CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx
FEP, IS-UP, Porto, Portugal
Xxxxxx Xxxxxxxxx
Grupo Visabeira, Viseu, Portugal
Resumo O contrato psicológico tornou-se nas últimas décadas uma problemática amplamente discutida nas ciências sociais e empresariais. O presente artigo mobiliza o conceito de contrato psicológico para o estudo do estágio em advocacia, uma profissão em que ainda não havia sido empregue, contribuindo assim para a sua densificação teórica. A partir de entrevistas semiestruturadas a advogados estagiários, revela-se a existência de contratos psicológicos no âmbito da sua relação profissional com os patronos e discutem-se as formas específicas que os contratos psicológicos transacional e equilibrado assumem no estágio em advocacia.
Palavras-chave: contrato psicológico, advocacia, estágio profissional.
Abstract Psychological contracts are an issue that has come to be widely discussed in the social and business sciences in recent decades. The present article mobilises the concept to study internships at law firms, thereby employing the concept in an area in which it had not yet been used and simultaneously helping to solidify and make it more operable. Semi-structured interviews of legal interns revealed that psychological contracts formed part of their professional relationships with their bosses. The author discusses the specific formats these transactional and balanced psychological contracts take in internships in the legal field in Portugal.
Keywords: psychological contract, the law, internship.
Résumé Au cours des dernières décennies, le contrat moral est devenu une problématique largement discutée dans les sciences sociales et de l’entreprise. Cet article reprend le concept de contrat moral pour l’étude du stage d’avocat, une profession qui n’avait pas encore été abordée et qui contribue ainsi à la densification théorique.
À partir d’entretiens semi-structurés avec des avocats stagiaires, l’auteur constate l’existence d’un contrat moral dans le cadre de la relation professionnelle avec leurs maîtres de stages et il aborde les formes particulières que le contrat moral transactionnel et équilibré revêt dans le stage des avocats.
Mots-clés: contrat moral, avocats, stage professionnel.
Resumen En las últimas décadas, el contrato psicológico se convirtió en una problemática ampliamente discutida en las ciencias sociales y empresariales. El presente artículo moviliza el concepto de contrato psicológico para el estudio de las prácticas profesionales en abogacía, una profesión en que nunca había sido empleado, contribuyendo así para su densificación teórica. A partir de entrevistas semiestructuradas a abogados practicantes se revela la existencia de contratos psicológicos en el ámbito de su relación profesional con los jefes y se discuten las formas específicas que los contratos psicológicos transaccional y equilibrado asumen en las prácticas profesionales en la abogacía.
Palabras-clave: contrato psicológico, ley, práctica profesional.
32 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
Introdução
A pesquisa científica sobre o contrato psicológico conquistou maior visibilidade a partir das décadas de 80 e 90 do século XX, com os contributos de autores como Xxxxxxxx (1989, 2001), Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1997), Xxxxx-Xxxxxxx e Xxxxxxx (2000, 2002), Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (2000), Guest (2004), ao assumir que nas relações profis- sionais para além dos contratos formais entre empregadores e trabalhadores existem também contratos psicológicos, de cariz marcadamente subjetivo. Embora não se constate um consenso em torno das concetualizações do contrato psicológico, so- bressaem dimensões nucleares na sua definição, em particular, a subjetividade, as promessas e as obrigações recíprocas estabelecidas entre quem trabalha e quem em- prega. Estes contratos psicológicos revelam-se decisivos para compreender as trans- formações das relações e identidades profissionais (Dubar, 2000) no âmbito de lógicas associadas à mobilidade, flexibilidade e precarização do mundo do trabalho. O estágio em advocacia implica uma relação profissional, embora não remu- nerada, dada a sua extrema regulação pela Ordem dos Advogados. Com efeito, os artigos 9º, 15º e 16º do Regulamento Nacional de Estágio explicitam deveres a que estão sujeitos quer o advogado estagiário, quer o patrono, sempre em coordenação com os princípios gerais e específicos da profissão enunciados no estatuto da Ordem dos Advogados. O estagiário está sujeito, por exemplo, a deveres como: ob- servância de respeito, lealdade, zelo e sigilo profissional, bem como ao cumpri- mento dos planos de estágio definidos pelo patrono, a colaborar com este sempre que solicitado e a elaborar trabalhos que lhe sejam incumbidos, salvaguardando e respeitando horários, regras, orientações do escritório ou sociedade em que está in- serido, e obrigações deontológicas. Por seu lado, o patrono, para além de permitir ao estagiário o acesso e a utilização do seu escritório, é responsável pelo acompa- nhamento, apoio, informação, orientação, aconselhamento e tutela do estagiário durante todo o processo formativo. Em suma, o advogado estagiário insere-se no universo profissional da advocacia já perfeitamente instituído, cujas relações labo- rais se caracterizam pela colegialidade, cooperação, apoio mútuo e relações de con- fiança entre profissionais e clientes (Evetts, 2009), sendo esperado que interiorize todas as dimensões, valores, normas e princípios, nomeadamente, éticos e deonto-
lógicos que incorporam as rotinas diárias de um advogado (Chaves, 2010).
Face ao exposto, o presente artigo pretende conferir as potencialidades e limi- tações da literatura existente sobre o conceito de contrato psicológico, mobilizan- do-a na análise do estágio profissional em advocacia. Efetivamente, procura-se averiguar as configurações específicas do contrato psicológico no âmbito da rela- ção entre advogados estagiários e patronos, mediante o escrutínio das perpetivas dos primeiros sobre esta realidade profissional.
Contrato psicológico: evolução e características
Os contratos psicológicos tornaram-se objeto de discussão científica desde meados do século passado. Xxxxxxxx (1962, cit. por Xxxxxxx, 2008), apercebendo-se da
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 33
complexidade contratual subjacente às relações profissionais, propõe o conceito de contrato psicológico, enquanto contrato não escrito que reúne as expectativas mú- tuas entre empregadores e trabalhadores. Posteriormente, Xxxxxxxx (1989) define este contrato como as crenças ou expectativas individuais acerca das obrigações, termos e condições que emergem de uma troca mútua entre trabalhador e organi- zação. Esta autora centra a sua análise no trabalhador que perceciona o contrato psicológico, pois a organização enquanto tal não cria expectativas nem perceções subjetivas, ou seja, a organização fornece apenas o local/contexto onde se forma e cresce o contrato psicológico (Cunha et al., 2007; Ferreira, 2007). Neste sentido, o conceito de contrato psicológico surge intimamente ligado ao compromisso do tra- balhador para com a organização, analisado a três níveis: o aceitar dos valores or- ganizacionais, a disposição de se esforçar em prol da organização e o desejo de aí permanecer empregado.
Apesar de a definição de Xxxxxxxx (1989) se revelar a mais consensual e se- guida pela literatura nas últimas décadas, há autores que a consideram lacunar pelo excessivo enfoque na perspetiva do trabalhador, em detrimento da do empre- gador (Xxxxx e Xxxxxx, 2002; Leiria, Xxxxx e Xxxxx, 2006). Neste sentido, Guest e Xxxxxx (2002) apresentam uma definição mais abrangente, incluindo as duas par- tes do contrato psicológico e as suas perceções acerca, nomeadamente, das promes- sas e obrigações recíprocas. Pese embora a diversidade de concetualizações, é possível identificar algumas dimensões nucleares na definição do contrato psicoló- gico, como sejam: a subjetividade, as promessas e as obrigações recíprocas. Carac- terizam-se de seguida cada uma destas dimensões.
A subjetividade reporta-se à diversidade de interpretações dos factos im- putada aos valores, cultura, formação e experiências profissionais anteriores (Xxxxx-Xxxxxxx e Xxxxxxx, 2000; Xxxxxxxx, 2001; Xxxxx e Xxxxxxxx, 2004). Cada indivíduo ao longo do seu percurso laboral, pessoal e social adquire experiências e conhecimentos que o levam a criar expectativas acerca da sua relação profissio- nal, da evolução da mesma e de aspetos que considera relevantes e pertinentes para o bom ambiente de trabalho (Xxxxxxxx, 1989; Xxxxxx e Xxxxxxx, 2004).
As promessas, enquanto comunicações de intenções futuras (Xxxxxxxx, 1989), transmitidas por ações ou por palavras (verbais ou escritas), implicam confiança de ambas as partes para o seu cumprimento e o evitar de interpreta- ções dúbias. Se nas promessas através de palavras tal se torna mais fácil, o mesmo não sucede nas promessas através de atos, pois determinado comporta- mento pode ser interpretado de forma contrária ao pretendido, nomeadamente por falhas comunicacionais entre as partes. Tal é visível, por exemplo, na fase de recrutamento, em que determinados atos da organização podem ser encarados pelo trabalhador como promessas futuras devido ao desconhecimento concreto das dinâmicas internas da organização (Xxxxxxxx, 2001). A comunicação tor- na-se, assim, de extrema importância para evitar confusões entre aquilo que efe- tivamente é prometido e o que é entendido.
As obrigações recíprocas do empregador e do trabalhador surgem como essenciais ao núcleo do contrato psicológico. Esta reciprocidade implica que este- jam comprometidos e cientes das suas obrigações nesta troca mútua (Dabos e
34 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
Xxxxxxxx, 2004). A relação de troca está bem patente, pois os trabalhadores espe- ram reconhecimento, incentivos, ainda que nem sempre de cariz financeiro (Xxx- xxxxxxxx et al., 2011), perspetivas de evolução e progressão e mesmo estabilidade e segurança, em troca do seu trabalho, esforço, disponibilidade e flexibilidade. A re- ciprocidade que se cria entre as partes pode levar à formação de novas obrigações, incentivos ou contribuições. Xxxxxxx como exemplo o caso identificado por Xxx et al. (2011): um advogado que trabalha arduamente em busca de uma promo- ção/posição como sócio, tornar-se-á ainda mais devoto se a mesma lhe for atribuí- da, precisamente porque sente a necessidade de retribuir e agir em consonância com aquilo que lhe foi concedido. Este exemplo poder-se-ia aplicar de igual forma a um advogado estagiário que se dedica fortemente ao trabalho com o intuito de permanecer no local onde estagia.
Tipos de contratos psicológicos
A tipificação das configurações do contrato psicológico implica ter presente que o mundo do trabalho tem vindo a sofrer mudanças socioeconómicas de ritmo acele- rado, geradoras de transformações nas formas de socialização pelo trabalho, nas relações e identidades profissionais. Autores como Dubar (2000) sugerem que tais mudanças exibem lógicas contraditórias e com consequências significativas para o processo de construção identitária. Com efeito, simultaneamente com o controlo das competências profissionais, com vista à racionalização da produção e ao máxi- mo lucro, estimulam-se os saberes e os saberes-fazer da mão de obra. As tendências de racionalização e inovação coexistem. Pese embora a expansão de novas modali- dades de individualização no trabalho, tal não significa o triunfo do individual so- bre o coletivo, porquanto o processo identitário do “eu” não existe sem o do “nós”. Considera-se assim que a progressiva flexibilização dos sistemas produtivos, de emprego e das “condições de existência a ambos diretamente associados se reper- cute no plano da perceção que os agentes sociais constroem acerca da sua própria condição e da dos outros, reorientando também por consequência, o modo como estabelecem afinidades, solidariedades e estratégias coletivas de ação” (Xxxxx, 1999: 7).
O contrato psicológico é implícito, informal, subjetivo e dinâmico ao longo da relação profissional entre trabalhador e empregador. Aliteratura propõe quatro ti- pos de configurações contratuais desenhadas a partir de duas dimensões funda- mentais, a duração do contrato e o grau de definição das recompensas dependentes do desempenho. Caracterizam-se de seguida as lógicas dos tipos contratuais rela- cional, transacional, equilibrado e transicional.
O contrato psicológico relacional revela um forte pendor emocional e subjeti- vo, tradicionalmente associado a relações de trabalho “para a vida”, de longo prazo, onde valores como lealdade e confiança constituem a base da relação profis- sional, em detrimento de aspetos monetários (Coyle-Xxxxxxx e Xxxxxxx, 2002; Cu- nha et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxx e Xxxxxx, 2009). Ocorre um elevado grau de identificação do trabalhador com a cultura organizacional. Consequentemente,
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 35
este manifesta o seu apoio e lealdade incondicionais, embora com a expectativa de receber segurança, oportunidades de progressão, bem-estar e de ser tratado com equidade e justiça no interior da organização. As recompensas recebidas, geral- mente, não se encontram associadas ao desempenho, como sucede nos contratos transacionais, antes resultam da manifestação de “amor à camisola” (Xxxxx et al., 2007: 218) do trabalhador face à organização. Deste modo, para o trabalhador a es- tabilidade e a segurança no emprego são condições essenciais para o desenvolvi- mento e a execução das suas tarefas, sendo o retorno uma condição necessária para a sua dedicação à organização, onde espera passar a maior parte da sua vida profis- sional (Xxxxxxxx, 2001; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxxx, 2008).
Já o contrato psicológico transacional é apanágio de relações de trabalho de
curto prazo sustentadas na “facilidade de saída” (Xxxxx e Xxxxxxxx, 2004: 54) e em recompensas baseadas no desempenho. Implica um contrato de natureza mais económica, com os trabalhadores a exibirem elevados níveis de desempenho, obrigações concretamente definidas e limitadas, em troca de contrapartidas econó- micas adequadas ao esforço desenvolvido. Não há a pretensão de estabilidade no emprego, nem de comprometimento, integração e identificação com a cultura or- ganizacional. Neste tipo contratual os trabalhadores assumem como própria a res- ponsabilidade pelo desenvolvimento da sua carreira, pretendendo com cada relação de trabalho aumentar as suas capacidades e competências de modo a auto- valorizarem-se e engrandecerem o seu valor no mercado de trabalho (Xxxxxxxx, 2001; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxxx, 2008; Xxxxxx e Xxxxxx, 2009).
Os contratos equilibrados destacam-se por combinarem o compromisso do empregador no desenvolvimento e aperfeiçoamento das capacidades e valor inter- no/externo do trabalhador, e a predisposição deste para ser flexível e ajustar-se às mudanças económicas e financeiras que possam surgir. Dito por outras palavras, trata-se de uma relação aberta, flexível e dinâmica, em que cada parte procura de- senvolver-se, renegociando periodicamente as suas configurações no âmbito do mercado de trabalho, sempre rápido e dinâmico (Xxxxxxxx, 2001, 2004; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxx e Xxxxxx, 2009). As recompensas auferidas pelos traba- lhadores estão dependentes dos seus desempenhos e contributos para o fomento e a manutenção da competitividade da estrutura organizacional onde laboram.
Nos contratos transicionais as relações entre empregadores e trabalhadores são caracterizadas pela incerteza, ambiguidade e desconfiança. As recompensas atribuídas aos trabalhadores, quando sucedem, são frequentemente dissociadas dos seus desempenhos. Trata-se de relações contratuais geradoras de sentimentos de insegurança entre as partes face ao futuro e continuidade das mesmas (Xxxxxxxx, 2001, 2004; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxx e Xxxxxx, 2009), e de elevados ní- veis de turnover. Emergem assim no âmbito de um mercado de trabalho cujas trans- formações profundas, mencionadas no início deste ponto, implicam perturbações negativas nas relações e identidades profissionais.
36 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
Violação e quebra dos contratos psicológicos
A violação do contrato psicológico consiste na crença de que a organização falhou na manutenção adequada do referido contrato (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997). Já a quebra surge como a perceção de que a organização não cumpriu uma ou mais obrigações inerentes ao contrato psicológico (Cunha et al., 2007). No caso da viola- ção do contrato psicológico, trata-se de uma reação emocional mais expressiva face à quebra total das expectativas, promessas e obrigações da entidade empregadora. Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1997) propõem um modelo de violação do contrato psicoló- gico assente em dois fatores passíveis de originar a quebra do contrato: negação e incongruência.
Anegação sucede quando a entidade empregadora falha no cumprimento de promessas, obrigações, expectativas, seja por incapacidade, seja por falta de vonta- de de cumpri-las (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; XxXxxxxx e Xxxxx, 2000; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007). Aincongruência emerge no momento em que entre a enti- dade empregadora e o trabalhador ocorre um diferente entendimento acerca das expectativas, obrigações e promessas (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997). Ao contrário do que acontece com a negação, no caso da incongruência não há incapacidade ou au- sência de vontade no cumprimento de promessas e obrigações, antes o emprega- dor pode ter a convicção de ter cumprido com tudo o que lhe estava incumbido e, mesmo assim, o trabalhador percecionar que aquele falhou em algum momento (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; XxXxxxxx e Xxxxx, 2000; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007). Deste modo, quanto mais complexa e pouco esclarecida for a relação entre as partes do contrato psicológico e mais frágil a comunicação entre elas, maior será a probabilidade de ocorrerem episódios de incongruência.
Avigilância surge como uma dimensão a ter em conta na análise da violação e da quebra do contrato psicológico. Pode ser concetualizada como “o grau em que o empregado monitoriza o modo como a organização cumpre as promessas” (Xxxxx et al., 2007: 219). Com o acréscimo da vigilância aumenta a probabilidade da obser- vância de quebras e mesmo violações do contrato psicológico, pois as partes envol- vidas estão mais atentas a qualquer pequena alteração ao estipulado inicialmente (Xxxxxxxx, 1989; Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2000; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007). Ainda assim, não é pelo facto de um trabalhador percecio- nar a quebra do contrato psicológico que a violação do mesmo ocorre (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; Ferreira, 2007).
Quer com a violação, quer com a quebra do contrato psicológico o sentido de lealdade e de dever para com a organização diminui, com o consequente acréscimo de comportamentos negligentes por parte do trabalhador. Por outro lado, neste contexto de insegurança e desapontamento pode suceder uma “transformação” contratual, isto é, um contrato de natureza relacional poderá resultar num contrato de cariz transacional.
Finalmente, urge referir aquela que é considerada a consequência mais gra- vosa da violação e quebra do contrato psicológico, a saber, o aumento da rotativi- dade dos trabalhadores e a procura de outro emprego. Com efeito, os casos de degradação e rutura sérios inviabilizam a continuidade das relações de trabalho.
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 37
Metodologia de investigação
À semelhança do que sucede na maioria da literatura sobre o contrato psicológico, também a presente análise se debruça apenas num lado da relação 1 — a perspetiva do advogado estagiário. Trata-se de advogados estagiários na fase complementar do estágio, com duração de 18 meses, ao longo da qual desenvolvem as suas apti- dões e competências profissionais, através de um contacto diário com a prática, sempre sob supervisão e coordenação do patrono.
Apesar do elevado número de advogados estagiários inscritos na Ordem dos Advogados a frequentar o estágio profissional, a angariação de voluntários para participar nesta pesquisa através de entrevistas semiestruturadas revelou-se tarefa árdua. Ocorreram muitas recusas por parte dos indivíduos abordados, sob a justi- ficação de que seria um “tema muito delicado” e que “preferiam não se expor e fa- lar sobre o estágio, sobre o local do mesmo e do seu relacionamento com patrono e colegas”. Aliás, as dificuldades ao longo do estudo surgiram numa fase muito embrionária do mesmo. Com efeito, revelou-se impossível obter dados de caracte- rização sociodemográfica, escolar e profissional do universo dos advogados esta- giários junto da Ordem dos Advogados (apesar de várias tentativas nesse sentido, quer por via pessoal, quer por e-mail). Este constrangimento inviabilizou desde logo exercícios comparativos entre o universo e a amostra analisada na pesquisa.
Para a seleção dos advogados estagiários recorreu-se a uma estratégia de “bola de neve”, ou seja, entrevistados que fornecerem contactos de colegas a fre- quentar a fase eminentemente prática do estágio profissional em advocacia. No to- tal realizaram-se 20 entrevistas semiestruturadas a advogados estagiários da referida fase, na área do Conselho Distrital do Porto,2 embora dispersos por dife- rentes comarcas.
Elaborou-se um guião de entrevista dividido nas seguintes nove partes: in- formação sociodemográfica; caracterização do estágio em advocacia; enquadra- mento organizacional do estágio em advocacia; natureza das atividades realizadas no estágio em advocacia; horário e condições de trabalho subjacentes ao estágio em advocacia; relação profissional com o patrono; direitos e deveres profissionais no estágio em advocacia; perspetivas e perceções sobre o estágio em advocacia; e, fi- nalmente, as perspetivas de continuidade e progressão profissional.
Todas as entrevistas foram realizadas com contacto direto com o entrevista- do, 15 presencialmente e cinco com recurso ao skype e a uma webcam, por forma a garantir o contacto visual direto. As entrevistas ocorreram em locais distintos, no- meadamente, no escritório onde o advogado estagiário desempenhava funções, e em espaços públicos com ambientes sossegados e propícios a este tipo de trabalho.
1 Embora se reconheçam as limitações deste tipo de abordagem, a presente investigação desen- volveu-se igualmente apenas em torno de um lado da relação, em virtude dos constrangimentos temporais para a realização do trabalho empírico e da inacessibilidade de grande parte dos pa- tronos.
2 Optou-se pelo Conselho Distrital do Porto, atendendo à localização residencial da equipa de in- vestigação.
38 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
A análise das 20 entrevistas implicou a elaboração de sinopses das mesmas, seguida de análises categorial e tipológica (Guerra, 2006). Primeiramente, proce- deu-se a uma análise do conteúdo do material para descrever e interpretar o senti- do do que foi verbalizado pelos entrevistados. Partindo de temas gerais, tratados nas diferentes partes do guião da entrevista semiestruturada, desenharam-se cate- gorias com o objetivo de apreender as configurações do contrato psicológico na re- lação entre advogados estagiários e patronos. Seguidamente, a construção da tipologia sobre os dois perfis de advogados estagiários sustentou-se em sete eixos: o tipo de organização; as tarefas e sua execução; as relações profissionais com o pa- trono e demais elementos da organização; as condições de trabalho; a remunera- ção; o horário de trabalho e regime de férias; e as perspetivas de continuidade e desenvolvimento de carreira. O perfil A corresponde aos cinco advogados a estagiar em grandes sociedades de advogados. O perfil B contempla os 15 advoga- dos estagiários inseridos em escritórios organizados em sociedades informais ou em prática individual, ambos com partilha de espaços e despesas.
A exploração das configurações tipológicas do contrato psicológico entre advogados estagiários e patronos considerou as seguintes dimensões analisadas por Xxxxxxx (2008): relação entre as partes; direitos e deveres dos advogados estagiários; cumprimento de promessas, expectativas, obrigações e mudanças no local do estágio. Há que ressalvar que para estas duas últimas dimensões não foi possível aplicar a tipologia acima referida, dada a homogeneidade das perspetivas dos advogados estagiários entrevistados.
Em termos de perfil sociodemográfico e profissional dos entrevistados, im- porta salientar que a maioria (75%) pertence ao género feminino, o que sintoniza com a tendência de feminização, quer do ensino superior, quer dos licenciados em Direito, mencionada em investigações anteriores sobre o tema (Caetano, 2003; Chaves, 2010; Fernando, 2013). A média de idades dos advogados estagiários é de 30,55 anos, sendo a maioria solteiros e sem filhos.
Todos os entrevistados são licenciados em Direito, requisito incontornável de acesso à profissão, e a maioria obteve a sua licenciatura em Faculdades de Uni- versidades no Porto. No que respeita à formação escolar/profissional, todos os entrevistados declararam frequentar ou ter frequentado formações posteriores à li- cenciatura, seja ao nível de pós-graduações, mestrado (obrigatórios para licenciados no âmbito do Processo Bolonha que se pretendem inscrever na Ordem dos Advoga- dos) ou outras especializações relevantes para o exercício da profissão.
Seis entrevistados afirmaram não ter sido o estágio em advocacia a sua pri- meira escolha profissional, sendo as experiências profissionais anteriores assinala- das as mais diversas. Desde o caso de um oficial de justiça reformado, cujo percurso universitário começou ainda durante a sua atividade profissional, embora o está- gio se tenha iniciado após a reforma devido às incompatibilidades inerentes às duas profissões, a três entrevistados que após a conclusão da licenciatura em Direi- to optaram por não realizar o estágio imediatamente, tendo estado a trabalhar na área da formação profissional e da saúde e higiene no trabalho. De assinalar, ainda, que dois entrevistados referiram que após a conclusão da licenciatura iniciaram o estágio tendo-o depois suspendido, para realização de mestrado.
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 39
Perfis de advogados estagiários
A caracterização dos dois perfis de advogados estagiários seguirá os eixos ante- riormente enunciados, em particular: o tipo de organização; as tarefas; as rela- ções profissionais; as condições de trabalho; a remuneração; o horário de trabalho e regime de férias; e as perspetivas de continuidade e desenvolvimento de carreira.
Perfil A — advogados estagiários em grandes sociedades
As grandes sociedades de advogados consistem em organizações que se dividem por áreas de funcionamento, departamentos e setores, com pessoal administrativo afeto às várias áreas. Os sócios ocupam as posições hierarquicamente superiores, havendo um grupo de trabalho constituído por consultores, outros advogados, so- licitadores e advogados estagiários.
No que respeita às tarefas, os advogados estagiários entrevistados afirmam ter as tarefas diariamente atribuídas, ou por um coordenador dos estagiários, ou por alguns dos sócios da sociedade. Ao entrarem são selecionados para determina- da área ou grupo de trabalho, e responsabilizados por um tipo específico de tare- fas, nomeadamente avenças, dentro das quais executam todos os atos necessários ao bom prosseguimento do trabalho, sob a supervisão dos superiores.
As relações profissionais ocorrem dentro do grupo a que estão adstritos. Alguns estagiários chegaram a referir que não escolheram patrono quando foram selecionados, atribuíram-lhes um com o qual manifestam pouco contacto diário, apesar da sua disponibilidade para dúvidas ou esclarecimentos. As relações mais próximas ocorrem ao nível de chefias intermédias, também responsáveis pela sua avaliação de desempenho periódica. De referir que consideram as relações infor- mais, nomeadamente ao nível de relacionamento entre estagiários, ressalvando al- gum formalismo perante clientes.
Dois dos estagiários que se encontram em sociedades referiram não receber qualquer tipo de remuneração, manifestando descontentamento com a situação, por não ter sido isso o prometido e acordado. Os restantes três estagiários declara- ram receber um salário, motivo da opção por uma sociedade, a acrescer à preocu- pação com a carreira, pois entendem que esta estrutura organizacional é mais atrativa em termos de estabilidade e perspetivas de progressão.
Ao nível das condições de trabalho foram unânimes em reconhecer boas con- dições de trabalho e de aprendizagem, sendo inclusivamente incentivados a fre- quentar formações, algumas internas à organização, embora todos digam que não o costumam fazer por escassez de tempo.
Quanto ao horário de trabalho, faltas e férias, apesar de não rigidamente insti- tuído, possuem um horário de referência a cumprir, bem como obrigações de pon- tualidade e assiduidade implícitas, pois o facto de terem tarefas específicas impõe que estejam presentes para conseguirem cumprir os objetivos. No que respeita a fé- rias e faltas, os advogados estagiários declararam que têm direito a 22 dias de férias e que dispõem de flexibilidade na marcação das mesmas. As ausências ao trabalho
40 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
têm que ser justificadas, embora os patronos evidenciem flexibilidade na definição dos critérios dessa justificação.
Os estagiários entrevistados revelaram satisfação global com o local de está- gio e as condições de progressão e aprendizagem. A maioria sublinha que as pro- messas e expectativas têm sido cumpridas, exceto, como suprarreferido, no que respeita à remuneração.
Todos declararam que no imediato pretendem exercer advocacia e reconhe- cem perspetivas de continuidade e progressão na organização, pelo que o seu futu- ro a curto e médio prazo, se tal lhes for proposto, passará pela organização onde trabalham.
Perfil B — advogados estagiários em escritórios ou pequenas sociedades
Os escritórios em prática individual e as sociedades informais resumem-se a pou- cos advogados (cinco estagiários referiram estar a estagiar num escritório com um único advogado), que partilham o espaço e em alguns casos as despesas. Quatro es- tagiários afirmaram que no seu local de estágio não existe pessoal administrativo, e a maioria sublinha a inexistência de partilha de clientes e o trabalho autónomo dos advogados.
No que respeita às tarefas, os entrevistados realizam o que vai surgindo, qua- se exclusivamente trabalho de direito, tarefas normalmente atribuídas pelo patro- no e por este supervisionadas ou elaboradas em conjunto. Os estagiários em locais onde não existe funcionário administrativo desenvolvem ainda tarefas admi- nistrativas, admitindo alguma desorganização a esse nível, o que dificulta o desen- volvimento das atividades e a aprendizagem (um dos estagiários reconheceu ter mudado de local de estágio essencialmente por esse motivo).
A pequena dimensão destas organizações permite um contacto direto e diá- rio com as atividades do patrono. O trato no entender da generalidade dos inquiri- dos é informal e tudo funciona numa base familiar. Ressalvam, todavia, que perante os clientes e no Tribunal é adotada uma postura mais formal e séria. Uma evidência da proximidade nas relações é o reduzido número de estagiários (cinco) que admitem ter um espaço individual; a maioria partilha espaço com os demais estagiários, ou com o patrono.
Dos 15 estagiários que se enquadram neste perfil, apenas dois asseguraram receber algum tipo de remuneração, seja fixa ou a título compensatório pelos traba- lhos realizados, muito embora a maioria não concorde com a situação e entenda que, pelo menos a partir da fase complementar, deveriam receber alguma coisa, nem que fosse uma pequena gratificação como forma de incentivo.
No que respeita ao horário de trabalho, assiduidade e pontualidade todos afirmaram não ter horário rígido, dando a justificação de que a flexibilidade horá- ria está subjacente ao conceito de profissão liberal. Apesar de tudo, identifica- ram-se duas posições distintas. Os entrevistados para quem o estágio é encarado como uma verdadeira ocupação tentam cumprir um horário a tempo inteiro (cerca de 40 h semanais), e são assíduos e pontuais. Os que encaram o tempo de estágio como algo apenas necessário para a obtenção da cédula, deslocam-se reduzidas
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 41
vezes ao escritório. Neste grupo encontram-se quatro estagiários com mais de 35 anos, que já tiveram outras ocupações e encaram o estágio de uma forma mais descontraída.
Relativamente a faltas ou férias é geral a opinião que, comunicando e tentan- do coordenar com o patrono, por exemplo, ausências nos mesmos períodos do pa- trono e colegas, não há impedimentos ou obstáculos.
Os estagiários declararam uma satisfação global com o estágio, o patrono e as condições de aprendizagem e desenvolvimento, sendo incentivados a frequentar formações quer da Ordem dos Advogados, quer outras de interesse para a prática profissional. A maioria considera que as promessas têm sido cumpridas e exibem uma identificação com os valores organizacionais.
Já no que respeita ao exercício da advocacia e às condições de permanência no local de estágio, dois estagiários não pretendem exercer; um deles, apesar de ainda se encontrar a estagiar, já está a frequentar mestrado em Espanha e afirma não pre- tender ficar em Portugal; três estão indecisos face ao futuro, não sabendo se no final do estágio continuarão ou não na advocacia; os restantes dez afirmaram querer continuar a exercer, embora provavelmente não seja a única atividade que desen- volverão. Daqueles que ambicionam ver o seu futuro ligado à advocacia, após o es- tágio, apenas cinco reconhecem condições e possibilidades de continuarem no local de estágio.
Contratos psicológicos e perfis de advogados estagiários
Procura-se neste ponto caracterizar as dimensões dos contratos psicológicos de advogados estagiários, atendendo aos perfis A e B analisados anteriormente. De referir que apenas na dimensão relação entre advogados estagiários e patronos se verifi- ca o exercício de distinção entre os referidos perfis, pois nas demais dimensões regista-se uma relativa homogeneidade dos seus posicionamentos.
Após a referida caracterização sistematizam-se as configurações contratuais observadas no âmbito do estágio profissional em advocacia dos entrevistados.
Relação entre advogados estagiários e patronos
No âmbito do perfil A — advogados estagiários em grandes sociedades, a relação com o patrono é esbatida por toda uma estrutura organizativa com chefias intermédias responsáveis por servirem de canais de informação, distribuição, coordenação e orientação do trabalho e das tarefas. Tal implica que o advogado estagiário con- tacte quase unicamente com o seu grupo de trabalho, sendo no seu interior que resolve todas as questões quotidianas relacionadas com o exercício das suas tare- fas. Nele é também avaliado, recebe feedback e críticas pelo seu desempenho profis- sional, na pessoa dos colegas de trabalho e do seu superior hierárquico, que não o patrono. Os advogados estagiários não conhecem em profundidade a complexida- de da vida organizacional. Todas as dinâmicas estão perfeitamente instituídas e rotinizadas, pelo que a entrada ou saída de estagiários ou mesmo de advogados
42 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
não altera em nada os relacionamentos e a atividade da sociedade (as rotinas, o nú- cleo e a estrutura mantêm-se ao longo do tempo).
Já no caso do perfil B — advogados estagiários em escritórios ou pequenas socieda- des, as relações estreitam-se e o contato entre as duas partes origina um maior entrosamento com toda a atividade desenvolvida no seio da organização, por exemplo, esclarecimento de dúvidas, atribuição de tarefas, feedback e críticas reali- zadas pelo patrono. Os contactos são diretos, não surgindo dúvidas de quem são as partes da relação de estágio. Face a esta proximidade, qualquer ligeira alteração da relação, nomeadamente pela saída ou entrada de um novo elemento, é logo notada e implica adaptações às dinâmicas quotidianas, em alguns casos suscitando mu- danças ao nível quer do espaço físico, quer das condições de trabalho.
Deveres e direitos dos advogados estagiários
Os entrevistados foram unânimes ao elencarem vários deveres que têm para com a entidade que orienta o estágio. Os advogados estagiários apontaram como essenciais os seguintes deveres: o profissionalismo, a dedicação, a respon- sabilidade, a lealdade, a solidariedade, o respeito, a ética e a deontologia, a ho- nestidade, a assiduidade e o estudo. Os deveres destacados sintonizam-se com as respostas à questão relativa aos valores profissionais, o que vem demonstrar até que ponto o seu cumprimento é relevante para o exercício da profissão de advogado.
Como contraponto ao que entendem poder ser-lhes exigido elencaram: o di- reito de aprender, a ser ensinado e ajudado, a receber feedback pelo seu desempe- nho, a participar ativamente na execução das tarefas, a ser respeitado e bem recebido, a ter uma remuneração ou compensação pelas tarefas desempenhadas, e a fruir de férias.
Como já anteriormente mencionado, o estágio de advocacia, pelas normas e regulamentos internos da Ordem dos Advogados, não é obrigatoriamente remu- nerado. Contudo, os entrevistados declararam expressamente ter direito a uma re- muneração de montante variável a título de incentivo e reconhecimento pelo trabalho desempenhado na fase complementar. Importa salientar que oito entre- vistados afirmaram mesmo ter trocado de local de estágio pelo facto de não recebe- rem qualquer retribuição, ou pela insuficiência da mesma.
Os advogados estagiários sentem o seu esforço reconhecido com o agradeci- mento sincero pelas tarefas desenvolvidas, o elogio ao trabalho bem realizado, a confiança pela atribuição de mais atividades, protagonizados pelos patronos. Ape- nas três inquiridos declararam que a compensação e o reconhecimento pelas tare- fas bem desempenhadas são realizados monetariamente. A reciprocidade de deveres e direitos constitui assim um fator importante de desenvolvimento e conti- nuidade desta relação profissional.
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 43
Cumprimento de promessas, expectativas, obrigações e mudanças no local do estágio
O incumprimento de promessas, expectativas e obrigações pode originar senti- mentos de desapontamento, frustração, quebras da confiança e, nas situações mais extremas, o abandono do local de estágio. Neste sentido, indagou-se sobre até que ponto a existência de mudanças de patronos estaria relacionada com a perceção de quebra ou violação do contrato psicológico (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2000; Xxxxx et al., 2007; Ferreira, 2007).
Nos depoimentos recolhidos constatou-se que 12 dos 20 entrevistados conti- nuam no mesmo local de estágio e oito já mudaram de patrono, havendo neste último contingente três que mudaram mais do que uma vez. Aperceção dos entre- vistados sobre o incumprimento total de obrigações tidas como certas e necessárias ao estágio — por exemplo, condições de aprendizagem, acompanhamento e dispo- nibilidade do patrono, e remuneração — sustenta violações do contrato e origina a busca de alternativas mais satisfatórias que culminam na extinção do vínculo pro- fissional (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997; Ferreira, 2007). Importa referir que dos seis estagiários a reconhecerem o cumprimento não integral de promessas, expectati- vas e obrigações, principalmente no que respeita à remuneração, a maioria não al- terou o local de estágio. Trata-se assim de uma quebra do contrato que originou apenas uma alteração da relação entre as partes e não de uma violação do contrato psicológico — nomeadamente tornou os estagiários mais vigilantes e atentos ao cumprimento das promessas e obrigações dos patronos.
Tentou-se indagar, ainda, se estas situações levaram à mudança de perceção sobre o estágio em advocacia e à diminuição do comprometimento e lealdade para com o patrono e a organização, mas da informação recolhida não é claro que tal te- nha sucedido. Facto talvez justificado quer pela situação de dependência face ao patrono para a finalização do processo de estágio, quer pela intenção de permane- cer na organização aquando da aquisição da cédula profissional.
Os estagiários esperam, pelo menos no imediato, continuar a exercer advocacia e perspetivam realizá-la no atual local de estágio, particularmente aqueles que esta- giam em grandes sociedades. O sentimento de lealdade e reconhecimento é elevado entre todos, pelo que a maioria admite manter as ligações profissionais e pessoais, ainda que exercendo em locais diferentes. Para a maioria dos advogados estagiários o retorno e compensação pelo esforço é esperado na forma de possibilidades de pro- gressão, apoio, aprendizagem e desenvolvimento de novas aptidões, e já não sob a forma de remuneração certa e determinada (Xxxxxxx, 2003; Chaves, 2010).
Configurações contratuais psicológicas
O contrato psicológico transacional (Xxxxxxxx, 2001; Xxxxx e Xxxxxxxx, 2004; Xxxxx et al., 2007; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxxx, 2008; Xxxxxx e Xxxxxx, 2009) aproxima-se das reali- dades profissionais experienciadas pelos advogados estagiários. O estágio é percecio- nado como uma fase transitória, permeável à aquisição e ao aperfeiçoamento de conhecimentos, associada à busca de realidades laborais que correspondam e
44 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
preencham as suas expectativas profissionais e pessoais. Este sentimento de transito- riedade é particularmente expressivo junto dos advogados estagiários em pequenas sociedades, uma vez que a maioria não vislumbra possibilidades de continuar nessas organizações. Enquanto nelas permanecem evidenciam níveis de esforço e empenha- mento elevados, embora mais numa perspetiva de interesse próprio, estando omni- presente a possibilidade de mudança. Os advogados estagiários esperam que cada relação de trabalho lhes permita ampliar os seus conhecimentos e competências de modo a autovalorizarem-se e aumentarem a sua competitividade no mercado de tra- balho. Acreditam nas suas responsabilidades para o desenvolvimento de uma carreira no âmbito da atividade profissional em advocacia.
Embora apenas se tenha auscultado o lado dos advogados estagiários, reco- nhecem-se alguns traços dos contratos psicológicos equilibrados (Xxxxxxxx, 2001) nesta relação profissional. Efetivamente, encaram como um dever profissional a le- aldade, a confiança e o empenho no trabalho, considerando-se a si próprios sufici- entemente flexíveis para aceitarem funções novas decorrentes dos desafios de competitividade a que a organização está submetida. Por outro lado, todos referem que estão a aprender e a desenvolver novas capacidades e aptidões relevantes para o exercício da advocacia, em função do apoio do patrono e da organização. Com efeito, estes tendem a criar oportunidades de desenvolvimento para os advogados estagiários, a encorajar a sua aprendizagem contínua e auxiliá-los na concretização eficiente e eficaz de tarefas gradualmente mais exigentes. A reciprocidade reve- la-se decisiva para o desenvolvimento e continuidade desta relação profissional aberta, flexível e dinâmica.
As relações profissionais entre advogados estagiários e patronos aproxi- mam-se assim de mais do que uma configuração do contrato psicológico. Em ter- mos sumários, destacam-se características do contrato transacional, em virtude da liberdade sentida pelos estagiários para procurarem novas realidades profissio- nais e da inexistência de obrigações para permanecerem na organização onde estagiam. Constatam-se igualmente dimensões caracterizadoras do contrato equi- librado, dada a procura de desenvolvimento e aprendizagem contínua dos advo- gados estagiários num contexto dinâmico e aberto, e o apoio e as trocas recíprocas entre estes e a organização que os acolhe durante o estágio.
Considerações finais
O artigo discute a aplicação do conceito de contrato psicológico ao estágio profissio- nal em advocacia. Através de entrevistas semiestruturadas a advogados estagiários, revela-se a configuração do contrato psicológico e suas respetivas dimensões no âmbito desta relação laboral.
A análise realizada sugere a existência de dois perfis distintos de advogados estagiários em função do tipo de organização, das tarefas realizadas, das relações profissionais, das condições de trabalho, da remuneração, do horário de trabalho e do regime de férias, e das perspetivas de continuidade e desenvolvimento de car- reira. O perfil A corresponde aos advogados estagiários que integram grandes
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 45
sociedades de advogados e o perfil B aos que se encontram a estagiar em pequenas sociedades e em escritórios de prática individual, ou ainda em escritórios de advo- gados de pequena dimensão, que constituem sociedades informais. Sumariamen- te, o estágio em grandes sociedades de advogados desenrola-se de modo diferente do estágio em escritórios ou pequenas sociedades. No primeiro caso ocorre uma maior formalização de procedimentos, divisão de tarefas e uma relação algo dis- tante do patrono. Já no segundo o trabalho é contínuo, quotidiano e, em alguns ca- sos, partilhado integralmente com o patrono, o que permite uma relação mais próxima.
A reflexão sobre as configurações tipológicas do contrato psicológico entre ad- vogados estagiários e patronos integrou as dimensões seguintes: relação entre as partes; direitos e deveres dos advogados estagiários; cumprimento de promessas, expectativas, obrigações e mudanças no local do estágio. Se na primeira dimensão se concluiu sobre diferenças acentuadas entre os entrevistados do perfil A (advogados estagiários em grandes sociedades) e do perfil B (advogados estagiários em escritó- rios ou pequenas sociedades), como sistematizámos no parágrafo anterior, nas res- tantes sobressai uma relativa uniformidade de posicionamentos. Constata-se pois a existência de direitos e deveres recíprocos entre advogados estagiários e patronos, o que reforça a tese de compromisso e comprometimento entre ambas as partes no âm- bito do desenvolvimento do estágio em advocacia. A maioria dos entrevistados reco- nhece o cumprimento de promessas, expectativas e obrigações no âmbito desta relação profissional. Os que percecionam o seu incumprimento total vivem situa- ções de violações do contrato psicológico, enquanto as situações de cumprimento não integral originam quebras contratuais nem sempre geradoras de mudanças nos locais de estágio. Efetivamente, entre os estagiários que reconhecem falhas da orga- nização, em particular no que respeita à remuneração, a maioria não abandona o local de estágio e assume antes uma maior vigilância em relação à manutenção adequada da relação profissional.
O estágio profissional em advocacia aproxima-se de duas configurações do contrato psicológico. Sinteticamente, destacam-se características do contrato tran- sacional pela transitoriedade da experiência de estágio, e pela possibilidade de pro- curarem experiências profissionais diferentes, porquanto os estagiários não têm obrigação de permanecerem na organização que os acolhe. Observam-se ainda atributos do contrato equilibrado, em função da busca de desenvolvimento e apren- dizagem contínuos dos advogados estagiários num contexto dinâmico e aberto, e de relações de cooperação entre ambas as partes.
A opção de analisar a perspetiva dos advogados estagiários acerca da sua re- lação profissional com os patronos permitiu apreender um conjunto específico de dinâmicas subjacentes às configurações do contrato psicológico. Neste sentido, a operacionalização de um conceito amplamente problematizado pela literatura científica, comoéo do contrato psicológico, a um campo profissional ainda não explorado sob este prisma teórico-concetual, constitui um observatório pertinente para decifrar lógicas identitárias e tensões de profissionalismo que configuram o atual mundo do trabalho atravessado pela crescente precariedade e volatilidade das relações laborais.
46 Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx
Referências bibliográficas
Xxxxxxx, Xxxxxxx (2003), Inquérito aos Advogados Portugueses. Uma Profissão em Mudança, Lisboa, ISCTE.
Xxxxxx, Xxxxxx (2010), Confrontos com o Trabalho entre Jovens Advogados. As Novas Configurações da Inserção Profissional, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.
Xxxxxx, Xxxx, e Xxx Xxxxxx (2009), “Fifty years of psychological contract research: what do we know and what are the main challenges?”, International Review of Industrial and Organizational Psychology, 24, pp. 71-149.
Xxxxx-Xxxxxxx, Xxxxxxxxxx, e Xxx Xxxxxxx (2000), “Consequences of the psychological contract for the employment relationship: a large scale survey”, Journal of Management Studies, 37 (7), pp. 903-930.
Xxxxx-Xxxxxxx, Xxxxxxxxxx, e Xxx Xxxxxxx (2002), “Exploring reciprocity through the lens of the psychological contract: employee and employer perspectives”, European Journal of Work and Organizational Psychology, 11 (1), pp. 69-86.
Xxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxx, Rita Cunha, e Xxxxxx Xxxxxx-Xxxxxxx (2007), Manual de Comportamento Organizacional e Gestão, Lisboa, Editora RH.
Xxxxx, Xxxxxxxxx, e Xxxxxx Xxxxxxxx (2004), “Mutuality and reciprocity in the psychological contracts of employees and employers”, Journal of Applied Psychology, 89 (1), pp. 52-72.
Xxxxx, Xxxxxx (2000), La Crise des Identités. L’Interprétation d’Une Mutation, Paris, Presses Universitaires de France.
Xxxxxx, Xxxxx (2009), “New professionalism and new public management: changes, continuities and consequences”, Comparative Sociology, 8, pp. 247-266.
Xxxxxxxx, Xxxxx (2013), “As mulheres na advocacia: o que os números não mostram, mas podiam mostrar”, Boletim da Ordem dos Advogados, 100, pp. 30-31.
Xxxxxxxx, Xxx Xxxxx (2007), Conteúdo e Quebra do Contracto Psicológico e Comportamentos Individuais de Gestão de Carreira, Braga, Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, tese de doutoramento.
Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx (2006), Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo. Sentidos e Formas de Uso, Cascais, Principia.
Xxxxx, Xxxxx (2004), “The psychology of the employment relationship: an analysis based on the psychological contract”, International Association for Applied Psychology,
53 (4), pp. 541-555.
Xxxxx, Xxxxx, e Xxxx Xxxxxx (2002), “Communicating the psychological contract: an employer perspective”, Human Resource Management Journal, 12 (2), pp. 22-38.
Xxx, Xxxxxxx, Xxx Xxx, Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxx, e Xxxx Xxxxx Xxxx (2011), “Inducements, contributions and fulfillment in new employee psychological contracts”, Human Resource Management, 50 (2), pp. 201-226.
Leiria, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, e Xxxxxx Xxxx Xxxxx (2006),
“O contrato psicológico em organizações empreendedoras: perspectivas do empregador e da equipa”, Comportamento Organizacional e Gestão, 12, pp. 67-94.
XxXxxxxx, Xxxxx, e Xxxxx Xxxxx (2000), “The psychological contract, organizational commitment and job satisfaction of temporary staff”, Leadership & Organization Development Journal, 21 (2), pp. 84-91.
CONTRATO PSICOLÓGICO E ESTÁGIO PROFISSIONAL EM ADVOCACIA 47
Xxxxxxxx, Xxxxxxxxx, e Xxxxxx Xxxxxxxx (1997), “When employees feel betrayed: a model of how psychological contract violation develops”, Academy of Management Review, 22 (1), pp. 226-256.
Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx (2008), “Psychological contract and employment relationship”,
The ICFAI University Journal of Organizational Behavior, 7 (4), pp. 7-24.
Xxxxx, Xxxx Xxxxxxxxx (1999), “Flexibilidade, segurança e identidades profissionais”,
Caderno de Ciências Sociais, 19-20, pp. 5-37.
Xxxxxxxx, Xxxxxx, e Xxxxxxxxx Xxxxxxxx (2000), “The development of psychological contract breach and violation: a longitudinal study”, Journal of Organizational Behavior, 21, pp. 525-546.
Xxxxxxxx, Xxxxxx (1989), “Psychological and implied contracts in organizations”,
Employee Responsibilities and Rights Journal, 2, pp. 121-139.
Xxxxxxxx, Xxxxxx (2001), “Schema, promises and mutuality: the building blocks of the psychological contracts”, Journal of Occupational and Organizational Psychology, 74 (4), pp. 511-541.
Xxxxxxxx, Xxxxxx (2004), “Psychological contracts in the workplace: understanding the ties that motivate”, Academy of Management Executive, 18 (1), pp. 120-127.
Xxxxxx, Xxxx, e Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2004), “Integrating expectations, experiences, and psychological contract violations: a longitudinal study of new professionals”, Journal of Occupational and Organizational Psychology, 77, pp. 493-514.
Xxxxxxxxxxx, Tim, Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxx Xxxxxxxxxx, e Xxxx Xxxxxx (2011), “A new deal for NPO governance and management: implications for volunteers using psychological contract theory”, Voluntas, 22,
pp. 639-657.
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxx (corresponding author). Professora auxiliar da Faculdade de Economia do Porto e investigadora do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, Xxx Xx. Xxxxxxx Xxxxx, 0000-000 Xxxxx, Xxxxxxxx. E-mail: xxxxxx@xxx.xx.xx
Suzana Fernandes. Técnica de recursos humanos, Grupo Visabeira, Rua do Palácio do Gelo, n.º 1, Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxxxxx, Xxxx 0, 0000-000 Xxxxx, Xxxxxxxx.
E-mail: xxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx
Receção: 15-05-2015 Aprovação: 12-10-2015