Marcelo José Carrer2 e Hildo Meirelles de Souza Filho3
Efeito de Ajustes Contratuais sobre a Eficiência de Custo de Propriedades Citrícolas
do Estado de São Paulo1
Marcelo José Carrer2 e Hildo Meirelles de Souza Filho3
Resumo: Este trabalho teve o objetivo principal de analisar o efeito da ocorrência de ajustes contratuais não antecipados sobre a eficiência de custo de propriedades citrícolas. Como referencial teórico, utilizou-se a Nova Economia Institucional. Foram coletados dados primários referentes ao ano-safra 2013/14 junto a uma amostra aleatória de 98 propriedades rurais localizadas no estado de São Paulo, Brasil. Os dados foram analisados por meio de um modelo de fronteira estocástica de custo com determinantes de ineficiência, conforme proposto por Xxxxxxx e Xxxxxx (1995). Verificou-se que a ocorrência de ajustes contratuais nos anos-safra 2011/12, 2012/13 e 2013/14 teve efeito negativo e estatisticamente significativo sobre a eficiência de custo das propriedades. As variáveis de controle utilizadas no modelo econométrico (diversificação da produção e adoção de ferramentas de gestão) também se mostraram importantes para explicar os diferenciais de eficiência de custo das propriedades. Os resultados comprovam as hipóteses estabelecidas em torno das variáveis e têm importantes implicações para a formulação de políticas públicas e estratégias de gestão.
Palavras-chaves: citricultura, eficiência de custo, estruturas de governança, contratos, instituições.
Abstract: This paper aims to analyze the effect of unanticipated contractual adjustments on the cost efficiency of citrus farms. The theoretical framework was based on the New Institutional Economics. Primary data for the crop year 2013/14 were collected from a representative random sample of 98 citrus farms. The single stage model developed by Xxxxxxx and Coelli (1995) was used to estimate the stochastic cost frontier and the determinants of the efficiency of farms. It was found that the occurrence of contractual adjustments in 2011/12, 2012/13 and 2013/14 had a negative and statistically significant effect on the cost efficiency of citrus farms. The control variables used in the econometric model (production diversification and adoption of management tools) also proved to be
1. Data de submissão: 22 de abril de 2016. Data de aceite: 29 de outubro de 2017.
2. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: xxxxxxxxxxxxx@xxxx.xxx.xx
important to explain the cost efficiency differentials. The empirical results confirm the established hypotheses about the variables and have important implications for the formulation of public policies and management strategies.
Key-words: citrus industry, cost efficiency, governance structures, contracts, institutions.
Classificação JEL: D22, D24, L22, L25.
DOI: xxxx://xx.xxx.xxx/00.0000/0000-00000000-00000000000
1. Introdução
Disputas nas transações entre agentes econômi- cos são, em grande medida, tributárias das dificulda- des de realinhamento e adaptação de contratos diante de distúrbios não antecipados (WILLIAMSON, 1996). O mesmo ocorre quando há ações oportunistas com objetivo de capturar quase-rendas (XXXXX et al., 1978; XXXXXXXXXX, 1991; XXXXX et al., 2006). Tais situa-
ções ocorrem com mais frequência quando existe ele- vada especificidade de ativo, assimetria de informação e assimetria de poder de xxxxxxxx entre os agentes econômicos envolvidos na transação (XXXXX, 1989; ROOKS et al., 2006).4 Ademais, diante de um ambiente institucional instável, no qual regras formais e infor- mais não estão bem estabelecidas ou são simplesmente ignoradas pelos agentes, a possibilidade da ocorrên- cia de ajustes contratuais ex-post é significativamente maior (NORTH, 1994).
Todas as condições mencionadas no parágrafo anterior estão presentes, com maior ou menor inten- sidade, no sistema agroindustrial (SAG) citrícola brasi- leiro. Esse SAG é caracterizado pela existência de um número grande de agricultores com baixa capacidade
4. Quase-renda pode ser definida como a diferença entre o valor de um ativo na transação em que ele está envol- vido e o valor deste mesmo ativo em uma outra transação (XXXXX, 1989). Como é bastante difícil renegociar ativos específicos a uma determinada transação em outras tran- sações, tal diferença é positivamente relacionada com a especificidade do ativo. No caso de transações em que o poder de barganha é assimétrico, a captura das quase ren- das pelo agente com maior poder de barganha é facilitada.
de organização horizontal vis à vis um pequeno número de grandes empresas processadoras, caracterizando-se um oligopsônio. As empresas têm adotado um con- junto de estratégias comerciais que são representativas do seu poder nas negociações junto aos agricultores, tais como aumento na proporção da produção pró- pria de laranja (integração vertical parcial), atraso nas compras da laranja dos fornecedores independentes e diferenciação de preços segundo o tamanho do forne- cedor (XXXXXX e XXXXXXX, 2003; XXXXX XXXXX e XXXXXXXX, 2005; XXXXXXXX et al., 2007; XXXXXXXXXX et al., 2013; XXXXX XXXXX et al., 2013).5
Nos anos-safra 2011/12 e 2012/13, houve expan- são na oferta de laranja devido às boas condições cli- máticas, resultando em queda no preço da caixa de laranja abaixo da média histórica. As indústrias passa- ram a solicitar renegociações de preços e quantidades previamente estabelecidas em contratos de compra de laranja, causando queixas por parte dos citricultores e suas organizações. Muitos citricultores foram levados a acatar involuntariamente os ajustes e a reconsiderar suas decisões de produção e de continuidade na ativi- dade. Em grande medida, o citricultor encontra-se fra- gilizado nas transações devido às especificidades física e temporal do produto (laranja) e à presença de poucos
5. Essas práticas comerciais foram reconhecidas no pare- cer do relator do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no processo de nº 08012.003065/2012-21 (Constituição do Consecitrus pela CitrusBR e pela SRB), no qual se estabelece a criação do Consecitrus (conselho de representantes dos citricultores e indústrias processa- doras de suco de laranja). Para mais detalhes, ver Ato de Concentração nº 08012.003065/2012-21 (2014).
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 383
compradores capazes de absorver a grande produção do cinturão citrícola. Há elevada dependência das gran- des processadoras (XXXXX e XXXXXXXX, 2009). Além disso, não há mecanismo de arbitragem e o custo judi- cial de um eventual litígio é elevado. Nessas condições, a credibilidade do citricultor em relação aos compro- missos assumidos pelos compradores de laranja passa a ter grande importância nas suas decisões de produ- ção. Pode-se, portanto, levantar a seguinte questão: a ocorrência desses ajustes contratuais afeta a credibili- dade em relação aos contratos e, por consequência, a eficiência econômica das propriedades citrícolas?
O principal objetivo deste trabalho é testar empi- ricamente o efeito da ocorrência de ajustes nos con- tratos de compra e venda da laranja sobre a eficiência de custo das propriedades citrícolas6. A hipótese cen- tral do estudo é a de que os ajustes contratuais ocor- ridos resultaram em aumento de custos de transação não antecipados, aumento de incerteza e desincenti- vos para os produtores, resultando em queda de inves- timentos e esforços gerenciais; afetando a alocação e o uso dos fatores de produção. O principal resultado do trabalho mostra que há relação negativa e estatis- ticamente significativa entre a ocorrência de ajustes contratuais nas transações de venda de laranja e a efi- ciência de custo das propriedades citrícolas, corrobo- rando com a hipótese central. Ademais, constatou-se que uso de ferramentas de gestão e a diversificação da produção, variáveis de controle utilizadas no modelo econométrico, também são importantes para explicar os diferenciais de eficiência de custo das propriedades analisadas.
6. A medida de eficiência econômica de custo pode ser obtida pela razão entre o custo total mínimo para operar determi- nado volume de produção diante da tecnologia disponível e o custo total observado da firma ao operar esse mesmo volume de produção. A eficiência de custo pode ser des- membrada em dois componentes: (i) eficiência técnica orientada para o uso dos fatores/insumos e (ii) eficiência alocativa. A eficiência técnica orientada para os insumos implica em operar determinado nível de produção com a menor dotação possível de fatores diante da tecnologia de produção disponível. A eficiência alocativa, por sua vez, ocorre quando a firma escolhe a combinação ótima dos fatores de produção diante dos preços relativos dos mes- mos. Nesse ponto, a inclinação da tangente da isoquanta (relação entre os produtos marginais dos fatores) é igual à inclinação da isocusto (relação entre os preços dos fato- res). Portanto, a ineficiência de custo pode resultar de ine- ficiência no uso e/ou na alocação dos fatores de produção.
Além dessa introdução, o artigo está dividido em mais quatro seções. A próxima seção apresenta o refe- rencial teórico adotado para embasar a principal hipó- tese de pesquisa. A seção três apresenta a amostra, as variáveis e o modelo econométrico adotado para rea- lizar as análises. Na quarta seção são apresentados e discutidos os resultados da análise empírica. Por fim, a quinta seção apresenta alguns comentários finais.
2. Referencial teórico e hipótese central
Esse artigo utiliza-se do referencial teórico da Nova Economia Institucional (NEI) para analisar o impacto da ocorrência de ajustes contratuais na efici- ência de custo dos citricultores. A NEI destaca a impor- tância do ambiente institucional e a sua influência sobre os custos de transação ex ante e ex post; aspectos fundamentais para determinar a alocação dos recursos no sistema econômico. Portanto, há uma importante relação entre o ambiente institucional e a eficiência das firmas que operam nesse ambiente. Para North (1994), as instituições são restrições e sistemas sociais de regras e comportamento construídos e compartilhados pela sociedade. As instituições moldam e determinam as interações entre os agentes econômicos, sendo forma- das por um conjunto de regras formais (leis, normas, constituições, regras de diretos de propriedade etc.), informais (códigos de conduta, regras sociais de com- portamento, hábitos estabelecidos etc.) e pelas suas características de enforcement.
Como as instituições fornecem os suportes regu- latório, normativo e coercitivo para as relações econômicas e sociais, elas afetam diretamente o com- portamento7 e as decisões dos agentes, os custos de troca e transformação e, consequentemente, a alocação dos recursos produtivos. As decisões de investimento que a longo prazo determinam o desempenho das fir- mas são condicionadas às expectativas de apropria- ção dos retornos do investimento ao longo do tempo. Por sua vez, os instrumentos formais e informais de
7. Segundo Xxxxxxx (2013), as instituições, ao afetar o com- portamento dos indivíduos, exercem quatro diferentes papéis/funções, quais sejam: (i) restritivo, (ii) cognitivo,
(iii) motivacional e (iv) emocional. Portanto, as instituições podem tanto restringir as ações individuais por meio de regras e sanções como também influenciar as formas como os indivíduos processam informações e tomam decisões sociais e econômicas.
384 ⬩ Efeito de Ajustes Contratuais sobre a Eficiência de Custo de Propriedades Citrícolas do Estado de São Paulo
enforcement dos contratos são mecanismos de garantia dos direitos de apropriação dos retornos de um investi- mento produtivo. Portanto, tais instrumentos têm rela- ção direta com o desempenho das firmas (ORELLANO et al., 2015).
Após o trabalho pioneiro de North (1994), alguns estudos se preocuparam em identificar empiricamente a relação entre o ambiente institucional e o desempe- nho de um conjunto de firmas e/ou países (BRASSELLE et al., 2002; XXXXX e LUU, 2003; XXXXXXXXX et al., 2004; XXXXX e XXXXXXXX, 2008; XXXXX et al., 2011; XXXXXXXX et al., 2015; XXXXXXX e XXXXXXX, 2015).
Tais estudos compartilham do argumento de que as instituições formais (sistema judiciário, regras de direitos de propriedade e regras para fazer negócios, por exemplo) e informais (códigos sociais de conduta comercial, redes sociais de produtores, e hábitos, por exemplo) fornecem todas as regras para a operação das firmas e para as relações comerciais entre firmas, deter- minando, em última instância, as estratégias e os custos de operação e transação desses agentes econômicos. Por exemplo, em um ambiente institucional no qual os contratos sejam totalmente respeitados ou que existam soluções judiciais eficientes para o não cumprimento de contratos, as firmas teriam incentivos para desen- volver estruturas mais eficientes de alocação de recur- sos e operariam com custos de produção e transação mais baixos. Nesse caso, existem incentivos e segurança para planejar no longo prazo e realizar investimen- tos em ativos fixos, o que exerce impacto positivo na eficiência econômica das firmas. Já no caso de não esta- rem bem estabelecidos os mecanismos de enforcement dos contratos e/ou de ajustes contratuais pelos agentes, as firmas encontrariam insegurança, incerteza e restri- ções para alocar seus recursos de forma ótima, ope- rando com altos custos de produção e transação e com baixa eficiência.
Xxxxxxxxxx (1985, 1996) analisou as transações entre os agentes com um enfoque mais microeconô- mico. Ao propor suas três formas básicas de coordena- ção eficiente das transações – mercado clássico (spot), formas híbridas e hierarquia –, considerou a existência de três tipos de contratos. No mercado clássico (spot), em que a transação não é específica e não há esforço
outros, a troca de parceiros acarreta custos negligen- ciáveis, as transações tendem a ser extremamente monetizadas, e a relação contratual é interpretada de forma extremamente legalista.
No outro extremo está a integração vertical ou hie- rarquia, que é utilizada em transações recorrentes e na presença de ativos altamente específicos. As tran- sações são trazidas para dentro da firma e submetidas à hierarquia interna. Essa forma de organização é mais elástica e adaptável diante de distúrbios. O contrato implícito nesse tipo de transação é o de forbearance8. As partes resolvem suas disputas internamente, tendo a hierarquia como corte de apelação. Nesse caso, a adap- tação é facilitada devido ao poder de fiat.
As formas híbridas são de maior importância para o presente artigo, pois são utilizadas quando há inves- timento em ativos específicos, as transações são recor- rentes, mas não há incentivos suficientes para trazer a transação para dentro da firma (integração vertical). Nas formas híbridas, as transações são estabelecidas por meio de contratos neoclássicos, em que as partes mantêm autonomia, mas há dependência bilateral. A identidade das partes assume certa importância em casos de término prematuro ou má adaptação que cau- sem ônus para uma ou ambas as partes. Na ocorrência de distúrbios não antecipados, os contratos podem ser ajustados com maior facilidade, permitindo o realinha- mento e a restauração da eficiência. As partes rejeitam o contrato clássico e preferem o contrato neoclássico porque esse último favorece a continuidade da relação e promove adaptação.
É importante destacar os tipos de distúrbios não antecipados e as possibilidades de adaptações a que estão sujeitos os contratos neoclássicos em formas híbridas de coordenação. Xxxxxxxxxx (1996) sugere três tipos de distúrbios: não consequentes, consequentes e altamente consequentes. Distúrbios não consequentes são pequenos desvios de uma condição de equilíbrio eficiente e não justificam o custo de um possível ajus- tamento. O ganho líquido de um realinhamento seria negativo, dado que solicitações de ajustamento devem ser justificadas e estão sujeitas a revisões, cujos custos ultrapassam os ganhos.
para sustentar a repetição da relação, os contratos clás-
sicos são adotados. Nesse caso, a identidade das partes é irrelevante nas transações. Compradores e vende- dores não possuem relação de dependência uns dos
8. Do inglês forbearance law. A tradução literal para o inglês é tolerância, embora seja mais apropriado se utilizar subordi- nação, dado que o termo está associado ao poder de fiat na relação.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 385
Em situações de distúrbios consequentes, ao con- trário, o ganho líquido de um realinhamento é positivo para uma ou ambas as partes. Distúrbios consequen- tes são tratados de forma mais eficiente em contratos neoclássicos, os quais comtemplam a possibilidade de ajustamento em situações não antecipadas, estabele- cem zonas de tolerância, abertura de informações, bem como formas de arbitragem no caso de as partes não alcançarem voluntariamente um acordo.
Em que pese a vantagem de se estabelecerem ajus- tes, a adaptabilidade dos contratos neoclássicos não é indefinidamente elástica. Se os distúrbios forem alta- mente consequentes, contratos neoclássicos podem gerar forte tensão entre as partes. A arbitragem, além de ser custosa, pode não solucionar disputas, dando lugar ao litígio. Nesses casos, o realinhamento con- tratual cede lugar a uma quebra da relação. As partes possuem autonomia para renunciar as propostas de acordo, bem como não repetir a transação.
Xxxxxxxxxx (1996) chama atenção para situações em que os ajustes são realizados de forma rotineira, sempre que houver adversidade e sem qualquer res- trição. Nesses casos, não haverá incentivo para condu- zir a transação por meio de contratos neoclássicos, para realizar escolhas tecnológicas criteriosas, para compar- tilhar riscos de forma eficiente e para evitar a adversi- dade. A seguir, discute-se a relação entre a ocorrência de ajustes contratuais e a eficiência de custo na pro- dução citrícola e apresenta-se a principal hipótese do estudo.
2.1. Ocorrência de ajustes contratuais e eficiência econômica no SAG citrícola
O SAG citrícola é caracterizado por elevado grau de concentração industrial e grande capacidade de organização da agroindústria processadora frente a milhares de citricultores com pouco ou nenhum poder de mercado e com baixa capacidade de organização (PAULILLO et al., 2007; XXXXXXXXXX et al., 2013).
Outra característica desse SAG é a assimetria infor- macional e de poder de barganha entre agricultores e agroindústria processadora (XXXXXXX, 1996; XXXXX XXXXX e XXXXXXXX, 2005; XXXXXXXX et al., 2007;
XXXXXXXXXX et al., 2013). Na condição de formadora de estoques, a indústria processadora pode influen- ciar a formação de preços e outras condições comer- ciais nas transações com os citricultores. Ademais, por
internalizar cerca de 40% do seu suprimento em poma- res próprios, a indústria tem informação privilegiada sobre previsões de safra e outros aspectos relacionados à produção de laranja (conhecimento de padrões de qualidade, produtividade e de aspectos tecnológicos da produção). Essas informações podem ser utilizadas para a obtenção de vantagens comerciais (por exem- plo, diferenciação de preço e qualidade nas compras da fruta) nas transações junto aos fornecedores indepen- dentes. Azevedo (1996) já havia observado que a estra- tégia de integração vertical poderia ser utilizada como um meio de obter informação relevante ao processo de barganha, gerando efeitos distributivos na cadeia produtiva. Tal estratégia se intensificou nos anos 2000, chegando aos cerca de 40% de pomares próprios da indústria supracitados.
Historicamente, são comuns as queixas de citricul- tores sobre ajustes unilaterais de contratos, que levam à alteração dos parâmetros pré-determinados. Tal con- duta estaria influenciando negativamente a viabili- dade econômica da atividade citrícola (XXXXXXXX e XXXXXXX, 2009; XXXXXXXXXX et al., 2013). Dentre os
principais tipos de ajustes contratuais apontados pelos citricultores, podem-se mencionar: i) alteração no preço acordado; ii) retardamento da recepção da fruta;
iii) dilatamento no prazo para pagamento; iv) aquisi- ções abaixo da quantidade contratada; v) não aquisi- ção de toda a quantidade contratada (XXXXX XXXXX e XXXXXXXX, 2005).
No contexto teórico apresentado por Xxxxxxxxxx (1996), poder-se-ia afirmar que esses ajustes são reali- zados de forma rotineira, na ocorrência de qualquer adversidade e sem muita restrição. Não haveria, então, mais sentido conduzir as transações por meio des- ses contratos, pois os compromissos assumidos não seriam mais críveis. Portanto, citricultores não teriam mais incentivo para realizar transações nessas condi- ções e abandonariam a atividade diante de ausência de melhor governança para transações. Em que pese essa argumentação, o presente artigo não examinará essa possibilidade devido à ausência de dados a respeito de ajustes em contratos por um período mais longo. Assume-se que essa seria uma condição necessária para uma análise dos efeitos dos ajustes rotineiros.
Entretanto, dados primários obtidos para anos-
-safra 2011/12, 2012/13 e 2013/14, que compreendem um período de forte expansão da produção, permi- tem realizar uma avaliação do efeito de um distúrbio
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(crescimento da produção). Se considerarmos que o crescimento da produção foi inesperado, devido a con- dições climáticas excepcionais, então se pode tratar esse distúrbio como consequente, conforme Xxxxxxxxxx (1996). Entretanto, dada a saída de muitos citricultores da atividade, poder-se-ia tratá-lo como distúrbio alta- mente consequente. Nesse caso, as alterações contra- tuais levaram à quebra da relação. Citricultores, diante da possibilidade de um litígio custoso, tomariam a deci- são de não repetir a transação, deixando a atividade.
Pode-se estabelecer a hipótese de que a ocorrên- cia do distúrbio e dos ajustes contratuais solicitados aumentaria os custos de transação para os citricultores, geraria insegurança, desincentivos e redução nos esfor- ços gerenciais na alocação dos recursos e na adoção de novas tecnologias. A hipótese de pesquisa do presente estudo, dado o seu caráter empírico, é a seguinte: os citricultores afetados por um maior número de ajustes contratuais na venda da laranja (redução de preços, redução de quantidade, retardamento da recepção, dilatamento no prazo de pagamento, redução na quantidade contratada e não aquisição) operam suas propriedades rurais com menor eficiência de custo.
A hipótese se fundamenta no argumento de que a ocorrência de ajustes contratuais nos últimos três anos-safra se refletiu em insegurança e incerteza para os produtores. A capacidade dos contratos de gerar incentivos críveis foi reduzida. Consequentemente, os citricultores deixaram de realizar investimentos na produção (insumos, tecnologia e ativos fixos) e em gestão (alocação de recursos e uso de novas práticas gerenciais). Como a citricultura é caracterizada por ele- vado custo de saída (cultura permanente com elevado investimento imobilizados), muitos citricultores conti- nuam repetindo a transação ainda por algumas safras, mas com baixa eficiência técnica e alocativa.
3. Metodologia
3.1. Modelo de fronteira estocástica de custo
Para testar a hipótese central estabelecida e anali- sar outros fatores determinantes da eficiência das pro-
lnCi = C(yi, wi, β) + vi + ui (1)
em que Ci é o custo total de produção da i-ésima firma; C(.) é uma função custo apropriada (translog ou Cobb- Douglas, por exemplo); yi é o logaritmo da produção da i-ésima firma; wi é o vetor de logaritmos dos preços pagos pelos fatores de produção; β é o vetor de parâ- metros a serem estimados; vi é o termo de erro aleatório e ui é o termo de erro não negativo associado à inefici- ência de custo da i-ésima firma. A medida de eficiência econômica de custo da i-ésima firma (EEi) pode, então, ser obtida pela razão entre o custo mínimo represen- tado pela fronteira (com ui = 0) e o custo da firma, o que resulta em:
EEi = e-ui (2)
Para identificar os fatores determinantes da efici- ência de custo, aspecto de maior interesse na análise, adotou-se o modelo de um único estágio proposto por Xxxxxxx e Xxxxxx (1995). Esse modelo tem sido ampla- mente utilizado para analisar as variáveis determi- nantes dos diferenciais de eficiência das firmas que operam em um mesmo mercado (XXXXXX e XXXXXXX, 2004; XXXXXX e XXXXXX, 2008; XXXXXXX et al.,
2010; XXXXXXXXXX et al., 2013; XXXX et al., 2014;
CARRER et al., 2015). De forma geral, os estudos empíricos especificam um conjunto de variáveis para estimar a fronteira de produção, custo ou lucro (a depender do interesse do pesquisador e dos dados dis- poníveis) e um vetor adicional de variáveis para expli- car os diferenciais de eficiência/ineficiência das firmas da amostra.9
O termo de ineficiência u assume uma distribui- ção normal truncada positiva com um parâmetro cons- tante de escala σu2 e um parâmetro m que depende de um vetor adicional de variáveis explicativas (deter- minantes dos diferenciais de eficiência/ineficiência). Assim, a partir da equação (1), é acrescentado um vetor de variáveis z para explicar os diferenciais de eficiência entre as firmas da amostra:
u ~ N+ (μ, σu2) com μ = δz (3)
em que zi é um vetor de variáveis determinantes da ineficiência (e, consequentemente, da eficiência) das
priedades citrícolas, foi feita a estimativa econométrica
de uma fronteira estocástica de custo. O modelo eco- nométrico, em sua forma genérica, pode ser descrito como:
9. Os trabalhos de Xxxxxxx-Xxxxxxxx (2004), Xxxxxx (2008) e Parmeter e Kumbhakar (2014) apresentam discussões detalhadas sobre os aspectos teóricos e aplicados dos dife- rentes modelos de fronteira e determinantes da eficiência.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 387
firmas e δ é um vetor de parâmetros associados às variáveis determinantes da ineficiência/eficiência que devem ser estimados.
Especificou-se uma forma funcional translog para representar a tecnologia de produção. Assim, pode-se representar a fronteira de custo em sua forma especí- fica como:
w3
lnc C m =
0 1 w3 2 w3
β + β lnc w1 m + β lnc w2 m +
w1 2 w1 w2
3.2. Amostra e variáveis de análise
A amostra desse estudo está concentrada no estado de São Paulo, dada a sua grande representati- vidade na produção citrícola brasileira (74% do total produzido em 2013). Para calcular o tamanho da amos- tra de propriedades citrícolas, utilizou-se a divisão regional proposta por Neves (2010), que divide a citri- cultura do estado de São Paulo em cinco regiões: noro- este, norte, centro, sul e castelo. A partir dessa divisão, selecionaram-se as regiões central, sul e norte que, segundo dados do Lupa (2007), compreendem 9.370 propriedades rurais com produção de laranja (50% do
βy lny + β11 1 2 lnc w m + β12 ln w ln w + (4)
3
w2 2
3
w1
3
w2
total no estado). Para calcular o tamanho da amostra,
adotou-se o critério de amostragem aleatória simples.
β22 1 2 lnc w m + βy1 lny ln w
+ βy2 lny ln w +
3 3
y
βyy 1 2 ln2 + v + u
3 Obteve-se uma amostra de 98 propriedades rurais, com erro amostral de 10% e nível de confiança de 95%. Foram coletados dados por meio de entrevistas
As variáveis utilizadas na função de custo estão
descritas na Tabela 1. Percebe-se, a partir de (4), que a variável “dispêndio” (w3) foi utilizada para impor a condição de homogeneidade linear nos preços da fun- ção custo.10 Os parâmetros relacionados a essa variável são obtidos por diferença:
β3 = 1 – (β1 + β2) (5)
β13 = – β11 – β12 (6)
β23 = – β12 – β22 (7)
realizadas pessoalmente junto aos citricultores durante o período de março a setembro de 2014. Adotou-se um questionário estruturado, dividido em quatro blocos de questões: a) características estruturais da produção (uso de fatores, produção e tecnologia); b) aspectos de comercialização (preços e estruturas de governança);
c) características dos produtores e d) ambiente institu- cional e expectativas.
A descrição das variáveis utilizadas para estimar a fronteira de custo e os determinantes da eficiência de custo pode ser observada no Quadro 1. Para uma
β33
= – β13
– β23
(8)
descrição detalhada sobre a escolha das variáveis e outros procedimentos teóricos e metodológicos asso-
βy3 = – βy1 – βy2 (9)
A partir da equação (4) é acrescentado um vetor com quatro variáveis z (Tabela 1) para explicar os deter- minantes de ineficiência de custo das propriedades rurais da amostra:
μi = δ1z1i + δ2z2i + δ3z3i + δ4z4i (10)
Os parâmetros das equações (4) e (10) foram estimados simultaneamente por meio de procedi- mentos de máxima verossimilhança utilizando-se o pacote “frontier ” (XXXXXX e XXXXXXXXXX, 2013) no software estatístico “R”.
10. É importante mencionar que a variável adotada para impor a restrição de homogeneidade linear nos preços não interfere nos resultados dos parâmetros e índices de eficiência estimados.
ciados à fronteira de custo, ver Carrer e Xxxxx Xxxxx (2016). O presente estudo tem o foco principal na aná- lise do efeito dos ajustes contratuais e das variáveis de controle (variáveis z) sobre a ineficiência de custo das propriedades rurais. No Quadro 1, além da variável “ajustes contratuais”, estão três variáveis de controle dos determinantes da eficiência: “diversificação”, “fer- ramentas de gestão” e “greening”.
A variável “ajustes contratuais” consiste de um índice com valor de 0 a 6 que mede a ocorrência de até seis diferentes tipos de ajustes contratuais na venda de laranja nos anos-safra 2011/12, 2012/13 e 2013/14. Essa é a principal variável de interesse na análise econo- métrica, cuja hipótese foi apresentada e discutida na seção 2.
A variável “diversificação” consiste também de um índice, HHI, calculado a partir da área total e da área
388 ⬩ Efeito de Ajustes Contratuais sobre a Eficiência de Custo de Propriedades Citrícolas do Estado de São Paulo
Quadro 1. Variáveis adotadas para estimar a fronteira de eficiência de custo e os determinantes da eficiência de custo
Variável | Descrição |
Custo (C)* | Gasto total com os fatores de produção mão de obra, capital, fertilizantes e defensivos (somatório dos preços médios multiplicados pelas quantidades físicas utilizadas) |
Produção (y) | Número de caixas de 40,8 kg de laranja produzidas na safra 2013/14 |
Preço da mão de obra (w1) | Gasto total com mão de obra dividido pela quantidade de horas trabalhadas na safra 2013/14 = preço da hora de trabalho |
Preço do capital (w2) | Somatório dos gastos com manutenção, depreciação, óleo diesel e energia elétrica dividido pela quantidade de horas máquina utilizada na safra 2013/14 = preço da hora máquina |
Dispêndio (w3) | Gasto total com fertilizantes NPK + gasto total com defensivos (produtos fitossanitários) dividido pelo número de pés de laranja em produção na safra 2013/14 |
Ajustes contratuais (z1) | Índice com valor de 0 a 6 que mede a ocorrência de até seis diferentes tipos de ajustes contratuais na venda de laranja nos anos-safra 2011/12, 2012/13 e 2013/14: i) redução no preço acordado; ii) retardamento na recepção da fruta; iii) dilatamento do prazo de pagamento; iv) redução da quantidade contratada; v) não aquisição; vi) outro ajuste que gerou perda financeira considerável. |
Diversificação (z2) | Índice Herfindahl-Hirschman (HHI) calculado a partir da área total e da área com diferentes cul- turas agropecuárias nas propriedades rurais. Apresenta valor entre 0 e 1 e, quanto mais próximo de 1, mais concentrada a produção rural em apenas uma cultura. |
Ferramentas de gestão (z3) | Índice com valor de 0 a 7 que mede o uso das seguintes ferramentas de gestão: i) planilhas eletrôni- cas de custo; ii) registros eletrônicos de estoque de insumos; iii) registros eletrônicos de produção, produtividade e incidência de doenças por talhão; iv) uso de sistemas informatizados e integrados de gestão/sistemas de apoio à tomada de decisão; v) acesso à internet para acompanhamento do mercado; vi) técnicas de agricultura de precisão; vii) certificações de qualidade. |
Greening (z4) | Variável obtida a partir do percentual de incidência de greening nos pomares em produção. |
* Não estão incluídos custos com formação de pomar, custos associados ao uso da terra, custos de transporte e custos de oportunidade. Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx (2016) apresentam justificativas para a não inclusão de tais variáveis.
Fonte: Elaborado pelos autores.
com diferentes culturas agropecuárias nas proprieda- des rurais. A diversificação pode ser considerada uma estratégia de hedge, reduzindo o risco de dependên- cia do agricultor de uma única atividade rural. Assim, o produtor que diversifica mais a sua produção reduz a dependência da receita da propriedade com relação à citricultura. Ademais, permite economia de escopo, dada a redução na ociosidade de fatores de produção, capital e trabalho, cujo uso poderia ser melhor distri- buído em diversas culturas. Como os preços da caixa de laranja são bastante baixos nos anos-safra 2011/12 e 2012/13, é possível que agricultores com produ- ção diversificada tenham utilizado o caixa gerado em outras atividades para cobrir os prejuízos da citricul- tura, não tendo reduzido consideravelmente seus investimentos nessa última atividade. A diversificação pode ainda resultar em melhor uso de mão de obra e esforços gerenciais, que, em propriedades com maior diversificação, são mais bem distribuídos entre as ati- vidades ao longo do ano (XXXXXX e XXXXXXX, 2004; XXXXXXXXXX et al., 2013). Assim, espera-se que pro- priedades rurais com produção diversificada sejam economicamente mais eficientes do que aquelas foca- das exclusivamente na citricultura.
A variável “ferramentas de gestão” mensura a ado- ção de sete ferramentas gerenciais para a tomada de decisões técnicas e econômicas na produção citrícola. O uso de ferramentas de gestão é fundamental para o planejamento e controle das atividades estratégicas e operacionais. Por exemplo, ao adotar planilhas ele- trônicas para controle de custos, é possível estabelecer objetivos de redução de custo a partir de informações contábeis do passado, bem como monitorar o cumpri- mento de tais objetivos. Ferramentas de acesso à inter- net e de agricultura de precisão têm efeito semelhante, pois possibilitam um maior controle sobre o desem- penho econômico da firma. Assim, produtores que adotam um número maior de ferramentas de gestão conseguem coordenar e otimizar processos produti- vos, bem como melhorar o uso e a alocação de fatores de produção. Xxxxxx et al. (2015) constataram que essas ferramentas têm impacto positivo e estatisticamente significativo sobre a eficiência técnica/produtividade das propriedades citrícolas. Portanto, espera-se que essa variável também seja importante para explicar a eficiência de custo das propriedades rurais.
Por sua vez, a variável “greening” visa controlar o efeito da incidência dessa doença sobre a eficiência
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 389
Tabela 1. Estatísticas descritivas das variáveis adotadas na análise econométrica
Variável | Média | Desvio padrão | Mínimo | Máximo |
Custo (C) (em R$) | 925.449,02 | 1.291.540,71 | 23.412 | 7.091.490 |
Produção (y) (em caixas) | 59.281,91 | 82.677,26 | 600,00 | 500.000,00 |
Preço da mão de obra (w1) (em R$) | 8,41 | 1,36 | 6,11 | 11,74 |
Preço do capital (w2) (em R$) | 18,37 | 3,01 | 12,1 | 26,35 |
Dispêndio (w3) (em R$) | 5,32 | 2,16 | 0,93 | 11,57 |
Ajustes contratuais (z1) | 1,43 | 1,68 | 0 | 6 |
Diversificação (z2) | 0,60 | 0,27 | 0,15 | 1 |
Ferramentas de gestão (z3) | 3,18 | 2,04 | 0 | 7 |
Greening (z4) | 0,11 | 0,15 | 0 | 0,8 |
Fonte: Elaborado pelos autores. |
de custo das propriedades.11 Diante dos efeitos nega- tivos do greening na produção citrícola e do aumento nos gastos com defensivos e inspeções nas proprie- dades com alta incidência, espera-se encontrar efeito negativo dessa variável sobre a eficiência de custo das propriedades.
As estatísticas descritivas das variáveis incluídas na análise podem ser observadas na Tabela 1. Na média da amostra, o custo de produção foi de R$ 955.449,02, com mínimo de R$ 23.412, máximo de R$ 7.091.490,00 e desvio padrão de R$ 1.291.540,71. A produção média, por sua vez, foi de 59.282 caixas de 40,8 kg. Os gas- tos com defensivos e fertilizantes (variável dispêndio) representaram, na média da amostra, a maior parcela dos custos (58%), sendo que o índice de preço médio dos defensivos e fertilizantes por planta em produção foi de R$ 3,22. A mão de obra representou, em média, 23% do custo das propriedades e o preço médio da hora de mão de obra foi de R$ 8,41. O gasto médio por hora máquina foi de R$ 18,37 e o capital representou, em média, 19% do custo das propriedades. Percebe-se que, na média da amostra, os citricultores foram afe- tados em algum momento por 1,43 dos 6 problemas contratuais investigados, adotam 3,18 ferramentas de gestão e seus pomares possuem 11% de incidência de greening. O índice HHI para diversificação/concen-
11. O greening (Huanglongbing/HLB) é uma doença que foi identificada pela primeira vez na citricultura brasileira em 2004. Ele é causa de grande preocupação para os citricul- tores devido à velocidade em que se espalha do seu lugar original para outras regiões. As árvores jovens contami- nadas pelo greening não produzem e as árvores que pro- duzem têm grande perda no número de frutos. Pomares com alta incidência da doença devem ser completamente erradicados, uma vez que praticamente todas as plantas, incluindo aquelas sem sintomas, podem estar contamina- das (NEVES, 2010).
tração da produção apresentou valor médio de 0,60, com mínimo de 0,15 e máximo de 1. Vale lembrar que, quanto mais próximo da unidade, mais concentrada a produção rural em poucas culturas (ou, no limite, ape- nas uma).
4. Análise dos resultados
A Tabela 2, a seguir, apresenta os resultados do modelo econométrico de fronteira e determinantes da ineficiência de custo.
Pelo teste de razão de máxima verossimilhança, pode-se rejeitar a hipótese nula de que não há inefi- ciência de custo na produção de laranja das proprie- dades analisadas com 1% de significância estatística. Portanto, o modelo econométrico com ineficiência de custo é mais adequado do que os modelos tradicionais de custo estimados por MQO. Foram testadas tam- bém hipóteses em torno da forma funcional adotada para representar a tecnologia de produção, sendo que a translog mostrou-se mais adequada. Por sua vez, o parâmetro de variância γ apresentou valor de 0,678 e significância estatística ao nível de 1%, indicando que o termo de ineficiência é importante para explicar os desvios das propriedades com relação à fronteira de custo. As condições de monotonicidade e concavidade nos preços dos fatores foram checadas e satisfeitas para a média da amostra.12
Dentre os 15 parâmetros estruturais (b´s) da fron- teira de custo, seis se mostraram estatisticamente sig- nificativos. A partir desses parâmetros estruturais é
12. Foram também calculadas as correlações entre as variá- veis para identificar a existência de multicolinearidade no modelo, a qual foi rejeitada.
390 ⬩ Efeito de Ajustes Contratuais sobre a Eficiência de Custo de Propriedades Citrícolas do Estado de São Paulo
Tabela 2. Parâmetros estimados da fronteira de custo e determinantes da
ineficiência de custo das propriedades rurais | |||
Variável | Parâmetro | Coeficiente | Pr(>|z|) |
Constante | β0 | -0,2842 | 0,000*** |
lnw1 (preço mão de obra) | β1 | 0,0597 | 0,310 |
lnw2 (preço capital) | β2 | 0,6083 | 0,000*** |
lnw3 (dispêndio) | β3 | 0,3320 | 0,000*** |
lny (produção) | βy | 0,9273 | 0,000*** |
lnw1 x lnw1 | β11 | -0,3117 | 0,872 |
lnw1 x lnw2 | β12 | 0,3771 | 0,389 |
lnw1 x lnw3 | β13 | -0,0654 | 0,256 |
lnw2 x lnw2 | β22 | -0,6180 | 0,449 |
lnw2 x lnw3 | β23 | 0,2409 | 0,395 |
lnw3 x lnw3 | β33 | -0,1755 | 0,332 |
lny x lny | βyy | 0,1000 | 0,000*** |
lny x lnw1 | βy1 | -0,0575 | 0,892 |
lny x lnw2 | βy2 | -0,0036 | 0,962 |
lny x lnw3 | βy3 | 0,0611 | 0,092* |
Determinantes ineficiência de custo | |||
z1 (ajustes contratuais) | δ1 | 0,1487 | 0,000*** |
z2 (diversificação/concentração) | δ2 | 0,2964 | 0,030** |
z3 (ferramentas gestão) | δ3 | -0,0975 | 0,002*** |
z4 (greening) | δ4 | 0,0868 | 0,731 |
Parâmetros de variância σs 0,0697 0,000*** 2 | |||
γ | 0,6780 | 0,000*** | |
Log-Likelihood | 14,356 | ||
Chi-squared | 64,504 | 0,000*** | |
Eficiência média | 0,777 | ||
N = 98 |
* Significativo ao nível de 10%; ** Significativo ao nível de 5%; *** Significativo ao nível de 1%. Fonte: Elaborado pelos autores.
possível calcular os índices de economias de escala, as parcelas ótimas dos fatores de produção e as elasticida- des de substituição entre os fatores. Entretanto, apre- senta-se aqui apenas a análise do efeito da ocorrência de ajustes contratuais e das variáveis de controle sobre a eficiência de custo das propriedades rurais.13 A distri-
13. Xxxxxx x Xxxxx Xxxxx (2016) analisaram a escala ótima de produção, as parcelas ótimas dos fatores de produção e as elasticidades de substituição entre os fatores a partir da estimativa econométrica de uma fronteira de custo trans- log. Os autores identificaram que a escala ótima (escala de custo médio mínimo) de produção de laranja está entre 150.000-300.000 caixas e que há considerável espaço para redução no custo de produção das propriedades. Ademais, constatou-se também que as propriedades rurais mais efi- cientes em custo são mais intensivas em capital (e menos em trabalho). O presente artigo adota a mesma base de dados e faz uma análise complementar àquela realizada por Xxxxxx x Xxxxx Xxxxx (2016).
buição dos índices de eficiência de custo das proprie- dades rurais pode ser observada na Tabela 3.
Tabela 3. Distribuição dos índices de eficiência de custo das 98 propriedades rurais analisadas
Índices de eficiência Número de propriedades de custo rurais | |
< 50% | 8 |
50-70% | 19 |
70.01-80% | 18 |
80.01-90% | 23 |
> 90.01% | 30 |
Eficiência média 0,777
Desvio padrão 0,159
Máximo 0,967
Mínimo 0,374
Fonte: Elaborado pelos autores.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 391
Os índices de eficiência de custo das propriedades rurais analisadas apresentaram-se entre o mínimo de 37,4% e o máximo de 96,7%, com média de 77,7% e des- vio padrão de 15,9%. Neste modelo, a firma mais efi- ciente da amostra opera com possibilidade de reduzir seu custo em apenas 3,3% diante da mesma produção e do mesmo vetor de preços pagos pelos fatores. Já a firma menos eficiente da amostra poderia operar com um custo de produção 62,6% mais baixo caso utilizasse os fatores de forma mais eficiente e/ou combinasse-
-os de forma ótima diante de seus preços relativos. Ademais, verifica-se que, em média, as propriedades rurais analisadas poderiam reduzir o custo em consi- deráveis 22,3% apenas alterando a combinação dos fatores de produção e utilizando-os de forma mais efi- ciente. Nota-se, também, que há considerável diferença entre os índices de eficiência de custo das propriedades, com 27,5% da amostra operando com eficiência inferior a 70% vis à vis 30,6% operando com eficiência superior a 90%. Xxxxxxxx et al. (2015) e Xxxxxx et al. (2015) tam- bém analisaram índices de eficiência e seus determi- nantes com base em dados de propriedades citrícolas. Xxxxxxxx et al. (2015) adotaram um modelo de análise envoltória de dados (DEA) e constataram que a efici- ência técnica média das propriedades foi de 79% e que nove propriedades estavam operando com eficiência de 100%. Os autores verificaram também que a escola- ridade e a experiência dos produtores exercem impacto positivo e significativo sobre os índices de eficiência téc- nica das propriedades. Xxxxxx et al. (2015) utilizaram a abordagem de fronteira estocástica com uma tecnologia de produção translog e constataram que a eficiência téc- nica média das propriedades foi de 75%, com mínimo de 29% e máximo de 97%. Os autores encontraram ainda evidências de que o uso de ferramentas geren- ciais, a formação de expectativas favoráveis e a adoção de contratos de longo prazo têm efeito positivo e esta- tisticamente significativo sobre os índices de eficiência técnica das propriedades. O presente estudo se dife- rencia dos estudos mencionados ao trabalhar com uma fronteira de custo e, consequentemente, estimar índices
de ferramentas de gestão e a diversificação da produ- ção apresentaram significância estatística e sinal espe- rado. Conforme discutido na seção três e constatado nos resultados do modelo estimado, o uso de ferra- mentas de gestão é importante para otimizar o pro- cesso de tomada de decisões dos produtores rurais. Essas ferramentas melhoram o planejamento e con- trole da produção e, consequentemente, a eficiência no uso e na alocação dos fatores de produção nas proprie- dades citrícolas. Esse resultado está em consonância com aquele encontrado por Xxxxxx et al. (2015), evi- denciando que o uso de ferramentas de gestão, além de afetar positivamente a eficiência técnica, também afeta a eficiência alocativa das propriedades citríco- las. O índice de diversificação/concentração da produ- ção (quanto mais próximo de um, mais concentrada a produção rural) apresentou efeito negativo sobre a efi- ciência de custo das propriedades rurais. A diversifi- cação da produção apresentou elevada correlação com a área total (conjunto de todas as culturas) das pro- priedades, o que indica que propriedades com maior nível de diversificação da produção são também pro- priedades de maior porte no conjunto de atividades rurais.14 Portanto, além das vantagens da diversificação já mencionadas na seção três (economia de escopo e melhor distribuição no uso dos fatores de produção ao longo do ano), pode-se dizer que estas propriedades, por comprarem maior volume de insumos, obtêm eco- nomias de escopo relacionadas às suas transações na compra de insumos (pagamento de preços mais baixos e outras). Esse resultado está alinhado à hipótese de Neves (2010) de que a diversificação é uma estratégia gerencial com potencial de aumentar a eficiência nas propriedades citrícolas do estado de São Paulo.
O parâmetro da variável ajustes contratuais, que é
de maior interesse na análise, apresentou efeito posi- tivo e estatisticamente significativo ao nível de 1% sobre a ineficiência de custo das propriedades (nega- tivo sobre a eficiência). O efeito marginal da variável, calculado para a média da amostra, adotando-se o pro- cedimento proposto por Xxxxx e Xxxxxxxxxx (2011),
de eficiência econômica de custo. Ademais, preocupa-
-se, prioritariamente, em investigar como aspectos das relações comerciais entre citricultores e indústria pro- cessadora de suco podem afetar o uso e a alocação dos fatores de produção nas propriedades citrícolas.
Dentre as variáveis de controle utilizadas no modelo de determinantes da eficiência de custo, o uso
14. A diversificação da produção apresenta correlação com a área total (conjunto de todas as culturas) das proprieda- des, o que indica que propriedades com maior nível de diversificação da produção são também propriedades de maior porte no conjunto de atividades rurais. Para com- provar, regressou-se a área total com o índice de diversifi- cação/concentração, obtendo-se o sinal esperado e signifi- cância estatística ao nível de 1%.
392 ⬩ Efeito de Ajustes Contratuais sobre a Eficiência de Custo de Propriedades Citrícolas do Estado de São Paulo
mostra que cada ajuste contratual reduz a eficiência de custo em 2,26%, ceteris paribus. Ou seja, um produtor que teve os seis ajustes contratuais investigados nos últimos três anos tende a operar sua propriedade com eficiência de custo 13,56% inferior à de um produtor que não teve os ajustes investigados. Esse resultado comprova a hipótese central do estudo, estabelecida na seção 2.
Assim, é plausível argumentar que a ocorrên- cia de ajustes contratuais nos últimos três anos gerou insegurança para os produtores e, consequentemente, desincentivos à adoção criteriosa de tecnologias de produção, ferramentas de gestão e ao uso adequado de insumos. Esses fatores afetam diretamente na efici- ência técnica (componente da eficiência de custo) das propriedades rurais. A ausência de incentivos típicos de contratos neoclássicos tende ainda a aumentar os custos de transação e gerar problemas de alocação dos fatores de produção. Diante das expectativas desfavo- ráveis resultantes da ocorrência de ajustes contratuais subsequentes, os citricultores deixam de acessar infor- mações e de utilizar ferramentas que poderiam auxiliá-
-los na alocação dos fatores de produção diante de seus preços relativos.
O resultado final dos efeitos acima mencionados é uma redução na eficiência econômica da produção citrícola dos citricultores mais afetados por ajustes contratuais, conforme constatado no modelo econo- métrico estimado. Poder-se-ia argumentar que esses citricultores deveriam deixar a atividade devido à ine- ficiência econômica. Contudo, devido ao elevado custo de saída, uma parcela dos produtores tende a conti- nuar operando na atividade por mais algumas safras, mesmo com menor eficiência econômica.15 Isso torna a questão dos ajustes contratuais ainda mais crítica, visto que o produtor rural pode aumentar seu nível de endividamento para conseguir continuar a produ- ção, chegando, em última instância, a perder todo seu patrimônio.
15. A idade média dos pomares dos citricultores com índi- ces de eficiência inferiores a 70% (baixa eficiência) é de oito anos. Isso indica que os pomares desses produtores estão na fase biológica de alta produção e ainda possuem aproximadamente seis anos para continuar produzindo. O custo de deixar a atividade com os pomares nessa fase produtiva é consideravelmente alto.
5. Conclusões
Esse artigo teve o objetivo principal analisar o efeito da ocorrência de ajustes contratuais na venda da laranja sobre a eficiência de custo de proprieda- des citrícolas. Por meio da estimativa de uma fron- teira de custo translog, foi observado que, na média da amostra, a ineficiência de custo é de 22,3%, indicando potencial de redução de custos sem alterar o volume de produção e/ou o uso dos fatores nas propriedades. Verificou-se que a ocorrência de ajustes contratuais afeta negativamente a eficiência de custo das proprie- dades, confirmando-se, assim, a principal hipótese do estudo. Ademais, propriedades com produção rural mais diversificada e gerenciadas por agricultores que adotam um maior número de ferramentas de gestão possuem maior eficiência em custo na citricultura.
Do ponto de vista teórico, a principal contribuição do trabalho está na constatação de que fatores gera- dores de custos nas transações de venda do produto (ajustes contratuais não antecipados diante de distúr- bios) afetam a alocação dos recursos dentro das firmas, reduzindo a eficiência econômica. A principal impli- cação desse resultado é a necessidade do desenvolvi- mento de formas híbridas de governança que reduzam a ocorrência de distúrbios altamente consequentes em contratos neoclássicos, reduzindo custos de transação e gerando incentivos para melhor alocação dos fatores de produção. Caso contrário, a hierarquia, ou o mercado, tornam-se as estruturas de governança mais viáveis. No caso do SAG citrícola, a determinação, em 2012, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a formação de um conselho com representantes das empresas processadoras e dos citricultores não deixa de ser uma proposta para desenvolvimento de uma nova governança.16 Nessa proposta, está explícita
16. O Consecitrus é um conselho formado por organizações representantes dos citricultores e da indústria proces- sadora de suco que tem o objetivo central de definir um modelo de precificação da caixa de laranja baseado em princípios de repartição de sobras a partir da participa- ção de cada agente na formação do preço final do suco de laranja. A criação do Consecitrus foi determinada a partir de um Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) acordado entre o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE) e as empresas Citrovita e Citrosuco, que fundiram suas operações em 2011. Esse modelo ainda estava sendo discutido entre os agentes envolvidos quando esse texto foi concluído.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx ⬩ 393
a necessidade de reduzir a assimetria de informação e de poder de barganha existente entre as partes.
Os resultados empíricos desse estudo têm impli- cação para a formulação de políticas públicas. Ajustes contratuais frequentes, associados ao exercício de poder de barganha e falhas institucionais, causam ine- ficiência econômica e, consequentemente, redução de bem-estar. Uma melhor regulação das relações comer- ciais, tal que haja compensação para o elevado poder de barganha da agroindústria processadora, reduzi- ria a ocorrência de ajustes altamente consequentes. Tal redução, por sua vez, pode se refletir em maior eficiên- cia econômica na produção de laranja.
Para estudos futuros, recomenda-se a análise do impacto da criação de novas governanças na redução, ou aumento, da ocorrência de distúrbios e suas con- sequências para os contratos neoclássicos. Análises de eficiência com dados em painel e o desenvolvimento de outros indicadores para mensurar a ocorrência de ajustes contratuais são também desejáveis.
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