SILVIO GUILHERME REOLON DE COSTA
XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX XX XXXXX
ANÁLISE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM: TEMA REPETITIVO 938 DO STJ.
ANÁLISE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM: TEMA REPETITIVO 938 DO STJ.
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel do Curso de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx
TERMO DE APROVAÇÃO
XXXXXX XXXXXXXXX XXXXXX XX XXXXX
ANÁLISE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM: TEMA REPETITIVO 938 DO STJ.
Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel do Curso de Direito, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
_ Prof. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx Orientador
_ Prof. Xxxxx Xxxxx
Primeiro Membro
_ Prof. Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Curitiba, 10 de novembro de 2016.
Entramos em um momento histórico em que as disposições do ordenamento jurídico não dão respostas adequadas aos problemas de uma sociedade que está em constante metamorfose. Os dogmas do positivismo jurídico cedem espaço à atuação do magistrado, agente responsável pela solução de antinomias, adequando as normas ao caso concreto através do “diálogo das fontes”. O problema surge quando decisões contraditórias acerca de uma mesma matéria se espalham na jurisprudência pátria. Nessas situações, a segurança jurídica e a isonomia restam prejudicadas. Foi o que aconteceu com os julgados acerca da validade da “cláusula de corretagem”. Ante a diversidade de decisões, o tema chegou ao STJ (verdadeira corte de precedentes) sob o rito dos recursos repetitivos, atribuindo à decisão da cúpula caráter verdadeiramente precedental e vinculante, almejando restaurar a abalada segurança jurídica.
Palavras-chave: Cláusula de Corretagem – Superior Tribunal de Justiça – Precedentes – Segurança Jurídica – Diálogo das Fontes.
Nous nous plaçons dans un moment historique où les dispositions de la loi ne donnent pas des réponses adéquates aux problèmes d'une société qui est en constant métamorphose. Les dogmes du positivisme juridique cèdent place à l’action du magistrat, agent responsable pour la solution d’antinomies, quand il adapte les règles au cas par le biais du «dialogue des sources». Le problème se pose quand décisions contradictoires sur la même question se propagent dans la jurisprudence du Brésil. Dans ces situations, la sécurité juridique et l'égalité restent secouées. La même situation est arrivé à les décisions concernant la «clause de courtage». Face à la diversité des décisions, la question a été portée devant le Supérieur Tribunal de Justice dans le cadre du rite des ressources répétitives, qui attribue à la décision du tribunal caractère véritablement precedental et obligatoire, en visant à rétablir la sécurité juridique secouée.
Mots-clés:. Clause de Courtage - Supérieur Tribunal de Justice - Precedents – Sécurité Juridique – Dialogue des Sources.
1 TRANSFORMAÇÕES DOS CONTRATOS 9
1.1 A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CONTRATO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A REVITALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA DOGMÁTICA CONTRATUAL 12
2 CONTRATOS: PARA ALÉM DA REALIDADE TRADICIONAL 20
2.1 CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: DISTINÇÃO DOS CAMPOS DE APLICAÇÃO 21
2.2 CONTRATOS MERCANTIS: SUPERAÇÃO DAS LIÇÕES UNIFICADORAS 23
2.3 COMPRA E VENDA PURAMENTE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: PREÇO, OBJETO E CONSENTIMENTO 26
2.4 COMPRA E VENDA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR E PROTEÇÃO À PARTE VULNERÁVEL 29
2.5 ATUAÇÃO DO JUIZ PARA INTEGRAR O CONTRATO À REALIDADE 33
3 A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA ACERCA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM 36
3.1 REALIDADE DO MERCADO IMOBILIÁRIO HABITACIONAL BRASILEIRO 38
3.2 JULGADOS CONTRÁRIOS À CLÁUSULA DE CORRETAGEM 41
3.3 DECISÕES QUE DETERMINARAM A VALIDADE DA COMISSÃO DE CORRETAGEM 46
3.4 TEORIA DOS PRECEDENTES NO NOVO CPC E O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO REPETITIVO 938 49
INTRODUÇÃO
O estudo ora apresentado foi despertado pela constatação de que além dos dispositivos contratuais, dos dispositivos legais e da vontade das partes, a formação e execução dos contratos são tangenciadas por um quarto fator: as decisões judiciais dotadas de força normativa, ou seja, os precedentes.
Costuma-se estudar os contratos sob a ótica de uma teoria geral que, em tese, seria suficiente para regular todo tipo de situação jurídica apresentada. As teorias clássicas, entretanto, são insuficientes para explicar alguns fenômenos decorrentes da complexidade social, sobretudo aqueles derivados das manifestações econômicas do mundo globalizado.
Com o propósito de superar o entendimento unificador das obrigações civis, mostra-se a necessidade de analisar os contratos distintamente, de acordo com o campo em que são celebrados: entre empresários, estritamente civil ou de consumo.
Em um cenário de pluralidade de fontes normativas é perceptível a dificuldade de atribuir ao caso concreto uma regra específica que possibilite a manutenção da segurança jurídica. Foi o que ocorreu em litígios envolvendo cláusula de corretagem prevista em contrato de compra e venda de imóveis na planta. A jurisprudência debateu se incidiam sobre esta relação jurídica as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor ou se prevaleceria a força obrigatória dos contratos.
Ante a diversidade de decisões judiciais nos mais variados sentidos, a decisão do tema repetitivo 938 do STJ unificou a interpretação do direito concernente à validade da cláusula de corretagem inserida no contrato de compra e venda de imóvel na planta. A edição deste precedente pautará a conduta dos agentes tanto na formação quanto na execução de futuros contratos.
Para chegar à análise da jurisprudência pátria, o primeiro capítulo é destinado às transformações dos contratos. Busca-se mostrar que a teoria geral dos contratos não é capaz de solucionar as demandas de uma sociedade pós-moderna.
Nesse cenário, valores constitucionais passam a integrar o conteúdo e a dogmática contratual, impondo-se novos deveres aos contratantes.
O segundo capítulo é destinado à percepção de que o contrato vem sendo analisado à luz do meio em que está inserido e de novos princípios. A um mesmo tipo contratual podem ser atribuídas sistemáticas distintas, dependendo do enfoque normativo que se dá ao acordo de vontades: civil, empresarial ou consumerista.
O terceiro capítulo é dedicado ao estudo da interpretação que o judiciário brasileiro conferiu ao contrato de compra e venda de imóvel na planta e à cláusula de corretagem. A análise jurisprudencial parte de decisões de Tribunais de Justiça de diversas regiões do país e finda com a análise da teoria dos precedentes e da decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema repetitivo 938.
1 TRANSFORMAÇÕES DOS CONTRATOS
O período da segunda metade do séc. XIX e do começo do séc. XX foi marcado pela epistemologia do positivismo1. Em um ambiente no qual vigorava a supremacia do conhecimento científico, no âmbito jurídico identificava-se o direito a “grandezas matemáticas”2.
Após a Segunda Guerra Mundial, os ideais positivistas são postos em chegue pelas teorias críticas, que passaram a questionar o distanciamento do direito dos anseios sociais. Afastando-se do tripé positivista do monismo, da estabilidade e da racionalidade, busca-se no direito um espaço de luta e pluralidade.3
O culturalismo, primeiro movimento que abriu espaço às teorias críticas no Brasil, permitiu a observação de que o direito não é fundado apenas nas normas, mas também em aspectos culturais e interdisciplinares.4
Merece destaque, nesse sentido, a Teoria Tridimensional do Direito de Xxxxxx Xxxxx. Ela rechaçou um enfoque unilateral do fenômeno jurídico, admitindo-o como um reflexo do ambiente cultural de determinado local em determinada época5.
Na mesma senda, registrou Xxxxx Xxxxxx que “o direito nasce antes que a regra; o direito já está na sociedade que se auto-ordena”6.
Percebe-se, portanto, que as modificações que ocorrem no campo social impulsionam o surgimento de mudanças no ordenamento jurídico. De maneira diversa não poderia ocorrer com o direito dos contratos, influenciado pelas circunstâncias sociais, econômicas e culturais de determinado momento histórico.
A primeira transformação da concepção tradicional de contrato, o que Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxxxx chama de “primeira crise do contrato” 7 , nasceu na Revolução Industrial.
1 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. O Direito Erotizado: Por um Discurso Jurídico Trangressional. Curitiba: IFDDH, 2014 p. 53 a 64.
2 Expressão utilizada pelo Professor Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx Xx. na aula tópica DC077 - Perspectivas Sobre o Novo CPC, ministrada na Universidade Federal do Paraná no dia 09/08/2016, para resumir a forma como o pensamento moderno concebia o saber jurídico.
3 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Op. Cit. 2014. x. 00 x 00.
0 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Op. Cit. 2014. p. 70 e 71.
5 XXXXX, Xxxxxx. Teoria Tridimensional do Direito. Xxxx XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Op. Cit. p. 71.
6 XXXXXX, Xxxxx. Primeira Lição sobre Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 20.
Ensina Xxxxx Xxxxx 8 que até a Revolução Industrial a dogmática civilista pautava-se na ideia de que a justiça contratual seria alcançada enquanto possível o livre exercício da vontade individual.
Contudo, pondera Nalin que o uso desenfreado desta prerrogativa na organização de cadeias produtivas e a consequente massificação das relações entre os agentes econômicos acabou por significar a “despersonalização das relações contratuais”. Nesse momento, “a tão festejada liberdade contratual não dava mais conta de explicar o fenômeno da falta de liberdade material daquele que contratava por adesão”.
À primeira crise respondeu o direito com aplicação da boa-fé objetiva. O enfoque dos aplicadores do direito passou a priorizar as expectativas legítimas decorrentes da celebração do contrato.9
Hodiernamente as balizas do contrato são novamente atormentadas pela influência da atual fase da sociedade pós-moderna. É o que se chama de “nova crise do contrato”10.
Nesse novo contexto histórico, os bens móveis imateriais e os serviços de massa (know-how, licenças de propriedade intelectual, patentes, por exemplo) ganham relevância jurídica. Além disso, a privatização generalizada dos serviços públicos, a globalização da produção e da distribuição em escala tornaram tênues as fronteiras do Estado-Nação. Todos esses fatores abalaram a segurança do Estado, deslegitimando os poderes estatais e legitimando as chamadas regras do mercado.11
Segundo Xxxxxxx Xxxxxxxx, passamos por um processo de intensa transformação econômica e social, o que
justifica uma sensação de crise [...], que nos remete à inevitável contraposição entre o instrumental teórico que herdamos do séc. XIX [...]
7 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. A Chamada Nova Crise do Contrato e o Modelo De Direito Privado Brasileiro: Crise de Confiança ou de Crescimento do Contrato?. .p 22. In: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx (coord.). A Nova Crise do Contrato: Estudos Sobre a Nova Teoria Contratual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
8 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional). 2a ed. Rev. Atual. Curitiba: Juruá, 2006. p. 111
9 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p. 23.
10 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p. 23.
11 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p. 23 e 24.
totalmente voltado para uma ordem econômica agrária e pré-industrial; e a realidade fática em que vivemos, industrial ou mesmo [...] pós-industrial.12
Completa Tepedino 13 que também podemos falar de uma “indiscutível tendência de fragmentação dos conceitos”, posto que “durante os primeiros 50 anos deste século nos entregamos apaixonadamente à construção de teorias gerais”, mas “todos os institutos do direito Civil, a rigor, foram perdendo a estrutura abstrata e generalizante em favor de disciplinas legislativas cada vez mais concretas e específicas”.
Nesse sentido, para evitar a hipertrofia de nossas cláusulas gerais de função social dos contratos, boa-fé e bons costumes, admite Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx00 que elas podem ter graus de intensidade diferentes no direito privado tripartite: Direito puramente civil, direito empresarial e direito do consumidor.
É por este motivo que aponta Xxxxx X. Forgioni 15 à “redescoberta” dos contratos mercantis. Com os complexos produtivos contemporâneos, identificados como feixes de relações contratuais, a empresa assume a feição de importante agente econômico, dando luz a contratos e novas relações jurídicas.
A subsunção dessas relações contratuais empresariais ao direito não pode se sobrepor aos outros campos do saber jurídico. Explica Xxxxx Xxxxxxxx que Direito Civil, Direito Comercial e Direito do Consumidor “são regidos por princípios peculiares e diversos, submetendo-se à lógicas apartadas”16.
Não prospera o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxxx e outros adeptos que insistiam na unificação do direito obrigacional/contratual 17 . Ensina Xxxxx Xxxxx Xxxxxx que
Se a identidade essencial das obrigações civis e comerciais era afirmação sustentável em 1866 e em 1975, ou mesmo em 2002, ela não parece
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx. As Relações de Consumo e a Nova Teoria Contratual. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/>. p. 2. Este Trabalho foi publicado no Livro Temas de Direito Civil, 3a Ed., Rio de Janeiro, Ed. Renovar. 2004. p 217 e ss.
13 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2004. p. 3 e 4.
14 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p. 21 e 22.
15 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2a ed. Revista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. p. 22 a 24.
16 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011. p. 44.
17 Afirmavam os adeptos da corrente unificadora do direito civil que por coincidirem os regimes das obrigações civis e comerciais, não se distinguia a relação jurídico comercial de qualquer outra, posto que a essência seria a mesma (in: FORGIONI, Xxxxx X. op. Cit. 2011. p. 40.).
corresponder à realidade brasileira, após as profundas mudanças por que passou a nossa economia nos últimos dez anos. 18
Em 1990, registrou Waldirio Bulgarelli a diferença entre os contratos de consumo, contratos civis e contratos empresariais:
Há, portanto, [...] que se distinguir hoje entre os contratos comuns, firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica, dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as empresas, sendo estes últimos, o alvo especial do chamado direito do consumidor que só agora começa a despontar entre nós.19
Conclui Xxxxx Xxxxxxxx00 que, para não sobrepor princípios de um ramo do direito a outro, faz-se mister a diferenciação entre os campos de aplicação contratual. Para referida autora, as especificidades que moldam e consagram o direito do consumidor como um ramo independente, consolidaram a autonomia dos contratos comerciais, que merecem “tratamento peculiar e distinto das regras gerais do direito civil e do consumerista”.
Percebe-se, portanto, que a teoria geral dos contratos não é suficiente para atender as demandas sociais decorrentes do modo de vida pós-moderno. Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, vivemos o “tempo de ceticismo quanto à capacidade da ciência do direito de dar respostas adequadas e gerais aos problemas que perturbam a sociedade atual e modificam-se com velocidade assustadora”21.
Para solucionar estes problemas, a aplicação do direito deve superar o arraigado pensamento estratificado positivista, sendo imprescindível uma redefinição do conceito de contrato pautada em “uma jurisprudência dos valores, uma nova visão dos princípios do direito civil, agora muito mais influenciada pelo direito público e pelo respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos”22.
18 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Os Desafios do Direito Comercial: Com Anotações ao Projeto de Código Comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. x. 00.
00 XXXXXXXXXX, Waldirio. Contratos Mercantis. 0x Xx. Xxx Xxxxx: Editora Atlas S.A. 1990. p. 24
20 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011. p. 44 e 45.
21 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p.24 e 25.
22 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2007. p.24 e 25.
No séc. XIX, formou-se um modelo de sistema jurídico fechado, autorreferente e autossuficiente, que desconsiderava a utilização de fontes de integração heterônomas. O direito posto exclusivamente pelo Estado garantia a suposta completude das codificações e do Código Civil, enquanto as constituições pouco influenciavam o direito privado. 23
Nesse período, o dogma da vontade e o princípio da liberdade contratual correspondiam a ratio essendi do sistema contratual. Deles decorriam os princípios da intangibilidade contratual (pacta sunt servanda) e da relatividade dos efeitos dos contratos, ambos respaldados no Código de 1916. Estava formada a base principiológica “de sustentação do contrato moderno” no Brasil.24
Contudo, pondera Xxxxx Xxxxx00 que a concepção pós-moderna de contrato extrapola os limites impostos pela antiga moldura descrita no Código de 1916. Para referido autor, as regras contratuais da modernidade não mais se adequam à realidade contemporânea, pois elas estão circunscritas a um sistema jurídico que “não mais reflete a realidade fática, por força da abrupta mudança da maneira de se contratar”.
Xxxx Xxxxx sustenta a existência de uma cultura pós-moderna, caracterizada pelo pluralismo, pela comunicação e pelo papel primordial dos direitos humanos, verdadeiro cerne da nova produção legislativa.26
Nesse cenário, as utopias modernas passam por um processo de desconstrução e a dogmática contratual não foge à regra 27 . Explica Xxxxxxx Xxxxxxxx que as considerações de Xxxx Xxxxx são de suma importância pois “se
23 XXXXXXXX, Xxxxxxx. O Código Civil, Os Chamados Microssistemas e Constituição: Premissas Para Uma Reforma Legislativa. Disponível em : <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/>. p. 1. Este Trabalho foi publicado no livro problemas de Direito Civil, Xxxxxxx Xxxxxxxx (coord.), Rio de Janeiro, Xxxxxxx, 0000, pp. 1 e ss.
24 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 112.
25 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 111 a 113.
26 XXXXX, Xxxx. Cour Général de Droit International Privé. Recueil des Cours. Academie de Droit International. t. 251. The Hague-Boston-London: Xxxxxxxx Xxxxxxx Publishers, 1997, p. 36-37. Xxxx XXXXXXXX, Xxxxxxx. O Código Civil, Os Chamados Microssistemas e Constituição: Premissas Para Uma Reforma Legislativa. Disponível em : <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/>. p. 5. Este Trabalho foi publicado no livro problemas de Direito Civil, Xxxxxxx Xxxxxxxx (coord.), Rio de Janeiro, Xxxxxxx, 0000, pp. 1 e ss.
27 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 114 e 115
verifica a impossibilidade de regulamentação de tantas novas situações que se proliferam a cada dia, bem como a dificuldade de conhecimento [...], da difusa legislação em vigor”28.
É necessário remodelar nosso sistema contratual, precipuamente paritário e voltado à realidade do século passado, reconhecendo sua crise institucional para adequá-lo às novas relações de massa que estão por surgir (relações coletivas, difusas e massificadas).29
É nesse sentido que ganha relevo o registro de Xxxx Xxxxx de que “o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido”30.
No mesmo sentido ensina Xxxxx Xxxxx que
a insistência em se manter uma visão ahistórica do contrato e das obrigações em geral, além de não resolver a questão de sua crise, nem ao menos a explica. Por outro lado, o elogio ao dado histórico do contrato o situa e o contextualiza no momento, principalmente de sua interpretação, autorizando um acertamento mais justo das lides dele decorrentes.31
Em tempos de crise dogmática, decorrente do movimento desconstrutivista da pós-modernidade, o olhar do operador jurídico deve, para melhor se adequar à realidade contemporânea, transitar de uma perspectiva estruturalista para uma funcionalista32. Em outras palavras, o jurista deve deixar de observar o direito de um modo kelseniano, para entender os fins aos quais o ordenamento está posto, funcionalizando suas normas às finalidades e aos objetivos almejados.
O pensamento dogmático, típico do modelo positivista, “não questiona suas premissas porque elas foram estabelecidas (por arbítrio, por um ato de vontade ou de poder) como inquestionáveis” 33 . Este modelo, compatível com um sistema fechado, “não se coaduna com a necessária plasticidade do tecido normativo às tendências sociais”34.
28 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2001. p. 7.
29 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 116
30 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 24. Tradução de il contrato. Traduzido por Xxx Xxxxxxx e X. Xxxxxxxx X.Xxxxx..
31 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 121 e 122.
32 XXXXXX, Xxxxxxxx. Da Estrutura à Função: Novos Estudos de Teoria do Direito. São Paulo: Manole. 2007. 33 XXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Introdução ao estudo do direito: Técnica, decisão e dominação. 4a ed. Rev. Amp. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2003. p. 43.
34 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 34
Faz-se mister a ressistematização do direito civil, sobretudo do direito contratual, tendo em vista que o “Código Civil é obra de um sistema fechado, ao passo que a tônica agora é um sistema aberto”35.
Um sistema aberto, funcionalizado e teleológico, tem sua estrutura nuclear amalgamada por meio de princípios. O que possibilita o reconhecimento de sua incompletude (“imperfeição” do sistema) e sua adequação diante de um caso concreto.36
O contrato, portanto, “deve ser estudado e adaptado à nova realidade social e econômica, sempre com olhos voltados ao século que se abre, e nunca para aquele que se fecha” 37. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxx 38 propõe uma redefinição o conceito de contrato tendo em vista as seguintes premissas: superação do conceito moderno de contrato (baseado no dogma da vontade); e aplicação direta dos princípios constitucionais.
Uma interpretação sistemática do direito abre o sistema jurídico a influências jurídicas e metajurídicas39. O advento da Constituição de 1988 permitiu uma releitura dos institutos do direito privado, justificando a aplicação direta da normativa constitucional nas relações interprivadas, “mesmo em espaços jurídicos onde exista regramento infraconstitucional, gozando de plena validade e eficácia” 40.
Para Xxxxx Xxxxx00, a filtragem Constitucional do Direito Civil posiciona o homem no topo da estrutura normativa. Nesse sentido, ao interpretar o contrato o operador jurídico deve primeiramente resguardar valores existenciais, para posteriormente averiguar sua eficácia patrimonialista. Registra o aludido autor que se altera inclusive a configuração clássica dos direitos e deveres existentes entre credor e devedor.
De simples aplicador da regra posta, o magistrado passa a assumir uma função constitucional de concreção dos princípios fundamentais. Esta leitura auxilia na superação do abismo entre realidade fática e produção científica, acomodando
35 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 59;
36 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 57
37 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 122
38 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 25
39 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 63.
40 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.25.
41 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 26 a 36
de maneira mais adequada o direito às exigências de uma sociedade pós- moderna.42
Dito isso, sem a pretensão de construir um conceito unívoco, mas admitindo a perspectiva constitucional para declarar insuficiente qualquer construção contratual que se baseie somente nos dogmas da modernidade, propõe Nalin 43 um novo conceito de contrato44:
A relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros.
Para Nalin contrato é uma relação complexa solidária. Complexa por se compreender que está superada a identificação do contrato como mero acordo de vontades. A solidariedade, por seu turno, corresponde a um cânone interpretativo constitucional que conduz o contrato “à realização de valores outros que não, somente, os patrimoniais”.
Partindo do mesmo pressuposto que Xxxxxx Xxxxx e Silva45, registra Xxxxx Xxxxx que os princípios constitucionais estão presentes em diversas fases da relação contratual. No contrato pós-moderno, a manifestação da vontade desempenha mero papel impulsionador.46
Portanto, a interpretação constitucional do direito civil inaugura uma nova ordem principiológica. Esta transição de matérias tratadas estritamente no âmbito codificado privado à constituição conduziu ao surgimento do que se chamou de Direito Civil-Constitucional.47
42 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 87 a 89.
43 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.253 e 254.
44 Antes de conceituar “contrato”, deve-se considerar a fluidez do pensamento sistêmico (aberto) constitucional e a sua capacidade de adaptação às novas realidades. Não se pode atribuir a um conceito a qualidade imutável de dogma. Em tempos pós-modernos de desconstrução dogmática, muito difícil é falar em conceito de contrato. O ideal é reconhecer que coexistem vários conceitos de contrato. Não se pode admitir um conceito unívoco clássico sumarizado de todas as estruturas contratuais. (in: NALIN, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.251 e ss)
45 Ao escrever a obrigação como processo, admite Clóvis Veríssimo que um vínculo obrigacional é composto por diversos atos concatenados permeados por diferentes deveres, sejam permanentes ou transitórios (in: SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006).
46 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.254 e 255.
47 D’AZEVEDO, Xxx Xxxxxxx. Os Novos Deveres dos Contratantes na Perspectiva do Código Civil de 2002 e do Código de Defesa do Consumidor. p. 285. In: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx (coord.). A Nova Crise do Contrato: Estudos sobre a Nova Teoria Contratual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Como pondera Xxx Xxxxxxx D’Azevedo48 , a atual realidade dos contratos permitiu o deslocamento da regulação pautada nos dogmas da modernidade à incidência dos princípios da boa-fé objetiva, da probidade e da proteção da confiança como novos deveres na relação obrigacional.
Partindo dos pressupostos da obra “A Obrigação como Processo”, X’Xxxxxxx explica que os novos deveres contratuais decorrentes da sistemática civil-constitucional pressupõem a compreensão do vínculo obrigacional como um complexo concatenado de atos que objetiva a finalidade global da obrigação.
Para autora, apesar de ainda presente no momento inicial de formação do vínculo contratual, a força e a importância da vontade diminuíram, conduzindo inclusive à relativização da pacta sunt servanda e da intangibilidade do conteúdo do contrato.
Explica Xxxxxx Xxxxxxx-Costa49 que a boa-fé objetiva corresponde ao “topos subversivo do direito obrigacional”. O adjetivo “subversivo” é utilizado no sentido de que a boa-fé objetiva transformou e revolucionou toda a estrutura do direito contratual clássico.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx00, a boa-fé objetiva deve ser entendida como “uma norma de comportamento leal”, ou melhor, um modelo jurídico que “se reveste de variadas formas, de variadas concreções” a depender das circunstâncias do caso concreto.
Nesse sentido, explana Xxxxxx Xxxxx que
a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências51.
Em decorrência desta norma de comportamento, surgem aos contratantes deveres de lealdade que não se encontram expressos no texto pactuado. Inclusive, a boa-fé objetiva não é aplicável apenas “à conduta dos contratantes na execução
48 D’AZEVEDO, Xxx Xxxxxxx. Op. Cit. 2007. p. 287 e 288.
49 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A Boa-fé no Direito Privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p 409 a 472.
50 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Op. Cit. 1999. p 412
51 XXXXX, Xxxxxx. História do novo Código Civil. São Paulo XX, 0000. p. 247 Apud. X’XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx. Op. Cit. 2007. p. 287
de suas obrigações, mas aos comportamentos que devem ser adotados antes da celebração (in contrahendo) ou após a extinção do contrato (post pactum finitum)”52.
Nessa senda ensinou Clóvis V. do Couto e Silva53 que a boa-fé objetiva “determina o aumento de deveres, além daqueles que a convenção explicitamente constitui”. Para este autor, inclusive ao credor, parte que na dogmática civilista clássica só dispunha de direitos, eram atribuídos deveres laterais.
Dispondo de três funções distintas (criadora de deveres, limitadora de direitos e interpretativa) o paradigma máximo da boa-fé generalizou-se para todos os contratos no direito privado brasileiro com a edição do Código Civil de 2002.54
Nesse sentido, a redação do artigo 422 do Código Civil é clara: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Conclui Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx que
O princípio da boa-fé objetiva é, portanto, um princípio limitador do princípio da autonomia da vontade e um elemento criador de novos deveres contratuais, que deve contar, para sua maior efetividade, com sua previsão legal específica.55
Também surge no contexto contemporâneo a teoria da confiança, que visa a proteção das expectativas legítimas que nascem nos contratantes em decorrência das obrigações assumidas e do vínculo criado. A proteção destas expectativas importa na medida em que o espaço onde são celebrados contratos deve ser seguro e harmonioso, preservando-se a lealdade nas relações entre os agentes que pactuaram acordo de vontade. 56
Esses novos princípios/deveres57 (boa-fé, confiança e probidade) aderem de forma significativa na relação contratual. A consequência para seu descumprimento é a responsabilidade.58
52 XXXX, Xxxxx. Direito Civil: Obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 79
53 XXXXX, Clóvis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p 33.
54 D’AZEVEDO, Xxx Xxxxxxx. Op. Cit. 2007. p. 289.
55 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4a ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 203.
56 . X’XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx. Op. Cit. 2007 p. 293
57 Deve-se atentar ao fato de que os princípios constitucionais (dignidade da pessoa humana, por exemplo) não se confundem com os princípios gerais do direito (boa-fé). Aqueles possuem hierarquia constitucional, portanto, superior. Não se deve priorizar a aplicação de normas infraconstitucionais em detrimento de constitucionais, pois
Conclui Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, que:
Uma outra consequência da nova concepção social do contrato (...) é justamente a mudança no momento de proteção do direito. Não mais se tutela exclusivamente o momento da criação do contrato, a vontade, o consenso, mas ao contrário, a proteção das normas jurídicas vai concentrar- se nos efeitos do contrato na sociedade (...) no momento de sua execução procurando assim harmonizar os vários interesses e valores envolvidos e assegurar a justiça contratual.59
Conclui-se, portanto, que o escopo finalístico do contrato deve ter como foco principal um amplo favorecimento da pessoa humana e dos direitos fundamentais presentes na Carta Magna. A vontade contratual escapa à ratio essendi do contrato contemporâneo, cedendo espaço a outros valores jurídicos fundados na Constituição.60
se subverteria a ordem jurídica. A aplicação dos segundos (princípios gerais) deve ser funcionalizada teleológicamente levando em consideração os primeiros (princípios fundamentais). (In: XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.46).
58 D’AZEVEDO, Xxx Xxxxxxx. Op. Cit. 2007. p 292.
59 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4a ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 234.
60 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.93
2 CONTRATOS: PARA ALÉM DA REALIDADE TRADICIONAL
A rigidez do pensamento estruturalista positivista não é capaz de se adequar à volatilidade da sociedade contemporânea. O reconhecimento de um conjunto de normas postas pelo estado como direito verdadeiro o torna “incapaz de ser questionado para além de sua pureza e dogmaticidade”61.
Conceituações rígidas desprezam a constante metamorfose da sociedade pós-moderna. É imprescindível funcionalizar o direito considerando toda a complexidade da realidade que o envolve. Evita-se, a partir de uma filtragem constitucional, a obsolescência do direito. É o que ocorre com os contratos.
Como foi demonstrado, não restam dúvidas de que os dogmas da modernidade (pacta sunt servanda, liberdade contratual, autonomia da vontade, relatividade dos efeitos dos contratos), apesar de ainda presentes, não mais configuram o núcleo essencial das relações contratuais. Permeado hodiernamente por um conjunto de institutos funcionalizantes (boa-fé, dignidade da pessoa humana, confiança e etc.), o contrato deve ser analisado à luz do meio em que está inserido.
O fluxo do pensamento jurídico contemporâneo converge a um movimento de descodificação e de regulamentação específica de distintas áreas do direito, que antes eram tratadas sob a rotulação de “teorias gerais”62.
Por isso, segundo Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx00, a composição de um sistema jurídico eficiente e justo torna-se mais difícil. Formado por diversas fontes legislativas, surge a necessidade de coordená-las coerentemente no mesmo ordenamento. Explica Marques que “a pluralidade de leis é o primeiro desafio para o aplicador da lei contemporâneo”.
Convivem atualmente regras contratuais do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Por vezes, seus campos de aplicação podem convergir e o conflito destes diplomas não é adequadamente solucionado pelos critérios
61 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Op. Cit. 2014 p. 69.
62 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2004. p. 3 e 4
63 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 26
cronológico, hierárquico e da especialidade, criados pelo pensamento positivista64. Em um cenário plural, mutável e complexo onde ascendem ao patamar constitucional direitos fundamentais que permeiam todo sistema jurídico, é imprescindível que a solução ao conflito de normas no tempo seja mais flexível. Ao invés de revogar uma das normas conflitantes, busca-se o diálogo entre elas a fim de se alcançar sua ratio, ou seja, sua finalidade.65
Partindo das teorizações de Xxxx Xxxxx, sintetiza Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx que
É o atual e necessário “diálogo das fontes” (dialogue des sources), a permitir a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes. “Diálogo” porque há influências recíprocas, “diálogo” porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente (...), ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato.66
Portanto, despontam no ordenamento contemporâneo peculiaridades que tornam imprescindível a separação dos âmbitos de incidência das regras contratuais previstas no Código Civil (puramente civis e empresariais) e no Código de Defesa do Consumidor (relações de consumo).
2.1 CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: DISTINÇÃO DOS CAMPOS DE APLICAÇÃO
Assim define o Art. 2o da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
64Quanto aos critérios para resolução de conflitos de lei no tempo estabelecidos pelo pensamento positivista vide: XXXXXX, Xxxxxxxx. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução: Maria Celeste C.J. Santos. 6ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995. p 91 e ss.
65 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006 p.26 a 28
66 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 28 e 29.
Percebe-se que Código de Defesa do Consumidor (lei anterior) não foi revogado com o advento do Código Civil de 2002, uma vez que não foram preenchidos os requisitos do parágrafo primeiro do referido artigo. A lei posterior não declarou expressamente a revogação da anterior (Código Civil de 2002 e Código de Defesa do Consumidor, respectivamente) e seus campos de aplicação não são incompatíveis, posto que regulam relações jurídicas distintas.
Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx 67 , uma leitura sistemática do ordenamento pátrio permite observar que ambos, o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, estão submetidos à mesma lógica principiológica constitucional. Os dois diplomas visam a harmonia nas relações civis, pautando-se na igualdade, na equidade e na dignidade da pessoa humana. Este cenário é propício para que se estabeleça uma relação de complementariedade e subsidiariedade entre ambos. Ou seja, para que ocorra o diálogo entre as fontes, permitindo a coabitação das leis novas e antigas no mesmo sistema jurídico.
Contudo, pondera Marques, diante de um caso concreto que conduza à convergência de aplicação destes diplomas, pode ocorrer o conflito direto de normas. Por este motivo é de suma importância diferenciar seus respectivos campos de aplicação, visto que na relação jurídica que se está por observar podem incidir regras e vetores específicos de cada matéria.
Registrou Xxxxxxx Xxxx Marques68 que
o campo de aplicação do CDC é especial, regulando a relação entre fornecedor e consumidor (arts. 1o, 2o, 3o, 17 e 29) ou relações de consumo (arts. 4o e 5o). Já o campo de aplicação do CC de 2002 é geral: regula toda relação privada não privilegiada por uma lei especial.
Para a autora citada acima, as regras do microssistema especial que é o CDC regulam relações contratuais pactuadas entre agentes “diferentes”. Por seu turno, o Código Civil corresponde a um sistema geral que regula relações entre “iguais”, civis e empresariais puras.
As relações contratuais reguladas estritamente pelo Código Civil são aquelas chamadas de “paritárias”. Ou seja, aquelas que seriam “obra de dois
67 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.32 e 33
68 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 33.
parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontades”69.
A relação consumerista, por seu turno, fica evidenciada quando comprovada a “hipossuficiência e a desproporção de forças entre as partes”70, ou seja, o que Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx00 chamou de Relação Jurídica entre “diferentes”.
Percebe-se que apenas com a análise do sujeito de direito e também da espécie de relação jurídica do caso concreto é que se definirá qual norma incidirá (apenas código civil ou código de defesa do consumidor).72 É nesse momento que ganha destaque o papel interpretativo do juiz ao integrar o contrato à realidade.
Apesar das regras estritamente civis e empresariais estarem inseridas no mesmo diploma, ver-se-á que a relação empresarial se distingue e muito das relações puramente civis e das de consumo, estas reguladas por lei especial, o Código de Defesa do Consumidor.
2.2 CONTRATOS MERCANTIS: SUPERAÇÃO DAS LIÇÕES UNIFICADORAS
Os modernos complexos produtivos e as relações mercadológicas concretizam-se a partir de contratos, tornando atual a lição de Xxxx Xxxxx de que é o contrato que cria a riqueza 73 . Nesse cenário, a empresa, verdadeiro agente econômico, apresenta papel de protagonismo no tráfico mercantil74.
O mercado forma um emaranhado de relações contratuais, em que a empresa se relaciona com diferentes espécies de agentes econômicos: ora com o Estado, ora com outras empresas, com civis, trabalhadores e etc.
69 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2004. p. 52.
70 BRASIL, STJ. AgRg no AREsp 735.249/SC, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 04/02/2016. Na ementa assim se definiu: Consignada no acórdão a hipossuficiência e a desproporção de forças entre as partes, fica evidenciada a existência de relação de consumo...
71 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.32 e 33. 72 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx registrou: “O conjunto da relação (ato/finalidade) e dos atores (agentes/sujeitos) no caso concreto é tão decisivo para localizar esta relação jurídica no sistema quanto saber o campo de aplicação abstrato das leis em convergência ou aparente conflito” (in:. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.34)
73 XXXXX, Xxxx. Op.Cit. 2009.
74 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011. p. 23 e 24
Ensina Xxxxx Xxxxx Xxxxxx00 que cada um desses relacionamentos está sujeito a regime jurídico distinto (direito civil, direito do consumidor, direito empresarial e direito administrativo). Reitera o autor que apesar de entre eles haver “núcleo em comum, que é a constituição de obrigações pela manifestação convergente de vontades”, existem diferenças nas normas “aplicáveis à prova do vínculo, limites da autonomia da vontade, cláusulas vedadas, possibilidade de alteração unilateral das prestações contratadas, direitos e deveres das partes”.
Assim, conforme ensinamentos de Xxxxx Xxxxxxxx 76 , altera-se o perfil contratual de acordo com os sujeitos que estão a se relacionar. Para Forgioni, uma vez “divisados vários grupos de contratos, percebe-se que cada um assumirá características específicas e, consequentemente, exigirá tratamento jurídico peculiar”.
O Código Comercial de 1850 77 previa que sendo uma das partes comerciante/empresa, o contrato de compra e venda assumiria características de comercialidade. Mesmo que fosse celebrado entre um consumidor e uma empresa, o contrato se enquadraria como comercial.
Ensina Xxxxxx Xxxxxx que “a comercialidade da compra e venda não pode, pois residir mais na vetusta definição de atos de comercio, de compreensão confusa e incompleta”78. O entendimento do Antigo Código Comercial não está adequado à pós-modernidade. O direito comercial contemporâneo, conforme explana Xxxxx Xxxxxxxx, tem sua atenção voltada “necessariamente sobre contratos celebrados entre empresas”79.
Entende Xxxxx Xxxxx Xxxxxx que os contratos empresariais são os
75 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial, Volume 3: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 20
76 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011. p. 28
77 O art. 191 do Código Comercial assim determinava: Art. 191 - O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago. Fica entendido que nas vendas condicionais não se reputa o contrato perfeito senão depois de verificada a condição (artigo nº. 127). É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante. (grifos do subscritor)
78 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. 6a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 13.
79 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011. p. 29
contratos entre empresários, isto é, daqueles em que as duas partes contratantes são exercentes de atividade empresarial. São os contratos mercantis. Este é o campo de interesse da tecnologia comercialista.80
Percebe-se que aos contratos celebrados entre sujeitos que desempenham atividade empresarial é atribuída lógica distinta daqueles celebrados entre uma empresa e um consumidor ou entre civis. Ou seja, os polos contratantes devem desenvolver “atividade empresarial” para que ao contrato seja adjudicada a lógica da comercialidade.
E é do conceito de “atividade empresarial” que se extrai aspecto importante para distinção dos regimes jurídicos aplicáveis. Ensina Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx que
A finalidade lucrativa do exercício da atividade econômica pelo empresário não é expressamente mencionada no art. 966 (do código civil). Todavia, a própria construção do conceito de empresário no âmbito da teoria da empresa, assim como a sua função substitutiva em relação ao de comerciante, demonstram que, inequivocamente, o significado jurídico do termo sempre foi utilizado em relação àquele agente econômico que, numa sociedade capitalista, busca lucros no exercício de sua atividade.81 (Grifos nossos)
Para um contrato ser empresarial/comercial, portanto, ambos os polos têm sua atividade movida pela busca do lucro. Esta característica afasta os contratos de consumo e os contratos civis daqueles celebrados entre empresários.
A atividade empresarial está submetida à incidência de vetores específicos que não se aplicam à ótica consumerista ou puramente civil. Marcada por custos de transação, externalidades específicas, assimetria informacional, valorização da pacta sunt servanda, busca pelo lucro e etc, a relação entre empresários desenvolve-se em um espaço de mercado onde, para seu adequado funcionamento, não existe tutela jurídica àqueles que sofrem prejuízos em decorrência de estratégias de negócios mal elaboradas e equivocadas. Em outras palavras, os contratos empresariais estão inseridos em um espaço onde as regras do jogo decorrem da tentativa e erro das práticas dos agentes econômicos, estruturando-se as regras contratuais em pilares distintos daqueles que sustentam as relações entre civis e de consumo.82
80 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial, Volume 3: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21
81 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. O Conceito de Empresário no Novo Código Civil. Revista de Direito Empresarial: RDE, Curitiba, nº 1, p. 23-39, jan/jun, 2004.
82 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. Cit. 2011
Bem sintetiza Silvio de Salvo Venosa83 que a compra e venda mercantil deve ser encarada como “ato especulativo, com intuito de lucro e revenda, em varejo ou atacado”. Conclui que às obrigações de direito privado sejam aplicadas “regras específicas ao caso concreto, o código civil e as leis extravagantes, as leis empresariais, o código de defesa do consumidor etc”.
2.3 COMPRA E VENDA PURAMENTE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002: PREÇO, OBJETO E CONSENTIMENTO
Apesar de as obrigações empresariais e civis estarem reguladas em um mesmo diploma (o Código Civil de 2002), restou evidenciado que elas não se confundem. No escopo do presente estudo não figura a análise dos contratos empresariais que foram celebrados em um espaço secundário por um dos polos contratantes (contrato de corretagem entre a incorporadora e a corretora).
A relação jurídica principal (compra e venda de imóvel na planta) não contém os requisitos necessários à incidência dos vetores específicos empresariais. Por este motivo, fixam-se neste tópico as atenções à definição da compra e venda no Código Civil e ao modo como este tipo contratual é celebrado.
O contrato estopim do dissídio jurisprudencial a ser analisado foi pactuado havendo consenso quanto ao preço e ao objeto. A dúvida dos operadores jurídicos se pôs quanto ao destaque de parte desse preço para saldar débito de outro contrato previamente estabelecido entre um dos agentes (construtora) e terceiro (corretora).
Na sociedade capitalista contemporânea milhares de contratos de compra e venda são celebrados quotidianamente. Constitui-se “o mais importante e comum entre todos os contratos, cuja finalidade primordial está na vinculação dos bens”84.
Seguindo a tradição alemã85, nosso Código Civil determina que pelo contrato de compra e venda “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa
83 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. 6a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 13
84 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011. p. 280
coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”86. Almeja-se com este tipo de instrumento contratual transferir e adquirir propriedade, móvel ou imóvel87.
Muito semelhante ao disposto em nossa legislação, definiu Xxxxxxx Xxxxx00 que a “compra e venda é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra, recebendo, em contraprestação, determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente”. Pode-se dizer que neste contrato o “sinalagma é perfeito”.
Gerando obrigações recíprocas aos contratantes, elucidou Xxxxxxx Xxxxx que à compra e venda “basta acordo de vontades sobre a coisa e o preço para se tornar perfeita e acabada”. Ou seja, não se faz necessária a tradição para sua completude.
A par da bilateralidade e consensualidade, destaca-se também o caráter oneroso e comutativo da compra e venda. Tanto o comprador quanto o vendedor buscam obter vantagem patrimonial, havendo equivalência (ao menos em tese) entre o sacrifício e o proveito auferidos com a contratação.89 / 90
Destas características, merece destaque a elementaridade do consentimento. Xxxx Xxxxx, assim sintetizou:
O contrato forma-se precisamente quando essa proposta e essa aceitação se encontram, dando lugar àquilo que se chama de consenso contratual. Só nesta condição o regulamento se torna vinculativo para as partes e cria direitos e obrigações: vendedor e comprador devem ambos declarar querer vender, e respectivamente comprar, tal coisa por tal preço; de contrário, não se forma nenhum contrato de compra e venda.91
85 A leitura dos dispositivos do Código Civil demonstra a adesão do direito pátrio ao sistema alemão quanto aos efeitos atribuídos à compra e venda. Enquanto no sistema francês o contrato “cria vínculo obrigacional de transferir o domínio da coisa vendida”, ou seja, é um “contrato real”. No sistema brasileiro, seguindo a corrente romano germânica, a “compra e venda fica no plano obrigacional” (in. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011. p. 278 e 279). No mesmo sentido, Xxxxxxx Xxxxx já havia escrito que no nosso direito civil a compra e venda “não é meio hábil para transmitir a propriedade, limitando-se a gerar a obrigação de transferi-la” (in: XXXXX, Orlando. Contratos. 26a ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. p. 265).
86 Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
87 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26a ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. p. 265
88 XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 265 e 266.
89 XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 266.
90 Assim escreveu Xxxxxxx Xxxxx: “é contrato bilateral, simplesmente consensual, oneroso, comutativo, ou aleatório, de execução instantânea, ou diferida” (in: XXXXX, Orlando. Op. Cit. 2009. p. 266).
91 XXXXX, Xxxx. Op. Cit. 2009. p. 73.
Seguindo a definição do art. 482 92 do Código Civil, verificando-se a existência de consentimento quanto à coisa e ao preço, o contrato de compra e venda está formado. “Impossível, desde então, o arrependimento. O que se segue é a execução pelo cumprimento das obrigações que origina”93.
Ensina Xxxxxx Xxxxxx que
a parte geral do Código e os princípios gerais de direito contratual encarregam-se de apontar a conceituação dos sujeitos do contrato de compra e venda, sua capacidade, bem como a manifestação de sua vontade, sua forma e seus eventuais defeitos.94
Afastando-se do espectro protetivo das normas especiais do Código de defesa do Consumidor (incidentes apenas sobre as relações de consumo), os contratantes agem com igualdade de poderes para negociar as cláusulas do contrato de compra e venda. Nesse cenário, ausentes as causas de nulidade ou anulabilidade95 do negócio jurídico, o pacto estará perfeito e acabado, abrindo-se apenas possibilidade de revisá-lo caso se constate onerosidade excessiva a um dos contratantes96.
A aplicação das normas do Código Civil quanto à compra e venda à relação principal de aquisição de imóvel não identificaria nenhuma irregularidade, já que houve consentimento quanto ao preço e ao objeto. Contudo, uma vez tangenciada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, o repasse pela construtora ao corretor de parte do preço estipulado poderia configurar venda casada e acarretar a anulação da cláusula.
92 Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.
93 XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 272.
94 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. 2006. p. 13
95 Ensina Xxxxxxx Xxxxx que “os contratos que têm causa contrária a leis de ordem pública e aos bons costumes são nulos” (in: XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 29). Registra referido autor que a “nulidade é sanção por meio da qual a lei priva de eficácia o contrato que se celebra contra preceito perfeito [...] e, notadamente, os que disciplinam os pressupostos e requisitos do negócio jurídico”. Ressalta-se também que a nulidade é “imediata, absoluta, insanável e perpétua. Opera de pleno direito. Pode ser arguida por qualquer interessado”. Por sua vez, as causas de anulabilidade do contrato também o privam de seus efeitos, mas de maneira mais branda que a nulidade. “Podem ser anulados os contratos celebrados pelos relativamente incapazes e pelas partes cujo consentimento tenha se dado por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”. Deve-se ressaltar que a anulabilidade é “diferida, relativa, sanável e provisória” (in: XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 231 e 232).
96 Ao atualizar a obra de Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx registraram que a possibilidade de revisar o contrato por onerosidade excessiva, encontrada nos arts. 478 a 480 do Código Civil, trata de aplicar o princípio do equilíbrio econômico do contrato. Registram que “a onerosidade excessiva da prestação é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, de inexecução por impossibilidade, mas de extrema dificuldade” (in: XXXXX, Xxxxxxx. Op. Cit. 2009. p. 214).
Tendo em mente que o campo de aplicação do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor é diferente (relações estritamente civis ou empresariais e relações de consumo, respectivamente) e que a definição dos sujeitos integrantes da relação é de inquestionável importância para definir qual diploma aplicável, conceitua-se consumidor no tópico a seguir.
A Constituição Federal definiu a defesa do consumidor como um direito fundamental no art. 5o inciso XXXII e como um princípio geral da atividade econômica no inciso V do art. 17097.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx realça: a ascensão dos consumidores à titularidade de direitos fundamentais e a consideração de que sua defesa deve reger a ordem econômica demonstram “relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista”98.
Para concretizar a norma constitucional, assim definiu o Código de Defesa do Consumidor:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
97 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]V - defesa do consumidor;
98 XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 262 e 263.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
O CDC identifica o consumidor como sendo o destinatário final do bem adquirido. Contudo, a literalidade da lei não conduz a uma exata percepção da realidade 99 . Pretendendo adequar a redação de nossa legislação às relações consumeristas atuais, divide-se a doutrina em duas correntes.
A corrente intitulada de finalista “restringe a figura do consumidor àquele que adquire um produto para uso próprio e da sua família”100. Os adeptos desta linha de pensamento interpretam a expressão “destinatário final” do art. 2o do CDC de maneira restritiva. Consumidor seria o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, que não é adquirido com finalidade econômica ou para revenda com intuito de lucro.101
Nesta esteira, percebe-se que consumidor seria o destinatário não profissional do produto, que não será reutilizado com intuito de revenda e obtenção de lucro102. Ensina Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx que para os finalistas “o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável”103.
A segunda corrente, intitulada de maximalista, entende como consumidor todo destinatário fático do produto. Nesse cenário, o âmbito protetivo do CDC não seria restrito ao consumidor não profissional. Explica Xxxxxxx Xxxx Marques104 que “o CDC seria um Código geral sobre o consumo” definindo “normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papeis ora de fornecedor, ora de consumidores”.
Ao contrário das regras contratuais gerais do direito civil que direcionam sua atenção à relação entre dois agentes tidos individualmente, deve-se ter em mente que o espectro protetivo do CDC não recai apenas sobre um sujeito. Explica Xxxxxxx Xxxx Marques105 que o Código de Defesa do Consumidor possui “dimensão coletiva
99 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2004. p. 253
100 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 84
101 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2004. p. 253 e 254.
102 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 84
103 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2004. p. 254
104 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 84
105 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 34
expressa (mesmo sem perder a dimensão individual)”. Segundo a autora, ao mesmo tempo que a lei especial protege um sujeito de direito individual nas relações de consumo, ao assegurar um direito novo ao “consumidor” reflete-se no sistema jurídico a criação de direitos individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos.
Nesse cenário, completa Xxxxxx Xxxxxx que “acrescem-se ao rol de garantias, ínsitas a venda civil e comercial, os princípios gerais consumeristas”106.
Dentro deste espaço protetivo alargado, alinhado com a reflexão constitucional, sublinha Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx000 que “a bipolarização das opiniões entre a doutrina finalista e maximalista traz a necessidade de que se reflita mais sobre o tema”. Para a multicitada autora, a mera repetição da letra nua da lei não é suficiente: definir uma linha interpretativa alinhada à evolução do pensamento pós- moderno entendendo o contrato em termos de sua função social é a medida que se impõe.
Afirma Cláudia Lima Marques108 que o problema nos contratos de consumo é
o desequilíbrio flagrante de forças dos contratantes. Uma das partes é vulnerável (art. 4,I), é o polo mais fraco da relação, pois não pode discutir o conteúdo do contrato ou a informação recebida. (...) Este desequilíbrio fático de forças nas relações de consumo é a justificação para um tratamento desequilibrado e desigual dos co-contratantes, protegendo o direito daquele que está na posição mais fraca, o vulnerável, o que é desigual fática e juridicamente.
Nessa leitura, ganha relevo para definição de consumidor o reconhecimento de sua “vulnerabilidade”, positivada como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo no inciso I do art. 4 do Código de Defesa do Consumidor109. Para Xxxxxxx, incidem as regras do CDC inclusive quando está na posição de consumidor um profissional, desde que comprovada sua vulnerabilidade.
106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 6a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 48.
107 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p.84 e 85. 108 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 85 e 86 109 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; [...]
Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx 110 registra que “a vulnerabilidade é a espinha dorsal do Direito do Consumidor” e, uma vez reconhecida a desigualdade que lhe da causa, “é objeto de total proteção”.
É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.
Em 2005 este Egrégio Tribunal proferiu decisão com o seguinte teor:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCEITO DE CONSUMIDOR. CRITÉRIO SUBJETIVO OU FINALISTA. MITIGAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. VULNERABILIDADE. CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. PRÁTICA ABUSIVA. OFERTA INADEQUADA. CARACTERÍSTICA, QUANTIDADE E COMPOSIÇÃO DO PRODUTO. EQUIPARAÇÃO (ART. 29). DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. RELAÇÃO JURÍDICA SOB A PREMISSA DE TRATOS SUCESSIVOS. RENOVAÇÃO DO COMPROMISSO. XXXXX XXXXXX.
- A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro.
- Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores- empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.
- São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. [...]
Recurso especial não conhecido.(Grifos do subscritor) 111
Recentemente, este entendimento foi corroborado:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
[...]
2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa
110 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. A valorização da Origem Constitucional do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Crítica Jurídica. Ano 64, no 463, p. 13 – 34, Maio de 2016. p. 14.
111 BRASIL, STJ. REsp 476.428/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
19/04/2005, DJ 09/05/2005, p. 390.
física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ. [...]112
Sintetiza Xxxxxx Xxxxxx que “a tendência jurisprudencial, que já se faz sentir, mostra propensão dos tribunais na aplicação dos princípios da lei do consumidor sempre que na relação jurídica houver contratante vulnerável”113.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx 114 conceitua vulnerabilidade como sendo uma “situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação”. Nesse sentido, conclui que existem três tipos de vulnerabilidade: técnica, fática e jurídica. Todas presumidas para relação de consumo em que figure em um dos polos o consumidor não profissional.
Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Assumpção Neves115 vão além: a leitura do inciso I do art. 4o e do inciso VIII do art. 6o, ambos do CDC, revela que todo consumidor é vulnerável, o que varia é a sua condição de hipossuficiência. Para estes autores, a hipossuficiência é um conceito fático que, ao passo que se distancia do mero conceito de debilidade, deve ser apreciado pelo magistrado no caso concreto, “no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de uma situação de desconhecimento”.
Contudo, seja “vulnerabilidade” ou “hipossuficiência”, ambas se mostram ao operador do direito como um conceito jurídico indeterminado. A atuação do magistrado frente à realidade determinará se um dos polos contratantes é “vulnerável” ou “hipossuficiente”, aplicando por consequência as normas do Código de Defesa do Consumidor.
2.5 ATUAÇÃO DO JUIZ PARA INTEGRAR O CONTRATO À REALIDADE
112 BRASIL, STJ. AgRg no AREsp 646.466/ES, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 10/06/2016.
113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. 2006. p. 13.
114 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 144 e 145
115 TARTUCE, Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 3. ed. São Paulo: MÉTODO. 2014. p. 42 a 45.
Com a mudança paradigmática promovida pela Constituição de 1988, o ordenamento jurídico passou a gravitar entorno da proteção do sujeito de direitos116. Em proteção à dignidade deste sujeito são criadas normas especiais como o CDC, formando o complexo novo sistema do direito privado atual117.
Ao afastar-se da raiz individualista e patrimonialista do Direito Civil, sustentada ideologicamente na liberdade individual, permite-se a aplicação de novos princípios respaldados no texto Constitucional118. A função social dos contratos, a probidade e a boa-fé objetiva interferem diretamente na vontade de contratar, que deve “estar apoiada em uma axiologia responsável [...], sem depreciação à dignidade do homem”119.
O sistema jurídico pós-moderno não é, portanto, apenas um conjunto hierarquizado de normas. É um complexo de elementos em interação, coerentes e orgânicos, em constante relação entre normas, princípios e jurisprudência 120 . Admitido este conceito, a sobreposição de campos de aplicação de diplomas legais é um problema ao operador jurídico contemporâneo121.
Quanto ao conflito de normas, Xxxxxxxx Xxxxxx já havia reconhecido que
no caso de conflito entre duas normas para o qual não valha nem o critério cronológico, nem o hierárquico nem o da especialidade, o intérprete, seja ele o juiz ou o jurista, tem à sua frente três possibilidades: 1) eliminar uma;
2) Eliminar as duas; 3) conservar as duas.122
A solução atual está alinhada à terceira opção apontada. É o diálogo das fontes, que ocorre com o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor123.
A coexistência destes diplomas pode conduzir a uma situação de difícil resolução quando se abre a possibilidade de ambos incidirem sobre o mesmo substrato fático, ou quando a solução de um conflito depende da caracterização de
116 XXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 26 a 36
117 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 33.
118 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. O Poder do Juiz Integrar o Contrato à realidade: Ótica do Declínio da relatividade, do não isolamento, da Função Social Orientadora e da Dignidade da Pessoa Humana. p. 139. In. XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (coord.). Função do Direito Privado no Atual Momento Histórico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
119 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. Op. Cit. 2006. p. 138
120 V. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. L’influence du droit de la consommation sur le système juridique. Paris: LGDJ, 2000. p. 23 a 32. Apud: MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2a ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 32.
121 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit., 2006. p.26
122 XXXXXX, Xxxxxxxx. Op. Cit. 1995. p. 100.
123 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 28 e 29.
um conceito jurídico indeterminado como “vulnerabilidade”. É o que se chama de “hard case” 124.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx entende que “hard case”
é um caso que deve ser resolvido à luz de regras e/ou princípios típicos de ambientes decisionais frouxos cuja solução não está clara na lei, ou realmente não está na lei, e deve ser “criada” pelo Judiciário, a partir de elementos do sistema jurídico.125
É nesses espaços de incerteza, portanto, que ganha destaque o papel da jurisprudência na adequação do direito à realidade. É lógico que no que toca ao direito contratual o Juiz não poderá substituir o impulso inicial reservado à vontade criadora das partes126. Sua função será “valorativa dos interesses em conflito, além de interpretativa, de forma que [...] proceda à complementação e à integração das normas por meio de elementos outros que não somente a lei”127.
No mesmo sentido, ensina Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx que
É indispensável que o Judiciário atribua sentido aos textos legais e, em outros, garanta a sua concretização nos termos dos valores que presidem a vida social, sem nunca se esquecer de desenvolver o direito segundo as expectativas da evolução da sociedade.128
124 WAMBIER, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Precedentes e Evolução do Direito. p. 27. In: XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
125 WAMBIER, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Op. Cit., 2012. p. 27.
126 RUSSO JÚNIOR, Rômulo. Op. Cit. 2006. p. 147
127 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A intervenção do Juiz na Vontade de Contratar. p. 183. In. XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (coord.). Função do Direito Privado no Atual Momento Histórico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
128 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. O STJ enquanto Corte de Precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 79.
3 A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA ACERCA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA E DA CLÁUSULA DE CORRETAGEM
Os seguintes agentes fazem parte da lide a ser dirimida pelo poder judiciário: as construtoras, responsáveis pela edificação de imóvel; os adquirentes de unidade imobiliária na planta; e os corretores, intermediadores do negócio jurídico e possuidores contrato de corretagem previamente estabelecido com a primeira.
A questão jurídica controvertida posta à análise dos magistrados diz respeito à validade da cobrança, pela construtora, de comissão de corretagem prevista em cláusula do contrato de compra e venda, celebrado com o adquirente (terceiro interessado). Ou seja, questionou-se a validade do repasse ao consumidor do ônus de arcar com os honorários do corretor.
Nas decisões analisadas, inclusive a seara dos fatos é controversa: Por um lado, explanaram os adquirentes que celebraram contrato para aquisição do imóvel no “stand” de vendas da construtora diretamente com os corretores, que agiam como prepostos daquela. Em adição, informaram que não celebraram contrato de corretagem e que não houve prévia e clara informação acerca do dever de arcar com os honorários do corretor.
Por esta razão, pautando-se nas normas do Código de Defesa do Consumidor que repelem cláusulas abusivas e a venda casada, demandaram os adquirentes que fosse declarada a invalidação da cláusula de corretagem.
Por seu turno, as incorporadoras e os corretores defenderam a autonomia de seus serviços. Consignaram que o repasse dos custos de qualquer empreendimento ao consumidor é praxe nos mercados atuais. Além disso, sustentaram a não incidência da lei consumerista na relação, uma vez que os adquirentes tiveram plena consciência acerca do repasse da corretagem.
Por estes motivos, defenderam as incorporadoras a prevalência dos dispositivos do Código Civil acerca da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda) e à corretagem, requerendo a declaração de validade da cláusula que
transfere ao adquirente do imóvel a responsabilidade pelo pagamento dos honorários do corretor.
Deve-se ter em mente que pelo contrato de corretagem
uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a intermediar, ou agenciar, negócios para outra, sem agir em virtude de mandato, de prestação de serviços ou de qualquer relação de dependência129.
Esta espécie contratual cria vínculo entre o comitente (no presente caso a construtora) e o corretor. Já o negócio principal (compra e venda) é celebrado entre o comitente e o terceiro interessado no negócio, sem existir qualquer tipo de relação entre o corretor e o terceiro interessado no negócio principal130.
Durante muito tempo o costume informou ser responsabilidade do comitente em arcar com as despesas de corretagem131. Contudo, a dicção do art. 724 do Código Civil é clara no sentido de que este ônus pode ser negociado entre as partes, ou arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais:
Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
Como demonstrado na audiência pública 132 realizada em 09/05/2016 no STJ, no caso concreto, independentemente de quem tenha contratado o corretor, é inegável que ele realizou a aproximação das partes, levando propostas, contrapropostas e buscando imóveis que se adequassem ao perfil do comprador e da incorporadora.
Os tribunais pátrios respaldaram os mais variados entendimentos em seus julgados, ora em favor do consumidor, ora em favor da construtora e dos corretores.
As discrepâncias jurisprudenciais foram tamanhas que, a depender da turma, Estado, ou data em que a questão era decidida, dava-se ganho de causa a um dos litigantes, ou a outro. Era incogitável falar em “segurança jurídica”.
129 RIZZARDO. Op. Cit. 2011. p. 755
130 ASSIS, Araken de. Contratos Nominados: Mandato, Comissão, Agência e Distribuição, Corretagem, Transporte. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 256 e 256.
131 RIZZARDO. Op. Cit. 2011. p. 766
132 Disponível no Canal Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça:
<xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxx?xxX00xxxxx0XX>. Acesso em: 25/08/2016
Entende Xxxxxx Xxxxxx Alvim Wambier133 / 134 que nosso sistema jurídico “foi concebido justamente com o objetivo racional, expressamente declarado, de gerar segurança ao jurisdicionado, evitando surpresas e arbitrariedades”. Assevera que “a legalidade só tem sentido prático se concretizada à luz do princípio da isonomia”, já que de nada vale a igualdade de todos perante a lei, “se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os jurisdicionados”.
A falta de uniformidade de decisões que trataram da mesma matéria conduziu a questão ao STJ, sob o rito dos recursos repetitivos.
Haja vista que a maioria dos casos julgados pelas cortes ordinárias e pelo STJ dizem respeito à aquisição de unidade imobiliária para habitação, faz-se no tópico seguinte curta análise da realidade deste mercado, para posteriormente analisar o histórico jurisprudencial que ensejou o julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos no STJ.
3.1 REALIDADE DO MERCADO IMOBILIÁRIO HABITACIONAL BRASILEIRO
Ensina Rodrigo Xavier Leonardo 135 que, composto pelos elementos essenciais à estrutura de qualquer mercado (oferta, demanda, objeto), “o mercado habitacional urbano é reconhecido por sua complexidade, proveniente, desde logo, das características do objeto de troca: o bem imóvel para residência”.
133 WAMBIER, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Op. Cit., 2012. p. 32
134 Em seu texto, Xxxxxx entende que o direito contemporâneo vive o contraste da necessidade de manutenção do “status quo” e da evolução (adequando-se às vicissitudes da sociedade). Nesse sentido, argumenta referida autora que existem espaços em que a atuação do magistrado deverá ser mais rígida (adequação ao texto normativo) e espaços em que tal agir deverá ser mais volátil, a fim de se adequar às mudanças de uma sociedade marcada pela plasticidade das relações privadas. Nesse sentido, em campos como direito econômico e direito de família, o olhar do juiz deverá respaldar as mudanças consolidadas pelo tempo na sociedade. Já em campos como direito tributário, o magistrado deverá se apegar mais à lei. De qualquer forma, segundo a autora, sendo em campos “frouxos” ou “rígidos”, admitindo-se a possibilidade de o direito adequar-se à sociedade, as decisões dos magistrados devem ser uniformes, garantindo a isonomia e a segurança jurídica. (in: WAMBIER, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Op. Cit., 2012.).
135 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 36.
As seguintes características do imóvel residencial foram registradas por Xxxxxx Xxxxxxxx000:
a) heterogeneidade: os imóveis destinados ao consumo são extremamente diversificados por características físicas, espaciais, que implicam uma variabilidade de critérios na formação de seu preço; b) alto custo para o fornecimento: o fornecimento de imóveis implica elevados investimentos, com retorno diferido no tempo; c) alto custo para o consumo: a compra de um imóvel para habitação representa, em média, de três a quatro vezes a renda anual do indivíduo impulsionando a maioria dos consumidores aos financiamentos; d) durabilidade [...]; e) imobilidade física [...]; f) destina-se à satisfação de uma necessidade fundamental: [...] a moradia. Nesse sentido, todo o sujeito ou toda a família, é um demandante potencial deste bem, na busca, pelo menos, de saúde e autonomia, necessidades estas básicas de todos os seres humanos.
Segundo mencionado autor137, além das peculiaridades do objeto de troca, o mercado imobiliário habitacional é fortemente influenciado por fatores macroeconômicos e microeconômicos. Quanto ao primeiro, identificou Xavier Leonardo “uma significativa interação e interdependência deste mercado com outros mercados, como, por exemplo, com o mercado financeiro e o mercado de serviços de habitação”138.
Por seu turno, para referido autor 139 , uma análise microeconômica do mercado habitacional aponta ao crédito “como catalizador fundamental da oferta e da procura por bens imóveis”. Ou seja, a relação entre a oferta e a demanda é determinada decisivamente “pelas possibilidades de crédito, seja aos fornecedores, seja aos consumidores”.
Segundo Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, apenas recentemente a história pátria foi marcada pela intervenção do Poder Público no mercado habitacional. Registrou estudo elaborado pela Fundação Xxxxxxx Xxxxxx que no período anterior à criação do Sistema Financeiro de Habitação (1964)
não havia um mecanismo de crédito habitacional estruturado capaz de articular a oferta e a demanda de recursos necessários para a realização de investimentos habitacionais. Na maioria das vezes, o crédito era obtido de maneira isolada, através do esforço individual. Quando as operações eram
136 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., 2003. p. 36 e 37.
137 XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., 2003. p. 36 a 41.
138 A racionalidade dos agentes de mercado varia conforme a possibilidade de maximização da utilidade dada ao capital empregado. Para determinado grupo familiar, por exemplo, pode ser mais vantajoso investir no mercado financeiro e pagar baixos alugueis do que imobilizar seu capital. (In: XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., 2003. p. 38 e 39.)
139 XAVIER LEONARDO, op. cit., 2003. p. 41 e 42.
intermediadas por bancos, a captação de recursos junto ao público era remunerada com taxas de juros nominais constantes. 140
De todo modo, a intervenção estatal no mercado imobiliário habitacional se intensificou com o combate aos efeitos da crise de 2008. O Governo promoveu uma série de medidas abrangendo as áreas fiscal, monetária, creditícia e cambial 141, tangenciando o setor imobiliário diretamente.
O Governo aumentou o limite para concessão de créditos para compra de material de construção, disponibilizou crédito de dois bilhões de reais para setores diretamente ligados à construção civil e reduziu a taxa de juros real142. Além disso, com o Decreto 7.394/2010 e posteriormente com o Decreto 7.660/2011, reduziu-se a alíquota do IPI sobre materiais de construção.
Como resultado dessas medidas, o mercado imobiliário brasileiro vivenciou entre 2008 e 2013 período de grande prosperidade143. Nos últimos anos, contudo, a crise financeira que assola o Brasil resultou em um enfraquecimento do setor. Conforme relatório de fevereiro de 2016 publicado pela ABRAINC (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) em parceria com a FIPE, o último trimestre de 2015 registrou queda de 19,8% nas vendas e 39,2% nas entregas de construções144.
140 XXXXXX, Xxxxxxxx (coord). O Crédito Imobiliário no Brasil: caracterização e desafios. São Paulo: FGV, 2007. p. 04. Disponível em <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx> Acesso em 22/08/2016.
141 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Ações do Governo para Reduzir os Efeitos da Crise. Brasília: TCU, 2009. Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxx/xxxxxx_xxxxxxx/xxxxxx_0000/xxxxx.xxx>. Acesso em: 23/08/2016.
142 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Ações do Governo para Reduzir os Efeitos da Crise. Brasília: TCU, 2009. Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxx/xxxxxx_xxxxxxx/xxxxxx_0000/xxxxx.xxx>. Acesso em: 23/08/2016.
143 Segundo o Relatório de Economia Bancária e Crédito divulgado em dezembro de 2013 pelo Banco Central do Brasil, “o segmento de crédito imobiliário apresenta nível de competição acima da média, quando comparado aos demais segmentos”. Os números registrados pelo Banco Central apontaram ao “crescimento da competição no mercado de crédito imobiliário no período seguinte a 2008”, sublinhando que este o segmento “destacou-se pela maior aceleração da competição, motivada principalmente pela entrada de importantes bancos no mercado de financiamentos imobiliários” (in: BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Economia Bancária e Crédito. Brasília, 2013. p. 71 e 72. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/?xxxXXXXXX&xxxx0000>. Acesso em 24/08/2016).
144 ABRAINC/FIPE. Indicadores ABRAINC-FIPE do mercado Imobiliário: Setor Encerra o ano de 2015 com desempenho negativo. São Paulo: Informe de Fevereiro de 2016. Disponível em: < xxxx://xxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxx/>. Acesso em: 23/08/2016.
Além disso, nos três últimos meses de 2015 registrou-se aumento de 20,2 % de distratos frente ao mesmo período de 2014. Um total de 12.850 unidades não tiveram o acordo concluído.145
Registradas as oscilações deste segmento, percebe-se que a disponibilidade de crédito no mercado é fator mais do que decisivo para o aquecimento ou resfriamento do setor. Muitas vezes, a disponibilidade de crédito possui fundamentos alheios à sistemática do mercado imobiliário, o que direta ou indiretamente influencia o equilíbrio de poder dos contratantes.
Anotou o Diretor Corporativo do Geioimovel em reportagem do El País que vivemos em
um excelente momento de comprar à vista, porque o poder de xxxxxxxx pode aumentar. É a hora de fazer propostas indecentes. O jogo virou, assim como, entre 2008 e 2011, a faca e o queijo estavam com as incorporadoras, agora é o consumidor quem manda146.
Como afirmado alhures, não pode o juiz desconsiderar a realidade ao aplicar a lei. Xxxx Xxxxx000 ensinou que o contrato é reflexo da realidade social em que está inserido. É da análise da realidade, portanto, que se poderá avaliar as forças dos contratantes e determinar qual a melhor legislação aplicável ao caso concreto.
Destacado o importante papel da participação do juiz para integrar o contrato à realidade e feita a análise da realidade do mercado imobiliário habitacional, destinam-se os tópicos seguintes à analise jurisprudencial do contrato de compra e venda de imóvel na planta e da cláusula de corretagem.
3.2 JULGADOS CONTRÁRIOS À CLÁUSULA DE CORRETAGEM
145 ABRAINC/FIPE. Indicadores ABRAINC-FIPE do mercado Imobiliário: Setor Encerra o ano de 2015 com desempenho negativo. São Paulo: Informe de Fevereiro de 2016. Disponível em: < xxxx://xxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/xxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxx/>. Acesso em: 23/08/2016.
146 Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xxx/xxxxxx/0000/00/00/xxxxxxxx/0000000000_000000.xxxx> Acesso: 23/08/2016
147 XXXXX, Xxxx. Op. Cit. 2009. p. 24.
A tabela do Anexo A148 demonstra que grande quantidade de processos determinou a invalidade da cláusula que transfere ao consumidor o ônus de arcar com as despesas de corretagem.
Os autos de no 1063610-62.2013.8.26.0100 da 7a câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo 149 , escolhido como um dos recursos representativos da controvérsia para julgamento de recurso especial repetitivo no STJ (tema 938), sumariza o entendimento respaldado por grande parte da jurisprudência.
Neste processo, entendeu o Relator Des. Xxxxxx Xxxxxxx que o contrato de compra e venda de imóvel na planta estabelece uma relação massificada. Por se tratar de compra e venda de imóvel na planta, percebeu o Desembargador que não era razoável a afirmação de que o consumidor buscou profissional de corretagem para intermediar o negócio.
Segundo o Des. Xxxxxx Xxxxxxx, o que ocorreu foi a imposição de contrato de xxxxxx, em que a concretização do negócio principal (compra e venda) dependia da aceitação do consumidor em arcar com os honorários de um corretor que não havia contratado.
Nestes autos, também se destacou o fato de que o contrato principal não enfatizou a necessidade de contratar outros serviços. Entendeu o referido magistrado que ocorreu afronta ao dever de informação aos consumidores, desrespeitando o princípio da boa-fé e da transparência.
Das inúmeras decisões analisadas, aquelas que declaram a ilegalidade da cláusula de corretagem apresentaram os seguintes pontos em comum: 1) reconheceram a vulnerabilidade do consumidor; 2) encontraram na relação contratual estabelecida uma relação de consumo massificada; 3) declararam a invalidade da Clausula de corretagem com base nos arts. 6º, III e IV art. 39, I e V e 51, incisos I, II, III, IV e XII do CDC.
148 A elaboração das tabelas do Anexo A e B objetiva catalogar alguns julgados para tornar visível a quantidade de decisões antagônicas sobre a matéria.
149 BRASIL. TJSP. Apelação 1063610-62.2013.8.26.0100. Relator(a): Mendes Pereira; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/09/2014; Data de registro: 26/09/2014
Vale lembrar, como definido anteriormente, que a incidência do CDC ocorre sempre que constatada a vulnerabilidade de uma das partes na relação contratual de consumo.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes entende que o consumidor é vulnerável porque “não tem acesso ao sistema produtivo como não tem condições de conhecer seu funcionamento (não tem informações técnicas), nem de ter informações sobre o resultado, que são os produtos e serviços oferecidos”.150
Por sua vez, Xxxxxxx Xxxx Marques151 sustenta que vulnerabilidade é uma “situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação”.
À guisa de exemplo, no processo nº 70062766670 (CNJ no 0469230- 69.2014.8.21.7000)152, da relatoria do Des. Xxxxxxxx Xxxxx, a 17x Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx xx Xxx Xxxxxx xx Xxx xecidiu que a defesa do consumidor é decorrência dos alicerces protetivos estabelecidos pela Constituição Federal.
Ilaqueou o Colegiado que, além de ser um princípio básico da ordem econômica, a proteção à relação jurídica de consumo é consectária da dignidade da pessoa humana (princípio norteador de nosso sistema que permeia toda relação jurídica, em decorrência do inciso III do art. 1o da Constituição)
Por estas razões, no voto condutor do acórdão consignou o Ilustre Relator que “a vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo”. Reiterou que os consumidores são os vulneráveis na relação jurídica ora discutida, pois são a parte mais fraca e que sofre reflexos lesivos do desenvolvimento de atividades comuns e indispensáveis à moderna sociedade de consumo.
Quanto à massificação da relação contratual discutida, Xxxxxx Xxxx Xxxxx de Xxxxx, representante do BRASILCON, sustentou na audiência pública ocorrida no STJ153 que o mercado imobiliário se tornou uma indústria. Ganhou escala, passou a assimilar práticas de outros “players” e teve suas características alteradas: 1) a
150 NUNES, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Consumidor. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 610.
151 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 144.
152 BRASIL. TJ RS Apelação Cível Nº 70062766670, Décima Sétima Câmara Cível, Relator: Xxxxxxxx Xxxxx, Julgado em 18/12/2014
153 Disponível no Canal Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça:
<xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxx?xxX00xxxxx0XX>. Acesso em: 25/08/2016
publicidade tornou-se massificada e genérica; 2) incorporou o modelo de visitação por “stand”; e 3) a consolidação da venda também se tornou massificada.
Na mesma oportunidade, referido orador defendeu que o contrato de compra e venda de imóvel na planta não é paritário, sendo o consumidor parte vulnerável econômica e juridicamente.
Quanto aos dispositivos violados. O inciso III do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, torna essencial ao negócio de consumo o direito à informação. Ressalta Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx 154 que “a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato”.
Segundo referida autora, “o direito à informação, assegurado no art. 6º, III corresponde ao dever de informar imposto pelo CDC nos arts. 12, 14, 18 e 20, 30, 31, 46 e 54 ao fornecedor”, sendo que este dever ultrapassa a fase pré-negocial, integrando o conteúdo do contrato durante sua execução e até mesmo após sua conclusão.
O inciso I do Art. 39 da Lei Consumerista proíbe a chamada “Venda casada”. Nessa prática, o fornecedor a partir de sua superioridade econômica ou técnica determina condições negociais desfavoráveis ao consumidor, condicionando o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço.155
Muitos tribunais entenderam que de fato ocorreu a chamada venda casada quando da oferta de serviços de corretagem no ato da compra de imóvel na planta. No julgamento do processo 0082724-47.2013.8.16.0014/0, por exemplo, a 1a Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná, sob relatoria da desembargadora Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx exarou o seguinte entendimento:
Descabe, neste caso, reconhecer a aplicabilidade do pacta sunt servanda, não se admitindo que a ciência prévia dos consumidores a respeito de tal taxa legitime sua cobrança. Trata-se de evidente prática de venda casada, pois o consumidor é forçado a assumir os encargos de um serviço que não contratou para poder adquirir um bem de seu interesse, o que é expressamente vedado pela legislação consumerista (CDC art. 39,I). É, portanto, abusivo e ilegal o repasse dos custos de corretagem ao consumidor, que não contratou nem se beneficiou com tal serviço.156
154 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 178
155 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 561
156 BRASIL. TJPR - 1ª Turma Recursal - 0082724-47.2013.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx - - X. 03.12.2015
O art. 39, incisos I e V e o art. 51, incisos I, II, III, IV e XII do CDC caminham no mesmo sentido: abolir cláusulas contratuais que onerem excessivamente o consumidor, ou seja, nulificar as cláusulas abusivas. Confira sua redação:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...]
V - Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; [...]
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; [...]
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
Leciona Xxxxxxx Xxxx Marques157, como visto retro, que com o advento do Código de Defesa do Consumidor e a proibição de cláusulas abusivas ocorreu uma espécie de relativização da “pacta sunt servanda”. Este novo diploma legal coloca no topo de sua estrutura protetiva valores outros que superam o dogma da vontade, são eles: a boa-fé objetiva e a equidade.
Registra ainda a autora que a redução do espaço reservado à autonomia da vontade e a proteção do consumidor através da equidade contratual e da boa-fé objetiva buscam reequilibrar o contrato, protegendo as legítimas expectativas. A partir disso, o poder Judiciário pode realizar um novo e efetivo controle do conteúdo dos contratos de consumo, declarando a nulidade absoluta destas cláusulas abusivas158.
157 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 693
158 Ensina Xxxxxxx Xxxx Marques que dois caminhos distintos podem ser utilizados para definir a abusividade de uma cláusula contratual: um subjetivo ou outro objetivo. O primeiro conecta a abusividade com o mal-uso subjetivo de um direito (abuso de direito). Tendo em mente que na teoria contratual tradicional praticamente inexistem limites à autonomia da vontade, ao denominar uma clausula do contrato como abusiva é pressupor imposição de limites ao exercício do direito à livre determinação do conteúdo do contrato. Contudo, a tendência
Quanto às cláusulas abusivas, merece destaque o Inciso IV do art. 51 do CDC. Este dispositivo cria uma verdadeira regra geral sobre cláusulas abusivas. Ou seja, proíbe-se “de maneira geral todas as disposições que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”159. Apesar de serem amplas estas expressões, é a partir delas que o judiciário irá concretizar a almejada justiça e equidade contratual.
Inúmeras foram as decisões que invalidaram a cláusula de corretagem, pautando-se nos dispositivos e posicionamentos supra. Contudo, nem todas as decisões seguiram esta trilha. Como se verá no tópico a seguir, muitos julgados caminharam no sentido oposto: reconheceram a validade da cláusula de corretagem.
3.3 DECISÕES QUE DETERMINARAM A VALIDADE DA COMISSÃO DE CORRETAGEM
A tabela do Anexo B demonstra que grande parte da jurisprudência pátria adotou posicionamento distinto daquele respaldado no tópico anterior: declarou como válida a cláusula que transfere ao consumidor o dever de pagar os honorários do corretor contratado pela construtora.
A par das peculiaridades inerentes a cada caso concreto, os julgados que decidiram pela validade da cláusula de corretagem apresentaram em comum os seguintes aspectos: 1) não houve afronta ao dever de informação, devendo prevalecer o pactuado (pacta sunt servanda); 2) não existe proibição legal ao repasse da corretagem ao consumidor; 3) referido repasse não onerou o consumidor excessivamente; e 4) que os serviços prestados pelo corretor foram aproveitados por ambas as partes.
atual é adotar um caminho desvinculado do agir malicioso dos agentes. O viés objetivo relaciona a abusividade com a boa-fé objetiva, protegendo o resultado objetivo que causa a “conduta do indivíduo, o prejuízo ao consumidor, o desequilíbrio decorrente da cláusula e a falta de razoabilidade”. (in: MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 694 a 697).
159 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxx. Op. Cit. 2006. p. 701
Quanto ao dever de informação, muito bem sumarizou o entendimento de inúmeros tribunais a decisão exarada no processo no 0190734-79.2012.8.26.0100, julgado pela 6a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e escolhido como representativo de controvérsia para julgamento de recurso especial repetitivo no STJ.
Neste julgado, concluiu o Relator Des. Xxxx Xxxxxxxxx que o ônus pela falta de atenção dos consumidores ao ler o contrato deveria recair apenas sobre eles. Confira a redação original: “se os autores não leram as cláusulas pactuadas quando concordaram em subscrever o contrato, certamente essa omissão só lhes pode ser imputada”.
A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo prestigiou a autonomia da vontade. Consignou que “o Poder Judiciário não pode criar obrigações contratuais inexistentes”, devendo-se coibir, com base no CDC, “apenas a presença de cláusulas dúbias, omissas ou abusivas”. O que a Corte Estadual entendeu não existir quanto à corretagem.
Para os Desembargadores, referida comissão “é mesmo devida, independentemente de eventuais desdobramentos posteriores do negócio jurídico. E não se afasta quando o contrato é assinado no estande de vendas do empreendimento”. 160
Por sua vez, a 5a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos 0027314-64.2012.8.26.0562161, posicionou-se pela inexistência de proibição legal acerca do repasse da corretagem de modo a sumarizar o entendimento de muitos julgados.
Entendeu o Colegiado que
em regra, os vendedores devem suportar o pagamento da comissão pela intermediação da compra e venda de um imóvel, conhecida por taxa de
160 BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO –Apelação no 0190734-79.2012.8.26.0100 Relator(a):
Xxxx Xxxxxxxxx; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/06/2014; Data de registro: 27/06/2014.
161 BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Apelação no 0027314-64.2012.8.26.0562 Relator(a):
Xxxxxxx Xxxxxx; Comarca: Xxxxxx; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 03/07/2013; Data de registro: 05/07/2013
corretagem. Entretanto nada impede que o comprador assuma o respectivo pagamento.162
A 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reiterou que a cláusula de corretagem é prática comum no mercado imobiliário e não é ilegal “desde que dada ciência ao adquirente”. Concluiu que apesar de a corretagem ser contratada pela incorporadora, “é claro que aludida comissão integrará os custos do empreendimento e será repassada direta ou indiretamente, aos promitentes compradores”.
Por seu turno, também merece destaque o entendimento da 11a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná163. No processo 1122538-6 entendeu referida Câmara que no caso concreto não se vislumbrou abusividade na cláusula de corretagem, pois os valores direcionados aos corretores estavam totalmente compreendidos dentro do preço total repassado ao consumidor.
Percebe-se, quanto este aspecto, que a 11a Câmara Cível do TJPR respaldou o entendimento apontado no tópico 2.3 deste trabalho: Em havendo consenso quanto ao preço e ao objeto, está perfeitamente acabado o contrato de compra e venda.
Além disso, apontou referido Juízo que não houve incremento de onerosidade ao consumidor. Este não teve de arcar com nenhum valor excedente ao que havia contratado. Por seu turno, a construtora destacou parte do valor decorrente da venda do imóvel para arcar com os honorários dos corretores que a auxiliaram.
Dito isso, a 11a Câmara firmou a seguinte tese: “estando o valor da comissão de corretagem inteiramente compreendido no valor da proposta assumida pelos autores contendo o preço total do imóvel, tem-se que tais valores são devidos”.
162 Deve-se ter em mente que a própria A própria Exegese do art. 724 do CC caminha nesse sentido: Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.
163 BRASIL. TJ PR. Apelação no 1122538-6 (0005938-98.2013.8.16.0001). Relator: Ruy Muggiati. 11a Câmara Civel. Julgado em 21/07/2014.
Na audiência pública realizada no STJ164 no dia 09/05/2016 muitos oradores sustentaram pontos de vista semelhantes aos respaldados neste tópico. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, representante do SINDUSCON, afirmou que não há regra expressa do CDC ou de outro diploma que vede a cláusula que destina ao adquirente a responsabilidade pelo pagamento da corretagem.
Reiterou este orador que na presença de informações claras e na ausência de ilegalidade, o CDC não derroga o princípio da Pacta Sunt Servanda.
Na mesma ocasião, afirmou o economista Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx na audiência pública sediada no STJ que a produção imobiliária e a corretagem estão situadas em mercados distintos, e que a inteligência para produzir e organizar um empreendimento imobiliário não é a mesma utilizada para revender o imóvel.
O economista também ressaltou que a formação de preço em mercados deve incluir os custos necessários à manutenção de seu funcionamento, abarcando, no caso do mercado imobiliário, as despesas de intermediação, corretagem, publicidade, entre outras.
Também merece destaque a sustentação do professor Xxxx Xxxxxxx. Assinalou o processualista que as leis do mercado revelam que os custos arcados pelo vendedor ou prestador de serviços integram o preço final, ou seja, quem compra um bem remunera indiretamente todos os custos do vendedor.
Inconteste para esta linha de raciocínio que o serviço do corretor foi aproveitado por ambas as partes e que sua remuneração, por disposição contratual, foi atribuída legalmente ao adquirente do imóvel.
164 Disponível no Canal Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça:
<xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxx?xxX00xxxxx0XX>. Acesso em: 25/08/2016
O ordenamento jurídico pátrio preza precipuamente pela segurança jurídica, pela previsibilidade e pela igualdade dos jurisdicionados. Nesse aspecto não se diferenciam os modelos do civil law e do common law.165
A tradição do civil law, fundada nos ideais revolucionários da revolução francesa, atribuiu apenas à lei a tarefa de garantir a isonomia e a segurança jurídica.166
Por outro lado, nos países de tradição do common law se admitia a interpretação da lei pelos magistrados. A segurança jurídica, a previsibilidade e a isonomia entre jurisdicionados eram asseguradas a partir dos precedentes e do stare desicis167 / 168.
Mesmo diante da instabilidade jurisprudencial que assola nossa tradição jurídica, criticou Xxxxxxxx que a doutrina continua a reiterar que na lei estarão respaldados os valores da segurança jurídica e da previsibilidade. Reitera-se um discurso ultrapassado em momento histórico que se admite o óbvio: o juiz interpreta a lei. Contudo, “de nada adianta a lei se o cidadão não sabe o que esperar dos juízes”169.
Por esta razão, registram Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx000 que a “tendência hoje é uma aproximação entre as tradições do civil law e do common law”. A “compreensão a respeito do significado da interpretação jurídica” colabora para esta interpenetração.
Referidos processualistas destacam: o conhecimento de que norma e texto não se confundem (e que aquela é resultado da interpretação) abriu espaço para
165 WAMBIER, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx. Op. Cit., 2012. p. 20 a 32.
166 A lei seria uma resposta às arbitrariedades do Ancien Régime e nesse cenário a atuação do magistrado era circunscrita a aplicação cega da lei: ele era visto como “bouche de la loi” (boca da lei). (in: XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 47 a 56).
167 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 60 e 61.
168 Em resumo, o stare decisis corresponde à “eficácia vinculante dos precedentes”. A força obrigatória dos precedentes é sustentada pela ideia de coerência, estabilidade e previsibilidade da ordem jurídica. (in: XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 15).
169 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 61.
170 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Novo Curso de Processo Civil Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum, Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 605.
que se pensasse na decisão judicial como um instrumento para a promoção da unidade do direito.
Nesses termos, à interpretação dada pelas cortes de cúpula (STF e STJ) deve ser atribuída verdadeiro caráter de normatividade, ou então a segurança jurídica e a isonomia perdem sua razão de ser diante da grande quantidade de julgados idênticos decididos de maneira distinta.171 / 172
Sob este novo paradigma, o legislador incorporou no art. 926 do Código de Processo Civil a questão dos precedentes, em resposta aos anseios sociais concernentes à segurança jurídica e à uniformidade das decisões:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx e outros173, o artigo transcrito acima revela que a falta de uniformidade da “jurisprudência brasileira, que ocorre mesmo em torno de temas extremamente relevantes”, e as bruscas alterações jurisprudenciais preocuparam os elaboradores do Código de Processo Civil de 2015. Ambos problemas comprometem a segurança jurídica e surpreendem o jurisdicionado.
Xxxxxxxxx Xxxxx do Amaral pondera que ao prezar pela unidade do direito e a uniformização de jurisprudência, o dispositivo do art. 926 demonstra claro objetivo de
tutelar a segurança jurídica, assegurando a previsibilidade das decisões, a estabilidade do direito, a confiança legítima no Judiciário, a igualdade entre os cidadãos perante o direito, a coerência da ordem jurídica, a garantia de imparcialidade, o desestímulo à litigância e o favorecimento de acordos, a
171 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. P. 606
172 Inclusive o princípio da legalidade deve ser visto sob outra perspectiva. Se a norma decorre da interpretação que lhe atribui o judiciário, “pode-se dizer que o respeito ao princípio da legalidade significa na verdade respeito à interpretação conferida à lei pelos órgãos institucionalmente a tanto encarregados”. (In: XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 606)
173 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (coord.) et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: Artigo por Artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. p. 1455 e 1456.
duração razoável do processo, a eficiência do judiciário, dentre outros valores. 174
Por sua vez, Xxxxxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx 175 afirmam que o dispositivo padece de alguns problemas teóricos. Dentre eles, utiliza indistintamente a palavra “tribunais”, sem atentar que as Cortes de Justiça (que na divisão do Judiciário Pátrio corresponderiam aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais) possuem funções distintas das Cortes Supremas (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça).
Registram referidos processualistas que as primeiras (chamadas cortes de Justiça) “têm sua atuação direcionada à justiça do caso concreto”. Elas interpretam dos fatos da causa, controlam qual é o direito aplicável ao caso concreto e, por meio da jurisprudência, fomentam o debate a respeito das possíveis soluções interpretativas. Às segundas, chamadas de Cortes Supremas, foi atribuído o dever de dar unidade ao direito mediante seus precedentes. Estas cortes de vértice, a partir do caso concreto, definem a interpretação do direito constitucional (STF) e do direito Federal (STJ).
Por esta razão que o Superior Tribunal de Justiça deve ser visto como uma corte de precedentes cuja função é “definir o sentido atribuível à lei federal”176. Não uniformizar o direito, que é tarefa das Cortes de Justiça.
As Cortes Supremas
Não devem repetir inúmeras e inúmeras vezes diante de milhares de casos concretos a mesma solução jurídica para uniformizar a aplicação do direito no nosso país. Devem dar unidade ao direito a partir da solução de casos que sirvam como precedentes para guiar a interpretação futura do direito pelos demais juízes que compõe o sistema encarregado de distribuir a justiça a fim de evitar a dispersão do sistema jurídico. Nessa linha, uniformizar é tarefa das Cortes de Justiça, que têm o dever de controlar a justiça da decisão de todos os casos a elas dirigidos.177.
Isto posto, Xxxxxxxx, Xxxxxxxx e Mitidiero 178 ensinam que o art. 926 do Código de Processo Civil deveria ser particularizado, distinguindo-se quais cortes
174 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. Comentários às Alterações do Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 946.
175 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 607 a 609. 176 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 494.
177 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 609.
178 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 608.
estão dirigidas a garantir unidade do sistema jurídico e quais cortes devem uniformizar da aplicação do direito previamente interpretado.
Ante a inexistência precedente editado pelas Cortes Supremas é inevitável que ocorram desacordos interpretativos entre as Cortes de Justiça 179 . Aparentemente é o que ocorreu com as situações que versaram sobre a cláusula de corretagem, como se viu nos tópicos acima.
Nos termos do inciso III do art. 927 do Código de Processo Civil, “os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos” devem ser observados pelos juízes e os tribunais. Pela letra da lei, pode-se dizer que foi editado precedente quanto à cláusula de corretagem quando se decidiu o tema de recursos repetitivos 938.
Xxxxxxxx, Xxxxxxxx e Mitidiero180 também tecem críticas a este dispositivo. Segundo estes processualistas, o novo código limita o caráter precedental apenas às hipóteses do art. 927, adotando entendimento “formal e quantitativo” quanto aos precedentes.
Contudo, explanam que os precedentes são antes materiais e qualitativos do que formais e quantitativos. Por exemplo, um recurso repetitivo que não apresentar razões determinantes claramente distinguíveis não formará precedente.
Xxxxxxxx, Xxxxxxxx e Mitidiero 181 reiteram: precedentes emanam exclusivamente das cortes supremas e possuem sempre força vinculante. Eles (os precedentes) não equivalem às decisões judiciais, mas delas decorrem. São “razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões”.
Também tratam da questão Xxxxxx Xxxxxx Xx., Xxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx000. Para eles, precedente é “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”. Em sentido estrito, segundo estes autores,
179 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 608.
180 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p.611
181 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Op. Cit., 2015. p. 610 e 611 182 XXXXXX XX., Xxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Ações Probatórias, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. V.2. 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. p. 441 a 444.
o precedente coincide com a ratio decidendi183. Que por sua vez corresponde aos “fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi”.
De qualquer forma, como salientou Xxxxxx Xxxxxxxx Macedo 184 , a promulgação do novo Código de Processo Civil converteu os Tribunais Superiores em Cortes de Vértice. Atribuiu-se uma função normativa ao Poder Judiciário, principalmente na resolução de demandas repetitivas.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx000, o objeto do inciso III do art. 927186 do CPC é “justamente o de gerar segurança e previsibilidade”. Complementa que “o STJ é órgão cuja função é dar a última palavra sobre o direito federal” e, portanto, não faz sentido algum desrespeitar seus julgados.
Nesses termos, com a solução do tema repetitivo 938 editou-se um precedente que irá vincular a atuação jurisdicional dos órgãos judiciários hierarquicamente inferiores e do próprio STJ. Nos autos do Recurso Especial Repetitivo 1.599.511-SP, sob relatoria do Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, formou-se a seguinte tese quanto à cláusula de Corretagem:
(ii) Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.187
Em sua fundamentação, o relator fixou a seguinte hipótese fática:
o consumidor interessado se dirige a um estande de vendas com o objetivo de comprar uma unidade autônoma de um empreendimento imobiliário. No estande, o consumidor é atendido por um corretor previamente contratado
183 A compreensão da ratio decidendi não pode ser desvinculada do chamado obiter dictum. Segundo Xxxxxx Xx. e Outros, “este corresponde ao argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão”. Ou seja, “é uma colocação ou opinião jurídica adicional, paralela e dispensável para a fundamentação e conclusão da decisão”. (In: XXXXXX XX., Xxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de. Op. Cit. 2015. p. 444).
184 MACEDO, Xxxxxx Xxxxxxxx. Anotações aos arts. 926 a 928. p. 694. In: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx; MIGLIAVACCA, Xxxxxxxx Xxxxxx (coords.). Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre: OAB RS. 2015.
185 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (coord.) et al. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: Artigo por Artigo. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2016. p. 1460.
186 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: [...] III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
187 BRASIL, STJ. REsp 1599511/SP, Rel. Ministro Xxxxx Xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Segunda Seção, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016.
pela incorporadora. Alcançado o êxito na intermediação, a incorporadora, ao celebrar o contrato de promessa de compra e venda transfere para o promitente-comprador a obrigação de pagar comissão de corretagem diretamente ao corretor.
Por tratar-se de relação de consumo, controverteu-se sobre a validade da cláusula que possibilita a transferência ao comprador da obrigação de pagar a comissão de corretagem, serviço este contratado pelo vendedor.
Primeiramente, o Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx000 tratou do contrato de corretagem. Nesse desiderato, ressaltou que não há impedimento legal para transferência do encargo da corretagem ao outro polo contratante, se assim ocorrer mediante cláusula expressa no contrato principal.
Segundo o Ministro, é praxe do mercado imobiliário transferir o custo da corretagem ao consumidor. Desta transferência decorrem três vantagens à incorporadora: 1) “terceirização da atividade de comercialização das unidades para profissionais do setor”; 2) “redução da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a aquisição de unidade imobiliária”; e 3) a “desnecessidade de restituição do valor da corretagem em caso de desfazimento da promessa de compra e venda, uma vez que o pagamento é feito diretamente ao corretor”.
Mesmo que garantidas algumas vantagens à incorporadora em decorrência do repasse da corretagem, o relator afastou a alegação de venda casada e de onerosidade abusiva ao consumidor. Argumentou que ocorreu a terceirização da atividade de comercialização dos imóveis aos corretores enquanto as construtoras focavam seus interesses em sua atividade principal: construção das unidades.
Além disso, consignou Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx que as vantagens garantidas às incorporadoras “não causam prejuízo econômico para os consumidores, pois o custo da corretagem é normalmente suportado pelo comprador, seja embutido no preço, seja destacado deste”.
Reiterou o Ministro Relator que o Mercado Imobiliário segue a lógica de outros mercados: “a venda só produz lucro à incorporadora se o preço final do imóvel superar seus custos”. Nesses termos,
188 BRASIL, STJ. REsp 1599511/SP, Rel. Ministro Xxxxx Xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Segunda Seção, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016
o direito do consumidor, apesar de seu marcado caráter protetivo, não chega ao ponto de subverter a natureza onerosa das relações negociais do mercado de consumo, exigindo apenas transparência no seu conteúdo.
Quanto à exigência de transparência no seu conteúdo, fundamentou-se o julgamento do Recurso Especial 1.599.511 no sentido de que a informação adequada sobre os produtos e serviços é mais que um direito do consumidor. É também um dever imposto ao fornecedor, conforme se pode extrair, dos arts. 31, 46 e 52 do Código de Defesa do Consumidor.
Na ocasião do julgamento, ressaltou Xxxxx xx Xxxxx 189 que o dever de informação é um dos vários princípios que decorrem da boa-fé objetiva, positivada tanto no Código Civil (art. 422) quanto no CDC. Todas as relações privadas, inclusive as relações de consumo, devem ser pautadas nos deveres de probidade, lealdade e cooperação, todos decorrentes da boa-fé.
Segundo o Ministro Relator, o dever de informação é cumprido desde que a incorporadora informe o consumidor o preço total de aquisição da unidade imobiliária, especificando o valor da comissão de corretagem, ainda que esta venha a ser paga destacadamente.
No mesmo julgado atentou o ilustre Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx às peculiaridades da sociedade pós-moderna. Em fundamentação que respalda o “diálogo”190 entre as normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, percebe-se que o citado magistrado encontrou equilíbrio em sua decisão entre as posições apresentadas pela jurisprudência.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça entendeu que averiguada a assimetria informacional, e o consequente desrespeito ao dever de informação, ao consumidor será assegurado “o direito de exigir o cumprimento da proposta pelo preço ofertado, não sendo admitida a cobrança apartada da comissão de corretagem, se não prevista no instrumento contratual”.
189 BRASIL, STJ. REsp 1599511/SP, Rel. Ministro Xxxxx Xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Segunda Seção, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016
190 Como demonstrado anteriormente, o conflito de leis no tempo não é adequadamente solucionado pela exclusão de uma delas do ordenamento jurídico. Deve-se permitir a interpenetração recíproca entre os diplomas conflitantes para melhor atribuir uma solução ao caso concreto. (in: MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op. Cit. 2006. p. 26 a 58).
Esta tese consubstancia evidentemente um prestígio à defesa do consumidor, quando constatada a violação ao dever de informação. Pode-se dizer que na falta de informação acerca da corretagem em contrato de aquisição de unidade imobiliária, fica evidenciada a vulnerabilidade do consumidor na demanda, o que permite a incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de verdadeira atenção do Magistrado aos valores que dirigem a vida social pátria.
Xxxxx bem à hipótese o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Junior191 . Para o jurista, a defesa do consumidor está positivada no texto constitucional ao lado de outras garantias fundamentais, como por exemplo a livre iniciativa e a propriedade. Portanto, a defesa dos consumidores não pode ser levada ao extremo a ponto de negligenciar direitos dos fornecedores e superiorizar a visão consumerista. Este autor propõe um equilíbrio entre os direitos do fornecedor e do consumidor.
Foi o que concretizou a decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema repetitivo 938. Como restou demonstrado na audiência pública192, a situação econômica das construtoras que agiram de boa-fé estaria comprometida se tivessem de restituir a integralidade das comissões de corretagem ao consumidor. O que afronta outros valores respaldados na constituição, como a função social da empresa193.
A decisão do tema repetitivo 938 exarada nos autos do Recurso Especial Representativo de controvérsia 1.599.511 deve ser encarada como um precedente histórico que marca fundamentalmente a aplicação concreta do diálogo das fontes. As Cortes de Justiça deverão respeitá-lo até que o STJ, atento à plasticidade da
191 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do Consumidor: A busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do CDC e os Princípios gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 31 a 33. Xxxx XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. A valorização da Origem Constitucional do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jurídica: Órgão Nacional de Doutrina, Jurisprudência, Legislação e Crítica Jurídica. Ano 64, no 463, p. 13 – 34, Maio de 2016. p. 18.
193 A empresa é um dos instrumentos necessários à consecução dos objetivos traçados pela Constituição Federal. Dentre eles está a dignidade da pessoa humana. Por esta razão, a atividade da empresa deve superar os interesses egoísticos de seus titulares legitimando-se na medida que seja via de afirmação de valores não referidos diretamente ao empresário. (in: FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Empresa, Ordem Econômica e Constituição. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, no 212: p. 109-133, abr./jun. 1998. p. 128 a 130).
realidade social, decida por alterar sua posição194, o que os países de common law chamam de overruling195.
194 A superação de precedentes está prevista em nosso sistema. Nos termos do art. 986 do novo CPC, a única corte que poderá editar norma para afastar a aplicação do precedente formado a partir do tema repetitivo 938 é o próprio STJ. Confira a redação de referido artigo: Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no incidente far- se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.
195 Overruling é uma técnica de superação de precedentes “através da qual um precedente perde sua força vinculante e é substituído por outro”. Apenas “o próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo”. (in: XXXXXX XX., Xxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx de. Op. Cit. 2015. p. 494)
CONCLUSÃO
Incontestável a recente aproximação de nosso sistema ao common law, no qual as cortes de cúpula desempenham um papel primordial de definir qual a interpretação correta do direito, para que as cortes de justiça uniformizem a aplicação dos precedentes por meio da jurisprudência.
Sabendo que texto e norma não se confundem, à exegese dada pelo STJ deve ser atribuída caráter de normatividade, ou a razão de ser de nosso sistema (segurança jurídica) será fulminada pelas constantes alterações jurisprudenciais, que de certo modo marcaram nossa tradição jurídica.
Foi como procedeu o STJ no julgamento do recurso repetitivo tema 938. Editou-se precedente para que as cortes de segunda instância subsumam o fato à norma exarada pela corte de cúpula, colocando fim à disparidade de conclusões para idêntica situação jurídica.
Deve-se ressaltar ainda que, em tempos de pós modernidade deu o Superior Tribunal de Justiça manifesta e procedente contribuição. Na formulação das teses do julgado, percebe-se a atenção da corte à plasticidade da realidade contemporânea editando precedente que estabeleceu um verdadeiro “diálogo” entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.
Prestigiou-se, por um lado, a aplicação do antigo brocardo oitocentista da “pacta sunt servanda” quando não constatada a “vulnerabilidade” e a assimetria informacional do consumidor. No mesmo precedente, assim ficou consignado:
Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem [...] desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem (grifos nossos)
Garantiu-se dessa forma, nos termos da legislação em vigor, proteção à parte hipossuficiente daquela relação jurídica através do direito à informação. Resta que os tribunais de segundo grau consolidem a orientação normativa editada pelo Superior Tribunal de Justiça, aplicando o precedente aos casos concretos e uniformizando a jurisprudência.
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ANEXOS
ANEXO A
Julgados Contrários à Cláusula de Corretagem | ||
Número do Processo | Órgão Julgador | Data da Decisão |
0116860-61.2012.8.26.0100 | 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 27/11/2013 |
0221752-55.2011.8.26.0100 | 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 02/09/2014 |
0026424-46.2013.8.16.0182 | 8 Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba | 04/09/2014 |
0033782-71.2012.8.26.0068 | 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 19/01/2015 |
0000839-24.2015.827.9200 | 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Tocantins. | 05/05/2015 |
0012176-15.2013.8.24.0033 | 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina | 16/07/2015 |
0026989-17.2011.8.08.0048 (048110269890) | 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 04/08/2015 |
0038427-06.2012.8.08.0048 | 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 15/09/2015 |
0800844-75.2014.8.12.0046 | 3ª Seção Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul | 19/10/2015 |
0004659-30.2013.8.08.0024 | 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 20/10/2015 |
0024590-10.2014.8.08.0048 | 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 24/11/2015 |
1010481-80.2015.8.26.0001 | 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 15/12/2015 |
0310785-47.2011.8.05.0001 | 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia | 28/03/2016 |
0812206-15.2014.8.12.0001 | 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul | 17/05/2016 |
0304801-54.2014.8.24.0064 | 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina | 16/06/2016 |
0800977-10.2013.8.24.0082 | 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina | 20/06/2016 |
1.0433.14.027734-7/001 | 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 07/07/2016 |
1.0024.13.300475-4/001 | 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 07/07/2016 |
0823448-39.2012.8.12.0001 | 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul | 20/07/2016 |
ANEXO B
Julgados Favoráveis à Cláusula de Corretagem | ||
Número do Processo | Órgão Julgador | Data da Decisão |
0008649-52.2011.8.26.0071 | 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 17/05/2012 |
0027314-64.2012.8.26.0562 | 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 03/07/2013 |
24100016773 | 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 10/07/2013 |
0057947-52.2012.8.26.0564 | 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 03/01/2014 |
1.099.411-7 | 11ª Câmara Civel do Tribunal de Jusitça do Paraná | 26/03/2014 |
0190734-79.2012.8.26.0100 | 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 26/06/2014 |
1.122.538-6 | 11ª Câmara Civel do Tribunal de Jusitça do Paraná | 14/07/2014 |
0002338-81.2012.8.08.0048 (048120023386) | 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 18/08/2014 |
1.0024.12.195157-8/002 | 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 30/10/2014 |
1.0024.12.195157-8/002 | 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 30/10/2014 |
4007630-45.2013.8.26.007 | 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 25/11/2014 |
1.0701.14.003081-1/001 | 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 04/12/2014 |
0018717-43.2010.8.08.0024 (024100187178) | 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo | 03/03/2015 |
1.0702.13.007450-4/001 | 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 17/08/2015 |
1022037-10.2014.8.26.010 | 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo | 06/10/2015 |
0800892-34.2014.8.12.0046 | 2ª Câmara Cível do Tribunal de Jusitça do Mato Grosso do Sul | 27/10/2015 |
1.0024.14.212574-9/002 | 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais | 28/01/2016 |
009833-78.2012.8.19.0208 | 8ª Câmara Cível do Tribunal de Jusitça do Rio de Janeiro | 12/07/2016 |
0000659-60.2012.8.19.0203 | 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro | 26/07/2016 |
Cópia das Decisões Citadas
Registro: 2014.0000606080
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1063610-62.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PERFIL SANTANA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA, são apelados XXXXXX XX XXXXX MARQUES CRESTONI e XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Xxxxx provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores XXXXXX XXXXXX (Presidente sem voto), XXXX XXXXX XXXXXXXX E XXXX XXXX.
São Paulo, 26 de setembro de 2014.
Xxxxxx Xxxxxxx relator
Assinatura Eletrônica
Este documento foi liberado nos autos em 26/09/2014 às 15:08, é cópia do original assinado digitalmente por XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX. Para conferir o original, acesse o site xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx, informe o processo 1063610-62.2013.8.26.0100 e código CC327B.
Voto nº 5512
Apelação Cível nº 1063610-62.2013.8.26.0100
Apelante: PERFIL SANTANA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. Apelados: XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX e OUTRO
Comarca: São Paulo
7ª Câmara de Direito Privado
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Pretensão dos
apelados de verem a ré condenada na devolução em dobro dos valores desembolsados referentes à comissão de corretagem e taxa SATI - Serviços vinculados à compra e venda do imóvel sem oportunidade dos adquirentes de recusá-los ou de contratar outro prestador - Ausência de informação adequada aos consumidores - Contrato de adesão e operação casada - Caracterização - Infringência ao art. 39, I, do CDC - Devolução em dobro dos valores cobrados a maior, nos termos do art. 42 do CDC - Descabimento - Ausência de prova da má-fé na cobrança - Hipótese de devolução singela - Alegação de que seria indeterminado o pedido de repetição de indébito - Descabimento - Autores que expuseram os fatos, formularam pedido específico e instruíram a petição inicial com documentos elucidativos - Sucumbência recíproca - Recurso parcialmente provido para condenar a ré na devolução, de forma simples e não em dobro, dos valores pagos pelos autores referentes à comissão de corretagem e taxa SATI, e para repartir o ônus da sucumbência.
A r. sentença de fls. 134/136, cujo relatório é adotado, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a ré à devolução em dobro do valor de R$ 52.824,30 pago pelos autores a título de taxa SATI e corretagem, bem como no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa.
A ré apela buscando reforma do julgado (fls. 140/162). Para tanto, alega que seria parte ilegítima a figurar no polo passivo desta demanda, sob o argumento de que os serviços de intermediação e de assessoria técnico-imobiliária teriam sido contratados diretamente com as empresas LPS Brasil Consultoria de Imóveis S/A. e SATI - Assessoria Imobiliária Ltda. As atuações de referidas empresas se deram de forma autônoma e independente. Os serviços foram efetivamente prestados. O pedido de repetição de indébito seria indeterminado, dado que não especificados a natureza dos valores e as respectivas cifras. Todos os valores pagos teriam sido discriminados no contrato de compra e venda. Não recebera qualquer importância a título de corretagem e taxa SATI. Subsidiariamente, pleiteia que a devolução dos valores seja de forma simples.
Às contrarrazões vieram às fls. 168/174, oportunidade em que os autores disseram que não haveria ilegitimidade de parte, posto que as empresas prestariam serviços à apelante. Os honorários de corretagem seriam encargos do vendedor. As cobranças seriam ilegais e sem previsão contratual. Os valores
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Este documento foi liberado nos autos em 26/09/2014 às 15:08, é cópia do original assinado digitalmente por XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX. Para conferir o original, acesse o site xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx, informe o processo 1063610-62.2013.8.26.0100 e código CC327B.
deveriam ser devolvidos em dobro (art. 42 do CDC). O recurso foi processado regularmente. É o relatório.
Sem embargo do prestígio que goza o MM. Juízo Singular, a r. sentença comporta parcial reforma.
Por meio desta demanda os apelados pretendem a restituição em dobro de valores pagos a título de comissão de corretagem e taxa SATI, sob o argumento de que não estariam previstos no contrato de compra e venda celebrado pelas partes.
A preliminar de ilegitimidade de parte passiva confunde-se com o mérito, e assim será analisada.
Os documentos de fls. 38/56 evidenciam a realidade de que os autores desembolsaram a quantia de R$ 52.824,30, a título de comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária às empresas LPS Brasil Consultoria de Imóveis S/A. e SATI - Assessoria Imobiliária Ltda., cujos respectivos serviços teriam sido prestados no negócio de compra e venda narrado nestes autos.
Referidas empresas participaram da promoção e venda do empreendimento imobiliário descrito na inicial com interesses financeiros comuns, visando à maximização do lucro.
A experiência comum permite a afirmação de que ao consumidor cabe tão somente aceitar ou não o modelo massificado do contrato que lhe é apresentado, com suas condições previamente estabelecidas pelo fornecedor.
Ademais, tratando-se de imóvel adquirido “na planta”, não se avizinha razoável acreditar que os autores tivessem procurado profissional para intermediar a compra e venda.
Em regra, a empreendedora é que monta seu stand de vendas e contrata empresas e profissionais do setor imobiliário a fim de atuarem nessa fase de venda do imóvel.
Denota-se a presença de contrato de adesão em que os apelados somente realizariam a aquisição do bem se assinassem todas as documentações que lhes eram impostas, especialmente no que diz respeito à comissão de corretagem e taxa SATI, elaboradas sem a participação dos compradores. Pressupõe ausência de prévia discussão e de convergência de vontade dos consumidores para a sua aceitação.
É evidente que se os recorridos se negassem a se comprometerem com tais verbas não comprariam o imóvel.
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E mesmo tratando-se de contratos distintos, o que se evidencia é uma performance em parceria das empresas envolvidas com o empreendimento imobiliário pertencentes ao mesmo setor de atuação.
Atrelado a isso temos o fato do contrato principal não enfatizar a necessidade da contratação de outros serviços. Tampouco restou expresso que eventuais contratações seriam facultativas e sem interferência na compra e venda do imóvel.
Portanto, o dever de informar os consumidores foi omitido, em desrespeito ao princípio da boa-fé e da transparência.
O artigo 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor estabelece
que:
“A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.
Já em seu artigo 6º encontramos que:
“São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
E no artigo 39 do mesmo diploma legal temos a previsão de que:
“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
Destarte, a imposição das contratações retirou dos adquirentes do imóvel a opção de recusar os serviços suso mencionados ou de contratá-los de outro prestador, gerando uma oferta de consumo casada de venda com prestação de serviços, da qual os autores não puderam se desvencilhar.
Comprovado o ato ilícito, o dano, o nexo causal e o dolo, pouco importa quem se beneficiou já que isso não é elemento caracterizador da responsabilidade civil.
Todavia, não cabe a condenação na devolução em dobro.
O só fato da relação jurídica ser de consumo não implica necessariamente que a devolução do indevidamente cobrado seja em dobro. E, diferentemente do alegado pelos autores, para se aplicar o artigo 42 do Código de
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Defesa do Consumidor há que ser feita prova da má-fé na cobrança, não demonstrada nos autos.
Ademais, só agora é que esta sendo declarada a ilegalidade das
cobranças.
Nesse sentido:
“Não incide a sanção do art. 42, parágrafo único, do CDC, quando o encargo considerado indevido for objeto de controvérsia jurisprudencial e não estiver configurada a má-fé do credor” (REsp 1090398-RS, Relatora Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, XXX - 0x Xxxxx, Julg. 02/12/2008, DJe 11/02/2009).
Descabida a alegação da apelante de que o pedido de repetição de indébito seria indeterminado, sob o argumento de que não haveria especificação da natureza dos valores e as respectivas cifras.
Depreende-se da inicial que os autores pretendem ver a apelante condenada na devolução da quantia de R$ 52.824,30, referente a serviços de comissão de corretagem e assessoria técnico-imobiliária, valores que foram desembolsados pelos recorridos conforme documentos de fls. 38/56.
Suficientemente expostos os fatos, o direito e o pedido específico, não houve prejuízo à defesa.
Com a inversão parcial do julgado, verifica-se que houve sucumbência recíproca, sendo a apelante vencida quanto ao pedido de devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem e taxa SATI, enquanto que os apelados restaram vencidos quanto ao pedido de devolução em dobro dos respectivos valores.
Considero que ambos os contendores tiveram parte importante de suas pretensões afastadas. Logo, justa a repartição da condenação nas verbas de sucumbência.
Neste sentido, aliás, a redação do artigo 21 do Código de Processo Civil: “Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas”.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso para condenar a ré na devolução, de forma simples e não em dobro, dos valores pagos pelos autores referentes à comissão de corretagem e taxa SATI, e para repartir o ônus da sucumbência, arcando cada parte com metade das custas processuais e com os honorários de seus respectivos patronos.
XXXXXX XXXXXXX
Relator
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Nº 70062766670 (N° CNJ: 0469230-69.2014.8.21.7000) 2014/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO EM DOBRO. DANO MORAL INOCORRENTE.
Legitimidade passiva. A demandada é legitima para responder a demanda, porquanto os valores pagos a título de comissão de corretagem foram repassados à construtora. Serviço de corretagem. A prova dos autos dá conta de descaracterizar o serviço como intermediação prestada por corretor independente, o que afasta a aplicação da regra do art. 725 do CC/02. Minha casa minha vida. Programa de incentivo à aquisição de casa própria instituído para beneficiar famílias com baixa renda, no qual é ilegal cobrança de comissão de corretagem. Abusiva a retenção dos valores antecipados, com base no art. 51, incisos I, II, II e XII, do CDC. Dano Moral. Para se fazer jus à reparação por dano moral não basta alegar prejuízos aleatórios ou em potencial, é necessária a comprovação do dano efetivo sofrido pela parte. Xxxxxxxxxx não logrou provar fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC, não havendo comprovação de que a situação vivenciada ultrapassou a esfera do mero dissabor diário a que todos estamos sujeitos. Devolução em dobro. A devolução deve ser em dobro, pois evidente a má-fé da requerida, que tinham ciência da ilicitude da cobrança da comissão.
XXXXX DA AUTORA PROVIDO EM PARTE E DESPROVIDO O APELO DA RÉ. UNÂNIME.
APELAÇÃO CÍVEL | DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL |
Nº 70062766670 (N° CNJ: 0469230- 69.2014.8.21.7000) | COMARCA DE CACHOEIRINHA |
XXXXXXX XXXXXX XXXXXX | APELANTE/APELADO |
BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA | APELANTE/APELADO |
GC
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A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo da ré e dar parcial provimento ao apelo da autora.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. XXXXXX XXXXX XXXXXXX (PRESIDENTE E REVISOR) E DES.ª LIÉGE XXXXXXXXX XXXXX.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2014.
DES. XXXXXXXX XXXXX,
Relator.
R E L A T Ó R I O
DES. XXXXXXXX XXXXX (RELATOR)
Trata-se de apelações interpostas por XXXXXXX XXXXXX XXXXXX e por BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA. contra a
sentença das fls. 184/187, a qual julgou parcialmente procedente a ação ordinária movida pela primeira contra o segundo, perante a 2ª Vara Cível da comarca de Cachoeirinha.
Consta do relatório da sentença:
XXXXXXX XXXXXX XXXXXX, qualificada na inicial, moveu ação indenizatória contra BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, também
identificada. Alegou, em síntese, que adquiriu uma unidade habitacional através de financiamento da
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Caixa Econômica Federal e que a ré, além de entregar o imóvel em atraso, cobrou valor indevidamente a título de comissão de corretagem e para pagamento dos custos de registro do imóvel. Postulou a devolução, em dobro, da importância cobrada indevidamente, bem como o arbitramento de indenização pelo atraso na entrega do bem. Pediu a AJG. Juntou procuração e documentos.
Deferida a AJG.
Xxxxxx, a parte ré apresentou contestação (fls. 102/142). Arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva. Aventou a legalidade da cobrança da comissão de corretagem. Refutou as alegações contidas na inicial, em especial a do suposto atraso na entrega do bem. Requereu o acolhimento da prefacial e a extinção da ação ou, em caso de exame do mérito, a improcedência da demanda. Trouxe documentação.
Houve réplica.
Indeferida a prova oral, vieram os autos conclusos para sentença.
A conclusão sentencial se deu nos seguintes termos:
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente o pedido deduzido por XXXXXXX XXXXXX XXXXXX contra BOLOGNESI EMPREENDIMENTOS LTDA, nos
termos do art. 269, inc. I, do CPC, para condenar a ré à restituição do valor despendido indevidamente pela autora a título de comissão de corretagem, no montante de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais), corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar da data do desembolso (16/01/2012, fls. 151), acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.
Diante da sucumbência recíproca, condeno cada uma das partes ao pagamento de metade das despesas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte contrária, os quais fixo em R$ 724,00, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC.
Suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais em relação à autora, uma vez que beneficiários da AJG.
Autorizada a compensação da verba honorária nos termos da Súmula nº 306 do STJ.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
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Com o trânsito em julgado, não havendo manifestação das partes, arquivem-se com baixa.
Em razões (fls. 189/1195), a autora alegou que a cobrança indevida da comissão de corretagem autoriza a sua restituição em dobro, nos termos do artigo 42 do CDC. Sustentou que a demora na entrega da obra só é autorizada nos casos de ocorrência de caso fortuito ou força maior, situação que não ocorreu, cabendo a indenização pretendida no aspecto. Referiu a ocorrência de constrangimento com o descumprimento do contrato, o qual autoriza a indenização por danos morais requeridos. Requereu o provimento do apelo.
A demandada também apelou (fls. 195/212), requereu a apreciação do agravo retido interposto nos autos. Alegou a ilegitimidade passiva para a presente demanda, já que a comissão de corretagem foi destinada a atividade do Corretor do Imóvel, não sendo passível de devolução. Sustentou a legalidade da cobrança da taxa da corretagem e requere o provimento do apelo.
Oferecidas as contrarrazões.
Subiram os autos a este Tribunal de Justiça tendo sido distribuídos a minha relatoria.
Registro, por fim, que foi observado o previsto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
V O T O S
DES. XXXXXXXX XXXXX (RELATOR)
Eminentes Colegas.
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Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
No tocante ao cerceamento de defesa, alegado em agravo retido, sorte não socorre a demandada, porquanto a matéria em debate é eminentemente de direito, comprovado através de prova documental, desnecessária a prova testemunhal requerida pela ré.
Não merece acolhida também a alegação da ilegitimidade passiva da demandada para a presente demanda.
Segundo os documentos acostados aos autos, os valores foram repassados a Bolognesi, além do que, autorizou o corretor a receber o valor em seu nome.
Com estas considerações, analiso os demais pontos
levantados.
A demanda deve ser apreciada sob o prisma do Código de
Defesa do Consumidor.
Cumpre salientar, inicialmente, que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.
Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.
A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo
ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva.
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Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.
Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Não se trata de afastar este Princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a Hipossuficiência (outra questão jurídica).
Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido, “é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a
1 “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;”
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ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem. ”2
O consumidor considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes sobre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns da vida e diria indispensáveis da moderna sociedade de consumo.
Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais para o crescimento não só da economia, mas que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Mais que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.
Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo, que também é um princípio básico,
2 XXXXX XXXXXXX XXX XXX XXXXXX. Código de Defesa do Consumidor – o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 96 e 97.
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onde deve ser sempre buscado o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.
A autora firmou proposta de compra e venda de imóvel em 17/01/2012, para entrega futura e pagou R$ 6.500,00 (fls. 151) a título de comissão pela intermediação do negócio.
A previsão em contrato de adesão produzido pela fornecedora somada ao recibo emitido em nome do corretor descaracteriza o serviço como intermediação prestada por corretor independente, o que afasta a aplicação da regra do art. 725 do Código Civil3.
Desta forma, tratando-se de serviço gerido e prestado pela incorporadora ou a empreendedora o custo deve ser incluído no preço do produto, não podendo ser repassado em separado ao consumidor.
Assim, entendo abusiva a retenção dos valores antecipados, com base no art. 51, incisos I, II, II e XII, do CDC.
Ademais, o autor sustenta que o imóvel adquirido, foi financiado pelo programa Minha Casa Minha Vida que sabidamente configura programa de incentivo à aquisição de casa própria instituído para beneficiar famílias com renda de até 10 (dez) salários mínimos, no qual é ilegal a cobrança de comissão de corretagem.
A Caixa Econômica Federal deixou cristalino que não cabe ônus aos beneficiários do PMCMV, nem mesmo comissão de corretagem, consoante ofício nº 0051/2011/SN-Habitação, que assim dispõe:
1.1.1.1 Nesse modelo de atendimento a remuneração devida aos correspondentes é feita
3 Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.
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pela caixa, não cabendo, portanto, nenhum ônus ao mutuário final.
1.1.1.2 1.1.2 os custos relativos às taxas e demais despesas decorrentes do financiamento são pagas, pelo mutuário, diretamente à Caixa e não contemplam nenhum valor relativo à corretagem.”
Nesse norte já se pronunciou esta Corte, nos termos dos precedentes ora transcritos:
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO PRINCIPAL E CAUTELAR. POSSIBILIDADE DE
COMPENSAÇÃO. I. Em que pese constituir-se a comissão de corretagem de parcela paga pelo promitente comprador a terceiro, não integrando, portanto, o preço do imóvel, forçoso reconhecer a responsabilidade da promitente vendedora pelo seu ressarcimento. E isso porque vai de encontro ao próprio fim social para o qual criado o "Programa Minha Casa Minha Vida". Nesse passo, cabível a restituição dos valores pagos pelo promitente comprador. II. Devem ser compensadas as verbas fixadas na ação cautelar e na principal, nos termos do artigo 21 do CPC e verbete nº 306 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Ainda que sejam processos distintos, a cautelar é dependente da ação principal, nos termos dos arts. 796 e 806 do CPC. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação
Cível Nº 70058928151, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 26/06/2014)
APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. ILEGALIDADE DA COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES.
Preliminar. As apelantes detêm legitimidade para responder à demanda; a Santa Quitéria, porque titular do domínio do imóvel e a Xxxxx, porque tem o nome
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gravado na proposta e, ainda, empresta o nome ao empreendimento. Mérito. A exigência da comissão de corretagem pelos aderentes do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal vai de encontro ao propósito do programa, o qual, inclusive, possui regras próprias e nelas não constam a possibilidade de tal cobrança. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70059774455, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 26/06/2014)
Ação de repetição do indébito. Compra e venda de imóvel. Programa governamental de habitação denominado Minha Casa Minha Vida . Comissão de corretagem. Cobrança indevida. O Programa Minha Casa Minha Vida gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou à requalificação de imóveis urbanos, ou seja, é um programa de incentivo à aquisição de casa própria ou de moradia, que beneficia famílias de baixa e média renda, caracterizando-se um desvirtuamento das regras do Programa a cobrança da comissão de corretagem, especialmente levando em conta que o custo das unidades habitacionais abrange todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra, inclusive o chamado custo de comercialização. O que existe, no caso, é a imposição ao comprador de assumir o alto custo de uma assessoria imobiliária como condição para a celebração do negócio principal que é a compra e venda do imóvel, induzindo em erro o consumidor que acredita estar quitando a entrada do imóvel desejado, com a finalidade de garantir a sua reserva, o que fere o princípio da boa-fé, porque flagrantemente abusivo, situação evidenciada pelo fato de que o contrato de corretagem e o pagamento da respectiva comissão se deu seis meses antes da celebração do contrato de compra e venda firmado com o agente financeiro. (Apelação Cível Nº 70053584140, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxxxx Xxxx Marchionatti, Julgado em 22/05/2013)
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Desta forma, reconhecida a ilegalidade da cobrança da comissão de corretagem paga pelo autor, impõe-se a restituição pela requerida do valor indevidamente cobrado. A devolução deve ser em dobro, pois evidente a má-fé da requerida, que tinha ciência da ilicitude da cobrança da comissão.
O contrato prevê o prazo de tolerância de 180 dias para a entrega da obra, o qual se mostra razoável considerando os contratempos que normalmente ocorre.
Tal prazo se mostra razoável, e houve previsão no contrato, com o conhecimento da parte autora a respeito.
Quanto ao dano moral, melhor sorte não socorre a parte
autora.
Para se fazer jus à reparação por dano moral não basta alegar
prejuízos aleatórios ou em potencial, é necessária a comprovação do dano efetivo sofrido pela parte.
Compulsando os autos, verifica-se que a demandante não logrou provar fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inc. I, do CPC, não havendo comprovação de que a situação vivenciada ultrapassou a esfera do mero dissabor diário a que todos estamos sujeitos.
Em nenhum momento, repito, a parte autora apresentou qualquer prova a demonstrar os prejuízos de natureza subjetiva informados em suas razões recursais.
Acrescento ainda que não há notícia de qualquer inscrição de seu nome em cadastros protetivos de crédito, tão somente a cobrança indevida, o que refuta a indenização por danos morais.
Conforme Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx (O Dano moral e sua reparação, Forense, 1983, p. 2/3), dano moral é a lesão que afeta o
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patrimônio ideal da pessoa e não o patrimônio econômico: “Danos morais, pois, seriam, exemplificadamente, os decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal.”
Por sua vez, para Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx (Danos à Pessoa Humana – Uma Leitura Civil-Constitucional dos Xxxxx Xxxxxx, Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 133):
“(...) O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana (também identificado com o princípio geral de respeito à dignidade humana).”
Nesse sentido, são os seguintes julgados:
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TELEFONIA. DECLARATÓRIA DE COBRANÇA INDEVIDA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANO MORAL. COBRANÇA DE SERVIÇO NÃO CONTRATADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO. PRESCRIÇÃO. - A
pretensão de repetição de indébito prescreve em três anos. Inteligência do artigo 206, §3º, IV. DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO. - Não comprovada a adesão do consumidor ao serviço cobrado e pago, a devolução em dobro do valor correspondente é medida que se impõe. Condenação da ré apenas quanto as faturas apresentadas nos autos pela parte autora. DA MULTA POR EVENTUAL DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. - É possível a
cominação de multa pelo descumprimento de ordem judicial, de acordo com o art. 461, § 5º, do CPC. Multa mantida para o caso de descumprimento da obrigação de fazer. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. - O dano moral é a lesão/violação de um direito personalíssimo que
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cause na vítima sensações negativas ou desprazerosas, que transborda a normalidade e a tolerabilidade do homem médio. É o rompimento do equilíbrio psicológico, é a violação da dignidade da pessoa humana. E por isso, seu reconhecimento deve ocorrer em situações graves e sérias. - O mero dissabor, decorrente de uma violação de relação negocial, mesmo com repercussão econômica, por si só, não gera direito ao recebimento de indenização por dano moral. As frustrações de relacionamentos devem ficar fora do judiciário. - Não violado direito personalíssimo indevido o reconhecimento de dano moral. - A justa remuneração do advogado vem ao encontro da sua indispensabilidade à administração da Justiça, conforme o art. 133 da CF e como tal há de ser considerada. Verba honorária majorada. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70060797750, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 28/08/2014)
APELAÇÃO CÍVIL E RECURSO ADESIVO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. BRASIL TELECOM. COBRANÇA INDEVIDA. OCORRÊNCIA. REPETIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS CONTROLADORES DE
CRÉDITO. I - Cobrança de serviços de telefonia sem a prova da contratação. Cabe a restituição dos valores em dobro relativos aos meses em que houve cobrança indevida quando há comprovação nos autos do efetivo pagamento. II - Para que se afigure dano moral passível de indenização são necessários os seguintes elementos: ato ilícito, dano e nexo causal. Ausência de inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. APELO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO
PREJUDICADO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70060183589, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 26/06/2014)
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APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. TELEFONIA. COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS PELO CONSUMIDOR. SUPER SEGURO PREMIADO ACE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DANO MORAL. AGRAVO RETIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DENUNCIAÇÃO À LIDE. AGRAVO RETIDO. (...) REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. Não
comprovada pela ré a contratação do serviço cobrado na conta telefônica da parte autora, tem-se por indevida a cobrança. E, a aplicação da norma do art. 42 do CDC, está condicionada à existência de relação de consumo e à prova do efetivo desembolso pelo consumidor, o que restou demonstrado nos autos, sendo, portanto, procedente o pedido de restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados, respeitada a prescrição trienal. MERO DISSABOR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Em que pese
o incômodo sofrido pela autora, tal fato não desbordou dos limites comuns no enfrentamento de problemas da vida do cotidiano. Inviável, assim, a concessão da indenização vindicada, não passando os fatos narrados na inicial de meros dissabores ou aborrecimentos, incapaz de gerar dano de natureza moral. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70057562951, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx, Julgado em 26/06/2014)
Desta forma, voto por negar provimento ao apelo da ré e dar parcial provimento ao apelo da autora, apenas para autorizar a devolução em dobro dos valores relativos à corretagem.
Fica mantida a sucumbência fixada na sentença. É o voto.
DES. XXXXXX XXXXX XXXXXXX (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo
com o(a) Relator(a).
DES.ª LIÉGE XXXXXXXXX XXXXX - De acordo com o(a) Relator(a).
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DES. XXXXXX XXXXX XXXXXXX - Presidente - Apelação Cível nº 70062766670, Comarca de Cachoeirinha: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: XXXXXXX XXXXX
Recurso Inominado nº 0082724-47.2013.8.16.0014, oriundo do 4º Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Londrina Recorrente: MRV Engenharia e Participações S/A
Recorridos: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx xxx Xxxxxx e Outro
Relatora: Juíza de Direito Designada Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx .
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. SOLIDARIEDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA, IMOBILIÁRIA E CORRETORA EM RAZÃO DA FORMAÇÃO DE CADEIA DE FORNECIMENTO. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ARTIGO 26 DO CDC POR NÃO SE TRATAR DE VÍCIO DO PRODUTO. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. PRAZO DECENAL. REGRA GERAL DO ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL POR AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO DE PRAZO MENOR. RESTITUIÇÃO DO VALOR DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. SERVIÇO NÃO CONTRATADO PELO CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO DA CONSTRUTORA. ÔNUS INDEVIDAMENTE REPASSADO AO ADQUIRENTE. VENDA CASADA. RESTITUIÇÃO DEVIDA EM DOBRO. REGRA DO ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC.
SENTENÇA MANTIDA. Recursos conhecidos e não providos.
I – RELATÓRIO
Cuidam os autos de ação de cobrança movida por Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx xxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xxx Xxxxxx em face de MRV Engenharia e Participações S/ A e Canezin Imóveis S/ S Ltda., pleiteando a restituição em dobro dos valores pagos a título de comissão de corretagem na contratação de compromisso de compra e venda de imóvel firmado com a primeira requerida , no montante d e R$3.757,00 (três mil e setecentos e cinquenta e sete reais).
A sentença de evento 57.1 julgou procedente a pretensão inicial e condenou a s requerida s a restituí rem a quantia de R$ 6.514,00 (seis mil quinhentos e quatorze reais) em favor do s requerentes.
A primeira requerida apresentou recurso em evento 70.1, no qual pugna pela integral reforma da sentença recorrida e aduz a incompetência do juizado especial para julgar o feito, em razão do valor da causa, bem como a sua ilegitimidade passiva, uma vez qu e é a destinatária do valor que se pretende restituir , e a prescrição da pretensão repetitória . Alega a validade do negócio jurídico, a impossibilidade de restituição dos valores acordados em razão do pacta sunt servanda e a legalidade da cobrança de comissão de corretagem .
Os recorrido s contra-arrazoaram em manifestação de
evento 79.1.
É o relato.
II – VOTO
O recurso deve ser conhecido , uma vez que presente os pressupostos processuais de admissibilidade.
O voto é pelo seu não provimento.
Rejeito a preliminar de incompetência do juizado.
Segunda a regra geral, a competência dos juizados especiais é fixada pelo valor da causa, nos termos do artigo 3º, I, da Lei nº 9.099/ 95.
Segundo a regra geral, o valor da causa é fixado com base no conteúdo econômico do pedido , consoante inteligência do artigo 258 do CPC e entendimento jurisprudencial pacificado ( REsp 436.203/ RJ, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, DJ de 17/ 2/ 2003 ).
A presente ação encerra pretensão repetitória, visando a restituição de valores indevidamente exigidos, o que não se confunde com a pretensão declaratória que visa a validade, modificação ou rescisão de negócio jurídico, razão pela qual o valor da causa deve ser o valor que se pretende restituir.
Tratando-se de valor inferior ao equivalente a 40 salários mínimos, atrai a competência do juizado especial cível.
Mesma sorte encontra o argumento de ilegitimidade
passiva.
Está assentado na jurisprudência o entendimento de que há a solidariedade passiva entre os i ntegrantes da cadeia de fornecimento para a restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores.
Precedentes desta Turma Recursal:
RECURSO INOMINADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO A TÍTULO DE TAXA DE CORRETAGEM. INCIDENCIA CDC. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. SOLIDARIEDADE ENTRE CONSTRUTORAS, INCORPORADORAS E IMOBILIÁRIAS. ÔNUS INDEVIDAMENTE TRANSFERIDO AO CONSUMIDOR, QUE NÃO CONTRATOU OS SERVIÇOS DE CORRETAGEM. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO CABÍVEL. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
[...]
2. In casu, incidem as regras do CDC, havendo, portanto, que ser reconhecida a solidariedade passiva entre imobiliárias/corretoras com empreendedoras/construtoras, que constituem apenas uma cadeia de fornecedores, não podendo a recorrente indagar sua ilegitimidade ao argumento de que não recebeu os referidos valores.
[...]
(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0065949-20.2014.8.16.0014/0 -
Londrina - Rel.: Xxxxxx Xxxxxxx Xxx - - J. 07.07.2015) (grifei)
As circunstâncias do caso concreto denotam a existência de parceria entre as empresas requerida , com a primeira exercendo o papel de oferecer aos consumidores em potencial os imóveis colocados no mercado pela segunda, que posteriormente compele os consumidores a remunerar os serviços da imobiliária, o que faz da primeira requerida uma verdadeira representante da segunda, caracterizando evidente cadeia de fornecimento.
Consoante inteligência da norma contida no artigo 34 do CDC, os participantes da cadeia de fornecimento são solidariamente responsáveis pelas obrigações frente aos consumidores, resguardado o direito de regresso.
Veja-se, neste liame, o entendimento adotado pelo egrégio STJ no julgamento do REsp 1209633/ RS .
“ O Código do Consumidor estabelece expressamente no art. 34 que "o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos", ou seja, há responsabilidade solidária independentemente de vínculo trabalhista ou de subordinação, responsabilizando -se qualquer dos integrantes da cadeia de fornecimento que venha dela se beneficiar, pelo descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança. ”(REsp 1209633/ RS, Rel. Mini stro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 14/ 04/ 2015, DJe 04/ 05/ 2015)
Assim, despiciendo discutir quem era o destinatário da taxa discutida nos autos ou quem a exigiu do consumidor, uma vez que a construtora e a imobiliária/ corretora são solidari amente responsáveis pela restituição dos valore indevidamente exigidos.
Quanto a prescrição, destaco que o entendimento que tem sido adotado nas Turmas Recursais do Paraná é o de que a pretensão de repetição de indébito está sujeita ao prazo decenal previ sto no artigo 205 do Código Civil.
RECURSO INOMINADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO A TÍTULO DE TAXA DE CORRETAGEM. INCIDENCIA CDC. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. SOLIDARIEDADE ENTRE CONSTRUTORAS, INCORPORADORAS E IMOBILIÁRIAS. PRESCRIÇÃO DECENAL. ÔNUS INDEVIDAMENTE TRANSFERIDO AO CONSUMIDOR, QUE NÃO CONTRATOU OS SERVIÇOS DE CORRETAGEM. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO CABÍVEL, NA FORMA DOBRADA. ART. 42 CDC. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
[...]
2. Convém asseverar que esta Turma Recursal já firmou entendimento de que na cobrança de valores pagos a título de comissão de corretagem, a causa de pedir remonta a obrigação contratual, que é de natureza pessoal, de modo que deve incidir ao caso o prazo decenal previsto pelo artigo 205 do Código Civil, não havendo que se falar em prescrição trienal.
[...]
(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0013143-86.2014.8.16.0182/0 -
Curitiba - Rel.: Xxxxxx Xxxxxxx Xxx - - J. 07.07.2015) (grifei)
RECURSOS INOMINADOS. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO DOS SERVIÇOS COM O COMPRADOR. ÔNUS DA CONSTRUTORA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CONSTRUTORA E DA IMOBILIÁRIA. RESTITUIÇÃO. FORMA SIMPLES. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Inicialmente, cabe salientar que a natureza da demanda é determinante para a definição do prazo prescricional. Tratando- se de ação de natureza meramente reparadora, o lapso prescricional será aquele do V do § 3ºdo art. 206; todavia, verifica-se que a causa de pedir narrada na presente exordial remonta à obrigação contratual, tendo a demanda natureza pessoal estando, consequentemente, sujeita ao prazo prescricional decenal do art. 205 do Código Civil de 2002, pelo
que rejeito a prescrição suscitada pelas recorrentes.
(Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Processo: 0058170- 48.2013.8.16.0014/0, Data Publicação: 27/06/2014, Órgão Julgador: 1ª Turma Recursal) (grifei)
Não se confunde, portanto, a pretensã o dos presentes autos com a pretensão reparatória de enriquecimento ilícito, sujeita ao prazo prescricional de 3 anos previsto no artigo 206, §3º, IV, do CC, razão pela qual o prazo que incide sobre a pretensão de repetição dos valores pagos a título de comissão de corretagem, constituído como venda casada, por ausência de fixação de prazo menor, é o de 10 anos.
Assim, resta afastada também a prescrição.
Quanto ao méri to, melhor sorte não assiste à recorrente.
Como é possível denotar dos documentos juntados aos autos, em especial do compromisso de compra e venda (evento 1.2), a comissão de corretagem foi maliciosamente incluída nas despesas contratuais, constando como valor pago a título de “ intermediária ” .
A contratação dos serviços de corretagem é feita pela proprietária do empreendimento, sendo de responsabilidade desta a remuneração de tais serviços.
Note-se que não é escolha do adquirente do imóvel a contratação de serviço de assessoria imobiliária ou assemelhado, tampouco é dado ao consumidor a oportunidade de discutir a cobrança das tarifas de corretagem já incluídas no compromisso de compra e venda, por se tratar de contrato de adesão.
Descabe, neste caso, reconhecer a aplicabilidade do pacta sunt servanda, não se admitindo que a ciência pr évia dos consumidor es a respeito de tal taxa legitime sua cobrança.
Trata-se, senão, de evidente prática de venda casada, pois o consumidor é forçado a assumir os encargos de um serviço que não
contratou para poder adquirir um bem de seu interesse , o que é expressamente vedado pela legislação consumerista (CDC, artigo 39, I). É, portanto, abusivo e ilegal o repasse dos custos de corretagem ao consumidor, que não contratou nem se beneficiou com tal serviço.
Precedentes desta Turma Recursal:
DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO QUE RECAI SOBRE QUEM CONTRATA O SERVIÇO. SERVIÇO CONTRATADO PELA CONSTRUTORA. PAGAMENTO EFETUADO PELO COMPRADOR. CONTRATO DE ADESÃO. COBRANÇA DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS PELO CONSUMIDOR. SENTENÇA REFORMADA.
1. Obrigação do pagamento pelo serviço de corretagem imobiliária recai sobre aquele que o contratou. Sendo a construtora quem firmou contrato com a empresa ou particular para prestar tal serviço deve ela arcar com o valor da comissão.
2. Por se trataram de contratos de adesão em que não há possibilidade de o comprador discutir seu teor, é abusiva a cláusula que estabelece como dever do comprador arcar com os valores da comissão de corretagem, devendo os valores pagos indevidamente serem restituídos.
3. Recurso conhecido e provido por maioria.
(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0013533-56.2014.8.16.0182/0 -
Curitiba - Rel.: Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx - - J. 07.07.2015) (grifei)
RECURSO INOMINADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO A TÍTULO DE TAXA DE CORRETAGEM. INCIDENCIA CDC. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. ÔNUS INDEVIDAMENTE TRANSFERIDO AO CONSUMIDOR, QUE NÃO CONTRATOU OS SERVIÇOS DE CORRETAGEM. COBRANÇA
INDEVIDA. RESTITUIÇÃO CABÍVEL, FORMA DOBRADA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA APENAS PARA AFASTAR CONDENAÇÃO POR XXXXX XXXXXX. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0020647-46.2014.8.16.0182/0 -
Curitiba - Rel.: Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx - Rel. Desig. p/ o Xxxxxxx: Xxxxxx Xxxxxxx Xxx - - X. 14.07.2015) (grifei)
Aplicável, in casu, a norma do artigo 42, parágrafo único, do CDC, devendo o consumidor ser ressarcido em valor equivalent e ao dobro do que desembolsou, uma vez que se trata de cobrança manifestamente ilegal, não sendo caracterizado engano justificável ou boa -fé objetiva das fornecedoras, que compelem o consumidor a arcar com os custos de um serviço que não solicitou.
Tratando-se de repetição de in débito, a correção monetária deve ser computada desde o injusto desembolso e os juros de mora incidir a partir da citação válida no processo, consoante entendimento assentado na jurisprudência e fundado no artigo 405 do Código Civil.
Xxxxxxx, portanto, o entendimento adotado pelo juízo a quo, devendo a sentença recorrida ser mantida integralmente.
III - DISPOSITIVO
Isso posto, voto por CONHECER E NEGAR PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS, nos termos da fundamentação supra .
Condeno as recorrentes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes ar bitrados em 20% do valor da condenação, o que faço com fulcro no art. 20, §3º, do CPC, na forma do art. 55, caput, in fine, da Lei n. 9.099/ 95.
Curitiba, datado e assinado digitalmente.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx dos Santos Juíza Relatora Designada
(assinado digitalmente)