Proteção do consumidor a crédito na celebração e na execução do contrato
Proteção do consumidor a crédito na celebração e na execução do contrato
Protection of the consumer credit at the time of conclusion of the contract
Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx
Professor da Escola de Direito da Universidade do Minho
REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO – FEVEREIRO 2014 – N.º 1
Fevereiro 2014
REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO – FEVEREIRO 2014 – N.º 1 – XXX.XXXX.XX.XX/XXXXXXXXXX
RESUMO: O presente texto trata da proteção do consumidor a crédito ao tempo da celebração do contrato, seja quanto aos aspetos de forma e procedimentais (em especial, quanto à entrega do exemplar do contrato), seja quanto ao vasto leque de menções que naquele devem ser apostas.
Analisa-se igualmente os regimes do direito de (livre) revogação do contrato, o do cumprimento antecipado do contrato pelo consumidor e o do não pagamento das prestações pelo consumidor. Por fim, confere-se ênfase à coligação de contratos e às particularidades da sua disciplina.
PALAVRAS-CHAVE: crédito aos consumidores; direito de revogação; cumprimento antecipado do contrato; coligação de contratos
ABSTRACT: The following text deals with the protection of the consumer credit at the time of conclusion of the contract, either as to the aspects of form and procedural (especially, the delivery of the copy of the contract), as to the wide range of indications that should be affixed to.
This study analyzes also the regimes of the right of withdrawal, the early repayment of the contract by the consumer and non-payment benefits by the consumer. Finally, gives emphasis to the linked credit agreements and the particularities of their discipline.
KEY WORDS: credit agreements for consumers; right of withdrawal; early repayment; linked credit agreements
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SUMÁRIO:
1. Enquadramento legal
2. Sistematização
3. Celebração do contrato de crédito aos consumidores
3.1. Forma e procedimento; obrigatoriedade de entrega do exemplar aos garantes
3.2. Efeitos da falta de forma ou da omissão do procedimento
3.3. O abuso do direito de invocar a nulidade
3.4. Menções
3.4.1 Considerações gerais
3.4.2. Efeitos da inobservância das menções
4. Direito de livre revogação
4.1. Âmbito de aplicação
4.2. Legitimidade
4.3. Prazo
4.4. Conteúdo
4.5. Exercício do direito: início e termo do prazo
4.6. Efeitos do exercício regular do direito
4.7. Irrenunciabilidade ao direito de livre revogação
5. Cumprimento antecipado do contrato pelo consumidor
5.1. Ideias base
5.2. Requisitos
6. Do não pagamento das prestações pelo consumidor
7. Dependência contratual
7.1. Noção de contrato de crédito coligado
7.2. Repercussão das vicissitudes do contrato de crédito no contrato de compra e venda
7.3. Repercussão das vicissitudes do contrato de compra e venda no contrato de crédito
7.4. Relações de liquidação
7.5. Propagação das vicissitudes aos contratos acessórios conexos Bibliografia
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1. Enquadramento legal
O DL 133/09, de 2 de junho1, relativo ao crédito aos consumidores, revogou o DL 359/91, de 21 de setembro, referente ao crédito ao consumo, tendo entrado em vigor a 1 de julho de 2009 (art. 37º), quase um ano antes da data prevista e imposta na diretiva para o efeito — 10 de maio de 2010.
Logo após foi publicada a Declaração de Retificação nº 55/2009, de 31 de julho, que procede a 18 alterações circunstanciais.
Ocorreram, entretanto, modificações ao regime de 2009: a primeira, por via do DL 72- A/2010, de 17 de junho; a segunda, na sequência do DL 42-A/2013, de 28 de março.
O diploma vigente e o texto revogado, acima mencionados, surgiram na sequência de diretivas comunitárias, publicadas em momentos temporalmente distantes (22 anos).
Assim, mais recentemente, a Diretiva 2008/48/CE, de 23 de abril de 2008 (com 32 artigos), revogou o primeiro texto sobre a matéria, justamente a Diretiva 87/102/CEE, de 22 de dezembro de 1986 (com 18 artigos).
A grande diferença entre tais atos comunitários — o que se reflete, consequentemente, ao nível dos diplomas internos — é que a Diretiva de 2008 impõe uma harmonização máxima (nas matérias que regula) — cfr. o art. 22º —2, ao contrário do que sucedia com a Diretiva de 1987, que apenas determinava uma harmonização mínima — art. 15º.
A larguíssima maioria dos países da União Europeia preferiram esperar até à data assinalada no texto comunitário para efeito de transposição do respetivo texto: na Alemanha, ver a Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherkreditrichtlinie, des zivilrechtlichen Teils der Zahlungsdiensterichtlinie sowie zur Neuordnung der Vorschriften über das Widerrufs- und Rückgaberecht, de 29.7.2009 (integrada nos §§ 491 ss. do BGB); em França, cfr. a Loi 2010-737, de 1.7.2010, embora ainda se mantenham em vigor os arts. L 311-1 a L 311-37, da Loi 93-949, de 26.7.1993, de acordo com a nova redação; em Itália, destacavam-se os arts. 40º a 43º do Codice dei Consumo, com a remissão para o Texto Único Bancário, mas o Decreto Legislativo de 13 de agosto de 2010, n° 141, modificou essas regras, revogando-as e reintroduzindo-as no TUB, nos arts. 121º a 126); em Inglaterra, assinale-se o Consumer Credit Regulations 2010; por fim, em Espanha, a Ley 16/2011, de 24 de junio, de contratos de crédito al consumo, entrou em vigor no dia 25.9.2011, derrogou a anterior Ley 7/1995.
1 Doravante, a menção a um preceito sem indicação do diploma legal deve entender-se como referente ao DL 133/09.
22 Ver, especialmente, os Considerandos 9 e 10 da Dir. 2008/48/CE, afirmando-se, entre outras, a necessidade de “harmonização plena” em vista de assegurar “que todos os consumidores beneficiem de um nível elevado e equivalente de defesa dos seus interesses e para instituir um verdadeiro mercado interno” (Considerando 8, no início). Especifica-se ainda que a limitação imposta pelo ato comunitário “só será aplicável nos casos em que existam disposições harmonizadas… Caso não existam …, os Estados-membros deverão continuar a dispor da faculdade de manter ou introduzir legislação nacional” (considerando 8, 3ª e 4ª frases).
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2. Sistematização
Em termos estruturais, na sequência do texto comunitário que lhe subjaz, o diploma vigente encontra-se dividido — em 6 capítulos — do seguinte modo:
— objeto, âmbito de aplicação e definições — arts. 1º a 4º (Cap. I);
— informação e práticas anteriores à celebração do contrato de crédito — arts. 5º a 11º (Cap. II);
— informação e direitos relativos aos contratos de crédito — arts. 12º a 23º (Cap. III);
— taxa anual de encargos efetiva global — art. 24º (Cap. IV);
— mediadores de crédito — art. 25º (Cap. V);
— disposições finais — arts. 26º a 37º (Cap. VI).
Encontramos ainda 3 anexos ao diploma.
— o primeiro, referente ao modo de cálculo da XXXX;
— o segundo, atinente à informação normalizada europeia em matéria de crédito aos consumidores;
— o terceiro, relativo à informação normalizada em sede de descobertos, créditos concedidos por certas organizações e conversão de dívidas.
O presente texto destaca, especialmente, o terceiro capítulo, o qual, para além da maior dimensão normativa em relação ao texto antigo (arts. 12º a 23º, portanto 12 disposições3), dá realce a novas matérias (cfr. art. 20º), a novas particularidades quanto a assuntos já tratados (art. 17º e art. 19º) ou a clarificações na esteira da doutrina e da jurisprudência portuguesas (art. 18º), sem prejuízo de, nalguns casos, a temática se manter imodificada (v.g., art. 22º).
3. Celebração do contrato de crédito
3.1. Forma e procedimento; obrigatoriedade de entrega do exemplar aos garantes
Se, no quadro do DL 359/91, se impunha a redução a escrito do contrato de crédito aos consumidores, o atual diploma alarga, na esteira de outros, o leque de possibilidades: papel ou outro suporte duradouro. Acresce que tal deve ser feito em condições de inteira legibilidade pelo consumidor (art. 12º, nº 1).
3 Em vez das anteriores 7 regras (arts. 6º a 12º do DL 359/91).
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Consagrava-se ainda a obrigatoriedade, sem exceções, de entrega de um exemplar ao consumidor, ao tempo em que este subscrevia o contrato. No presente texto, mantém-se essa mesma regra (art. 12º, nº 2), todavia modificada pela alteração de 2013, determinando-se aí restritivamente que “no caso de contratos de crédito celebrados presencialmente4, o exemplar deve ser entregue no momento da assinatura do contrato”.
A grande novidade — não prevista no diploma comunitário, nem no texto interno de 1991 — consiste na extensão do procedimento aos garantes5.
Tal justifica-se em razão de estes deverem ter conhecimento exato do âmbito da sua vinculação.
3.2. Efeitos da falta de forma ou da omissão do procedimento
A falta da forma adequada (aqui se incluindo as condições de inteira legibilidade), gera a nulidade do contrato (art. 13º, nº 1), tal como se dispunha no diploma de 1991 (art. 7º, nº 1).
A mesma consequência emerge da omissão do procedimento consagrado: a nulidade do contrato de crédito.
Em relação aos garantes, o efeito limita-se à nulidade da garantia prestada.
3.3. O abuso do direito de invocar a nulidade
Cumpre salientar que a nulidade, sendo à partida invocável pelo consumidor dado que se encontra a coberto da regra respetiva, nem sempre pode ser arguida com sucesso.
Na verdade, no caso concreto, há circunstâncias que nos levam a concluir que existe “uma contradição com a ideia de justiça”6.
Estamos a aludir ao instituto do abuso do direito (individual) de invocar a nulidade. Em regra, tratar-se-á da sua modalidade mais comum: o comportamento contraditório. O
4 A contrario sensu, parece poder deduzir-se que no caso de contratos celebrados não presencialmente a entrega do exemplar não é obrigatória.
5 Conquanto a doutrina já o sustentasse – XXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 102 e ss. e 112 — e a jurisprudência já o defendesse [cfr. ainda à luz do DL 359/91, mas já perspetivando o DL 133/2009, o Ac. Rel. Porto, de 1.7.2013 (XXXXXXXX XXXXX), Proc. nº 9494/07.2YYPRT-A.P1, xxx.xxxx.xx, onde se destaca que “apesar de todas as enunciadas considerações que vêm de ser feitas serem relativas ao consumidor, reconhecemos que as mesmas também são válidas quanto ao avalista, porquanto também quanto a este se deve afirmar a necessidade de entrega do exemplar do escrito em que estão vazadas as cláusulas do contrato, desde logo porque só assim ficará o avalista a conhecer o alcance e os termos da sua própria responsabilidade”; ver ainda o Ac. Rel. Porto, de 26.6.2012 (XXXXX XXXXX), Proc. nº 416/08.4TBBAO.P1, xxx.xxxx.xx, destacando “que o fiador tem legitimidade para invocar a nulidade do ato se em relação a si se verificar a inobservância do apontado formalismo – sendo certo que tal invalidade apenas interfere com a sua posição no contrato em questão”].
6 XXXXXXXX XXXXXXX, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1992, p. 284.
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consumidor comporta-se, durante um certo período de tempo, como se o negócio fosse válido (cumprindo rigorosamente o contrato de crédito), originando-se uma ideia, na contraparte (o dador de crédito), de que a invalidade não seria invocada. Mais tarde, porém, o consumidor vem arguir a nulidade do contrato de crédito.
3.4. Menções
3.4.1 Considerações gerais
Tal como no regime anterior, estabelece-se um conjunto de elementos que devem constar dos contratos de crédito em geral7. Agora, porém, o número de menções é bastante mais elevado (passamos de 8 para 22 — divididas por duas normas: 8, por efeito da remissão do art. 12º, nº 3, proémio, para o art. 6º, nº 3; 14, resultantes do art. 12º, nº 3, nas suas várias alíneas).
3.4.2. Efeitos da inobservância das menções
As consequências da inobservância dos elementos a apor no contrato de crédito não são uniformes.
Privilegia-se a invalidade do contrato. Todavia, cabe distinguir os casos em que se sanciona mais gravemente a conduta do credor, com o efeito “nulidade” (art. 6º, nº 3, als. a) a h) ex vi art. 12º, nº 3, proémio e art. 13º, nº 1), daqueles outros, onde a sanção é menos pesada, optando-se pela anulabilidade (cfr. as als. a) a o), com exceção da al. g), do art. 12º, nº 3 e art. 13º, nº 3).
Mantém-se o regime do pretérito para uma hipótese residual — a das eventuais garantias e seguros — a sanção “inexigibilidade” (art. 12º, al. g) e art. 13º, nº 4).
De todo o modo, esta inobservância da aposição das menções é imputável ao credor, por via da presunção juris tantum resultante do art. 13º, nº 5, sendo que só o consumidor pode invocar a invalidade (afastando-se que, v.g., o credor o possa fazer, sendo que o próprio o tribunal também não pode conhecer — no caso, a nulidade — oficiosamente).
Mas o consumidor pode provar a existência do contrato, por qualquer meio, apesar de o contrato ser inválido (desde que não a invoque). O que pode gerar a seguinte consequência: a transformação do crédito oneroso em crédito gratuito (portanto, sem juros e outros encargos), mantendo-se o seu carácter fracionado (mantendo o consumidor o direito a realizar as prestações de capital no prazo acordado) — art. 13º, nº 7.
7 Havendo ainda uma disciplina própria para alguns contratos de crédito em especial: art. 12º, nº 5 e art. 15º.
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Esta regra que se mantém do regime anterior, que tinha, aliás, a sua origem no regime da venda a prestações (DL 457/79, de 21 de novembro), não tem sido, ao longo dos tempos, usada com a frequência devida pelos consumidores (não havendo nota de decisões sobre esta temática).
4. Do direito de livre revogação8
4.1. Âmbito de aplicação
O direito de revogação é aplicável a qualquer contrato de crédito, independentemente do seu tipo (v.g., mútuo, abertura de crédito, locação financeira, aluguer de longa duração). Assim resulta do próprio teor de vários números do art. 17º: aí sempre se alude a “contrato de crédito”, a “credor”, sem restringir o campo de aplicação. Aliás, do ponto de vista material, inexiste qualquer razão justificativa para se impor uma limitação.
4.2. Legitimidade
O consumidor é quem tem legitimidade ativa para emitir a declaração (art. 17º, nº 1).
O destinatário da declaração de revogação é o credor (art. 17º, nº 4). Não se esqueça, porém, que atuando o vendedor como representante do credor, a declaração de revogação dirigida àquele tem igualmente eficácia perante o financiador.
4.3. Prazo
Estende-se agora o prazo para o exercício do direito. Era, à luz da lei antiga, de 7 dias úteis. É agora de 14 dias corridos (ou de calendário, como expressa o nº 1 do art. 14º).
Tem dois propósitos: o do alargamento efetivo do prazo; o de configurar um passo na harmonização do prazo em relação a todos os contratos de consumo em que se consagra tal pretensão legal.
4.4. Conteúdo
8 Ver XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Direito do Consumo, 2005, Coimbra, Almedina, pp. 105 ss. e XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Os contratos de consumo. Reflexão sobre a autonomia privada no Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 419 ss.
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Não há necessidade de indicar o motivo que levou o consumidor à revogação do contrato, mas impõe-se a identificação do contrato de crédito a revogar.
4.5. Exercício do direito: início e termo do prazo
O prazo para o exercício do direito começa a correr num de dois momentos: da data da celebração do contrato, no pressuposto de que é entregue o exemplar do mesmo ao consumidor nesse exato momento e desde que lhe sejam dadas as informações devidas (al. b), a contrario sensu); ou a partir da data da receção pelo consumidor do exemplar do contrato e das informações, sempre que o credor não proceda regularmente.
O exercício do direito de livre revogação deve ocorrer até ao final do 14º dia. Para o efeito, o que releva é o momento da expedição da declaração. Acolhe-se, tal como no art. 8º do DL 359/91, a teoria da expedição, o que configura um desvio ao princípio geral expresso no art. 224º, nº 1, 1ª parte, do CC, quanto à eficácia das declarações recetícias, onde se acolhe a teoria da receção ou do conhecimento.
Quanto à forma, pode ser em “papel ou noutro suporte duradouro”. No entanto, o modo mais seguro acaba por ser, pelo menos em termos probatórios, a carta registada com aviso de receção.
4.6. Efeitos do exercício regular do direito
A consequência imediata do exercício regular do direito de revogação, pelo consumidor, é a extinção do contrato de crédito.
Mas há ainda um efeito mediato subsequente: a obrigação de o consumidor pagar ao credor o capital e os juros vencidos, desde que utilize o capital e até à data da restituição. Analise- se este dever.
Admite-se, portanto, que, previamente ao termo do prazo para o exercício do direito, ocorra o levantamento do capital. Tal utilização importa unicamente (do ponto de vista do credor) o vencimento de juros, à taxa nominal estipulada (art. 17º, nº 4). De todo o modo, prevê-se um prazo máximo restitutório: 30 dias após a data da expedição da declaração de revogação9, que marca, para o consumidor, o momento exato em que o contrato cessa10.
Mas é o consumidor quem suporta os custos não reembolsáveis tidos pelo credor a entidades da Administração Pública (art. 17º, nº 5).
Podem retirar-se daqui algumas conclusões:
9 “Sem atrasos indevidos” (art. 17º, nº 4), ou seja, sem atrasos não imputáveis ao consumidor.
10 Para mais especificidades, GRAVATO MORAIS, Crédito aos consumidores – Anotação ao DL 133/2009, Coimbra, 2009, pp. 82 a 84.
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— o risco de utilização do capital é suportado pelo credor;
— a utilização do capital não preclude o exercício do direito de revogação;
— a regra restitutória não pode aplicar-se quando o capital é entregue pelo credor diretamente ao vendedor, devendo funcionar a lógica do art. 18º, nº 4;
— o risco de atraso ou de perda da declaração de revogação é suportado pelo credor.
4.7. Irrenunciabilidade ao direito de livre revogação
Importante realce vai para a irrenunciabilidade do direito do consumidor de livremente revogar o contrato, por força da aplicação do art. 26º.
É que inexiste agora, ao contrário do que sucedia no passado, regra específica que permitia essa renúncia (art. 8º, nº 5), e que de resto era fortemente criticada11.
5. Cumprimento antecipado do contrato12
A faculdade de o consumidor proceder ao reembolso antecipado adquire, à luz do DL 133/09, uma nova dimensão e uma forte eficácia, quando a comparamos com igual possibilidade permitida no pretérito.
O regime é bem mais benéfico para o consumidor, em relação ao diploma revogado, sendo oposto ao consagrado no art. 1147º CC, onde aí o mutuário tem que satisfazer os juros por inteiro.
Assim, para além da aplicabilidade da nova disciplina a qualquer contrato de crédito, em qualquer momento e sem restrições quanto a eventuais reembolsos parciais (o que representa uma novidade em relação ao regime de outrora). Efetua-se mediante aviso prévio não inferior a 30 dias de calendário (art. 19º, nº 2), sendo que o reembolso faz operar uma correspondente redução do custo total do crédito (art. 19º, nº 1, parte final).
Há, porém, que distinguir especialmente dois casos:
— sempre que a taxa nominal seja fixa, há a possibilidade de o credor obter uma compensação, justa e objetivamente justificada (art. 19º, nº 3 e nº 4);
— caso a taxa nominal não seja fixa (ou não o seja no período específico do reembolso), não é admissível que o credor exija qualquer comissão de reembolso (art. 19º, nº 5, al. c)).
11 GRAVATO MORAIS, Contratos de crédito ao consumo, cit., p. 163 ss.
12 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Os contratos de consumo…, cit., pp. 617 a 627 ss.
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6. Do não pagamento das prestações pelo consumidor
6.1. Ideias base
O incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor (maxime o não pagamento das prestações) é agora objeto de norma específica (o art. 20º).
A sua razão de ser encontra-se na ideia de maior proteção do consumidor apesar do seu incumprimento, até à data da entrada em vigor inexistente, pois prevalecia aqui o regime geral civilista.
A disciplina consagrada não releva na Diretiva de 2008, conquanto na proposta de Diretiva de 2002 houvesse norma expressa que tutelava o consumidor. Foi até por isso que, cremos, no anteprojeto do Código do Consumidor (art. 297º) se dispôs regra própria sobre o tema, que agora se seguiu. Xxxxx, a ideia parece ser a de consagrar norma afim à existente no caso de venda a prestações (art. 934º CC). De notar ainda que nalguns países, como é o caso da Alemanha, o respetivo legislador, desde há muito, consagrou preceito próprio (cfr. o anterior
§§ 12 e 13 Verbraucherkreditgesetz e os atuais §§ 498 e 503 BGB).
6.2. Requisitos
A disposição não distingue, ao nível dos requisitos de aplicabilidade, a perda do benefício do prazo da resolução. Na verdade, coloca lado a lado tais figuras (art. 20º).
Nestes termos, o credor só pode socorrer-se — indistintamente — dos mecanismos enunciados se:
— o consumidor faltar ao pagamento de duas prestações sucessivas (se forem duas prestações alternadas, a regra não parece aplicar-se; da mesma sorte, se estiver em causa uma só prestação a regra não é empregue);
— as duas prestações em causa ultrapassam 10% do montante total do crédito (este valor vem expresso no art. 20º, nº 1, al. a), in fine);
— se concedeu ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para pagamento das prestações em mora e da indemnização devida;
— decorreu, sem sucesso, o prazo suplementar concedido;
— se verificou a expressa advertência da consequência aplicável no caso (ou a perda do benefício do prazo ou a resolução).
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7. Dependência contratual
7.1. Noção de contrato de crédito coligado
A noção de “contrato de crédito coligado” encontra-se no art. 4º, nº 1, al. o). Tendo por base o contrato de crédito, pois é este que se considera “coligado a um contrato de compra e venda” (proémio da al. o)), exige-se o preenchimento de 2 requisitos, a saber:
— que a concessão do crédito sirva exclusivamente para financiar o pagamento do preço do bem (específico) vendido ou do serviço (específico) prestado;
— que os (dois) contratos (celebrados) constituam — objetivamente — uma unidade económica.
O primeiro pressuposto — com raiz direta no texto comunitário —, encontra alguma afinidade com o revogado art. 12º, nº 1, 1ª parte do DL 359/91. Aí se determinava o seguinte: “se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido [ou do preço de um serviço concedido, como resultava do nº 3] por terceiro…”. O que era entendido pela doutrina como um pressuposto muito amplo, que facilmente se verificava.
Ora, na lei vigente há dois elementos novos acrescentados:
— um, reside justamente na introdução do advérbio “exclusivamente”, que não tem outra dimensão que não seja a de fazer realçar que é necessário que o crédito concedido tenha por fim único uma dada aquisição ou um dado serviço13;
— o outro decorre da utilização do termo “específicos”, e que está intimamente ligado com a nova locução assinalada: é que o crédito deve ter tido apenas em vista o financiamento de um específico bem ou serviço (e não um bens ou serviços em geral).
Quanto ao segundo requisito, cabe referir que se torna unitário o conceito de unidade económica, o que se aplaude. Esta não era a lógica da disciplina do passado, com definições diversas e casuísticas (por vezes exigentes) de unidade económica (cfr. o art. 12º, nº 1, parte final, o art. 12º, nº 2, al. a), ambos do DL 359/91, o art. 18º, nº 3, do DL 143/2001, de 26 de Abril).
A concretização desta unicidade é, todavia, exemplificativa. Tal decorre do emprego do advérbio “designadamente”. Com efeito, a unidade económica pode resultar das 3 circunstâncias descritas na subalínea ii) — mas também de quaisquer outras não identificadas —, a saber:
— se a operação de crédito para consumo é bilateral, considerando as partes envolvidas (o credor é, ao mesmo tempo, o fornecedor do bem ou o prestador do serviço), para que se
13 Este elemento não tem o mesmo significado que tinha, no art. 12º, nº 2, al. a), o advérbio “exclusivamente”. Este referia-se à relação estabelecida (no caso, ao acordo prévio) entre credor e vendedor. O atual advérbio alude à relação entre a concessão do crédito e o bem (ou o serviço) financiado.
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verifique a unidade económica, basta a existência de um mero financiamento pelo fornecedor ou pelo prestador do serviço;
— se a operação de crédito para consumo tem estrutura trilateral, em razão do número de partes envolvidas (ou seja, o financiador é pessoa diversa do vendedor ou do prestador de serviços), a unidade económica pode decorrer de duas possibilidades:
— caso o credor recorra ao vendedor ou ao prestador de serviços “para preparar ou para celebrar o contrato de crédito”; assim, à luz da lei atual, não é necessário sequer qualquer acordo entre credor e vendedor (e muito menos prévio e exclusivo) para que se verifique o requisito; basta o mero recurso ao vendedor ou ao prestador de serviços (v.g., este dispõe de formulários de pedidos de crédito, remete-os ao financiador, encaminha o consumidor para um dado credor);
— caso o bem específico ou o serviço específico estejam expressamente previstos no contrato de crédito; trata-se aqui de uma novidade, já assinalada pela doutrina: basta que conste do contrato de crédito o objeto do financiamento para que se verifique a unidade económica.
Saliente-se, por outro lado, que a unidade económica se revela objetivamente, o que se mostra atualmente pacífico, embora fosse em tempos discutido o sentido (subjetivo ou objetivo) dessa unidade económica14.
Releve-se, por fim, que esta noção representa uma “placa giratória”, em torno da qual se movem as consequências jurídicas desta específica conexão contratual.
7.2. Repercussão das vicissitudes do contrato de crédito no contrato de compra e venda
Tal como no diploma revogado (art. 12º, nº 1 do DL 359/91), a invalidade (nulidade ou anulação) do contrato de crédito — aqui havido como negócio principal, no exato sentido de que é aquele que projeta a vicissitude para o outro ato —, repercute-se, “na mesma medida”
— ou seja, nulidade ou anulação, consoante o caso — no outro negócio.
Na nova regra, prevê-se ainda, tal como no pretérito, a extensão da ineficácia ao outro contrato ligado. Tem-se em vista, entre outras hipóteses, os casos de resolução por incumprimento do credor ou de livre revogação do contrato de crédito com propagação idêntica no negócio oposto.
14 DAUNER-LIEB, “Verbraucherschutz bei verbundenen Geschäften (§ 9 VerbrKrG)”, WM, Sonderbeilage 6/1991.
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7.3. Repercussão das vicissitudes do contrato de compra e venda no contrato de crédito
Da mesma sorte, mas agora em sentido inverso, se regula a projeção das vicissitudes emergentes do contrato de compra e venda no negócio conexo: o contrato de crédito. Configura aquele, neste quadro, o contrato principal.
Determina-se que a repercussão opera a vários níveis.
Por um lado, em sede de invalidade (nulidade ou anulação) e no quadro da livre revogação do contrato de compra e venda (art. 18º, nº 2). Esta disposição vai para além do texto revogado — onde esta projeção da vicissitude não se consagrava expressamente —, embora a doutrina e a jurisprudência dominantes, ao tempo, já defendessem a sua aplicabilidade15. Cremos que configura um passo muito importante na tutela do consumidor.
Por outro lado, a repercussão — tal como no passado (art. 12º, nº 2 do DL 359/91) — mantém-se ao nível do incumprimento e da desconformidade do contrato de compra e venda (art. 18º, nº 3). Todavia, aqui o preceito tem especificidades.
Expressa-se agora de forma mais clara, tal como no pretérito alguns já sustentavam, a responsabilidade subsidiária de grau fraco do credor: o consumidor deve, num primeiro momento, dirigir-se ao vendedor, exigindo deste a entrega, a reparação ou a substituição da coisa — conforme a situação concreta; só depois, se não obtiver deste a satisfação do direito ao exato cumprimento, pode dirigir-se ao credor.
No entanto, as vicissitudes podem não se repercutir exatamente na mesma medida. Vejamos:
— se estamos perante a não satisfação temporária do direito do consumidor, este pode suspender o pagamento das prestações junto do financiador;
— se estamos em face da não satisfação definitiva do direito do consumidor, ou seja, a extinção parcial (redução do preço) ou a extinção total (resolução) do contrato de compra e venda, a mesma vicissitude (redução do montante do crédito ou resolução do contrato de crédito) estende-se ao negócio oposto16.
7.4. Relações de liquidação
Ao contrário do que sucedia no pretérito, dispomos de uma regra que define o âmbito das relações de liquidação no sentido da proteção do consumidor.
Desta sorte, por efeito da extinção do contrato, a questão suscitada era a de saber se o consumidor devia pagar ao credor a importância que tinha sido entregue ao vendedor. A
15 Sobre esta temática, ver GRAVATO MORAIS, Contratos de crédito ao consumo, cit., pp. 267 ss.
16 Cfr., neste sentido, GRAVATO MORAIS, União de contratos de crédito e de venda para consumo. Efeitos para o financiador do incumprimento pelo vendedor, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 162 ss. e pp. 246 ss.
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resposta é clara à luz do nº 4 do art. 18º: o consumidor nada deve pagar ao credor. Cabe, portanto, ao vendedor, que recebeu o montante, em regra diretamente, do financiador, entregá-lo a este.
A solução mostra-se adequada, pois se se impusesse ao consumidor um dever de entrega (do valor recebido pelo vendedor) isso significaria estabelecer uma forte restrição ou mesmo uma impossibilidade, do ponto de vista do consumidor, quanto ao exercício dos respetivos direitos. Este, à partida, não dispõe desse montante (note-se que por isso recorreu ao financiamento).
Cabe, por fim, salientar que a solução — prevista expressamente para as hipóteses de redução e de resolução (o art. 18º, nº 4 remete para “os casos previstos nas alíneas b) ou c) [do nº 3]”) — se deve considerar extensível aos casos de nulidade ou de anulação dos contratos (por força do nº 1 ou do nº 2 do art. 18º), em razão do art. 433º do CC e do próprio art. 289º do CC.
7.5. Propagação das vicissitudes aos contratos acessórios conexos
Atendendo ao art. 14º, nº 4 da Dir. 2008/48/CE, mas com um raio de ação mais alargado, determina-se a propagação da extinção do contrato de crédito ao contrato acessório conexo (em regra um contrato de seguro) — art. 18º, nº 5.
Cremos que, a par do que tem defendido a doutrina e a jurisprudência portuguesas, tal deve estender-se em qualquer caso de cessação pelo consumidor do contrato de crédito17.
Assim, a invalidade do contrato de crédito projeta-se no concreto contrato de seguro (para além da sua possível propagação em sentido oposto, ou seja no contrato de compra e venda), assim como a resolução do contrato de crédito pelo consumidor fundada em incumprimento do financiador se repercute, nos mesmos termos, no contrato de seguro associado, da mesma sorte que a resolução da venda (por incumprimento do fornecedor), caso se propague ao crédito, afeta, igualmente, embora reflexamente o seguro a este associado18.
17 GRAVATO MORAIS, Contratos de crédito ao consumo, cit., pp. 371 ss.
18 GRAVATO MORAIS, Crédito aos consumidores. Anotação ao Decreto-Lei 133/2009, cit., pp. 92 e 93.
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