um dos merca- dos refletirem-se nos demais”173.
Nesse contexto, o CMN permanece competente para “definir a política a ser ob- servada na organização e no funcionamento do mercado de valores mobiliários”, bem
170 XXXXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx. Mercado de capitais: regime jurídico. 2. ed., Rio de Janeiro: Rexxxxx, 0000, p. 253.
171 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx. CVM – Comissão de valores mobiliários e mercado de capitais. Revista de direito público. São Paulo: RT, v. 22, n. 89, v. 22, p. 256 a 262, jan.-mar., 1989, p. 258.
172 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito administrativo brasileiro. 27. ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2002, p. 127.
173 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. XXXXX, Xxxxx (coord.). Fusões e Aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 307.
como para “fixar a orientação geral a ser observada pela Comissão de Valores Mobiliá- rios no exercício de suas atribuições”174.
Ante a impossibilidade da aprovação, pelo Legislativo, da totalidade dos atos re- gulatórios imprescindíveis ao funcionamento das atividades financeiras, conferiu-se à CVM as seguintes funções para concretização das diretrizes definidas pela Lei 6.385/76175:
i. Normativa (art. 8º, I): consiste na edição de regras gerais e abstratas de cu- nho técnico (ex. instruções), destinadas a concretizar as diretrizes legais e reger, no âmbito de sua competência, a conduta dos agentes do mercado. A norma reguladora ou regulamentadora expedida pela CVM se distingue por ser: “prospectiva, tentando induzir comportamentos econômicos; necessari- amente ágil e dinâmica, pois lida com fatos temporários e mutáveis; e téc- nica, requerendo um conhecimento especializado de seu editor” 176.
174 BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Art. 3º. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ ccivil_03/leis/L6385.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014.
175 “Art. 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários: I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações; II - administrar os registros instituídos por esta Lei; III - fiscalizar permanentemen- te as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a veicu- lação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados. [...] Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de: I - estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobili- ários; II - promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle de capitais priva- dos nacionais. Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do art. 15, pode- rá: [...] V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administra- dores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado. Art. 13. A Comissão de Valores Mobiliários manterá serviço para exercer ati- vidade consultiva ou de orientação junto aos agentes do mercado de valores mobiliários ou a qualquer investidor.” (BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/X0000.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
176 XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx de. Poder regulamentar da Comissão de Valores Mobiliários. São Paulo. 1989. 221 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1989, p. 160. No mesmo sentido: XXXXX, Bolivar B. M. O poder normativo de órgãos da administração: O caso da Comissão de Valores Mobiliários. Revista de direito mercantil, industrial, eco- nômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLVII, n. 64, p. 47 a 70, out.-dez., 1986, p. 66. Segundo a Deliberação da Comissão de Valores Mobiliários nº 1, de 23 de fevereiro de 1978, os atos expedidos pela CVM recebem a seguinte nomenclatura: (i) Instrução, compreende os atos através dos quais a CVM regulamenta as matérias expressamente previstas nas Leis 6.385/76 e 6.404/76; (ii) Deliberação, consubs- tancia todos os atos de competência do Colegiado da CVM, nos termos do Regimento Interno; (iii) Pare- cer, responde a consulta específica que vier a ser formulada por agentes do mercado e investidores ou por componentes integrantes da própria CVM, a respeito da matéria por ele regulada; (iv) Parecer de Orien- tação, corporifica o entendimento da CVM sobre matéria que lhe caiba regular, fornecendo, assim, aos atores do mercado, orientação sobre o assunto; (v) Nota Explicativa, torna públicos os motivos que leva- ram a CVM a baixar norma ou a apresentar proposição ao Conselho Monetário Nacional, além de forne- cer explicações sobre a utilização da norma; (vi) Portaria, compreende os atos que envolvam aspectos da administração interna da CVM; e (vii) Ato Declaratório, é o documento através do qual a CVM credencia
ii. Fiscalizadora (art. 8º, III): realiza-se mediante o acompanhamento das in- formações veiculadas no mercado, sejam elas referentes às instituições que dele participam ou aos valores mobiliários negociados177. Destina-se a veri- ficar a adequação da conduta dos agentes econômicos aos limites legais e regulamentares, interrompendo-se preventivamente suas práticas financei- ras quando for o caso (artigo 9º, § 1º e 20). Efetiva-se tanto mediante o re- gistro prévio das emissões de companhias, demais emissores (artigo 19) e auditores independentes (artigo 26), quanto por meio de autorização para prestar certos serviços no mercado de valores mobiliários, dentre eles:
ii.1) administração de carteira (artigo 23); ii.2) distribuição, intermediação e corretagem de valores mobiliários (artigo 16, I, II e III); ii.3) compensa- ção e liquidação de operações com valores mobiliários (artigo 16, IV);
ii.4) de prestação de serviço de custódia (artigo 24); ii.5) de mercado de balcão organizado (artigo 21, § 5º). De acordo com a exposição de motivos da Lei 6.385/76, tais registros têm por finalidade “obrigar a companhia emissora a revelar ao mercado fatos relativos à sua situação econômica e financeira, possibilitando aos investidores uma avaliação correta dos títu- los”178.
iii. Registrária (art. 8º, II): diz respeito aos atos formais pelos quais se permite que uma sociedade anônima se torne aberta, operando no mercado bursátil ou de balcão, bem como ao registro que autoriza a emissão pública de valo- res mobiliários, precondição obrigatória para sua distribuição no mercado.
iv. Consultiva (art. 13): é exercida junto a agentes do mercado e investidores e concretizada por “pareceres de orientação, os quais devem limitar-se às questões concernentes às matérias de competência da própria CVM, abran- gendo apenas problemas de mercado ou sujeitos de sua regulamentação”179. Também pode ser incluída na função consultiva a intervenção da CVM
ou autoriza o exercício de atividades no mercado de valores mobiliários. (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Deliberação 01 de 23 de fevereiro de 1978. <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/xxx ato.asp?File=/deli/deli001.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014).
177ALVARENGA, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx. Adequação das funções legais da Comissão de Valores Mo- biliários à realidade brasileira. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Pau- lo: Malheiros, ano XLVII, n. 105, p. 144 a 157, jan.-mar., 1997, p. 148.
178 BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ ccivil_03/leis/L6385.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014.
179 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito societário. Rio de Janeiro: Rexxxxx, 0000, 000.
como amicus curiae nos processos judiciais em que se discutam questões relacionadas a direito societário ou ao mercado de capitais afetas à sua competência180.
v. De fomento (art. 4º, I e II): refere-se ao estímulo do crescimento e do de- senvolvimento do Mercado de Capitais proporcionado por campanhas edu- cativas, publicações científicas, etc.
vi. Disciplinar ou inibitória (art. 9º, V): configura-se pela faculdade de apurar, mediante inquérito administrativo, atos ilegais e práticas não equitativas de administradores, acionistas de companhias abertas, intermediários financei- ros e demais participantes do mercado. Concretiza-se pela imposição de penalidades, observando-se o devido processo legal, com o objetivo de re- primir eficazmente ilícitos que se perpetrem em detrimento não só dos par- ticulares, mas também do próprio mercado que se quer preservar como fon- te ética e equitativa de captação de recursos181.
Todas essas funções almejam possibilitar que a CVM, ao disciplinar uma eco- nomia de livre mercado como é a brasileira, constitua um mercado de capitais eficiente, competitivo e principalmente bem informado. E, tudo isso, com vistas a atingir máxima confiabilidade mediante a proteção e harmonização dos interesses daqueles que transa- cionam nesse setor da economia.
É importante relatar que o caráter essencialmente instrumental apresentado pelo modelo regulatório da CVM deriva de sua inspiração na Security Exchange Comission norte-americana. Desse modo, é possível afirmar que a intervenção estatal no mercado de capitais acontece a partir de “normas que estabelecem genericamente as condições de acesso, exercício, as condutas que devem ser mantidas e, principalmente, as informa- ções que devem ser prestadas aos investidores”182.
180 No Brasil, são raras as varas judiciais dedicadas à matéria empresarial, daí a prerrogativa da CVM de cooperar com o judiciário para a melhor adequação de suas decisões às peculiaridades do mercado de capitais, contribuindo nessas demandas com seu conhecimento especializado. (XXXXX, Xxxxxx. Amigo da corte. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxx/xxxxx/ portaldoinvestidor/entrevistas/Arquivos/Amigo_da_Corte.PDF>. Acesso em: 14 jan. 2014).
181 GUERREIRO, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx. Sobre o poder disciplinar da CVM. Revista de direito mercan- til, industrial, econômico e financeiro. n. 43, p. 64 a 78, jul. set. 1981, p. 68.
182 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Regulação e auto-regulação no mercado de valores mobiliários. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XXI, n. 48, out.-dez., p. 48 a 59, São Paulo: RT, 0000, p. 50.
Esse tipo de regulação contrapõe-se àquela chamada substantiva, que admite a discricionariedade do Estado para escolher os participantes do mercado, fixar preços para emissões públicas de ações, interferir nas cotações ou, até mesmo, julgar o mérito de certos títulos, bloqueando sua distribuição pública quando reputá-los como de má qualidade183.
As diretrizes contidas nas “Políticas de Divulgação de Informações” da CVM demonstram a natureza prioritariamente instrumental de sua atividade regulatória:
a) O sistema de divulgação visa a equalizar o acesso à informação, protegendo o público investidor e gerando sua confiança; a utilização da informação privilegiada é indesejável, uma vez que permite aos que a ela têm acesso obter benefícios às custas de terceiros, afetando a confiabilidade geral do mercado.
b) A manutenção da confiança do investidor através da plena revela- ção dos fatos é um pré-requisito para a construção de uma economia aberta, o fortalecimento do mercado de valores mobiliários e uma maior captação de recursos de capital pelas companhias.
c) A proteção do público investidor pela divulgação de informações não prejudica as companhias correta e sadiamente administradas.
d) A prática da divulgação é um elemento didático que tende a influ- enciar favoravelmente a conduta da administração das companhias abertas184.
Sob outro ângulo, a regulação instrumental da Comissão de Valores Mobiliários também pode ser reputada como espécie de intervenção estatal qualificada, ante a fina- lidade eminentemente informacional acima explicitada. Dessa forma, ela se materializa não só pela exigência de se relatarem as principais informações sobre os bens financei- ros transacionados no mercado, mas também pela imposição de padrões para sua apre- sentação e pela verificação quanto à observância desses.
É o que comprova o art. 4º, VI da Lei n. 6.385/76, ao estabelecer como uma das finalidades da atividade exercida pela CVM, “assegurar o acesso público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido”185.
183 “Com efeito, a regulação ‘substantiva’ pode ser fonte de graves imperfeições, particularmente quando há poucas possibilidades de controles políticos, por parte do Poder Legislativo e do público em geral, sobre a atuação das agências reguladoras governamentais, como ocorre entre nós.” (XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Regulação e auto-regulação no mercado de valores mobiliários. Revista de direito mercantil, indus- trial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XXI, n. 48, out.-dez., p. 48 a 59, 1982, p. 50).
184 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Políticas de Divulgação de Informações. Rio de Janeiro: CVM, 1979, p. 4.
185 BRASIL. Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/ ccivil_03/leis/L6385.htm>. Acesso em: 14 jan. 2014.
Essa tutela da informação se dá sem prejuízo da utilização dos mecanismos de seguro para reparação de danos, os quais contêm limites quanto ao valor do ressarci- mento (ex. limite da apólice ou, tratando-se de fundo mútuo, ao do próprio fundo). Sub- linhe-se, ainda, que o respaldo securitário também não afasta posterior verificação da responsabilidade em caso de fraude ou má-gestão, seguida da consequente apuração de perdas e danos associada, se for o caso, às punições administrativa e criminal186.
Toda e qualquer ação da CVM é pautada por esses parâmetros para que os inves- tidores desfrutem de efetiva liberdade ao tomar suas decisões de investimento. Ainda que experimentem prejuízos por não adotarem a cautela adequada ao risco que se sub- metem, eles “devem ter à sua disposição informações que reflitam, com fidedignidade e precisão, a situação financeira e patrimonial das companhias emissoras e as característi- cas dos valores mobiliários”187.
4.3 Autorregulação no mercado de capitais
A regulação efetuada pelo poder público coexiste com a atividade autorregula- dora exercida por entidades de direito privado. Sua justificativa está no acentuado grau de complexidade e incerteza inerentes à atividade financeira, o qual enseja obstáculos relevantes à supervisão de vulnerabilidades sistêmicas.
Assim, ao lado tanto da regulação estatal quanto da coordenação mercadológica, ambas oriundas da Administração Pública, surgem entidades responsáveis por estabele- cerem regras sobre o funcionamento dos mercados por elas administrados (ex. BSM). A Comissão de Valores Mobiliários reconhece a relevância da autorregulação, principal- mente após o processo de desmutualização das bolsas de valores:
A CVM deposita grande esperança em que o processo de desmutuali- zação possa contribuir decisivamente para o incremento das atividades de auto-regulação.
186 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. XXXXX, Xxxxx (coord.). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002 p. 308 e 309.
187 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. O exercício do poder de polícia e regulador da CVM: aperfeiçoa- mentos recentes. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx (Coord.). Aspectos atuais do Direito do Mercado Fi- nanceiro e de Capitais. São Paulo: Dialética, 1999. p. 211.
Muito se debate sobre o suposto agravamento do conflito de interesses entre as atividades de uma bolsa que vise ao lucro e as atividades de auto-regulação dessa mesma bolsa. A CVM acredita que uma regula- ção que imponha a independência, o financiamento adequado e a atua- ção efetiva da auto-regulação, aliada aos riscos impostos ao mercado no caso de falhas de auto-regulação (inclusive, no extremo, de cassa- ção da autorização para funcionar), constituem incentivos adequados para que os administradores de mercados e os sócios das sociedades que explorem esses mercados atuem de maneira adequada no exercí- cio de suas funções auto-reguladoras, sempre sob a supervisão atenta do órgão regulador188.
Para Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx, a autorregulação implica basicamente na atividade de “normatização e fiscalização, por parte dos próprios membros do mercado, organizados em instituições ou associações privadas, de suas atividades, com vistas à manutenção de elevados padrões éticos”189. Assim, tal como acontece com a regulação estatal do mer- cado financeiro, “a auto-regulação se corporifica em mais de uma dimensão, abrangen- do uma faculdade genérica de auto-regulamentação, uma faculdade de auto-execução e uma faculdade de aplicar punições, ou seja, de ‘autodisciplina’”190.
As normas autorreguladoras podem ser segregadas em duas diferentes classes. Na primeira, encontram-se as regras de acesso ao mercado, nas quais se incluem desde os mecanismos de ingresso de intermediários e de emissores de títulos até as condições de listagem dos valores mobiliários para efetiva negociação. A segunda congrega regras de conduta relacionadas à proteção dos agentes ou à garantia dos processos de formação de preços e dos instrumentos de negociação. É o caso das regras operacionais, de com- portamento, de prestação de informações etc. Essa normatização é complementada por um “sistema de fiscalização e aplicação de penalidades circunscritos aos limites do po- der de autorregulação conferido pelo Estado”191.
Com efeito, o autopoliciamento quanto ao cumprimento de deveres legais e pa- drões éticos consensualmente aceitos viabiliza atuação mais célere e eficaz para corre- ção de anomalias. E isso devido à maior proximidade dos autorreguladores para com as
188 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Edital de audiência pública nº 06/2007. p. 1. Disponível em: <xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxx/XxxxXxxxxx_0000-00.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
189 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Regulação e auto-regulação no mercado de valores mobiliários. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XXI, n. 48, p. 48 a 59, out.-dez., 1982, p. 52.
190 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2 ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 211.
191 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2 ed., Rio de Janeiro: Elxxxxxx, 0000, p. 214.
práticas mercadológicas, que possibilita acompanhamento com maior acuidade, sensibi- lidade e experiência. Alia-se a esse fato a incontestável redução dos custos estatais dessa atividade, uma vez que recaem sobre os próprios membros do mercado.
Entre os elementos da autorregulação, enumeram-se:
i. coordenação do mercado realizada por agentes econômicos organizados co- letivamente por meio de entidades profissionais privadas;
ii. materialização pela criação de normas de conduta, recomendações, parece- res de orientação e outros documentos de conteúdo normativo, que passam a reger a atividade dos participantes submetidos à autorregulação;
iii. fiscalização e eventual punição com base na aplicação de sanções discipli- nares pelas entidades profissionais privadas em relação aos seus membros e;
iv. inexistência de interferência estatal na atividade autorregulatória, apesar de algumas modalidades desse instituto serem impostas ou reconhecidas ofici- almente pelo Estado e dotadas, por isso, dos poderes que esse lhes atribu- iu192.
Todavia, assinale-se que, ao contrário da autoridade administrativa, da qual se vale a regulação perpetrada pelo Estado, a autorregulação se sustenta em instrumentos de direito privado, que podem ou não ter por fundamento a competência outorgada pela lei. Na primeira hipótese, tem-se a autorregulação legal (ou pública) e, na segunda, a autorregulação voluntária (ou privada)193.
Convém ressalvar que essa classificação não importa em sujeitar a autorregula- ção ao regime jurídico de direito público. Isso porque as entidades incumbidas do seu implemento detém personalidade jurídica de direito privado, desempenhando atividade
192 XXXXXX, Xxxxxxx. A autorregulação do mercado de valores mobiliários brasileiro: a coordenação do mercado por entidades profissionais privadas. Belo Horizonte. 2012. 164f. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012, p. 71.
193 Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx reputam como pública a autorregulação legal e como privada a autorregulação voluntária ao declararem que: “Do ponto de vista de sua origem existem dois grandes sistemas de autorregulação: o de base voluntária (auto-regulação voluntária ou privada) e a que se exerce por imposição legal (auto-regulação de base legal ou pública). [...] a autorregulação é pri- vada (ou de base voluntária) quando os agentes a ela se submetem voluntariamente, por vínculo contratu- al normalmente manifestado pela adesão a uma determinada organização, cuja autoridade supervisora passa a ser reconhecida. Já na auto-regulação pública (ou de base legal) a submissão do participante é coativa, sendo objeto de sanção estatal.” (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxxx. Regula- ção e autorregulação no Brasil e a crise internacional. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/ juridico/download/Artigo_MarceloTrindade.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014).
essencialmente privada. Logo, não se pode cogitar, sequer, de concessão ou delegação de serviço público, pois sua classificação como “pública” indica apenas a legitimação decorrente de expressa previsão legal.
Assim como se dá com a regulação e a regulamentação, a autorregulação tam- bém se volta à proteção da confiança como fator essencial à existência e manutenção do mercado de valores mobiliários. A tutela desse valor imaterial contribui tanto para a redução dos riscos dos investimentos quanto dos correspondentes custos de transação necessários a administrá-los. Caso esses atinjam patamares consideravelmente altos, as trocas econômicas poderão ser, até mesmo, inviabilizadas.
No mercado de valores mobiliários interagem sujeitos dotados de racionalidade limitada, pois “na vida real não há como conhecer todas as alternativas, havendo incer- teza quanto a eventos externos e impossibilidade de cálculo de todas as conseqüências possíveis”194. Logo, sua conduta nem sempre se mostra maximizadora dos resultados benéficos devido a incoerência existente entre suas práticas concretas e os objetivos almejados a longo prazo.
Daí a necessidade de se garantir um nível adequado de segurança jurídica para que a manutenção da confiabilidade no mercado. Mas esse fim não pode ser atingido sem a especialização técnica e científica imprescindíveis à disciplina eficiente das ope- rações financeiras.
A autorregulação surge, assim, como complemento imprescindível da regulação e da regulamentação estatal, revelando-se como “tipo de arranjo destinado ao desenvol- vimento de atividades regulatórias, integrado, de forma mais ou menos direta, conforme o regime adotado em cada país, à atuação dos reguladores propriamente ditos”195.
Além disso, a autorregulação contribui com a confiança no mercado de capitais por suscitar menores litígios, vez que o conteúdo de suas regras provém dos próprios
194 YAZBEK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 13. Conforme o pensamento de Xxxxxxx Xxxxx: “[...] a racionalidade é limitada quando ela quase atinge a onisciência. E as falhas de onisciência são, em sua maioria, falhas quanto à ciência de todas as alternativas, incerteza sobre eventos exógenos relevantes e inabilidade para calcular consequências.” […] rationality is bounded when it falls short of omniscience. And the failures of omniscience are largely failures of knowing all the alternatives, uncertainty about relevant exogenous events, and inability to calculate consequences. (XXXXX, Xxxxxxx X. Rational decision-making in business organizations. Nobel Memorial Lecture. 1978, p. 356. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx/xxxxx_xxxxxx/xxxxxxxxx/ laureates/1978/simon-lecture.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014, tradução nossa).
195 YAZBEK, Otavio. A regulamentação das bolsas de valores e das bolsas de mercadorias e futuros e as novas atribuições da Comissão de Valores Mobiliários. Revista de direito bancário e do mercado de capi- tais. São Paulo: RT, ano 9, n. 34, p. 198 a 218, out-dez, 2006, p. 207.
operadores do mercado. Esses são dotados de maior perícia para lidar com a complexi- dade do sistema financeiro, o que confere maior flexibilidade e facilidade de adaptação para os agentes financeiros, inclusive frente a problemas econômicos circunstanciais.
A principal entidade autorreguladora brasileira é a Bovespa Supervisão de Mer- cados, que consiste em associação civil sem fins lucrativos. Inicialmente, o patrimônio da BSM foi constituído por contribuições iguais da extinta Bolsa de Valores de São Paulo S.A. e da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, mas, na atualidade, seus membros são a BM&FBOVESPA S.A. e o Banco BM&F de Serviços de Liquida- ção e Custódia S.A.
A IN CVM 461/2007 delineia o espectro de controle dessa entidade autorregula- dora ao atribuir competência para que ela aponte deficiências no cumprimento das nor- mas legais e regulamentares. Além disso, também lhe compete instaurar, instruir e con- duzir processos administrativos, bem como aplicar as penalidades cabíveis aos infrato- res (ex. advertência, multa, suspensão ou inabilitação temporária).
Em obediência a essa mesma norma regulatória, a BSM conta com um Departa- mento de Autorregulação, com seu Diretor e com um Conselho de Autorregulação. A esses cabe a condução dos trabalhos necessários à fiscalização e supervisão das opera- ções estabelecidas nos mercados administrados pela BM&FBOVESPA (art. 36).
Pela supervisão e auditoria dos agentes econômicos que participam desses mer- cados, “a BSM pode identificar violações anormais de negociação ou comportamentos suscetíveis de colocar em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado”196.
A IN CVM 461/2007 também possibilitou que a BSM passasse a administrar o Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos197, antigo Fundo de Garantia mantido pela Bolsa de Valores de São Paulo. Por meio desse instrumento, a entidade autorreguladora indeniza eventuais prejuízos experimentados por investidores em razão de ações ou omissões dos intermediários financeiros (sociedades corretoras, distribuidoras etc.).
196 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. O mercado de valores mobiliários brasileiro. Rio de Janeiro: CVM, 2013, p. 226.
197 O MRP não tem personalidade jurídica, mas deve possuir escrituração contábil segregada da escritura- ção das operações da BM&FBOVESPA, não sendo essa responsável pelo pagamento das indenizações em caso de exaustão dos recursos do mecanismo. (BRASIL. BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados. Estatuto Social. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx-xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/XxxxXxxxxxxx/XXX-Xxxxxxxx- Social.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014).
são:
Os principais erros operacionais que autorizam os investidores a acionar o MRP
i. inexecução ou infiel execução de ordens;
ii. uso inadequado de numerário e de valores mobiliários ou outros ativos, in- clusive em relação a operações de financiamento;
iii. entrega ao investidor de valores mobiliários ou outros ativos ilegítimos ou de circulação restrita;
iv. inautenticidade de endosso em valores mobiliários ou outros ativos, ou ile- gitimidade de procuração ou documento necessário à sua transferência e;
v. encerramento das atividades198.
As reparações concedidas pelo MRP se limitam ao valor de R$ 70.000,00 (seten- ta mil reais) e não abrangem transações feitas no mercado de balcão organizado, assim como prejuízos oriundos de mera oscilação de preços199. Para recorrer ao seu amparo, não é necessária a contratação de advogado nem o pagamento de taxas, mas a reclama- ção deve conter os requisitos mínimos impostos pelo Regulamento do MRP200.
Repise-se, entretanto, que, diante do dever do investidor de buscar informações antes de tomar as decisões quanto à alocação de seus recursos, ele não pode reclamar prejuízo ao MRP fundamentando-se, tão somente, na sua própria falta de conhecimento sobre os riscos inerentes a determinada operação.
A imposição normativa da CVM quanto à subsistência do MRP traz à tona dis- cussão atinente à natureza da responsabilidade da bolsa de valores quanto às indeniza- ções de prejuízos experimentados pelos investidores.
198 BRASIL. BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados: MRP (como funciona). Disponível em:
<xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXXxxxXxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
199 Discordando da limitação quanto à responsabilidade bursátil em decorrência da conduta ilícita das sociedades corretoras: XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx de. Infiel execução de ordem na alienação de valores mobiliários e a responsabilidade ilimitada do fundo de garantia da Bolsa de Valores. Revista de direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Jurídicos, v. 57, p. 427 a 444, 2003, p. 440 e 441.
200 A IN CVM 461/2007 também atribui outras características ao MRP que o distinguem do antigo Fundo de Garantia, dentre elas: (i) valor máximo de patrimônio ou montantes máximos a ele alocados, que deve- rão ser fundamentados na análise dos riscos inerentes à sua atividade; (ii) critérios de rateio em caso de insuficiência do patrimônio; (iii) possibilidade de ter recursos distintos das contribuições das sociedades corretoras na constituição do seu patrimônio. (BRASIL. Instrução Normativa CVM n. 461 de 23 de outu- bro de 2007. Art. 62, § 2º. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxx/xxxx/Xxxx/xxxx/xxxx000 consolid.doc>. Acesso em: 14 jan. 2014).
O Supremo Tribunal Federal apreciou a questão no RE 86.771-6/RJ, manifes- tando entendimento no sentido de que tal responsabilidade é de ordem subjetiva. Restou consignado nesse acórdão que a fiscalização das bolsas de valores sobre as sociedades corretoras e as companhias abertas pressupõe o dever de vigilância, cuja negligência importa em culpa que, por sua vez, enseja ressarcimento em benefício do investidor201.
Disso se deduz que a responsabilidade subjetiva da bolsa de valores decorrerá de qualquer “atuação de administradores, empregados ou prepostos de sociedade membro ou permissionária, em relação à intermediação de negociações realizadas em bolsa e aos serviços de custódia”202. É o que sustentou Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, em pare- cer exarado pela Superintendência do Mercado e Intermediários da CVM. Na sua con- cepção, a melhor interpretação que se pode dar ao item 1 do artigo 41 da Resolução CMN 2.690/90 é a que exige apenas a necessidade de comprovação da existência de relação jurídica entre o cliente e a corretora, para que se possa admitir qualquer recla- mação perante a bolsa de valores.
Por conseguinte, restringir a aplicação de ressarcimento à hipótese da estrita comprovação da existência de ordem diversa emitida pelo investidor, como pretendia a antiga Bovespa no processo acima referido, iria além do que buscava a citada norma. Tem-se, então, por consectário lógico, que se a mens legis está voltada a proteger a exe- cução das ordens em situações oriundas de simples falhas ou erros operacionais ou até mesmo na hipótese de sua inexecução, quanto mais também estão aquelas que decorrem de dolo203.
201 Anote-se, entretanto, que o Ministro Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, em seu voto, asseverou que o Fundo de Garantia da bolsa de valores havia sido criado para ressarcir os investidores em caso de ato ilícito praticado por pessoa autorizada a operar, ou por seus administradores, empregados ou prepostos, na intermediação de negociações realizadas na bolsa. Por isso, na visão desse magistrado, bastaria a ocorrên- cia dessa situação para que o investidor passasse a ter o direito de indenização, não sendo necessário verificar se a bolsa teria agido ou não com culpa no exercício de suas funções de autorregulação. Portan- to, o referido Ministro concebe como objetiva a responsabilidade da bolsa, vez que, de outro modo, não se poderá garantir a confiança dos investidores no xxxxxxx xx xxxxxxx xxxxxxxxxxx. (XXXXXX. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Recurso Extraordinário 86.771-6/RJ. Relator Min. Xxxxxxx Xxxxx. 16 nov. 1978. Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxXXxXX&xxxXX
=180780>. Acesso em: 14 jan. 2014).
202 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Decisão da Superintendência do Mercado e Intermediá- rios no Processo n. SP 96/0008. Relator: Dr. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. apud XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx de. Infiel execução de ordem na alienação de valores mobiliários e a responsabilidade ilimitada do fundo de garantia da Bolsa de Valores. Revista de direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Jurídicos, v. 57, p. 427 a 444, 2003, p. 442.
203 Dessa maneira, “é inequívoco que o cliente que não deu qualquer ordem após a compra das ações tem o direito de exigir seja mantida a ordem de tê-las em carteira, ou seja, o cumprimento daquilo que orde- nou em sua última manifestação de vontade junto à corretora. Entendimento contrário não é simplesmente ilógico, de vez que a ordem do cliente existe e é ela a de não vender, como leva a conclusões de clamoro-
Por fim, deve ser mencionado o relevante papel desempenhado pela autorregula- ção voluntária, seja quando essa é realizada por entidades específicas profissionalmente organizadas, seja quando é promovida por meio dos níveis diferenciados de governança corporativa estabelecidos pela BM&FBOVESPA.
Assim, com base em convenções de natureza privada, alocam-se instrumentos adequados à fiscalização e aplicação de penalidades para infrações. Mas elas não osten- tam as mesmas prerrogativas inerentes à autorregulação de cunho legal, conforme res- salta Xxxxxx Xxxxxx:
Da natureza das instituições auto-reguladoras decorre outro ponto im- portante: seus instrumentos são, necessariamente, distintos daqueles utilizados pela regulação estatal. Se esta última faz uso da autoridade administrativa acima referida e dos correspondentes instrumentos de direito público, para a auto-regulação são adotados, primordialmente, instrumentos fundados no direito privado. Isso não quer dizer, porém, que a relação entre a instituição auto-reguladora e o regulado seja ‘ho- rizontal’ – não se encontram os dois em relação de mera coordenação, lado a lado, mas em relação de subordinação. Trata-se de uma subor- dinação, porém, sustentada muito mais por aquele instrumental típico das relações entre agentes privados204.
São exemplos dessas entidades profissionais:
i. ANBIMA: Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais;
ii. ABRASCA: Associação Brasileira das Companhias Abertas;
iii. ANCORD: Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias;
iv. APIMEC: Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
sa e flagrante injustiça. Tem sido entendimento desta Casa, há muitos anos, de que a realização de negó- cio sem ordem consubstanciaria ordem diversa da do investidor.” (XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx de. Infiel execução de ordem na alienação de valores mobiliários e a responsabilidade ilimitada do fundo de garantia da Bolsa de Valores. Revista de direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Jurídicos, v. 57, p. 427 a 444, 2003, p. 442).
204 Vale esclarecer que, apesar das prerrogativas conferidas às entidades encarregadas legalmente da au- torregulação, não se pode falar de delegação de poderes, mas sim de uma atividade privada fiscalizada pelo Estado, pois esse não possui autorização constitucional para desempenhar as atividades próprias das bolsas, o que implica na impossibilidade de delegação desses serviços. (XXXXXX XXXXX, Xxx Xxxxxxx. A Natureza Jurídica das atividades das Bolsas de Valores. Revista de administração de empresas. Rio de Janeiro: Fundação Xxxxxxx Xxxxxx, n. 26., jan.-mar., 1986, p. 6 a 12. XXXXXX, Xxxxxx. A regulamentação das bolsas de valores e das bolsas de mercadorias e futuros e as novas atribuições da Comissão de Valores Mobiliários. Revista de Direito bancário e do mercado de capitais. São Paulo: RT, ano 9, n. 34, p. 198 a 218, out-dez, 2006, p. 207 e 208).
Por tudo o que foi descrito, a hierarquia entre as autoridades regulatórias do Sis- tema Financeiro Nacional responsáveis pela regulação e pela autorregulação do merca- do de valores mobiliários pode ser representada pelo seguinte organograma:
FIGURA 6
Estrutura Normativa do Mercado de Valores Mobiliários205
CONGRESSO NACIONAL
(Constituição Federal e Leis)
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL
(Resoluções)
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS
(Instruções / Deliberações)
BANCO CENTRAL
(Circulares e Cartas Circulares)
BOLSAS E ENTIDADES DE BALCÃO
(Normas de autorregulação legal)
BOLSAS E ASSOCIAÇÕES PROFISIONAIS
(Normas de autorregulação voluntária)
Dessa forma, uma vez analisada a estrutura normativa do mercado de capitais brasileiro, passa-se à abordagem de sua estrutura operacional, com foco nos setores ad- ministrados pela BM&FBOVESPA.
205 Organograma adaptado pelo autor a partir da figura constante do site da Comissão de Valores Mobiliá- rios. (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Atos normativos na esfera da CVM: estrutura normati- va do Sistema Financeiro Nacional. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxx/xxxx.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014).
5 ESTRUTURA OPERACIONAL DO MERCADO DE BOLSA
5.1 AGENTES PARTICIPANTES DAS NEGOCIAÇÕES BURSÁTEIS
5.1.1 A BM&FBOVESPA
A livre alienação dos valores mobiliários enseja a criação de mercado no qual é imprescindível a atuação de agentes econômicos especializados em promover os negó- cios necessários à circulação desses bens. E isso envolve tanto os atos destinados à transmissão da propriedade dos títulos quanto aqueles relacionados ao pagamento das quantias assumidas por esses papéis no mercado.
No entanto, como o presente estudo enfoca o contrato de comissão bursátil, a análise da estrutura operacional do mercado de valores mobiliários se restringirá às ope- rações conduzidas pela BM&FBOVESPA, a única bolsa de valores em funcionamento neste país.
Nessa ordem de ideias, convém tecer alguns comentários sobre a origem da BM&FBOVESPA como a principal entidade responsável pela administração do sistema brasileiro de negociação e distribuição de valores mobiliários. Somente a partir dessas informações é que será possível a abordagem panorâmica das instituições financeiras que atuam como intermediárias no mercado de valores mobiliários perante os investido- res individuais.
Oscar Barreto Filho explica a formação das bolsas de valores no Brasil:
O art. 68 do decreto n. 648 de 10 de novembro de 1849, que regulou a profissão de corretor, já estatuía o seguinte: “Os corretores reunir-se- ão na mesma casa que serve agora de Praça do Comércio, cujo regime econômico e policial continuará a cargo da comissão da mesma Pra- ça”. Após o Código Comercial, o decreto n. 806, de 26 de julho de 1851, que estabeleceu o Regimento dos Corretores da Praça do Rio de Janeiro, dispunha, no art. 42: “A casa da Praça do Comércio é o único lugar competente para a reunião dos corretores”. Do mesmo modo, o art. 1.º do decreto n. 6.132, de 4 de março de 1876, preceituava o se- guinte: “Nos edifícios destinados para Praça do Comércio haverá um lugar especial, separado e elevado, onde, à vista do publico, se reuni-
rão os corretores de fundos, quando tiverem de propor e efetuar tran- sações”.
Encontramos a palavra “bôlsa” usada, entre nós, pela primeira vez, no Regimento Interno da Junta de Corretores da Praça do Rio de Janeiro, de 12 de abril de 1877, expedido nos termos do art. 40 do decreto n. 806, de 1851, cujo art. 1.º rezava: “A Bôlsa é o lugar, no salão da Pra- ça do Comércio ou da Associação Comercial, destinado às operações de compra e venda de títulos públicos, de ações de bancos e compa- nhias, de valores comerciais e finalmente de metais preciosos”206.
Já no século XX, o art. 6º da Lei 4.728/65 instituiu as bolsas de valores como en- tidades dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, cuja operação se submete à supervisão do Banco Central, de acordo com a regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional. Complementando tais faculdades, a Lei 6.385/76, em seu art. 8º e no § 1º de seu art. 17, atribuiu competência autorreguladora às bolsas de valo- res.
Assim, de acordo com a legislação brasileira, as bolsas de valores e as entidades administradoras do mercado de balcão, contanto que autorizadas pela CVM, podem gerenciar as negociações do mercado de capitais. Da mesma forma, certas instituições financeiras autorizadas pelo CMN – tais como as sociedades corretoras ou distribuido- ras de valores mobiliários – são intermediárias que a lei designa para operar perante os investidores individuais, com exclusividade, em tais mercados.
De acordo com a interferência do Estado na constituição das bolsas de valores, elas podem se organizar conforme sistema:
i. de criação por lei, segundo o qual a criação das bolsas independe de qual- quer outra manifestação de vontade, que não a do Estado, hipótese em que as intermediações bursáteis são implementadas direta ou indiretamente pelo poder público (ex. Brasil Imperial);
ii. liberal, no qual sua constituição e funcionamento são regulados discreta- mente por acordos de mútua conveniência entre o mercado e o governo (ex. Inglaterra);
206 O autor também aponta a origem etimológica do vocábulo bolsa, o qual, para ele, “parece provir da cidade flamenga de Bruges, na qual, durante o século XIII, uma família nobre – Xxx xxx Xxxxx – assina- lava o frontispício de sua casa com escudo d’armas, em que figuravam três bôlsas; por extensão, tal nome passou a designar uma praça contígua, que constituía o centro de reunião dos mercadores. Foi, contudo, em Antuérpia, no ano de 1531, que se fundou a primeira Bôlsa de caráter internacional.” (XXXXXXX XXXXX, Xxxxx. Natureza jurídica das bôlsas de valores no direito brasileiro. Revista de direito bancário e do mercado de capitais. São Paulo: RT, ano 4, n. 12, p. 243 a 266, abril-jun., 2001, p. 243, 246 e 247).
iii. de autorização administrativa, em que se formam pela vontade livre de seus membros, mas dependem de prévia autorização do Estado para funci- onar, o qual, embora estimule sua criação, passa, depois disso, a exercer a regulação das suas operações (Ex. Brasil e Estados Unidos na atualida- de)207.
Em definição bastante simplificada, “bolsa é o lugar em que se encontram os possíveis compradores e vendedores de certos bens, para a realização das corresponden- tes negociações, conforme regras e procedimentos específicos”208. A dificuldade que pode surgir quanto à apreensão desse conceito reside na atual dispensa da presença físi- ca dos intermediários para efetivação dos negócios, em ambiente bursátil209.
Isso porque, em 1972, a Bolsa de Valores de São Paulo implantou o sistema do pregão automatizado, com a disseminação de informações em tempo real por meio de ampla rede de terminais de computador210. Todavia, o sistema tradicional do pregão viva voz foi abolido só no ano de 2005, em razão do sucesso obtido por diversos ins- trumentos eletrônicos, tais como o “megabolsa”, o homebroker e o after market.
O “megabolsa” consiste em sistema (ou plataforma) constituído por terminais remotos que ampliam a capacidade de registro de operações de compra e venda. Essa ferramenta tecnológica reproduz o ambiente de negócios na tela de um computador, exibindo os registros das ofertas de compra e venda das ações negociadas, o que propi- cia o fechamento automático das negociações. Por ele, as sociedades corretoras e distri- buidoras podem enviar suas ordens de compra e venda diretamente de seus escritórios situados em qualquer parte do mundo211.
O homebroker é o sistema pelo qual o investidor encaminha ordens de compra e venda de ações e de opções pela Internet, por meio de corretoras credenciadas nas bol-
207 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx. Natureza jurídica das bôlsas de valores no direito brasileiro. Revista de direito bancário e do mercado de capitais. São Paulo: RT, ano 4, n. 12, p. 243 a 266, abril-jun., 2001, p. 245.
208 YAZBEK, Otavio. Regulação do Xxxxxxx Xxxxxxxxxx x xx Xxxxxxxx. 0 xx., Xxx xx Xxxxxxx: Elsevier, 2009, p. 130.
209 Registre-se, ainda, que o termo “bolsa de valores” tem conotação polissêmica, podendo indicar dentre outros sentidos: i) a instituição administradora das operações; ii) o edifício ou lugar; iii) o conjunto de operações bursáteis de um dia determinado; iv) o estado dessas operações (ex. baixa, alta, firme etc). Neste trabalho, empregar-se-á apenas o primeiro desses significados.
210 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Entenda o mercado de ações: faça da crise uma oportunidade. Rio de Janei- ro: Campus Elsevier, 2009, p. 44.
211 BRASIL. BM&FBOVESPA. Plataforma de negociações de ações, fundos de indice (ETFs) e recibos de ações (BDRs). Disponível em: <xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
sas de valores mobiliários para tal fim. Esse sistema foi implantado em 1999 pela Bolsa de Valores de São Paulo e se assemelha aos serviços de home banking, permitindo a comunicação por via de “canal de relacionamento” entre os investidores e as sociedades corretoras da BM&FBOVESPA. Com isso, essa ferramenta dinamizou e simplificou as contratações necessárias à aquisição ou venda de valores mobiliários e possibilitou, ao mesmo tempo, uma maior participação de pessoas físicas no mercado bursátil212.
After Market é o nome do serviço oferecido aos investidores pela BM&FBOVESPA durante horário extra de funcionamento da bolsa. Com ele, quem não tem como acompanhar o mercado durante o horário comercial pode investir na bolsa após o fechamento do pregão oficial da BM&FBOVESPA, enviando ordens de compra e venda213.
Em sua origem, a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo surgiu como associ- ação civil de sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, cuja denominação era Bovespa. Essas associadas detinham frações ideais de seu patrimônio, que lhes con- feria, dentro de certos limites, prerrogativa de acesso ao sistema de negociação e distri- buição de títulos e valores mobiliários214.
Para prestar os serviços necessários à conclusão das operações bursáteis, a Bo- vespa controlava uma sociedade anônima de capital fechado denominada Bovespa Ser- viços S.A.. Essa, por sua vez, detinha vinte por cento das ações da Companhia Brasilei- ra de Liquidação e Custódia, que era responsável pela guarda centralizada de valores
212 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Caderno CVM: Negociações online. Disponível em:
<xxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxxxxx0.xxx>. Acesso em: 14 jan. 2014.
213 BRASIL. BM&FBOVESPA. Regulamento de operações do segmento Bovespa: ações, futuros e deri- vativos de ações. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xx-xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxx/ 0_manual_regula_completo.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014.
mobiliários (depositária) e pela compensação, liquidação e gerenciamento de risco (cle- aring) das operações registradas na Bovespa Serviços S.A215.
No entanto, devido ao processo de desmutualização216 desencadeado no ano de 2007, houve a cisão da Bovespa e subsequente versão das parcelas de seu patrimônio para duas outras novas sociedades anônimas: a Bovespa Holding S.A. e a Bovespa Ser- viços S.A217. Em seguida, as atividades operacionais dessa última continuaram sob a nova denominação social de Bolsa de Valores de São Paulo (BVSP S.A.).
Em 2008, a BVSP S.A. foi incorporada pela Bovespa Holding S.A., cuja deno- minação social foi alterada para Bolsa de Valores de São Paulo S.A. – BVSP (“Nova BVSP”). Ato contínuo, a Nova BVSP, a CBLC e a BM&F foram incorporadas pela “Nova Bolsa S.A”218, companhia criada para viabilizar a fusão entre a Bolsa de Valores e a Bolsa de Mercadorias e Futuros. Encerrando o processo de desmutualização, a Nova Bolsa S.A. passou a adotar como nome empresarial a denominação BM&FBOVESPA S.A.
Ao final desses eventos societários, as atividades de compensação, liquidação e custódia da antiga CBLC foram transferidas para a “Câmara de Ações” da BM&FBOVESPA, unidade que passou a desempenhar as funções de central depositária e de clearing de liquidação e compensação dos ativos negociados em ambiente bursátil. Ademais, também recorde-se que, para cumprir a função autorreguladora imposta pelo §
215 Os outros 80% (oitenta por cento) das ações da CBLC eram titularizados por instituições financeiras intermediárias do mercado de capitais brasileiro.
216 A desmutualização da BM&FBOVESPA pode ser entendida como o processo pelo qual essa institui- ção deixou de ser uma associação civil sem fins lucrativos e transformou-se em uma sociedade por ações. Isso acarretou a mudança de toda a sua estrutura, na distribuição de suas atribuições e, principalmente, nas regras de acesso aos seus ambientes de negociação. Na antiga estrutura mutualística, o acesso aos sistemas de negociação dos mercados organizados pela já extinta Bovespa era vinculado à propriedade de títulos patrimoniais e, após a desmutualização, tal acesso passou a ser regido por um regulamento para instituições intermediárias de caráter essencialmente comercial. No caso da CBLC, o acesso dos agentes de compensação estava vinculado à propriedade de ações da mesma e, após a sua desmutualização, tais agentes passaram a atuar sem essa condição. (BRASIL. BM&FBOVESPA. Prospecto Definitivo de Ofer- ta Pública Inicial de Distribuição Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da BOVESPA Holding
S.A. Disponível em: <xxx.xxxx.xxx.xx/0/XX_xxx-xx-xxx-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxx_xxx/xx/xxxx-xxx-xxxxxxx/ investimentos/acoes/ofertas-publicas/pdf/prospecto_ definitivo_bovespa.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014).
217 Durante essa reorganização societária, a Bovespa Serviços S.A. entregou sua participação acionária sobre a CBLC para a Bovespa, devolvendo aos seus acionistas o montante correspondente à redução do capital social. Além disso, após a cisão supramencionada, os antigos detentores de títulos patrimoniais da Bovespa se tornaram acionistas da sociedade anônima de capital aberto Bovespa Holding S.A., a qual passou a deter o controle não só da BVSP S.A., mas também da CBLC.
218 Essa companhia recebeu a denominação preliminar de “T.U.T.S.P.E Empreendimentos e Participações S.A”, modificada em 2008 para “Nova Bolsa S.A.”. BM&F Bovespa: Breve histórico da empresa. Dis- ponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/XXXXXXXXXX/Xxxxx-Xxxxxxxxx-xx-Xxxxx sa/879518466562?p=2>. Acesso em: 14 jan. 2014.