INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA
INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA
XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
MEDIAÇÃO NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO:
ANÁLISE DE SUA EFETIVIDADE COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA E JUSTIÇA SOCIAL
SÃO PAULO 2021
XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
MEDIAÇÃO NO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO:
ANÁLISE DE SUA EFETIVIDADE COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA E JUSTIÇA SOCIAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional e Interdisciplinar em Direito, Justiça e Desenvolvimento, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito, Justiça e Desenvolvimento.
Orientador: Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx.
SÃO PAULO 2021
Mediação no contrato individual de trabalho:
análise de sua efetividade como instrumento de política pública e justiça social
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional e Interdisciplinar em Direito, Justiça e Desenvolvimento do IDP como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, na área de concentração Direito, Justiça e Desenvolvimento.
Aprovado em: 30/06/2021.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Orientador Dr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP
Profa. Dra. Noemia Aparecida Garcia Porto
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP
Dedicado à minha Xxxxx e à filha “Bru”, com todo meu amor. À minha mãe, dona Xxxxx, e ao meu saudoso pai, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx.
Sinceros agradecimentos ao Professor Dr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, pelo esmero na condução e orientação deste trabalho, além da paciência com este orientando.
Agradecimentos à juíza do trabalho, Dra. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, coordenadora do Cejusc-Sul, no TRT2, e toda a equipe de servidores que a auxilia, por tornar possível nossa presença nas sessões de mediação e conciliação durante a pesquisa. Ao magistrado, Dr. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, da Vara do Trabalho de Embu das
Artes, que, gentilmente possibilitou, igualmente, acompanharmos algumas audiências por ele conduzidas e que, mesmo após encerradas, permitia-se contribuir, destacando pontos relacionados ao tema pesquisado.
Xxxxxxxxxxxxx, também, aos revisores, Professora Xxxxxx Xxxx e Professor Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx, pelo apoio e afinco na revisão desta dissertação.
Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança.
(Xxx Xxxxxxx)
Este trabalho parte de dois principais pressupostos: o de que a Justiça do Trabalho tem usado, historicamente, a conciliação como instrumento de solução das demandas apresentadas; e o de que a mediação é um instrumento que vem sendo utilizado para solucionar conflitos de contratos coletivos de trabalho. A partir daí, este texto observa o uso da mediação como técnica a ser aplicada em casos de demandas advindas de contratos individuais de trabalho. Para tanto, considera-se a possível efetividade a partir da Resolução n.º 174/2016, que normatiza a mediação no âmbito da Justiça do Trabalho, e a implantação e atuação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs). Como contexto, são apresentadas as principais espécies de solução de conflitos trabalhistas (autocomposição e heterocomposição), bem como é discutida a natureza desses conflitos. Ainda, aqui são apresentados os resultados de pesquisa de campo, estabelecida por meio de observação de audiências e sessões e pela aplicação de questionários a advogados e servidores de tribunais, acerca de seu entendimento sobre a matéria em questão. No cerne desta dissertação, está o pensamento na mediação como possibilidade de ampliação da justiça social, significando a busca por relações equilibradas e humanistas que respeitem os direitos humanos fundamentais, a partir do emprego de técnicas que compreendam as relações sociais muito além do vínculo estritamente laboral. Busca-se, portanto, estabelecer de que forma a mediação pode ser aplicada, em que situações, por quem e com quais resultados, considerando-se o ambiente da Justiça do Trabalho e as lides que a ela se apresentam.
Palavras-chave: Resolução n.º 174/2016 do CSJT; Cejusc; Justiça do Trabalho; mediação; autocomposição.
ABSTRACT
This study is based on two main assumptions: the one in which the Labour Court has historically used conciliation as an instrument for solving the demands presented; and the one in which mediation is an instrument that has been used to resolve collective labour contract conflicts. Thence, this text observes the use of mediation as a technique to be applied in cases of demands arising from individual employment contracts. Therefore, the possible effectiveness of Resolution 174/2016 is considered, which regulates mediation within the scope of the Labour Court, and the implementation and performance of the Judiciary Centres for Conflict and Citizenship Resolution (Cejuscs). As a context, the main types of resolution of labour conflicts (self- composition and hetero-composition) are presented, as well as the nature of these conflicts is discussed. Furthermore, the results of field research are presented here, which were established through observation of hearings and sessions and through the application of questionnaires to lawyers and court staff, about their understanding of this issue. At the heart of this dissertation is the thought of mediation as a possibility to expanding social justice, meaning the search for balanced and humanitarian relationships that respect fundamental human rights, based on the use of techniques that understand social relations far beyond the strictly employment relationship. Its aim is, therefore, to establish how mediation can be applied, as well as in which situations, by whom and with what results, considering the environment of the Labour Court and the disputes which are presented to it.
Keywords: Resolution N.º 174/2016 CSJT; Cejusc; Labour Court; mediation; self- composition.
1 INTRODUÇÃO 11
2 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS: UMA ABORDAGEM TEÓRICA 15
2.1 MEDIAÇÃO COMO MÉTODO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS 15
2.1.1 Definição de mediação 20
2.1.2 Os fundamentos e objetivos da mediação 24
2.1.3 A natureza jurídica da mediação 27
2.2 MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E AS RELAÇÕES DE
TRABALHO 29
2.2.1 Meios de solução de conflitos em espécie 32
2.2.2 Autotutela 33
2.2.3 Heterocomposição 35
2.2.3.1 Jurisdição estatal 36
2.2.3.2 Jurisdição extrajudicial (arbitragem) 37
2.2.4 Autocomposição 40
2.2.4.1 Conciliação e mediação 44
2.3 CONTRATO DE TRABALHO E O CONFLITO 48
2.3.1 A natureza do conflito no contrato de trabalho 54
2.3.2 Tratamento judicial dos conflitos trabalhistas 57
3 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS: UMA ABORDAGEM EMPÍRICA 61
3.1 CONJUNTO NORMATIVO E A MEDIAÇÃO APLICADA 61
3.1.1 O processo comum e a autocomposição 63
3.1.2 Autocomposição alcançando a administração pública 64
3.1.3 O processo do trabalho se adequando à autocomposição 66
3.2 MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS TRABALHISTAS 68
3.2.1 Das comissões de conciliação prévia 73
3.2.2 Mediação na Justiça do Trabalho a partir da Resolução n.º 174/2016, do CSJT 75
3.2.3 A mediação extrajudicial 81
3.3 ASPECTOS PRÁTICOS DA RESOLUÇÃO N.º 174/2016 DO CSJT 86
3.3.1 O Cejusc na prática trabalhista e o uso da mediação 86
3.3.1.1 As sessões e as audiências de conciliação e de mediação realizadas na pandemia do covid-19 87
3.3.1.2 Dos processos encaminhados ao Cejusc 90
3.3.1.3 Das audiências de conciliação diretamente nas Varas do Trabalho 92
3.3.1.4 Das sessões no Cejusc-JT 93
3.3.1.4.1 A ausência da parte nas sessões de conciliação 94
3.3.1.4.2 Da conduta dos advogados nas sessões do Cejusc 95
3.3.1.4.3 Necessidade de empoderamento dos conciliadores 96
3.3.1.5 A conciliação e a mediação nas sessões 98
3.3.2 Perspectivas da mediação aplicada no contrato individual de
trabalho 102
3.3.2.1 O alcance da mediação nos dissídios individuais 107
3.3.2.2 Comentários aos resultados da pesquisa empírica 110
4 CONCLUSÃO 124
REFERÊNCIAS 128
APÊNDICE A – PESQUISA EMPÍRICA 133
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de toda a sua história, a Justiça do Trabalho tem apresentado, como forma de solucionar as demandas apresentadas, a conciliação. Não à toa, tem-se que os processos do trabalho trazem a obrigatoriedade da tentativa de conciliação antes que a controvérsia em questão tenha seu desfecho por meio de uma sentença judicial. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é clara ao tratar das regras de tramitação dos processos: as disputas individuais terão sempre que passar pela conciliação. A tentativa de conciliar não acontece em apenas um momento processual, pois é obrigatória a sua renovação antes do encerramento da chamada fase de instrução. À margem do que dispõe a CLT acerca da tentativa de conciliação, atualmente, há outros instrumentos de composição que foram inseridos nessa Justiça
especializada, cujo objetivo se destina à autocomposição.
Entre os anos de 2015 e 2019, em aproximadamente 40% dos processos, a conciliação foi adotada, segundo estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Ainda, segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2019,1 no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), jurisdição de recorte desta pesquisa, o percentual de conciliações atingiu 49% das demandas.
A Coordenadoria de Estatística e Gestão de Indicadores (CEGI), do TRT da 2ª Região, publicou, por meio da informação Cegi n.º 307/2020, as estatísticas dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), as quais apontam para o fato de que, em 2020, foram pautadas 40.565 audiências, sendo realizadas 25.379, com resultado frutífero para acordo em 6.617 processos.
Já no Cejusc-Sul, órgão específico em que realizei a pesquisa de campo deste trabalho, em 2020, foram pautadas 4.669 audiências, com realização de 2.822, sendo que 1.159 restaram frutíferas para acordo, totalizando, em valores, a importância de R$ 36.917.510,65.2
Existe um esforço na Justiça laboral para solucionar controvérsias a partir da composição, isto é, o chamado “acordo”. No entanto, mesmo havendo dados acerca desse tipo de resolução, ou melhor, dos litígios cuja solução ocorreu de forma
1 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxxx/xx/xxxxxxxxx-xxxxx. Acesso em: 27 mar. 2021.
2 Disponível em: xxxxx://xx0.xxx0.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxx- jt2/Informacao_CEGI_307_2020_Estatisticas_CEJUSCs_2020 1_.pdf. Acesso em: 27 mar. 2021.
conciliatória, o tipo de método aplicado para alcançar o acordo parece não fazer parte da estatística. Isso importa, tendo em vista o quanto a Justiça do Trabalho vem utilizando os métodos possíveis, na tentativa de composição, além de auxiliar na reflexão acerca da necessidade ou não de aperfeiçoar o uso desses mecanismos.
Além disso, mostra-se pertinente indagar se, para todo e qualquer litígio envolvendo relação de trabalho, especialmente diante de dissídios individuais, a conciliação atingida numa audiência ou no processo resultou, efetivamente, no fim da lide até então instaurada. Em uma situação hipotética, porém específica, do cotidiano, envolvendo um empregador e seu empregado em demanda judicial trabalhista, a aplicação do método da mediação pode apresentar um resultado diferente em relação ao que se apresentaria pelo método da conciliação, a ponto de o mediador/conciliador dar tratamento diferenciado para ambos?
A fim de tornar a justiça mais efetiva, em 2016, a resolução do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) determinou a implantação dos Cejuscs no âmbito da Justiça Especializada do Trabalho. O objetivo do Cejusc é resolver os litígios por meio da conciliação e da mediação.
Diante do exposto, apresento a questão norteadora deste trabalho: o método da mediação, como foi estabelecido na resolução do CSJT, em 2016, pode ser instrumento de efetividade e justiça social, caso seja aplicado nos conflitos envolvendo o contrato individual de trabalho? Nesse questionamento, é importante considerar o fato de já existir uma “cultura” da conciliação em conflitos trabalhistas, nos dissídios individuais, em que não se lançava mão do emprego da mediação, pois esta era, como regra, aplicada em conflitos envolvendo contratos coletivos de trabalho.
Com isso em vista, justifica-se, portanto, analisar a efetividade da mediação, a partir da Resolução n.º 174/2016 – instrumento legal que a normatiza. Além de estabelecer a implantação dos Cejuscs, a resolução também conceituou e listou procedimentos para a prática da conciliação e da mediação. Indo além, observando que a Justiça do Trabalho, para dissídios envolvendo contratos individuais, de forma maciça aplica, como mecanismo de solução por composição, a conciliação, permanecendo o uso da mediação para conflitos coletivos, é razoável indagar se haverá emprego desta última quando o litígio abranger contrato individual.
Refletir sobre a possibilidade de aprimorar o instituto da mediação, objetivando a efetividade da Justiça, nesses casos, é o que se pretende neste trabalho. Daí, é preciso questionar se, para certas demandas individuais, utilizar-se da mediação
resultará em satisfação do jurisdicionado perante a atuação estatal. Ou, indo além: será que a aplicação da mediação contribuiria, de algum modo, para a redução das demandas judiciais existentes, além de prevenir demandas futuras?
Quanto à redução de demandas futuras, isso só pode ser vislumbrado se o Estado adotar uma estrutura de incentivos que puna, de modo mais enérgico, a estratégia usurpadora, por vezes, da parte reclamada. Em não raras ocasiões, nos momentos de conciliação judicial, essa parte visa a um acordo com importância inferior ao valor usurpado na relação contratual de trabalho. Havendo o emprego da mediação nas demandas individuais em que isso for possível é apontar em direção a uma justiça social, porque, com isso, pode-se equilibrar a desproporção existente nesse tipo de relação, diminuindo as desvantagens encontradas nas relações – assimétricas – entre empregado e empregador.
Como foi dito anteriormente, há, com este estudo, o objetivo de examinar a aplicação do método da mediação no âmbito trabalhista e da Justiça do Trabalho, em situações de conflitos envolvendo os contratos individuais de trabalho, a partir das diretrizes estabelecidas na já mencionada resolução.
Para tanto, o trabalho está dividido em duas partes. A primeira (Introdução e Capítulo 2) apresenta a mediação nas relações trabalhistas a partir de uma abordagem teórica do tema. Encontram-se nele a definição, os fundamentos, objetivos e a natureza jurídica da mediação.
Nesta parte da pesquisa ainda fazem parte os meios de solução de conflitos nas relações trabalhistas, sendo desenvolvidas suas espécies, como: autotutela, heterocomposição e autocomposição. Também há uma abordagem a respeito da relação entre conflito e o contrato de trabalho, em que é discutida a natureza do conflito, quando o assunto é contrato individual, além do tratamento judicial que é dado a essa espécie de conflito.
A segunda parte da pesquisa envolve os capítulos 3 e 4 que possuem uma abordagem com característica empírica sobre o tema. Nele, se discute o conjunto normativo envolvendo a mediação, contendo aspectos processuais que estão vinculados à autocomposição, tanto no processo comum, como no processo do trabalho. É nesse instrumento da jurisdição que a mediação trabalhista está inserida, sendo apresentada, nesse capítulo, a forma com a qual se utiliza a mediação diante de conflitos trabalhistas, seja na esfera do campo judicial, seja no campo extrajudicial.
Esse capítulo ainda propõe uma discussão sobre os aspectos práticos decorrentes da Resolução n.º 174/2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Nesse ponto, uma pesquisa empírica permitiu refletir acerca do uso da mediação no Centro Judiciário de Solução de Conflitos, no âmbito da Justiça Especializada do Trabalho. Nele, algumas considerações são expostas, a partir do acompanhamento de sessões e audiências, em ações judiciais diversas, envolvendo conflitos decorrentes do contrato individual de trabalho.
Por derradeiro, o capítulo 3 ainda permite refletir sobre o alcance possível da mediação nos conflitos individuais de trabalho, além de uma apresentação acerca dos resultados extraídos da participação de voluntários que atuam diariamente em dissídios trabalhistas.
O capítulo 4 vem trazendo as considerações finais, contendo uma síntese dos principais argumentos e pontos discutidos ao longo de todo o trabalho.
Neste texto, portanto, encontrar-se-ão diversas indagações – e a busca por alguma resposta plausível a elas. Um dos questionamentos é sobre o real papel da mediação como um meio adequado para solucionar os conflitos trabalhistas envolvendo diretamente a pessoa do trabalhador. Adicionalmente, será apresentado, de modo comparativo, o emprego desse método, com o propósito de analisar sua efetividade, a partir de como ele foi normatizado.
Para tanto, foram levantadas informações, com coleta de dados em pesquisa de campo, literatura, legislação e precedentes normativos. Ademais, houve, ainda, investigação a respeito da forma mais adequada de se empregar tal método, com o fim de obter um aproveitamento o mais satisfatório possível.
Além de dialogar com a literatura recente sobre o tema, são explorados dados coletados em pesquisa empírica. Para compor essa ação, assistiu-se a audiências nas Varas do Trabalho e a sessões de conciliação no Cejusc, além da aplicação de um questionário destinado a advogados privados que militam no seu dia-a-dia com a matéria trabalhista.
2 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS: UMA ABORDAGEM TEÓRICA
Internamente, a Justiça do Trabalho, por meio da Resolução n.º 174/2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, normatizou, de forma geral, a aplicação dos institutos autocompositivos em conflitos trabalhistas. A partir desse regramento, portanto, a mediação aqui é analisada sob os aspectos teórico e prático, possibilitando uma reflexão a respeito do uso desse instituto na seara trabalhista.
2.1 MEDIAÇÃO COMO MÉTODO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
A sociedade brasileira tem no Estado a figura que resolverá seus conflitos, e nele deposita a responsabilidade pela solução dos inúmeros litígios existentes. Nós, de modo geral, acostumamo-nos a depender do ente estatal para dar uma resposta diante do surgimento de uma relação conflituosa. Vivencia-se a “cultura” da judicialização, e qualquer situação de desavença, numa relação jurídica, provavelmente será caso de discussão nos tribunais, isto é: a partir do direito de acesso à Justiça, considerando as mais variadas formas de relação jurídica existentes, o mais simples grau de desacordo possibilita ao indivíduo procurar uma solução por meio do Poder Judiciário.
Entretanto, essa postura intervencionista assumida pelo Estado tem sido objeto de reformulação, até mesmo pelo fato de ele não conseguir mais otimizar uma resposta a contento, quando invocado para solucionar um conflito, devido ao crescimento das demandas da população. A prestação jurisdicional oriunda daquele direito de ação conquistado tornou-se um desafio.
Se, por um lado, suprimir o direito de acesso à Justiça é impensável, por violar o Estado Democrático de Direito, por outro, esperar sempre que a solução dos litígios ocorra tão somente por meio de decisão heterocompositiva judicial é, igualmente, uma conduta já experimentada e que não atende mais às necessidades presentes. A solução de conflitos, somente com juízes decidindo a respeito, já se mostra ineficaz, dada a impossibilidade de se apresentar uma prestação de serviços à população de modo satisfatório.
Nesse cenário, por exemplo, é possível argumentar que certas demandas sociais, de alto grau de complexidade ou importância para a coletividade, encontram- se com demora em sua tramitação porque, na gestão de processos, também se encontram vários que, igualmente, aguardam um desfecho. Xxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx (2008, p. 2),3 ao tratar dos fundamentos da justiça conciliativa, descreve semelhante cenário como sendo “crise da Justiça”:
[...] o elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade moderna, e os esforços rumo à universalidade da jurisdição (um número cada vez maior de pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem ao Judiciário) constituem elementos que acarretam a excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. E a solução não consiste exclusivamente no aumento do número de magistrados, pois quanto mais fácil for o acesso à Justiça, quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior será o número de processos, formando uma verdadeira bola de neve.
O resultado de uma prestação de serviços ineficiente, por não trazer a resposta efetiva ao caso concreto, em tempo e condições razoáveis, pode aparecer de uma maneira que mina, na população, a crença na legitimidade da Justiça:
A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os “justiceiros”) (2008, p. 2).
Tais argumentos apontam a necessidade de instrumentos de solução de conflitos que não sejam exatamente uma decisão do Estado-juiz, embora a sociedade dele necessite, mesmo com todo seu amparo normativista. Na atualidade, como resposta à mudança da cultura da judicialização, estão em evidência os “meios adequados para solução de conflitos”, também chamados de “equivalentes jurisdicionais”.
3 GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx. Os fundamentos da justiça conciliativa. In: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx; XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxx (coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 2.
É necessário esclarecer que, nesta pesquisa, o contexto trazido para desjudicialização não se refere, tão somente, a ausência do exercício do direito de ação, com a propositura de judicialização do conflito. A desjudicialização aqui releva- se, também, pela aplicação de métodos autocompositivos em demandas já judicializadas. Se apresenta com o objetivo de minorar o tempo do litígio, além do desgaste das partes no conflito, evitando que o desfecho seja uma decisão a partir de um terceiro e não daquelas pessoas envoltas na relação conflituosa.
Com o propósito de atender os anseios da sociedade sobre a necessidade de pacificação social, proporcionando meios que tragam resultado positivo a esse respeito, sem sobrecarregar o Judiciário, destacam-se os mecanismos de autocomposição, que vêm sendo aplicados por esse poder da República, a partir de estruturas que destaquem os equivalentes jurisdicionais. Dito de outro modo, o uso desses instrumentos por parte do Estado proporciona um alargamento na sua forma de prestação jurisdicional, deixando apenas em caráter de exceção, em alguns casos, a solução do conflito por decisão de um juiz.
Um desses equivalentes jurisdicionais é a mediação. Esse método de solução de controvérsias, a conciliação e a arbitragem estão positivados em nosso ordenamento jurídico e, atualmente, têm recebido lugar de destaque quando o assunto é resolução de controvérsias. Neste trabalho, a conciliação e a arbitragem recebem um espaço apenas de contextualização quanto à definição e às principais características, por não serem objeto direto da pesquisa.
Quando afirmamos haver lugar de destaque, atualmente, para os equivalentes jurisdicionais, é possível observar como a mediação vem sendo aplicada, de forma ampla, na Justiça Comum. Em diferentes áreas do direito, como no da família, de relações de consumo, no de envolvimento do meio ambiente, ou no Direito Administrativo, a mediação tem servido para pacificar relações conflituosas. É certo dizer, também, que a mediação, assim como os demais equivalentes jurisdicionais, encontra seu lugar na Justiça Especializada do Trabalho, isto é, nas relações trabalhistas.
O uso da mediação é o escopo desta pesquisa, especialmente quando a relação conflituosa se apresenta no contrato individual de trabalho. Descarta-se, portanto, a amostragem da mediação exclusivamente como método de solução de conflitos aplicável de forma extrajudicial, porque sua aplicação é também recorrente e estimulada nos conflitos já judicializados.
A esse respeito, destaca-se a evolução do método da mediação. Seu espaço, comentado por alguns doutrinadores em época não tão longínqua, era tão somente limitado a tratativas à margem do Poder Judiciário. Assim, apresentava-se ao referido órgão quando o caso (conflitos mediados extrajudicialmente), em que o acordo restou frutífero, tão somente para receber sua homologação.
Na década anterior à nossa, a doutrina a respeito parece afastar o tema mediação dos tribunais:
A mediação é um procedimento derradeiro adotado nos países que aceitam o sistema da arbitragem facultativa (França, Inglaterra, Estados Unidos), mediante o qual, falhando todas as tentativas de conciliação, as partes desavindas podem apelar para o Ministro do Trabalho (França) para nomear um mediador a fim de, após rápido inquérito, lhes apresentar uma recomendação para o fim do litígio, ou, por iniciativa do Presidente da República (Estados Unidos), nomear um investigador para, em curto prazo, apurar os fatos e apresentar um relatório. A mediação caracteriza-se, assim, por ser procedimento destituído de força coercitiva de natureza jurídica, podendo, entretanto, ser publicado o relatório do mediador para que as partes sofram a pressão da opinião pública. Sua força coercitiva é de natureza social, só podendo ter êxito em países de opinião pública influente e vigilante (XXXXX, 2006, p. 663-664).
A mediação era apresentada como uma forma de solução de controvérsias no campo extrajudicial, sem demanda judicial proposta. Ao referir-se aos “equivalentes jurisdicionais”, J. E. Carreira Alvim (2011, p. 41) apresenta a mediação como método aplicado no âmbito privado, sem poderes jurisdicionais:
Os “equivalentes jurisdicionais” são meios pelos quais se pode atingir a composição da lide por obra dos próprios litigantes, a transação e a conciliação, ou um particular desprovido de poder jurisdicional, como a mediação.
Em caso de demanda judicial, tratativas envolvendo tal método ocorriam à margem da jurisdição. Em relações trabalhistas, a mediação encontrava lugar apenas quando o assunto envolvia controvérsias coletivas de trabalho, como nos casos de greve. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx destaca os dispositivos da lei de greve e da CLT que mostram a mediação sendo aplicada nesse tipo de conflito coletivo:
Na anterior Lei de Greve (Lei n.º 4.330/64), a mediação era procedimento obrigatório e realizado pela Delegacia Regional do Trabalho (arts. 11 e 17), antes de se proceder a greve. O § 1º do art. 616 da CLT dispõe que o Delegado Regional do Trabalho pode ser mediador dos conflitos coletivos, tendo o poder de convocar as partes, a fim de que compareçam à mesa- redonda para tentativa de negociação e possibilidade de acordo. Essa mediação não é obrigatória para a propositura de dissídio coletivo. Obrigatória é a tentativa de conciliação (XXXXXXX, 2009, p. 771).
Um pouco mais recentemente, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2015) vincula a mediação ao Direito Coletivo do Trabalho. Ele observa que a normatização jurídica anterior à Constituição Federal de 1988 tinha previsão de obrigatoriedade da mediação nos conflitos envolvendo relações coletivas de trabalho, com atuação do então Ministério do Trabalho como autoridade competente.
A instauração de um dissídio coletivo, ou seja, de uma solução de conflito coletivo por decisão judicial, restava para casos em que a mediação resultasse em infrutífera.
A ordem jurídica anterior a 1988 previa a mediação compulsória nos conflitos laborais coletivos, a ser realizada por autoridades do Ministério do Trabalho. De fato, a CLT, no campo regulatório da negociação coletiva trabalhista (art. 616, §§ 1º e 2º), previa a convocação compulsória para comparecimento perante órgãos administrativos especializados do Ministério do Trabalho de sindicatos e empresas recalcitrantes, visando à dinâmica negocial a ser ali implementada. Presentes as partes, processava-se a mediação administrativa em direção a negociação coletiva.
Contudo, a mesma CLT já indicava que a recusa à convocação ou o insucesso da mediação facultavam aos sujeitos coletivos interessados a instauração do dissídio coletivo (art. 000, § 0x) (XXXXXXX, 0000, p. 1.549).
Conflitos envolvendo contrato individual de trabalho que pudessem vislumbrar o emprego da técnica da mediação, portanto, ficariam a cargo das Comissões de Conciliação Prévia (CCPs). Tais comissões são instituídas no âmbito privado, com caráter paritário, entre empregadores (ou grupo de empresas) de um lado e, de outro, trabalhadores – com o acompanhamento do sindicato da categoria profissional. Sua finalidade é solucionar controvérsias envolvendo o contrato de trabalho individual. A CCP pode ser considerada, portanto, o início de um caminho para a utilização do método da mediação, quando o conflito repousa sobre o contrato individual de trabalho.
A CCP obedece a um comando legal normativo e está devidamente regulada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre os artigos 625-A e 625-H. Ela é criada num ambiente privado; portanto, em havendo uso da mediação, em nada participará o Estado-juiz, embora seja igualmente beneficiado com a pacificação social havida no caso de sua utilização frutífera.
Com relações jurídicas cada vez mais complexas, com a ampliação do acesso à Justiça e a clara “cultura” da judicialização instaurada, padece o Poder Judiciário para prestar seus serviços, apesar de todo o esforço de juízes e servidores.
Instrumentos como a mediação, até então tratados como sendo de uso exclusivamente extrajudicial para certas demandas, começam a ser protagonistas na jurisdição estatal, quando o assunto é resolução de controvérsias. O que se vê é o Estado utilizando-se de tais métodos como mecanismo de resposta efetiva no cumprimento de sua função jurisdicional. Portanto, buscar o aprimoramento na utilização dos equivalentes jurisdicionais é tema da ordem do dia.
2.1.1 Definição de mediação
Mediação e conciliação são métodos distintos de resolução de conflitos. A mediação, como forma de solução de conflitos, é um método autocompositivo, no qual as partes envolvidas no litígio se submetem, espontaneamente, a ser estimuladas ao não embate por um terceiro, que é imparcial. Pretende-se, com a mediação, que os conflitantes encontrem juntos uma solução, sem imposição e interferência desse terceiro, que se apresenta apenas e tão somente com a finalidade de proporcionar a aproximação das partes.
A ideia central do uso da mediação como forma de solução de conflitos é a resolução, de maneira rápida e desburocratizada, privilegiando a agilidade dos atos e a simplicidade da forma. Buscando definir a mediação, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (2009) sustenta a condição de diálogo das partes e a busca pelos reais interesses:
O procedimento da mediação tem como características a ausência de formalidades, rapidez e sigilo.
O papel do mediador é estabelecer o diálogo entre as partes. Através de seu trabalho as partes identificarão quais são os seus reais interesses. A identificação dos reais interesses para evitar que as partes em negociação se fixem em posições (2009, p. 28).
Segundo Xx Xxxxxxx x Xxxxx (2008, p. 500), a figura jurídica da mediação tem, como característica, a aproximação. O autor, ao diferenciá-la do mandato, evidencia o papel do intermediário quanto a sua ausência de interesse direto no conflito, exceto
o de aproximação das partes:
Do latim mediatio (intervenção, intercessão) é o vocábulo empregado, na terminologia jurídica, para indicar todo ato de intervenção de uma pessoa em negócio ou contrato que se realiza entre outras. […] Mas a mediação, embora se compreenda como os bons ofícios empregados por uma pessoa para a
solução de um negócio entre outras, não se confunde com o mandato. O intermediário não é mandatário. Ele se interpõe entre as duas partes ou entre as partes que desejam contratar, aproximando-as, para que realizem o negócio ou ajustem o contrato. Na mediação, pois, o intermediário não executa o ato, não realiza o negócio, nem firma o contrato, o que faria se se tratasse do mandato. A mediação resulta na aproximação dos interessados, para que realizem o negócio ou façam o contrato. E assim se tem por cumprida, quando as partes entre si concluem o negócio. Nesta circunstância, o dever do intermediário é o de aproximar os interessados para que dessa aproximação resulte a realização do negócio. E, por isso, a aproximação é o caráter dessa figura jurídica.
Embora essa definição tenha um caráter mais geral e se afaste da condição do uso da mediação diante de um conflito instaurado, sua aplicação faz todo sentido ao expor a referência do mediador como sendo um intermediário. Sua finalidade, como dito, é a de aproximar as partes, sem o interesse direto que existiria, caso fosse um mandatário. Daí, é possível inferir que, nos casos de conflitos nos quais atua um mediador, este tem por dever a intermediação na relação conflituosa, com interesse, apenas, de aproximar os demandantes para que possam, por eles mesmos, trazer a solução, a fim de pacificar a relação tormentosa.
Esse tipo de método também é classificado pela doutrina jurídica como uma técnica não adversarial, porque busca proporcionar aos divergentes uma interação reflexiva, evitando desfecho com a decisão não vinda pelas próprias partes:
Já a autocomposição, que abrange uma multiplicidade de instrumentos, constitui técnica que leva os detentores de conflitos a buscarem a solução conciliativa do litígio, funcionando o terceiro apenas como intermediário que ajuda as partes a se comporem. Por isso, os instrumentos que buscam a autocomposição não seguem a técnica adversarial (GRINOVER, 2008, p. 1).
Apresentando importante aspecto social, a doutrina também considera o método da mediação, em sua concepção, uma autocomposição assistida, que se sustenta numa base principiológica oriunda da justiça corretiva:4
4 Justiça corretiva: “A ideia de justiça que nós, ocidentais, temos, é herdada, em grande parte, de Xxxxxx, Xxxxxxxxxxx e dos juristas romanos. Os dois primeiros deram dela o sentido ético e formal, enquanto os romanos o sentido jurídico e material. A justiça – pensa Xxxxxx – é virtude suprema, harmonizadora das demais virtudes. A harmonia, segundo o grande filósofo grego, é a nota fundamental, que, para ser alcançada, exige equilíbrio entre a ação e reação ou entre pretensão e obrigação. Como equilíbrio e proporção a definiu Xxxxxxxxxxx. É clássica a distinção que formulou entre justiça distributiva e justiça corretiva (sinalagmática ou comutativa). A primeira, pelo critério de proporção, distribui os bens correspondentes ao mérito e às necessidades de cada um, enquanto a justiça corretiva ou sinalagmática, com base no princípio da igualdade, é aplicável às trocas entre as pessoas. A distributiva depende do Estado, que pode distribuir bens e honras, levando em conta o mérito de cada um. Já a sinalagmática preside as relações entre os homens, equilibrando-as de modo que cada um recebe o que merece, o que lhe é devido” (GUSMÃO, 2008, p. 73).
É autocomposição assistida. Em sua concepção mais genuína, a mediação é vista como um instrumento de transformação dos “sujeitos” envolvidos nas relações sociais conflituosas. Nesse sentido, difere-se do processo judicial, pois mesmo que nele se logre alcançar solução autocompositiva, quer seja no âmbito do juízo conciliatório ou de procedimentos não judiciais, a solução da controvérsia baseia-se em princípios de justiça corretiva (XXXXXXXXXXX; XXXXX, 2016, p. 8).
A definição de mediação, porém, não é unânime na doutrina. É possível encontrar divergências em relação a sua conceituação e, especialmente, quanto ao seu enquadramento como método de autocomposição.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2009), por exemplo, classifica a mediação como sendo instrumento de heterocomposição, quando o assunto é a solução de conflitos trabalhistas. Afirma que, existindo solução de conflitos determinada por um terceiro, será caso de heterocomposição, e inclui, nesse contexto, a mediação:
Verifica-se a heterocomposição quando a solução dos conflitos trabalhistas é determinada por um terceiro. Exemplos de heterocomposição são a mediação, a arbitragem e a tutela ou jurisdição (2009, p. 49).
O autor, ainda, ao definir mediação, passa a evidenciar traços correspondentes à autocomposição. Embora diga que o mediador propõe a solução e faz sugestões às partes, o que é discutível também como técnica da mediação, pois apresentar solução representaria mais uma técnica de conciliação, sustenta que o mediador “dá orientações, mas não decide”; “ouve e interpreta o desejo das partes”; “não tem poder de coação ou de coerção sobre as partes”; “não toma qualquer decisão ou medida, apenas serve de intermediário entre as partes”.
Pode a mediação ser definida, portanto, como método de autocomposição, pois não existe nela a conduta de um terceiro imparcial decidindo, por imposição, acerca do conflito – como ocorre na heterocomposição judicial. Nesta última, o Estado-juiz põe fim à demanda, satisfazendo ou não os interesses das partes. Assim também ocorre na heterocomposição não estatal, em que a figura de um terceiro, imparcial, solucionando a lide fica a cargo do árbitro, que faz valer sua decisão por meio de uma sentença arbitral.
Tratando sobre a diferença entre heterocomposição e autocomposição, afirma Xxxxx Xxxxxxx:
A heterocomposição é a forma de solução de conflitos de interesses que apresenta duas características: a) presença de um terceiro; b) o terceiro tem poder de decisão sobre as partes. Não basta, portanto, a presença de um terceiro para a caracterização da heterocomposição. É necessário que esse terceiro tenha efetivamente poder de decisão sobre as partes. [...] Temos duas formas de heterocomposição: 1ª) jurisdição: temos como terceiro a figura do Estado-juiz, que, ao ser provocado, aplica o direito objetivo ao caso concreto para resolver o conflito de interesses, promovendo a justa composição da lide e a pacificação social; 2ª) arbitragem: identificamos como terceiro a figura do árbitro, escolhido de comum acordo pelas partes (2007, p. 936).
Como este trabalho tem sua discussão pautada na Resolução n.º 174/2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, é necessário mencionar a conceituação de mediação ali apresentada. O artigo 1º, inciso II, da Resolução, trata de explicitar o que deve ser considerado como mediação no âmbito da Justiça do Trabalho, e assim prescreve:
“Mediação” é o meio alternativo de resolução de disputas em que as partes confiam a uma terceira pessoa – magistrado ou servidor público por este sempre supervisionado –, a função de aproximá-las, empoderá-las e orientá- las na construção de um acordo quando a lide já está instaurada, sem a criação ou proposta de opções para composição do litígio.
Na definição dada pela resolução, há algumas particularidades para atender, especificamente, demandas envolvendo a matéria das relações de trabalho. A exemplo dessa adequação, citamos a figura do mediador como sendo magistrado ou servidor público, estabelecendo que “confiar a uma terceira pessoa” o conflito tem caráter relativo, pois esse terceiro é fixado pela norma, e não pela vontade direta das partes. Outra particularidade trazida para a mediação, no âmbito das relações trabalhistas, é o limite de sua aplicabilidade, considerando sua utilização apenas para fins de “acordo” e em situações nas quais a lide já se encontra instaurada.
Ao compararmos a definição de mediação apresentada pela Resolução n.º 174/2016 com sua generalidade, fica presumida certa cautela, o que é condição aceitável, quando o objetivo é a intervenção estatal atuando no equilíbrio mínimo da relação capital versus trabalho. Por outro lado, não significa dizer que as especificidades contribuem diretamente para a efetividade, quando o conflito envolve contrato individual de trabalho.
Assim, pensando em aspectos mais abrangentes, tem-se que a mediação é método autocompositivo de solução de conflitos, no qual um terceiro, alheio às partes, podendo ou não ser por eles escolhido, atua na relação jurídica havida entre elas, quando, nessa relação, há um conflito. Tal circunstância permite ao mediador,
precipuamente, aproximar as partes conflituosas, com a finalidade de estabelecer o diálogo, objetivando que consigam a solução por seus próprios esforços.
2.1.2 Os fundamentos e objetivos da mediação
Ao pesquisarmos sobre as bases que sustentam a mediação, logo nos deparamos com os princípios que norteiam esse método autocompositivo, indicando sua solidez. São princípios próprios desse método, também indicados na lei de mediação (Lei n.º 13.140/15). Também é preciso dizer da existência de fundamentos que não necessariamente fazem parte do rol exemplificativo de princípios apresentado nas normas jurídicas.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx (2009, p. 49) os aponta com propriedade, ao afirmar que os princípios da mediação são: “a liberdade das partes, a não competitividade, o poder de decisão das partes, a participação do terceiro imparcial, a competência da mediação, a informalidade e a confidencialidade do processo.” Destacamos, dessa relação, o princípio da liberdade das partes que, nas palavras de Xxxx, expressa inteira ação voluntária de cada indivíduo, que não deve sofrer qualquer constrangimento quanto à obrigação de mediação:
Por liberdade das partes entende-se que o processo de mediação deve sempre ser voluntário. As partes somente podem recorrer à mediação se assim desejarem, não sendo admissível a mediação compulsória. Também as partes não podem estar sofrendo qualquer espécie de coação no processo de mediação, de maneira a compeli-las a proceder de uma maneira ou de outra (2009, p. 50).
Apresentar-se espontaneamente para uma sessão de mediação, com o sentimento de estar ali sem qualquer influência externa, a não ser o próprio conflito, revela compreensão acerca do ato, sendo um importante passo para um resultado frutífero no procedimento.
Esse princípio também deixa claro que a parte não pode ser surpreendida, e deve ser informada previamente de que a sessão trata de uma mediação. Ainda que, no processo judicial, haja referência a “audiência de conciliação”, “audiência inicial”, “conciliação”, se o método empregado for o da mediação, considerando a liberdade das partes, é necessário, portanto, o esclarecimento aos participantes de que se submeterão a tal procedimento.
A esse respeito, a lei de mediação expressamente previu, em seu art. 2º, § 2º, que “ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”, embora tenham o dever de comparecimento na primeira sessão, pelo que dispõe o § 1º desse artigo, caso haja previsão contratual anterior, estabelecendo o procedimento. Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx (2019) alertam sobre a importância de deixar clara a liberdade das partes:
[...] é imprescindível que o mediador, ao início do procedimento, adote uma postura cooperativa de advertir e obter o consentimento das partes quanto às sessões privadas. No caso da mediação, essa conduta tem ainda maior relevância porque são as próprias partes que, em conjunto, encontrarão a solução para seu conflito, com o auxílio do mediador.
Da relação de princípios há pouco indicada, destaca-se também o “poder de decisão das partes”. Segundo Xxxx, “o mediador não oferecerá propostas, apenas conduzirá o diálogo.” Apenas as partes, na mediação, podem resolver sobre o desfecho da demanda, ninguém mais. Esse princípio é percebido no texto expresso da lei que trata da mediação, a Lei n.º 13.140/15, e é reconhecido como princípio da autonomia da vontade, permitindo a livre manifestação do indivíduo quanto à decisão sobre o conflito, emanando de sua livre consciência.
A escolha por sintetizar esses princípios, dentre os demais citados, tem uma razão peculiar: o cuidado para não tratar o poder de decisão das partes (autonomia da vontade) como princípio absoluto. A pacificação ou a busca pela solução mais adequada, e, nesse caso, com uso da mediação, não se faz a qualquer custo. Esses princípios são válidos e devem ser aplicados, porém, respeitando limites que assegurem, por exemplo, garantias fundamentais insculpidas a partir da Constituição federal.
Nesse caso, na mediação, a liberdade das partes ou seu poder decisório não estão acima da obrigatoriedade de observância ao devido processo legal, do contraditório, da igualdade, da publicidade ou da inafastabilidade do controle jurisdicional. Esses são apenas alguns exemplos de que um procedimento de mediação também está sujeito ao rigor das garantias fundamentais.
Com efeito, é preciso compatibilizar as ferramentas e técnicas dos meios alternativos com as garantias processuais, sob pena de se correr o risco de alcançar a pacificação com sacrifício de dispositivos que não podem ser afastados pela vontade das partes (DALLA, 2019, p. 95).
Na identificação de fundamentos da mediação, além da doutrina, a legislação também apresenta princípios próprios da mediação. A lei da mediação (Lei n.º 13.140/15), por exemplo, em suas disposições gerais, prescreve de forma literal os princípios de orientação:
Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do mediador;
II - isonomia entre as partes; III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade; VIII - boa-fé.
Esses princípios, ao ser aplicados, devem proporcionar que o procedimento da mediação tenha aplicabilidade, de maneira a não se contrapor a outros existentes no sistema jurídico, e que, de certo modo, precisam ser observados concomitantemente. O Código de Processo Civil (CPC), que também estimula os equivalentes jurisdicionais, expõe alguns princípios que, na mediação, é preciso considerar, tais como: celeridade (art. 4º); cooperação (art. 6º); dignidade da pessoa humana (art. 8º); ampla defesa (art. 9º); efetivo contraditório (art. 10). Ressaltamos que o propósito aqui não é o exame dos fundamentos, mas evidenciar a presença substancial de elementos na mediação que lhe conferem um espaço próprio no sistema jurídico.
A Justiça do Trabalho, ao normatizar o tema, apresenta fundamentos de regência para a mediação. Ao criar os Cejuscs, no âmbito de sua competência, e estabelecer diretrizes para sua atuação, elabora também o código de ética para seus conciliadores e mediadores (ou seja, um conjunto de regras de conduta do qual eles não devem se afastar), fixando dispositivos no Anexo II da Resolução n.º 174/2016.5
5 Art. 1º - São princípios fundamentais que regem a atuação de conciliadores e mediadores judiciais: decisão informada, competência, imparcialidade, independência e autonomia, respeito à ordem pública e às leis vigentes, empoderamento e validação, assim definidos:
I - Decisão informada - dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido;
II - Competência - dever de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com capacitação na forma desta Resolução, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada;
III - Imparcialidade - dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos na disputa e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente;
IV - Independência e autonomia - dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições
A mediação possui bases sólidas para aplicação, mesmo na Justiça do Trabalho, devendo ser objeto de aprofundamento quais situações exigirão o emprego desse método autocompositivo, para que seja utilizado de maneira eficiente.
A partir da definição e dos fundamentos da mediação, é possível dizer que seu objeto é proporcionar a solução de um conflito pelas próprias partes, com o auxílio de um terceiro interlocutor, que atue estritamente na aproximação das partes. A mediação permite a aproximação dos litigantes, até mesmo restaurando a comunicação rompida, e desenvolve a empatia, ao permitir que o indivíduo se desloque de sua posição para a da parte adversa, facilitando a compreensão daquela determinada posição.
Quando pensamos na necessidade de uso da mediação, seja no contrato individual de trabalho ou em outras espécies de relação jurídica, deve ficar claro que não é objetivo desse método um mero acordo formal entre as partes litigantes. É preciso identificar se, no caso concreto, há espaço para sua utilização, pois a finalidade vai além do acordo. Como indica Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx (2012, p. 80):
A mediação pode vir a ser concluída com a formulação de um acordo pelas partes. No entanto, a conclusão através de um entendimento formal pelas partes não é necessária e nos parece impróprio que a mediação seja entendida como uma ferramenta destinada à produção de acordos como sua vocação finalística. A mediação tem por objetivo restaurar a comunicação rompida entre as partes e dar a cada um a percepção ampla a respeito das posições e interesses alheios em cada circunstância. É deste tratamento que poderá emergir ao final uma composição consubstanciada em um acordo de vontades.
Embora a mediação tenha seu espaço restrito como método para a pacificação social, seus efeitos se pretendem mais duradouros, indo além do momento em que as pessoas declinam pela vontade de composição.
2.1.3 A natureza jurídica da mediação
necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível;
V - Respeito à ordem pública e às leis vigentes - dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes;
VI - Empoderamento - dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição; e
VII - Validação - dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como seres humanos merecedores de atenção e respeito.
A mediação ataca frontalmente a matéria que originou o conflito e permite que a resolução aconteça para além do acordo momentâneo. Se pensarmos nos princípios elencados na seção anterior, especialmente no da autonomia da vontade, é possível sustentar que a natureza jurídica da mediação é contratual – é a vontade das partes que haverá de prevalecer. Mesmo em procedimentos de mediação sobre conflitos já judicializados, são as partes, de forma privativa, que resolverão a demanda, pela vontade manifestada.
Em sendo a natureza jurídica contratual, essa análise toma contornos de relação privada, exigindo a observância do Código Civil (CC), principal norma jurídica que estabelece regramento para a relação entre particulares. Esse diploma normativo prevê critérios objetivos para a validade do negócio jurídico, até para o acordo de natureza contratual firmado a partir do método da mediação.
Nos termos do art. 104 do Código Civil, é necessário, para a validade do negócio jurídico, que a pessoa seja capaz civilmente. Quanto ao objeto do negócio jurídico, a norma civilista determina que seja lícito, possível, determinado ou determinável; e que sua forma seja prescrita ou não proibida por lei. Acerca da manifestação de vontade declarada como validade do negócio jurídico, ela se apresenta intrínseca, a partir da conduta do agente. Desse modo, um indivíduo que comparece a uma sessão de mediação de forma livre, permanece ali praticando todos os atos correlacionados ao procedimento e expressando, no final, seu interesse pela composição, faz presumir a existência da livre manifestação de vontade.
Sobre a natureza jurídica da mediação, Bastazine evidencia seu caráter contratualista (2012, p. 86):
A mediação apresenta natureza jurídica de contrato. As partes envolvidas na mediação reúnem-se com vistas à obtenção de um ponto em comum e para tal são auxiliados por um terceiro contratado que exercerá seu mister orientando-os na produção de consequências jurídicas. Xxxxx Xxxx informa neste particular que o terceiro ao auxiliar as partes na extinção ou criação de direitos se apóia nos “princípios da boa-fé e da autonomia das vontades, preservando durante seu procedimento o da igualdade das partes.”
Ao falarmos da natureza jurídica da mediação como sendo contratual, e fundamentando-a em regras do Direito Civil, percebemos uma inclinação para a utilização da mediação como método autocompositivo extrajudicial, ou seja, entre particulares e sem a tutela jurisdicional estatal. Pensando na mediação anterior à nova roupagem, que insere de vez esse método na seara processual, seja no processo civil
ou em sistemas processuais autônomos, era mais tranquila a asserção de sua natureza como sendo contratual. No entanto, surge a afirmativa doutrinária inclinando- se para tratar a natureza jurídica da mediação como sendo processual, em vez de contratual:
Não obstante o entendimento de que a mediação tem natureza jurídica de contrato, entendemos que tal natureza não reflete as complexidades da modalidade e que tal adoção entrega um ideário sensivelmente menor do que realmente representa. Para nós, a mediação possui natureza processual (BASTAZINE, 2012, p. 86).
Nesse passo, concentramos a análise na mediação como método de solução de conflitos no âmbito da Justiça do Trabalho, o que pressupõe haver demandas judicializadas e a necessária aplicação de regras processuais próprias. Considerando aqueles conflitos que alcançaram a esfera do Poder Judiciário, também se torna possível um olhar para a natureza jurídica da mediação diversa daquela contratual. Esse método também pode ser visto como um meio procedimental no processo para o resultado final, que é a resolução da lide. Se, na essência, os métodos autocompositivos são de utilização do Estado, para dar a resposta no caso concreto, até mesmo com regras e princípios estabelecidos a partir da lei processual, então é possível dizer que o instituto jurídico da mediação tem natureza processual.
Apresentar a mediação como método de solução de conflitos traz a necessidade de desenvolver um conteúdo que abranja as outras formas que o sistema jurídico propicia para que as demandas sejam resolvidas. Com enfoque nas relações trabalhistas, tem-se, a seguir, as formas de resolução de controvérsias e os métodos possíveis para tal.
2.2 MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO
As relações interpessoais resultam do convívio social. É na vida em sociedade que as pessoas, ao buscar seus próprios interesses ou a resolução de necessidades coletivas, acabam por se relacionar, desenvolvendo, desse modo, a interpessoalidade. Essas relações são das mais variadas formas, sendo exemplo a contratação de um serviço, a compra e venda de um produto, o casamento, a doação
etc. São diversas as situações em que uma pessoa necessitará dessas relações – e na seara trabalhista não é diferente.
A contratação de mão de obra na relação capital versus trabalho, na qual o trabalhador vende sua mão de obra e recebe uma remuneração pelos serviços prestados, forma o “contrato de trabalho”. É por meio dele que se reflete o conteúdo pactuado. As partes contratantes exercem ali sua autonomia da vontade, fazendo valer a liberdade no exercício de seu ofício ou profissão, bem como a sua livre iniciativa.
A necessidade de conviver e de se relacionar com o outro ser humano, apresenta-se, na sociedade, pelas condutas que o indivíduo pratica. Exemplos como aqueles a pouco mencionados acabam por revelar ações que formam uma relação social jurídica. Tais condutas, em linhas gerais, são regradas e possuem uma regulação posta pelo Estado. Assim, esse ente, escolhido pelos próprios indivíduos, estabelece limites do que é permitido ou não como prática a ser realizada no contexto social.
Nesse prisma, deve-se ter em mente que os atos praticados por qualquer pessoa possuem uma análise subjetiva, permitindo identificar se é legalmente possível sua prática ou não. Em caso negativo, a conduta é objeto de reprimenda, porque contraria aqueles preceitos escolhidos pela própria sociedade para regê-la.
Assim, é evidente que o convívio em sociedade resulta das relações sociais que, por sua vez, são o reflexo da conduta praticada pela pessoa na sua individualidade. São recebidas sem reprimenda, caso sejam regradas pelos preceitos estabelecidos na ordem jurídica, ou são combatidas por se afastarem daquela prática exigida do homem médio e esperada pela sociedade.
Pergunta-se então: quando as relações passam a se apresentar conflituosas?
E, além disso, quando o acordo de vontades outrora pactuado é descumprido?
Embora haja todo um regramento visando a uma convivência harmoniosa em sociedade, é certo que o conflito social se apresentará. Nem sempre as relações interpessoais são providas de conduta merecedora da inércia do Estado, no que diz respeito à repreensão ou à correção. Por vezes, as ações são manifestadas de modo a contrariar aquilo que se espera do indivíduo como sendo uma conduta proba. Com o propósito de ajustar desvios e de manter o equilíbrio das regras de conduta, para a manutenção da pacificação social, a sociedade possui mecanismos de proteção da convivência saudável.
Ao analisar relações entre pessoas, o modo como convivem, a necessidade de ter um padrão de conduta um tanto quanto pacífica, deve-se considerar, nesse contexto, que é por causa da convivência em sociedade que ele existe, portanto, sendo necessário regular nossas relações.
O ser humano, embora sinta necessidade da vida em sociedade, de estar sempre em agrupamento (até mesmo como instinto de sobrevivência), possui vontades individuais e, por vezes, suas atitudes resultam de ações extraídas de seu próprio intelecto. Por vezes, trata-se de uma conduta adequada ao convívio social, a ponto de ser reverberada até por outros pares, de modo a ser reproduzida por eles também.
É certo também que os atos individuais, na sua maioria, têm afetação não somente na vida pessoal daquele que a praticou, mas atingem outras pessoas, independentemente de estarem ou não ligadas diretamente àquela que a praticou. Quando isso ocorre, é possível que haja uma contraposição, ou seja, uma divergência em relação à prática e, até mesmo, ao resultado da conduta.
No cotidiano, não é difícil perceber tal fenômeno, ao qual toda e qualquer pessoa está sujeita. Por exemplo, há o pai da criança que entende haver satisfeito por completa sua obrigação ao pagar uma prestação alimentícia a seu filho: ele pode entender que já faz o bastante na criação e educação da sua prole, o que não necessariamente reflete a verdade. Essa posição pode ser contestada pela sociedade, seja porque a forma de esse sujeito pensar tem contrariedade, seja devido ao modo como agiu.
Do mesmo modo, ainda se pode exemplificar tudo isso ao pensar em um colaborador de uma empresa que, depois de firmado o contrato de trabalho ajustando jornada, função e salário, passa, após certo tempo de labor, ao não cumprimento da sua obrigação de modo integral, por entender ser desproporcional em demasia aquele combinado. Ainda, como mais um exemplo, há casos em que o empregador decide, unilateralmente, exigir do trabalhador o que não foi contratado inicialmente, sem a devida contraprestação. Ainda, há o caso do indivíduo que, deliberadamente, inicia uma campanha de difamação ou calúnia contra seu desafeto, em redes sociais.
Em suma, é possível listar inúmeras condutas que resultam da individualidade das pessoas e que, na contramão, são recebidas pelo outro de maneira a ser contestada com resistência e, por vezes, com razão. Eis aqui, portanto, considerável fator para o emprego de mecanismos de solução de controvérsias na sociedade: a
liberdade individual de cada pessoa, necessária e garantida, acaba por se contrapor, não raras vezes, aos interesses de seu semelhante que, embora inserido na mesma coletividade, mantém diferentes intenções – abrindo-se, com isso, espaço para o conflito.
2.2.1 Meios de solução de conflitos em espécie
A autonomia da vontade, manifestada pelo indivíduo, possibilita o surgimento de relações jurídicas que, como vimos, podem resultar conflituosas. Essa autonomia, exercida individualmente, além de se fazer presente nas relações jurídicas, é encontrada nos atos que têm a finalidade de solucionar esses conflitos que são gerados.
Nos meios alternativos de solução de conflitos, a vontade livre e manifesta das partes é primordial, pois dela depende a atuação de um terceiro, ora decidindo o conflito (caso da arbitragem), ora atuando na tentativa de composição. Porém, afastando-se um pouco da autonomia da vontade, fala-se em solução dos conflitos a partir do emprego do instrumento de maior repercussão, que ainda é a jurisdição.
Tal afirmativa é visível na própria forma de estruturação do Estado, considerando que a jurisdição faz parte de um dos poderes da República, isto é, do Poder Judiciário. A função típica desse poder republicano é a de dizer o direito, resguardando interesses individuais, coletivos e difusos, estabelecendo a justiça e solucionando conflitos que possam surgir na sociedade, pelo uso da apreciação e do julgamento de casos concretos.
No dizer de Xxxxxxx Xxxxx (2014, p. 751), o Poder Judiciário é responsável pela
[...] função jurisdicional do Estado, essencial para a existência de um Estado de direito. No exercício dessa função, destacam-se a solução pacífica dos conflitos e a guarda da Constituição, assegurando a observância dos princípios constitucionais.
No entanto, embora a jurisdição6 seja o mecanismo mais utilizado na resolução de controvérsias, existem outros que vêm, a cada dia mais, ocupando espaço
6 Jurisdição: “[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual, este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de
considerável, especialmente no cenário interno. Esse fenômeno é decorrência das dificuldades enfrentadas pelo Estado no exercício da jurisdição.
Nesse diapasão, fala-se em meios alternativos de solução de conflitos, ou equivalentes jurisdicionais, como instrumento de pacificação, paralelamente ao exercício de tal prestação, exercida diretamente pelo Estado, por meio do Poder Judiciário.
Esses meios de solução de conflitos são diferentes, e cada um deles se classifica a partir de agrupamentos, como afirma Xxxxxxx (2015, p. 1.535): “São distintos os métodos de solução de conflitos interindividuais e sociais conhecidos no mundo ocidental contemporâneo. Classificam-se, basicamente, em três grandes grupos: autotutela, autocomposição e heterocomposição”.
O processo de resolução de conflitos, bem como os sujeitos neles envolvidos formam a base de distinção entre tais grupos. Isso porque, na autocomposição e na autotutela, os indivíduos são aqueles que protagonizam diretamente a solução do conflito instaurado. Na heterocomposição, o deslinde da lide fica a cargo de um terceiro, alheio às partes envolvidas, sendo transferida a responsabilização pela pacificação do conflito à entidade interveniente. É o terceiro, isto é, o interventor que atuará diretamente na solução da demanda, com decisão absolutamente independente da vontade e do interesse das partes.
A seguir, serão explicados, sucintamente, cada um dos referidos grupos, apresentando os métodos a eles diretamente ligados, a fim de explicitar, adiante, as diferenças que têm em relação à mediação.
2.2.2 Autotutela
A autotutela, embora seja uma forma de solução de conflitos, no sistema jurídico moderno, é aplicada como regra de exceção. Trata-se da imposição de pretenso direito, pela coerção, quando um indivíduo busca a resolução do conflito por seus próprios meios. Isso configura, portanto, o exercício do direito com as próprias
mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). […] a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é a manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011, p. 149).
mãos, reforçando, em tese, a subordinação do mais fraco ao mais forte – característica que não é mais aceitável nas civilizações modernas, considerando a existência e a atuação do Estado como interveniente.
Restringiu-se, então, a utilização da autotutela, com a transferência do poder de coerção, ao Estado, que se encarregou da obrigação de solucionar litígios. A esse respeito, Xxxxxxx afirma que a cultura ocidental tem praticado uma limitação generalizada do exercício desse instituto:
Contemporaneamente, a cultura ocidental tem restringido, ao máximo, as formas de exercício da autotutela, transferindo ao aparelho de Estado as diversas e principais modalidades de exercício de coerção. Conforme argutamente exposto pela doutrina, “o extraordinário fortalecimento do Estado, ao qual se aliou a consciência da sua essencial função pacificadora, conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano e ao longo dos séculos, à afirmação da quase absoluta exclusividade estatal no exercício dela (2014, p. 1.536).
É oportuno dizer que, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se a tipificação da autotutela como sendo crime, seja ela praticada pelo particular ou pelo ente público. No âmbito privado, essa forma de resolução de conflitos, aparece, por exemplo, no “exercício arbitrário das próprias razões”, constante do art. 345, do Código Penal, e, pelo ente estatal, por exemplo, no “exercício arbitrário ou abuso de poder” (art. 350 do Código Penal).
Em relação à classificação da autotutela, há, na doutrina, ainda, o entendimento de que esse instituto seria parte integrante da autocomposição. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx inclui a autotutela como sendo uma espécie de autocomposição, sustentando que “A autotutela, como espécie egoísta de autocomposição unilateral, é antissocial e incivilizada, razão por que, em princípio a lei a prescreve e sanciona [...]” (2019, p. 68).
Paralelamente à não utilização da autotutela como uma regra geral, seu emprego ocorre como exceção. É possível, por isso, com o amparo legal, praticar-se a coerção particular. O sistema jurídico brasileiro reconhece tal direito, a exemplo da legislação civilista, quando permite o esbulho possessório e o desforço imediato como meios de defesa da posse.
Ainda, quanto à aplicação da autotutela como exceção, essa forma de solução de conflitos também é utilizada nas relações capital versus trabalho, sendo sustentada pela doutrina sua aplicabilidade legal. O exemplo mais clássico na seara trabalhista é
o direito de greve7 como forma de autotutela para a solução de conflitos nas relações laborais. É uma hipótese de autodefesa nos conflitos trabalhistas de cunho coletivo, atualmente assegurada em nível constitucional (art. 9º, CF, 1988): “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” – com regulamentação por meio da Lei n.º 7.783/89.
Assim, embora seja possível legalmente sua utilização em alguns casos, o exercício do direito com as próprias mãos deve permanecer no campo da exceção, sendo a autocomposição e a heterocomposição a regra.
2.2.3 Heterocomposição
Também como meio de solução de conflitos encontra-se a chamada heterocomposição. Esse mecanismo tem como característica relevante a resolução por meio de uma terceira pessoa, alheia ao conflito. Aqui, resta às partes envolvidas no litígio apenas o cumprimento daquilo que se determinou pelo ente interposto.
Para Xxxxxxx, a heterocomposição se dá “quando o conflito é solucionado por meio da intervenção de um agente exterior à relação conflituosa original.” (2014, p. 1.537). Trata-se da submissão do conflito àquele que nada tem a ver com certa relação, sendo a ele confiada a missão de trazer uma resposta que resulte na pacificação social, mesmo quando a decisão desse terceiro no conflito não se vincula ao contentamento ou não de uma ou de todas as partes envolvidas.
Na heterocomposição, o terceiro soluciona o conflito e, mediante à autoridade legal, afastar os indivíduos litigantes da decisão, exercendo assim um monopólio da vontade de decidir, praticada de modo soberano.
O poder de decidir do terceiro que intervém na lide, impondo aos tutelados uma solução para o conflito, origina-se do Poder Judiciário que, no caso da Justiça do Trabalho, manifesta-se por meio das Varas do Trabalho, dos Tribunais Regionais e
7 Direito de greve: “Não é tarefa fácil conceituar juridicamente a greve, haja vista a diversidade de posições doutrinárias. Doutra parte, os conceitos podem variar em função do tratamento conferido ao instituto pelo ordenamento jurídico de cada Estado. Há autores que consideram paradoxal a expressão ‘direito de greve’, uma vez que a greve manifesta-se mediante ação violenta, o que contrasta com o direito. Xxxxxxxxxx, por exemplo, sustenta que a greve encerra uma contradictio in adjecto, enquanto Xxxxxx Xxxxxx entende que é de todo impossível estabelecer uma teoria jurídica da greve, uma vez que se equipara a buscar a quadratura do ciclo. Para Xxxxxxx X. Couture, a greve é um meio de autotutela à disposição do operariado para suprir a lacuna da proteção social ou da proteção legal” (LEITE, 2020, p. 894).
do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Outras vezes, o exercício de decisão fica a cargo de um árbitro, nos procedimentos de arbitragem, sendo uma jurisdição intervencionista privada. Portanto, em relação à heterocomposição, fala-se em jurisdição estatal e jurisdição não estatal.
2.2.3.1 Jurisdição estatal
O Estado, por meio do Poder Judiciário, recebe a outorga da sociedade para resolver conflitos, prática conhecida no Direito como “exercício da prestação jurisdicional”. Sua dinâmica tem como pressuposto a garantia constitucional do direito de ação, ou seja, a pessoa do indivíduo, ao entender ter sofrido ameaça ou lesão a qualquer de seus direitos, pode se socorrer do Estado para ver seu direito satisfeito. Sendo que a heterocomposição pode ser judicial ou extrajudicial, tem-se que será judicial na ocorrência da intervenção do Estado-juiz como sujeito da relação jurídica processual.
Entretanto, o Estado não atuará em toda e qualquer situação de conflito, ou seja, ele precisa ser invocado para intervir. Existe uma característica nele que consiste na chamada “inércia da jurisdição”. O termo “jurisdição” aqui é utilizado no sentido de obrigação, por parte do Estado, de dar a cada um o que é seu, diante de um caso concreto. Importa frisar que o ente estatal somente atuará em determinado caso a partir de seu deslocamento da inércia, que é feito pelo indivíduo (chamado de jurisdicionado) ao exercer seu direito de ação. É a pessoa do indivíduo ou, ainda, a coletividade (em certos casos), que, exigindo providências do Estado diante de um direito supostamente violado, retira-o da inércia para que possa solucionar o conflito. Quando a jurisdição estatal é provocada, cria-se uma relação jurídica entre a pessoa que exerceu seu direito de ação e o Estado. Essa relação tem a finalidade de transferir ao ente o comando para resolver certa controvérsia e/ou afastar lesão ou ameaça a direito. Portanto, a esse tipo de relação deve-se tratar como sendo uma relação jurídica processual, considerando que a atuação do Estado estará dentro dos
limites do processo.
Para o Direito, o processo pode ser considerado como sendo “instrumento da jurisdição”, ou seja, a maneira pela qual o Estado vai trazer em evidência o direito daquelas pessoas que buscam nele a solução do conflito. Portanto, a solução de um conflito por meio da jurisdição estatal ocorre quando os indivíduos, em suas relações jurídicas privadas, veem-se em desacordo. Sendo o caso de incapacidade de solução
por elas próprias, buscarão no Estado a solução, formando, desse modo, uma relação jurídica processual. São sujeitos dessa relação: o terceiro interveniente, nesse caso, o Estado; o indivíduo que exerceu o direito de ação; e a pessoa que faz parte da relação jurídica conflituosa.
Quando o terceiro interveniente passa a ser a figura do Estado-juiz (aqui fazendo referência aos casos de judicialização dos conflitos, inclusive aqueles relacionados aos direitos trabalhistas), a solução é dada pelo interventor por decisão judicial. Nela não existe participação direta dos conflitantes, devendo as partes, satisfeitas ou não com o resultado final da lide, a ela se submeter.
Se considerarmos a “cultura” da judicialização, na qual o indivíduo transfere ao Estado o dever de pacificar as relações conflituosas, e a característica de substituto8 pertencente à jurisdição, o espaço reservado para outros meios de pacificação social não se mostra equiparado. Talvez porque, na jurisdição estatal, trate-se de uma das funções inerentes ao Estado que, ao substituir as partes conflituosas, fixa, de forma imparcial, decisão da qual às partes não poderão se desvencilhar.
2.2.3.2 Jurisdição extrajudicial (arbitragem)
Como heterocomposição, também se apresenta a jurisdição extrajudicial (ou não estatal). Aqui, assim como na jurisdição estatal, um terceiro atuará para decidir acerca do conflito.
A intervenção na jurisdição não estatal ocorre por um ente privado, e sua atuação deve obedecer ao disposto na Lei n.º 9.307/96 (Lei de Arbitragem). Trata-se de um particular, autorizado legalmente, tendo sido escolhido pelas partes como sendo a figura de um árbitro, por meio de quem o conflito se dará como resolvido, portanto, por meio da arbitragem.
Na arbitragem, essa figura de um terceiro (indicado pelas partes) é a pessoa que deve dar fim ao conflito existente. No dizer de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (2011, p. 18), a arbitragem “é forma de solução de conflitos, no caso, heterônoma, pois um terceiro (árbitro) é que decidirá o litígio, por meio de sentença arbitral”.
8 Caráter substitutivo da jurisdição estatal: Exercendo a jurisdição, o Estado substitui, com uma atividade sua, as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à apreciação. Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com ela própria ou com a outra; nem pode, senão, excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se. A única atividade admitida pela lei quando o conflito surge é, como vimos, a do Estado que substitui a das partes (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011, p. 150).
Conceitua-se arbitragem como sendo um “um processo de solução de conflitos jurídicos pelo qual o terceiro, estranho aos interesses das partes, tenta conciliar e, sucessivamente, decidir a controvérsia”. Por ser de livre escolha das partes a opção pela arbitragem, existe também a compreensão de que “a arbitragem é uma forma de composição extrajudicial dos conflitos”, pois aqui há uma escolha pelo procedimento arbitral para o caso de haver um conflito.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx traz a seguinte definição para arbitragem:
A arbitragem ocorre quando a fixação da solução de certo conflito entre as partes é entregue a um terceiro, denominado árbitro, em geral por elas próprias escolhido (tratando-se de arbitragem obrigatória – que não é o caso brasileiro – essa livre escolha pode ser restringida pela lei reguladora do sistema) (2014, p. 1.539).
A escolha de um árbitro, em vez do Estado, para a solução de controvérsias sustenta-se na Lei de Arbitragem, que também estabelece o afastamento da atuação da jurisdição estatal, caso haja eleição pela arbitragem, seja no início da relação jurídica, seja no momento do surgimento do conflito.
Ressalta-se que, nas relações jurídicas em que as partes elegeram a heterocomposição não estatal para solucionar um conflito, caso ocorra, não adiantará a tentativa de socorrer-se do Poder Judiciário, caso alguma das partes fique inconformada ao ser vencida no procedimento arbitral. Há vedação legal nesse quanto a isso, afastando a reapreciação da matéria pelo Poder Judiciário, quando o conflito tenha sido decidido por sentença arbitral, como prevê a Lei de Arbitragem (9.307/96): “Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”.
Como este trabalho se vincula diretamente às relações trabalhistas, é importante dizer que a arbitragem também é aplicável nesse tipo de relação, e vem ganhando espaço na legislação do trabalho. A edição da Lei n.º 13.467/17, que trouxe significativa reforma na legislação trabalhista, insere na CLT (principal instrumento normativo trabalhista) a possibilidade da arbitragem nesse campo do Direito, permitindo, em alguns casos, sua aplicação até mesmo nas relações jurídicas que envolvam não apenas contrato coletivo, mas o contrato individual de trabalho.
Apesar de a reforma trabalhista ter inserido texto legal que autoriza o uso desse mecanismo, quando se tratar de contrato individual de trabalho, o que é permitido legalmente apenas nos casos do art. 507-A, da Consolidação das Leis do Trabalho,
sua prática não é pacífica. A arbitragem resulta em instituto conflituoso, quando o assunto é sua aplicabilidade no âmbito da Justiça do Trabalho, especialmente por envolver direitos sociais.
Destacamos, ainda, que esse instrumento possui regramento normativo próprio, histórico, anterior às reformas trabalhistas (ocorridas em 2017) e do processo civil (ocorridas em 2015). A arbitragem possui normatização específica e está regulada por meio da Lei n.º 9.307/1996, trazendo em seu contexto as regras de efetividade e de procedimentos, bem como a área de abrangência. Aqui, o terceiro, interveniente, assim como na jurisdição estatal, tem sua atuação pautada de acordo com o que disciplina a lei, dela não podendo se afastar. Sua decisão trará sujeição, independentemente de ter satisfeito ou não a vontade de qualquer das partes litigantes.
Certo é que deverá haver um cuidado quando se pretender utilizar a arbitragem para resolver conflitos envolvendo contrato individual de trabalho. Os direitos trabalhistas foram conquistados pela classe proletária, e, quando são colocados à disposição para discussão no âmbito de uma jurisdição privada, sem intervenção estatal, isso pode gerar um retrocesso às conquistas voltadas aos direitos sociais. Isso ocorre porque, considerando a existência de relação individual de trabalho, cujas partes são tidas como de forças desproporcionais entre si, em que há evidente hipossuficiência do operário, o risco de afetação a direitos pode ser considerado alto, especialmente numa sociedade em que a desigualdade econômica ainda é tão presente.
A discussão a respeito da aplicação da arbitragem nos conflitos envolvendo contratos individuais de trabalho não terminou com o advento da Lei n.º 13.467/17. Por outro lado, também não se afasta a heterocomposição não estatal do seu objetivo, que é de proporcionar solução a conflitos por meio de terceira pessoa interposta – finalidade que acaba por também colaborar com a jurisdição estatal – como um equivalente jurisdicional.
Importante observação precisa ser feita acerca da arbitragem, em relação à aplicação do método da mediação: não se confunde a atuação do árbitro com aquela do mediador. Enquanto na primeira haverá vinculação das partes quanto à decisão imposta pelo terceiro, que é o árbitro, no caso da mediação, como já mencionado, as partes não estão submetidas à sua eventual “proposta” ou imposição. A função do
mediador se limita apenas a aproximar as partes, mediando o conflito, considerando ainda que tampouco estão as partes obrigadas a encontrar uma solução conjunta.
A respeito da diferença entre mediação e arbitragem, afirma Xxxxxxx Xxxxxx (2006, p. 55) que “enquanto a proposta do mediador não vincula as partes, como dito alhures, o mesmo não ocorre na arbitragem, a qual submete os envolvidos à sentença arbitral”. Assim, no que se refere à arbitragem, a vontade das partes restringe-se, em regra, à escolha do árbitro, sujeitando-se, a posteriori, os envolvidos no litígio àquilo que ficar decidido na sentença arbitral, ainda que não seja do agrado das partes.
2.2.4 Autocomposição
A autocomposição, com a heterocomposição estatal e a não estatal, é outro instrumento de utilização na solução de conflitos, e acontece por meio de negociação e acordo entre os envolvidos. Uma importante característica da autocomposição é a ausência da força medida, pois fica de lado a tentativa, de um dos lados, de provar ter mais força probatória do que a outra parte. As partes envolvidas na relação conflituosa procuram uma solução sem depender essencialmente de uma decisão emanada de um terceiro que, como na heterocomposição, põe fim à demanda.
Na autocomposição, concessões recíprocas são praticadas pelos litigantes, com o objetivo de transacionarem, abdicando, muitas vezes, da totalidade de seus interesses para que o resultado “solução” seja encontrado.
A respeito do ânimo de composição que pressupõe a autocomposição, Tonin (2019, p. 68) discorre, prescrevendo como se dá a paridade na composição:
A eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade pode-se verificar por obra de um ou ambos os sujeitos dos interesses conflitantes ou por ato de terceiro. [...] na primeira hipótese, um dos sujeitos ou cada um deles,
consente no sacrifício total ou parcial do próprio interesse (autocomposição).
Na autocomposição, os métodos aplicados podem resultar na solução do conflito, ora pela intermediação de um terceiro, que pode propor condições para a composição, ora pela intermediação com a finalidade de aproximar as partes.
Como métodos autocompositivos encontramos a conciliação e a mediação, que podem ser aplicadas na esfera judicial ou extrajudicial, possuindo, cada um desses métodos, características particulares, conforme dito anteriormente. Destacamos, no
entanto, que, para a relação de emprego, tais métodos sofrem limitação, especialmente a partir da Resolução 174/2016, do CSJT, como veremos adiante.
Como não há busca pela parte que tenha ou não razão, a autocomposição traz implícita a condição de certa perda, na medida em que os conflitantes se submetem a não buscarem ser vencedoras na disputa, privilegiando assim o fim do conflito. Xxxxxxx (2014) fala em despojamento unilateral em favor de xxxxxx, alinhado com a conceituação trazida por diversas doutrinas quanto à solução da controvérsia pela composição, e afirma:
A autocomposição verifica-se seja pelo despojamento unilateral em favor de outrem da vantagem por este almejada, seja pela aceitação ou resignação de uma das partes ao interesse da outra, seja, finalmente, pela concessão recíproca por elas efetuada. (2014, p. 1.537).
O Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/15) vigente, ao ser inserido no ordenamento, trouxe, com bastante ênfase, o desestímulo ao embate nos litígios. Os litigantes agora são encorajados pela lei a partirem para uma solução de conflitos pela prática da composição. Tanto é assim que a autocomposição foi, pelo referido diploma processual, estabelecida como política pública de solução de conflitos, como mais adiante abordamos. Certo é que, na atualidade, é dever do Estado promover a solução consensual do conflito, e, também, dever dos juízes, advogados, defensores e do Ministério Público estimular a conciliação, mediação e outros métodos de solução amigável, sendo, inclusive, permitida a arbitragem.
No âmbito do Direito do Trabalho, como mecanismo de autocomposição, numa esfera não judicial, é possível destacar a negociação coletiva, cuja eficácia se apresenta por meio do acordo coletivo e da convenção coletiva, quando se trata de interesses de certa coletividade.
Registre-se que o Direito do Trabalho (mais uma vez, no âmbito do Direito Coletivo) apresenta importantíssima modalidade de autocomposição, a negociação coletiva. Embora tenda a ser confundida com a transação (fala- se em transação coletiva), não se esgota, na verdade, na simples projeção daquela tradicional figura do Direito Civil (DELGADO, 2014, p. 1.537).
Ressalte-se que, em se tratando de conflitos envolvendo o contrato individual de trabalho, quando o assunto é autocomposição, essas lides são resolvidas, na maioria das vezes, utilizando-se o método da conciliação e em demanda judicializada.
Instaurada a lide, com trabalhador de um lado e seu empregador do outro, o método da conciliação acaba sendo aplicado quando a lide processual já está formada. Assim, a conciliação acontece, na sua maioria, durante a instrução processual, podendo aparecer em outros momentos ou fases do processo judicial, podendo ser vista desde a distribuição da ação até a fase derradeira de execução.
Apesar de a autocomposição, quando aplicada em conflitos envolvendo contrato individual de trabalho, ocorrer, como regra, judicialmente, é possível extrajudicialmente, quando se tratar de contratos coletivos. Quanto ao contrato individual de trabalho, utiliza-se conciliação e a mediação fora do judiciário, como exceção, por exemplo, quando, em litígio, o contrato individual é submetido à Comissão de Conciliação Prévia, instrumento regulamentado na CLT, que será mais adiante abordado.
No entanto, numa relação jurídica laboral, é difícil pensar no método da conciliação sem a existência de uma ação judicial. Normalmente, quando se fala que houve um acordo trabalhista entre trabalhador e contratante, é porque já submeteram a controvérsia ao crivo do Poder Judiciário.
Na seara trabalhista, ao magistrado, diante da ação judicial iniciada, resta, como dever legal, antes de instruir o processo, propor uma tentativa de acordo, de conciliação, embora ela possa acontecer em qualquer momento, no curso do processo, por vontade das partes.
A Resolução n.º 174/2016, que regula a aplicação de métodos de autocomposição nos procedimentos perante a Justiça do Trabalho, permite afirmar, como ainda será tratado neste trabalho, que, além da conciliação, mediação também deve servir de mecanismo de solução de conflitos nas relações trabalhistas. Portanto, aprofundar a reflexão acerca da mediação envolvendo conflitos nos contratos individuais, diferenciando-a da conciliação, possibilita perceber os caminhos a serem ainda percorridos para proporcionar maior efetividade na utilização desses instrumentos pacificadores.
Como o assunto, neste momento, é a autocomposição geral, aplicada na seara trabalhista, é necessário mencionar a modificação trazida pela reforma trabalhista, que ampliou os instrumentos autocompositivos. A partir da vigência da Lei n.º 13.467/17, surge outra forma de composição no âmbito privado: uma espécie de acordo sem judicialização, quando ocorre a cessação do contrato de trabalho. Trata- se da nova modalidade de extinção por mútuo acordo ou “por acordo entre empregado
e empregador”, constante do artigo 484-A, da CLT, por acréscimo oriundo da mencionada lei:
Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I - por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no § 1º do art. 18 da Lei n.o 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n.o 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.
Embora seja possível a extinção do contrato por mútuo acordo, as regras relacionadas aos direitos não são as mesmas que temos para os casos de despedida arbitrária. Tais direitos também divergem daqueles fixados para os casos de extinção unilateral por iniciativa do trabalhador. Na verdade, buscou o legislador alcançar um “meio termo” quando o assunto diz respeito aos direitos na cessação do contrato individual de trabalho por mútuo acordo. Xxxxxx Xxxxxxx (2018), chama essa espécie de acordo de “oficialização da prática encontrada no mercado de trabalho”:
Ao inserir na CLT o art. 484-A, a Lei 13.467/2017 oficializou a prática encontrada no mercado de trabalho, de rescisão por comum acordo. Não raro o empregado precisa pedir demissão por motivos pessoais relevantes, como mudança repentina de cidade, doença na família ou prioridade aos estudos e perde praticamente todos os benefícios a que faria jus pela rescisão contratual. Então ele “pede para ser mandado embora”, o que é, no direito do trabalho, um contrassenso. Afinal, a iniciativa da rescisão foi dele e não do empregador. Vários embaraços surgem a partir dessa dinâmica, tais como a exigência da empresa para que o empregado “devolva” a multa de 40% ou, ainda, a exigência de cumprimento de aviso prévio para treinar outro empregado para o posto. A confusão está armada (SILVA, 2018, p. 367).
Não se pode perder de vista a importância da autocomposição atualmente para a resolução de conflitos. Fazendo menção aos ensinamentos de Xxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx explica que a função pacificadora da autocomposição tem relevos significativos em relação à heterocomposição, não se esquecendo de que muito dessa diferença decorre do atual descontentamento com os resultados na busca da resolução do conflito por terceiro interventor:
[...] sobressalta-se a função pacificadora da autocomposição, muito superior à pacificação obtida pela sentença autorizativa do juiz, que deixará sempre uma das partes – e, frequentemente, ambas – descontentes com o resultado do processo. Para a processualista, sustentando que a justiça consensual é mais eficaz inclusive em relação à arbitragem (2019, p. 69 -70).
Desse modo, é perceptível a valorização da autocomposição, no ordenamento jurídico, como mecanismo eficaz para a pacificação social. O que se vê é a clara tendência do aumento dessa prática, diante dos conflitos instaurados também no âmbito trabalhista, por meio dos métodos da conciliação e da mediação.
2.2.4.1 Conciliação e mediação
A conciliação, embora seja integrante da autocomposição, também pode ser utilizada, na heterocomposição, como método de pacificação de conflitos, especialmente na Justiça do Trabalho, sendo aplicada pelos juízes por imposição legal.
No dizer de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2009, p. 308), a conciliação “vem do latim ‘conciliare’, de acerto dos ânimos em choque. Visa a conciliação à obtenção da pacificação social entre os envolvidos no litígio.”
Para Xxxxxxx (2014, p. 1.540), a conciliação é:
[...] o método de solução de conflitos em que as partes agem na composição, mas dirigidas por um terceiro, destituído do poder decisório final, que se mantém com os próprios sujeitos originais da relação jurídica conflituosa.
Ao analisar o emprego do método da conciliação ou da mediação, é preciso cuidado, porque eles também se relacionam com a heterocomposição. O interventor, em alguns casos, deverá, antes de decidir unilateralmente acerca do conflito, oportunizar que os sujeitos da lide a resolvam – ocasião em que o interventor apenas atuará homologando a vontade das partes.
Desse modo, existindo êxito na conciliação ou na mediação, a solução do conflito ocorreu de modo autocompositivo, embora tenha sido necessária a intervenção heterocompositiva, ao menos para aproximar as partes, mas sem que o juiz interventor, nesse caso, tivesse que decidir a respeito do conflito. Portanto, não está errada a afirmativa de que também a jurisdição atua, resolvendo os conflitos, por meio da composição pelas partes.
A conciliação permite a um terceiro estimular o acordo entre os litigantes, até mesmo propondo condição de resolução do litígio. Na jurisdição estatal, ela pode acontecer por ato processual, impulsionado pelo magistrado, ou, ainda, sob sua supervisão, como acontece, por exemplo, na Semana de Conciliação no âmbito da Justiça do Trabalho. Frise-se que tentar a conciliação tem caráter obrigatório, nos processos trabalhistas, quando a demanda se origina do contrato individual de trabalho, com sua regulação definida por lei, como explica Xxxxx Xxxxxxx:
No procedimento comum ordinário, que é o mais complexo do Processo do Trabalho, a CLT prevê dois momentos processuais em que a tentativa de conciliação a ser conduzida pelo juiz do trabalho é obrigatória:
1ª tentativa de conciliação – segundo o art. 846 da CLT, após a abertura da audiência, antes da apresentação da defesa […]
2ª tentativa de conciliação: após o encerramento da instrução, depois das razões finais e antes da sentença, conforme dispõe do art. 850 da CLT […] (2017, p. 600-601).
Acerca dessa obrigatoriedade de busca pela conciliação, no processo do trabalho, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx aponta certa ausência de qualidade, referindo-se ao momento da primeira tentativa, em razão da ausência de elementos que poderiam contribuir na articulação do ato:
O processo do trabalho leva os esforços conciliatórios ao grau máximo, a ponto de exigir que a primeira proposta seja feita antes mesmo da leitura da defesa, o que é muito difícil de ser feito com alguma qualidade. Conhecer a linha de defesa, os riscos assumidos pelo empregador, a qualidade dos documentos apresentados e até mesmo a qualidade das testemunhas presentes à sala de espera são elementos fundamentais para a formulação de qualquer proposta condizente com o processo (2018, p. 847).
A conciliação aqui deve ser vista como um gênero da autocomposição, porque não se apresenta restrita a determinado método ou procedimento. No caso do processo judicial trabalhista, o termo conciliação pode ser entendido pelo meio autocompositivo para solução do conflito, podendo ser aplicado, a depender do caso, o método da mediação ou da conciliação.
Ao lado da conciliação, a autocomposição se instrumentaliza pelo método da mediação. A mediação, segundo Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx (2015, p. 56), “é método dialogal de solução ou transformação de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(a) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo [...]”. Na mediação, o terceiro estimula as partes a
encontrarem alternativas para resolver o litígio, podendo, ao final da sessão, o resultado ser frutífero, terminando assim a demanda.
No dizer de Xxxxxxx Xxxxxx (2006), “o mediador propõe uma alternativa às partes objetivando o término do conflito”. No entanto, acerca do resultado, vê-se que o litígio poderá persistir:
[...] a proposta feita pelo mediador não possui caráter vinculativo perante as partes, o que torna este instituto, muitas vezes, inócuo, em face do não atendimento dos anseios dos interessados, que podem ou não se satisfazer com a proposta apresentada [...].
A esse respeito, a um importante caminho a ser percorrido, pois, além de se pensar no método, é preciso perceber que esses podem ter técnicas de aplicação distintas.
Assim, é necessário refletir também sobre a utilização da técnica de mediação mais adequada para determinado caso, mesmo que em relação às técnicas, não haja parâmetros legais determinados pela Resolução n.º 174/2016 do CSJT. Dito de outro modo, a observância da resolução permitirá ao intérprete considerar de que tipo de método deve o conciliador/mediador se valer, naquele caso específico, para auxiliar as partes na resolução da demanda. Por outro lado, é possível sustentar, a partir do reconhecimento da existência de pluralidade nas técnicas de mediação, que a atuação do mediador, em sua essência, não deve ser aquela na qual se permitem a oferta de propostas, até porque, no método da conciliação, essa técnica já é empregada. Ao contrário, espera-se uma atuação em que esse facilitador, por meio de técnicas próprias da mediação, induza as partes a encontrarem, por elas mesmas, a melhor solução.
Ainda, referindo-se à conceituação da mediação, cuidou o legislador em especificar, no texto da lei que trata da mediação (Lei n.º 13.140/15), em seu artigo primeiro, o sentido dessa intervenção, a saber:
Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
Além do que já apontamos acerca da mediação, importa frisar que também possui uma característica essencial para o êxito na solução daqueles conflitos
submetidos a esse tipo de autocomposição: o comprometimento das partes com a predisposição pela composição, que pode ser considerado como cerne nesse método. Não havendo tal vontade, todo e qualquer esforço para a resolução da controvérsia restará fadada ao insucesso. Xxxxx, ao citar Xxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, apresenta a mediação como um processo de cooperação:
[...] a mediação é um processo cooperativo, que leva em conta as emoções, as dificuldades de comunicação e a necessidade de equilíbrio, respeito dos conflitantes e que pode resultar num acordo viável, fruto do comprometimento dos envolvidos com a solução encontrada. Para tanto, exige-se que os participantes sejam plenamente capazes de decidir, pautando-se o processo na livre manifestação da vontade dos participantes, na boa-fé, na livre escolha do mediador, no respeito e cooperação no tratamento do problema e na confidencialidade (2019, p. 82-83).
A mediação vem conquistando espaço no ordenamento jurídico brasileiro, tendo recebido, até mesmo, uma seção específica no novo Código de Processo Civil, constante entre os arts. 165 e 175. Essa repercussão não é aleatória, mas decorre do comando regulador trazido pela Resolução n.º 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, no âmbito do Poder Judiciário.
Portanto, a mediação alcança, atualmente, um espaço importante dentro do ordenamento jurídico, quando o assunto é solução de controvérsias, especialmente a partir do ano de 2015, quando recebe tratamento na norma processual e, igualmente, por ser regulada em legislação especial, a Lei n.º 13.140/15.
Inicialmente, a mediação embora evidenciada na norma processual civil e possuindo lei específica, teve sua aplicabilidade afastada pela Justiça do Trabalho. Desse modo, para conflitos de competência da Justiça Especializada do Trabalho, envolvendo especialmente os contratos individuais de trabalho, inicialmente, restara inaplicável a mediação.
Isto ocorreu porque o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de seu Tribunal Pleno, ao publicar a resolução n.º 203, em 15 de março de 2016, edita a Instrução Normativa n.º 39, cujo teor orienta quanto à aplicação subsidiária do vigente Código de Processo Civil no Processo do Trabalho. Com isso, o artigo 14 da mencionada instrução dispôs acerca da não aplicabilidade do art. 165, do CPC (que trata da mediação), no âmbito da Justiça do Trabalho, exceto nos casos em que haja conflitos coletivos de natureza econômica.
No entanto, meses depois, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, em 30 de setembro de 2016, por meio da Resolução n.º 174/2016, como que ajustando os comandos normativos anteriores, suscita regulamentação da mediação no âmbito de sua competência. A resolução, então, passa a estabelecer critérios de aplicabilidade desse instituto jurídico, inclusive, com previsão conceitual a partir de seu texto:
Art. 1º. Para os fins desta resolução, considera se:
I – “Conciliação” é o meio alternativo de resolução de disputas em que as partes confiam a uma terceira pessoa – magistrado ou servidor público por este sempre supervisionado –, a função de aproximá-las, empoderá-las e orientá-las na construção de um acordo quando a lide já está instaurada, com a criação ou proposta de opções para composição do litígio;
II – “Mediação” é o meio alternativo de resolução de disputas em que as partes confiam a uma terceira pessoa – magistrado ou servidor público por este sempre supervisionado –, a função de aproximá-las, empoderá-las e orientá-las na construção de um acordo quando a lide já está instaurada, sem
a criação ou proposta de opções para composição do litígio;
Observamos que a resolução n.º 174/2016 do CSJT não restringe a mediação apenas à conflitos de caráter coletivo. Desse modo, ela que é fonte da nossa problemática, vai além e promove a mediação de modo mais abrangente. Como consequência, por intermédio dos Cejuscs, instalados nas repartições do Poder Judiciário trabalhista, encontra-se o exercício da mediação. Portanto, sua utilização para a solução de litígios trabalhistas é uma realidade, e sua práxis, a partir da resolução, é a referência para este debate.
2.3 CONTRATO DE TRABALHO E O CONFLITO
O conflito é imanente à vida em sociedade. Alguns são gerados a partir da busca pelo direito, seja individual ou coletivo. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx (2010), na perspectiva da Antropologia do Direito, mostrou que o conflito é tanto uma forma de sociabilidade frequente, quanto assume uma dimensão normativa e moral, e, desse modo, manifesta-se em disputas na esfera jurídica.
[...] toda interação social tem uma dimensão normativa e que toda relação está sujeita a conflitos, disputas sobre direitos seriam constitutivas da vida social [...]. O aparecimento de conflitos em qualquer relação é sempre uma questão de tempo. Se pensarmos numa relação padrão que envolva
interações frequentes, com um mínimo de intensidade, e que seja importante para as partes, ela deverá suscitar conflitos em algum momento (Xxxxxxxx, 2010, p. 456).
O conflito possui as mais variadas formas, em decorrência das inúmeras maneiras como se relacionam as pessoas. Haverá conflito familiar, político, religioso, étnico, jurídico, trabalhista, interno, externo e tantos outros. Tratando da definição de conflito, Xxxx Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (2019, p. 45) sustentam que o surgimento do conflito depende da confrontação de forças, numa espécie de ação e reação, exigindo que sejam dinâmicas, e, ainda, apresentam a seguinte definição para conflito:
Na tentativa de uma explicação mais esmiuçada para o termo conflito, tem- se que consiste em um enfrentamento entre dois seres ou grupos da mesma espécie que manifestam, uns a respeito dos outros, uma intenção hostil, geralmente com relação a um direito. Para manter esse direito, afirmá-lo ou restabelecê-lo, muitas vezes lançam mão da violência, o que pode trazer como resultado o aniquilamento de um dos conflitantes.
Escritos a respeito do conflito social observam que ele não possui exclusivamente características negativas, ou seja, um conflito instaurado, por exemplo, num contrato individual de trabalho, não necessariamente representará absolutamente aspectos de retrocesso à sociedade. Situações cotidianas conflituosas precisam ser consideradas sob um aspecto de evolução social também. Assim, conflitos precisam ser vistos de forma positiva e negativa.
A respeito desses aspectos envolvendo o conflito social, explica, analisando o teórico Xxxxx Xxxxxx, Xxxx X. Xxxxxxxxx Xxxxxx (2005, p. 9) que “O conflito possui a capacidade de constituir-se num espaço social, em que o próprio confronto é um ato de reconhecimento e, ao mesmo tempo, produtor de um metamorfismo entre as interações e as relações daí resultantes.”
É preciso observar o conflito social como instrumento pertencente à sociedade, que possibilita, sob diversos aspectos sociais, uma evolução no processo civilizatório, servindo como componente que tem a finalidade de modular o processo civilizatório. Para Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (2011, p. 4), “como os bens são limitados, ao contrário das necessidades humanas, que são ilimitadas, surge entre os homens, relativamente a determinados bens, choques de forças que caracterizam um conflito de interesses, sendo esses conflitos inevitáveis no meio social.”
Quando pensamos no conflito social e focamos nas relações trabalhistas, a partir do contrato de trabalho, conseguimos perceber também aspectos inerentes ao conflito que são encontrados em outras espécies de interação. Um primeiro aspecto a se considerar é a voluntariedade. É possível que o confronto se inicie exclusivamente de um lado, enquanto o outro se apresenta absolutamente estático. Não necessariamente haverá, no dizer de Xxxxxx e Xxxxxxxx, uma “vontade conflitiva” de iniciativa bilateral.
O objeto do qual se origina é outro aspecto do conflito que precisa ser considerado, porque, normalmente, diz respeito a um direito que está regulado, portanto, amparado pelo Estado, mas que vem sendo suprimido ou desrespeitado pela outra parte envolvida no conflito. Portanto, do descumprimento ou do desrespeito daquela regra de direito, que ofende o outro indivíduo da mesma espécie, surge o conflito, e sua confrontação ocorrerá na busca por justiça.
Nesse ponto, há necessidade de compreender a liberdade relativizada pelo comportamento condicionado. Isto é, o exercício da liberdade plena no convívio social, sem entender a imposição das regras de comportamento existentes, faz com que a força motriz aconteça com intensidade mais elevada, pressupondo intervenção estatal cada vez mais atuante, para um abrandamento das relações.
Qualquer organização possui um conjunto de papéis sociais mais ou menos diferenciados que podem ser definidos como sistemas de coerções normativas, a que devem curvar-se os atores que os desempenham, e de direitos correlativos a essas coerções. O papel define, assim, uma zona de obrigações e de coerções correlativa de uma zona de autonomia condicionada.
[...] o problema da liberdade humana se resume ao equilíbrio entre comportamento condicionado pelos papéis sociais e autonomia, sendo que a análise do “homosociologicus” parece, pelo menos neste ponto, comprovar o paradoxo dialético de liberdade e necessidade (MORAIS; SPENGLER, 2019, p. 50-51).
Nas relações sociais de trabalho, dois campos de força absolutamente diversos são revelados, e a presença de conflito de interesses é uma constante. Enquanto, de um lado, apresenta-se o dono do capital, explorando a atividade econômica com mínima intervenção estatal, do outro lado está o trabalhador, que se sustenta amparado pela necessidade de recursos econômicos que, nesse caso, advêm de sua remuneração.
Considerando essa particularidade das relações laborais, os instrumentos normativos são estabelecidos com a finalidade de assegurar direitos aos indivíduos,
trazendo, em certa medida, um mínimo de equilíbrio nesse tipo de relação. Assim, quando ocorre o desequilíbrio, seja pelo abuso do exercício do direito ou, ainda, pelo cometimento de conduta não permitida, por qualquer das partes, deve ser restabelecida aquela convivência equânime – o que se faz com a aplicação da lei.
É interessante pensar que a legislação precisa ter o objetivo de igualar forças, quando necessário. Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxx apresenta uma analogia a esse respeito (MORAIS, 1905 apud SOUTO MAIOR, 2017, p. 529):
Suponhamos dois homens dotados de forças iguais.
Não é necessário promulgar leis para que não se batam ou não se prejudiquem; pois, no caso de um investir contra o outro, virá a imediata repulsa equilibrar as situações, sendo de interesse de ambos ficarem quietos. Mas, admitindo que não tenham iguais forças, se lhes deixarmos toda a liberdade de ação, o mais robusto não se demorará para agarrar o outro e subjugá-lo.
Daí resulta este princípio: - dada a desigualdade de forças econômicas, a liberdade sem freio constitui causa fatal de usurpação e de opressão. E deste princípio surge a necessidade de se precisarem certas condições de trabalho assalariado, pondo de parte o respeito fetichístico da liberdade.
O equilíbrio presente no contrato de trabalho, ainda que possa ser considerado, por algumas pessoas, como minimalista, ocorre graças a conquistas alcançadas a partir da formação embrionária do Direito do Trabalho. Esse ramo do Direito faz parte de diversos ordenamentos jurídicos, propiciando garantias de vida e de dignidade aos trabalhadores, sendo um equalizador na relação entre capital e trabalho. Tem-se, quanto a isso, a inserção de direitos sociais nos artigos 7º, 8º e 9º, da Constituição federal, que foram incluídos como texto constitucional para garantir, de forma absoluta, direitos e deveres que pressupõem equidade, quando o assunto é Direito do Trabalho.
Ao assegurar proteção contra despedida arbitrária do empregado, fundo de garantia por tempo de serviço, salário mínimo, férias anuais, licença gestante e paternidade, aviso prévio, adicionais de periculosidade, insalubridade e de atividades penosas, limite de duração da jornada diária de trabalho, direito de greve e de livre associação, e demais direitos e garantias, a norma fundamental tem o propósito de promover, dentre outras finalidades, o equilíbrio nas relações capital versus trabalho. Como as relações sociais são evolutivas, o Estado busca acompanhar essas mudanças, inclusive na seara do Direito do Trabalho, com o objetivo de estabelecer um senso de justiça social. Com o desequilíbrio na relação, surge o conflito, que necessitará da pacificação. Atualmente, visando à melhor prestação jurisdicional
nessa pacificação, o Estado articula mecanismos para tentar, ao máximo, afastar a litigiosidade e o embate processual, colocando-se em evidência instrumentos como a mediação e a conciliação.
Não é possível falar em relações sociais equilibradas sem que haja, ainda que de modo minimalista, a presença estatal, para assegurar preceitos estabelecidos nos fundamentos do Estado. Nesse ponto, o Estado de Direito, além de trazer garantias individuais, também coloca os indivíduos na condição de submissão às normas e ao império do direito. Ele estabelece regras básicas de conduta, sempre com observância às normas e aos direitos fundamentais, primando pela paz social.
No entanto, é natural que as pessoas, em busca de satisfazer suas necessidades, tenham como resultado de convivência a controvérsia nas relações, umas mais e outras menos complexas. Para tais divergências, é imperiosa a resolução por meio de uma decisão que, por vezes, mostra-se desarraigada de seus próprios interessados, como a solução advinda de um terceiro alheio às partes envolvidas – o que não precisa acontecer em toda e qualquer situação. Outras vezes, a resolução está na predisposição das próprias partes, que conduzirão à terminação do conflito por elas mesmas, ainda que contem com o auxílio de um terceiro.
Nas condutas aqui referidas estão incluídas as relações trabalhistas que, como outras espécies, são apontadas como sendo “negócios jurídicos”. No dizer de Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (2009), “Trata-se de uma declaração de vontade que apenas constitui um ato livre, mas pela qual o declarante procura uma relação jurídica entre as várias possibilidades que oferece o universo jurídico”.
A manifestação de vontade a que se refere o autor citado emana dos chamados “fatos jurídicos”, o que se trata daqueles acontecimentos que, de maneira direta ou indireta, geram um efeito jurídico. Pensando num sentido amplo, esses negócios jurídicos dizem respeito não somente àqueles fatos que resultam da interferência da vontade humana, mas, também, a fatos naturais, embora aqui, neste momento, seja interessante focar nos que manifestam a vontade humana, como os contratos. Além disso, observa-se que o contrato individual de trabalho, com esse caráter, não escapa dos conflitos vivenciados pela coletividade, porquanto, igualmente, trata-se de um negócio jurídico.
A doutrina identifica o contrato individual de trabalho como sendo um ato jurídico bilateral,9 não cabendo espaço para entendimento diverso. Essa nomenclatura é utilizada assim, pela doutrina, para identificar a referência ao contrato específico das relações de emprego. Frise-se, a esse respeito, que o contrato, ao longo da história, toma o cenário das relações jurídicas existentes na sociedade como consequência das relações interindividuais e sociais, na medida em que há, por parte dos indivíduos, uma desvinculação da instituição Estado e, por outro lado, a manifestação cada vez mais livre.
A esse respeito, afirma Xxxxxxx:
Contrato é o acordo tácito ou expresso mediante o qual ajustam as partes pactuantes direitos e obrigações recíprocas.
Essa figura jurídica, embora não tenha sido desconhecida em experiências históricas antigas e medievais, tornou-se, no período contemporâneo, um dos pilares mais significativos de caracterização da cultura sociojurídica do mundo ocidental.
A relevância assumida pela noção e prática do contrato, nos últimos séculos, deriva da circunstância de as relações interindividuais e sociais contemporâneas – à diferença dos períodos históricos anteriores – vincularem serem juridicamente livres, isto é, seres desprendidos de relações institucionalizadas de posse, domínio ou qualquer vinculação extravolitiva a outrem (como próprio da escravidão ou servidão) (2015, p. 542).
Considerando que o contrato individual de trabalho é um negócio jurídico, tendo a bilateralidade como uma de suas características, é impossível, numa relação que envolve interesses antagônicos, inexistirem os conflitos. Como, nas demais espécies de relação, essas divergências que passam a ocorrer carecem de solução, e sua pacificação interessa não apenas àqueles indivíduos envolvidos diretamente, mas à coletividade, na medida em que direitos e obrigações discutidos ali também se apresentam em outros contratos da mesma espécie.
9 “O contrato de trabalho é, evidentemente, ato jurídico bilateral, à medida que duas partes comparecem para sua celebração e cumprimento. Não é, desse modo, seguramente, ato jurídico unilateral. No entanto, o ramo justrabalhista refere-se classicamente, à noção de contrato individual de trabalho, valendo-se, pois, de expressão aparentemente contraditória.
Essa contradição é, como já sugerido, apenas aparente. Ao se reportar a contrato individual de trabalho, enfoca o ramo justrabalhista a unidade do prestador de serviços (um único indivíduo, em contraponto à pluralidade de prestadores); enfoca ainda esse ramo jurídico especializado o caráter estritamente individual – sob a ótica obreira – da relação jurídica acobertada pelo contrato. Assim, do mesmo modo que Direito Individual do Trabalho é expressão que se justifica em virtude de se reportar a uma relação (bilateral, é claro) entre seres individuais – ao menos o ser contratual obreiro – em contraponto ao Direito Coletivo do Trabalho – que se constrói em torno de uma relação entre seres coletivos (o empresarial e o obreiro) –, a expressão contrato individual de trabalho justifica-se por enfatizar o polo individual do contratante empregado na relação jurídica formada.” (XXXXXXX, 2015, p. 570).
A evolução do Direito do Trabalho, no decorrer da história, demonstra que tais relações se tornaram consideravelmente complexas, exigindo uma conduta legislativa voltada também a pacificar conflitos de tal natureza. Desse modo, assim como nos demais ramos do Direito, as relações trabalhistas possuem mecanismos voltados à pacificação de conflitos.
2.3.1 A natureza do conflito no contrato de trabalho
É preciso distinguir o conflito originado a partir do contrato de trabalho de outros que afetam as diversas relações. Perceber a sua natureza e suas características nos ajuda na compreensão de como é preciso lidar particularmente com esse tipo de controvérsia.
Considera-se aqui o contrato de trabalho na espécie relação de emprego, ou seja, aquele contrato de trabalho que possui como sujeitos a figura de um trabalhador empregado e a de seu empregador, que pode ou não ser uma pessoa jurídica. A opção por essa espécie de contrato de trabalho, para tratar da natureza do conflito, consiste na vinculação com as demandas judiciais que são atendidas pela Justiça do Trabalho. Na sua maioria, essas ações judiciais que ali tramitam são lides envolvendo empregado e patrão.
Apesar de o Poder Judiciário Trabalhista também deter competência para apreciar conflitos de outras naturezas (como evidencia a Emenda Constitucional n.º 45, de 2004, que estendeu os limites de sua competência, atuando em litígios envolvendo relação de trabalho, e não apenas relação de emprego), controvérsias relacionadas ao contrato individual de trabalho entre empregado e empregador são as de maior volume.
A comprovação dessa afirmação vem do próprio TST, que apresenta à sociedade tais informações. Segundo o Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2019, que mostra a Justiça do Trabalho em números, os assuntos que mais apareceram foram: “aviso-prévio, multa de 40% do FGTS, multa prevista no artigo 477 da CLT, e multa prevista no artigo 467 da CLT”.10
10 Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxxx/xx/xxxxxxxxx- geral#:~:text=Os%20assuntos%20mais%20recorrentes%20na,per%C3%ADodo%20de%202010% 20a%202017. Acesso em: 05 dez. 2020.
Observe-se que os assuntos de maior repercussão no anuário são aqueles que apenas podem ser pleiteados por empregados, isto é, somente o trabalhador, na categoria de empregado, tem direito a essas verbas. Portanto, embora as demais relações de trabalho recebam igual tratamento da jurisdição, são os conflitos, decorrentes do contrato de trabalho individual entre empregado e empregador, que mais têm repercussão na seara do Judiciário Trabalhista.
Pensar sobre a natureza do conflito no contrato de trabalho também exige dissociar esse negócio jurídico dos contratos vinculados ao Direito Civil. Embora encontremos pontos em comum entre o contrato civil e o contrato de trabalho, como bilateralidade; vontade humana; liberdade no rigor da lei; mútuo consenso; direitos e obrigações, esses aspectos não devem ser reconhecidos a partir do mesmo sistema jurídico.
Se, por um lado, os elementos jurídico-formais são semelhantes, os reconhecidos como elementos fático-jurídicos apontam para a necessidade de distinção. Para a identificação desses elementos, podemos citar Xxxxxxx (2015, p. 316), que apresenta a similaridade dos elementos jurídico-formais:
São elementos jurídico-formais do contrato empregatício os clássicos elementos constitutivos da figura contratual padrão conhecida: capacidade das partes contratantes; licitude do objeto contratado; forma contratual prescrita em lei ou por esta não proibida; higidez na manifestação da vontade das partes. Trata-se dos tradicionais elementos essenciais do contrato indicados na tradicional legislação civil (art. 82, CCB/1916; art. 104, CCB/2002), adaptados, evidentemente, às especificidades justrabalhistas.
Quando são observados os elementos fático-jurídicos do contrato individual de trabalho, fica clara a necessidade de distinção, porque eles expressam a especificidade inerente dessa relação jurídica. Assim, estaremos diante de um contrato individual de trabalho, ainda que não escrito e mesmo que não reconhecido pelas partes, inicialmente, quando se fizerem presentes, concomitantemente, “seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação” (XXXXXXX, 2015, p. 316).
Valendo-se dos elementos aqui apontados, colabora com a identificação da particularidade existente no contrato de trabalho Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, quando afirma ser necessária a combinação dos arts. 2º, 3º e 442, da CLT, para extrair
a definição de contrato de trabalho, e, citando Délio Maranhão, apresenta uma definição que explicita tais elementos:
[...] contrato de trabalho stricto sensu é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante pagamento de uma contraprestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinado. (MARANHÃO, 1991, p. 231 apud LEITE, 2020, p. 428).
A partir dessa identificação, é possível perceber as bases do conflito no contrato individual de trabalho, que se concentra essencialmente nas características da comutatividade e da bilateralidade. Por sinalagmático (ou bilateral), compreende- se a existência de obrigações recíprocas, ou seja: enquanto o empregado tem o dever de prestar os serviços, seu empregador tem a obrigação de pagar pelos serviços prestados pelo trabalhador. Na comutatividade, aqui interpretada como “equivalência nas prestações”, pressupõe-se que haverá proporcionalidade equilibrada entre os serviços a serem prestados pelo empregado e a remuneração que será auferida por ele.
Diante disso, o choque surgido pelo desequilíbrio nessas características pode ser considerado como a natureza ou a causa do conflito no contrato individual de trabalho. Cumprimento das obrigações de pagar o preço pelos serviços prestados, além de honrar com o cumprimento da legislação do trabalho são exemplos de pontos de confronto, que permitem o nascimento do conflito.
O não cumprimento das obrigações trabalhistas, que se traduzem no mínimo de garantia para a parte hipossuficiente da relação contratual, pode concorrer para a instauração do litígio. Considere-se, portanto, que as ações judiciais trabalhistas, na sua maioria, são de empregados contra seus empregadores, pleiteando verbas contratuais e rescisórias garantidas por lei, como aquelas já mencionadas, indicadas no relatório do TST em 2019. Em outras palavras, essas ações advêm dos conflitos originados por direitos trabalhistas suprimidos, ou descumpridos, por parte dos contratantes.
É preciso mencionar que não fica excluída a existência de descumprimento por parte do empregado também, ocasião em que se vale o empregador, quando necessário, da tutela jurisdicional trabalhista. Nessa circunstância, o contratante, para amparar sua conduta, com o objetivo de reprimenda ao ato ilícito do trabalhador, pode propor ação judicial para extinção do contrato, em sendo, por exemplo, caso de
empregado com estabilidade provisória (um inquérito judicial por falta grave). Outras vezes, utiliza a Justiça do Trabalho para resguardar direitos e cumprimento da obrigação, como na ação de consignação em pagamento, situação na qual, o trabalhador não é localizado para receber seus direitos.
É preciso dizer que, apesar de a estatística apresentar, como causa de maiores pedidos na Justiça, indenizações de ordem financeira (até por consequência dessa característica intrínseca do contrato de trabalho), não são apenas descumprimentos ou desajustes de ordem patrimonial que originam tais pedidos.
Assim sendo, a Justiça do Trabalho recebe demandas cuja finalidade pode ultrapassar a esfera do caráter patrimonial, embora seja essa a forma de compensação que envolve grande parte dos dissídios trabalhistas. Como apontou Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx (2010),11 questões envolvendo a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre pessoas, por exemplo, que vão além do interesse econômico ou material, fazem parte do cotidiano dessa Justiça, e estão no rol explícito ou implícito do conflito, no contrato de trabalho. Nesse contexto, a mediação surge como um instrumento poderoso para solucionar as controvérsias.
2.3.2 Tratamento judicial dos conflitos trabalhistas
Identificada a natureza da qual se originam os conflitos envolvendo contratos individuais de trabalho, o objetivo passa a ser analisar como solucioná-los com maior efetividade possível, ou seja, com o método mais adequado.
11 “[...] três dimensões temáticas constitutivas das causas ou conflitos judiciais, ainda que nem sempre elas tenham a mesma importância e significado: (a) a dimensão dos direitos; (b) a dimensão dos interesses; e, (c) a dimensão do reconhecimento. Enquanto as duas primeiras dimensões são diretamente enfrentadas pelo judiciário (e.g., desrespeito a direitos positivos e prejuízos causados como consequência), a última remete a um direito de cidadania, associado a concepções de dignidade e de igualdade no mundo cívico e não encontra respaldo em nossos tribunais. O reconhecimento, ou o direito de ser tratado com respeito e consideração, é o aspecto que melhor expressaria a dimensão moral dos direitos, e as demandas a ele associadas traduzem (grande) insatisfação com a qualidade do elo ou relação entre as partes, vivida como uma imposição do agressor e sofrida como um ato de desonra ou de humilhação (XXXXXXX XX XXXXXXXX, 2004, 2008b). Nos casos em que a reparação a este tipo de ofensa é suficientemente embutida das deliberações judiciais sobre as outras duas dimensões temáticas dos conflitos (direitos e interesses), os tribunais promovem um desfecho satisfatório para as respectivas causas. Entretanto, nas causas em que este tipo de ofensa – que tenho caracterizado como insulto moral – ganha precedência ou certa autonomia nos processos, não há reparação adequada e o desfecho judicial é frequentemente insatisfatório do ponto de vista das partes (XXXXXXX XX XXXXXXXX, 2002, 2004, 2008b)” (2010, p. 461).
Alguns conflitos dessa natureza são resolvidos sem a necessidade de judicialização. Há instrumentos legais que permitem às partes colocarem termo final a eventual controvérsia, independentemente da intervenção estatal. Nessa circunstância, para o Estado, o conflito haverá instaurado no momento do surgimento de uma pretensão resistida. Estamos falando aqui da chamada “lide”, a situação em que uma parte entende possuir determinado direito, e a outra parte resiste, contrapondo-se àquilo que se pede. É o caso hipotético do empregado que pretende o recebimento de adicional de horas extraordinárias, dizendo ter direito porque as realizou, e recebe a negativa por parte de seu empregador, que não reconhece tal direito.
Algumas opções surgem para o empregado, no caso da pretensão resistida: a) fazer investidas, no sentido de tentar uma composição amigável extrajudicial, nesse caso, sem intervenção de terceiros; b) buscar, no âmbito da atividade, a solução por meio da Comissão de Conciliação Prévia, se houver instalação de uma; c) desistir do pretenso direito; ou d) judicializar a questão. A possibilidade de se resolver o conflito antes dessa última opção sugerida, e ocorrendo a resolução numa das citadas formas, para o Estado é como se não houvesse existido o conflito, dado o caráter privado da relação.
No exemplo anterior, não apresentamos como opção o acordo extrajudicial porque, em regra, é inaplicável nos litígios trabalhistas, sem que, no final, necessite da intervenção estatal. Como menciona o presidente da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas:
Essa mudança abriu espaço para a mediação no direito do trabalho empregada antes da judicialização. A Justiça encontrou uma forma de estimular o uso desse método alternativo, que pode ser conduzido no ambiente online e por meio dos canais digitais, para evitar que as partes recorram ao Poder Judiciário. A participação da Justiça continua sendo necessária para homologação do acordo extrajudicial. Só que o trabalho passou a ser mais simples e com uma grande vantagem: as partes já se entenderam e só querem o reconhecimento do acordo (FELICIANO, 2019).12
Naquele exemplo, também não foi incluída a opção da arbitragem, porque é permitida apenas àqueles empregados que tenham rendimentos superior a duas vezes o teto da Previdência Social, como dispõe o art. 507-A da CLT. Tal valor excede
12 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx-xx-xxxxx/00000-xxxx-x-xxxxxxxx- no-direito-do-trabalho-pode-resolver-conflitos. Acesso em: 12 dez. 2020.
o rendimento médio da esmagadora maioria dos brasileiros, que gira em torno de R$ 2 mil.
Independentemente da possibilidade de solução de litígios trabalhistas no campo extrajudicial, não se deve perder de vista a garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, constante do art. 5º, XXXV, da Constituição federal. Sendo a solução do conflito resolvida sem judicialização, guardados os casos de exceção, a Justiça do Trabalho estará disponível para acesso das partes, a fim de prestar o atendimento, caso persista a litigiosidade. E não faltam casos de demandas judiciais trabalhistas pedindo nova discussão acerca de acordos realizados anteriormente, de forma extrajudicial, como no exemplo a seguir:
Comissões de Conciliação Prévia Câmara arbitral. Pagamento de verbas rescisórias. A Câmara Arbitral não possui competência legal para homologar a rescisão contratual, até porque as verbas rescisórias decorrem de lei, cujo pagamento é compulsório e, portanto, não podem se submeter a qualquer tipo de composição (PJe TRT/SP 10001021820185020608 - 11ªT - RO - Rel. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx - DeJT 12/04/2019).13
Desse modo, embora seja possível ver, em diversos lados, um movimento a favor da não judicialização para algumas relações e alguns conflitos, ainda que seja o caso de composição, é importante refletir se sua configuração não deve ocorrer sob o manto da proteção do Estado.
Os conflitos de natureza trabalhista podem (e, em alguns casos, devem) receber tratamento judicial, ainda que seja o caso de solução não heterônoma. As controvérsias na Justiça do Trabalho têm solução por meio da autocomposição, aplicando-se aqui os métodos da conciliação e da mediação, ou, ainda, resolução por meio da heterocomposição, com a decisão emanada do Estado-juiz.
Acerca do tratamento judicial dado aos conflitos trabalhistas, Xxxxx Xxxxxxx, ao tratar da história do processo do trabalho, apresenta algumas de suas fases e afirma que, atualmente, há “[...] marcante morosidade do Poder Judiciário Trabalhista na entrega da prestação jurisdicional, caracterizando uma verdadeira crise de efetividade” (2017, p. 3).
Esse autor aponta, como responsáveis pela crise de efetividade, o número insuficiente de juízes do trabalho e auxiliares da justiça, se comparado com a
13Disponível em: xxxxx://xx0.xxx0.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxx/Xxxxxxx/0000/xxx_00_00.xxx. Acesso em: 12 dez. 2020.
quantidade de ações trabalhistas. Também contribui com a crise uma estrutura deficiente, considerando aqui o grande movimento jurisdicional, a burocracia interna, além de regras processuais em desajuste com a celeridade processual. Agrega-se a esses fatores, igualmente, a conduta dolosa de reclamados, que praticam atos procrastinatórios sem penalização compatível.
Nesse contexto, para tornar o tratamento judicial dos conflitos mais efetivo, procedimento sumaríssimo e a comissão de conciliação prévia surgem como instrumentos para minorar as dificuldades de tramitação dos processos.
Indo além, a criação de um Código de Processo do Trabalho, o investimento estrutural do órgão da Justiça em locais de maior demanda e uma estrutura de Juizados Especiais, para o atendimento de certos litígios, são considerados soluções complementares, adicionais, para a efetividade da Justiça do Trabalho.
Assim, as medidas apresentadas pela Resolução n.º 174/2016, do CSJT, que estabelece a mediação e a conciliação como métodos autocompositivos para o tratamento judicial dos conflitos trabalhistas, vão ao encontro dessa necessidade de aperfeiçoamento. Utilizar o método da mediação, da forma mais adequada possível, para contribuir com a efetividade da Justiça do Trabalho, deve ser um caminho a percorrer.
3 MEDIAÇÃO NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS: UMA ABORDAGEM EMPÍRICA
Têm sido presenciadas mudanças no sistema jurídico que intentam adequá-lo à nova realidade de resolução de conflitos. Alterações, como a ocorrida com o Código de Processo Civil e a criação de novos diplomas legais, como a Lei da Mediação, são exemplos desse fenômeno.
Numa visão contemporânea de estímulo à resolução de controvérsias nas relações sociais, mesmo nas que envolvam o Direito do Trabalho, o Estado tem se preocupado em evitar que as partes judicializem o conflito. Caso o façam, há uma busca para que mecanismos de solução, mais adequados e céleres, possam ser aplicados, em vez da solução por meio da decisão judicial. Assim, o sistema jurídico tem recebido comandos normativos para essa adequação.
Nesse ponto, entendemos ser possível analisar os comandos normativos que vêm sendo positivados com tal finalidade, sendo possível discutir sua efetividade a partir do que se extrai da teoria e da prática, o que se faz aqui com a mediação aplicada ao contrato individual de trabalho.
3.1 CONJUNTO NORMATIVO E A MEDIAÇÃO APLICADA
Atualmente, na existência de um conflito, certamente haverá formação da chamada relação jurídica processual, ou seja, uma demanda judicial. Isso ocorre porque, ao longo dos anos, a sociedade brasileira foi se aprimorando em deixar para o Poder Judiciário a solução do litígio. Ainda se tem a sensação de que somente a partir da relação jurídica processual alcançar-se-á aquele determinado direito material pretendido. Havendo conflito instaurado na relação, sem que haja consenso extrajudicialmente, ou sem a dependência de uma solução que seja emanada não do ente estatal, imperará a decisão dada pelo Estado.
Se, por um lado, o propósito atual tem sido diminuir a resolução de conflitos por meio de decisões judiciais, do outro, nossa sociedade ainda expressa dependência pela atuação do Estado, esperando que dele possa vir a resposta para seus conflitos. É o caso do trabalhador, por exemplo, que, em sua jornada de trabalho, realiza horas
extraordinárias durante o período do contrato de trabalho. Se não as receber, seu direito estará violado e, portanto, poderá ser objeto de reclamação trabalhista, caso o empregador não adote a conduta de quitação dessas verbas antes da judicialização. Disso se conclui que todo o direito material deve manter em paralelo uma normatização jurídico-processual, para o caso da eventual necessidade de fazer valer o direito assegurado pelo Estado, embora não seja a “sentença” a única forma de
solução desse tipo de conflito.
A “cultura” da judicialização é um retrato da nossa sociedade, independentemente do ramo do Direito de que resulta a relação jurídica. Essa afirmação advém da percepção do grande volume de ações judiciais que tramitam nos diversos tribunais em todo o território nacional.
Nas relações trabalhistas não é diferente. Não são poucas as demandas judiciais que tramitam no Judiciário Trabalhista, como já referimos. Como consequência desses hábitos, surgem os resultados de ineficiência da prestação jurisdicional, muito em razão desses altos índices de processos, tendo como consequência a morosidade na resposta ao jurisdicionado. Desse modo, está posto o incentivo ao fomento do sistema multiportas, ou seja, o emprego de outros métodos de solução de conflitos.
É certo afirmar que há algum tempo já vem acontecendo um movimento no sistema jurídico para tornar os procedimentos de solução de demandas menos rígido, com menor intervenção estatal. São exemplos disso o divórcio e o inventário no Direito de Família que, devido à Lei n.º 11.441/2007, podem ser realizados extrajudicialmente, se atendidas algumas particularidades.
Também é possível encontrar a desjudicialização quando o assunto envolve o direito das coisas. Mais recentemente, por exemplo, a usucapião se tornou possível extrajudicialmente, com o advento da Lei n.º 13.465/2017, agora sendo facultativo seu procedimento por meio do judiciário. Percebe-se, portanto, um movimento amplo de remodelação do que se mantinha como estrutura de pacificação de conflitos – modificação presente em várias frentes, como nos exemplos que seguem.
3.1.1 O processo comum e a autocomposição
O sistema jurídico vem sendo adequado para essa nova realidade e promete resposta rápida na resolução das demandas, além da reversão da cultura para a desjudicialização. É possível citar como exemplo o Código de Processo Civil, regido pela Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015, com entrada em vigor a partir de março de 2016, apresentando-se com uma estrutura objetiva para o uso da autocomposição. De forma geral, essa lei suscita o que parece ser a atual aposta do legislador,
ou seja, uma pacificação de litígios por intermédio da autocomposição ou da heterocomposição extrajudicial: a mediação, a conciliação e a arbitragem, vistas anteriormente. Embora a norma processual civil seja utilizada nas relações trabalhistas apenas de maneira subsidiária, é relevante considerar seu conteúdo, a fim de percebermos como se tem investido no estímulo à não judicialização, valendo- se, para tanto, da autocomposição.
O Código de Processo Civil, norma do ordenamento jurídico com um conjunto de diretrizes para objetivamente pôr fim a determinado litígio, consagra o Princípio de Promoção, pelo Estado, de Solução por Autocomposição. Esse fundamento principiológico vai ao encontro dos ditames da Resolução de n.º 125/2010,14 do Conselho Nacional de Justiça, que tem como premissa desestimular os embates judiciais e solucionar lides por meio de um terceiro.
O estímulo de equivalentes jurisdicionais para a solução de conflitos tem atuação direta do Estado e, seja pela via judicial ou pela extrajudicial, o incentivo à composição se tornou “status” de política pública. Nessas diretrizes, estabelece o Código de Processo Civil que incumbe ao Estado promover a resolução dos conflitos de forma consensual, sempre que houver possibilidade, e, ainda, o dever aos juízes,
14 “Art. 1º Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade.
Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. Nas hipóteses em que este atendimento de cidadania não for imediatamente implantado, esses serviços devem ser gradativamente ofertados no prazo de 12 (doze) meses.
Art. 2º Na implementação da Política Judiciária Nacional, com vista à boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão observados:
I – centralização das estruturas judiciárias;
II – adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores; III – acompanhamento estatístico específico.”
advogados, defensores públicos e Ministério Público de estimular a conciliação, a mediação e outros métodos amigáveis de solução de conflitos:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.”
O legislador, ao elaborar a norma processual – e aqui devem ser inseridas também normas processuais esparsas, de mesmo teor –, sugere que aquela ideia de um vencedor na demanda judicial está perdendo espaço, e não deve ser mais uma realidade almejada pelas partes litigantes.
A busca pela tutela jurisdicional, com a fixação de uma demanda litigiosa, desde aquelas situações pré-processuais de início do conflito, até um termo final com um processo judicial e decisão condenatória, tende a ter espaço apenas em situações de impossibilidade de composição.
Com a implantação de um sistema de política nacional de solução adequada dos conflitos, o ente estatal reconhece a necessidade de propiciar a mudança. Apresentar um resultado satisfatório para a população, em tempo razoável, utilizando- se da heterocomposição estatal, com litígio no caminho processual das últimas consequências, é considerado impossível atualmente. A percepção é de que, cada vez mais, existe a necessidade de aplicação dos meios alternativos à heterocomposição estatal, para, da maneira mais adequada, pôr fim em uma demanda.
3.1.2 Autocomposição alcançando a administração pública
O que se percebe na Lei n.º 13.105/2105, Código de Processo Civil, é que o legislador pretendeu fixar novos rumos aos conflitos oriundos das relações jurídicas, pautando-se essencialmente na autocomposição e estimulando a heterocomposição extrajudicial, inclusive na esfera pública.
Existe previsão legal determinando que a Administração Pública (União, estados, Distrito Federal e municípios) crie mecanismos para solucionar conflitos em que estiver envolvida (art. 174 do CPC), que sejam de forma consensual e em âmbito
administrativo, ou seja, também autocomposição e a heterocomposição não estatal. Nessa perspectiva, a Lei de Arbitragem foi modificada para incluir a Administração Pública, que também pode discutir certos conflitos por meio de jurisdição não estatal. Em 2015, a Lei n.º 13.129, incluiu dispositivo na Lei de Arbitragem para autorizar esse ente na opção pela heterocomposição não estatal (art. 1º, § 1º, Lei n.º 9.307/1996): “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”
Na mesma linha de alteração que mencionamos, apresenta-se a Lei da Mediação. Referida norma inclui também a Administração Pública como sujeito nos procedimentos submetidos à mediação, nos termos do art. 1º, da Lei n.º 13.140/2015: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”.
Para as situações em que a Administração Pública integra um dos polos no conflito, já existe entendimento daqueles que defendem a possibilidade de transação, mesmo de direitos indisponíveis. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Neves (2015, p. 31) afirma que “[...] mesmo no direito indisponível é possível a transação a respeito das formas e prazos de cumprimento da obrigação, exatamente como ocorre no processo coletivo.”
A margem da aqui referida indisponibilidade, a renúncia a determinados direitos exige uma certa cautela, quando o assunto passa a ser de interesse da coletividade; ainda, os direitos sociais decorrentes da relação de trabalho, especialmente aqueles assegurados no contrato individual de trabalho, por evidenciar a mesma característica de proteção.
Na seara trabalhista a indisponibilidade é assunto consideravelmente sensível, por se tratar de proteção direta ao trabalhador, sobretudo porque esse personagem é a parte menos favorecida na relação, na maioria das vezes. Porém, embora o conteúdo legislativo voltado para relações de trabalho seja de cunho protecionista, objetivando assegurar direitos aos trabalhadores assalariados, quando o conflito se instaura, são os procedimentos para se resolver o litígio que darão ou não amparo àqueles direitos protegidos. Isto demonstra a importância de refletir também sobre o método da mediação.
3.1.3 O processo do trabalho se adequando à autocomposição
Os ramos do Direito, dentro de nosso sistema jurídico, estão receptivos à nova ordem. As políticas públicas de implantação de meios adequados de solução de conflitos, assim como nas relações civis, naquelas envolvendo a Administração Pública ou de persecução penal, vêm sendo implementadas, não sendo diferente no âmbito do processo do trabalho.
Como o cerne deste trabalho é abordar a importância da aplicação adequada do método da mediação, como meio de solução de conflitos envolvendo contratos individuais de trabalho, não nos esqueçamos da modificação nos comandos normativos, que estão ocorrendo para atender esse tipo de demanda. Essas mudanças vêm, como se observa na Resolução n.º 174/2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, estabelecendo diretrizes para a utilização da mediação e da conciliação no âmbito trabalhista – assunto que merece receber tópico próprio neste trabalho.
Além da referida resolução, a própria CLT vem abrindo espaço para solucionar conflitos por outro meio que não uma decisão judicial. A reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional e implementada pela Lei n.º 13.467/17, flexibilizou, de certo modo, sua rigidez, abrindo espaço, por exemplo, para o uso do método da arbitragem nos contratos individuais de trabalho, o que demonstra que as demandas trabalhistas tendem a caminhar no mesmo sentido da não utilização de sentenças judiciais. É nesse contexto que ocorre a ascensão da propagação e utilização da mediação, da conciliação e da arbitragem, agora também alcançando os conflitos decorrentes dos contratos individuais de trabalho.
Em se tratando das normas trabalhistas, trata-se de medidas flexibilizadoras, atingindo a legislação do trabalho. Desse movimento, percebe-se uma sintonia com os propósitos apresentados no Código de Processo Civil, seguindo as diretrizes da Resolução n.º 125, do Conselho Nacional de Justiça, dialogando harmonicamente com o sistema jurídico como um todo.
À margem de qualquer discussão acerca da sacramentada autonomia existente nos ramos processuais da Justiça comum e da Justiça Especializada do Trabalho, notamos neles a mesma afinidade, quando o assunto é afastar a judicialização e resolver rapidamente as demandas.
A necessidade de mudança da chamada cultura de judicialização parece mesmo ser alvo do legislador. Posicionamentos majoritários dos Tribunais, como da Justiça Especializada do Trabalho, por exemplo, acerca da inaplicabilidade da sentença arbitral no Processo do Trabalho, quando o assunto envolve contrato individual, se veem em significativo movimento de mutação.
Não são poucas as decisões da Justiça do Trabalho que anulam sentenças arbitrais, cujo teor apresenta decisão sobre direitos trabalhistas originados na relação de emprego. Isso ocorre porque a declaração de vontade do empregado, manifestada perante o árbitro, dispondo de direitos assegurados pela legislação trabalhista, é passível de anulação.
Considerados como sendo indisponíveis e irrenunciáveis, sendo permitida a renúncia apenas diante do Estado-juiz, várias são as decisões judiciais decretando a nulidade das sentenças arbitrais que possuem conteúdo envolvendo a renúncia de direitos por parte do empregado. É condição certa quando analisamos a jurisprudência sobre o tema,15 caso o empregado resolva discutir tal nulidade perante a Justiça do Trabalho.
Ocorre que o legislador, em 2017, ao aprovar a reforma trabalhista, incluiu um conteúdo no texto da CLT que relativiza essa rigidez então existente, afastando a referida decretação de nulidade em alguns casos. Desse modo, insere o art. 507-A,
15 “Com efeito, o que vem se constatando na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST e do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (São Paulo – TRT-2), por exemplo, é que os tribunais parecem se recusar veementemente a aceitar a arbitragem como método para a resolução de dissídios individuais trabalhistas, mesmo estando a Reforma da CLT vigendo há mais de um ano. É verdade que, mesmo tendo os recursos julgados até o momento pelo TST sido interpostos após 11 de novembro de 2017, é de se supor que as respectivas convenções de arbitragem provavelmente tenham sido pactuadas antes do período de vigência da nova CLT. Ainda assim, o TST parece esposar o entendimento de que a mudança levada a efeito pelo legislador em nada alterará seu posicionamento – consolidado já há alguns anos – no sentido da não aceitação da arbitragem para o deslinde de dissídios trabalhistas individuais. De fato, percebe-se que, em casos julgados após a entrada em vigor do artigo 507- A, o TST sequer menciona o referido dispositivo em suas decisões (o qual não seria mesmo aplicável, por conta da questão temporal, saliente-se). No que tange ao TRT- 2, no acórdão abaixo, por exemplo, a posição adotada pelo referido tribunal é bastante incisiva no sentido da impossibilidade de adoção da arbitragem para a resolução de dissídios individuais trabalhistas...” (VERÇOSA, Xxxxxxx. Execução e nulidade da sentença arbitral que versa sobre dissídios individuais trabalhistas: Breves reflexões sobre o órgão do Poder Judiciário competente para sua decretação. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx.xxx/0000000/xxx_xxxxxxxx/xxxxxxx/0/Xxxxxxx%00Xxx%X0%X0 osa%20-
%20Compet%C3%AAncia%20para%20Execu%C3%A7%C3%A3o%20e%20Nulidade%20da%20Se nten%C3%A7a%20Arbitral%20Trabalhista%20epub.pdf.
Acesso em: 19 abr. 2021.
autorizando expressamente a utilização da arbitragem nos contratos individuais de trabalho, como adiante se mostrará.
Mencionado exemplo de modificação legislativa, embora seja considerada por uma parte dos especialistas como sendo um retrocesso na proteção aos direitos do trabalhador, quando o assunto é a política de implantação de meios adequados para solução dos conflitos, permite perceber um avanço nessa direção.
Tais afirmações funcionam para elucidar a utilização, cada vez maior, dos equivalentes jurisdicionais, bem como a sua importância atual. Ressalte-se que, embora seja a arbitragem também um meio de solução de conflitos (não estatal), a ênfase aqui é a mediação, especialmente visando perceber sua efetividade, quando aplicada nos conflitos envolvendo o contrato individual de trabalho, no âmbito da jurisdição estatal.
Pouco há que se duvidar da necessidade de aperfeiçoar a forma de resolução dos conflitos sociais levados ao Estado. A preocupação em se aplicar adequadamente a mediação, nos contratos individuais de trabalho, é corroborada por anos de exclusiva utilização da técnica de conciliação nesse tipo de contrato, pela Justiça do Trabalho. A implementação do método da mediação, atualizando a forma de se resolverem controvérsias entre empregador e empregado, exigirá um esforço maior de todos, especialmente para compreender as situações mais adequadas para sua utilização.
Faz sentido pensar a respeito, dada a tradição de uso da conciliação que permeia os acordos trabalhistas, cuja resposta final, por vezes, se vincula essencialmente às questões econômico-financeiras. Devido a isso, há ocasiões em que fica de lado o tratamento do conflito em sua essência – e essa situação propicia que a composição, na seara trabalhista, seja menos humanizada.
Lançar mão do uso do método da mediação, na esfera da justiça trabalhista, sem aprofundar-se no o conflito, até mesmo visando à diminuição de demandas futuras, é inviabilizar a projeção da mediação como instrumento de justiça social, considerando que sua boa utilização será um forte aliado na humanização das relações processuais e na pacificação da sociedade.
3.2 MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS TRABALHISTAS
A mediação, no contexto dos conflitos trabalhistas, mantinha um espaço consideravelmente reservado, sendo utilizada nas controvérsias de caráter coletivo. Não há regras de procedimento na legislação do trabalho, anterior à Resolução n.º 174/2016, regulando o uso da mediação nessas relações. Diferentemente da conciliação e da arbitragem, em relação aos contratos individuais de trabalho, contornos normativos passam a ser desenhados, a partir da resolução do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
O conflito trabalhista tem forte tendência de pacificação pela via judiciária, e parte disso ocorre porque o órgão da Justiça Especializada do Trabalho tem, como características, facilitar o acesso à Justiça, além da atuação quase que fiscalizadora na proteção dos direitos do trabalhador.
Importa considerar que, no Brasil, o conflito trabalhista, como outrora referimos, não tem apenas o Poder Judiciário como meio para resolução, podendo ser resolvido sem a judicialização.
A mediação é o instrumento utilizado, atualmente, tanto em litígios judicializados como nos que acontecem fora do judiciário, a depender do tipo de conflito trabalhista. O uso da mediação tem maior incidência quando o conflito envolve interesses coletivos e não individuais. Ela tem sido aplicada nos conflitos coletivos, a partir de negociações coletivas, sem desconsiderar, também, que seja utilizada nas relações individuais de trabalho e de emprego.
A aplicação da mediação recebe guarida nas negociações coletivas, não sendo estranha ali a intervenção de um terceiro, aproximando as partes numa “mesa- redonda”, estimulando-as ao diálogo e objetivando extrair delas o destino final daquela controvérsia. Nas negociações que estabelecem regulamentação de normas coletivas, seja por acordo coletivo ou por convenções coletivas, a mediação se assenta como um mecanismo de pacificação.
A vinculação da mediação com o direito coletivo de trabalho é reconhecida por vários doutrinadores que, ao tratar do tema “mediação”, reservam espaço didático no tema de “conflitos coletivos”. A razão para tal vinculação se concentra na extinta “mediação compulsória” para conflitos dessa natureza, tipo de mediação que não foi recepcionado pela Constituição de 1988, como explica Xxxxxxx (2015, p. 1.549):
A ordem jurídica trabalhista anterior a 1988 previa a mediação compulsória nos conflitos laborais coletivos, a ser realizada por autoridades do Ministério do Trabalho.
[…]
A compulsoriedade da mediação pelos órgãos internos do Ministério do Trabalho não foi recebida pela Constituição (art. 8º, I, in fine, CF/88). Contudo, permanece, sem dúvida, a possibilidade fático-jurídica da mediação voluntária, quer seja ela escolhida pelas partes coletivas, quer seja, até mesmo, instigada pelos órgãos especializados do referido Ministério (sem poderes punitivos consequentes, é claro, em caso de simples omissão ou recusa por tais partes).
A utilização da mediação envolvendo conflitos coletivos tem aplicação direta na modalidade extrajudicial, restrição que se apresenta quando a controvérsia ocorre diretamente em contrato individual de trabalho, como adiante abordaremos. Xxxxx Xxxxxxx, ao conceituar a mediação, o faz ao tratar de “dissídio coletivo”, e sustenta sua aplicação extrajudicialmente:
Nesse contexto, a mediação é a forma de solução de conflitos de interesses pela qual um terceiro (mediador) emprega seus esforços na solução conciliatória do litígio. O mediador não tem poder de decisão sobre as partes, mas apenas faz propostas conciliatórias com escopo de aproximação das partes para a solução do impasse. O seu trabalho é persuasivo, mas não impositivo.
Atualmente, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego vêm atuando como grandes mediadores na seara trabalhista (PEREIRA, 2017, p. 936).
A mediação em conflitos trabalhistas no âmbito coletivo é tão apreciada que possui regramento legal de aplicação estabelecido pelos Tribunais Regionais do Trabalho, o que é positivo, porque torna a utilização do método mais transparente. No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, a presidência editou o Ato GP n.º 52/2018, a fim de atender às resoluções n.º 125/2010, do CNJ, e a n.º 174/2016, do CSJT.
No referido ato, acontece a redefinição do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Tribunal Regional, além de trazer novas diretrizes para a mediação e a conciliação pré-processuais, além da arbitragem. Seu conteúdo está limitado a disposições para solução de conflitos exclusivos, oriundos de negociação coletiva, quanto ao que dispõe, por exemplo, seu art. 1º, que estabelece:
Art. 1º O Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos Coletivos no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, coordenado e vinculado à Vice-Presidência Judicial, atuará na esfera pré- processual ou na fase de tramitação dos processos coletivos.
Embora a mediação, na seara trabalhista, seja aplicada de modo mais evidente em conflitos coletivos, para a atualidade, não se pode ter essa afirmativa como uma condição permanente. A mediação deve ser praticada como método de pacificação de conflitos individuais também, considerando o fomento da autocomposição nas diversas formas de conflitos.
Quando pensamos nos contornos normativos, observa-se que a conciliação tem seu regramento bem apresentado. Esse método é utilizado nos conflitos trabalhistas, como procedimento obrigatório no processo judicial envolvendo o contrato individual, sendo dever do magistrado praticar a tentativa de conciliação das partes.
Instaurado o dissídio individual, em audiência inicial ou una, o primeiro ato processual do juiz, antes de receber a defesa e os documentos do reclamado, é a tentativa de conciliação, nos termos do art. 846, da CLT. O magistrado, como terceiro alheio às partes, fomenta a autocomposição, momento em que, na maioria das vezes, até mesmo a pedido das partes, propõe a conciliação, sugerindo numerário que entende ser quantia interessante para composição e finalização da demanda judicial. A conciliação não acontece apenas nesse momento processual, podendo ser ofertada em qualquer momento processual, porém, de caráter obrigatório pelo menos mais uma vez no processo, no momento do encerramento da instrução processual,
antes de o Juiz proferir a sua decisão:
art. 846. Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.
§1º Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelas participantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento.
§ 2º Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo.
[…]
Art. 850. Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz presidente renovará a proposta de conciliação, e, não se realizando, será proferida a decisão.
Impor ao juiz o dever de tentar conciliar as partes, sem que ele tenha recebido a defesa e os documentos, é condição criticada, porquanto esse procedimento parece não colaborar com sua atuação no processo. O magistrado, tendo acesso à defesa e aos documentos, assim como teve da pretensão do reclamante, permite sugerir uma
melhor proposta (quando o caso for de emprego do método da conciliação) para o alcance de uma composição.
Não raras vezes, nas audiências em que os processos ainda tramitam fisicamente, o magistrado, a pedido da parte reclamada, “olha” a defesa, sem recebê- la formalmente, a fim de corroborar na formação de um juízo conciliatório. Atualmente, com os processos eletrônicos, é possível que o juiz tenha acesso à defesa e aos documentos antes de recebê-los formalmente, porque o reclamado deve juntá-los no processo eletrônico de modo antecipado.
Entendido que o processo do trabalho concentra esforços na conciliação, argumenta-se que a ausência de contato prévio com a resposta da parte reclamada, prejudica a tentativa de composição feita pelo juiz, se este não tiver acesso às alegações apresentadas por ambos os lados.
[…] Conhecer a linha de defesa, os riscos assumidos pelo empregador, a qualidade dos documentos apresentados e até mesmo a qualidade das testemunhas presentes à sala de espera são elementos fundamentais para a formação de qualquer proposta condizente com o processo (SILVA, 2018, p. 614).
Embora se possa dizer que conciliação, aqui, é a representação de um gênero autocompositivo, no qual são inseridas as técnicas de conciliação e de mediação, é difícil perceber o espaço para o emprego da mediação. Considere-se, para essa afirmação, que o tempo despendido para a realização das audiências é ínfimo. Acrescente-se, ainda, que a estrutura formal do ambiente físico não é apropriada às tentativas de conciliação por meio da mediação. As partes e seus procuradores, sentados em lados opostos da mesa, e o magistrado, em tablado com degrau, superior aos demais presentes na sessão, igualmente não se mostram adequados, quando o método é a mediação, até mesmo para uma aproximação na conciliação. A implantação de locais adequados para o atendimento, com essa finalidade, porém, já é uma realidade na Justiça do Trabalho.
Contornos normativos também foram estabelecidos, mais recentemente, para a aplicação da arbitragem como meio de solução de conflitos envolvendo contratos individuais de trabalho. Isto é, a arbitragem pode ser utilizada para a solução desses conflitos, apesar de ser um método heterocompositivo, que se apresenta sob jurisdição não estatal. Quando se tratar daqueles empregados com salário superior a duas vezes o teto máximo da Previdência Social, nos termos do art. 507-A, da CLT, e
havendo cláusula compromissória ou compromisso arbitral, poderão o empregado e o empregador solucionar a controvérsia fora do Poder Judiciário trabalhista.
Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral da Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996.
A mediação aparece como método de solução de conflitos, no âmbito coletivo do trabalho, quando uma negociação coletiva parece tendenciosa a terminar infrutífera, sendo a sessão instaurada para a promoção da composição.
O litígio, em contrato individual de trabalho, embora percorra o caminho do Poder Judiciário para sua solução, também pode receber tratamento extrajudicial, e, na maioria das vezes, sem afastar a tutela jurisdicional. Ressalte-se que não é algo novo, tendo, até mesmo, regramento legal específico.
Nesse contexto, enquadra-se a discussão sobre a impossibilidade do uso da “mediação extrajudicial” nos contratos individuais de trabalho. Na atualidade, embora sejam possíveis a extinção de contratos individuais de trabalho ou a solução de suas lides de forma extrajudicial, por meio dos mecanismos discutidos em breve, no caso do uso da mediação há vedação expressa. Dispõe a Resolução n.º 174/2016 que a mediação está restrita a magistrados e servidores, ou seja, somente sendo possível a partir da judicialização do conflito.
Quando esse teor restritivo é analisado comparativamente ao instituto das Comissões de Conciliação Prévia, que possui previsão expressa na CLT, algumas considerações são reproduzidas quanto à mediação extrajudicial nos contratos individuais de trabalho.
3.2.1 Das comissões de conciliação prévia
Para solucionar controvérsias no campo extrajudicial, empregado e empregador podem utilizar, por exemplo, as Comissões de Conciliação Prévia. Elas são organismos privados com regulamentação na CLT, entre os artigos 625-A e 625- H, e possibilitam a solução de controvérsias havidas em contratos individuais de trabalho: “art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de
Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho”.
Sua composição paritária, determinada pela norma que as regulamenta, condiciona a presença, de um lado, de membros escolhidos pelo empregador ou grupo de empresas participantes e, de outro lado, membros escolhidos pela classe de trabalhadores. A paridade também é aplicada para determinar a quantidade de membros da Comissão, sendo dividida pela metade na sua composição.
O resultado frutífero de eventual demanda levada à Comissão, se não cumprido, poderá ser objeto de execução pela via da Justiça, por se considerar o termo de conciliação um título executivo, como prescreve o art. 625-E, Parágrafo único: “O termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.”
Entre as funções das Comissões de Conciliação Prévia não estaria aquela de subsidiar as partes na solução de conflitos decorrentes do contrato individual de trabalho, valendo-se do método da mediação? Por outro lado, apesar de sua criação há duas décadas, talvez pela existência de práticas dolosas com prejudicialidade especialmente a trabalhadores, o instituto não tenha alcançado espaço para a finalidade que se propôs. A doutrina revela que a partir da criação das Comissões de Conciliação Prévia surgia uma esperança em tentar desafogar a Justiça do Trabalho. Xxxxxxx era a investida que sua implantação tinha como regra inicial a submissão das demandas de maneira prévia na Comissões de Conciliação, antes mesmo de eventual necessidade de busca pelo Poder Judiciário. Ou seja, para a propositura de uma reclamação trabalhista, por exemplo, seria necessário primeiramente ter submetido o conflito ao referido órgão, caso já estivesse constituído.
No entanto, condutas desprovidas de moral e de bons costumes, carregadas de ilicitude, fizeram com que o instituto perdesse força. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx explica que o desvirtuamento da finalidade do instituto suplantou o propósito de desafogamento do judiciário trabalhista, a ponto do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.139-7 e 2.160-5) se posicionar pela facultatividade da submissão destas demandas às Comissões de Conciliação:
O sonho tornou-se um pesadelo quando começaram a surgir denúncias de cobranças de taxas e valores estranhos ao conceito das comissões e, tanto pior, denúncias de homologação de verbas rescisórias (art. 477, com a
redação vigente à época) que assumiam natureza de homologação de acordo com eficácia liberatória geral (art. 625-E, parágrafo único), para desespero do trabalhador (XXXXX, 2018, p. 465).
Certamente, um dos motivos que evidenciam a resistência de a Justiça do Trabalho reconhecer a atividade não jurisdicional atuando na solução de conflitos individuais de trabalho é a insegurança pelo risco de lesão a direitos dos trabalhadores. Infelizmente, dado a histórico anterior desfavorável, tais condutas acabam por exigir maior intervenção do Estado nessas relações, afastando, por ora, a mediação extrajudicial direta, das lides envolvendo o contrato individual de trabalho.
3.2.2 Mediação na Justiça do Trabalho a partir da Resolução n.º 174/2016, do CSJT
Depois da intensa campanha para a utilização da autocomposição em detrimento de solução de conflitos por meio de decisões judiciais, com várias mudanças legislativas, a Justiça do Trabalho também precisou normatizar procedimentos no mesmo sentido.
A Resolução n.º 174/2016, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, foi o instrumento utilizado para regulamentar a autocomposição (conciliação e mediação), além da implantação de órgãos especializados na aplicação desses métodos. A postura de proteção aos interesses dos trabalhadores e de intervenção nas relações trabalhistas é uma marca na resolução; e é possível que assim tenha se firmado ao considerar a experiência vivenciada, por exemplo, a partir das Comissões de Conciliação Prévia.
Talvez seja esse o sentido da Lei n.º 13.140/15 (Lei da Mediação), quando, em seu art. 42, parágrafo único, especificou que “a mediação nas relações de trabalho será regulada por lei própria.” A desconfiança de que interesses trabalhistas protegidos serão violados impõe certa rigidez, o que colabora negativamente com a efetividade da Justiça. Daí porque a Resolução n.º 174/2016, do CSJT, fixa o uso da mediação e da conciliação exclusivamente por magistrados e servidores.
Pelo teor do que dispõe a resolução, haverá vedação se a pretensão for utilizar a mediação extrajudicial como mecanismo de solução de conflitos envolvendo o contrato individual de trabalho. No entanto, sua utilização seria de tamanha presteza, até mesmo por intermédio das Comissões de Conciliação Prévia.
Diante de toda mobilização estimulando a solução de conflitos de modo autocompositivo, a Justiça do Trabalho, por meio de seus órgãos diretivos, deve buscar o aprimoramento de seus institutos que já possuem a característica de autocomposição.
No contexto do mal uso das Comissões de Conciliação Prévia e a necessidade de validade dos meios autocompositivos, Freitas Junior (2017, p. 151) faz considerações importantes sobre a Justiça do Trabalho, a fim de afastar a ideia de “balcão de homologação de rescisões de contrato de trabalho” e afirma:
[...] o fato de existir um sistema de autocomposição idôneo, controlado e supervisionado, à altura de conferir efeito liberatório de rescisões de contratos de trabalho, faz com que a Justiça do Trabalho acabe funcionando como balcão de homologação de rescisões de contratos de trabalho, num movimento artificial de litigiosidade induzida, quando não mesmo produzido pela simulação fraudulenta das conhecidas “casadinhas”. Isso faz com que seja abarrotada de reclamações desacompanhadas de conflito – motivadas apenas pelo propósito de obtenção de eficácia liberatória de quitação do contrato de trabalho – retirando-lhe energia que poderia ser endereçada ao enfrentamento dos grandes desafios hermenêuticos do direito do trabalho dos nossos tempos.
Cumprindo o comando do Conselho Nacional de Justiça sobre o estímulo à composição (Resolução n.º 125/2010), a Justiça do Trabalho, por meio do ato conjunto n.º 9, de 11 de março de 2016, entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, institui a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação.
Ao instituir a Comissão, a Justiça do Trabalho teve como consideração para a prática desse ato, dentre outros, o reconhecimento da expansão das atividades conciliatórias por parte da Justiça Comum, a efetividade da prestação jurisdicional e a necessidade de cumprimento do comando constitucional da celeridade processual.
Entre as atribuições da Comissão Nacional de Promoção à Conciliação está, nos termos do art. 2º, I, “propor, planejar e auxiliar a implementação de ações, projetos e medidas necessárias para conferir maior efetividade à conciliação trabalhista.” A leitura que se faz do termo “conciliação” aqui, nesse contexto, deve ser de um gênero no qual a mediação está incluída.
No mesmo ano em que a Justiça do Trabalho institui a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação, o Conselho Superior editou a Resolução n.º 174, que dispõe acerca da “política judiciária de tratamento adequado das disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista”.
Esse instrumento permitiu regulamentar as atividades da Justiça do Trabalho voltadas para a autocomposição, de modo a trazer uniformização ao instituto no âmbito nacional. Tem por finalidade apresentar uma estrutura funcional com a criação de Núcleos permanentes e Centros Judiciários nos quais essas atividades são desenvolvidas quando o assunto é relação de trabalho.
A referida norma interna de organização do Poder Judiciário Trabalhista, a qual foi instituída para a implantação estrutural e uniformização dos procedimentos, considera que, nos Tribunais em geral, esses Núcleos e Centros promovem a conciliação.
Dentre outros argumentos, também justificam a necessidade dessa política judiciária, considerando a necessidade de responsabilidade social que a envolve, além do acesso à Justiça, uma ordem jurídica justa.
Da análise feita sobre a Resolução n.º 174/2016, do CSJT, é possível perceber o reconhecimento da Justiça do Trabalho em relação à efetividade dos métodos da conciliação e mediação como instrumentos de pacificação social e de prevenção de litígios.
Ao justificar a edição da resolução, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho afirma que os métodos autocompositivos são formas de “cumprimento da prestação jurisdicional”, reconhecendo, assim, a importância da conciliação e da mediação.
A Resolução começa definindo os métodos da mediação e conciliação, tratando-os como sendo “meio alternativo de resolução de disputas”. A esse respeito, é preciso dizer que o termo “meio alternativo” pressupõe concluir que a Justiça do Trabalho tem a mediação e a conciliação como sendo uma alternativa para a solução de conflitos trabalhistas em relação à heterocomposição estatal. Assim, alternativamente, a lide, ao invés de ter na “sentença” o desfecho da pretensão discutida, poderá receber tratamento autocompositivo, ou seja, uma solução pelas partes.
Essa expressão utilizada pela Justiça do Trabalho recebe da doutrina um apontamento de cautela, o que nos faz pensar se, na atualidade, ela seria a mais coerente, já que o propósito é o de estimular cada vez mais a utilização desses métodos. Considerar a mediação e a conciliação com um “meio alternativo” pode soar como um tratamento secundário em relação à solução por meio de decisão judicial. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Neves (2015, p. 30) prefere a utilização do termo “equivalentes jurisdicionais”, o qual nos parece mais correto:
Registro que não concordo com a parcela doutrinária que prefere renomear a autocomposição e a mediação como “meios adequados” de solução de conflitos, porque adequado é resolver o conflito, não se devendo afirmar a priori ser um meio mais adequado do que outro. Se esses são meios adequados, o que seria a jurisdição? O meio inadequado de solução de conflitos? Compreendo que atualmente não seja mais apropriado falar em meios alternativos, que daria uma ideia de subsidiariedade a tais meios de solução de conflitos, mas, certamente, chamá-los de “meios adequados” não parece ser o mais conveniente. Por isso é preferível denominá-los simplesmente de “equivalentes jurisdicionais”.
Os conceitos de mediação e conciliação também apresentaram outros aspectos similares, até mesmo em sua descrição literal. O art. 1º da referida norma indica que, tanto na mediação como na conciliação, as partes “confiam à terceira pessoa – magistrado ou servidor público por este sempre supervisionado – a função de aproximá-las, empoderá-las, orientá-las na construção de um acordo”. Observe-se inexistir, até este momento da definição dos dois métodos, para a Justiça do Trabalho, qualquer diferença entre ambos.
Outro ponto similar do conceito indica que será possível fazer uso de um ou de outro método “sempre que já houver lide instaurada”. Embora a resolução não esclareça o contexto do termo “lide” aqui, supõe-se tratar-se não apenas de lide processual, considerando a permissão de utilização da mediação pré-processual quando se tratar de conflitos coletivos.
A única diferença encontrada na descrição dos conceitos se resume às preposições “com” e “sem”, identificando a possibilidade de o conciliador, em sua atuação, criar ou propor opções de composição, enquanto ao mediador essa conduta não é permitida.
A literalidade da resolução procura também trazer o termo “conflito” em um sentido restrito, como sendo uma parte integrante da disputa judicial. Para fins de política judiciária nacional de tratamento adequado de solução de disputas de interesses no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista (disposição no preâmbulo da resolução), “disputa” é considerada a partir da judicialização da lide.
A composição da disputa, segundo a resolução, resulta da questão jurídica e do conflito. O primeiro “é a parte da lide que envolve direitos e recursos que podem ser deferidos ou negados em Juízo”, enquanto o conflito está considerado como sendo a parte da lide que não envolve direitos e recursos passíveis de provimento jurisdicional.
O certo é que a instituição de uma política judiciária nacional das disputas de interesses trabalhistas, visando ao aprimoramento das soluções de conflitos, inserindo a mediação como um de seus métodos, expandirá sua utilização, o que permitirá, cada vez mais, o aperfeiçoamento.
A mediação, que era tratada como método exclusivo das negociações coletivas no campo extrajudicial, agora ganha espaço para emprego de forma mais ampla. Isso ocorre porque não houve, na resolução, qualquer restrição de sua utilização apenas a conflitos coletivos, o que permite seu emprego nos conflitos envolvendo o contrato individual de trabalho, exceto em lides ainda em fase pré-processual.
O Conselho Superior da Justiça do Trabalho não definiu especificamente o campo de atuação dos mediadores. A resolução não indica sua utilização apenas nos dissídios coletivos, o que faz da mediação um método possível, também, quando a controvérsia envolve a relação entre empregado e empregador.
Com isso, surge, então, a necessidade de pesquisar como a mediação pode contribuir com a efetividade da justiça na resolução dos conflitos envolvendo contrato individual de trabalho, a partir da implantação dessa política judiciária.
O programa instituído fixa parâmetros de incentivo à pacificação social, trata da estrutura e do funcionamento de Núcleos Permanentes e de Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas. São nos Cejuscs que a aplicação dos métodos da mediação e conciliação se desenvolvem, como foi possível destacar neste trabalho a partir da pesquisa empírica.
Sendo possível a utilização da mediação também em dissídios individuais, o Centro Judiciário de Método Consensual de Solução de Disputas, órgão de submissão ao Núcleo Permanente (Nupemec-JT), nos termos do art. 6º, da Resolução n.º 174/2016, está com a responsabilidade das sessões de autocomposição:
Art. 6º. Os Tribunais Regionais do Trabalho criarão Centro(s) Judiciário(s) de Métodos Consensuais de Solução de Disputas - CEJUSC-JT, unidade(s) do Poder Judiciário do Trabalho vinculado(s) ao NUPEMEC-JT, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação de processos em qualquer fase ou instância, inclusive naqueles pendentes de julgamento perante o Tribunal Superior do Trabalho.
Ao organizar a atuação do Cejusc-JT, a norma enfatiza a atuação constante do magistrado, inclusive com sua presença física. Isso na prática, realmente foi possível constatar nas sessões que acompanhei e foram aqui relatadas.
Sua atuação ali não se limita a ser mediador e conciliador, mas, também, supervisor das atividades dos servidores e coordenador dos Centros. Essas designações, contidas na resolução, demonstram a cautela da Justiça do Trabalho com tais procedimentos de solução de conflitos, preocupação essa já apontada aqui, afastando, por exemplo, a atuação de outros mediadores e conciliadores.
Com isso, aponta-se ser indiscutível a cautela e a preocupação na preservação da essência do direito e processo do trabalho, que é a proteção do trabalhador. A organização do Cejusc-JT deixou bastante claro esse posicionamento, o que é essencialmente importante, dadas as constantes investidas políticas e econômicas que objetivam precarizar tais direitos, a exemplo do que aconteceu com a recente reforma trabalhista em vários aspectos.
Ressaltamos que o art. 7º, § 8º, da referida resolução, impede que haja uso desses métodos autocompositivos por quem não seja magistrado ou servidor, afirmando que “fica vedada a realização de conciliação ou mediação judicial, no âmbito da Justiça do Trabalho, por pessoas que não pertençam aos quadros da ativa ou inativos do respectivo Tribunal Regional do Trabalho.”
A respeito dessa vedação, pensamos o quão interessante seria a própria Justiça do Trabalho manter um quadro especializado de mediadores e conciliadores, dedicados diuturnamente a questões de autocomposição. Isso permitiria aos magistrados uma atuação específica, por exemplo, em causas complexas que dependam, necessariamente, de uma decisão heterocompositiva. Ao contrário, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho preferiu determinar aos Tribunais Regionais que mantenham a capacitação de pessoal xx xxxxxxx xxxxxxxx, x xxxx xx § 0x, xx xxx. 0x: “Os Tribunais Regionais do Trabalho manterão, no CSJT, cadastro de todos os servidores capacitados e formados em cursos especificados de conciliação e mediação, para eventuais convocações em eventos nacionais e mutirões”.
A Justiça do Trabalho, seguramente, abre o espaço para o emprego do método da mediação. Uma das características desse método é a necessidade de utilização de tantas sessões quantas forem precisas, objetivando alcançar a composição. Não se furtou à tal característica quando estabeleceu que a sessão (embora tenha utilizado o termo “audiência” - art. 7º, § 5º) será fracionada sempre que necessário, visando alcançar a solução pela autocomposição. Ainda, como garantia, estabeleceu a possibilidade, se necessário, de providências jurisdicionais que preservem eventuais direitos que, em razão da elasticidade das sessões, possam perecer.
A Resolução n.º 174/2016, insere, assim, a mediação como método de solução de conflitos trabalhistas, seja em dissídio coletivo, como sempre utilizado, seja em dissídio individual. É certo que com sua definição muito similar à conciliação e às cláusulas abertas quanto ao tipo de conflito, seu emprego permitirá importantes debates a respeito do tema.
Entretanto, ao fazer um contraponto à impossibilidade do uso da mediação extrajudicial, diante de uma lide envolvendo contrato individual de trabalho, trago à baila permissivos legais que devem ser considerados, atualmente, como precedentes, antes de afastar a possibilidade da aplicação desse método de forma extrajudicial. A cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a homologação de acordo extrajudicial, ambos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho a partir da reforma trabalhista sinalizam para sua utilização fora do judiciário. Sem contar a própria Comissão de Conciliação Prévia que está no âmbito privado. A ocorrência do método da mediação pode acabar por ser utilizada extrajudicialmente, como um mecanismo indireto, já que não encontra guarida no modo como fora positivado.
3.2.3 A mediação extrajudicial
Apesar desse cuidado para manter afastada a solução de conflitos trabalhistas de forma extrajudicial, o tema entra em discussão novamente com a edição da Lei n.º 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista). Dentre as alterações trazidas pela referida, dois dispositivos tratando sobre o acordo extrajudicial permitem a negociação entre empregado e empregador sem a intervenção direta.
A primeira modificação que destacamos, embora não se apresente como um pressuposto à instauração de uma lide, reflete a manifestação de vontade do trabalhador negociando com seu empregador de modo particular. Trata-se da nova modalidade de cessação do contrato de trabalho no art. 484-A, da CLT:
Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I - por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no §1º do art. 18 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas
§ 1º A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2º A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Xxxxxx Xxxxxxxxxx.
O objetivo desse dispositivo era resolver o problema da prática ilegal do acordo realizada entre empregador e empregado. Nesse tipo de acordo extrajudicial, o trabalhador, desejoso em não mais prestar seus serviços, e o empregador, interessado em não manter aquela mão de obra, ajustam, no particular, quais verbas serão liquidadas.
Normalmente, tais ajustes resultam no tipo de dispensa como sendo a modalidade “sem justa causa”, permitindo ao trabalhador o levantamento do FGTS depositado, podendo, ainda, ter acesso ao programa do seguro-desemprego. A contrapartida para o empregador é o não pagamento da multa de 40% sobre o Fundo de Garantia, burlando a legislação trabalhista de forma que faça parecer haver sido pago tal verba indenizatória.
Não raro o empregado precisa pedir demissão por motivos pessoais relevantes, como mudança repentina de cidade, doença na família ou prioridade aos estudos, e perde praticamente todos os benefícios a que faria jus pela rescisão contratual. Então, ele “pede para ser mandado embora”, o que é, no direito do trabalho, um contrassenso. Afinal, a iniciativa da rescisão foi dele e não do empregador. Vários embaraços surgem a partir dessa dinâmica, tais como a exigência da empresa para que o empregado “devolva” a multa de 40% ou, ainda, a exigência de cumprimento de aviso prévio para treinar outro empregado para o posto (SILVA, 2018, p. 367).
Será preciso algum tempo para observar a ocorrência ou não de nocividade dessa regra. No entanto, duas conclusões parecem lógicas. A primeira é de que ela não se prestará à finalidade de terminar com “acordos ilegais”, pois o empregado que faz o acordo também pretende acessar o Programa do Seguro-Desemprego, além do soerguimento do saldo de FGTS, o que não é permitido, nesse caso.
A segunda é que a regra escancara a vulnerabilidade, deixando o trabalhador completamente à mercê do melhor interesse do empregador. Essa afirmação decorre da supressão, a partir da reforma trabalhista, da obrigatoriedade de homologação das rescisões de contrato por parte dos Sindicatos ou das Superintendências Regionais do Trabalho, órgãos fiscalizadores na preservação de interesses dos trabalhadores no âmbito extrajudicial.
Como contraponto ao não uso da mediação extrajudicial, menciono a inserção da chamada “Homologação de Acordo Extrajudicial”, negociação extrajudicial entre
empregado e empregador, a qual é realizada no âmbito privado. Nesses casos, a lide nem chega a ser judicializada.
A Lei n.º 13.467/17, também insere, no art. 652, da CLT, que trata da competência das Varas do Trabalho, a letra “f”, estabelecendo que é sua a decisão em relação à homologação de acordo extrajudicial, nas matérias que sejam de sua competência.
Os requisitos necessários para a homologação judicial de acordo feito fora do Poder Judiciário também foram fixados na CLT a partir da reforma trabalhista e estão positivados entre os arts. 855-B e 855-E. Estamos tratando de uma composição firmada fora do âmbito judicial, sendo levada à Justiça apenas para ser homologada. Daí sua inserção como sendo um processo de jurisdição voluntária, em que as partes, conjuntamente, assistidas obrigatoriamente por seus respectivos advogados que não podem ser comuns, pleiteiam a homologação do acordo.
Algumas discussões envolvem o assunto do pedido de homologação para acordo realizado previamente ao ingresso de demanda judicial. Fala-se nos cuidados com as chamadas “lides simuladas”, preparadas sob o manto de um falso processo litigioso, com as partes utilizando-se da Justiça do Trabalho apenas como “carimbador” de acordos.
Ressalte-se que tais composições, por vezes, evidenciam um privilégio maior, não sendo, por óbvio, a pessoa do empregado. Xxxxxx Xxxxxxx (2018, p. 628) explicita os contornos que envolvem a homologação pela Justiça de acordos previamente preparados que, ao nosso sentir, restando ou não agora regulamentado como um processo de jurisdição voluntária, ainda estará sujeito às mesmas mazelas:
Os juízes do trabalho desenvolveram grande preocupação com o crescimento de lides simuladas, assim entendidos os falsos processos trabalhistas, feitos exclusivamente para se obter a homologação de um acordo capaz de quitar todo o contrato de trabalho. Dado que o Brasil não oferece canais adequados para diálogo social e dada a estrutura confusa sindical com que convivemos ao longo dessas décadas, involuntariamente a Justiça do Trabalho se tornou um raro espaço para a apresentação das queixas, críticas e anseios do direito do trabalho.
Para o dono do capital, é um “negócio” vantajoso, durante o contrato de trabalho, fraudar a legislação trabalhista e suprimir direitos de seus colaboradores por não ter nem mesmo quem adequadamente fiscalize se cumpre ou não com suas obrigações. Do outro lado, verifica-se a figura do menos favorecido que, por vezes,
submete-se à prestação de serviços sem a correta contraprestação, porque a meta principal e, às vezes, exclusiva de sua cessão de mão de obra é a subsistência. Dessa forma, fica o espaço para a produção das mais diversas propostas ilegais, como descreve Xxxxxx Xxxxxxx (2018, p. 628):
Foi assim que muitos perceberam a enorme vantagem de “forçar” um acordo trabalhista como maneira eficaz de pôr fim ao litígio, mas também a expectativa de litígios futuros. Para viabilizar os acordos, muitas empresas simplesmente diziam a seus empregados: “vá procurar seus direitos”, porque era preferível pagar os valores perante o juiz do trabalho a pagá-los no departamento pessoal, e, depois, ter de recalculá-los. Outras empresas mais afoitas, ao invés de esperarem o empregado procurar seus direitos, contratavam advogado para o próprio empregado, forjavam uma petição inicial qualquer e apareciam à audiência judicial com um acordo pronto.
Ainda que a legislação se apresente como um mecanismo inibidor das condutas aqui mencionadas, mesmo com os requisitos legais estabelecidos, os processos simulados ou também chamados de “casadinhas” ainda serão possíveis. Nesse caso, o problema não se concentra na positivação ou não de regras, mas, certamente, na conduta dos atores.
Embora, à margem dessas discussões, é relevante pensar sobre o acordo extrajudicial e a mediação não estatal. Se um acordo pode ser firmado extrajudicialmente, para ser em seguida homologado pelo Poder Judiciário, sem a atuação de um terceiro imparcial escolhido pelas partes mediando o conflito, então, qual será a prejudicialidade ou retrocesso na presença de um mediador não magistrado ou servidor atuando na solução do conflito?
Com tais apontamentos, é plausível indagar sobre o uso da mediação extrajudicial nos contratos individuais de trabalho. Não seria aplicável, valendo-se dos critérios contidos no processo de jurisdição voluntária, para homologação de acordo extrajudicial? Seria o caso de se considerar a mediação privada com a homologação do acordo perante a jurisdição estatal, sem a necessidade da presença de advogados, visando, aqui, observar o princípio do “jus postulandi”,16 desonerando, com isso, o procedimento? A relação capital versus trabalho atual ainda se mantém em condições desproporcionais a ponto de depender sempre da tutela jurisdicional?
16 “O jus postulandi é uma das principais características do Processo do Trabalho, uma vez que traduz a possibilidade de as partes (empregado e empregador) postularem pessoalmente na Justiça do Trabalho e acompanharem suas reclamações até o final, sem a necessidade de advogado (art. 791 da CLT)” (XXXXXXX, 2017, p. 77).
Sustentando a possibilidade do emprego da mediação trabalhista extrajudicialmente, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx (2016, p. 21), Juiz do Trabalho, apresenta como possíveis protagonistas os sindicatos:
A oferta da mediação trabalhista extrajudicial parece-nos possível por meio dos sindicatos, aos quais, historicamente, no direito brasileiro, se conferiu a função de assistência rescisória e solução não judicial de conflitos, no respectivo âmbito de sua representação, como ocorre com a conciliação por intermédio de dois institutos já presentes no direito brasileiro há quase duas décadas: as Comissões de Conciliação Prévia (art. 625 A-G, CLT) e os Núcleos Intersindicais de Comissão Trabalhista (art. 625-H, CLT).
Não posso deixar de destacar que, no ano seguinte ao que escreveu Xxxxxxxxxxx, a reforma trabalhista foi aprovada e entrou em vigor, trazendo, dentre outras, uma condição de enfraquecimento na estrutura sindical. Com a reforma trabalhista, a contribuição sindical, um dos principais pilares do custeio confederativo, deixou de ser obrigatório, o que resultou em sensível perda econômica, o que desestruturou essas entidades.
Embora a estrutura sindical se encontre fragilizada, permanece sendo o sistema associativo de maior relevância quando o assunto é direito do trabalho. À margem da importante figura dos sindicatos na solução de conflitos, a partir da Lei n.º 13.140/15, encontram-se o mediador ou as câmaras de mediação. Apesar da referida lei expressamente afirmar que a mediação trabalhista se dará por lei própria, não há vedação expressa quanto à sua utilização.
Assim, seria possível adotar uma mediação de conflitos envolvendo contrato individual de trabalho, realizada por mediadores privados certificados pela própria Justiça do Trabalho? Com mediadores e suas câmaras, recebendo treinamento específico do órgão para atuação?
Essa possibilidade certamente contribuiria com a efetividade da Justiça, na medida em que magistrados e servidores permanecerão designados para atuação. No entanto, naqueles casos de maior complexidade, proporcionando, inclusive, menor número de ações judiciais.
Esses são questionamentos aplicáveis, especialmente se considerarmos que a regulamentação atual do uso da mediação no processo do trabalho é anterior à criação da homologação de acordo extrajudicial.
3.3 ASPECTOS PRÁTICOS DA RESOLUÇÃO N.º 174/2016 DO CSJT
A partir da Resolução n.º 174/2016, muitos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas foram criados e, neles, desenvolvem-se as tratativas de composição.
Como descrito na resolução, diversos processos, dos mais variados assuntos em pauta e em suas várias fases processuais, são distribuídos ou encaminhados pelas Varas aos Cejuscs.
Esse movimento das lides direcionadas aos Centros Judiciários, apesar da variação, devem receber um “filtro” do(a) Juiz(a) ou Tribunal que o submete. Tanto é assim que não houve modificação na norma processual, afastando do magistrado o chamado “juízo conciliatório”. Ainda cumpre ao magistrado, em sua atuação, desenvolver a composição, podendo, nesse ato processual, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx (2016, p. 21), valer- se da mediação:
A mediação endoprocessual não exclui a possibilidade de o próprio juiz do trabalho, no exercício do “juízo conciliatório”, praticar a mediação – do mesmo modo como ocorre com a conciliação – e se valer de algumas de suas técnicas quando entender o que conflito a ser tratado pode ser mais bem resolvido com o emprego do modelo misto de mediação.
Embora haja prerrogativa do magistrado em desenvolver a tentativa de conciliação, o que a prática tem demonstrado é que, nesse ato processual, a competência tem sido deslocada para aqueles magistrados que coordenam e supervisionam os Cejuscs.
Assim, nas disputas envolvendo contratos individuais de trabalho, verifica-se a atuação e a proatividade dos magistrados e dos servidores que atuam nesse órgão criado pelo Justiça do Trabalho para a solução autocompositiva das demandas. Sua dinâmica pôde ser acompanhada empiricamente, especialmente buscando perceber, na prática, a utilização dos métodos, em especial, da mediação.
3.3.1 O Cejusc na prática trabalhista e o uso da mediação
A partir da experiência de campo, foi possível uma coleta de dados que permitiu reunir a teoria e a prática na análise aqui apresentada.
Como o propósito desta pesquisa é o de discutir a mediação nos contratos individuais de trabalho, concentramos a pesquisa de campo no que se refere ao acompanhamento de sessões de autocomposição, com recorte de estudos especialmente no Cejusc-Sul, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
O Cejusc-Sul contava no momento da pesquisa com uma magistrada responsável pela coordenação, conciliadores/mediadores servidores, além de servidores auxiliares (três técnicos judiciários e dois analistas judiciários).17
Os pontos de observação da pesquisa de campo foram destacados nos tópicos a seguir descritos. No entanto, o que buscamos ao acompanhar as sessões foi saber como e se há, na prática do Cejusc trabalhista, o emprego da mediação.
3.3.1.1 As sessões e as audiências de conciliação e de mediação realizadas na pandemia do Covid-19
Na pesquisa empírica, reuni informações sobre a prática das audiências e das sessões trabalhistas de conciliação e mediação. Acompanhar a realidade desses atos judiciais permitiu-me analisar como os comandos apresentados na resolução 174/2016 tem se desenvolvido na prática jurídica trabalhista.
A pesquisa foi realizada durante o período em que vigorou as medidas de restrição em razão da pandemia da Sars-Covid-19. Por esse motivo, todas as audiências e sessões aconteceram por meio de videoconferência. O acesso foi autorizado pelos Juízes das Varas e do Cejusc-JT, sendo possível o acompanhamento a partir do recebimento dos links de acesso.
Esses links de acesso para participação das sessões e audiências, usualmente, são disponibilizados somente para as partes e advogados do processo, razão pela qual houve a necessidade de autorização da juíza coordenadora do Cejusc-Sul e dos magistrados lotados nas Varas do Trabalho.
Apresentei questionamentos sobre a necessidade de autorização por parte do magistrado para participação, considerando que, presencialmente, as sessões e audiências são públicas, exceto nos casos de segredo de justiça. A resposta é que o coordenador do Cejusc tem essa orientação por parte do órgão ao qual os Cejuscs estão vinculados, o Nupemec. Em contato prévio que realizei com o referido órgão,
17 xxxxx://xx0.xxx0.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxx-xx-xxxxxxx/ - consulta em: 03/09/2020.
também por e-mail, seu diretor confirmou que a participação como ouvinte nas sessões estaria a cargo dos juízes responsáveis por cada Cejusc.
A autonomia que possui cada magistrado coordenador responsável pelos Cejuscs é, em si, uma informação relevante. A mesma autonomia e discricionariedade notei quando tentei acompanhar as sessões de outro Cejusc vinculado ao mesmo TRT2. Implantado na cidade de Barueri e atendendo a várias comarcas da grande São Paulo, o Cejusc dessa cidade recebe processos de diversas Varas, de comarcas contíguas, por exemplo, das cidades de Itapecerica da Serra, Taboão da Serra, Embu das Artes, Cotia, Carapicuíba, dentre outras.
Na tentativa de acompanhar sessões virtuais naquele Cejusc, em contato por telefone com o diretor daquele órgão, recebi a informação de que não seria possível a participação. A fundamentação para a negativa foi a de que minha presença ou de qualquer ouvinte fere o “princípio da confidencialidade”, aplicado aos procedimentos que envolvem a conciliação e a mediação no Cejusc. Note que o mesmo princípio é aplicado por todos os Centros Judiciários, até mesmo naquele em que participei das sessões, mas, nem por isso, houve vedação, prova de que realmente se opera a autonomia dos magistrados coordenadores inclusive quanto a interpretação principiológica.
Diante do estado de calamidade vivenciado, e com o propósito de continuar a prestação de serviços aos cidadãos, o Poder Judiciário, em toda sua jurisdição, de modo excepcional, cessou atividades presenciais.
Por meio de resoluções, portarias, dentre outros instrumentos jurídicos, fixou procedimentos para a realização desses atos processuais por meio eletrônico, observando protocolos de medida de segurança para a continuidade da prestação jurisdicional.
Exemplo disso é o ato n.º 11, de 23 de abril de 2020, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho,18 no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, que suspendeu atividades presenciais, além de uniformizar procedimentos para armazenamento das audiências por videoconferência.
Tais providências permitiram que entre os meses de setembro e novembro do ano de 2020, fosse possível o acompanhamento das sessões de mediação e conciliação no Cejusc-Sul, do TRT2.
18Disponível em: xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxxxx-xxxx-xxxxxxxxxxx-x- audiencias-durante-pandemia/. Acesso em: 18 out. 2020.
Além de sessões no Cejusc-Sul, foi possível acompanhar audiências em algumas Varas do Trabalho, como na 15ª Vara, do Fórum Trabalhista da Zona Sul de São Paulo e Vara Única do Trabalho, da comarca de Embu das Artes, cidade da região metropolitana da grande São Paulo.
Não se pode deixar de mencionar o prejuízo para a pesquisa dos atos presenciais. As sessões e audiências virtuais, em razão da pandemia, impossibilitaram capturar reações peculiares dos sujeitos processuais, daquelas pessoas envolvidas, o que seria possível se fossem presencialmente. A expressão de um sentimento por gestos, a influência do calor humano, da naturalidade das palavras são prejudicadas quando o contato se dá por intermédio de instrumentos mecanizados, como as sessões por videoconferência.
Se, por vezes, as pessoas já se apresentam, presencialmente, com tamanha dificuldade para se expressar naquele ambiente carregado de formalidades, como são os forenses, isso é difícil também por meio de câmeras e todo o aparato tecnológico próprio para situações de distanciamento social.
A falta de costume com o ambiente virtual e com os meios tecnológicos, a dificuldade de acesso e de equipamentos, dentre outros fatores, contribuem com o aumento da ansiedade. É retirada do participante, de certa forma, a concentração no que está sendo objeto da audiência ou sessão. As emoções e a atuação das partes, procuradores e mediadores/conciliadores, ficam à margem do conteúdo do conflito.
Em alguns momentos, a fala do interlocutor se apresenta com recortes por falhas na internet; outras vezes, a parte inicia uma fala quando seu microfone está desligado e, ao ser avisado disso, tem que recomeçar.
Outras vezes, é a imagem do participante que deixa de ser apresentada. Isso quando o problema não é maior, como a dificuldade de ingressar na sala virtual, deixando, assim, a parte, de acompanhar os trabalhos, ficando a cargo de seu advogado habilitado no processo, com poderes para transigir, expressar os reais interesses da parte envolvida no conflito.
Nota-se, portanto, que a presença física permite ao interlocutor uma melhor aproximação das partes, acolhendo-as de forma que se sintam confortáveis e seguras para expressar seus sentimentos e opiniões.
Por vezes, é possível a exposição de opinião e de sentimentos sem a necessidade de fazê-la por interposta pessoa (pelo procurador), possibilitando, assim,
melhor resultado no desfecho que se espera com aqueles procedimentos de tentativa de autocomposição, seja pela mediação ou conciliação.
Estamos tão acostumados com a conexão física que resultados atingidos no ambiente virtual, naqueles atos que foram autorizados a se proceder desse modo, resumem-se àqueles em que menor foram as necessidades de discussão da relação interpessoal entre os envolvidos.
O sentimento de se caminhar pelos corredores vazios e apagados do Tribunal talvez represente o distanciamento que se apresenta nas audiências virtuais. Por mais esforço de servidores e juízes, advogados e partes, para ofuscar a preocupação com o uso de recursos tecnológicos, ficou evidente que a interação presencial é essencial para contribuir com a humanização do processo e para se alcançarem melhores resultados com a autocomposição.
3.3.1.2 Dos processos encaminhados ao Cejusc
Na pesquisa empírica, percebemos a importância de identificar os processos e suas fases quando em tramitação no Cejusc. A Resolução 174/2016 é expressa em atribuir competência aos Cejuscs para atuar em processos estando em qualquer fase ou instância (art. 6º, “caput”). No entanto, para contextualizar a efetividade da mediação nos contratos individuais de trabalho, é preciso observar quais processos devem tramitar por esse órgão, definindo quais disputas, fases processuais e momentos são os mais adequados para atuação dos conciliadores.
Considerando que, na Justiça do Trabalho, o acordo é possível em qualquer fase do processo, de certo modo, é natural que a atuação do Cejusc compreenda o mesmo procedimento, e, talvez, até pela intrínseca característica conciliatória dessa Justiça especializada, assim se destinou a atuação dos Centros de Solução de Controvérsias.
No entanto, é preciso reconhecer que, a depender da sua estrutura física, dos recursos humanos, bem como dos processos em trâmite, o resultado pode ser otimizado. Para tanto, é preciso analisar se os processos encaminhados ao Cejusc estão em fase ou situação de melhor aproveitamento dos serviços dos conciliadores. Nas sessões acompanhadas, os conciliadores atuam, com esmero, em processos variados, nas suas diversas fases. São processos em fase inicial, que as defesas ainda não foram recebidas; processos cujas partes já se conversaram extra-
autos e que, fora do processo, já chegaram a uma composição. Outros, são processos na fase instrutória, próximos de serem sentenciados.
Ainda existem aqueles casos em que o processo se encontra na fase de liquidação, momento processual no qual as partes discutem qual cálculo apresentado deve ser homologado pelo Juiz.
Até mesmo aqueles processos que estão na fase de execução são encaminhados ao Cejusc. Nessa fase, na qual os bens do devedor podem já aparecer penhorados pelos atos de constrição, pouco há a se fazer, pois nada da demanda será discutido, senão como poderá ser pago o valor devido, ou seja, nenhum conflito ali que possa ser mediado.
Percebi que a amplitude de processos deixa de otimizar a atuação dos servidores e juízes, pois nem todas as fases processuais demandam técnica específica de mediação ou conciliação.
Por outro lado, quando o assunto é conciliação e mediação, o Cejusc tem seu campo de atuação bastante elástico e exigirá de seus interlocutores uma boa técnica para visualização de resultados.
Indago se não poderia o Cejusc atender somente àquelas demandas que exigem o emprego específico das técnicas de mediação e conciliação? Não seria conveniente às Varas deixarem de encaminhar aqueles processos de cunho exclusivamente negocial ou que a matéria não permitirá o emprego de tais técnicas? É importante pensar sobre esses questionamentos, porque utiliza-se um tempo considerável desde a abertura da sessão até seu termo final. Por vezes, consome-se, com uma demanda de fase sem necessário emprego de métodos específicos, um
período que poderia ser utilizado em outra demanda cujo emprego seria aplicável.
Cronometrando o tempo, apuramos que cada sessão tem uma duração média de 45 minutos, embora também tivesse acompanhado sessões atípicas, com quase duas horas de duração. Pensando na produtividade eficiente, nesse quesito, o Cejusc pode ser mais bem aproveitado a partir de uma considerável triagem dos processos encaminhados a ele, caso ainda não haja tal procedimento.
Apesar da competência ampliada, com atuação em múltiplos processos, o Cejusc tem restrição de atuação. Nem todo fato relacionado a certa disputa processual é de possível solução por intermédio daquele Juízo coordenador e responsável pelo órgão. Quando o processo tem origem em determinada Vara, por exemplo, a atuação
fica estritamente limitada à homologação ou não de eventual composição. Demais atos deverão ser praticados pelo(a) Juiz(a) ou Tribunal responsável pelo processo.
Na coleta de dados, não é possível saber como é a sistemática de envio dos processos das Varas para realização de sessões nos Cejuscs. Por outro lado, foi possível apurar que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região segue a recomendação de diretrizes excepcionais para o emprego de instrumentos de mediação e conciliação de conflitos individuais e coletivos em fase processual e pré- processual por meios eletrônicos. Atendendo à Recomendação CSJT.GVP n.º 1/2020, o Cejusc mantém o “Plantão Cejusc Covid-19” para recebimento de demandas diretamente pelo órgão.
3.3.1.3 Das audiências de conciliação diretamente nas Varas do Trabalho
Embora a proposta da pesquisa de campo tenha se limitado a analisar as sessões no Cejusc, acompanhamos também audiências de conciliação diretamente na Vara do Trabalho. Essa opção permitiu comparar a atuação do magistrado na Vara, conduzindo os trabalhos com a tentativa de composição em relação à atuação dos juízes e servidores atuando no Cejusc.
Em contato com a serventia da 1ª Vara do Trabalho da Comarca de Embu das Artes/SP, foi possível autorização do magistrado para acompanhar algumas audiências.
Destacamos a diferença na audiência de conciliação perante o magistrado na Vara do trabalho com a sessão de conciliação perante o conciliador (servidor e magistrado) no Cejusc. São diferentes as dinâmicas de abordagem do ato processual na busca pela composição. No Cejusc, o tempo é amplamente expandido para que as partes possam dialogar apresentando suas intenções, permitindo, ao servidor ou ao magistrado que conduz o ato, o prolongamento do tempo, tudo com a finalidade de alcançar um resultado frutífero.
Para a conciliação nas Varas, o magistrado já se direciona às partes com propostas mais objetivas, evitando, inclusive, tratativas por meio de “barganha”, objetivando, dentre outras coisas, a racionalização do tempo.
Nas audiências de conciliação, o tempo médio despendido é cerca de metade daquele gasto nas sessões de composição, embora, nesta última, o conciliador também atua como escrevente, secretariando a sessão, não sendo uma regra. Esse
fator dificulta a agilidade do procedimento, diferentemente das audiências com a presença de um escrevente secretariando além do magistrado presidindo o ato.
3.3.1.4 Das sessões no Cejusc-JT
Certamente, ter participado das sessões de tentativa de composição no Cejusc possibilitou-nos ampliar o entendimento sobre a aplicação dos métodos adequados de solução de controvérsias. Acompanhar tais tratativas, permitiu compreender melhor a natureza do conflito trabalhista e seu desenrolar, possibilitando uma reflexão mais fundamentada a respeito da efetividade da mediação quando o conflito envolve contrato individual de trabalho.
As sessões possuem formalidades que o ato requer. Naquelas que foram acompanhadas, o conciliador designado foi também o próprio servidor designado para redigir a ata da sessão.
Iniciada a sessão, as partes são identificadas, também seus advogados e demais pessoas presentes na sessão, incluindo o pesquisador. Diferentemente das audiências na Vara do Trabalho em que o juiz apenas apresenta o pesquisador como ouvinte; no Cejusc, as partes são indagadas se há alguma objeção quanto à participação do pesquisador apenas como ouvinte, fazendo, inclusive, constar da ata também o propósito de sua participação.
Existe um protocolo, no início de cada sessão, no qual os conciliadores se apresentam como servidores do Tribunal. O conciliador servidor esclarece que não é magistrado e deixa claro que a juíza coordenadora do Cejusc está acompanhando a sessão indiretamente, mantendo contato por mensagens de aplicativo. De fato, houve momentos de intervenção da magistrada, ora como conciliadora, para colaborar com o trabalho do servidor; ora sua manifestação ocorria no final da sessão, quando o acordo era frutífero para confirmar os termos ajustados.
Ao final de cada sessão cuja composição restara frutífera, a juíza coordenadora do Cejusc também certifica a parte reclamante acerca dos termos, estando ele presente na sessão ou não (chegando a ligar para o reclamante) obtendo sua ratificação. Indaga se ela entendeu, na íntegra, os termos do acordo, para, advertindo acerca da impossibilidade de nova reclamação com a mesma matéria, e, somente depois dessa certificação, homologar o acordo.
O conciliador instrui os presentes acerca das particularidades daquela sessão, expondo a necessidade de observância do princípio da confidencialidade, explicando
acerca da proibição de ser a sessão filmada, gravada, ou, ainda, reproduzidas imagens de qualquer um dos participantes. Os participantes são alertados de que as informações apresentadas pelas partes ou seus advogados não servirão como meio de prova no processo, em caso de infrutífera aquela tentativa de composição.
As sessões ocorreram sempre na parte da tarde, sendo reservada uma hora para cada sessão, havendo simultaneamente quatro salas virtuais com sessões acontecendo. A magistrada coordenadora atuou se revezando entre as salas para atender às necessidades de intervenção em cada uma de acordo com a necessidade.
3.3.1.4.1 A ausência da parte nas sessões de conciliação
A ausência das partes na audiência ou sessão é tratada como exceção, especialmente em razão da pandemia de Covid-19. A presença da parte nas sessões não se faz obrigatória. Xxxxxxx advogado para representar seus interesses, com procuração nos autos, outorgando-lhe poderes para firmar acordo e transigir, torna-se desnecessário o comparecimento da parte.
A esse respeito, observando a intervenção dos conciliadores atuando para a composição, notou-se um grau de dificuldade maior do que quando estão presentes as próprias partes. Presenciei sessões em que a parte somente se fez representar por advogado e, no momento das tratativas, embora constituído no processo com poderes para transigir, o procurador se dizia impossibilitado de ofertar qualquer proposta, argumentando ser limitado quanto à autonomia. Mesmo interpelado pelo conciliador para realizar, então, tentativa de contato com a própria parte, por meio de ligação telefônica, barreiras diversas surgiam ao ponto de inviabilizar o contato, inviabilizando, assim, o avanço nas tratativas. Assim, é evidente que a ausência das partes no momento da sessão ou da audiência, por vezes, torna-se prejudicial, sendo fator impeditivo no êxito esperado com a realização do ato. A presença das partes permite uma fluência melhor das tratativas, porque além de estar acompanhando a sessão, pode conversar com seu advogado no mesmo momento acerca de eventuais dúvidas surgidas a partir das negociações, além de manifestar-se pessoalmente podendo expressar seus sentimentos, sua emoção e razão.
3.3.1.4.2 Da conduta dos advogados nas sessões do Cejusc
É indiscutível a necessidade, cada vez maior, da atuação dos profissionais advogados quando o assunto é relação de trabalho. A complexidade tem crescido cada vez mais nesse tipo de relação, exigindo que as partes sejam realmente assistidas.
São os advogados representando os demandantes que apresentam para a Justiça as razões do conflito. No entanto, é preciso pensar se há necessidade de mudança de comportamento profissional quando o assunto é autocomposição. Já afirmamos aqui acerca da cultura do embate que deve ficar de lado quando o assunto for a busca pela composição. Certamente, essa referência não cabe apenas às partes, mas, igualmente, a seus procuradores, embora atuem com todo afinco para proporcionar ao outorgante plena satisfação.
A pesquisa empírica permitiu analisar a conduta dos representantes das partes. Por vezes, os advogados, ao apresentarem uma postura de confronto técnico com o colega que representava a parte adversa, ou mesmo com o próprio servidor conciliador, acabava por trazer certa tensão, chegando ao ponto de inviabilizar a empatia e qualquer sentimento que pudesse contribuir para o sucesso da composição, mesmo nas ocasiões em que a parte não se fazia presente na sessão. Essa postura se mostrou bastante prejudicial.
Vale trazer o art. 2º, Parágrafo único, inciso VI, do Código de Ética e Disciplina da OAB, que apresenta o estímulo à conciliação como um dos fundamentos do exercício da atividade do advogado:
Art. 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
A presença de advogados conscientes de que é preciso ânimo não adversarial, nas sessões e nas audiências de tentativa de composição, a fim de estimular a autocomposição, colabora com a fluidez do ato, ainda que, ao final, reste infrutífero. Descrevendo acerca do importante serviço que a OAB presta à sociedade e a presença dos advogados a serviço de seus patrocinados na busca pela solução de
conflitos, Freitas Junior (2017, p. 149) enfatiza a contribuição institucional desse órgão nas políticas de autocomposição:
[...] a OAB também tem a possibilidade e a autoridade institucional para contribuir com sua difusão, sobretudo conferindo um olhar eterno às iniciativas do Judiciário e do Ministério Público. A exterioridade do olhar da OAB pode contribuir para o aperfeiçoamento das políticas do Judiciário e do Ministério Público, realçando seus equívocos e apresentando suas sugestões de correção e rumos.
O mencionado autor, além de dizer como pode a OAB manter uma atuação de contribuição; acerca do trabalho dos advogados coloca que:
[...] também por iniciativa própria, os advogados precisam se qualificar, complementando sua qualificação profissional diante do desafio de estar presente – fazendo-se útil como é desejado e esperado – no patrocínio não adversarial do interesse de seus clientes.
Portanto, é o caso de deixar a atuação do embate técnico para ocasiões à margem do momento de tentativa de composição, contribuindo, assim, ainda mais com a pacificação do conflito.
3.3.1.4.3 Necessidade de empoderamento dos conciliadores
Os conciliadores que não são magistrados têm se revestido de um aprimoramento técnico para lidar com as partes e os advogados durante as sessões. Percebemos que os conciliadores incorporaram o espírito da autocomposição e procuram, no decorrer das sessões, desenvolver a técnica condizente com o caso, buscando sempre um desfecho frutífero.
Foi possível notar a atuação dos servidores tratando de aproximar as partes. Outras vezes, suas atuações foram manejar estrategicamente a palavra no sentido de persuadir (no melhor do termo) o participante do litígio em apresentar suas pretensões. Essa diligência pode ser notada em alguns casos nos quais foram analisados previamente os autos do processo com seus pedidos. Nesses, o conciliador propõe, de forma justificada, um numerário na tentativa de resolução daquele determinado caso, utilizando-se do método da conciliação.
Serenidade, equilíbrio e domínio da técnica são qualidades desses interlocutores bem-preparados para o ato. Sua atuação não se limita apenas a desenvolver maneiras de resolver o conflito, mas, ao mesmo tempo, em redigir o termo
da sessão e acompanhar tecnologicamente as pessoas presentes na sala virtual, como, por exemplo, verificar se a câmera está ligada, se o microfone está desligado, se a conexão não caiu, se a conversa está ou não em ambiente reservado, se é o momento de solicitar a presença do(a) juiz(a) coordenador(a), se as partes estão conseguindo visualizar o termo da sessão, controlar o “chat”, dentre outras ações.
Destacamos que a forma de tratamento dispensado aos conciliadores servidores pelas partes e procuradores é um aspecto de atenção. Existe um tratamento diferenciado dado aos servidores, enquanto conciliadores, em comparação ao tratamento destinado aos magistrados quando estão nessa atribuição. A mesma fala empregada pelo servidor na função de conciliador, quando feita por um(a) juiz(a), tem receptividade completamente diferente por parte dos participantes. Não há pretensão alguma aqui de comparar as funções do magistrado e do servidor do Tribunal, absolutamente. Trata-se tão somente de analisar a atuação e a receptividade de ambos enquanto conciliadores. É preciso refletir se não há necessidade de o Tribunal adotar medidas de empoderamento dos servidores que
estão atuando na função de conciliador.
Ao acompanharmos uma das sessões no Cejusc que teve duração de aproximadamente duas horas, as negociações só se mantiveram pela atuação do conciliador servidor do Tribunal. Pouco antes de seu término, quando o resultado seria da conciliação infrutífera, aconteceu a intervenção da juíza coordenadora. Quando a magistrada interveio, basicamente valendo-se das mesmas técnicas e até dos mesmos fundamentos utilizados pelo conciliador servidor, as partes então decidiram pela composição.
Depois de ter acompanhado aquela sessão, a sensação foi a de que as mesmas palavras ditas da mesma maneira, porém pelo conciliador magistrado, são recebidas pelas partes e pelos seus advogados com um peso muito superior àquelas proferidas pelo servidor. Inclusive, foi possível notar uma mudança até mesmo na postura das partes quando se fez presente a magistrada na sessão. E esse ocorrido não se dá apenas no Cejusc, mas, igualmente, nas audiências que são realizadas nas Varas do Trabalho. Os ânimos são de menor enfrentamento e a postura passa a ser outra, até dos advogados, que possam se posicionar com menor confronto e mais empatia.
Preparar o conciliador servidor e fomentar, ainda que em longo prazo, a conscientização das partes e dos procuradores acerca da importância do mediador
ou conciliador é primordial para outros resultados satisfatórios, até porque, e a maioria dos conciliadores não são os juízes, mas os servidores do Tribunal.
3.3.1.5 A conciliação e a mediação nas sessões
O objetivo de acompanharmos, como ouvintes, as sessões e as audiências de tentativa de conciliação foi o de reunir dados para compreender se a mediação é aplicável nos contratos individuais de trabalho e tratar de sua efetividade.
Com esse objetivo, presenciamos as audiências virtuais de conciliação nas Varas do Trabalho e nas sessões no Cejusc ao longo dos meses de setembro e outubro de 2020. Concentramo-nos especificamente no Cejusc-sul e nas Varas do Trabalho do Fórum Trabalhista Zona Sul. Houve abertura para acompanhamento de audiências na Vara trabalhista da Comarca de Embu das Artes, mas todas vinculadas ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A observação revelou que, sendo o assunto a autocomposição envolvendo contratos individuais de trabalho, o método da conciliação é o mais aplicado pelos conciliadores na tentativa de solução dos conflitos na busca pela composição.
Se compararmos a natureza do contrato em que a disputa se instaura com as técnicas necessárias para sua resolução, parece não haver condições para o uso da mediação nos conflitos dessa natureza.
Nessa comparação, é possível indagar por que motivo a mediação foi inserida como meio adequado de solução de conflitos nas relações trabalhistas, considerando o uso frequente do método da conciliação.
Uma resposta possível é que a mediação deve se fazer presente como mecanismo de solução nessa seara, mas não necessariamente para os casos envolvendo contrato individual de trabalho, o que seria razoável se fosse mantido, por sua vez, como sendo um método a ser aplicável apenas nos dissídios coletivos.
No entanto, se esse foi o propósito da resolução 174/2016, por que não cuidou a norma de ser específica a esse respeito? Por que não cuidou a resolução de especificar que a mediação serve apenas para conflitos coletivos? É porque existe margem para sua utilização também em dissídios individuais? Pois bem, as condições referidas há pouco, tratam-se, por exemplo, do tipo de conflito que envolve a relação individual de trabalho e da necessidade de intervenção estatal direta quando o conflito se dá no contrato individual, objetivando equilíbrio entre as partes.