OS PROBLEMAS DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA DO EMPREGO. AS FORMAS DE EXTINÇÃO.
Administraçio. n.° 8/9. vol. III, 1990-2.°-3.°. 401-444
A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxx *
Ⅰ
OS PROBLEMAS DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA DO EMPREGO. AS FORMAS DE EXTINÇÃO.
1. PROBLEMAS DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO: INTERESSES SUBJACENTES. EVOLUÇÃO HISTÓRICA.
O contrato de trabalho, embora destinado a perdurar no tempo, cessa, isto é, as relações contratuais de trabalho finalizam, como quaisquer outras, pela própria natureza das coisas (por exemplo: a morte ou invalidez do trabalhador), pela vontade concorde das partes ou até pela iniciativa de apenas um dos contraentes. Quanto à intervenção da vontade unilateral deve frisar-se que um contrato de carácter permanente e em que as relações estão impregnadas pelas ideias de colaboração e confiança mútuas supõe possibilidades de desvinculação: é uma exigência de liberdade pessoal para o trabalhador1 e é também um postulado dos poderes de disposição em que a entidade patronal está investida quanto à condução da empresa e, portanto, à adequação do volume do trabalho nela empregado.
Mas há que considerar outros interesses das partes, igualmente respeitáveis, agora no sentido da estabilidade das relações contra- tuais. Já que estas últimas são duradouras, porque se destinam a
* Professor de Direito do Trabalho na Universidade Católica Portuguesa.
1 Recorde-se que nos preceitos sobre o serviço salariado do «Code civil» napoleónico se frisa a nulidade do contrato perpétuo, isto é, em que o trabalhador se compromete por toda a vida numa quase servidão. Na mesma linha, o nosso primeiro Código Civil, principalmente no serviço doméstico (artigo l 371.°), e mais ainda com expressão no carácter temporário do serviço assalariado (v.g. artigo l 391.°).
satisfazer necessidades também duradouras das partes, ao trabalha-dor interessa assegurar estavelmente o seu posto de trabalho e a sua retribuição e à entidade patronal convém dispor permanentemente da mão-de-obra necessária ao funcionamento da empresa. Por outro lado, há a considerar os interesses gerais para os quais é indesejável um sistema de instabilidade de emprego.
Portanto, o regime de cessação do contrato do trabalho tem de ter em conta esses interesses contrastantes: não se pode afirmar totalmente o princípio da liberdade de desvinculação, consentindo, por exemplo, à entidade patronal de um momento para o outro privar o trabalhador do seu emprego; nem será adequado consagrar em absoluto o princípio da estabilidade, que conduz a situações de perpetuidade indesejável (o trabalhador não poderia sair da empresa, a entidade patronal teria de conservar o empregado inútil, etc.). Diga-se ainda que, embora os interesses opostos (quer militem no sentido de liberdade de desvinculação quer no da estabilidade) sejam comuns aos dois contraentes, tomaram no Ordenamento uma particular configuração de protecção ao traba- lhador. Com efeito, a liberdade de desvinculação representa para este a possibilidade de se isentar de uma situação de permanente empenhamento pessoal ou de ir procurar emprego que melhor lhe convenha. Sem esta garantia encontrar-se-ia em estado de quase servidão. No que se refere à estabilidade de emprego, ela constitui uma garantia de vida e subsistência, e isto de tal modo que a protecção do direito do trabalhador ao lugar e, portanto, à sua estabilidade se tornou um capítulo fundamental do Direito do Trabalho moderno. Estes últimos interesses justificam com grande intensidade uma política de estabilidade nas relações de trabalho. Embora nalguns deles participem os contraentes — trabalhador e entidade patronal —, convém dizer que a ideia de estabilidade foi concebida em termos jurídicos especialmente em atenção às necessidades do prestador do trabalho2. Com efeito, no direito português como na generalidade dos direitos, o problema tem sido desde há anos encarado, não na óptica paritária tradicional da disciplina dos contratos, mas numa perspectiva diferenciada, de que resultou a concessão de um estatuto preferencial para o trabalhador no que toca às garantias de estabilidade.
Na verdade, a garantia de estabilidade de emprego é a caução do sustento do trabalhador e de sua família, e um penhor de segurança de existência. E deve pensar-se também que a dissolução dos vínculos de trabalho faz perder ao trabalhador as vantagens que
2 No que se refere aos interesses empresariais não se deve menosprezar o facto de a empresa ser, antes de mais, uma organização de homens, com um «know how», espírito de corpo e cultura específicos, que tem de ser defendida como a sua maior riqueza. Simplesmente, esta defesa do «capital humano» da empresa tem menos a ver com fórmulas jurídicas de que com técnicas de recursos humanos.
lhe decorrem da antiguidade na empresa, o constrangem a uma adaptação a novos postos de trabalho, lhe infligem por vezes danos morais consideráveis e lhe quebram completamente a estabilidade da sua vida. Voltar-se-á ao assunto.
Ora, nada disto tem paralelo com os efeitos que a ruptura do contrato provoca na esfera jurídica da empresa, que apenas atingem, quando atingem, um certo relevo patrimonial3. No direito português, a estabilidade ganha o essencial do seu sentido quando referida aos prestadores de trabalho, pois são os interesses destes que assumem particular relevância (e nem é preciso chamar a debate as situações de crise social determinadas pelo desemprego generalizado). Assim se explica que o problema da estabilidade seja normalmente encarado de acordo com o prisma do trabalhador e que, por isso, o artigo 53.° da Constituição garanta ao trabalhador
«a segurança do emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos», tema que trataremos mais tarde.
No que se refere aos interesses da economia geral, é evidente que eles tendem a confortar a posição patronal, enquanto referida a uma organização que gera riqueza.
Sabe-se que em economia minimamente dinâmica se exige certa disponibilidade do uso do despedimento a fim de permitir a viabilidade das empresas, não só na sua adaptação a conjunturas menos favoráveis, mas também na necessária renovação ou adequa- ção ao progresso tecnológico. A manutenção artificial dos contratos de trabalho através da eliminação de todos os despedimentos — mesmo os economicamente necessários — torna as empresas extremamente vulneráveis a qualquer modificação do mercado e incapacita-as para o acompanhamento do progresso tecnológico ou para uma simples racionalização.
Aliás, numa óptica de política de emprego, são conhecidos os efeitos negativos de um bloqueamento estrutural dos despedimen- tos. A impossibilidade da selecção daí emergente traduz-se num prémio à incompetência e injusto privilégio dos actualmente empregados, em detrimento dos que se encontram em situação de desemprego ou acorrem pela primeira vez ao mercado de emprego. E, por outro lado, tal bloqueamento conduz a reacções imediatas de defesa por parte do patronato, relutante em criar postos de trabalho, preferindo empreendimentos com pouca intensidade de mão-de-obra e limitando ao mínimo os seus compromissos em oferta de postos de trabalho.
3 Note-se que não é exactamente o caso dos trabalhadores de nível directivo, de elevada qualificação técnica ou cuja preparação resulte de avultado dispêndio patronal em formação. Nem sempre os meios jurídicos postos à disposição patronal se adequam à época actual (ver artigo 36.° da LCT).
Tem-se chamado a atenção para outro ponto. Não se contes- tando a vantagem ou necessidade de atribuir ao trabalhador médio uma situação de estabilidade na empresa, no sentido de ter o seu lugar perfeitamente assegurado e defendido, será sempre imprescin- dível deixar de reserva meios para evitar que, por uma deformada ideia de estabilidade, o trabalhador se torne improdutivo, cumpra mal os seus deveres, assumindo uma conduta que não atinja, contudo, a orla da justa causa.
Como se disse, não é possível negar razoabilidade a estes pontos de vista, que o sistema português tem ignorado.
A evolução legislativa portuguesa na matéria de cessação do contrato de trabalho tem mostrado crescente protecção à estabili- dade dos trabalhadores. Já desde a Lei n.° l 952, de 10 de Março de 1937, se procurava defender o trabalhador a prazo e, nos contratos-regra, por tempo indeterminado, conferia-se-lhe um aviso prévio ou a respectiva indemnização, aliás não muito consideráveis. Claro que essas garantias não valeriam se o despedimento fosse motivado por justa causa. Logo com o Decreto-Lei n.° 47 032, e seguidamente com a LCT, estas garantias foram mais solidamente estabelecidas, tendo-se previsto um aviso prévio extenso (por cada ano de serviço, 15 dias, ou mesmo um mês, para os trabalhadores mais antigos) e uma compensação pecuniária relativamente elevada (igual à retribuição correspondente a metade daquele tempo). Como é evidente, estas garantias cairiam se se verificasse justa causa.
Depois do 25 de Abril, assistiu-se a um movimento no sentido de limitar o direito de denúncia patronal, de reforçar as indemniza- ções devidas e de pôr termo ao despedimento ad nutum, até aí vigente, movimento que veio ter tradução legislativa no Decreto-Lei n.° 372-A/75, de 16 de Julho. Este diploma, para além de elevar as indemnizações, consagrou o princípio da necessidade de motivação de todos os despedimentos, estabelecendo de acordo com a gravidade das motivações duas formas de despedimento lícito: com justa causa (e, portanto, imediato e sem indemnização) e com motivo atendível, este precedido de aviso prévio e com pagamento de indemnizações.
Portanto, para além da justa causa (entendida essa como facto culposo grave de índole disciplinar), o motivo atendível tornaria lícito o despedimento. Considerar-se-iam motivos atendíveis factos ligados à pessoa do trabalhador e à empresa que tornem contrários aos interesses desta (e aos globais da economia) a manutenção da relação de trabalho, nomeadamente a necessidade da extinção do posto de trabalho, a manifesta inaptidão e a impossibilidade de preparação do trabalhador para modificações tecnológicas.
Ora, tal esquema relativamente moderado veio a ser posto em causa pelo Decreto-Lei n.° 84/76, de 28 de Janeiro, que eliminou, na sequência de um entendimento literal da Constituição de 1976, as possibilidades de despedimento com motivo atendível, reduzindo a
denúncia patronal do contrato aos casos de justa causa. Foi por este sistema radical que se estabeleceu que o despedimento individual só é permitido havendo justa causa, apurada esta em processo disciplinar.
Aí, de um golpe, se modificaram diametralmente o significado e relevância das motivações de despedimento e todo o esquema de funcionamento deste instituto.
Por um lado, a invocação de justa causa deixou de ser apenas um meio de legitimar o despedimento imediato da entidade patronal e de a exonerar das obrigações de aviso prévio e de indemnização correlativas ao despedimento. A justa causa (enten- dida esta como comportamento culposo que impossibilita as relações contratuais) foi então arvorada em condição de licitude do despedimento.
Depois, quanto aos outros comportamentos lesivos do traba- lhador que ficassem aquém dos extremos da justa causa, como a inaptidão ou incompetência, ou as necessidades mais imperiosas de conservação empresarial, deixaram de ser consideradas como motivos que tornam lícito o despedimento individual. Só a existência de justa causa (o referido comportamento culposo que torne impossíveis as relações de trabalho) permitia ao empresário a sua desvinculação do contrato de trabalho.
E, finalmente, a justa causa passou a ser, não apenas uma condição de licitude, mas mera condição da própria validade do despedimento. Um despedimento sem justa causa não acarretava somente o pagamento de uma indemnização maior ou menor, mas conferia ao trabalhador despedido um direito à reintegração na empresa.
Crê-se que com tudo isto não poderia ir-se mais longe na consagração do que se tem chamado direito ao lugar ou propriedade do lugar.
A legislação subsequente (Decreto-Lei n.° 841-C/76, de 7 de Dezembro, e Lei n.° 48/77, de 11 de Julho) limitou-se a acertos pontuais, num sentido de maior flexibilidade, mas sem adequada concretização4.
Em contraposição, a legislação sobre contratos a prazo (Decreto-Lei n.° 781/76, de 28 de Outubro) era bastante laxa e permitiu que os novos empregos revestissem, sobretudo, a forma de contrato por tempo determinado.
Depois de variadíssimas versões de projectos de legislação mais liberalizadora quanto a despedimentos, veio enfim a lume o diploma vigente (Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Ele caracteriza-se essencialmente por uma muito menor largueza na
4 Ver a acertada crítica de Messias de Carvalho e V. Xxxxx xx Xxxxxxx,
Direito do Trabalho e nulidade do despedimento, Coimbra, 1984, p. 188 e segs.
possibilidade dos contratos a prazo, que passam todos a terem necessariamente uma justificação tipificada na lei, e — em contrapartida — pela criação de uma «justa causa objectiva», por extinção do posto de trabalho. Fazendo um juízo perfunctório sobre essa legislação supomos que ela não pode agradar, como não agradou, nem a gregos nem a troianos. Do ponto de vista patronal, elimina-se o sistema de contratação a prazo como uso normal na admissão de pessoal, sem facilitar, como contrapartida assinalável, o despedimento. Na perspectiva dos trabalhadores, há a apontar a retirada de certas normas que beneficiavam o despedido e a introdução da justa causa objectiva (extinção do posto de trabalho). Não prevemos, contudo, que se verifiquem muitos despedimentos assim fundamentados: o futuro o dirá.
De qualquer modo, fica salvo o princípio constitucional da garantia da segurança de emprego, matéria que tem de ser desenvolvida com maior profundidade.
2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DA SE- GURANÇA DE EMPREGO
O Capítulo Ⅲ da Parte I, Titulo Ⅱ da Constituição, sob a epígrafe «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» abre com o artigo 53.° que estabelece o princípio da segurança no emprego: «E garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».
Naturalmente que este princípio tem basicamente em vista a situação do trabalhador subordinado, isto é, ligado por contrato de trabalho e visa garantir-lhe uma perspectiva de segurança na empresa para que foi contratado. Se esta perspectiva é desajustada, por ter em vista um paradigma das relações de trabalho não actual e se deve ou não ceder o passo ao direito ao trabalho ou ao direito ao emprego propriamente dito é assunto que deixaremos para mais tarde.
Trata-se de um direito fundamental, sujeito ao regime próprio do artigo 18.° da Constituição, dirigindo-se imediatamente contra a entidade patronal, só podendo ser restrito legalmente nos casos previstos na Constituição, sem «diminuir a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».
O princípio de segurança no emprego traduz-se basicamente na proibição do despedimento sem justa causa5, impregnando, con-
5 A proibição dos despedimentos por motivos políticos ou ideológicos explica-se, sobretudo, por motivos históricos (evoque-se a legislação sobre o chamado «Saneamento») e não possue naturalmente grande interesse, já que de facto a proibição do despedimento sem justa causa consome juridicamente a
(continua na página seguinte)
tudo, todo o regime da cessação do contrato de trabalho (v.g. segurança formal da revogação, limites aos contratos a termo e regime relativamente rígido da caducidade).
A segurança de emprego, expressa na proibição dos despedi-mentos sem justa causa, destina-se, como é evidente a tornar mais infrequente a situação de perda de emprego, e as suas muitas vezes dramáticas consequências.
Como dizia Xxxxx Xxxxx do trabalhador desempregado6:
«A perda do emprego que ocupava altera o seu quotidia- no, o tempo e o ritmo da sua vida. Restringe-se, ou modifica-se, o seu círculo de convivialidade.
Sente-se, muitas vezes, culpado perante os membros do agregado familiar que dele dependem e deterioram-se, nalguns casos, as suas relações familiares.
Em situações de desemprego, sobretudo quando prolon- gado, acentua-se a tendência para a marginalidade e para o próprio suicídio.»
«O trauma provocado pela perda do emprego afecta profundamente a própria personalidade do trabalhador impli- cando, com frequência, perturbações fisiológicas e psíquicas que reclamam tratamento médico adequado. O trabalhador sente-se humilhado, inútil, atingido no seu brio profissional, vítima de uma medida injusta, objecto da piedade pública ou particular.»
Não hesitamos em aceitar a justeza desta descrição, por vezes pungente, quando delinea a posição do trabalhador despedido. Contudo, um trabalhador despedido é, sobretudo, um trabalhador desempregado. E daí que ganhe prioridade a luta contra o desemprego e uma legislação consequente: para evitar alguns despedimentos, não se pode propiciar o desemprego em massa provocado pelo encerramento de uma empresa e a frustração colectiva pelas dificuldades de acesso ao primeiro emprego. Talvez por isso Xxxx exige uma nova relação entre a segurança de emprego e a flexibilidade, sem dúvida para que se gere maior e melhor emprego7.
questão dos motivos políticos ou ideológicos, inidóneos para legitimar o despedi- mento, a não ser nos casos de organizações de tendência (partidos, Igrejas). De qualquer maneira, tal proibição poderá ser invocável, mas em termos semelhantes aos do «desvio do poder» ou de abuso do direito (casos em que existe comprovadamente justa causa, sendo a respectiva «fundamentação» irrelevante para o despedimento, desde que subjectivamente determinado por motivação política ou ideológica).
6 Anais do Colóquio Luso-Hispano-Brasileiro, Lisboa, págs. 56 e 57.
7 Será aqui de introduzir o problema de saber se o direito ao trabalho, na aparência menos valorizado relativamente pela revisão constitucional de 1982 (já que consta do artigo 58.° do Título Ⅲ— Direitos e deveres económicos, sociais e
(continua na página seguinte)
Haverá pois uma prioridade ao emprego e à política de emprego, o que envolve — quanto às proibições de despedimento
— o que em técnica constitucional se refere como «reserva do possível». Segurança de emprego sem emprego seria um logro constitucional. O direito à segurança de emprego como dimensão objectiva, como estrutura ao serviço da comunidade, tem como pressuposto a existência de uma psicologia patronal não desmotiva- dora do emprego: o excesso na segurança valerá o que contém um cofre de que se perdeu a chave! Sabe-se bem demais — já o dissemos — quais as consequências dum bloqueamento estrutural dos despedimentos. Xxxxx, como nota Xxxxx Xxxxx, o voluntarismo jurídico-constitucional tem os seus limites e todas as conquistas laborais no plano normativo necessitam de ser suportadas pela Economia8.
Por outro lado, a segurança de emprego, entendida como proibição dos despedimentos, não é um direito absoluto, movendo- se em espaço rarefeito. Conflitua quotidianamente com outros valores de expressão constitucional: será admissível invocar a segurança de emprego contra a reserva da vida privada (v.g. no serviço doméstico) ou contra valores essenciais de eficácia na iniciativa empresarial (v.g. despedimento de gerente comercial)?
Haverá pois que proceder a uma harmonização ou «concordân- cia prática» (Xxxxxx xx Xxxxxxx), entre os valores da segurança de emprego e outros, igualmente presentes no ordenamento constitu- cional português. E também uma garantia que não deve ser ilimitada, aliás à sua própria custa (numa aplicação lata da
culturais e não do capítulo do Titulo anterior sob a epígrafe «Direitos e garantias») se não reveste de maior interesse que o da segurança de emprego. Pretendemos aqui incluir a acentuação no estímulo ao emprego, mesmo sob formas diversas do parâmetro constitucional de 76 (trabalhador carente, executante, subordinado, ocupado a tempo inteiro, trabalhando de jorna a jorna, para o mesmo empresário, potencialmente por toda a vida). Na verdade, há não só formas de realização do direito ao trabalho não empregatícias, como estratos de emprego que fogem a esse modelo; ainda que sejam por certo mais «precários» (pondo-se aqui todo o problema da precarização) aproveitam um estrato não negligenciável da oferta de emprego. Xxxxx, não terão o direito ao trabalho «uma natureza análoga» ao da segurança de emprego, ao menos para efeitos de política legislativa (artigo 17.° da Constituição)?
8 Caberá aqui introduzir uma outra reflexão: é a de que os ordenamentos nacionais estão limitados ao respectivo território e a economia portuguesa está inserida num espaço aberto como o mercado comum, ele próprio vivendo num mundo impiedosamente concorrencial. Se o excesso da segurança no emprego for um factor demasiado negativo na Economia, haverá que pagar uma alta factura. Caberá aqui meditar um pouco sobre o espírito de um novo Direito do Trabalho em que se conciliem duas necessidades antagónicas: evitar o «dumping» social dos países que insistem na flexibilização e desregulamentação e aceitar como factor de concorrência a disponibilidade de trabalho a preços mais reduzidos dos países menos evoluídos. Não é inocente exigir dos países pobres uma legislação social avançada: é, porventura, retirar-lhes uma das suas poucas armas de concorrência.
conhecida teoria dos «limites imanentes dos direitos fundamen- tais»). A segurança de emprego não pode frustrar o limite imanente que constitui a possibilidade de emprego, irremediavelmente poster- gada quando se restringe, até ao absurdo, o despedimento.
A verdadeira segurança de emprego está também na solidez das empresas e no grau de adaptabilidade dos trabalhadores às novas tecnologias (isto é, aos seus níveis de educação geral e de preparação profissional). A Constituição coloca a tónica na necessi- dade de segurança, no sentimento quase psicológico de ligação estável ao posto de trabalho, que é também indispensável na relação laborai. Mas não se pode esquecer que não há emprego sem empregador, ocorrendo-nos sempre o simile feliz que alguém já encontrou para o problema, que é o do cinto de segurança e do avião: de pouco vale que os trabalhadores vão solidamente amarrados a lugares, se a empresa vai em perda e pronta a despenhar-se. A circunstância de as leis amarrarem solidamente as empresas aos seus trabalhadores não é de per si uma garantia de futuro.
Simplesmente esta crítica valerá apenas para os casos de excessiva rigidez, sobretudo quanto aos entendimentos do que é
«justa causa» para despedimento. Como princípio, a garantia de segurança de emprego deve ser defendida. Á OIT, em 1963 (Recomendação n.° 119) e em 1982 (Convenção n." 158) estabeleceu que «não deve proceder-se a nenhum despedimento sem que exista uma causa justificativa, relacionada com a conduta do trabalhador ou baseada nas necessidades da empresa ou dos serviços». Refere-se ainda a OIT, como subespécie de causa justificativa, ao despedi- mento por falta grave, este apto a retirar certas formas de protecção concedidas ao trabalhador em caso de denúncia unilateral (indemni- zação e aviso prévio, e outros direitos do despedido).
Estes textos internacionais fizeram carreira, um pouco por toda a parte (como melhor será desenvolvido), do que resultou o incremento das cautelas postas antigamente pelos ordenamentos jurídicos para defesa dos despedidos. A ideia básica passou a ser de que todo o despedimento deveria ser justificado e, não havendo falta grave do despedido, acautelado com avisos prévios convenien- tes e compensações adequadas. Contudo, manteve-se algo que já vinha de longe: o trabalhador perderá protecção legal se tiver dado origem, por falta grave, ao despedimento.
Supomos terem sido estes os conceitos recebidos na nossa Constituição e o quadro básico que subjaz ao artigo 53.° da Lei Fundamental. Esta norma garante aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo os despedimentos sem justa causa, isto é, os despedimentos arbitrários, discricionários, ad nutum, sem razão suficiente e socialmente adequada9.
9 Ver nosso estudo «A estabilidade no direito do trabalho português», em ESC, n.° 30.
Veremos, oportunamente, que este artigo 53.° levantou uma polémica com importância decisiva na estruturação do regime dos despedimentos.
3. AS FORMAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
A já referida tensão permanente dos valores estabilidade e Uberdade, que inspira todo o regime da matéria, implicou a instituição de uma multiplicidade de formas de cessação do contrato que de certa maneira harmonizaram os interesses em causa. É possibilitada uma vasta gama de meios de desvinculação em que, de um modo ou outro, se procura dotar os contraentes dos mais adequados processos, para cada caso, de cessação do contrato.
O artigo 3.° da nova Lei dos Despedimentos10 indica as seguintes formas de cessação do contrato de trabalho:
a) Caducidade;
b) Mútuo acordo das partes (revogação);
c) Despedimento promovido pela entidade empregadora;
d) Xxxxxxxx, com ou sem justa causa, por iniciativa do trabalhador;
e) Rescisão, por qualquer das partes durante o período experimental;
f) Extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural relativas à empresa.
Esta sistematização não condiz com o conteúdo da lei e é altamente defeituosa, deixando na sombra outros casos de extinção do contrato de trabalho, como os ilícitos, quando à declaração de cessação não sejam atribuídos os efeitos dos negócios inválidos (ver, por exemplo, o caso do artigo 13.°, 3 da nova Lei dos Despedimen- tos). Aliás, não nos parece que esta possa ser taxativa ou estabelecer uma tipicidade das causas extintivas: o que resulta do nosso sistema é que qualquer outra forma de extinção do contrato de trabalho deve necessariamente respeitar as garantias de estabili- dade para o trabalhador reconhecidas na lei. Dificilmente poderia ter carácter taxativo diploma tecnicamente tão impreciso. Não nos vamos pois orientar pela sistematização do artigo 3.° da nova Lei dos Despedimentos, mas pela que decorre do próprio articulado.
Assim, vamos referir:
a) Caducidade em geral;
b) Caducidade no caso especial dos contratos a termo;
c) Revogação por mútuo acordo;
d) Despedimento do empregador por justa causa subjectiva;
10 Passaremos a designar assim o diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
e) Despedimento por extinção do posto de trabalho (justa causa objectiva);
f) Despedimento colectivo;
g) Despedimento do trabalhador;
h) Despedimento ilícito.
Ⅱ
CADUCIDADE
1. NOÇÃO
Nos termos do artigo 3.°, 2, a) do artigo 4.° da nova Lei dos Despedimentos, o contrato de trabalho pode extinguir-se por caducidade, verificando-se o seu termo (ver infra capítulo seguinte), verificando-se a impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalha- dor prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber e ainda, com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez. Para além disto, a caducidade opera nos termos gerais de Direito.
Pela sua especial complexidade, o caso do termo extintivo ou dos contratos a prazo, que aliás reveste uma modalidade «nos termos gerais de Direito», será versado à parte, com desenvolvi-mento.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O tratamento do instituto manteve-se nos seus traços gerais desde a primeira versão da LCT, caracterizando-se as modificações da nova Lei dos Despedimentos por um tratamento mais completo da reforma e pela resolução do problema do limite de idade, bem como da protecção do trabalhador no caso da morte do empregador em nome individual.
3. LINHAS GERAIS DO INSTITUTO
A caducidade constitui, em geral, um modo de cessação das relações contratuais em que o contrato cai por si, por força da lei, em consequência de um mero facto jurídico, sem necessidade de qualquer declaração de vontade tendente a esse resultado.
Naturalmente que em certas situações haverá necessidade de ser feita qualquer declaração que exteriorize o apuramento da situação conducente à caducidade (v.g. declaração do encerramento da empresa a título definitivo, ou uma declaração de invalidez definitiva do trabalhador): tratar-se-á, contudo, de declaração que atesta ou comprova uma situação de facto e não declaração de vontade extintiva.
Da caducidade não resultava, em regra, qualquer indemniza- ção de parte a parte. Contudo, entendia-se que tal indemnização era devida, quando o facto de que decorria a caducidade pudesse ser
imputado a uma das partes. A nova Lei dos Despedimentos estabelece, contudo, uma multiplicidade de situações em que a caducidade envolve uma indemnização para o trabalhador.
4. IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE, ABSOLUTA E DEFINITIVA
Trata-se de impossibilidade superveniente e não originária, porque neste último caso teríamos uma situação que afecta a validade do contrato. Tratar-se-á ainda de uma impossibilidade definitiva, porque à impossibilidade meramente provisória se aplica o regime da suspensão. A lei distingue os seguintes casos:
a) Impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho. Tratar-se-á de circunstâncias tais como a morte ou invalidez do trabalhador. Entendemos que o carácter absoluto e definitivo desta impossibilidade não deve ser entendido em termos naturalísticos, mas jurídicos. Assim, devem equiparar-se aos casos de impossibilidade absoluta aqueles que afectam de tal modo o programa da prestação que não será exigível à entidade empregadora recebê-la. Será este o caso, por exemplo, de um caixa ou tesoureiro condenados por furto ou abuso de confiança por delito praticado fora da empresa e que pretendam nela conti- nuar a trabalhar11. Assim, muito embora a prestação seja
«possível», não estando o trabalhador inibido de desem- penhar as suas funções, não poderá exigir-se à entidade empregadora, que a aceite. Entendemos também que devem considerar-se como casos de impossibilidade defi- nitiva aqueles em que se comprove que a impossibilidade vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa aguardar futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais. Será o caso, por exemplo, de um trabalhador condenado a longo tempo de prisão ou que se encontra doente há vários anos.
b) Impossibilidade de a entidade patronal receber o trabalho. O caso característico será o da morte da entidade emprega- dora em nome individual ou da cessação da sua actividade profissional, nos casos em que o respectivo estabeleci- mento não seja transmissível: v.g. escritório do advogado, consultório do médico.
Será um tanto diverso, mas em que nos encontramos também na mesma situação, o caso de extinção da empresa por determina- ção legislativa ou administrativa. Quanto à extinção da empresa por
11 Parece-nos que à empresa será possível instaurar com este motivo um processo disciplinar ao trabalhador: mas muitas vezes isto, por várias razões, poderá não ocorrer.
acto de vontade do empresário, dever-se-á seguir o processo determinado para os despedimentos colectivos (infra Cap. Ⅷ ). Contudo, quando não for viável esse processo, a decisão de extinguir a empresa acarretará a caducidade dos contratos de trabalho.
Em todos estes casos se ressalva o direito dos trabalhadores a indemnização (um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção).
5. REFORMA DO TRABALHADOR
Note-se que não basta o trabalhador atingir a idade da reforma, exigindo-se que esta tenha sido efectivamente requerida e conferi- da. Nos casos de invalidez, os problemas são evidentemente diversos, carecendo esta de ser oficialmente reconhecida e o trabalhador reformado. A reforma por velhice é, em técnica de seguros sociais, uma invalidez meramente presumida: em muitos casos os trabalhadores reformados trabalham. A lei reconhece esta situação, mas — obviamente — restringe quanto aos reformados a segurança de emprego, já que o contrato passa ao regime de a prazo, por seis meses ilimitadamente renováveis (artigo 5.°, l da nova Lei dos Despedimentos).
O legislador quis agora resolver um problema que se punha com acuidade no antigo sistema, que era o do trabalhador que, tendo embora atingido a idade da reforma, não a pedia e continuava na empresa, às vezes com a diminuta produtividade que lhe permitia uma idade muito avançada. O artigo 5.°, 2 da nova Lei dos Despedimentos estabelece que logo que o trabalhador atinja 70 anos, mesmo que não se reforme, o respectivo contrato passa também a prazo, de seis meses, irremediavalmente renovável.
Ⅲ
CADUCIDADE: O CASO DOS CONTRATOS A TERMO
1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Como é princípio geral, o termo resolutivo faz cessar os efeitos do negócio jurídico a partir de certo momento (artigo 278.° do Código Civil) e, portanto, quando aposto ao contrato de trabalho, constitui uma modalidade extintiva do mesmo. A Lei n.° l 952 de 1937 referia-se aos efeitos dos contratos de trabalho a termo: «o contrato celebrado por prazo determinado ou por tempo necessário para executar certo serviço não pode, sem justa causa, ser denunciado unilateralmente antes de expirar o prazo convencio- nado ou de estar concluído o serviço» (artigo 13.°). A posterior LCT (artigo 10.°) previa também a possibilidade de se estabelecerem contratos a prazo, quer certo quer incerto, desde que fosse por escrito. Resultava, contudo, do sistema da lei, a preferência pelo
contrato por tempo indeterminado. O prazo só tinha, contudo, efeitos estabilizadores da relação pelo período máximo de 4 anos, podendo ser o contrato denunciado findo aquele período (artigo 108.° da LCT). Ocorrendo o termo, o contrato caducava sem indemnização (artigo 100.° da LCT). Se houvesse decisão unilateral no sentido de pôr termo ao contrato sem respeitar o prazo acordado, a lei obrigava o responsável a uma indemnização, estabelecendo um mínimo e um máximo, que atingia os valores das retribuições vincendas (artigo 110.° da LCT).
A legislação relativa à extinção do contrato de trabalho nos dois anos subsequentes ao 25 de Abril de 1974, sobretudo, na medida em que foi bloqueando a possibilidade de despedimento patronal, levantou dúvidas quanto ao regime legal dos contratos a prazo. As sucessivas promessas de legislar na matéria só foram cumpridas pelo Decreto-Lei n.° 781/76, de 28 de Outubro, legislação que estabeleceu um regime de muito maior protecção para o trabalhador do que constava na LCT e que deu enquadramento a uma forma de contrato que foi extremamente utilizada.
A utilização das formas de contratação a prazo constituiu o instrumento patronal que se revelou mais apto para conseguir a flexibilização dos contratos de trabalho. Estes, sujeitos a um bloqueamento estrututal quanto aos despedimentos, tornaram-se inidóneos para assegurar as necessidades temporárias de mão-de-obra das empresas. O legislador (no relatório do Decreto-Lei n.° 781/76) depositara nesta forma contratual as suas esperanças para dinamização do mercado de emprego, demovendo assim a crispação patronal, emergente da proibição dos despedimentos sem justa causa. Nesse relatório se dizia significativamente que se teve «em conta que a contratação a prazo, desde que rodeada das necessárias cautelas, pode propiciar, a breve trecho, um significativo aumento da oferta de emprego, susceptível de posterior estabilização». E o facto é que as empresas passaram a adoptar, quase sistematicamente, a prática de contratar a prazo, mesmo os trabalhadores destinados a necessidades permanentes, com isto suprindo a inflexibilidade dos vínculos de trabalho por tempo indeterminado.
Calculava-se que os contratos a prazo representavam mais de 70% das entradas de pessoal.
Verificava-se, ao que parece, um excesso na contratação a prazo, sendo de facto utilizada para prover lugares estáveis ou de quadro.
No regime do Decreto-Lei n.° 781/76, a lei, que só permitia contratos a prazo certo (artigo 1.°, 1), distinguiu basicamente entre contratos de duração igual ou superior a 6 meses ou inferior a 6 meses.
a) Contratos de prazo inferior a 6 meses. Esses contratos poderiam ser celebrados «quando se verifique a natureza transitória do trabalho a prestar, designadamente quando
se trate de um serviço determinado ou de uma obra concretamente definida» (artigo 1.°, 2), de que por escrito deve constar indicação, «tão precisa quanto possível» (artigo 6.°, 2). Se faltasse essa justificação ou fosse julgada insuficiente, o contrato de trabalho considerava-se celebrado pelo prazo de 6 meses (artigo 8.°, 2).
b) Contratos de prazo igual ou superior a 6 meses. Podiam ser celebrados mesmo para prover as necessidades perma-nentes da empresa, desde que não tivessem por fim «iludir as disposições que regulam os contratos sem prazo» (artigo 3.o, 2). De qualquer modo, o contrato passava a sem prazo ao fim de 3 anos.
A validade irrestrita do prazo foi questionada por um sector da doutrina que entendia que, nos contratos por tempo determinado, era sempre necessária uma justificação objectiva para o termo estabelecido. Contudo, o sistema da lei não dava lugar a dúvidas quanto ao facto de os contratos a prazo por 6 meses ou mais não estarem submetidos a condições de fundo (como a de satisfazer necessidades temporárias ou qualquer outra desse tipo). Dissemos até que resultava da lei que a entidade patronal podia — em princípio — contratar, por prazo igual ou superior a 6 meses, mesmo para satisfazer necessidades permanentes12, o que justificou, aliás, o relativo sucesso desta figura jurídica.
Actualmente rege a nova Lei dos Despedimentos, que se ocupou profusamente dos contratos a termo. Em linhas gerais, dificulta-se a contratação a prazo, exigindo-se uma motivação taxativa, e defende-se melhor a posição do trabalhador, extinto o prazo.
2. EFEITOS
Os contratos a termo ou a prazo destinam-se a assegurar a prestação da mão-de-obra durante um certo tempo13, decorrido o qual cessam, permitindo assim uma desvinculação fácil da relação contratual, com relativamente poucos encargos.
A nova Lei dos Despedimentos é expressa ao dizer que o contrato de trabalho caduca «verificando-se o seu termo» (artigo 4.°, l, a)).
A caducidade não é automática, já que a entidade patronal deve comunicar ao trabalhador, conforme os casos, a sua vontade de não renovar o contrato.
12 Ver neste mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 20-06-86, e anotação de Xxxxxxxx Xxxxxx, «Contrato de trabalho a prazo — desnecessidade de fundamenta ção objectiva», in RDES, 2.a série, ano m, n.° 4, p. 417 e seguintes.
13 Este efeito foi posto, de certo modo, em causa pela recente legislação (ver cap. Ⅲ, n.° 3, parte final).
3. REQUISITOS
É nítida — quase sempre o foi — a preferência do Ordena- mento pelos contratos sem tempo determinado. Esta preferência resulta não só dos requisitos substanciais e formais que a nova Lei dos Despedimentos impõe à estipulação do termo, mas também da transformação ex lege dos contratos a termo em contratos sem tempo determinado, depois de certo período, ou faltando alguns requisitos (v.g. artigo 42.°, 3; 47.° e 51.° da nova Lei dos Despedimentos).
De qualquer modo, a lei exige uma justificação substantiva adequada e típica para o contrato de trabalho a termo, que quase se transforma assim num contrato especial de trabalho. Na verdade, no contrato de trabalho o termo extintivo não é uma simples cláusula acessória típica, mas constitui qualquer coisa que identifica uma particular espécie de contratos de trabalho.
Diz a lei, de facto, que «o contrato de trabalho a termo só é admitido nos casos seguintes», que enumera sem obediência a critérios precisos, arriscando-se, aliás, a deixar de fora situações igualmente atendíveis.
A lei estabelece dois grandes grupos de casos. Um de carácter objectivo — que tem a ver com a precaridade dos próprios postos de trabalho, excepcional ou temporariamente abertos, ou não firmes por falta de consolidação de um conjunto de actividades do empregador, e outro de carácter mais subjectivo e que, de certo modo, resulta de situações específicas dos trabalhadores.
Os casos de carácter objectivo são de acréscimo temporário, excepcional ou actividade sazonal do empregador (artigo 41.°, l, b) e c)); execução de tarefa ocasional ou serviço determinado, precisamente definido e não duradouro (artigo 41.°, l, d) e os relativos a segmentos da actividade do empregador não consolida-das, pelo seu próprio carácter precário, de lançamento ou de execução de projecto delimitado. Assim, o lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento e ainda desenvolvimento de projectos não inseridos na actividade corrente (artigo 41.°, l, e) e g)), o que se destina também obviamente a dinamizar novos empreendimentos sem compromissos definitivos com o pessoal; trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e repara- ções industriais, bem como trabalhos de natureza e temporalidade análogas (artigo 41.°, l, f)).
Os casos de carácter subjectivo estão desligados da oferta de emprego da empresa e têm a ver com a especial promoção de emprego de certo tipo de desempregados — contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração (artigo 41.°, h)) e ainda de substituições temporárias (artigo 41.°, l, a)).
A lei estabelece severos requisitos formais para a estipulação do contrato de trabalho a termo (forma escrita, com assinatura de ambas as partes, contendo variadíssimas indicações, de modo a poderem ser controlados facilmente o cumprimento dos requisitos substantivos e mais condicionalismos legais).
A celebração dos contratos a termo sem os requisitos substanti- vos envolve a nulidade da estipulação do termo, do que resulta que o contrato se considera por tempo indeterminado14.
O mesmo se passa quanto aos requisitos formais, a não ser quanto a algumas das indicações menos essenciais prescritas no artigo 42.°.
Este apertado regime dos contratos a prazo não prevê, contudo, as circunstâncias em que o prazo é fixado de acordo com os interesses do trabalhador (o que acontece muitas vezes com trabalhos altamente qualificados, principalmente de estrangeiros). Essas situações não têm cobertura adequada. Cremos, contudo, que se mantêm em vigor regras especiais para os casos de trabalhadores em que se investiu consideravelmente na respectiva formação (artigo 36.° da LCT).
4. ESPÉCIES E REGIMES DOS CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO
A lei distingue em duas secções do capítulo Ⅶ as espécies de contrato a prazo: a termo certo e termo incerto.
a) Contratos a termo certo. O contrato a termo certo pode ser estipulado em todos os casos em que é admitido o regime de prazo, desde que por período igual ou superior a 6 meses. Os contratos de curto prazo (inferiores a 6 meses) só poderão ser celebrados nas circunstâncias previstas nas alíneas a) a d) do artigo 41.°, l da nova Lei dos Despedimentos, já que essas são as mais compatíveis com uma diminuta duração sob pena de perdurarem ex lege por seis meses.
Estes contratos a termo certo podem ser renovados mais duas vezes, tendo a duração do contrato por limite três anos15 consecutivos (isto é, por perfazer tal duração os contratos terão de ser celebrados por um ano): assim preceitua o artigo 44.°.
A renovação pode estar prevista no contrato ou verificar-se automaticamente, desde que o empregador não comunique, até 8 dias antes de o prazo expirar, por forma
14 É o que se conclui do sistema da lei, não sendo de aplicar a reserva da parte final do artigo 292.° do Código Civil.
15 Dois anos, no caso do lançamento de nova actividade ou do início de laboração — artigo 44.°, 3.
escrita, a sua vontade em não o renovar (artigo 46.°, l e 2).
b) Contratos de trabalho a termo incerto. Nos casos de termo certus ou incertus quando, o contrato de trabalho dura por todo o tempo necessário à substituição do trabalhador ausente ou à conclusão da actividade cuja execução o justifique. Note-se que estes contratos não eram permiti- dos no anterior regime e agora só o são nas situações de substituição de trabalhador impedido temporariamente e nas de sazonalidade, de construção civil, obras públicas, montagens, reparações e desenvolvimento de projectos especiais (artigo 48.°).
O contrato caduca quando, prevendo-se a ocorrência do seu termo, a entidade patronal o comunique ao trabalha- dor, com aviso prévio de 7, de 30 ou de 60 dias, conforme o contrato tenha durado até 6 meses, de 6 meses a 2 anos, ou por período superior, ou contra o pagamento da retribuição correspondente (artigo 50.°).
5. TUTELA DO TRABALHADOR
Para além dos casos de aviso prévio já referidos e da renovação automática e transformação em contratos por tempo indeterminado nas situações indicadas, a lei entendeu proteger especialmente a situação dos trabalhadores nos contratos a prazo. Essa protecção especial traduz-se essencialmente na circunstância de à caducidade ser aparelhada uma compensação, em excepção ao princípio geral de que a caducidade não dá lugar a encargos, de parte a parte. Essa compensação corresponde a dois dias de remuneração de base por cada mês completo de duração do contrato (artigo 46.°, 3 e 50.°, 4).
Por outro lado, até ao termo da vigência do respectivo contrato, o trabalhador tem, em igualdade de condições, direito a preferência na passagem ao quadro permanente, desde que se proceda a recrutamento externo, sob pena de ser devida uma indemnização correspondente a meio mês de remuneração de base (artigo 54.°).
Poderá, talvez, incluir-se neste capítulo de tutela à posição do contratado a prazo, a obrigação de comunicação da admissão a termo, no prazo de 5 dias, à comissão de trabalhadores da empresa, sob pena de multa (artigo 53.°, l e 60.°, l a)).
6. PROTECÇÃO DA DURAÇÃO ESTABELECIDA NO CASO DE RUPTURA «ANTE TEMPORE»
A lei determina a aplicação das cautelas gerais estabelecidas quanto à cessação do contrato. No caso de cessação ilícita — e, portanto, sem justa causa — ante tempore o empregador será condenado ao pagamento das retribuições que o trabalhador deixou
de auferir desde a ruptura até ao termo certo ou incerto estipulado (artigo 52.°, 2, a)), deduzindo os montantes das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos em actividades iniciadas posteriormente à cessação do contrato (artigo 52.°, 3)16.
Ⅳ
A REVOGAÇÃO
1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
A revogação por mútuo acordo do contrato de trabalho é tratada expressamente pela Lei desde 1966, sendo preocupação dos regimes que se têm sucedido evitar fraudes à protecção à estabili- dade (por isso, no regime da antiga lei dos despedimentos se possibilitava ao trabalhador a sua denúncia unilateral, reassumindo o cargo, no prazo de 7 dias) e definir a situação quanto a prestações entregues pela entidade patronal.
2. REGIME
O artigo 7.° da nova Lei dos Despedimentos estatui que é lícito às partes fazerem cessar o contrato de trabalho por acordo.
Com efeito, pelos princípios gerais, uma das formas de dissolução dos contratos é a revogação, como «livre destruição dos efeitos de um acto jurídico pelo seu próprio autor ou autores» (Xxxxxx Xxxxxx), sendo pois um acto discricionário e que nos contratos é evidentemente bilateral (distrate).
A revogação é uma manifestação do princípio da autonomia da vontade: assim como as partes se puderam livremente vincular às obrigações contratuais, do mesmo passo lhes podem pôr termo por declaração negociai nesse sentido.
Como é uma declaração que resulta do consenso das partes não há, em princípio, interesses especiais a acautelar: apenas se torna necessário observar cautelas formais, promovendo a ponderação dos contraentes, facilitando a prova (exige-se documento escrito e assinado por ambas as partes, em duplicado) ficando cada uma delas com um exemplar, devendo mencionar-se expressamente a data da celebração do acordo e do início de produção de efeitos (artigo 8.°, l e 2).
No mesmo acordo revogatório podem constar os outros efeitos. Na verdade, em face da estabilidade legal da relação de trabalho e do bloqueamento dos despedimentos, a extinção do contrato faz-se muitas vezes através da motivação do trabalhador em consentir na
16 São meramente teóricas as hipóteses da parte final do n.° 2 a) e da alínea b) do artigo 32.° da nova Lei dos Despedimentos, já que a pendência espectável das acções de trabalho não dará lugar a que a sentença final ocorra «ante tempore».
revogação com a promessa de indemnização: é o que se chama um
«despedimento negociai».
O artigo 8.°, 34, dispõe que, se no acordo se estabelecer uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, se entende que foram incluídos e pagos os créditos vencidos à data da cessação ou exigíveis em virtude dessa cessação.
Não é raro que o acordo revogatório envolva uma reforma antecipada, nas situações em que as empresas estão dotadas de esquemas previdenciais próprios.
Ⅴ
O DESPEDIMENTO: QUESTÕES GERAIS
1. INTRODUÇÃO
O despedimento, que se define como ruptura da relação de trabalho por acto de qualquer dos seus sujeitos, constitui a mais importante forma de cessação do contrato de trabalho. É estrutural- mente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc (isto é, para futuro) do contrato de trabalho.
Como já dissemos, a imprescindibilidade de um meio jurídico como o despedimento tem a ver com a própria natureza duradoura do contrato de trabalho (que é normalmente de duração indetermi-nada), o que exige um instrumento simples e eficaz para adequar essa duração à persistência (ou não) das conveniências recíprocas dos contraentes em manter o contrato. Por outro lado, o contrato de trabalho supõe uma relação pessoal de carácter fiduciário: a possibilidade de desvinculação unilateral relaciona-se assim com a perda da confiança pessoal suposta nos vínculos laborais. No plano dos interesses do trabalhador, o despedimento por este actuado exprime um requisito essencial de liberdade pessoal e mesmo de promoção económica.
Como referimos, entende-se desde há muito que ao despedi- mento devem ser colocados certos limites, em ordem à protecção do despedido: o carácter duradouro (ainda que indeterminado) das relações contratuais deve ser protegido para defender o respectivo destinatário de um despedimento inopinado — daí que se tenha estabelecido a obrigatoriedade de avisos prévios mais ou menos longos. Por outro lado, mas apenas no que se refere ao trabalhador, tem-se vindo progressivamente a entender que deve ser particular- mente defendida a sua posição contratual, para garantir a estabili-dade de emprego pelas razões já expostas (supra I). O despedi-mento a que está sujeito o trabalhador é hoje em dia um negócio causal, sendo as respectivas motivações objectivamente controla-das, em termos de invalidar os seus efeitos extintivos quando
considerados insubsistentes. Tal invalidação — quando exista — vem, em certos termos a abalar o dogma da incoercibilidade dos vínculos laborais e o carácter pessoal e fiduciário do contrato de trabalho.
A evolução legislativa do despedimento pode ser seguida pelas notas gerais atrás referidas.
2. ESPÉCIES DE DESPEDIMENTO
Deve ser considerada, em primeiro lugar, a fundamental classificação dos despedimentos tendo em conta a posição do seu autor na relação de trabalho: assim, distinguem-se os despedimen- tos emanados da entidade patronal dos emitidos pelo trabalhador. Para além disto, é constante nos vários ordenamentos a distinção entre: a) despedimentos de carácter imediato e sem indemnizações por justa causa, que ocorrem nos casos de não cumprimento contratual grave ou de falta disciplinar (e que se equiparam à resolução no comum dos contratos); e b) despedimentos em que de qualquer modo são protegidos os respectivos destinatários — avisos prévios, indemnizações, etc. ( e que se equiparam à denúncia dos contratos duradouros). É importante também distinguir entre despedimentos individuais e colectivos quando estes são emitidos pela entidade patronal.
3. O DESPEDIMENTO E A GARANTIA DA SEGURANÇA DE EMPRE GO
Como já se disse, o artigo 53.° da Constituição garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Julga-se que a Constituição pretendeu aqui, para além da proibição de certas motivações especialmente abusivas, eliminar o sistema de despedimentos discricionários sem qualquer motivo justificativo, em que era possível a perda arbitrária do lugar. Mas não parece que a Constituição tenha querido assumir o antigo conceito de justa causa.
Não se pode, contudo, ignorar que é diversa a opinião de um sector importante da doutrina17 e ainda a da maioria (se bem que de um único voto) do Tribunal Constitucional, cujo acórdão tirado a propósito das reformas legislativas18 veio a ter uma importância decisiva no desenho do novo regime do despedimento.
A questão básica é a do conceito de justa causa, que esta corrente faz coincidir com a de um comportamento ilícito, culposo,
17 Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx, A inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos, Coimbra, 1988.
18 Xxxxxxx n.° 107/88, publicado no Diário da República, I, de 21-06-88.
e como última sanção disciplinar, tornando prática e imediatamente impossível a continuação da relação de trabalho. Os argumentos que sustentam esta tese parecem-nos inaceitáveis.
O primeiro argumento é o de que a Constituição teria recebido o conceito de justa causa tal como ele estava basicamente configurado há muito, com um conteúdo «densificado» ao longo do tempo. A incorrecção histórica desta argumentação é patente19. A verdade é que a justa causa de despedimento é um instituto bem antigo e sempre nele se compreenderam variadíssimas circunstân-cias objectivas, que nada tinham a ver com a culpa do trabalhador ou com a disciplina da empresa. Só durante o curtíssimo espaço de um ano, precisamente no antecedente ano de 1975, pela redacção do Decreto-Lei n.° 372-A/75, é que a «justa causa» passou a ter um restrito conteúdo disciplinar, aliás minorado pelas emendas subsequentes. Acresce que se mantinha em 1975 a dicotomia de motivos justificativos do despedimento: por um lado, justa causa disciplinar e, por outro, «motivo atendível», em perfeita sintonia, aliás, com as normas internacionais e a legislação dos países mais progressivos.
Deve pensar-se também que seria ilógico que o legislador constitucional transpusesse com o mesmo sentido a fórmula «justa causa» que possuía uma consequência restritiva e extraordinária (despedimento imediato e sem indemnização) para aplicá-la a uma diversíssima consequência jurídica — simples perda do lugar, com as suas normais compensações. Aliás, justa causa só por si não tem conteúdo como conceito legal pois nunca é independente da consequência jurídica (por isso se fala da justa causa para revogação de mandato, para exclusão de responsabilidades, para retratação da promessa de casamento, para exoneração de sócio, etc.). Justa causa só assume sentido, quando ligada à respectiva consequência jurídica: justa causa, pois, para despedimento será diversa de justa causa para despedimento sem indemnização20.
Já se vê, pois, como não tem cabimento a argumentação de
«densificação» do conceito de justa causa, o que raia o absurdo, pois
«justa causa» não é susceptível, como vimos, só por si de se densificar. Por outro lado, trata-se naturalmente de um conceito indeterminado, lábil, adaptável a um sem número de circunstâncias e que é aplicável no comércio jurídico — como dissemos — a uma multiplicidade infindável de situações. Nada pois de mais expansivo e volátil, nada que se conforme menos com
«densificações», definições ou operações subsuntivas. Poderemos, é certo, ser ajudados por critérios, por proposições intermédias ou por «stan-dards», mas nunca encontrar sequer um núcleo conceituai determi-
19 Demonstrada amplamente na declaração de voto do Conselheiro Xxxx Xxxxxx, no referido Xxxxxxx.
20 V. Xxxxxxxx Xxxxxx, «Justa causa: conceito e ónus da prova»,em RDES, 2.a
série, ano Ⅲ, n.° l, p. 49.
nado. A justa causa, pois, tem de ser confrontada com um despedimento, o que exige contrapor e sopesar todos os interesses em causa do empregador e do trabalhador naquele concreto despedimento: imediato, ou com aviso prévio e indemnizações, ou
— por que não — colectivo.
É bem cabido este último problema, porque — na verdade
— se tem escamoteado um ponto, que é o dos despedimentos colectivos. Na verdade, a quem propugna o conceito restrito e disciplinar da justa causa depara-se-lhe um obstáculo intorneável: que é o da necessidade das empresas, enquanto organizações dinâmicas, expostas à modificação tecnológica, à concorrência e às contingências do mercado, terem necessidade de despedir.
O argumento para ocultar este problema tem sido simples: sugere-se que o princípio da segurança de emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa deixa de fora os despedimentos colectivos, como se eles fossem coisa diversa e menos digna de protecção. Isto equivale a dizer que para despedir um trabalhador será necessária justa causa, solidamente alicerçada em comporta- mento culposo e em que se verifique impossibilidade de prosseguir a relação de trabalho. Já não haverá, contudo, que falar em justa causa para despedir 20 ou 50! Ora, não se trata aqui apenas de uma incongruência e de absurdo lógico. Trata-se, sobretudo, de esquecer que todos os despedimentos colectivos se acabam fatalmente por analisar em despedimentos individuais.
Concluiríamos, nesta matéria, dizendo que também os despedi- mentos colectivos são proibidos, pelo mesmo texto constitucional, quando não fundados em justa causa. Simplesmente, justa causa não coincide com esse conceito artificialmente «densificado». O que o legislador constitucional exige é uma motivação justa, capaz, socialmente adequada e, dentro do possível, judicialmente controlá- vel. De todos estes equívocos se ressentiu a formulação da nova Lei dos Despedimentos.
Ⅵ
DESPEDIMENTO PELO EMPREGADOR PROMOVIDO POR JUSTA CAUSA SUBJECTIVA
1. PRINCÍPIOS GERAIS. EVOLUÇÃO DO CONCEITO
Corresponde a uma forma de cessação existente em todos os sistemas jurídicos. Com invocação de justa causa, fundada em grave incumprimento culposo ou com outra situação de igual gravidade, pode a entidade empregadora pôr termo imediatamente ao contrato, sem indemnizações. O artigo 9.°, l, da nova Lei dos Despedimentos estabelece, numa linha que vem basicamente da Lei n.° l 952, que «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua
gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossí- vel a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento», estabelecendo depois um quadro exemplificativo de comportamentos do trabalhador justificativos de despedimento.
Temos sustentado21 que na justa causa se torna necessário referir os factos a uma situação de impossibilidade.
Continuámos pensando que alicerçam tipicamente a justa causa os factos que vulneram substancialmente o equilíbrio das prestações ou comprometem o pressuposto fiduciário da relação, a eles se somando as factualidades que determinam para uma das partes uma situação de incompatibilidade ou de inexigibilidade. Sustentámos ainda, numa linha que vem de trás, um critério operacional para a verificação da situação de justa causa, que podemos sintetizar do modo que segue. A ideia de impossibilidade imediata refere-se essencialmente à posição do contraente que faz valer a rescisão por justa causa, irresponsabilizando-o pela rescisão imediata das rela- ções de trabalho. A rescisão torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador. A justa causa representa exactamente uma situação em que esses interesses deixam de valer, ou, melhor, são postergados. Assim, a ideia de impossibilidade não respeita propriamente ao contrato, ou às prestações contratuais: traduz um modo sintético de referir urna situação em que a urgência no despedimento ganha interesse prevalente sobre as garantias do despedido.
Diremos, em suma, que há justa causa quando o estado de premência seja de julgar mais importante que os interesses opostos de permanência no contrato. E esta análise diferencial de interesses deve ser feita em concreto, de acordo com uma comparação das conveniências contrastantes das duas partes.
Este critério, que considerávamos acertado nos domínios da anterior legislação, não nos parece de modificar. Na verdade, o actual texto legislativo não difere do anterior, o qual, por sua vez, não introduz alterações importantes no sistema da LCT quanto à definição da justa causa. Na verdade, o critério básico de «justa causa» manteve-se intacto — impossibilidade prática da relação de trabalho.
Apenas haverá a destacar o relevo que hoje deve ser dado aos interesses gerais, transcendendo um pouco a análise diferencial relativa dos interesses dos contraentes, relevo que resulta da própria exemplificação e parâmetros legalmente apontados (artigo 9.°, 2).
A exemplificação de comportamentos do trabalhador que poderão constituir justa causa é, também, mais rica e explícita.
21 Para uma súmula das nossas posições, ver nossa «Justa causa de despedi- mento: conceito e ónus da prova», em RDES, 2.a série, ano m, n." 1.
Estes comportamentos, constantes da exemplificação, são os seguintes: «desobediência ilegítima às ordens dadas...» (alínea a));
«violação de direitos e garantias de trabalhadores...», «provocação repetida de conflitos...» (alíneas b) e c)); «desinteresse repetido pelo cumprimento... das obrigações inerentes...» (alínea d)); «lesão de interesses patrimoniais sérios...» e «reduções anormais de produtividade do trabalhador» (alíneas e) e m)); «prática intencio- nal... de actos lesivos de economia nacional» (alínea f)); «faltas não justificadas...» e «falsas declarações relativas à justificação das faltas» (alíneas g) e n)); «falta culposa de observância de normas de higiene e segurança no trabalho» (alínea h)); «prática... de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas...» ou de «sequestro e em geral crimes contra a segurança de pessoas...» (xxxxxxx x) e j));
«incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisões judiciais ou actos administrativos...» (alínea /)).
Dissemos a propósito das anteriores legislações que o elenco dos factos que as leis indicavam como justa causa contribuía para iluminar quais eram os interesses fundamentais que, atingidos, determinavam a impossibilidade prática de manutenção das rela- ções de trabalho. Não bastaria, contudo, para ser legítimo o despedimento imediato, que um facto viesse a integrar uma das hipóteses previstas na elencação legal. E isto muito simplesmente porque as hipóteses elencadas — de per si — não continham muitas vezes qualquer critério valorativo quanto ao sem-número de factos que nelas podiam caber, alguns dos quais possivelmente irrelevantes. Não se podia dispensar um juízo — em que se fizesse apelo ao critério geral de justa causa — sobre os efeitos reais e concretos, na vida da relação de trabalho, dos factos que porventura se integrassem na moldura factual expressamente indicada na previsão legal. A lei referia-se a indisciplina, mau comportamento, ou desobediência, mas era evidente que nem todos os actos que revestissem essas características constituíam justa causa de despedimento.
Estas considerações aplicam-se ainda ao actual quadro legisla- tivo, o qual — neste particular — deixa intocada a anterior lei. É certo que os factos referidos no elenco do n.° 2 do artigo 9.° da nova Lei dos Despedimentos estão, de certo modo, qualificados, o que ocorria em menor grau na legislação anterior de 1975. Agora, fala-se de «provocação repetida», «desinteresse repetido», «interes- ses sérios», «prejuízo ou riscos graves», etc. Mas importa sempre averiguar qual a frequência da repetição, qual o grau de seriedade e qual a gravidade dos prejuízos ou riscos para efeito de justa causa, sendo assim necessário recorrer ao critério geral. Isto é, o critério do n.° l do art. 9.° da nova Lei dos Despedimentos torna-se fundamental para aferir da relevância dos comportamentos descri- tos no n.° 2 do mesmo artigo, na medida em que esses comporta- mentos não estão perfeitamente tipificados.
Trata-se, em suma, de um sistema que utiliza uma descrição de vários comportamentos exemplificativamente previstos, cuja rele- vância para efeitos de justa causa só é detectável pelo recurso a uma cláusula geral. Apenas se exceptua o caso da segunda parte da alínea g) do artigo 9.° da Lei dos Despedimentos22.
Voltando aos factos relevantes em matéria de justa causa, a partir da legislação de 1975 parece ter havido acentuação nos aspectos disciplinares, a qual tem vindo a ser moderada ultima- mente. Não pensamos, aliás, que o quadro de facto nessa matéria tenha natureza exclusivamente disciplinar, ainda que se reporte a um comportamento culposo. As sucessivas redacções dos preceitos atinentes à justa causa abrem-se a situações não disciplinares23, ainda que se pressuponha o exercício extremamente formal ou ritual do despedimento, precedido de processo próprio com amplas possibilidades de defesa, que tem características semelhantes aos processos disciplinares da função pública.
2. PROCESSO DE DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
2.1. EVOLUÇÃO
Desde há bastante tempo — e nisto verificou-se um certo pioneirismo da legislação portuguesa — que, nos casos de justa causa, se exige um sistema processual próprio para actuação dos despedimentos, em que exista uma certa transparência das respecti- vas motivações e garantias sérias de defesa para os trabalhadores.
O legislador da LCT, em 1966, uma década antes da antiga lei dos despedimentos, já se tinha dado conta de que as consequências graves que resultavam da rescisão por justa causa impunham ao seu exercício um procedimento rigoroso, destinado a defender o trabalhador de decisões bruscas e levianas e apto a permitir-lhe pleno conhecimento da sua situação e daquilo com que podia contar. Em primeiro lugar, a decisão de rescindir o contrato devia ser levada ao conhecimento do trabalhador juntamente com a alegação dos factos que determinariam a situação de justa causa (princípio de alegação). Depois, os motivos invocados deveriam ser actuais, isto é, a rescisão devia seguir-se imediatamente à verifica- ção da situação de impossibilidade (princípio de actualidade). Finalmente, entendia-se que os factos alegados não podiam ser invocados quando tivesse havido perdão ou outro acto pelo qual se revelasse que o empresário não os considerava perturbadores da relação do trabalho.
Naturalmente que todas essas condições do exercício da rescisão por justa causa não constituem a garantia que a partir de 1975 foi dada pela obrigatoriedade do processo disciplinar. Daí que
22 Ver nosso Direito de greve, Lisboa, 1984, ed. Verbo, pp. 270-1.
23 Ver nosso Justa causa, cit., p. 25.
se tenha como um passo em frente. Agora, o processo não é nomeado — e bem — depois de lenta evolução, como processo disciplinar. Contudo, esta ideia de processo deu sempre origem a não poucos mal entendidos, tendo-se perdido na discussão parla- mentar de 1977 (revisão da antiga Lei dos Despedimentos) — por demagogia ou mais provavelmente por simples ignorância — a noção elementar do que era um processo disciplinar. Tal discussão foi impregnada ou da conceptologia do processo penal ou — por parte dos mais iniciados nos problemas juslaborais — da problemática suscitada anos antes em França, problemática essa pouco relevante para o nosso sistema. Na verdade, algumas vozes da Assembleia foram levadas a reclamar uma completa jurisdicionali-zação do processo disciplinar, aventando-se até a instituição de mecanismos que reflectissem as garantias do processo penal e de uma decisão jurisdicional.
Não se cuidou sequer de constatar que, no direito comparado, se não colhiam exemplos de uma apertada regulamentação do processo disciplinar, mas apenas se procedia à regulamentação dos trâmites relativos à clarificação dos motivos de despedimento.
De qualquer modo, saiu-se da medida do que era exigível para garantia de defesa do arguido trabalhador, submetido à disciplina patronal, para se pôr em causa não só os próprios processos de auto-defesa contratuais (o despedimento enquadra-se no sistema geral de resolução e denúncia do contrato) mas também o próprio sistema de poder disciplinar na empresa.
O sistema processual tem passado por variada evolução na legislação que se sucedeu a partir de 1975. Pode dizer-se, em resumo que se regista uma tendência para a simplificação e informalização, e desapareceu ultimamente a própria referência a
«disciplinar» ainda que a inspiração num sistema de processo disciplinar continue patente.
2.2. PRINCÍPIOS GERAIS. FASES
Como vimos, o processo de despedimento tem vindo a sofrer uma evolução legislativa, que, mais ainda do que uma alteração de políticas, denuncia uma grande perplexidade e hesitação dos legisladores no que se refere aos aspectos técnicos da questão.
A nova Lei dos Despedimentos, como aliás a legislação antecedente, não marcou com rigor o faseamento e trâmites do processo: estabeleceu, contudo, alguns princípios fundamentais.
Assim, o processo tomará forma escrita nas suas peças principais, conterá nota de culpa e nele se deve proceder à audição do arguido e às diligências por este solicitadas. Quando o processo estiver completo, deve ser presente, para parecer, à comissão de trabalhadores. A decisão do processo no sentido do despedimento só pode ser proferida dentro de 30 dias, deve ser fundamentada e assumir forma escrita.
Como se pode delinear, nas suas fases fundamentais, nos seus trâmites, o vigente sistema processual de despedimento?
Entende-se tradicionalmente que um processo deste tipo, embora não sujeito a regras rígidas, tem, por analogia com o processo disciplinar dos funcionários públicos, três fases. Primeira, a de instrução ou investigação, destinada a reunir os elementos de prova da existência do facto punível e identificação do responsável e que culmina na nota de culpa; a segunda, a de defesa, na qual o arguido pode examinar o processo, juntar documentos, promover a inquirição de testemunhas e requerer diligências; a terceira será a de apreciação e resolução do caso.
A lei vigente não consagra expressamente este faseamento, revelando até uma concentração de operações que nem sempre facilita o adequado enquadramento em tais fases processuais.
De qualquer modo, parece-nos que será de bom conselho aproveitar tal método, analisando os seguintes aspectos: iniciativa e instrução do processo, defesa, apreciação e decisão.
2.3. INICIATIVA E INSTRUÇÃO DO PROCESSO. NOTA DE CULPA
A iniciativa do processo pertence, como é evidente, ao empregador. No caso das pessoas colectivas, o processo depende da actuação dos seus órgãos representativos, normalmente as gerências ou conselhos de administração.
É facultativo haver uma delegação empresarial do poder disciplinar nos vários órgãos hierárquicos da empresa: quando assim acontecer, pertence ao superior hierárquico a iniciativa do processo.
É da lei geral, no que se refere à acção disciplinar, que esta deve exercer-se num determinado prazo a contar do conhecimento da infracção. Nos termos do artigo 31.°, l, da LCT, o direito de acção disciplinar caduca no prazo de 60 dias subsequentes àquele em que a infracção foi conhecida por quem detém a competência disciplinar. É claro que, apesar dos termos da lei, não interessa tanto o conhecimento da infracção, como o do seu autor, pois um processo disciplinar supõe que haja alguém indiciado pela prática de uma infracção24.
24 Se só fossem conhecidos os factos em que se traduz a infracção e não o seu autor, o processo adequado será o de averiguação ou de inquérito. Aliás, é da maior prudência fazer preceder o processo disciplinar de averiguações, quando não se tenham recolhido indícios seguros quanto à infracção e ao seu autor. Neste caso, só com a conclusão das averiguações é que se poderão considerar conhecidas as infracções, para efeitos do artigo 31.°, l, da LCT.
Contudo, a nova Lei dos Despedimentos (artigo 10.°, 12) limita-se a suspender o prazo do artigo 31.°, l, da LTC pelo facto da instauração do processo de inquérito
«desde que, mostrando-se este necessário para fundamentar a nota de culpa, seja iniciado e conduzido de forma diligente, não mediando mais de 30 dias entre a suspeita de existência de comportamentos irregulares e o início de inquérito, nem entre a sua condução e a notificação da nota de culpa».
Antes da nova Lei dos Despedimentos entendia-se, como fase processual relevante para evitar as consequências do decurso do prazo, a mera iniciativa disciplinar (despacho nesse sentido da entidade competente da empresa) ou então a autuação do processo pelo instrutor para o efeito nomeado. Contudo, agora, estabeleceu- se que «a comunicação da nota de culpa suspende25 o decurso do prazo». A solução não parece sensata, já que 60 dias é prazo muitas vezes insuficiente para organizar uma nota de culpa completa tanto mais que ela tem de resultar de uma instrução exaustiva26. Impõe-se pois uma nomeação rápida do instrutor e início diligente desta fase do processo.
A lei não se refere à instrução inicial ou preparatória do processo até à redacção da nota de culpa. Mas é evidente que essa instrução se torna necessária para a própria elaboração da nota de culpa — fase subsequente e essencial no processo. Iniciado o processo e nomeado o respectivo instrutor, este procederá às necessárias diligências para apuramento dos factos e das responsa-bilidades, ouvindo testemunhas e, muitas vezes até o próprio arguido, e coligindo documentos, bem como requisitando a colaboração de peritos, se deles houver necessidade, etc..
Nada impõe que essa instrução seja escrita. Na verdade, na sua actual formulação a lei deixou de dizer que o processo é escrito, do que parece decorrer a possibilidade de o instrutor extrair informal- mente os elementos para a elaboração da nota de culpa. Mas tudo aponta para a conveniência de dar forma escrita ao processo, mesmo na fase instrutória, para a preservação da prova, fortaleci- mento das garantias de defesa do arguido e para permitir uma audição útil das organizações dos trabalhadores27.
Finda a instrução preliminar do processo e tendo-se apurado a verificação de factos que integram a justa causa, deverá o empresário tomar uma posição terminante no processo.
Naturalmente que, se verificar que não se cometeu a infracção ou que não foi o arguido quem a praticou, mandará arquivar o processo. E, se considerar que a infracção não tem gravidade de que resulte despedimento, deixará de se ater às regras processuais em causa, para se confinar às vagas disposições gerais sobre o procedimento disciplinar.
25 Não parece muito adequada esta figura de «suspensão» relativa a um prazo que se considera de índole processual (peremptório ou de caducidade). Suspende-
-se o prazo, até quando? Volta a contar? Mesmo nas regras relativas à prescrição, a suspensão tem ínsita um «durante» que a lei não fixa neste caso. A aplicar-se um conceito deste tipo caberia melhor o de «interrupção».
26 Nos termos do artigo 10.°, 9, da nova Lei dos Despedimentos, não podem ser invocados na decisão factos que não constem da nota de culpa.
27 E ainda para uma melhor apreciação do Tribunal, no caso de requerimento judicial de suspensão do despedimento.
Mas, se assim não acontecer, nos termos da lei (artigo 10.°, 1), o empresário comunicará, por escrito, ao trabalhador que tenha incorrido nas respectivas infracções a sua intenção de proceder ao despedimento, comunicação que fará acompanhar de uma nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos imputados. Esta comunicação e entrega de nota de culpa serão feitas também à comissão de trabalhadores da empresa.
Não se compreende que o legislador tenha adoptado esta solução, que desvaloriza o significado da defesa e faz naturalmente pesar uma ameaça de despedimento, mesmo quando afinal este não se torne necessário28, desencadeando à volta do processo disciplinar uma tensão extremamente prejudicial.
Não tem aliás qualquer utilidade visível esta declaração de intenção, que só teria algum sentido se a entidade que decidisse o processo fosse diversa do próprio empresário29.
Dizíamos há 10 anos que sendo nulas as vantagens e tantos os malefícios do sistema, talvez não fosse de exagerado optimismo esperar que um legislador mais sensato lhe pusesse termo: enganá-mo-nos.
A declaração de intenção que se referiu será acompanhada de nota de culpa, com a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador e que pode servir para fundamentar o despedimento30.
A nota de culpa conterá uma descrição dos factos imputados, o que significa que o empresário não se pode limitar a arguir o trabalhador de comportamentos genéricos, tais como «lesão de interesses sérios» ou «indisciplina». É o carácter descritivo e factual da nota de culpa que possibilita a defesa do trabalhador.
2.4. DEFESA DO TRABALHADOR
Abre-se então a fase de defesa. Nos termos do n.° 4 do artigo 10.° «o trabalhador dispõe de um prazo de 5 dias úteis para consultar o processo e deduzir, por escrito, os elementos que considera
28 Na verdade, o empresário tenderá a manifestar essa intenção desde que haja uma probabilidade séria de existência de justa causa, para que não lhe seja precludida a possibilidade de despedimento por não ter observado essa formali dade. Assim, ainda que se lhe afigure que da defesa poderão surgir elementos que levem ao não despedimento, manifestará essa intenção, por uma questão de cautela, remetendo o seu juízo final para outra fase.
29 Não se diga que assim o arguido tomará conhecimento da gravidade do processo e não poderá ser surpreendido por uma decisão de despedimento. Na verdade, é bom de ver que a gravidade decorre das imputações feitas na nota de culpa, essa sim a peça fundamental para a transparência do processo.
30 Diz expressamente a lei que só a matéria imputada na nota de culpa pode fundamentar a decisão de despedimento (artigo 10.°, q)), salvo se atenuar ou derimir a responsabilidade.
relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos».
Trata-se, portanto, de uma defesa escrita, na qual o trabalha- dor tenderá a negar e a informar os factos imputados, a apresentar atenuantes ou causas justificativas do comportamento, etc., e a alinhar todos os elementos de facto e de direito em apoio da sua posição.
A lei refere-se à prestação de prova documental por parte do trabalhador e à solicitação de outras diligências, isto é, audição das suas testemunhas ou de peritos e outros. O empregador é obrigado a dar andamento às diligências que lhe forem requeridas pelo trabalhador que se mostrem indispensáveis ao apuramento dos factos31.
Finda a defesa, será remetida cópia integral do processo à comissão de trabalhadores para no prazo de cinco dias, se pronunciar por parecer fundamentado. O prazo foi alargado, mas continua exíguo, o que não facilitará, decerto, a emissão do parecer fundamentado sobre o processo por parte de um órgão colegial, como a comissão de trabalhadores; não se duvida, contudo, que na maior parte dos casos a intervenção da comissão funcionará como uma garantia suplementar da defesa do arguido e da própria observância das regras do processo. Há aqui a considerar que deixou de ser, na nova Lei dos Despedimentos, condição indispen- sável para o trabalhador pedir a suspensão do despedimento que a opinião da comissão de trabalhadores tenha sido contrária ao despedimento.
A entidade empregadora é, portanto, nos termos da lei, obrigada a pedir sempre à comissão de trabalhadores que se pronuncie sobre o caso. Mas poderá o trabalhador arguido opor-se a que o processo seja remetido a tal entidade?
É certo que a intervenção da comissão de trabalhadores se destina à defesa e patrocínio da posição do trabalhador. Simples- mente, é possível que o arguido tenha interesse legítimo em que o seu processo disciplinar seja secreto, sobretudo se os factos imputados forem desonrosos, e prefira defender-se sem intervenção de terceiros. Parece-nos pois contrário ao espírito da lei exigir que a comissão de trabalhadores se pronuncie, quando a essa diligência se oponha o próprio arguido.
2.5. DECISÃO
Entra finalmente o processo na fase da decisão. A decisão será proferida esgotado o período para a comissão de trabalhadores se
31 A menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso, alegá-lo, fundamentadamente, por escrito (artigo 10.°, 5). A lei limita o direito de apresentação de testemunhas (artigo 10.°, 6).
pronunciar, dentro do prazo de 30 dias32, e deverá constar de documento escrito.
Essa decisão terá de ser fundamentada, ponderando-se as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabili- dade do despedido, bem como o parecer da comissão de trabalha- dores. Da decisão será remetida cópia ao trabalhador e à comissão de trabalhadores.
O trabalhador poderá requerer judicialmente a suspensão do despedimento (artigo 14.°), suspensão essa que será decretada pelo Tribunal se, ouvidas as partes e ponderadas as circunstâncias, concluir que o processo é nulo ou pela probabilidade séria de inexistência da justa causa de despedimento. A análise deste tipo de processo, análogo ao das providências cautelares, encontra-se já fora do objectivo do presente estudo (ver artigos 38.° a 43.° do Cód. Proc. Trab.).
2.6. NULIDADES DO PROCESSO
É ainda de interesse nesta sede o estudo das nulidades do processo. A recente lei contém dispositivos extremamente drásticos em que se referem vários casos de nulidade, com consequência de invalidação do processo (artigo 12.°, 3).
Os casos são os seguintes:
a) Falta de comunicação de intenção de proceder ao despedi- mento e, por maioria de razão, falta de entrega da nota de culpa;
6) Falta de audiência do trabalhador, dando-se-lhe oportuni- dade de responder à nota de culpa e de se levarem a efeito diligências probatórias;
c) Falta de decisão e seus fundamentos em documento escrito33.
As outras violações às normas de processo que se revistam de menor gravidade são consideradas irregularidades, eventualmente puníveis com multa (artigo 60.°).
As nulidades acarretam a invalidação do processo e conse- quente ilicitude do despedimento e fundamentam a sua suspensão
32 Será de perguntar quais as consequências do não cumprimento deste prazo, a que não se refere o artigo 10.°, 8 da nova Lei dos Despedimentos. Pensa-se que será, pelo menos, de presumir que a impossibilidade das relações de trabalho não era «imediata» (artigo 9.°, 1).
33 A lei refere-se ainda no artigo 12.°, 3, c) aos «termos dos n.™ 8 a 10 do artigo 10.°». Poderá considerar-se que se verifica nulidade sempre que faltem algumas das formalidades aí prescritas (v.g. prazo de 30 dias para decisão, estrutura da decisão, comunicação por transcrição à comissão de trabalhadores ou ao trabalhador)? Pensamos que só a falta de comunicação ao despedido é que constituirá nulidade, pela lógica própria do sistema.
imediata. Mas isso não significa que o processo nulo não possa ser retomado e organizado nos termos da lei, com base nos comporta- mentos já apreciados no processo inválido.
2.7. PROCESSO EM CASOS ESPECIAIS
Há formas diferentes, quer mais simples, quer mais rituais, de processo em casos particulares. Assim:
a) Pequenas empresas. Estabelece o artigo 15.° da nova Lei dos Despedimentos a eliminação de certas formalidades para empresas com um número de trabalhadores não superior a 20. É, contudo, garantida a audição do trabalhador, que a poderá substituir por uma alegação escrita e requerer a audição de testemunhas. A decisão de despedimento deve ser fundamentada com discriminação dos factos imputa- dos, sendo comunicada ao despedido por escrito.
b) Despedimento de membros de organização de trabalhadores. Nesses casos (dirigentes e delegados sindicais, membros das comissões de trabalhadores), mesmo nas pequenas empresas, o processo segue os trâmites previstos em geral. No caso de representantes sindicais a associação sindical respectiva será ouvida nos momentos fundamen- tais do processo (artigo 10.°, 3, 7 e 10). Os membros das organizações dos trabalhadores beneficiam de uma espécie de inversão do sistema para conseguirem a suspensão do despedimento: ela só não deve ser decretada se o Tribunal concluir pela existência de probabilidade séria da verificação da justa causa de despedimento (artigo 14.°, 3)34 35 .
Ⅶ
O DESPEDIMENTO PATRONAL COM JUSTA CAUSA
OBJECTIVA
(ELIMINAÇÃO DO POSTO DE TRABALHO)
1. NOÇÕES GERAIS
A mais significativa mudança da recente Lei dos Despedimen- tos foi a de criar uma nova figura de despedimento, que — xxxxx
— basicamente constitui um sistema de aplicação das regras do
34 É duvidoso se esta inversão se aplica também aos casos das pequenas empresas.
35 Deve ainda anotar-se — apesar de ser matéria processual estranha a este estudo — que as acções de impugnação de despedimento dos membros da organização de trabalhadores têm natureza urgente.
despedimento colectivo às situações individuais congéneres. Vê-se que o legislador pretendeu utilizar uma porta que tinha ficado entre-aberta no Acórdão do Tribunal Constitucional que já referi- mos e reduziu as situações de «justa causa objectiva», previstas em decreto de Assembleia da República considerado inconstitucional, à extinção individual de um posto de trabalho.
Nas situações deste tipo, significativamente arrumadas com as dos despedimentos colectivos num mesmo capítulo (Capítulo v), não se põe, portanto, o problema de saber se A ou B devem continuar vinculados ao seu emprego: a questão é a do desapareci- mento ou extinção desse emprego.
Para a justificação da extinção do posto de trabalho — de um único ou de poucos postos de trabalho — considera-se de um modo desordenado um sem número de aspectos de gestão, apresentados sem qualquer racionalidade. Refere-se, pela respectiva ordem, motivos económicos ou de mercado, motivos tecnológicos ou estruturais (artigo 26.°). Apontam-se como motivos estruturais, o encerramento definitivo da empresa ou de alguma ou algumas das suas estruturas, provocada por desequilíbrio económico-financeiro; por mudanças de actividade ou por substituição de produtos dominantes. Citam-se como motivos económicos (como se os anteriores não fossem!) a comprovada redução de actividade provocada pela diminuição ou impossibilidade de oportunidade de colocação dos produtos no mercado. Indicam-se como medidas tecnológicas um conjunto de alterações tecnológicas, enumeradas mais ou menos ao acaso.
Supomos que o legislador, aliás com alguma inabilidade, quis dar integral cobertura à racionalidade económica na fixação a cada momento dos postos de trabalho necessários à empresa. As possibilidades de controlo jurisdicional — nestes casos e nos que ocorrem nas situações de despedimento colectivo — devem ser aproveitadas com cautela. Na verdade, pensamos que o Tribunal não pode substituir-se às decisões de gestão, nem é por si idóneo para julgar a gestão empresarial no sentido de dimensionamento da empresa. Contudo, a lei estabelece um sistema de verificação, que terá naturalmente de ser aplicado, ainda que com prudência e parcimónia.
2. REQUISITOS DA CESSAÇÃO
Para além da existência do quadro geral justificativo acima apontado, a lei estabelece, cumulativamente, os seguintes requisi-tos, entre os quais o óbvio de não se aplicar o regime do despedimento colectivo (cfr. Cap. Ⅷ).
a) Os motivos invocados não sejam imputáveis a culpa do trabalhador ou do empregador é o primeiro requisito — equívoco
— que nos surge (artigo 27.°, 1a)). A razão de ser da formulação legal
parece ser esta: se a culpa da extinção for da entidade patronal, sibi imputet e não poderá extinguir o posto de trabalho; se a culpa for do trabalhador, aplicar-se-ão os princípios da justa causa para despedi-mento imediato.
Entendemos que o preceito deve ser entendido com grano salis: na verdade, pode haver culpa do trabalhador, ainda que leve, que conduza à extinção do posto de trabalho, sem se chegar ao extremo de um despedimento sem indemnizações. Quanto à culpa do empregador, deve ter-se em mente a dificuldade de se estabelecer um juízo de reprovação quanto à gestão empresarial e, portanto, apenas será de considerar o requisito inexistente quando se mostre leviandade inaceitável na previsão de necessidades de mão-de-obra ou pela diminuição de procura ou pelas medidas administrativas tomadas (v.g. admissão de trabalhadores elevadíssima tendo em conta o previsível escoamento da produção, má qualidade de fabrico imputável ao empregador, proibição do exercício temporário da actividade por culpa da empresa).
Apesar de formulação legal, supomos que a entidade emprega- dora não terá de demonstrar a falta de culpa nos termos gerais do ónus da prova, ou — pelo menos — que esta falta de culpa se presume, se tal for confirmado na decisão prevista no artigo 30.°, l,
b);
b) O segundo requisito é que «seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho» (artigo 27.°, l,b)), tendo o legislador remediado a extraordinária infelicidade de reproduzir aqui um critério só válido para a justa causa subjectiva (ver supra), indicando que essa impossibilidade consiste em não dispor de outro posto de trabalho compatível ou, existindo, o trabalhador não o venha a aceitar;
c) Terceiro requisito será o de não existir qualquer contrato a termo para as tarefas correspondente ao posto extinto. Aqui se revela preferência pela conservação dos contratos por tempo indeterminado, mas em moldes dificilmente justificáveis (v.g. se oposto de trabalho estiver preenchido por um contrato a longoprazo);
d) Por último, condiciona o despedimento à colocação à disposição do trabalhador da compensação devida, medida alta mente de louvar para garantia do trabalhador.
3. SELECÇÃO SOCIAL
O problema da chamada «selecção social» põe-se nos casos da extinção de um dos vários postos de trabalho, quando seja necessário optar, pela circunstância de haver, entre os possíveis a despedir, trabalhadores em condições de permanecer na empresa. Isto é, elimina-se um posto de trabalho, mas torna-se necessário identificar o trabalhador a despedir de entre os candidatos à conservação do emprego.
O legislador traça um discutível critério, no n.° 2 do artigo 27.°, dispondo que serão despedidos—pela seguinte ordem— primeiro os trabalhadores de:
a) Menor antiguidade no posto de trabalho;
b) Menor antiguidade na categoria profissional;
c) Categoria profissional inferior;
d) Menor antiguidade na empresa.
Para além de não se compreender perfeitamente como pode haver uma categoria profissional inferior para um «posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico»36, é de notar que não há um mínimo apelo a critérios de competência e até de economici-dade. O legislador parece ter-se arreceado de, sob a capa da extinção dos postos de trabalho, o empregador pretender atingir concretamente um trabalhador determinado: por isso fixou critérios objectivos e facilmente controláveis.
4. PROCESSO DE DESPEDIMENTO
O processo de despedimento é extremamente complexo e demorado. O empregador deve comunicar por escrito ao trabalha- dor a despedir e à comissão de trabalhadores a necessidade de extinguir o posto de trabalho37, com indicação dos motivos e identificação da secção ou unidade a que respeitam e das categorias profissionais dos trabalhadores escolhidos (artigo 28.°).
No prazo de 15 dias poderá a comissão de trabalhadores deduzir oposição através de parecer fundamentado quanto à não verificação dos motivos ou dos requisitos necessários, ou quando não tenha sido respeitado o sistema de selecção legalmente previsto. Dentro do mesmo prazo, poderá o trabalhador contestar o seu despedimento, nos mesmos termos que a comissão de trabalhadores (artigo 29.°).
A lei prevê a intervenção da Inspecção-geral do Trabalho, a pedido das entidades anteriormente referidas, quer para fiscalizar os critérios de selecção social, quer a inexistência de contratos a
36 A situação apenas será notada nos casos em que as categorias estão divididas e hierarquizadas em «classes», «graus» e «níveis». Justificaria quase uma monografia o estudo aprofundado de conceitos importantes para o efeito de aplicação da lei, tais como categoria (que é dos mais discutidos em direito do trabalho) e outros mais recentes, como conteúdo funcional (emprestado do direito da função pública) & posto de trabalho, que é, aliás, a chave da aplicação de todo o sistema.
37 O artigo 28.° da nova Lei dos Despedimentos parece não ter-se dado conta da necessidade eventual da selecção, nos casos em que há pluralidade de postos de trabalho. Será sempre discutível se a referência a «trabalhadores envolvidos» ou a
«trabalhadores abrangidos» constituiu um conceito mais lato do que trabalhadores a despedir.
termo ou de um processo de despedimento colectivo (artigo 29.°, 3 e 4).
Decorridos 5 dias sob o prazo de 15 acima referido, o
empregador, proferirá, por escrito, decisão fundamentada, comuni- cada à comissão de trabalhadores e obviamente ao trabalhador, de que constará (artigo 30.°):
a) Motivo de extinção (naturalmente um dos indicados no artigo 26.°);
b) Confirmação da verificação dos requisitos, justificando a inexistência de alternativas ou indicando a recusa do trabalhador;
c) Indicação do montante da compensação e lugar e forma de pagamento;
d) Prova de ter obedecido ao critério de selecção, se tiver havido oposição quanto às prioridades nos trabalhadores a despedir;
e) Data da cessação.
5. TUTELA DO TRABALHADOR DESPEDIDO
Tratando-se de um despedimento que não é devido a culpa do trabalhador, obviamente que a este pertence uma específica tutela, de modo a minorar-lhe os inconvenientes emergentes da perda do seu emprego. Ela exprime-se, em moldes tradicionais, na concessão de um aviso prévio e em indemnizações pecuniárias.
a) Aviso prévio. Constituindo tecnicamente um termo suspen sivo aposto à declaração de denúncia (o despedimento só terá eficácia passados n dias), o aviso prévio destina-se a dar tempo ao trabalhador para preparar a saída da empresa e procurar novo emprego. O aviso prévio mínimo é de 60 dias (ou o pagamento da retribuição correspondente) — artigo 21.° da nova Lei dos Despedimentos. Como tem essa finalidade e para a cumprir satisfatoriamente, torna-se necessário que no período de aviso prévio o trabalhador tenha algum tempo disponível durante as horas úteis. Assim, o artigo 22.° confere-lhe um crédito correspondente a 2 dias de trabalho por semana, sendo o respectivo tempo divisível a critério do trabalhador38, período que é evidentemente excessivo pois corresponde a 2/5 do tempo de trabalho39.
b) Indemnização. Corresponde a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a
38 Este terá obviamente que informar a entidade empregadora.
39 Parece-nos evidente que o empregador optará, em regra, pelo pagamento da retribuição correspondente, a não ser nos casos de tarefas de certa complexi- dade e em que o processo prático de extinção do posto de trabalho não esteja terminado.
3 meses (artigo 13.°, 3, por remissão do n." l do artigo 23.°). Reduzindo embora a base de cálculo (antigamente era referida a retribuição e, portanto, computavam-se todas as prestações retri-buitivas) a manutenção do coeficiente de um mês por ano de antiguidade faz com que estas indemnizações continuassem eleva- díssimas em termos de direito comparado, onde é raro que excedam um ano de retribuição.
A lei (artigo 24.°, l, d) estabelece uma especial garantia de percepção destas indemnizações, considerando o despedimento ilícito se não tiver sido colocada à disposição do despedido — até ao termo do prazo de aviso prévio — a compensação devida (bem como os créditos emergentes da cessação do contrato).
Ⅷ
O DESPEDIMENTO COLECTIVO
Trata-se de uma redução de nível de emprego da empresa em que vários trabalhadores são atingidos por um único motivo determinante, normalmente de carácter tecnológico ou económico ou por encerramento total ou parcial da empresa (artigo 16.° da nova Lei dos Despedimentos)40. Esta forma de despedimento está sujeita a uma comunicação prévia, acompanhada de descrição das razões económicas, financeiras ou técnicas, apresentada à comissão de trabalhadores ou na sua falta a entidades sindicais representati- vas (artigo 17.°). A comunicação deverá também ser feita aos serviços do Ministério do Emprego competentes.
Para além dos fundamentos, deverá ser enviado o quadro do pessoal discriminado por sectores organizacionais41, indicação do número de trabalhadores a despedir e categorias profissionais abrangidas, bem como os critérios que servirão de base à selecção.
O processo, que era na anterior legislação mais demorado e mais administrativo-burocrático, tem agora um carácter acentuada- mente negociai e foi sensivelmente abreviado. Nos 15 dias seguintes promover-se-ão consultas tendo em vista a obtenção de acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar, encarando-se ainda a aplicação de outras medidas de redução (artigo 18.°).
O Ministério do Emprego participará no processo de negocia- ção, com vista a assegurar a sua regularidade e a promover a conciliação das partes, bem como para encarar as medidas de emprego necessárias (artigo 19.°).
40 Abrangendo, pelo menos 2 a 5 trabalhadores, conforme a empresa tenha menos ou mais de 50 trabalhadores.
41 Todo o quadro do pessoal, mesmo numa empresa de 10 mil ou 20 mil trabalhadores? Supomos que a lei deve sofrer uma interpretação restritiva e o quadro deve referir-se apenas ao estabelecimento ou grande unidade em causa.
Celebrado o acordo ou, na falta deste, decorridos 30 dias sobre a data da comunicação, a entidade empregadora promoverá os despedimentos, com menção expressa do motivo e data da cessação (artigo 20.°). Os trabalhadores despedidos têm a tutela legal já referida a outro propósito (aviso prévio e indemnização — cfr. Cap.
Ⅶ).
Se o despedimento colectivo passa a decorrer com uma tramitação mais rápida, a posição patronal enfraquece sensivel- mente pois é agora consideravelmente ampliada a possibilidade de recurso aos tribunais pelos despedidos (artigo 25.°).
Ⅸ
O DESPEDIMENTO PELO TRABALHADOR
Naturalmente que o problema tem menos importância teórica e prática, pelo que só vamos fazer-lhe breve referência.
Verificando-se situações graves, determinadas de acordo com critério semelhante ao da justa causa subjectiva patronal, o trabalhador poderá pôr termo ao contrato, sem aviso prévio e sem indemnização (artigo 34.° da nova Lei dos Despedimentos). A lei indica, também exemplificativamente, algumas dessas situações: falta de pagamento patronal da retribuição, violação de garantias, aplicação de sanções abusivas, lesão culposa de interesses patrimo- niais, necessidade de o trabalhador cumprir obrigações legais (artigo 35.° da nova Lei dos Despedimentos). A cessação do contrato, quando estas circunstâncias se devam a acto culposo da entidade patronal, confere ao trabalhador o direito a ser indemni- zado (artigo 36.°).
Em todos os casos de contrato de trabalho por tempo indeterminado o trabalhador tem direito a despedir-se com aviso prévio de dois meses (um mês quando não atinja mais de dois anos de antiguidade) (artigo 38.°). Se o trabalhador não der o aviso prévio, pagará o valor da remuneração de base correspondente, a título de indemnização (artigo 39.°).
A nova lei veio a adoptar uma solução que vínhamos propugnando42: equipara o abandono do lugar ao despedimento presumido e ilícito do trabalhador. De facto, a ausência do serviço, acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não retomar (artigo 40.°), leva à presunção de que o trabalhador se pretendeu despedir. Ó que se vinha praticando, obrigando nestas situações as empresas a instaurar processo disciplinar por faltas injustificadas, não tinha qualquer sentido.
42 Nosso «Notas sobre o abandono do lugar nas relações de trabalho privadas» em RDES, 1.a série, 1976.
Ⅹ
O DESPEDIMENTO ILÍCITO
1. CONSEQUÊNCIAS DO DESPEDIMENTO ILÍCITO
Um dos problemas mais difíceis colocados pelo sistema de denúncia unilateral do contrato de trabalho é o das consequências do despedimento ilícito: desde o que tem sido chamado de
«monetarização» do despedimento ilícito (indemnização) à reinte- gração do trabalhador (invalidade), encontram-se as mais diversas soluções nos ordenamentos e na evolução legislativa portuguesa. Tendo em vista o artigo 53.° da Constituição, aceita-se, ainda que com alguma dúvida, que a solução mais conforme ao desígnio constitucional quanto ao despedimento sem justa causa é o da invalidade e da consequente reintegração, com normas adequadas a tão difícil repristinação de efeitos. Contudo, também é certo que os ordenamentos nem sempre punem com a invalidade os actos que proíbem e que em quase todos os despedimentos deveria abrir-se a possibilidade de uma sanção exclusivamente indemnizatória. Não se trataria de simples «monetarização», já que todo o despedimento ilícito deverá ser sobrecarregado no plano das indemnizações e punido com coima adequada. Mas a solução de nulidade, «rectius, da anulabilidade»43 é desajustada normalmente nas pequenas empresas, relativamente às quais deverá ser preferencialmente decretado pelo Tribunal o pagamento de indemnização, a menos que se verifique a possibilidade de continuação da eficaz colabora- ção entre as partes. Solução idêntica deverá ser empregue — como é
— no caso do serviço doméstico e também deveria sê-lo — em absoluto — no caso dos altos dirigentes ou do pessoal de confiança. Nas grandes empresas, justificava-se mais a solução de reintegração44, com medidas indemnizatórias e, em certos casos, compulsórias, se não for executada (ainda que nos pareça excessiva a tese civilística da aplicação de sanção pecuniária compulsória indiscriminadamente para o caso45. Nota-se, aliás, que a invalidade do despedimento e a consequente reintegração nada acrescentam ao vínculo do trabalho, como argutamente nota Furtado Martins46. Seria uma espécie de injustificável privilégio — ou de qualquer modo desconformidade de situação — para o despedido (em
43 Xxxxxxx Xxxxxxx, Despedimento ilícito, reintegração na empresa e direito à ocupação efectiva, copiografado, p. 90 e seguintes.
44 Em alguns casos, manifestamente desaconselhàvel: v.g. trabalhador que entretanto se empregou em lugar «incompatível», sobretudo se isto ocorrer com empresa concorrente.
45 Xxxxxx Xxxxx, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1987, p. 133.
46 Ob. cit., p. 160 e seguintes.
confronto com o trabalhador comum dispensado patronalmente de trabalhar) colocar um oficial de justiça a verificar se o empregador cumpre o «dever de cooperação creditória» e dá execução ao chamado «direito ao trabalho» dos colaboradores da empresa. Neste aspecto, a jurisprudência portuguesa peca por irrealismo ao afirmar enfaticamente o direito ao desempenho efectivo do traba-lho.
O que importa—isso sim—é salvaguardar o efectivo direito de presença nos locais de trabalho dos membros das comissões de trabalhadores e dirigentes sindicais, quando tenham sido objecto de despedimentos ilícitos. Aí sim, de facto, estaremos em face do que os espanhóis chamam despedimento radicalmertte nulo, que reclama todas as armas coercitivas do instrumentário jurídico.
Ainda uma nota final: é a de que deve haver adequada proporção entre o vício existente no despedimento e a respectiva sanção: simples irregularidades processuais ou um mais apertado critério na apreciação dos factos que conduzam à crise contratual não devem impor a mesma grave sanção que, por exemplo, a inexistência de qualquer forma de processo ou a invocação dolosa de factos que se não verificaram. Aí o nosso sistema não é suficientemente congruente.
A nova Lei dos Despedimentos estabelece no artigo 13." o quadro básico das consequências do despedimento ilícito, que são as seguintes:
a) Pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até à sentença. Em face da pendência — muitas vezes demorada — das acções nos
tribunais de trabalho, estes quantitativos podem ser muito elevados. A lei estabelece, contudo, importantes deduções (as quais não constavam do anterior regime47: uma relativa aos rendimentos do trabalho, percebidos pelo trabalhador em
ocupação iniciada posteriormente ao despedimento e ainda uma outra, ligada à eventual demora de mais de 30 dias do trabalhador na propositura da acção.
b) Reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua
categoria e antiguidade, o que envolve que o empregador é obrigado a computar na antiguidade o período de pendência da acção (o que é simples) e ainda a tentar reconstituir a carreira do trabalhador (o que é, sem dúvida, mais complicado). Esta reintegração significa a reconstituição, ope curiae do vínculo laborai, mas não pode confundir-se com o desempenho efectivo do trabalho no respectivo posto48.
47 Ao menos expressamente, ainda que fosse sustentada a possibilidade de dedução (ver Xxxxxxx Xxxxxxx, ob. cit.).
48 Xxxxxxx Xxxxxxx, ob. cit., principalmente p. 152 e seguintes.
O trabalhador pode optar (por sua iniciativa ou a pedido da entidade empregadora49, em vez da reintegração, por uma indemnização correspondente a um mês da remuneração de base por cada ano de antiguidade50, contando-se todo o tempo decorrido até à sentença.
2. SITUAÇÕES QUE DÃO LUGAR À APLICAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS REFERIDAS EM X, l
Parece-nos que, em face da gravidade destas consequências, elas só se verificam nos casos previstos na lei; outras eventuais desconformidades de processo ou de fundo devem ser consideradas como meras irregularidades, a não ser que se justifique tratamento semelhante, analogia a que se deve proceder com a maior prudência.
A lei estabelece o seguinte:
a) Casos de despedimento ilícito em que tenha sido invocada justa causa (artigo 12.°). O despedimento será ilícito se não tiver sido precedido de processo ou se este for nulo (ver Cap. VI, 6.2.6.) ou se se verificar que dissimula um despedimento por motivos políticos, ideológicos ou religiosos ou, finalmente, se for declarada
improcedente a justa causa invocada.
É este último aspecto que interessa sobretudo referir. A procedência de justa causa será apreciada pelo julgador, em termos de adequação do despedimento aos factos que a entidade emprega- dora conseguir demonstrar e constem da nota de culpa51. Para apreciação do caso, o Tribunal deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão de interesses, ao carácter das relações e às circunstâncias que se mostrem relevantes (artigo 12,°, 5).
b) Casos de despedimento ilícito nas situações de despedimento colectivo (artigo 24.°). O despedimento será ilícito se o empregador deixar de efectuar certos trâmites que têm a ver com a regularidade do processo, não efectuar as comunicações previstas na lei, não promover a negociação, deixar de observar o prazo de 30 dias quando não houve acordo, ou se não puser ao dispor do despedido a compensação legalmente prevista52.
No plano substantivo, o despedimento é ilícito se forem considerados improcedentes os fundamentos invocados. Pensamos que o legislador assumiu um grande risco ao colocar a actividade jurisdicional a decidir em pontos que contendem com a gestão empresarial. Supomos, de qualquer modo, que um juízo de
49 Não terá grande sentido este pedido do empregador a que se refere a alínea b)
do n.° l do artigo 13.°, já que a opção é sempre do trabalhador.
50 Com o mínimo de 3 meses de remuneração.
51 Para mais desenvolvimento, ver nosso «Justa causa» cit.
52 É evidente o excesso de severidade, nalguns destes casos.
improcedência deve ser efectuado com parcimónia, já que o processofoi administrativamente controlado (artigo 19.°). Parecenos, sobretudo, descabido onerar em tal matéria o empregador mais do que com a prova prima fade que apresentou já: só se esta for no processo infirmada ou se se verificar que os motivos apresentados não se adequam aos despedimentos é que estes devem ser considerados ilícitos, com as consequências legais.
O despedimento apenas poderá ser posto em causa pelos trabalhadores que não aceitarem o despedimento (não aceitação revelada pela recusa da compensação). Os trabalhadores inconfor- mados poderão utilizar a providência de suspensão ou, no prazo de 5 + 90 dias a contar da cessação, a acção de impugnação (artigo 25.°).
c) Casos de despedimento ilícito por extinção do posto de trabalho (artigo 32.°). Aqui a lei, em vez de se referir à ilicitude, fala expressamente de «nulidade» (ainda que sem diversas consequên-cias jurídicas, ao que parece).
O despedimento será ilícito, desde logo, pela inexistência do motivo apontado, o que naturalmente não deve ser matéria de fácil prova, sobretudo, considerando-se que o empregador já produziu a sua no processo preliminar (artigos 29.°, 30.°, l, G) da nova Lei dos Despedimentos).
O despedimento será igualmente ilícito se faltarem os requisi- tos legalmente previstos, se as comunicações estabelecidas não forem efectuadas, ou se for violado o critério de selecção legalmente estipulado. Igualmente haverá nulidade se não for paga a compen- sação prevista.
O trabalhador que não tiver aceite o despedimento, por recusar o pagamento da compensação, pode requerer a suspensão daquele ou impugná-lo (artigos 32.° e 33.°).
Ⅺ
OUTROS EFEITOS DA EXTINÇÃO
Apenas uma brevíssima referência a outros efeitos da cessação de relação de trabalho:
a) Certificado de trabalho (artigo 57.°). Na linha de uma orientação que já vinha de longe, o empregador encontra-se obrigado a entregar ao trabalhador um documento (certificado de trabalho), indicando as datas de admissão e saída, bem como o cargo ou cargos desempenhados, não podendo conter outras
referências, salvo a pedido escrito do trabalhador.
b) Emissão de documentos destinados a fins oficiais. A nova lei veio estabelecer a obrigatoriedade de emissão desses documentos, os mais importantes dos quais se destinam à percepção do subsídio de desemprego.
c) Resolução do arrendamento (artigo 1 093.°, 1 i) do Cód. Civil). Parece de aplicar esta norma, que confere ao senhorio a faculdade de resolver o contrato de locação, quando deixem de ser prestados os serviços pessoais que determinaram a ocupação do prédio (no caso, a habitação de casa fornecida pela empresa). O ponto merece, contudo, melhor estudo.
d) Efeitos de segurança social. Apesar da extinção do contrato, podem sobreviver-lhe certos efeitos no plano da segurança social, principalmente, no que se refere a complementos de pensão a que a empresa se tenha obrigado e sejam ainda válidos (ver artigo 6.°, 3 e 4 da LRCT) ou emergentes de Fundos de Pensões (ainda que aqui seja duvidoso que a empresa possa ser considerado sujeito passivo).
BIBLIOGRAFIA PORTUGUESA
OBRAS GERAIS
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Noções elementares de Direito do Trabalho, Coimbra, 1987, I vol.
MONOGRAFIAS, ESTUDOS E ARTIGOS DE REVISTA
J. J. Abrantes, Do Contrato de Trabalho a Prazo. Coimbra, 1982.
Xxxxxxx Xxxxxxx, Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Direito à Ocupação Efectiva, Lisboa, 1988, copiografado.
Xxxxx Xxxxx, Cessação do Contrato de Trabalho, copiografado, Coimbra, 1978; «Breves considerações sobre a Lei dos Despedimentos e o Direito do Trabalho», RDE,
1975, n.° 2; «A estabilidade e a promoção do emprego», Anais das 0.xx Jornadas
Luso-Hispano-Brasileiras, Lisboa, 1982.
Xxxxxxx Xxxxxxxx, «Concorrência laborai e justa causa», ROA, 1986.
Messias de Carvalho/V. Xxxxx xx Xxxxxxx, Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, Coimbra, 1984.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, «O despedimento ad nutum e a relevância dos motivos, ESC., n.° 9; «Sobre as recentes limitações ao despedimento individual», in Temas laborais, Coimbra, 1984.
Morais Antunes/Xxxxxxx Xxxxxx, Despedimento e outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Coimbra, 1984.
Xxxxx Xxxxx, «Garantia de emprego e crise económica», RDE, 2.a Série, 1987, n.° 4. Xxxxx Xxxxx x Xxxxx Xxxxxx, O despedimento, Lisboa, 1983.
Xxxxxxxx Xxxxxx, «Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho», Suplemento ao XIV vol. do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra; «O exercício da rescisão por justa causa», ESC, n.° 23; «O despedimento colectivo», ESC, 1978; «A estabilidade no direito do trabalho português», ESC, n.
° 35; «A compensação por despedimento», ESC, 1970; «A recente legislação dos despedimentos», RDES, 1.a Série, 1976; «A repercussão do encerramento definitivo do estabelecimento nos contratos de trabalho», RDES, 1.a Série, 1975; «Notas sobre o abandono do lugar», RDES, 1.a Série, 1975; «Deficiência da nota de culpa e direito de defesa em processo disciplinar», RDES, 2.a Série, 1987, 3; «Justa causa de despedimento: conceito e ónus de prova», RDES, 2.a Série, 1988, 1; «Contrato de trabalho a prazo (desnecessidade de fundamenta-ção objectiva)», RDES, 2.a Série, 1988, 4.
Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxx, A inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos,
Coimbra, 1988.