TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO | CÍVEL
Acórdão
Processo
21074/18.2T8PRT.P1
Data do documento
15 de abril de 2021
Relator
Xxxx Xxxxxx
DESCRITORES | ||
Nulidade da sentença personalidade jurídica | > Cláusula penal | > Desconsideração da |
SUMÁRIO
I - Mencionando-se na fundamentação jurídica da sentença que «só» dois dos quatro Réus são responsáveis pelo incumprimento de um contrato promessa e depois se decide condenar todos os Réus a pagar uma indemnização derivada do incumprimento, ocorre oposição entre fundamentos e decisão, a qual sustenta a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, c), do C. P. C..
II - A «simples» transmissão de imóvel, objeto de contrato promessa, por parte dos promitentes vendedores a uma empresa terceira não contraente, não significa que aqueles tenham cedido a sua posição contratual a esta empresa.
III - Por força dessa transmissão do imóvel, não é possível ao promitente não faltoso obter execução específica do contrato promessa sem eficácia real.
IV - Demonstrando-se que os promitentes vendedores usaram uma empresa para não só impedirem a venda ao promitente comprador mas também para continuarem a poder beneficiar da propriedade do imóvel objeto de contrato promessa, deve recorrer-se ao instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa.
V - Por ter sido estipulada uma cláusula penal a exercer no caso de
incumprimento do contrato promessa, o promitente não faltoso não necessita de provar o valor dos danos que sofreu com o incumprimento da parte contrária.
TEXTO INTEGRAL
Processo n.º 21074/18.2T8PRT.P1.
*
1). Relatório.
B…, Unipessoal, Lda., com sede na Rua…, n.º …., …, …, Porto, C… Unipessoal, Lda., com sede na Xxx…, x.x …, Xxxxx,
D…, Lda., com sede na Travessa…, …, Vila Nova de Cerveira, propuseram Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra E…, e mulher, F…, residentes na Rua…, .., Porto,
G…, casado com H…, residente na Rua…, …, Lagos,
I…, Lda., com sede na Rua…, n.º …, Lisboa, pedindo que:
se declare a nulidade, por simulação, dos contratos celebrados pelos 1.º e 2.º Réus com a 3ª Ré;
se ordene o cancelamento das apresentações junto da X. X. X. xx Xxxxxx AP3135, de 2018/09/13 e AP3466, de 2018/09/26;
se profira sentença nos termos do artigo 830.º, do C. C., produzindo-se os efeitos da declaração negocial em falta pelos Réus relativamente à celebração da escritura de compra e venda do identificado prédio urbano sito na Rua…, .., Porto, nos termos do contrato promessa de compra e venda (documento n.º 1) e de cessão da posição contratual (documento n.º 3).
os Réus sejam condenados solidariamente no pagamento da quantia de 453
530 EUR a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais
descriminados como consta do artigo 55.º da petição inicial;
Os Réus sejam condenados solidariamente no pagamento da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença a título de despesas judiciais e honorários a Mandatários Forenses constituídos, no pagamento dos juros legais vencidos e vincendos sobre as quantias acima referidas, desde a sua citação até efetivo pagamento.
Para o efeito, alegam em síntese que:
…………………………………………
…………………………………………
…………………………………………
*
Citados, contestaram os Réus do modo que a seguir se resume:
…………………………………………..
……………………………………………
………….…………………………………
*
Replicaram as Autoras pugnando pela improcedência da reconvenção.
Após ter sido conferida oportunidade pelo tribunal recorrido, pronunciaram-se as Autoras sobre as alegadas exceções, pedindo igualmente a sua improcedência.
*
Foi proferido despacho ao abrigo do artigo 590.º, n.º 2, b), do C. P. C., a convidar as Autora a aperfeiçoarem os pedidos que formulam na sua petição inicial, individualizando-os e concretizando quem formula os pedidos e contra quem são formulados, nas diversas alíneas.
*
Em resposta, vieram as Autoras esclarecer os pedidos do seguinte modo:
B…, Unipessoal Lda. e C…, Unipessoal Lda.:
1- Os pedidos formulados pelas Autoras nas alíneas a) e b) são formulados em conjunto pelas três Autoras contra os três Réus;
2). O pedido formulado na alínea c) também é formulado pela D…, Lda., contra os 1ºs. e 2ºs. Réus;
3). os demais pedidos formulados nas alíneas d), e), f) e g) são formulados em conjunto pelas três Autoras contra os três Réus.
D…, Lda.:
a) A condenação da 3.ª R., enquanto cessionária da posição contratual que os 1.º e 2.º RR. ocupavam no CPCV, na execução específica do contrato promessa nos termos do artigo 830.º/1 do CC contra a quantia 1 593 140 EUR que é o preço de venda acordado de 2 milhões de euros, deduzidas as entregas de 406 860 EUR já efetuadas e,
b) A condenação da 3.ª R. nas custas do processo e honorários de mandatários e demais despesas a que deu e dará azo com o seu incumprimento e, subsidiariamente, nos termos do artigo 554.º CPC, requer:
c) A declaração da nulidade dos dois negócios simulados titulados pelas escrituras que se juntam e que deram base aos registos que devem ser cancelados e,
d) A condenação dos 1º e 2º RR., E… e G…, na execução específica do contrato- promessa nos termos do artigo 830.º/1 do CC contra a quantia 1 593 140 EUR que é o preço de venda acordado de 2 milhões de euros, deduzidas as entregas de 406 860 EUR já efetuadas e,
e) A condenação dos 1.º e 2.º RR. nas custas do processo e honorários de mandatários e demais despesas a que deram e darão azo com o seu incumprimento.
*
Foi elaborado despacho saneador onde se julgaram improcedentes as alegadas exceções de ineptidão e ilegitimidade.
Elencou-se o objeto de litígio e os temas de prova. Foi admitido liminarmente o pedido reconvencional.
*
Foi realizada audiência de julgamento. Proferiu-se sentença onde se decidiu:
«A- Condenar solidariamente os réus E…, G… e I…, Lda., a pagarem aos autores B…, Unipessoal, Lda., C…, Unipessoal, Lda. e D…, Lda., todos com os demais sinais dos autos, quantia global de 453.530,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até pagamento.
B- Absolver os réus e os autores acima identificados, dos demais pedidos contra eles formulados, tanto em sede de acção, como de excepção ou de reconvenção.».
*
Inconformados, recorrem:
Autoras, formulando as seguintes conclusões:
«I – Foram violadas as normas constantes dos artigos 240.º, 830.º e 762.º do Código Civil.
II – As Autoras, ora Recorrentes, vêm interpor recurso da sentença proferida nos autos à margem referenciados, em 02 de Outubro de 2020, que julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, tendo decidido:
c) condenar solidariamente os réus E…, G… e I… Lda., a pagarem aos autores B…, Unipessoal, Lda., C…, Unipessoal, Lda. e D…, Lda., todos com os demais
sinais dos autos, a quantia global de 453.530,00€ (quatrocentos e cinquenta e três mil quinhentos e trinta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até pagamento; e
d) absolver os réus e os autores acima identificados, dos demais pedidos contra eles formulados, tanto em sede de acção, como de excepção ou de reconvenção.
III – As Autoras, ora Recorrentes, não se conformam com a decisão proferida nos autos na medida em que, salvo o devido respeito, a mesma padece de vícios graves tanto no que diz respeito à matéria de facto provada, como no âmbito do direito aplicável no caso concreto, padecendo de nulidades nos termos das alíneas c) a d) do artigo 615.º do CPC, na medida em que deixou de pronunciar-se sobre questões de que deveria apreciar e conhecer, assim como está viciada por erro de julgamento, pelas razões que constam da motivação supra.
IV – Consideram as Recorrentes que o Tribunal a quo deveria ter atendido a todos os factos relevantes para a decisão da causa carreados para os autos, o que, salvo o devido respeito, não fez, não se podendo, portanto, conformar com a fundamentação manifestamente insuficiente e deficitária da sentença proferida em 1.ª instância, que manifesta inclusive uma grave desconsideração de alguns factos determinantes para a apreciação e boa decisão da causa, corroborados por alguns elementos de prova fundamentais constantes dos autos.
V – Nessa medida, primeiramente importará impugnar a decisão relativa à matéria de facto dada como provada e não provada, assinalando as respetivas deficiências, alterações ou aditamentos exigíveis, em face da prova produzida nos presentes autos, nomeadamente através da reapreciação da prova gravada em audiência.
VI – Depois, conforme se demonstrou, em face da correta apreciação da factualidade vertida e comprovada nos autos, o Tribunal a quo deveria, antes
de qualquer tomada de posição definitiva, ter procurado a solução mais justa mediante a adequada aplicação do direito ao caso concreto, o que, salvo o devido respeito, que é muito, cremos que não se sucedeu, quando o Mm.º Juiz deixou de (acreditar) defender e pugnar pela procedência do pedido de execução específica do contrato promessa de compra e venda de imóvel sub judice, pelos motivos que se demonstraram.
VII – O objecto do presente Recurso prende-se com a execução específica de um contrato promessa de compra e venda, celebrado em 14 de Julho de 2017, sobre o prédio urbano composto de 5 pisos, destinado a habitação, com quintal, sito na Rua…, nº .., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 79/19940526 e inscrito na matriz sob o n.º 891, doravante designado apenas por “Prédio”.
VIII – A 5 de Julho de 2018, foi cedida à 3.ª Autora a posição contratual das 1.ª e 2.ª Autoras, enquanto promitentes-compradoras no sobredito contrato promessa de compra e venda.
IX – Os 1.ºs e 2.ºs Réus, enquanto promitentes-vendedores não compareceram, por duas vezes, à escritura pública de compra e venda, nas duas datas agendadas para o efeito (em 04-09-2018 e 17-09-2018), as quais foram devidamente convocadas nos termos legais e as respetivas comunicações devidamente recepcionadas pelos destinatários.
X – Entretanto, os 1.ºs e 2.ºs Réus transmitiram a sua quota-parte do Prédio para a 3.ª Ré, I…, LDA, a título de entrada no capital da referida sociedade, conforme resulta comprovado na certidão predial permanente junta aos autos como documento nº 18 da p.i. – correspondente às AP. 3135, de 2018/09/13 e AP. 3466 de 2018/09/26 relativamente aos Réus E… e G…, respectivamente.
XI – Furtando-se, portanto, os 1.ºs e 2.ºs Réus ao cumprimento e formalização do contrato de compra e venda prometido.
XII – Ademais, não é despiciente salientar que a mulher do 1.º Réu, F… é sócia e única gerente da 3.ª Ré, I…, LDA.
XIII – Com efeito, a 3.ª Ré é uma empresa familiar, totalmente detida e controlada pelos 1.ºs e 2.ºs Réus, conforme resultou comprovado nos autos.
XIV – A questão sub judice consiste em saber se os Réus estão em falta no cumprimento do acordado no contrato promessa de compra e venda do Prédio melhor identificado nos autos, tornando legítimo o direito dos Autores à execução específica do aludido contrato promessa nos termos peticionados nos presentes autos, isto é, no sentido de que (cfr. al. c) do pedido da P.I.) seja proferida sentença nos termos do artigo 830.º do C.C. e que a mesma produza os efeitos da declaração negocial em falta pelos Réus relativamente à celebração da escritura de compra e venda do identificado prédio urbano sito na Rua…, .., no Porto, nos precisos termos do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes e de cessão da posição contratual dos promitentes-compradores, a qual produziu todos os seus efeitos legais.
XV – As Recorrentes impugnam expressamente os factos dos pontos 13., 14. e 21 da matéria de facto dada como provada nos autos, requerendo ainda o aditamento dos pontos 18-A, 21-A, 21-B, 21-C, 23 e 24 à matéria de facto provada nos autos, nos termos constantes da motivação (mais especificamente o ponto A acima desenvolvido), considerando a prova documental reunida no presente processo e nomeadamente através da reapreciação da prova gravada, conforme passagens acima identificadas e transcritas, pelos motivos aduzidos supra quanto a cada um desses pontos da matéria de facto impugnada.
XVI – Em face da factualidade dada como provada, deduz-se o entendimento de que todos os intervenientes na escritura sabiam que a intervenção da sociedade tinha apenas por objetivo enganar a 3ª A., e nada obsta a que o intuito de enganar possa ser considerado verificado, mesmo que não tenha sido expressamente quesitado, que foi, a partir dos demais factos provados.
XVII – E tal decorre, desde logo, do facto de a 3.ºR. ser precisamente uma sociedade composta pelos 1.º e 2.º RR. e mulher do primeiro.
XVIII – A argumentação de que a 3.ª R. não está obrigada a vender o prédio, e ainda que este tribunal não considere simulados e nulos os dois negócios, embora habilidosa, não pode proceder, se mais não fosse porque abusiva. A observação parece pertinente, no caso dos negócios não serem considerados nulos, mas é-o só na aparência, ou, pelo menos, sob um ponto de vista estritamente formal que não pode prevalecer sobre a substância das coisas.
XIX – Ora, no caso concreto, é forçoso concluir que não há um “terceiro” declaratário, pois os Réus são as únicas partes intervenientes no negócio simulado: alienação do Prédio para a 3.ª Ré.
XX – Na verdade, o negócio simulado é unilateral; entre as partes, os Réus, há uma conjugação de vontades, porque são as mesmas.
XXI – E, por mera cautela de patrocínio, mesmo que se entendesse que a sociedade I…, LDA (3.ª Ré) é um declaratário, para efeitos da apreciação da simulação, tal entendimento estará votado ao insucesso na medida em que a sociedade é detida e controlada pelos 1.ºs e 2.ºs Réus,
XXII – Xxxx que nada mais seria, na verdade, do que uma pura ficção considerar a existência de um tal acordo entre declarante e declaratário.
XXIII – In casu, temos uma declaração de vontade unilateral com a entrada em espécie do Prédio no capital social da 3.ª Ré, com o claro intuito de enganar terceiros, que são, neste caso, as Autoras e (também o erário público, dado o argumento de planeamento fiscal manifestado pelos próprios Réus), e conducente ao resultado visado de se furtarem ao cumprimento do contrato promessa, desde logo porque esta alienação permitir-lhes-ia (alegadamente) pugnar que estamos perante entidades jurídicas distintas, e que a 3.ª Ré seria alheia à relação contratual subjacente ao contrato promessa de 14-07-2017, furtando-se portanto ao cumprimento contratual do negócio, a coberto de uma suposta capa de personalidade jurídica distinta.
XXIV – No que se refere à divergência entre a declaração negocial e a vontade real dos vendedores, sempre se dirá que os promitentes vendedores nunca
pretenderam verdadeiramente transmitir o seu património para uma sociedade comercial, para com isso iniciarem uma actividade comercial, tanto que celebraram um contrato promessa de compra e venda a título particular.
XXV – Depois, mesmo que se fosse verdade o alegado pelos Réus, no documento 10 da p.i., no sentido de que de que os 1.ºs e 2.ºs Réus tinham a intenção de constituir uma sociedade comercial, para reduzir o impacto fiscal da operação, para a qual transmitiriam a sua meação no Prédio sub judice, tendo em vista o posterior cumprimento do negócio prometido com as Autoras. XXVI – Ora, teremos de considerar tal declaração dos RR. como uma declaração não séria, considerando o período de tempo decorrido desde que tal transmissão das suas meações no Prédio já ocorreu para a 3.ª Ré e nunca adoptaram qualquer comportamento conducente no sentido do cumprimento do negócio prometido,
XXVII – Cujo (in)cumprimento é aliás objecto da presente acção judicial intentada pelas Autoras, em busca do cumprimento e execução do negócio prometido, via execução do contrato promessa, expediente legal ao seu dispor para o efeito.
XXVIII – É por demais evidente que a vontade real dos Réus era minimizar o impacto fiscal do negócio prometido, através da transferência do património (o Prédio) para uma terceira entidade (pessoa colectiva), que detêm e controlam, alegadamente para potenciar e operacionalizara venda do prédio livre de pessoas e bens, mas, na realidade, com o intuito de enganar as Autoras e o erário público, a fim de poderem vender o imóvel por um valor superior, correspondente, no mínimo, aos três milhões e meios de euros, conforme anuncio do imóvel aquando da falta de comparência nas datas acordadas para as escrituras da compra e venda prometida (cfr. ponto 20. da matéria de facto provada na sentença recorrida).
XXIX – Em suma, nunca houve o propósito sério de aquisição de uma sociedade comercial para o desenvolvimento de uma actividade comercial previamente
planeada pelos Réus, na qual são únicos sócios, o 1.º Réu e sua esposa, e o seu tio, 2.º Réu, senão o de adquirir, para si, o Prédio prometido vender às Autoras, por via da detenção as participações sociais detidas na 3.ª Ré, mantendo o património na sua disponibilidade e esfera jurídica, a coberto do manto da pessoa colectiva.
XXX – Aliás, as datas de aquisição da totalidade das participações sociais da 3.ª Ré, pelo 1º Réus e sua esposa, e pelo 2º Réu, ocorreram em datas extremamente próximas (10.09.2018 e 20.09.2018, respectivamente) da(s) data(s) agendada(s) para a outorga da escritura pública de compra e venda do Prédio prometido – 04/09/2018 e 17/09/2018 – Cfr. factos provados nos pontos 14., 16., 21., 21-A da matéria de facto provada nos autos nos termos aduzidos supra,
XXXI – A que os Réus sempre se furtaram a comparecer, sem qualquer justificação plausível.
XXXII – Com efeito, devem considerar-se preenchidos, in casu, os requisitos da simulação ao abrigo do disposto no artigo 240.º do Código Civil, com as demais consequências legais, concluindo-se nos mesmos termos que nas alíneas a), b) e c) da petição inicial.
XXXIII – Seja qual for a qualificação jurídica que o caso merece e que só ao Tribunal cumpre em última instância descobrir e, de acordo com ela, julgar, não é lícito, neste caso, quanto mais não seja por abuso de direito, opor à 3ª A. o que foi oposto na Contestação; não havendo melhores palavras que o descrevam, terão de servir as que seguem: aviltante insulto às mais elementares justiça e segurança, os dois vectores fundamentais do nosso sistema de Direito.
XXXIV – Contestar, alegando que, as implicações das cessões de posições na titularidade do Prédio dos 1º e 2º RR. para a 3ª R. são, por um lado, que os 1.º e 2º RR. deixaram de estar obrigados a vender o prédio à 3.ª A. e, por outro lado, que a 3ª R., que não é parte interveniente do contrato promessa de compra e
venda, não está obrigada a realizar a prestação que aqueles 1.º e 2.º RR. previram que ela fizesse (cfr. facto provado 15), principalmente tendo em consideração que a vontade dela – 3.ª R. – enquanto sociedade comercial é conformada pela vontade dos 1.º e 2.º RR. que xxxxxxxx xxxxxx, é afirmar uma lógica (?) que nem quem alega pode acreditar!
XXXV – Não pode nenhum dos três RR., seja porque o CPCV se encontrava registado no Registo Predial ao tempo das referidas escrituras, seja porque todos os três sócios da 3ª R. se encontravam nas duas escrituras onde foi feita menção de que havia uma promessa a cumprir, seja porque são os 1.º e 2.º RR. quem conformam a vontade da 3.ª R., virem dizer que a 3ª R. não está obrigada a cumprir a promessa sob pena de venire contra factum proprium.
XXXVI – Bem como se conclui que há conluio entre todos os RR. pois ficou provado o conhecimento da existência do contrato promessa por todos os RR. XXXVII – E subjacente ao conluio dos RR está o facto de a todos interessar impedir a 3.ª A. Recorrente de exigir o cumprimento do contrato promessa pelo valor de 2.000.000€ pois pretendem vender agora sem inquilinos por 3.500.000€ - Cfr. Facto provado 20. XXXVIII – Por outras palavras: os RR., ocultando-se sob a sociedade que controlam (homem oculto), tiram proveito da aquisição do Prédio e ao mesmo tempo praticam ato revelador, e que lhes convém, de incumprimento definitivo - pois se os RR. continuam a adquirir para si, podendo fazê-lo, o Xxxxxx que prometeram vender é porque jamais querem cumprir o contrato-promessa que firmaram com as AA.
XXXIX – Muito singelamente dir-se-á que os RR. querem as vantagens da venda do Prédio sem as desvantagens inerentes a essa situação – vender pelo preço a que já se vincularam.
XL – No caso vertente, o levantamento da personalidade há de traduzir-se, sob pena de inutilidade, que se considere que os 1.º e 2.º RR estão ainda obrigados, sim, à venda do Prédio, o que nos conduz a resultado idêntico àquele que se obteria pela prova da simulação.
XLI – Isto evidencia, a nosso ver, a relevância deste instituto cuja intervenção se justifica designadamente em situações de marcado abuso da personalidade coletiva como é a que está em apreço e em que a intervenção de outros institutos não se afigura viável, pois só pela desconsideração da personalidade jurídica da sociedade 3.ª R. (natureza subsidiária) é possível que os ocultos compradores sejam atingidos pela luz da verdade e do Direito.
XLII – Seja por via do enquadramento no regime da simulação, ou do abuso de direito e/ ainda do recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, nos termos supra expostos, em face daquele que for o direito aplicável que o douto Tribunal superior considerar mais adequado ao caso concreto, cremos que, em qualquer uma das circunstâncias, e considerando a factualidade provada nos presentes autos, terá de proceder o pedido de execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autoras e Réus pugnado nos autos, proferindo este Tribunal decisão favorável nos termos do artigo 830.º do Código Civil, de forma a que a mesma produza os efeitos da declaração negocial em falta pelos Réus relativamente à celebração da escritura de compra e venda do Prédio sub judice, nos precisos termos do contrato promessa de compra e venda celebrado e de cessão da posição contratual dos promitentes compradores.».
Terminam pedindo procedência do recurso devendo:
ser consideradas procedentes as alterações dos pontos 13, 14, e 21 da matéria de facto dada como provada nos autos, bem como o aditamento dos pontos 18- A, 21-A, 21-B, 21-C, 23 e 24 à matéria de facto provada;
a sentença ser substituída por decisão que, mantendo a condenação solidária dos Réus no reembolso às Autoras das quantias por aquelas adiantadas no âmbito do cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelas partes, num total de 453.530,00€, julgue simultaneamente procedente a execução especifica do contrato promessa de compra e venda sub judice nos precisos termos peticionados na petição inicial.
*
Réus, formulando as seguintes conclusões:
«I) Sob ponto 6, 12 e 22, da matéria de facto provada, o Tribunal a quo julgou provado que, 6 – Sucede que, tal como ficou convencionado, (e apesar do procedimento judicial em curos), os aqui 1ª e 2ª Autoras, agindo nos termos contratuais, levaram a efeito procedimentos negociais com vista a cessação desses contratos de arrendamento 12 – Em Julho de 2018, no interesse dos promitentes compradores e vendedores, a 3ª A. procedeu aos pagamentos aos inquilinos dos valores indemnizatórios devidos pela cessação dos contrato de arrendamento, no valor global de 337.500,00 euros. 22 - As Autoras, nas diligências para cumprimento do contrato promessa e obrigações nele inseridas, despenderam o gasto global de 453.530,00 para o efeito, nomeadamente na obtenção dos documentos a seguir identificados e nos encargos que infra se descrimina…. “
II) O Tribunal a quo apela, na motivação da decisão em matéria de facto à prova documental dos autos e ao depoimento das testemunhas, designadamente ao depoimento da testemunha Eng. J…, cujo depoimento, não pode considerar-se isento e imparcial e não pode deixar de se ponderar o facto de a testemunha ser sócio, numa outra sociedade, do sócio gerente de uma das sociedades autoras (B…)
III) Resulta do contrato-promessa de compra e venda que o imóvel prometido vender se encontrava onerado com três contratos de arrendamento em vigor – facto provado n.º2. – e que a escritura de compra e venda ocorreria independentemente de o imóvel estar ou não ocupado pelos inquilinos.
IV) Quanto ao facto de as quantias alegadamente despedidas terem sido efectuadas no interesse dos aqui primeiros réus, resulta do depoimento do Sr. Eng. J…,(Sessão de audiência de julgamento de 14.01.2020, em depoimento cuja gravação tem início às 15:39:33 e fim às 16:07:44) 05.41, acima transcrito,
conjugado com o clausulado no contrato promessa, resulta que as diligências realizadas pela testemunha Sr. Eng. J… foram realizadas a pedido, sob a alçada e no interesse das autoras, pelo que deveria julgar-se não provado que em Julho de 2018, no interesse dos promitentes vendedores, a 3ª A procedeu aos pagamentos aos inquilinos dos valores indemnizatórios devidos pela cessação dos contratos de arrendamento.
V) O Tribunal a quo considerou provado que as autoras despenderam as quantias identificadas no art.55 da p.i., no entanto, com excepção das quantias liquidadas aos inquilinos (que como veremos não poderão ser consideradas danos) não logram fazer prova das demais quantias alegadamente despendidas.
VI) As autoras não juntaram aos autos um único documento susceptível de demonstrar o pagamento das referidas quantias, e a testemunha Eng. J…, da K… – entidade com a qual as autoras alegadamente teriam despedido
€26.000,00 – (sessão de audiência de julgamento de 14.01.2020, em depoimento cuja gravação tem início às 15:39:33 e fim às 16:07:44 e 16.26.08 às 17.12.05) 28:12 acima transcrito - referiu não ter recebido qualquer quantia, nem quantificou os trabalhos prestados, segundo o próprio fê-lo gratuitamente e na expectativa de ganhar a confiança dos clientes para depois lhes entregarem outros trabalhos.
VII) Bem como não resulta qualquer prova, documental ou testemunhal quanto às quantia identificadas sob xxxxxxx c) e d)., a existirem, bastaria às autoras juntar as respectivas facturas e comprovativos de pagamento, o que protestaram fazer, mas que não fizeram!
VIII) Face à ausência de prova, deveria o Tribunal a quo ter dado como não provado que as autoras despenderam as quantias identificadas no art.55 da p.i.
IX) Sob artigo 37.º da contestação e art.1.º da reconvenção, os réus alagaram que, nos termos da cláusula quarta do contrato promessa, as autoras ficaram obrigadas “a conceber, a suas expensas, um projecto imobiliário prevendo a
remodelação integral do prédio e a submete-lo a aprovação pela Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo”
X) Sob art. 43.º da contestação e art.4.º e 6.º da reconvenção “as autoras não obtiveram, até à data que elas próprias agendaram para a escritura pública, nem depois disso, a licença de obras (nem, muito menos, o respectivo alvará) que se haviam vinculado a conseguir.”
XI) Sobre estas alegações não incide qualquer decisão em matéria de facto do Tribunal a quo.
XII) Resulta expressamente, da cláusula quarta, do contrato promessa de compra e venda, designadamente que as autoras se obrigavam “a conceber, a suas expensas, um projecto imobiliário prevendo a remodelação integral do prédio e a submete-lo a aprovação pela Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo
XIII) Em face do depoimento da testemunha Eng. J… (sessão de audiência de julgamento de 14.01.2020, em depoimento cuja gravação tem início 15:39:33 e fim às 16:07:44 e 16.26.08 às 17.12.05 – 8:33 e 13:03), acima transcrito, e do teor do contrato promessa deveria julgar-se provado que as autoras, estando contratualmente obrigadas, não obtiveram licença de obras, nem o respectivo alvará.
XIV) Sob artigo 15.º da contestação, os réus alegaram que “foi entretanto acordado entre as respectivas partes originárias (…) que não seriam os ali designados promitentes vendedores a vender o imóvel dele objecto, mas uma sociedade comercial a designar (..). para a qual estes, previamente, a transmitiria
XV) Sob artigo 16.º da contestação, os réus alegaram que “Nos termos assim acordados, os primeiros e terceiro réus ficaram obrigados, em primeiro lugar, a transmitir o imóvel para essa sociedade e, em segundo lugar, a diligenciar para que esta o vendesse aos promitentes compradores ou ao cessionário da sua posição contratual”
XVI) Sobre estas alegações não incide qualquer decisão em matéria de facto do Tribunal a quo.
XVII) Em face dos elementos juntos aos autos, designadamente da comunicação dada de 3.08.2018, junta aos autos sob doc.10, das comunicações datadas de 4.09.2018 juntas sob doc.12 e 13 e ainda a comunicação datada de 5.09.2018, junta sob doc. 14 – todos com a p.i. - deveria julgar-se provado que entre os primeiros autores (E… e G…) e as autoras foi acordado que os promitentes vendedores transmitiriam, previamente, para uma sociedade a designar o imóvel objecto do contro promessa de compra e venda.
XVIII) Em se de resposta ao despacho de 07.05.2019, que determinava que as autoras esclarecem-se os pedidos formulados, a 3ª Autora não peticiona qualquer quantia a título de indemnização pelos danos alegadamente sofridos.
XIX) O Tribunal a quo ao condenar os réus a pagar às autoras a quantia de
€453.530,00 a título de indemnização violou o disposto, designadamente, no art..609.º do CPC, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.615 n.º1 al. e) do CPC.
XX) O Tribunal a quo, reconhecendo às autoras o direito a indemnização nos termos do disposto no art.798.º CC, condenou os réus (todos) a pagar às autoras a quantia de €453.530,00.
XXI) Em sede de fundamentação da decisão proferida, considerou o Tribunal a quo considerou que os devedores que, culposamente, faltaram ao cumprimento da obrigação foram os primeiros réus (E… e G…).
XXII) Como resulta dos autos, a responsabilidade da ré I… só se colocaria em caso de procedência do pedido de declaração de nulidade – pedido formulados sob al. a) da p.i.. O Tribunal a quo julgou (e bem!) improcedente o pedido de declaração de nulidade por simulação.
XXIII) Ao condenar a I…, solidariamente, com os réus, E… e G…, a decisão objecto de recurso, porque os fundamentos estão em manifesta oposição com a decisão, é nula nos termos do disposto no art. 615.º n.º1 c) do CPC.
Sem prejuízo do supra exposto,
XXIV) Não pode, aceitar-se o entendimento perfilhado na sentença recorrida de que houve incumprimento definitivo do contrato e que tal incumprimento é imputável ao 1º e 2º réus.
XXV) Em face dos elementos juntos aos autos, designadamente da comunicação dada de 3.08.2018, junta aos autos sob doc.10, das comunicações datadas de 4.09.2018 juntas sob doc.12 e 13 e ainda a comunicação datada de 5.09.2018, junta sob doc. 14 – todos com a p.i. - resulta claramente que houve uma modificação substancial do objecto da relação obrigacional entre as partes, os primeiros réus (E… e G…) deixaram de estar obrigados, na sequência daquele acordo modificativo, a celebrar o contrato definitivo e passaram a estar obrigados a transmitir o prédio à ré I… e a diligenciarem para que esta, depois, o vendesse às autoras.
XXVI) Na sequência da referida modificação do contrato os primeiros réus deixaram de estar obrigados a vender o imóvel às autoras, não havendo qualquer incumprimento imputável aos autores, improcede o alegado pedido de indemnização.
XXVII) na sequência da transferência da propriedade do imóvel para a ré I…, com o consentimento e aprovação das autoras, os primeiros réus (E… e G…) deixaram de ter a propriedade do imóvel, estando consequentemente impossibilitados de transmitir o imóvel para as autoras
XXVIII) Impossibilidade esta que não sendo imputável aos primeiros réus (E… e G…), conduzirá necessariamente à improcedência do alegado pedido de indemnização.
XXIX) Foi constituído pelas duas primeiras autoras, na qualidade de promitentes compradoras, a favor dos primeiros réus um sinal no montante de €30.000,00 (trinta mil euros).
XXX) O sinal tem o efeito de limitar uma indemnização eventualmente devida, nos termos do art.442 n.º4 do Código Civil,
XXXI) Tendo as partes constituído um sinal no montante de €30.000,00, tem de improceder qualquer pretensão indemnizatória que ultrapasse esse valor limite.
XXXII) As autoras se obrigaram-se “a conceber, a suas expensas, um projecto imobiliário prevendo a remodelação integral do prédio e a submete-lo a aprovação pela Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo” e não obtiveram, até à data que elas próprias agendaram para a escritura pública, nem depois disso, a licença de obras (nem, muito menos, o respectivo alvará) que se haviam vinculado a conseguir.”
XXXIII) Nos termos do disposto no art.405.º do Código Civil, dentro dos limites da lei, as partes têm, designadamente, a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, e neles incluir as cláusulas que lhes aprouver.
XXXIV) Como, muito bem refere a sentença proferida pelo tribunal a quo “nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes recusar a realização da sua prestação, enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a oferta do seu cumprimento em simultâneo”.
XXXV) o Tribunal a quo, deveria ter-se pronunciado em sede de matéria de facto relativamente aos factos alegados pelos réus e, dando-os como provados (como supra se demonstrou), concluir pela procedência da alegação excepção de incumprimento.
XXXVI) Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do disposto nos art. 405.º e 428.º do Código Civil.
XXXVII) Mesmo que se admitisse o incumprimento da alegada obrigação de contratar (o que não se admite) não seriam as quantias alegadamente despendidas pelas autoras consequência daquele incumprimento.
XXXVIII) Tais quantias estariam fora do perímetro do “nexo de causalidade”, uma vez que seriam despesas anteriores ao evento lesivo (que seria o incumprimento definitivo da alegada obrigação de contratar).
XXXIX) Por definição, uma consequência (um dano) é posterior à causa (no caso, um alegado incumprimento contratual), não lhe podendo ser anterior, o
que nos conduz necessariamente conduz à improcedência do pedido, por falta de verificação dos pressupostos de que dependeria a responsabilidade dos réus. Sem prejuízo do supra exposto,
XL) Com a excepção das declarações de quitação dos inquilinos, nenhuma prova, documental ou testemunhal, foi produzida no sentido provar que as autoras efectivamente despenderam as quantias alegadas sob al. b) , c) d) e) do art.55 da p.i., o que conduzirá à improcedência parcial, por não provado, do pedido de indemnização alegadamente peticionado pelas autoras.
XLI) No âmbito do contrato promessa de compra e venda as autoras obrigaram- se “a conceber, a suas expensas, um projecto imobiliário prevendo a remodelação integral do prédio e a submete-lo a aprovação pela Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo” e não obtiveram, até à data que elas próprias agendaram para a escritura pública, nem depois disso, a licença de obras (nem, muito menos, o respectivo alvará) que se haviam vinculado a conseguir.”
XLII) nos termos do referido contrato “em caso de incumprimento do presente contrato por facto imputável a um dos outorgantes, o outorgante incumpridor deverá pagar ao outro outorgante a título de cláusula penal o montante de
€500.000,00 (quinhentos mil euros).”
XLIII) nos termos do disposto no art.405.º do Código Civil, dentro dos limites da lei, as partes têm, designadamente, a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, e neles incluir as cláusulas que lhes aprouver.
XLIV) Pelo que deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus.
XLV) Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do disposto nos art. 405.º e 428.º do Código Civil.»
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida e sua substituída por outra onde se:
julgue a ação totalmente improcedente absolva os réus do pedido;
xxxxxx procedente o pedido reconvencional e condene as Autoras a pagar aos
Réus (E… e G…) a quantia de 500 000 EUR.
*
Foram apresentadas contra-alegações onde as partes pedem a improcedência dos recursos das contrapartes.
*
As questões a decidir são:
nulidade de sentença por violação do pedido e existir contradição entre os fundamentos e a decisão;
alteração da matéria de facto no que respeita essencialmente à prova da simulação de contrato e intenção dos promitentes vendedores ao transmitirem para terceiro o bem objeto daquele contrato e danos sofridos pelos promitentes compradores;
análise do modo de atuação das partes quanto ao contrato promessa, essencialmente no que respeita ao uso, pelos promitentes vendedores de uma empresa/terceira para se escudarem ao cumprimento da promessa e continuarem a poder decidir do destino do bem que prometeram vender;
aferir da possibilidade de atribuição de indemnização por incumprimento aos contraentes e seu valor.
*
2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Uma vez que há impugnação da matéria de facto com alguma extensão, iremos elencar os factos provados e não provados após a apreciação daquela impugnação.
*
2.2). Do recurso dos Réus.
A). Da nulidade da sentença. A1). Do pedido.
Os recorrentes/Réus alegam que a sentença é nula por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, e), do C. P. C..
Vejamos.
Este artigo determina que a decisão é nula quando se condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No caso, os recorrentes alegam que a 3.ª Autora, «D…», inicialmente formulou contra os Réus um pedido de condenação numa indemnização de 453 530 EUR mas que depois, em 28/05/2019, desiste deste pedido pois não o elenca nesse requerimento.
Os Réus desde logo mencionaram ao tribunal que aceitavam (apesar de, como igualmente referem, não ser necessária essa aceitação) a desistência parcial do pedido – requerimento de 11/06/2019 -.
Por isso sustentam que, tendo sido julgado procedente o pagamento da indicada indemnização também à 3.ª Autora, o tribunal condenou para além do pedido.
Podendo classificar-se como simples e coerente a arguição desta nulidade, apesar de poder ser discutível a nossa solução, pensamos que não existem nos autos elementos para se concluir que a 3.ª Autora desistiu do pedido em causa. Na realidade, após os Réus terem arguido na contestação a ininteligibilidade do peticionado, o tribunal, profere despacho em 07/05/2019 (referência 402728161) a determinar que, ao abrigo do artigo 590.º, n.º 2, b), do C. P. C., o convite aos Autores para em 15 dias aperfeiçoarem os pedidos que formulam na sua petição inicial, individualizando-os e concretizando quer quem formula os pedidos quer contra quem são formulados, nas suas diversas alíneas.
Assim, o objeto do convite era um aperfeiçoamento dos pedidos no sentido de se descortinar com rigor por quem eram formulados e contra quem.
E, no seguimento desse despacho, a 3.ª Autora junta o esclarecimento, apresentando uma nova configuração dos seus pedidos, com um elenco de motivação para os mesmos, ou seja, extravasando o que lhe tinha sido pedido (algo que também os Réus suscitaram no apontado requerimento de 11/06/2019).
Nessa configuração, não é apresentado como pedido o pagamento da indicada indemnização; porém, para nós, o que desde logo resultava é que a indicada Autora não tinha respondido na íntegra ao convite do tribunal, ou seja, não tinha indicado por quem esse pedido era formulado e contra quem.
Só assim não se deveria entender se a mesma Autora declarasse expressamente desistir desse pedido, situação em que o tribunal tinha de atender a essa atuação processual, homologando a desistência parcial – artigos 265.º, n.º 2 e 290.º, n.º 3, do C. P. C. -.
Não descortinamos como possível uma desistência tácita de um pedido, com a sua homologação pelo tribunal, quando se conclui que as partes «só» declaram desistir por interpretação do praticado nos autos e não através de um requerimento onde se declara, sem dúvidas, que se desiste de um pedido
Note-se que pensamos que o legislador previu, pelo menos, numa situação a possibilidade de se retirar de uma atuação processual uma renúncia tácita – artigo 632.º, n.º 2, do C. P. C. – quanto à interposição de recurso (aqui, se a parte aceita a decisão, expressa ou por atos que mostram, sem dúvida, que aceitou a decisão, não pode recorrer).
Mas a atuação tácita tem de ser concludente nesse sentido e, mesmo que se pudesse admitir que podia haver uma desistência tácita de um pedido, tinha de resultar dos atos que «com toda a probabilidade» a mesma existia – artigo 217.º, n.º 1, 2.ª parte, do C. C. -.
Ora, nem há desistência expressa nem se pode retirar da falta de indicação desse pedido como existindo uma desistência pois:
esse requerimento é efetuado em resposta a um pedido de esclarecimento do
tribunal dos pedidos já efetuados;
o tribunal recorrido também não entendeu esse requerimento como qualquer tipo de desistência, adotando-o como suficiente (em conjunto com o apresentado pelas outras duas Autoras também em 28/05/2019) para concluir que não havia ineptidão da petição inicial – despacho saneador de 26/11/2019 (referência 407134574) -;
nesse despacho saneador é dada oportunidade às partes para se pronunciarem sobre os temas de prova, tendo a indicada 3.ª Autora referido que «por este não cumprimento atempado devem ainda as RR., em Direito, a cláusula penal de 500.000€ à A. cessionária e mais os prejuízos causados pelo efeito dominó do seu incumprimento às restantes AA.». Ou seja, continua a referir que pretende
o pagamento desta indemnização, com base numa cláusula penal, enquadrando a situação na mora no cumprimento.
A sua atuação não revela que tenha desistido desse pedido.
Por fim, se as partes, mormente os recorrentes, entendiam que o tribunal tinha de se pronunciar sobre se havia desistência ou não do pedido em causa, não tendo havido a pronúncia, teriam de ter arguido a competente nulidade por omissão da prática de ato que a lei exigia – artigo 195.º, n.º 1, do C. P. C., o que não resulta dos autos que tenha sido efetuado, no tempo exigido no artigo 199.º, n.º 1, 2.ª parte, do C. P. C. (com a notificação do despacho saneador, as partes apercebiam-se que o tribunal não se tinha pronunciado sobre essa questão).
Daí que o pedido em causa se mantém válido, podendo ser apreciado em sede de sentença e respetiva decisão, não se tendo incorrido na alegada nulidade.
Improcede este argumento.
*
A2). Da contradição.
Os recorrentes alegam que a decisão é nula na parte em que se condena a Ré
«I…» a pagar a indemnização já acima referida aos Autores quando se refere na fundamentação que foram os dois primeiros Réus quem incumpriu o contrato, nulidade essa sustentada no artigo 615.º, n.º 1, c), do C. P. C..
Esta ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Vejamos o que é referido na decisão:
«Ora, no caso, presente, verifica-se que houve incumprimento definitivo (ou impossibilidade de cumprimento, como se lhes referem os réus) por banda dos réus, pois que interpelados para cumprir, tendo sido marcados dia, hora e local para outorga do contrato prometido (por duas vezes), comparecendo os autores, o contrato prometido (outorga da respectiva escritura pública), não se realizou por ausência dos réus, sendo que, entretanto, o réu G… alienou a sua quota-parte à ré I…, Lda., o que tornou impossível o cumprimento da promessa (sendo certo que parecem ter as partes ponderado a cessão das suas posições a terceiros que outorgariam o contrato prometido, não menos certo é que, contratualmente, não podem os autores exigir desta ré I…, Xxx. o cumprimento da promessas. Tem assim integral cabimento ao presente caso o disposto no art. 798 do Código Civil, que preceitua que o devedor (no caso, os dois primeiros réus) que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna- se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
São assim os 1º e segundo réus responsáveis culposos pelo incumprimento da obrigação e, tendo esta por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato.».
E mais adiante refere-se que «Com efeito, quer porque quem deu causa ao incumprimento definitivo foram os réus (por alienarem a terceiros quota-parte do imóvel)…».
Temos que os Réus que alienaram a terceiro a quota parte do imóvel, em matéria de facto que não é questionada na sua substância nos autos, foram os
1.º e 2ºs. e não a 4.ª Ré (assim denominada 4.ª Ré pois a mulher do 1.º Réu, bem ou mal, também é indicada como Ré).
E, na decisão, é a Ré «I…» condenada também a pagar a indicada indemnização.
Há aqui, efetivamente, uma contradição lógica entre o que se menciona na fundamentação pois concretiza-se a afirmação de «os Réus» serem responsáveis pelo incumprimento do contrato como sendo os dois primeiros Réus e depois, na decisão, condena-se outro Réu sem se mencionar algum outro motivo que não tenha sido o alegado incumprimento que o tribunal concluiu que abrangia outros Réus que não a 4.ª Ré.
Há assim efetivamente a apontada nulidade da decisão nesta parte por existir a alegada oposição entre a fundamentação (a obrigação de indemnização deriva do incumprimento por parte de unicamente dois Réus) e a condenação no pagamento da indemnização abrange um outro Réu que foi excluído desse incumprimento.
Declara-se assim a nulidade da decisão na parte em que se condena I…, Lda., a pagar a quantia de 453 530 EUR aos Autores nos termos do artigo 615.º, n.º 1, c), do C. P. C..
Essa nulidade será sanada por este tribunal da Relação ao abrigo do artigo 665.º, n.º 1, do C. P. C., com a apreciação do pedido em causa.
*
B). Impugnação da matéria de facto. B1). Dos recorrentes-Autores.
Análise de correções e aditamentos a efetuar em sede de factualidade provada.
Facto 13.
A cessão da posição contratual foi comunicada por escrito aos promitentes vendedores em 20 de Agosto de 2018.
Os recorrentes/autores pretendem que se acrescente que a comunicação foi rececionada pelos destinatários, que nada opuseram à mesma, verbalmente ou por escrito.
A questão da receção da comunicação afigura-se-nos ser útil que se acrescente correspondendo ao que foi alegado por remissão para o documento n.º 7 junto em 19/10/2018 que inclui os respetivos avisos de receção dirigidos aos Réus G… e E…, receção que não foi impugnada nos autos.
No que respeita à falta de oposição, com o devido respeito, essa matéria não foi alegada nem na petição inicial nem na resposta dos Autores apresentada em 20/12/2018 nem é alegada por remissão; pode concluir-se, pela análise da sequência de documentos e de factos e até pela ausência de prova de uma oposição, que esta não terá existido mas o que se pretende acrescentar não foi alegado. Assim, esta parte da alegação não é procedente.
A ssi m, acrescenta-se ao facto provado 13): «…rececionada pelos destinatários.».
*
Facto provado 14.
Em 20 de Julho de 2018, os promitentes compradores comunicaram aos promitentes vendedores a data, hora e local em que se celebraria o contrato prometido, comunicação que os mesmos receberam (docs. de fls. 85 e 86).
Os recorrentes pretendem que se acrescente a menção expressa à data, hora e local, em que se celebraria o contrato prometido, a saber: dia 04 de Setembro de 2018, pelas 14:00 horas, na Conservatória do Registo Predial e Comercial de Ovar.
É desnecessária esse acrescento pois não só o que releva é saber que houve a comunicação para se comparecer na realização de escritura e que no dia marcado se diligenciou pela marcação de nova data e não saber qual o dia o
dia, hora e local onde se ia realizar, matéria que não foi questionada nos autos (poderia a redação do facto ser mais completa mas a falta daqueles elementos não a torna omissa no que é essencial).
Assim, improcede esta alegação.
*
Facto provado 21.
No dia 13 de Setembro de 2018, o 2.º Réu G… e esposa transmitiram a sua quota-parte do Prédio para a sociedade aqui identificada como terceira Ré, a título de “entrada de capital” (doc. de fls. 10 verso a 103).
Os recorrentes pretendem que o facto passe a ter a seguinte redação:
No dia 10 de Setembro de 2018, o 1.º Réu, E…, outorgou escritura (registada a 13.09.2018 sob a Ap. 3135, de 2018/09/13) em que subscreveu entrada em espécie na sociedade identificada como 3.ª Ré, com a sua quota-parte da metade indivisa do Prédio, com o valor atribuído de €200.000 (duzentos mil euros), declarando que tal imóvel se destinava a revenda.
Estes factos resultam efetivamente do teor do documento junto pela 3.ª Autora em 28/05/2019, correspondendo a uma atuação, nesse dia, dos aí 2ºs. outorgantes E… e mulher, F… no sentido de aumentarem o capital da 4.ª Ré com aquele direito pertencente a E….
E, já analisando outro pedido dos recorrentes em relação ao acrescento de dois factos, com os nºs. 18.º-A e 21.º-A, pensamos que também estes dois têm correspondência com a realidade que emana dos autos.
Os recorrentes pretendem que se adite:
facto 18-A:
«No dia 7 de Setembro de 2018, as 1.ª e 2.ª Autoras promoveram o registo predial do contrato promessa de compra e venda celebrado
com os 1.ºs e 2.ºs Réus, sob a Ap. 1097, de 2019-09-07”, conforme decorre das páginas 5 e 6 da certidão predial permanente do Prédio junta aos autos como Documento n.º 18 da petição inicial.».
Este facto resulta efetivamente do referido documento n.º 18, com a correção de que a apresentação é de 2018/09/07.
Assim, por ser um facto que resulta de um documento e pode ter interesse para a decisão, o mesmo é aditado nos seguintes termos:
Facto provado 18.º-A: No dia 07/09/2018, as 1.ª e 2.ª Autoras promoveram o registo predial do contrato promessa de compra e venda celebrado com os 1.ºs e 2.ºs Réus, sob a ap. 1097, de 2018-09- 07.
O facto 21.º passa então a ter a seguinte redação:
No dia 10/09/2018, o 1.º Réu, E…, outorgou escritura (registada a 13/09/2018 sob a ap. 3135, de 2018/09/13) em que subscreveu entrada em espécie na sociedade identificada como 4.ª Ré, com a sua quota- parte da metade indivisa do Prédio, com o valor atribuído de 200 000 EUR, declarando que tal imóvel se destinava a revenda.
E também o proposto facto provado 21.º-A corresponde ao que resulta do segundo documento junto em 28/05/2019, reportado ao dia 20/09/2018, em que G… subscreve entrada de capital, pelo que também se adita o mesmo, com o seguinte teor:
Facto provado 21.º-A: No dia 20/09/2018, o 2.º Réu, G…, outorgou escritura, registada a 26/09/2018 sob a ap. 3466, de 2018/09/26, em que subscreveu entrada em espécie na sociedade identificada como 4.ª Ré, mediante a sua metade indivisa do prédio, com o valor atribuído de
200.000 EUR, mais declarando que tal imóvel se destinava a revenda.
*
Pretendem ainda os recorrentes/Autores que se aditem factos provados com a
numeração 21.º-B e 21.º-C, com a seguinte redação:
«Era do conhecimento dos 1.ºs Réus, e por conseguinte, da sociedade aqui 3.ª Ré, de que estavam a aceitar como entrada em espécie o Prédio sub judice, sobre o qual impendia um ónus de promessa de compra e venda celebrado com as 1.ª e 2.ª Autoras em 14 de Junho de 2017.”
«Era do conhecimento dos 2.ºs Réus, e por conseguinte, da sociedade aqui 3.ª Ré, de que estavam a aceitar como entrada em espécie o Prédio sub judice, sobre o qual impendia um ónus de promessa de compra e venda celebrado com as 1.ª e 2.ª Autoras em 14 de Junho de 2017.».
Não vislumbraríamos qualquer óbice a que se acrescentasse parte desta factualidade pois em ambas as escrituras de entrada de capital, realizada em parte com as metades indivisas do imóvel em causa, é referido que está registada a aquisição provisória do mesmo a favor de «C…» pela ap. 1097, de 07/09/2018, tal como resulta do próprio registo junto como documento 18 com a petição inicial.
Sendo mencionado nas escrituras de aumento de capital que existe esse registo, é desde logo expectável que se apure que, quem aí interveio, fique a conhecer a realidade envolvente aos direitos sobre o imóvel que serve de entrada de capital na empresa, incluindo por parte desta.
Acresce que não é questionado nos autos que a 4.x Xx soubesse que os direitos sobre o imóvel em questão incidiam sobre esse imóvel que estava prometido vender a terceiros, antes pelo contrário:
s Réus sustentam a sua defesa não só na assunção dessa transmissão de propriedade do imóvel para a 4.ª Ré como sendo necessária para o mesmo ser depois vendido à promitente compradora, ora 3.ª Autora;
como ainda que essa necessidade era do conhecimento dos mesmos promitentes vendedores;
e ainda que, por causa dessa entrada de capital, já não é possível cumprir o contrato promessa nos termos pedidos – artigos 15.º a 21.º e 25.º, da
contestação -.
Sucede que os Autores alegam que a 4.ª Ré não podia desconhecer o registo provisório de aquisição a favor das 1.ª e 2.ª Autores (artigo 37.º, da petição inicial) e não que o conhecia; podendo afigurar-se despicienda a diferença, o certo (para nós) é que o alegado acaba por se reconduzir a uma conclusão: face a todos os elementos que estão vertidos naquelas escrituras, não é possível que a 4.ª Ré desconheça a existência do registo provisório de aquisição.
Mas essa conclusão terá de ser retirada, se disso for caso e se se confirmar, em sede de fundamentação jurídica e não em sede de factualidade por não poder aí ser inscrita (ao escrever-se que a 4.ª Ré não podia desconhecer esse registo já se estava a analisar não só um conjunto de factos entre si – teor de documentos e atuação subjetiva da 4.ª Ré -, como seria o passo prévio para se poder firmar o facto de que essa Ré conhecia esse registo, única factualidade que importaria (teoricamente) dar como provada.
Não tendo sido alegado o conhecimento mas antes que não podia haver desconhecimento, esta última situação, a ter de ser ponderada, só o pode ser em sede de argumentação de direito – por exemplo, face ao teor das escrituras de aumento de capital e à anterior envolvência dos outros intervenientes no contrato promessa, a 4.x Xx tinha de saber que havia esse ónus sobre o imóvel, daí se retirando alguma consequência jurídica como a alegada má-fé.
Deste modo, não se acrescentam os dois propostos factos, improcedendo esta argumentação.
*
Factos não provados.
A alienação do imóvel para I…, Lda. tenha sido o resultado de conluio entre os 1.º e 2.º Réus com a 3.º Ré, arquitetando um plano por forma a não outorgarem a escritura pública de compra e venda (contrato prometido).
No momento em que em que transmitiram a sua parte no imóvel à sociedade 3º
Ré, não existia efetiva intenção de transmitir a essa sociedade as suas propriedades, mas antes e apenas a de defraudar o erário público ou terceiros, bem como que as vontades declaradas nesse negócio não correspondiam à vontade real dos réus;
São estes os factos em relação aos quais os recorrentes sustentam que existe prova suficiente para se julguem provados, apresentando como suporte os depoimentos de E…, G… e F…, todos Réus.
E é facilmente percetível, pela transcrição dos depoimentos, as partes dos mesmos que poderão sustentar a procedência do recurso (pelo teor em conjunto das respostas dadas pelas partes em causa nomeadamente pela falta de precisão nas respostas), nada obstando à sua apreciação.
E, com o devido respeito pela intensa atuação probatória das Autoras, pensamos que não houve prova segura sobre esta factualidade em questão.
Quando os promitentes compradores originários marcam uma escritura para se celebrar não só o contrato definitivo mas também para os direitos de um promitente vendedor sobre o imóvel objeto da promessa serem transmitidos para uma sociedade (a 4.ª Ré, «I…»), têm de se suscitar dúvidas sobre se essa transmissão não seria mesmo para ocorrer e, quando ocorre, se não terá sido igualmente real.
Ao efetuarem os promitentes compradores essa marcação, indicia-se que também se iria celebrar um negócio real, perante um notário e se não seria a transmissão efetivamente querida, conversada e aceite por todos os intervenientes. Se não fosse aceite, certamente os promitentes compradores diriam que nunca tinha sido prevista essa situação e, no mínimo, pediam esclarecimentos sobre a mesma, algo que não consta dos autos.
Porém, existindo a mencionada marcação para a realização do contrato definitivo e transmissão de direito sobre o imóvel (vertida no facto provado 15), e mesmo uma segunda marcação para concretização da promessa, podendo aceitar-se que a primeira não se concretizou por ainda não existir empresa para
se efetuar a transmissão, em relação à segunda não há qualquer certeza sobre o motivo porque não se realizou.
Se os promitentes vendedores foram cuidadosos em avisar que não se podia celebrar o contrato na primeira data por a empresa não estar constituída, não se entende porque motivo na segunda data (17/09/2018), não tiveram o cuidado de informar que já existia a empresa e que já tinha sido transmitida metade indivisa do imóvel para a empresa mas que ainda faltava a transmissão da outra metade (ocorrida em 20/09/2018) e que por isso ainda não se podia celebrar o negócio.
Não houve explicação convincente sobre este ponto, o que pode sustentar a existência das suspeitas dos Autores da intenção fraudulenta nessa transmissão para a 4.ª Ré, porventura indiciariamente baseada em:
os depoimentos de E… e F…, comprometidos e ostensivamente evasivos num alegado desconhecimento de realidades que partilham (constituição de empresa para onde é transferido direito de E… sobre um imóvel, empresa essa da qual é gerente a sua mulher);
anúncio posterior de venda do imóvel por valor superior;
posterior manifestação da 4.ª Ré em aceitar vender o imóvel à 3.ª Autora como infra se analisará.
No entanto, desconhece-se se houve ou não uma entrada fictícia do imóvel no património da empresa que, escrituralmente, ocorre.
Não se sabe se a entrada do imóvel no capital da empresa foi um meio de defraudar a entidade tributária ou um meio de o vender com benefícios fiscais (como alegado pelos Réus) que podem ser legítimos ou até se essa possível venda era para ser feita à 3.ª Autora com outro valor ou a outros interessados de que não há notícia que existam.
Não houve qualquer análise à contabilidade da 3.ª Ré, ao tipo de atuação antes e depois da entrada de capital, se a mesma tem atividade ou é uma «mera fachada», ou seja, não é possível concluir que existe a alegada simulação de
atos que competia aos Autores provar (artigos 240.º e 342.º, n.º 1, do C. C.).
Os depoimentos em causa, incluindo o de G… (invocando uma doença para faltar à realização de escritura mas depois dizendo que não se sabe porque não se fez a escritura), se não primam pela clareza e lisura quanto ao que possa ter efetivamente sido querido, não sustentam a prova da alegada simulação.
Para se poder concluir que os indicados Réus usaram a empresa «I…» como um meio de defraudarem os interesses legítimos da promitente compradora, teria que se apurar essa vontade, essa intenção de os Réus não quererem vender o imóvel à 3.ª Ré através do cumprimento do contrato promessa; no entanto, a prova produzida, em grande parte devido à atuação dos promitentes compradores originários já referida, não permite essa conclusão segura.
Mesmo o teor do documento junto em 11/12/2019 (em língua inglesa), com junção de tradução posteriormente em sede de audiência de julgamento, que retrata uma carta enviada pela 4.ª Ré «I…» ao legal representante da 3.ª Autora («D…»), mostra que aquela quer vender o imóvel de que é dona mas agora pretende obter um valor superior (por volta dos três milhões e meio de euros).
Ou seja, pode não estar em causa uma transmissão fictícia para a 4.ª Ré mas antes uma efetiva e real transmissão que até pode dar azo a uma eventual análise de uma conduta violadora das regras de boa-fé por parte de algum dos promitentes vendedores originários (realizando uma efetiva venda para prejudicar o direito dos promitentes compradores em obter a execução coerciva da transmissão da propriedade).
Mas não conseguimos concluir que não se tenha querido efetuar a transmissão pois os dados probatórios que existem apontam que houve uma real transmissão – declaração em escritura, saída do bem do património dos promitentes vendedores, surgimento da 4.ª Ré a apresentar proposta de venda por valor diferente (porventura a transmissão até pode ter sido efetuada para as partes intervenientes obterem um benefício, inicialmente não previsto, quanto ao valor do preço a receber).
Não desconhecemos quem é sócio e gerente da 4.ª Ré – os promitentes vendedores e a Ré F…, mulher de um dos promitentes vendedores -; e essa realidade certamente poderá ter influência na análise da lisura dos intervenientes mas ela não tem de passar forçosamente pela falta de intenção em transmitir a propriedade do imóvel para a sociedade.
Pode antes estar em causa a querida e real transmissão da propriedade do imóvel para se realizar uma posterior transmissão aos promitentes compradores pela 4.ª Ré (hipótese que consideramos algo remota face à atuação da 4.ª Ré que não só não o fez como propõe a venda por valor muito superior) ou «apenas» sendo a demonstração da vontade de não querer cumprir o contrato promessa e, eventualmente, usar a empresa como um escudo para evitar um qualquer tipo de atuação dos promitentes compradores para verem os seus direitos salvaguardados.
Esta última hipótese é independente da prova da simulação e, por isso, tem de ser apreciada em sede de fundamentação de direito.
Deste modo, a alegada simulação, em que se reporta um plano falseado de venda (sem intenção de ser feita), por tudo o que referimos, não se se apura Improcede assim esta argumentação.
*
Recurso dos Réus.
Factos provados 6, 12 e 22.
6). Sucede que, tal como ficou convencionado, (e apesar do procedimento judicial em curso), os aqui 1ª e 2ª Autoras, agindo nos termos contratuais, levaram a efeito procedimentos negociais com vista a cessação desses contratos de arrendamento.
Em rigor, não vislumbramos na alegação do recurso qual seria a redação diversa que os recorrentes pretendem para este facto; questionam que os Autores tenham agido no interesse dos Réus/promitente vendedores mas não
se insurgem contra a atuação objetiva das Autoras.
No entanto, não porque proceda qualquer argumentação nesta parte, supostamente alicerçada na falta de credibilidade do depoimento de J…, contactado pelos promitentes vendedores para diligenciar pelos interesses dos arrendatários mas em que se alega que afinal procurava a satisfação de outros interesses, mas antes porque se trata de matéria conclusiva, entende-se que se devem eliminar as expressões «tal como ficou convencionado» e «agindo os termos contratuais».
Estas duas expressões significam que as partes estão a cumprir o contrato, matéria que não pode estar elencada em sede de fundamentação de facto pois já implica a análise do feixe de direitos e obrigações que resulta do contrato para as partes.
Assim, o facto 6 passa a ter a seguinte redação:
Apesar de procedimento judicial em curso, os aqui 1ª e 2ª Autoras, levaram a efeito procedimentos negociais com vista a cessação desses contratos de arrendamento.
*
Facto 12:
Em julho de 2018, no interesse dos promitentes compradores e vendedores, a 3.ª Autora procedeu aos pagamentos aos inquilinos dos valores indemnizatórios devidos pela cessação dos contratos de arrendamento, no valor global de 337 500 EUR (docs. de fls. 74,78 e 82).
Como já dissemos, os ora Réus/recorrentes acabam por apenas questionar que os pagamentos aos inquilinos tenham ocorrido no seu interesse; ora, independentemente de sempre que uma parte no contrato atua no seu interesse e desbloqueia alguma questão que beneficia a outra parte (no caso, pagamento de valor a inquilinos que assim aceitam sair do locado, não havendo
que se cumprir decisão judicial de realização de obras pelos senhorios), essa atuação resulta em benefício de ambas as partes, também entendemos que a expressão «no interesse dos promitentes compradores e vendedores» deve ser eliminada pois ser conclusiva.
Têm de analisar os contornos contratuais, as obrigações que recaem sobre as partes para se poder concluir se a atuação foi no interesse unilateral ou bilateral dos sujeitos contratuais, algo que a efetuar, se necessário, em sede de fundamentação de direito.
Assim, o facto 12 passa a ter a seguinte redação:
Em julho de 2018, a 3.ª Autora procedeu aos pagamentos aos inquilinos dos valores indemnizatórios devidos pela cessação dos contratos de arrendamento, no valor global de 337 500 EUR (docs. de fls. 74,78 e 82).
*
Facto provado 22.
As Autoras, nas diligências para cumprimento do contrato promessa e obrigações nele inseridas, despenderam o gasto global de 453 530 EUR para o efeito, nomeadamente na obtenção dos documentos a seguir identificados e nos encargos que infra se descrimina:
a) Indemnização a inquilinos 337 500 EUR
b). Valores pagos à Imobiliária promotora 24 600 EUR;
c). Projectos arquitetónicos, realização de levantamentos topográficos, execução de projecto e pedido de informação prévia (PIP), obtenção de declaração de ruína, pedidos e comunicações de preferência á Camara Municipal do Porto, e IGESPAR, no valor de 32 000 EUR
d) aquisição de eletrodomésticos para a cozinha, grades tipo lagarto para as janelas, remodelação das casas de banho e pintura geral do apartamento para onde foram estes realojados, no valor de 8 000 EUR
e). Trabalhos que a primeira e segunda Autoras solicitaram a empresa terceira, nomeadamente junto da Câmara Municipal do Porto e Proteção Civil, acompanhamento dos inquilinos quer na negociação quer na desocupação do Prédio, na quantia de 26 000 EUR;
f) Custos do Registo Provisório – 250 EUR.
Os recorrentes insurgem-se contra os valores constantes das alíneas b), c), d) e e).
E pensamos que têm razão pois:
não estão juntos aos autos documentos que comprovem esses valores sendo que em relação ao mencionado na alínea b) os Autores mencionam como sustento probatório o documento n.º 2 que é o Acórdão desta Relação que decidiu a questão da realização de obras no edifício e onde não consta como provado o pagamento em questão;
a testemunha J…, mencionando que o orçamento que apresentou para realização de projeto arquitectónico era de 32 000 EUR, acrescido de I. V. A., também referiu que nada foi pago;
mencionou ainda que não foram quantificadas as obras;
fica-se na dúvida sobre se iriam ser cobrados valores e como ou se havia um interesse de manutenção de uma relação que poderia passar por não cobrar esses valores, como mencionado no recurso ora em análise.
Assim, há que considerar não provados os custos mencionados nas alíneas b), c), d) e e), do facto 22.
Neste também se elimina a menção a que os pagamentos ocorreram no decurso das diligências para cumprimento do contrato promessa e obrigações nele inseridas por ser expressão conclusiva pelo motivo que já acima referimos.
Deste modo, o facto provado 22 passa a ter a seguinte redação:
As Autoras despenderam as seguintes quantias:
a) Indemnização a inquilinos - 337 500 EUR.
b) Custos do Registo Provisório – 250 EUR.
E resulta não provado:
Facto não provado 4:
As Autoras tenham despendido:
a). em projetos arquitetónicos, realização de levantamentos topográficos, execução de projeto e pedido de informação prévia (PIP), obtenção de declaração de ruína, pedidos e comunicações de preferência à Camara Municipal do Porto, e IGESPAR, a quantia de 32 000 EUR;
b). em valores pagos à Imobiliária promotora - 24 600 EUR;
c). em aquisição de eletrodomésticos para a cozinha, grades tipo lagarto para as janelas, remodelação das casas de banho e pintura geral do apartamento para onde foram estes realojados, a quantia de 8 000 EUR;
d). em trabalhos que a 1.ª e 2.ª Autoras solicitaram a empresa terceira, nomeadamente junto da Câmara Municipal do Porto e Proteção Civil, acompanhamento dos inquilinos quer na negociação quer na desocupação do Prédio, o valor de 26 000 EUR.
*
Do aditamento de factos.
Artigos 37, 42 e 43, da contestação. Estes artigos têm a seguinte redação:
37. Segundo o n.º1 da cláusula quarta do texto do contrato promessa invocado pelas autoras, ficaram elas obrigadas “a conceber, a suas expensas, um projecto imobiliário prevendo a remodelação integral do prédio e submetê-lo a aprovação pela Sociedade de Reabilitação Urbana – Porto Vivo” (idêntico ao artigo 1.º, da reconvenção)
42. O que, portanto, foi convencionado entre as duas primeiras autoras e os primeiro e terceiro réus foi que, antes da escritura pública do contrato de compra e venda, aquelas teriam de ter obtido o título, em nome destes, da licença de obras, dependendo da sua prévia existência (da existência desse título) a obrigação de estes comparecerem na escritura de compra e venda para aí outorgarem.
43. No caso, as autoras não obtiveram, até à data que elas próprias agendaram para a escritura pública, nem depois disso, a licença de obras (nem, muito menos, o respectivo alvará) que se haviam vinculado a conseguir (idênticos aos artigos 4.º e 6.º, da reconvenção).
Ora, os factos insertos nos artigos 37 e 42 da contestação e 1.º, da reconvenção, são a reprodução de parte do contrato promessa objeto do processo e a interpretação que, na opinião dos recorrentes/Réus, emana do mesmo.
No entanto, na fundamentação de facto, não há lugar para narração de interpretação do que é clausulado, reservada esta para a apreciação em termos de direito.
No artigo 43.º, da contestação (4.º e 6.º, da reconvenção), pensamos que há um facto que pode ter interesse analisar que é o de saber se foi emitida licença de obras e respetivo alvará. Este facto pode servir para aferir se, existindo obrigação dos promitentes compradores em relação a um projeto imobiliário, este inclui a obtenção daqueles elementos e, na afirmativa, se foram obtidos ou não para assim se determinar se ocorre alguma responsabilização pela sua falta ou obtenção.
Ora, dos autos não consta qualquer licença de construção ou alvará nem os Autores alegam que o obtiveram; na verdade, na sua visão, os mesmos Autores cumpriram a obrigação contratual ao obterem um Pedido de Informação Prévia (P. I. P.) que é prévio à obtenção de tal tipo de documentação – artigo 17.º, do Decreto-Lei 555/99, de 16/12 - a informação prévia favorável vincula as
entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia -.
Assim, pensamos que é seguro assentar que não foi obtida licença de construção e respetivo alvará quanto a obras a realizar no edifício objeto do contrato promessa.
Se os Autores se obrigaram a obter essa documentação, é uma conclusão que se pode eventualmente retirar pela análise do contrato, em sede de direito.
Assim, adita-se aos factos provados o facto provado 23 com o seguinte teor:
Não foi obtida licença de construção, e respetivo alvará, quanto a obras a realizar no edifício objeto do contrato promessa.
*
Artigos 15.º e 16.º, da contestação.
15. Ainda que tal não figurasse expressamente no texto do contrato promessa de que se trata nos autos, foi entretanto acordado entre as respectivas partes originárias (as duas primeiras autoras, por um lado, e os primeiro e terceiro réus, por outro lado) que não seriam os ali designados promitentes vendedores a vender o imóvel dele objecto, mas uma sociedade comercial a designar (mais adiante, foi designada a aqui quarta ré) para a qual estes, previamente, a transmitiriam.
16. Nos termos assim acordados, os primeiro e terceiro réus ficaram obrigados, em primeiro lugar, a transmitir o imóvel para essa sociedade e, em segundo lugar, a diligenciar para que esta o vendesse aos promitentes compradores ou ao cessionário da sua posição contratual.
Ou seja, os recorrentes pretendem que resulte provado que «Entre os primeiros Réus (E… e G…) e as autoras foi acordado que os promitentes vendedores transmitiriam, previamente, para uma
sociedade a designar o imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda».
Nesta proposta redação não se inclui a parte relativa a nascer uma obrigação de diligenciar pela celebração do contrato por parte da empresa mas pensamos que é também isso que é pretendido face ao que consta da alegação.
Porém, apesar do doutamente alegado, não entendemos que possa ser dada como provada essa factualidade tal como sugerida.
Desde logo, não há qualquer elemento literal do contrato de onde se possa retirar uma possível transmutação de obrigações dos promitentes vendedores em primeiro se obrigarem a venderem um bem aos promitentes compradores para depois, caso não o cumpram, este incumprimento se transforme, por acordo entre todos, na única obrigação de terem de diligenciar que um terceiro venda o mesmo bem.
Nem essa transmutação resulta da circunstância de os promitentes vendedores, em vez de venderem o imóvel aos promitentes compradores, transmitirem a sua propriedade a uma terceira pessoa (Ré «I…»); o que sucede é que os promitentes vendedores deixam de ser donos do imóvel mas desse ato liberatório não resulta que ainda tenham qualquer tipo de obrigação para com os promitentes compradores (ou cessionária destes) no sentido de diligenciarem pela realização da prometida venda, agora por aquela empresa.
Essa obrigação de meios teria de resultar ou do contrato (que não resulta claramente) ou de algum outro tipo de meio probatório. Os recorrentes sustentam que comunicaram aos promitentes compradores que quem iria comprar era a indicada sociedade, mencionando que:
o 1.º Réu fez saber à 3.ª Autora, através de carta, a existência do referido acordo e a sua indisponibilidade para marcar presença na escritura por não ter sido possível operar a transmissão do imóvel para a indicada sociedade a qual, através dos órgãos competentes para o efeito, depois o teria de vender à cessionária – documento n.º 10, junto com à petição inicial;
depois menciona que as 1.ª e 2ªs. Autoras, confirmando o acordo, com o consentimento e a anuência da 3.ª autora, em resposta à carta que é o citado documento n.º 10, aceitam marcar outra data para a celebração do contrato definitivo que permitisse a aquisição do imóvel pela sociedade, comunicando que conseguiram essa marcação, realizando-se em simultâneo primeiro a escritura da transferência de metade do imóvel para a sociedade e depois a realização da escritura de compra e venda, o que veio a ser efetivamente marcado para 17/09/2018 – artigos 17.º a 19.º, da contestação -.
Ora, dos referidos documentos não resulta exatamente o que é agora alegado mas antes que:
a primeira data que foi marcada para a realização da escritura foi 04/09/2018, tendo o Réu E… (promitente vendedor) mencionado à 3.ª Autora, em resposta à convocatória, que não iria comparecer por ainda não se ter efetuado a transmissão do imóvel para uma sociedade – documento n.º 10 e facto 15 -. depois a promitente cessionária «D…» comunica a nova data – 17/09/2018 (facto 17) -, sendo que as promitentes cedentes comunicam igualmente a nova data, referindo ainda que a anterior marcação para o dia 04/09/2018 incluía também a realização de escritura de transmissão do imóvel para a sociedade – documentos nºs. 14 e 15 juntos com a petição inicial, mencionados no facto 17 -
;
nessas novas convocatórias não é mencionado que a escritura vai abranger igualmente a transmissão da propriedade do imóvel para a 4.ª Ré;
e na nova data – 17/09/2018 -, um cartório notarial sito em … refere que estava marcada a realização de escritura de compra e venda e cessão de posição contratual (documentos nºs. 14 a 16)-.
Ora, da marcação para o dia 04/09/2018 de uma escritura de transmissão de propriedade do imóvel (ou parte dela) para a 4.ª Ré (ou outra empresa que surgisse nesse dia) não resulta um acordo entre todos, incluindo promitentes compradores, de que já estava definido que assim seria.
Pensamos que terá sido uma matéria falada e que, caso a venda fosse efetuada pela empresa encontrada pelos promitentes vendedores, os promitentes compradores originários e a própria cessionária 3.ª Autora não se opunham a essa intervenção.
Não resulta que tivesse existido algum acordo no sentido de que a venda só realizaria à dita empresa mas antes na aceitação de que, caso quem comparecesse a vender o bem fosse outra pessoa que não os promitentes vendedores, aqueles promitentes compradores aceitavam essa situação.
A marcação de realização de cessão de posição contratual reforça essa aceitação mas não que havia acordo em que a venda só se pudesse efetuar para a dita empresa, 4.ª Ré.
Não resulta igualmente uma mudança de objeto do contrato (que não consta em qualquer documento) e muito menos que os promitentes vendedores se obrigavam a realizar uma atividade que já não estava abrangida pelo contrato. Esta possibilidade sugerida pelos aqui recorrentes não tem suporte factual.
E, na nossa perceção, como já referimos, não conseguimos ainda ter uma noção segura sobre qual a efetiva intenção da transmissão da propriedade do imóvel para a 4.ª Ré:
se pura e simplesmente não quis cumprir para depois, com maior liberdade, poder vender a um outro terceiro;
se inicialmente procurava reduzir custos na venda aos contraentes e depois alterou a sua intenção, passando a querer vender a terceiro e/ou por um preço superior.
Temos a certeza que com a transmissão à 4.ª Ré, os promitentes vendedores já não podem transmitir a propriedade do imóvel em causa à 3.ª Autora/promitente compradora e que uma venda a realizar por aquela 4.ª Ré é assumida por esta esta como só se podendo realizar por um valor muito superior.
Assim, dos referidos documentos o que resulta, e assim se dá como provado, é
que:
Facto provado 24: Os promitentes compradores originários e entretanto cedentes, da sua posição no contrato e a cessionária, 3.ª Autora, aceitavam que a venda do imóvel fosse efetuada por outro proprietário do mesmo que não os promitentes vendedores.
E resulta não provado:
5). Entre os 1ºs. Réus e as Autoras foi acordado que a venda do imóvel objeto do contrato seria efetuada por uma sociedade a designar.
*
Elenco da factualidade. Factos provados.
«1- Os 1º e 2º Autores celebraram em 14 de Julho de 2017, com os 1º e 2º Réus, um contrato promessa de compra e venda em cujo objecto é o prédio urbano composto de 5 pisos, destinado a habitação, com quintal, sito na Rua…, nº .., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 79/19940526 e inscrito na matriz sob o n.º 891 (documento de fls. 18 a 25, que se dá por integralmente reproduzido nas suas cláusulas e dizeres);
2- Na data da celebração do presente contrato o prédio encontrava-se onerado com três contratos de arrendamento em vigor a saber: a) Habitacional: herdeiros de L…; b) Comercial: Centro Social Paroquial M…; c) Comercial: Empresa N…;
3- Na data da outorga do aludido contrato, corria termos a acção declarativa de condenação, sob a forma comum, com o n.º 403/14.3T8PRT, no Juiz Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6, do Juízo Central Cível da Comarca do Porto, sendo causa de pedir a caducidade daqueles contratos de arrendamento, por perda do objecto locatício, nos termos do disposto na alínea e) do Artigo n.º 1051.º do Código Civil;
4- Entretanto, esta demanda foi julgada improcedente em primeira instância e
confirmada em sede de apelação (documento de fls. 27 a 62);
5- Desta decisão transitada em julgado, resultaram obrigações para os 1º e 2º réus, nomeadamente, a realização de obras (com realojamento dos arrendatários) pagamento de indemnizações, além de custas de parte;
6 - Apesar de procedimento judicial em curso, os aqui 1ª e 2ª Autoras, levaram a efeito procedimentos negociais com vista a cessação desses contratos de arrendamento.
7- Mais consta do aludido contrato que o preço a pagar pelos 1º e 2º Autoras aos 1º e 2º Réus foi fixado em 2.000.000,00€ (dois milhões de euros) a pagar nas seguintes condições:
- na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda a quantia de 30.00,00€ (trinta mil euros), a titulo de sinal e principio de pagamento , cuja quitação consta do mesmo;
- o remanescente do preço, 1.970,000,00€ (um milhão e novecentos e setenta mil euros) seria pago no momento da celebração da escritura notarial de compra e venda;
8- Mais se convencionou que a escritura definitiva de compra e venda seria outorgada no prazo máximo de quinze meses a contar da data de outorga do contrato promessa, podendo, todavia, ser antecipada pelos ali promitentes compradores desde que comunicada com quinze dias de antecedência aos promitentes vendedores;
9- Competia aos promitentes compradores a marcação da escritura notarial de compra e venda;
10- Do mesmo contrato resulta igualmente a autorização dada pelos promitentes vendedores aos promitentes compradores para que, livremente, pudessem ceder a sua posição contratual, devendo para o efeito, comunicar tal cessão aos promitentes vendedores até quinze dias da data da escritura pública de compra e venda;
11- Assim, em 5 de Julho de 2018, as 1ª e 2ª Autoras cederam a sua posição
contratual à 3ª Autora (D…, Lda., doc. de fls. 69 e 70);
1 2 - Em julho de 2018, a 3.ª Autora procedeu aos pagamentos aos inquilinos dos valores indemnizatórios devidos pela cessação dos contratos de arrendamento, no valor global de 337 500 EUR (docs. de fls. 74,78 e 82);
13- A cessão da posição contratual foi comunicada por escrito aos promitentes vendedores em 20 de Agosto de 2018, …rececionada pelos destinatários; 14- Em 20 de Julho de 2018, os promitentes compradores comunicaram aos promitentes vendedores a data, hora e local em que se celebraria o contrato prometido, comunicação que os mesmos receberam (docs. de fls. 85 e 86);
15- O 1º R. respondeu a essa comunicação, além do mais comunicando que não iria comparecer e que a transmissão da sua meação ocorreria “não directamente, mas através de sociedade para a qual iria, previamente, transferir” a sua meação no imóvel (doc. de fls. 87 verso e 88, que se dá por reproduzido nos seus dizeres);
16- Perante tal solicitação, os AA., que se haviam deslocado ao Cartório Notarial, logo ali solicitaram a designação da data de 17 de Setembro de 2018, pelas 17.00 horas, para a formalização do contrato prometido (doc. de fls. 89); 17- Facto que foi comunicado por cartas registadas com aviso de recepção a todos os RR.: em 4 de Setembro de 2018, por carta enviada pela 3ª A. para cada um dos RR.; em 5 de Setembro de 2018, por carta enviada pelas 1ª e 2ª AA. para cada um dos RR (docs. de fls. 90 a 97);
18- Tais cartas foram recepcionadas pelos destinatários (mesmos docs.), que nada opuseram às mesmas, verbalmente ou por escrito;
18.º-A: No dia 07/09/2018, as 1.ª e 2.ª Autoras promoveram o registo predial do contrato promessa de compra e venda celebrado com os 1.ºs e 2.ºs Réus, sob a ap. 1097, de 2018-09-07.
19- Por essa razão, na data aprazada - 17 de Setembro de 2018, pelas 17.00 horas - deslocaram-se ao Cartório Notarial a cargo do Ilustre Notário O…, as
seguintes pessoas: a) O infra signatário P…, na qualidade de mandatário da 3ª A, e com poderes para a outorga da escritura, e munido dos meios de pagamento de todos os valores envolvidos no contrato promessa e no contrato de cessão de posição contratual e assim como os impostos inerentes; b) O infra signatários Q… e S…, como mandatários forenses da 1ª e 2ª R, respectivamente; O legal representante da mediadora imobiliária T…, Unipessoal, Lda., U…; e d) O Senhor Advogado Dr. V…, na qualidade de advogado dos vendedores (doc. de fls. 98 e 99);
20- Nos dias seguintes, verificaram os autores que no sítio da internet da imobiliária que interveio na mediação do negócio prometido, estava publicitada a venda do imóvel, desta vez, com a indicação expressa de que não tinha inquilinos, que tinha já o PIP aprovado, e, desta feita, por um preço de 3.500.00 euros (doc. de fls. 100);
21). No dia 10/09/2018, o 1.º Réu, E…, outorgou escritura (registada a 13/09/2018 sob a ap. 3135, de 2018/09/13) em que subscreveu entrada em espécie na sociedade identificada como 4.ª Ré, com a sua quota- parte da metade indivisa do Prédio, com o valor atribuído de 200 000 EUR, declarando que tal imóvel se destinava a revenda.
21.º-A: No dia 20/09/2018, o 2.º Réu, G…, outorgou escritura, registada a 26/09/2018 sob a ap. 3466, de 2018/09/26, em que subscreveu entrada em espécie na sociedade identificada como 4.ª Ré, mediante a sua metade indivisa do prédio, com o valor atribuído de 200 000 EUR, mais declarando que tal imóvel se destinava a revenda.
22). As Autoras despenderam as seguintes quantias:
a) Indemnização a inquilinos - 337 500 EUR
b) Custos do Registo Provisório – 250 EUR.
23). Não foi obtida licença de construção, e respetivo alvará, quanto a obras a realizar no edifício objeto do contrato promessa.
24). Os promitentes compradores originários e entretanto cedentes, da
sua posição no contrato e a cessionária, 3.ª Autora, aceitavam que a venda do imóvel fosse efetuada por outro proprietário do mesmo que não os promitentes vendedores.
*
Factos não provados:
- Que a alienação do imóvel para a I…, Lda. tenha sido o resultado de conluio entre os 1.º e 2.º Réus com a 3.º Ré, arquitectando um plano por forma a não outorgarem a escritura pública de compra e venda (contrato prometido);
- Que no momento em que em que transmitiram a sua parte no imóvel á sociedade 3º Ré, não existisse efectiva intenção de transmitir a essa sociedade as suas propriedades, mas antes e apenas a de defraudar o erário público ou terceiros, bem como que as vontades declaradas nesse negócio não correspondessem à vontade real dos réus;
- Que, em resultado dos factos acima descritos, as autoras tenham visto a sua imagem abalada nos seus ramos de negócio.».
4.) As Autoras tenham despendido:
a). em projetos arquitetónicos, realização de levantamentos topográficos, execução de projeto e pedido de informação prévia (PIP), obtenção de declaração de ruína, pedidos e comunicações de preferência à Camara Municipal do Porto, e IGESPAR, a quantia de 32 000 EUR;
b). em valores pagos à Imobiliária promotora - 24 600 EUR;
c). em aquisição de eletrodomésticos para a cozinha, grades tipo lagarto para as janelas, remodelação das casas de banho e pintura geral do apartamento para onde foram estes realojados, a quantia de 8 000 EUR;
d). em trabalhos que a 1.ª e 2.ª Autoras solicitaram a empresa
terceira, nomeadamente junto da Câmara Municipal do Porto e Proteção Civil, acompanhamento dos inquilinos quer na negociação quer na desocupação do Prédio, o valor de 26 000 EUR.
5). Entre os 1ºs. Réus e as Autoras foi acordado que a venda do imóvel objeto do contrato seria efetuada por uma sociedade a designar.
*
Do mérito dos recursos.
Iremos iniciar a análise dos recursos por aquele que foi interposto pelas Autoras e em seguida pelo que foi intentado pelos Réus, sem prejuízo de, se assim se entender necessário, intercalar argumentos das contrapartes na apreciação em causa.
Assim, as Autoras/recorrentes pugnam desde logo que o seu primeiro pedido deve ser julgado procedente, pedido esse que consiste na prolação de decisão nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do C. C., ou seja, que se profira sentença a produzir os efeitos da declaração do contraente faltoso.
E, resultando claro dos factos provados que atualmente quem assume a qualidade de promitente compradora é a 3.ª Autora/recorrente – factos 11 e 13
-, por força da cessão de posição contratual aí referida, há que aferir se, na perspetiva dos recorrentes, em especial da promitente compradora, existe algum tipo de incumprimento contratual por quem assume a qualidade de promitente vendedor que sustente aquele pedido.
Ora, em primeiro lugar, importa determinar quem é que assume a qualidade de promitente vendedor sendo que, pelo teor do contrato, para nós resulta claro que o são os Réus E… e G… – cláusula 2.ª -.
A questão que foi surgindo nos autos, ainda que não a principal, é a de que, tendo estes Réus transmitido a titularidade do objeto do contrato promessa (imóvel) para a Ré I…, Lda., e aceitando os promitentes compradores originários que a venda fosse efetuada por outra pessoa que não aqueles, teria então
ocorrido uma efetiva cessão de posição contratual para aquela empresa, cessão aceite pelos originários promitentes compradores – artigo 424.º, do C. C. -.
Vejamos então.
A cessão da posição contratual entre promitentes compradores e 3.ª Autora (D…, Lda.) ocorreu em 05/07/2018, comunicada aos promitentes vendedores em 20/08/2018.
A primeira data que foi marcada para a realização da escritura foi 04/09/2018, tendo o Réu E… (promitente comprador) mencionado em resposta à convocatória que não iria comparecer por ainda não se ter efetuado a transmissão do imóvel para uma sociedade – documento n.º 10 e facto 15 -.
Depois a promitente cessionária «D…» comunica a nova data – 17/09/2018 (facto 17) -, sendo que as promitentes cedentes comunicam igualmente a nova data, referindo ainda que a anterior marcação para o dia 04/09/2018 incluía também a realização de escritura de transmissão do imóvel para a sociedade – documentos nºs. 14 e 15 juntos com a petição inicial, mencionados no facto 17 -
.
Ou seja:
a promitente compradora que iria outorgar o contrato definitivo, quer em 04/09/2018 quer em 17/09/2018, era a 3.ª Autora «D…»;
do que consta dos autos e como já referimos, esta promitente não expressou qualquer aceitação, tácita ou implícita, de uma eventual cessão de posição contratual dos originais promitentes vendedores, apenas revelando aceitar que se fosse outra pessoa a surgir como vendedora por ser a atual proprietária, à partida não iria colocar problemas.
Assim, mesmo que se pudesse ter concretizado essa cessão a favor da Ré «I…», não há prova de que a mesma tivesse eficácia perante a atual promitente compradora – artigo 424.º, n.º 2, do C. C. -.
Acresce que, na nossa visão, não foi efetuada essa hipotética cessão de posição contratual. Em termos expressos, no que vislumbramos, é assumido por todas
as partes que não foi efetuada, ou seja, não houve um acordo formalizado de que os promitentes vendedores cediam a sua posição para aquela sociedade, tal como houve em relação aos promitentes compradores e 3.ª Autora.
E essa formalização (documento escrito) é necessária por força do disposto no artigo 410.º, n.º 2, ex vi artigo 425.º, ambos do C. C..
Poderia entender-se que a cessão de posição contratual se tinha formalizado através do contrato no qual os promitentes vendedores transmitiam os direitos sobre o imóvel, objeto do contrato promessa (factos 21.º e 21.º-A) para a sociedade através de um aumento de capital através de entrada em espécie (artigo 28.º, do C. S. C.); no entanto, essa transmissão não é, na nossa visão, uma cessão dos direitos e deveres do contrato promessa mas simplesmente a incorporação no património da sociedade do bem objeto do contrato.
A sociedade, 4.ª Ré, era e continua a ser um terceiro formalmente alheio ao contrato promessa. O imóvel entra no capital dessa empresa e esta, salvo algum vício contratual ou de atuação, é livre de lhe dar o destino que legalmente entender, não havendo, da sua parte, nos autos, qualquer manifestação de que vai cumprir o contrato promessa em causa.
E poderia existir essa manifestação, por exemplo, pedindo uma alteração da data marcada para a escritura ou anunciando que seria a empresa que ia comparecer e celebrar o contrato, o que não houve, pelo contrário; como mencionamos na motivação factual, a sua intenção é a de vender em condições diferentes da constante do contrato promessa (por um maior valor).
Para haver a cessão de posição contratual tem de existir a transmissão de direitos e obrigações o que não resulta da simples aquisição do imóvel objeto do contrato promessa por um terceiro.
Prosseguindo agora na análise da possibilidade de se cumprir o contrato promessa.
Os Autores/recorrentes procuram sustentar uma posição que, salvo erro da nossa parte, é um pouco ambivalente no que respeita ao que representa a
transmissão da propriedade do imóvel para a sociedade «I…» pois:
na ação procuraram atacar a validade dessa transmissão, classificando-a como simulada por inexistir a efetiva intenção de ser celebrada, pedindo, coerentemente, a sua nulidade;
mas, seja pela carta que os promitentes compradores originários enviam onde mencionam que até marcaram a 1.ª data para realização da escritura para se poder realizar a transmissão, seja ainda por que no recurso se afigura que foi essa a sua perceção inicial mas que agora porventura o que pensam é que tudo não passou de uma encenação (artigo 103.º, das alegações), acabam por revelar que optaram por pedir a invalidade dessa transmissão.
Essa prova da invalidade não se realizou, o que não significa que, pelos factos de que dispomos, não se possa procurar perceber o que pode eventualmente representar a dita transmissão.
Na verdade, tomando como certo que os promitentes vendedores queriam transmitir a propriedade do imóvel mas não o queriam fazer por si mas antes através de uma empresa, para a qual previamente transmitiam a propriedade do mesmo, temos que surgiria um terceiro que se interpunha entre as partes originárias e que seria quem iria concretizar o negócio.
As Autoras/recorrentes procuraram classificar essa interposição como uma simulação absoluta, ou seja, não havia a celebração de qualquer negócio entre aqueles promitentes vendedores e «I…».
Mas, face ao que se pode pensar que as partes originárias do contrato aceitaram, em termos de correspondência trocada entre ambos, aquela transmissão visaria que a empresa 4.ª Ré, «I…», depois transmitisse a propriedade do imóvel para a cessionária dos promitentes compradores. Ou seja, seria vontade dos promitentes vendedores transmitir a propriedade do imóvel para aquela sociedade e era vontade ainda que esta transmitisse depois a propriedade do imóvel para a promitente compradora.
Sabemos que não é esta a posição que resulta da contestação, fazendo-se crer
que nasceu uma nova obrigação para os promitentes vendedores de procurar que a empresa «I…» efetuasse a venda ao mesmo tempo que desaparecia a obrigação dos mesmos promitentes vendedores, algo que já mencionamos que não tem a nossa adesão por não ter o mínimo suporte probatório.
Mas, o que pode resultar da correspondência trocada é a possível existência daquela real vontade de transmissão do imóvel através de uma sociedade, ou seja, os promitentes vendedores fariam interpor na transmissão do imóvel para os promitentes compradores uma terceira pessoa a qual se tinha comprometido a transmitir a propriedade do imóvel para a atual promitente compradora e assim o iria realizar.
Esta situação é classificada como interposição real de pessoas na qual «uma pessoa contrata com outra (apenas) para que esta, depois, transfira para o verdadeiro destinatário da operação aquilo que adquiriu; aqui é vontade das partes percorrer todo este circuito, não havendo divergência entre a vontade manifestada e a vontade real.» - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª edição, página 891 -.
Também Xxxxxxx Xxxxxxx, in Falta e vícios da vontade: uma viagem pela jurisprudência, RJLB, Ano 4 (2018), n.º 6, páginas 2395 e 2396, xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxxxxx/xxxx/0000/0/0000_00_0000_0000.xxx, menciona, citando Xxxxxx xx Xxxxxxx, que «na interposição real (como na fictícia) há três pessoas envolvidas, sendo que a diferença entre as duas modalidades passa por saber se houve ou não um conluio entre todos os intervenientes. No caso de A transmitir certos bens a B para que ele, posteriormente, os transmita a C, haverá interposição real se apenas entre A e B existiu um acordo no sentido da ulterior transmissão; na interposição fictícia, o interposto é o testa-de-ferro, o homem de palha, o presta-nome.
Na interposição real, o interposto atua em nome próprio, mas no interesse e por conta de outrem, por força de um acordo entre ele e um só dos sujeitos, pelo que, não existindo conluio entre os três sujeitos, não haverá simulação.».
Na nossa visão, poderia ser esta a situação dos autos em que, do que resulta de parte da instrução, para se obterem menores custos na transmissão do imóvel[1], iriam ocorrer aquelas duas transmissões, uma delas (dos promitentes vendedores para a sociedade) já efetivada, para a 4.ª Ré que depois surgiria com a veste de dona e vendedora.
Sucede que não foi este o caminho adotado pelos Autores, que trilharam antes a possibilidade de existir a simulação das transmissões do direito de propriedade sobre o imóvel (já operada), nulidade que, sendo declarada, iria acarretar a impossibilidade de transmissão do imóvel da sociedade para a promitente compradora.
Com a prova dessa pretendida simulação, a promitente compradora conseguiria tornar nulo esse negócio, permanecendo a propriedade do imóvel na esfera dos promitentes vendedores (artigos 240.º, n.º 2 e 289.º, n.º 1, do C. C.) que assim se mantinham com a possibilidade de transmitir o imóvel por ainda serem seus proprietários.
No entanto, essa prova não foi conseguida.
Assim, não foi alegado pelos Autores que havia um acordo real entre promitentes vendedores e 4.ª Ré para lhes transmitir a propriedade do imóvel[2], sendo que os Réus não só não alegam esse acordo como se limitam a alegar que estão obrigados a convencer a 4.ª Ré a operar tal transmissão.
Acresce que esta mesma Ré, «I…» não é parte de qualquer acordo de transmissão do imóvel, não resultando do contrato qualquer obrigação que tenha de cumprir.
Não nos é assim possível trilhar a solução pela indicada interposição real de pessoas.
Também não se apura a nulidade da transmissão do imóvel para a 4.ª Ré.
E, assim sendo, temos então que a 3.ª Autora pretende que se profira a indicada decisão ao abrigo do artigo 830.º, do C. C., numa situação em que o bem a transmitir já não se encontra na esfera dos promitentes vendedores.
Com essa transmissão, neste momento, os promitentes vendedores não podem vender o imóvel à indicada 3.ª Autora por já não serem os seus donos, assim tendo incumprido definitivamente a sua obrigação.
Este incumprimento definitivo impede o recurso à execução específica[3].
Nem se pode, na nossa opinião, concluir que existe responsabilidade dos promitentes vendedores por usarem uma empresa para servir os seus interesses pois desconhece-se se esse uso foi legítimo ou ilegítimo (face à não prova da simulação acima referida, desconhece-se a real intenção das partes).
As Autoras/recorrentes procuram sustentar a possibilidade de execução específica invocando a desconsideração da personalidade jurídica da empresa 4.ª Ré ou por existir abuso de direito.
Esta figura da desconsideração da personalidade jurídica já é aceite na doutrina e jurisprudência e basicamente pode enquadrar-se como ocorrendo quando o sócio de uma empresa usa o património separado da empresa para praticar um ato lesivo de terceiros, escondendo-se sob a proteção desse património societário.
Quem pratica o ato ilícito é o sócio mas atrás do véu da empresa e, para o tornar descoberto aos credores, desconsidera-se que o ato tenha sido praticado pela sociedade, considerando-se que o ato foi efetivamente praticado pelo sócio, assim podendo o património deste ser perseguido pelos credores.[4]
Na situação dos autos, temos uma aquisição da propriedade do imóvel pela empresa 4.x Xx em que, além de nada afastar a real intenção de assim se ter atuado, não se conseguiu igualmente descortinar que, em vez de ser ter sido a sociedade a adquirir, tenha sido efetivamente outra pessoa, mormente um seu sócio.
Ou seja, pela análise desta realidade que temos nos autos, pensamos que surge a ideia de que este caso não corresponde à situação base que se costuma aplicar em sede de desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa (em vez de um sócio praticar um ato escondido na sociedade, temos um ato
praticado às claras com a sociedade).
Daí que porventura o que estaria em causa seria a situação inversa em relação ao que é normalmente pensado neste tipo de situações: o ato é praticado por quem, no caso concreto, acaba por se tornar sócio da empresa (promitentes vendedores) a favor da sociedade (aumento de capital realizado através da entrada em espécie da propriedade do imóvel); mas se esse ato do sócio é ilicitamente lesivo dos interesses de terceiros, então pode ser possível ao credor obter a satisfação do seu interesse através do património da sociedade.
Assim, desconsidera-se a autonomia da personalidade jurídica da empresa não para se poder atingir o sócio mas sim para atingir a sociedade por uma responsabilidade do seu sócio. É a denominada teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica: existe a quebra da autonomia patrimonial, com que se busca responsabilizar a sociedade no tocante a dívidas ou atos praticados pelos sócios, sempre que for apurado o uso abusivo, simulado ou fraudulento da pessoa jurídica.[5]
Ora, desde logo não se logrou apurar que tenha ocorrido a apontada fraude/simulação contratual de entrada do imóvel na empresa 4.ª Ré.
E, se se tivesse provado a simulação, como já mencionamos, não havia que lançar mão deste instituto pois através da mesma o imóvel retornava à propriedade dos promitentes vendedores.
Por fim, ainda que se possa entender que houve um ato ilícito por parte dos promitentes vendedores ao transmitirem a propriedade do bem objeto do contrato promessa a um terceiro e assim, conscientemente, estavam por um lado a fazer nascer o incumprimento definitivo dessa promessa e, por outro, continuavam a beneficiar da propriedade desse imóvel através da empresa que dominam, a desconsideração da personalidade desta não passa pela prolação de sentença nos termos do artigo 830.º, do C. C..
É preciso apurar se o incumprimento contratual extravasa o «simples incumprimento» e redunda assim, em primeiro lugar, na lesão dos direitos do
contraente cumpridor e, em segundo lugar, no benefício obtido pelo incumpridor em manter na sua esfera os direitos que tinha na situação que existia antes do incumprimento.
No caso, tendo os promitentes vendedores incumprido o contrato promessa, transmitindo a propriedade do imóvel prometido vender à 4.ª Ré mas sendo aqueles os sócios desta, podendo assim ainda continuar a decidir do destino a dar ao imóvel em nome da sociedade, não só lesam o direito do promitente comprador como continuam a beneficiar do direito de decidirem da sorte do mesmo imóvel.
E, se assim se concluir, a desconsideração da personalidade da empresa passa então por esta responder pelos danos causados pelo incumprimento do seu sócio em relação ao outro contraente/credor, na medida do valor de que a empresa beneficiou. Na situação em análise, o valor dos danos causados pelo incumprimento do sócio têm de ser ressarcidos não só pelo sócio incumpridor mas também pela empresa 4.ª Ré na medida do valor do imóvel que foi incorporado no património da empresa.
No entanto, não é possível desconsiderar a personalidade da empresa ao ponto de se emitir uma sentença em que se procede à execução específica em relação a quem não se obrigou à declaração em falta (venda do imóvel).
Esta declaração de venda só pode ser emitida por quem a assumiu na promessa e se essa parte a incumpre definitivamente, já não pode ser emitida, incluindo pelo tribunal (por isso é que no incumprimento definitivo de promessa de compra e venda já não é possível a execução específica).
A situação que é retratada no Acórdão do S. T. J. de 10/01/2012, xxx.xxxx.xx, citado pelos recorrentes,[6] é um pouco diferente pois aí o real adquirente não queria vir a adquirir a propriedade do imóvel prometido vender para assim poder evitar a execução específica (ao contrário da situação presente em que os sócios eram donos do imóvel e transmitiram a sua propriedade à empresa).
No entanto, pensamos que não é possível determinar, em sede de sentença,
através de execução específica, a transmissão de propriedade de um bem que já não pertence aos promitentes vendedores (não tendo o contrato eficácia real, como não tem).
Na parte final do recurso iremos regressar a esta questão.
Assim, foi correta a decisão do tribunal recorrido ao concluir não ser possível a execução específica, pelo que improcede esta parte do recurso dos Autores.
*
Do recurso dos Réus.
Tendo sido julgado improcedente o pedido de execução específica, já não se coloca a questão de poder existir incompatibilidade entre o mesmo e o pedido de indemnização efetuado pelos mesmos Autores.
Referiremos apenas que, compreendendo-se a alegação dos ora recorrentes/Réus no sentido de existir incompatibilidade entre pedir-se o cumprimento do contrato através da execução específica e o ressarcimento de danos que alegadamente decorrem do seu incumprimento, pensamos que não existiria aquela incompatibilidade substancial que o artigo 186.º, n.º 2, c), do C.
P. C. prevê para a ocorrência de ineptidão da petição inicial (e que nesta fase
«só» poderia conduzir à improcedência dos pedidos).
Na verdade, pode entender-se que os Autores pedem o cumprimento do contrato e uma indemnização que os compense pelo atraso na celebração do mesmo e que, com tal celebração, ainda subsistissem. Ou seja, arguindo os Autores que o imóvel deveria permanecer na esfera dos promitentes vendedores (por força da simulação na transmissão para a 4.ª Ré) e que então o contrato podia e devia ser cumprido, alegam que há danos que sofreram por não ter sido cumprido o contrato, incumprimento esse em sentido amplo, englobando a mora (artigo 804.º, do C. C.).
Outra questão seria aferir se, com o cumprimento do contrato, os Autores sofriam algum prejuízo ou se aquele cumprimento o sanava, total ou
parcialmente, tudo se reconduzindo à procedência ou improcedência do pedido de indemnização.
Mas, como referimos, esta questão já não se coloca por o pedido de execução específica ter sido julgado improcedente.
E no que respeita ao pedido de indemnização, os Autores não são claros na alegação jurídica sobre qual a base em que assentam a sua pretensão, afigurando-se que (como já referimos) apelam ao incumprimento em sentido amplo (artigo 798.º, do C. C.) mas também recorrem à impossibilidade definitiva de incumprimento (artigo 808.º, do C. C.).
O que temos neste momento é que o contrato promessa, face à transmissão da propriedade do imóvel para um terceiro não contraente, está definitivamente incumprido.
E temos igualmente, como mencionado na decisão recorrida, que os Autores não pedem a resolução do contrato promessa, nem expressa nem tacitamente, antes o seu inverso: pediram expressamente o seu cumprimento.
Daí que não se coloca a questão de a indemnização corresponder ao valor do dobro do sinal prestado pelos promitentes compradores pois esta sanção está reservada para a resolução do contrato – artigo 442.º, n.º 2, do C. C. -.
Este mesmo artigo 442.º, no n.º 4, dispõe que «na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.».[7] Mesmo que se peça a resolução do contrato promessa, se houver estipulação nesse sentido, em caso de não cumprimento do contrato, pode ser devida a perda de sinal ou o pagamento do seu dobro e o pagamento de uma outra indemnização; pensamos que é o que sucede in casu.
As partes estipularam, na cláusula 7.ª, n.º 2, do contrato promessa, que «em caso de incumprimento do presente contrato por facto imputável a um dos outorgantes, o outorgante incumpridor deverá pagar ao outro a título de
cláusula penal o montante indemnizatório de €500.000,00.». A cláusula é clara em todos os seus termos:
tem de haver incumprimento do contrato; incumprimento esse imputável a um dos contraentes;
reveste a natureza de cláusula penal – artigo 810.º, n.º 1, do C. C. ; com o valor de 500 000 EUR.
Poderiam existir dúvidas sobre se, numa situação de simples mora no cumprimento do contrato, se aplicaria uma sanção tão elevada a título de indemnização mas, numa situação em que há incumprimento definitivo do contrato promessa, causado pela transmissão da propriedade do imóvel por parte dos promitentes vendedores, em que o preço final seria de 2 000 000 EUR, na nossa opinião essas dúvidas não subsistem.
As partes, no domínio da liberdade contratual, estabeleceram que caso o contrato fosse incumprido, o incumpridor teria de ressarcir o outro naquele valor e, com o devido respeito por opinião diversa, foi isso que foi pedido por todas as Autoras.
É certo que estas invocam regras gerais do incumprimento mas, além de o tribunal não estar adstrito à fundamentação jurídica das partes, não deixa de estar em causa uma situação em que está em causa um incumprimento contratual o que pode levar a suscitar a aplicação das regras gerais para se fixar um indemnização ao invés de se sustentar o pedido unicamente naquela aquela cláusula penal (já nos reportamos a esta análise do pedido em relação á arguida nulidade de violação do pedido).
As Autoras, pelo menos na petição inicial, pedem uma indemnização de modo que consideramos de modo juridicamente imperfeito mas o que pretendem é claro: uma indemnização com base nos danos causados pelo incumprimento do contrato e aquela foi regulada no contrato.
Não se nos afigura possível as Autoras pedirem uma indemnização pelo incumprimento do contrato e ainda terem a possibilidade de noutra ação
pedirem uma outra indemnização pelo incumprimento, agora com base numa cláusula penal que regulou essa situação de incumprimento e ressarcimento de danos.
Ao estabelecerem essa cláusula, as partes aceitaram não só que se houvesse incumprimento era devida essa indemnização como que o valor era de 500 000 EUR, fossem os danos de valor menor ou maior.
O beneficiário da cláusula penal (o contraente que não incumpriu o contrato) somente tem que provar que existe incumprimento contratual devido à atuação culposa do outro, não tendo de demonstrar que teve danos e o seu valor.
Como se refere no Ac. da R. P. de 05/05/2016, relatado pelo ora Conselheiro Xxxxxxxx Xxxxxxxx e em que é adjunto o também aqui adjunto Desembargador Xxxxxx Xxxxxxxx (xxx.xxxx.xx), «a cláusula penal não pode valer como um simples pacto de simplificação probatória favorável ao credor, como uma simples regra de inversão do ónus da prova, porquanto o montante predeterminado entre as partes obsta a que o devedor venha a pretender a sua redução, até ao montante do dano efectivo, e bem assim como, em princípio, a que o credor obtenha uma indemnização superior àquela que foi, previamente, ajustada.
Destinando-se a cláusula penal a reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação, a indemnização devida será aquela que tiver sido prevista na pena convencionada, mais gravosa para o inadimplente do que, normalmente, seria, que, em princípio, deve ser respeitada, dado o seu caráter «a forfait», e por corresponder à vontade conjetural original das partes, sendo certo que só, em casos excepcionais, deve ser reduzida, com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas, «manifestamente excessivas», francamente, exageradas, face aos danos efectivos.
A fim de não serem anuladas as vantagens da cláusula penal, respeitando-se a sua intangibilidade, o tribunal não só não deve fixar a pena abaixo do dano do credor, como nem sequer deverá fazê-la coincidir com os prejuízos efectivos
verificados, porquanto a redução da pena destina-se, tão-só, a afastar o seu exagero e não a anulá-la.»
Daí que, provado o incumprimento definitivo por parte dos promitentes vendedores, presumidamente culposo (artigo 799.º, n.º 1, do C. C.), os promitentes compradores têm direito a receber 500 000 EUR; e, atualmente é promitente compradora a 3.ª Autora pelo que só ela teria direito a receber esse valor.
No caso concreto, o que foi pedido foi o valor de 453 530 EUR pelo que é esse o valor a atribuir – artigo 609.º, n.º 1, do C. P. C.-.
E os obrigados ao seu pagamento são desde logo quem incumpriu o contrato promessa, a saber, os promitentes vendedores/Réus e ora recorrentes E… e G….
A questão a aferir neste momento é saber se também a 4.ª Ré deve ser responsabilizada pelo pagamento da apontada indemnização.
E, atendendo ao que já mencionamos acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica desta 4.x Xx, que aceitou integrar no seu património, através da entrada de novos sócios que são precisamente os promitentes vendedores que incumprem o contrato, o imóvel objeto da promessa e passa a poder dispor livremente do mesmo, entende-se que a resposta é afirmativa.
É necessário salvaguardar os interesses da promitente compradora em obter o ressarcimento dos danos pelo valor livremente contratualizado, podendo esse pagamento ser feito à custa do património de quem beneficia conscientemente (através dos sócios) de um ato contratualmente ilícito e que implica uma impossibilidade de aquisição do objeto da promessa pelo contraente cumpridor. Porventura o abuso de direito (artigo 334.º, do C. C.) poderia igualmente permitir esta solução assim impedindo a 4.ª Ré de beneficiar de um ato contratual ilícito e culposo dos seus sócios.
Mas, uma vez que a mesma empresa não é parte no contrato promessa, pensamos que a sua atuação extra-contratual só pode ser sancionada com o
recurso à mencionada desconsideração da sua personalidade e não recorrendo à boa-fé contratual ou bons costumes em relação a uma parte contratual contrária que, quanto a esta Ré, não existiu.
Assim, tendo a entrada de capital da sociedade, através da propriedade do imóvel, sido no valor de 405 000 EUR, é a 4.ª Ré responsável pelo pagamento da indemnização em causa até esse valor, assim se desconsiderando a sua personalidade jurídica, respondendo também por atos praticados pelos atuais sócios.
E esta desconsideração de personalidade tanto se verifica neste momento em que a 4.ª Ré é condenada no pagamento daquele valor de que beneficiou como, se eventualmente não cumprir essa obrigação, pode vir a ser alvo de execução do seu património, cautelar ou definitivamente, para pagar aquele valor.[8]
Os promitentes vendedores são assim responsáveis, entre si solidariamente, pelo pagamento de 453 330 EUR à promitente compradora, 3.ª Autora – artigo 520.º, 1.ª parte, do C. C. – solidariedade que se estende à 4.ª Ré até ao valor de 405 000 EUR já que também foi com a sua intervenção que ocorreram os danos na esfera da promitente compradora.
*
Pode ainda eventualmente suceder que se conclua que há também incumprimento do contrato por parte dos promitentes vendedores, ocorrendo uma compensação de créditos, com eventual extinção mútua da responsabilidade do seu pagamento.
Pensamos que será essa finalidade que os ora recorrentes/promitentes vendedores procuram que resulte demonstrada ao alegarem que aqueles promitentes compradores (rectius, a atual promitente compradora que sucedeu na posição dos originários) incumpriram o contrato promessa e que, por isso, são eles devedores de 500 000 EUR.
Os recorrentes ainda mencionam que seria um caso de aplicação de exceção de
não cumprimento (artigo 428.º, do C. C.) no sentido de que os promitentes compradores incumpriram a sua obrigação de obter licença de obras e o respetivo alvará.
Se entendemos o alcance do alegado, por um lado procura-se afastar a responsabilidade no incumprimento do contrato pelos promitentes vendedores aquando da data marcada para celebração do contrato definitivo já que ainda não tinham sido obtidos aqueles elementos e, por outro lado, pretende-se obter indemnização, em sede de pedido reconvencional, com base na citada cláusula penal.
Ora, em primeiro lugar, entendemos que não resulta do contrato nem da prova produzida, que os promitentes compradores se tenham obrigado a obter uma licença de obras e um alvará de construção.
O que os mesmos se obrigaram é o que resulta da cláusula 4.ª do contrato e que foi conceber um projeto imobiliário prevendo a remodelação integral do prédio e submetê-lo a aprovação.
E, em seis meses a contar da data da celebração contrato, tinham os mesmos promitentes compradores de apresentar o procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no prédio, tendo de juntar o seu deferimento ou, caso somente fosse necessária a comunicação prévia, a sua não rejeição. E, em ambos os casos, teria de resultar que as obras determinavam a desocupação do prédio.
Assim, a obrigação era a de apresentar um projeto visando a remodelação do prédio, com sujeição a procedimento de controlo prévio (Processo de informação prévia – P. I. P. – já acima referido), não existindo qualquer previsão contratual sobre a efetiva realização de obras e o início do procedimento para se obter uma licença para se construir, com obtenção de alvará.
Numa ideia que o tribunal recorrido terá atentado, ainda que noutra perspetiva, nem faria sentido que os promitentes vendedores pretendessem transmitir a propriedade do prédio e ainda assim determinassem que se tinha de avançar
para uma total execução de um projeto, incluindo apresentação de projetos das especialidades, contratação de um construtor para realizar obras num edifício no qual não certamente não pretendiam custear as obras.
O que os promitentes vendedores queriam era obter dinheiro com venda do edifício tal como este se encontrava na data da celebração do contrato – cláusula 3.ª, n.º 4 -.
É mais curial entender que as partes queriam que fosse obtida aprovação prévia de um projeto que demonstrava que os inquilinos tinham de desocupar o edifício e, por outro lado, também serviria de valorização do edifício para quem o ia adquirir, num edifício que se afigura ser consensual que necessitava de obras.
Assim, os promitentes compradores originários ou a sua cessionária não se obrigaram a obter aqueles documentos referidos pelos recorrentes, tendo obtido o que foi contratualizado, improcedendo a alegação de existir incumprimento contratual.
Por outro lado, o incumprimento dos promitentes vendedores é independente da obtenção ou não de licença de construção, ou melhor, não resulta dos autos que a transmissão efetuada à 4.ª Ré se tenha devido a qualquer tipo de atuação dos outros promitentes incluindo uma alegada falta de obtenção de tal licença. O incumprimento surge isolado de qualquer motivação que não tenha sido a vontade dos promitentes vendedores em efetuar a alienação.
E, não se provando esse incumprimento, também o pedido reconvencional tem de improceder pois sustentava-se no alegado incumprimento que não se demonstra.
Assim, temos que há a total improcedência do recurso das Autoras (apesar da alteração da matéria de facto que se operou) e a parcial procedência do recurso das Rés, procedência essa que se resume a que:
a indemnização a pagar a título de cláusula penal tem como única credora a 3.ª Autora, cessionária do contrato promessa;
essa indemnização tem os valores de 453 330 EUR para os Réus promitentes vendedores e 405 000 EUR para a 4.ª Ré, valores acrescidos de juros tal como fixado na sentença (e que não foram objeto de recurso).
*
3). Decisão.
Pelo exposto, decide-se:
1). Julgar totalmente improcedente o recurso apresentado pelas Autoras. Custas do recurso a cargo das Autoras/recorrentes.
2). Julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelas Rés e, em consequência, alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:
2.1). Condenar solidariamente os Réus E… e G… a pagarem à 3.ª Autora a quantia de 453 330 EUR, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até efetivo pagamento;
2.2). Condenar a Ré I…, Lda. a pagar à 3.ª Autora, a quantia de 405 000 EUR, solidariamente com os Réus E… e G… até esse valor, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até efetivo pagamento.
Custas do recurso a cargo dos Réus/recorrentes e Autoras/recorridas na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Registe e notifique.
Porto, 15 de abril de 2021. Xxxx Xxxxxx
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
[1] O Réu E…, promitente vendedor, mencionou em julgamento que a venda seria feita através de uma sociedade por sugestão do
contabilista, para «operacionalizar os resultados da venda», referindo que «até parecia mal» estar a falar-se de pagar menos impostos.
[2] Acordo que, a provar-se, poderia eventualmente permitir que a 4.ª Ré fosse condenada a transmitir a propriedade do imóvel para a 3.ª Autora, sendo certo que poderia vir a suceder que a única forma de a Autora poder obter o que pretendia seria obter uma indemnização pelo valor equivalente – veja-se o Ac. do S. T. J. de 26/03/2015, www.dgsi. em que se apreciou da eventual necessidade de proferir Acórdão de Uniformização de Jurisprudência quanto à possibilidade de existir execução específica num contrato de mandato sem representação e em que se considera possível aquele tipo de condenação em se transmitir o bem, surgindo a questão problemática depois em sede de execução dessa condenação -.
[3] Xxxxxxx Xxxxx, in Contrato Promessa, Uma Síntese do seu Regime, 7ª edição, pág. 73-75, e Xxxxxx xx Xxxxx, in Sinal e Contrato Promessa, 12ª edição, pág. 153.
[4] Veja-se Ac. do S. T. J., relator Conselheiro Xxxxxxxxx Xxxx, de 07/11/2017, xxx.xxxx.xx.
[5] Ac. da R. C. de 03/11/2015, mesmo Relator, então Desembargador Xxxxxxxxx Xxxx, mesmo sítio.
[6] E em que as citações efetuadas sobre a indicação de letras não são o afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça mas antes as conclusões de recurso apresentadas nos autos pelas partes.
[7] Ac. R. P. de 23/06/2015, xxx.xxxx.xx