MESTRE SIMÃO MENDES DE SOUSA*
O contrato de swap de taxa de juro e a usura
MESTRE XXXXX XXXXXX XX XXXXX*
Sumário: I. Razão de Ordem. II. O Contrato de Swap de Taxa de Juro. III. A Usura.
IV. A Usura e o Contrato de Swap de Taxa de Juro. V. Conclusões.
I. Razão de Ordem
O contrato de swap de taxa de juro, tem sido terreno propício à produ- ção científica, sobretudo, a partir de 2013 até ao tempo presente. Sem grande esforço, encontrar-se-ão algumas dezenas de obras Doutrinárias, valiosíssimas do ponto de vista da ciência jurídica, abordando alguns dos problemas que, com mais frequência, têm sido associados ao contrato de swap de taxa de juro. O mesmo se diga, relativamente a Jurisprudência dos tribunais superiores.
Tem-se excluído, sem grande explicação, a usura1. Se é verdade que o contrato de swap de taxa de juro é, ainda assim, uma realidade relativamente obscura para a ciência do direito, não se afigura menos verdadeira a conclu- são de que estes, nomeadamente ao tempo da sua celebração, podem levantar variadíssimos problemas relativos com a sua validade.
O contrato de swap de taxa de juro, e os instrumentos financeiros deri- vados – com os derivados diferenciais à cabeça –, são um terreno fértil para a existência de invalidades na formação dos negócios. Sem grande esforço, ocor-
* Mestre em Direito e Gestão de Empresas pela Universidade Nova de Lisboa; Advogado.
1 Ainda que no Acórdão STJ, 26.01.2016, Proc. 876/12.9 TVLSB.L1.S1 (Xxxxxxx Xxxxxxxx), o voto de vencida de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx referir a hipótese de em certos casos se poder recorrer à usura, em face de “um tecido empresarial composto maioritariamente por pequenas e médias empresas, sem profissionais especializados em questões financeiras e que se baseiam os seus investimentos no aconselhamento resultante da relação de confiança que têm com os funcionários dos bancos de que são clientes” (Itálico nosso).
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rem-nos, por exemplo, o erro-vício e a usura. Ao longo das próximas linhas propomo-nos analisar a usura e a sua relação com o contrato de swap de taxa de juro.
II. O Contrato de Swap de Taxa de Juro
I. O contrato de swap de taxa de juro faz parte da categoria dos instrumen- tos financeiros derivados e, nalguns casos, dentro destes da categoria dos deri- vados diferenciais. Curiosamente, até poderíamos encerrar este breve excurso dizendo que ao estudar um instrumento financeiro derivado, estudamos aque- les instrumentos financeiros cujo valor deriva de um outro ativo subjacente2. Sucede que, essa afirmação se revelaria excessivamente simplista, uma vez que deixaríamos de parte características fundamentais destes instrumentos, sendo as possíveis dificuldades apresentadas pela sua estrutura própria, que contribuem para que haja quem na Doutrina considere estes como a “figura mais misteriosa de todas quantas neste domínio se defrontam”3.
Um dos seus principais aspetos encontra-se no facto de estes não poderem, sem mais, existir de uma forma isolada, estando sempre indexados a um outro ativo subjacente que lhes dá vida e fundamenta a “técnica de derivação”4. Dada a sua natureza, o leque de ativos subjacentes, aos quais pode um instrumento financeiro derivado ser indexado são, praticamente, ilimitados5.
II. Num Contrato de Swap de Taxa de Juro6, as partes do contrato podem efetuar uma permuta7 funcional da sua posição financeira, permutando quantias
2 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, The Legal Principles of Derivatives, in Journal of Business Law, January Issue, 2002, London, Xxxxx&Xxxxxxx, p. 2. Na Doutrina Nacional, Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 2009, Coimbra, Almedina, p. 119.
3 Cfr. Oliveira Ascensão, Derivados, in Direito dos Valores Mobiliários, Xxx. XX, 0000, Xxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 41.
4 A expressão é da autoria do xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, in Direito dos Valores Mobiliários, 1997, Lisboa, A.A.F.D.L., p. 239. Rejeitando a possibilidade dos instrumentos financeiros nascerem ou subsistirem de forma isolada, cfr. Xxxxxx xx Xxxxx, Swap de Taxa de Juro: Sua Legalidade e Auto- nomia e Inaplicabilidade da Exceção de Jogo e Aposta, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 142.º, n.º 3979, Xxxxx-Xxxxx xx 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 268.
5 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, O Contrato de Swap de Taxa de Juro, 2014, Lisboa, Almedina, p. 19.
6 Simplisticamente, Xxxxxx Xxxxxxx, refere-nos que o contrato de swap de Taxa de Juro, é aquele contrato em que, os contraentes, se obrigam a pagar um ao outro, uma determinada soma de dinheiro. Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, Contratti di Swap com Finalità Speculative ed Eccezione di Gioco in Banca Borsa Titoli di Creito, Vol. LXIII, 5, Settembre-Ottobre 2010, Giuffré Editore, 2010,
p. 82-83. No Acórdão STJ, 10.10.2013, Proc. 1387/11.5 TBBCL.G1.S1, (Xxxxxx xx Xxxxxxx),
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pecuniárias que sejam expressas na mesma divisa. Estas quantias representam os juros que já se encontrem vencidos num determinado momento sobre um determinado capital constituinte da base de cálculo previamente determinada8, podendo esta ser de natureza real9, ou de natureza hipotética, assumindo as vestes de valor nocional10. As somas das quantias pagas entre as partes, resul- tam da aplicação do montante constante do nocional, que não serve como objeto de entrega, mas sim como uma referência para a liquidação financeira da obrigação, ou seja, a taxa de juro de referência a uma data futura prevista no contrato11. A parte que falhar a previsão que fizer de evolução da taxa de juro, tem de pagar à contraparte o montante da diferença12, devendo as prestações ser
refere-se que em sede de contrato de swap de taxa de juro, “as partes contratantes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas de juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro fixas e/ ou variáveis: estes contratos podem também, por seu turno, revestir duas variantes fundamentais, consoante o cálculo dos juros de uma das partes se realiza a taxa fixa e o da outra a taxa variável ou mediante a aplicação a ambas de taxas variáveis definidas em base distintas”.
7 Excetuando aqueles casos em que estamos perante um swap diferencial, não existindo nestes qualquer troca. Na verdade, e como bem refere Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, “os swaps não diferenciais são contratos de permuta pelos quais as partes se obrigam reciprocamente a pagar, em data futura ou em datas sucessivas o montante das obrigações da outra parte ou o produto da cobrança dos seus próprios creditos”. Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos Diferenciais, in Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lis- boa, Vol. II, 2008, Coimbra, Xxxxxxxx, p. 92, nota 30. Ou seja, a parte que não conseguir prever antecipadamente a evolução do indexante do contrato tem de pagar à outra parte o montante da diferença. O pagamento da diferença, tem como opção de pagamento, uma única no fecho da operação (próprios ou puros), ou, em conta corrente mediante determinados ajustes periódicos (impróprios ou impuros) – cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 189. Uma última precisão para referir que, o objeto destes contratos é sempre, apenas e só, dinheiro – cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos III, Contratos de Cooperação e de Risco, 2.ª ed., 2013, Lis- boa, Almedina, p. 281.
8 Cfr. Xxxx Xxxxx, The Legal Aspects of Swaps, 1994, London, Xxxxxx & Xxxxxxx, p. 218
9 Não podemos, nesta nossa análise, escamotear que nem sempre os swaps viram o seu ativo sub- jacente ser meramente nocional. Em bom rigor, nem hoje isso se passa, sendo possível – ainda que pouco usual – que se construa um contrato de swap por apelo ao aproveitamento recíproco de vantagens comparativas ou de ratings de crédito – ou mesmo acessibilidade ao crédito propria- mente dita –, entre dois operadores em mercados financeiros distintos. De igual modo, quando pensávamos num swap, pensávamos num contrato onde as partes se obrigavam, de forma recí- proca, a pagar num momento futuro as partes devidas por uma outra parte a um terceiro na rela- ção contratual, derivantes de um contrato financeiro (por hipótese, mútuo bancário) indexado em divisas diferentes ou diferentes formas de cálculo de taxas de juro. Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxxxxx XX, Conteúdos, Contratos de Troca, 3.ª ed., 2012, Lisboa, Almedina, p. 117-118. 10 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 172.
11 Cfr. Xxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx, Derivados Financieros, 2000, Madrid, Xxxxxxx Xxxx, p. 488.
12 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos III, cit., p. 278 e ss..
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tidas como equivalentes13. Hoje em dia, a permuta, lato sensu, já é de verificação residual14, sendo a maior parte dos contratos de swap de natureza diferencial, cujo cumprimento será, já não de duas prestações recíprocas, mas sim de uma só prestação, apurada em desfavor da parte que tenha falhado a previsão de evolução do indexante, passando, assim os contratos a ter a propalada função de risco15, verificando-se, assim, a unilateralidade da relação entre o custo e o benefício da parte16.
Não é despiciendo afirmar que, a partir do contrato base, possam surgir variadíssimas modificações, sem que, no entanto, se ataque a estrutura básica do contrato de swap de taxa de juro. O que se pode concluir, é que “o contrato de swap, ainda que, em regra, remeta para um denominado «contrato-quadro» (…) é arquitetado individualmente, precisamente por ser negociado fora de um mercado organizado e para poder refletir as necessidades concretas de cobertura de risco inerentes”17, sendo, deste modo, um exercício da autonomia privada e liberdade contratual (cfr. artigo 405.º do CC), desenhados à medida das neces- sidades de cada investidor.
IV. O contrato swap de taxa de juro pode ainda ter cláusulas que operem a uma mutação do contrato na sua execução. São exemplos disso mesmo, a inserção de um cap, ou teto máximo de taxa de juro; pode, igualmente, conter um floor, ou um limite mínimo de taxa de juro18; pode ser desenhado com um collar, ou túnel, que se explica, fundamentalmente, como a combinação dos dois instrumentos anteriores; por último, este pode ainda ser desenhado, de modo a se encontrar na sua execução, um barrier swap, ou seja uma barreira que limite os riscos próprios que as partes estejam dispostas a assumir. Depomos favoravelmente quanto à licitude e validade deste tipo de cláusulas, uma vez mais por apelo ao princípio da autonomia privada e liberdade contratual (cfr. artigo 405.º do Código Civil)19.
13 Cfr. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica in Cadernos do Mer- cado de Valores Mobiliários, N.º 44, Abril de 2013, Lisboa, p. 11.
14 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos Diferenciais, cit., p. 94
15 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos II, cit., p. 119.
16 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, O Contrato de Swap de Taxa de Juro, cit., p. 66
17 Cfr. Ac. TRL, 13-05-2013, Proc. n.º 309.11.8TVLSB.L1-7 (Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx).
18 Xxxxxx xx Xxxxx, defende que quando estamos perante uma ausência de um limite mínimo de taxa de juro, vigora um “”floor” natural de 0% para a descida da EURIBOR no juro fixo devido pelo cliente”. Cfr. Xxxxxx xx Xxxxx, Swap de Taxa de Juro: Inaplicabilidade do Regime da Alteração das Circunstâncias, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 143.º, n.º 3986, Xxxx-Xxxxx xx 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx-Xxxxxxx, p. 366
19 No mesmo sentido depõe Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, Entre um Modelo Corretivo e um Modelo
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V. Característica fundamental do swap de taxa de juro, prende-se com a aleatoriedade20 do contrato, “no sentido em que é o risco e incerteza que for- nece a própria causa e objeto contratuais”21. Assim podemos referir que, as partes não têm conhecimento, no momento da celebração do contrato, qual delas ficará onerada com o swap, nem tão-pouco, a medida do prejuízo22. As partes entendem – ou pelo menos devem entender – que pode existir uma desvantagem, um desequilíbrio ou prejuízo, mas gerem as suas expectativas em sentido inverso a essa possibilidade23. Ou seja, reconhecem como possível uma perda, mas acreditam que poderão registar um ganho com a operação. Uma boa definição de contrato aleatório, pode ser aquela que os define como todos “aqueles em que uma das atribuições patrimoniais, ou ambas, está dependente de uma álea, ou seja, de um facto incerto quanto à sua verificação (incertus an) ou quanto ao momento da sua verificação (incertus quando)”24.
III. A Usura
I. Um dos maiores desafios do estudo da usura no direito civil encontra-se, precisamente, na compatibilização desta com a autonomia privada que define a liberdade de estipulação. Genericamente, as partes podem convencionar livre- mente um negócio com os efeitos jurídicos que melhor lhes aprouverem, desde que, o negócio respeite as regras injuntivas e de formação, vigentes no ordena- mento jurídico. Ora, resulta claro que, os efeitos que decorram desse negócio podem ser equilibrados, desequilibrados, gratuitos, onerosos, estranhamente gratuitos, ou estranhamente onerosos, valendo apenas, para o Direito, o con- teúdo das declarações negociais emitidas, mesmo que estas sejam ruinosas para qualquer uma das partes. Em suma, a autonomia privada permite uma ampla esfera de negociação e do livre juízo das partes na disposição dos seus bens nos
Informacional no Direito Bancário e Financeiro, in Cadernos do Direito Xxxxxxx, x.x 00, Xxxxxxx-
-Xxxxxxxx, 0000, Xxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 7
20 A Jurisprudência em todos os Acórdãos proferidos acerca do Contrato de Swap de Taxa de Juro tem sido unanime na consideração destes contratos enquanto contratos aleatórios.
21 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 129-130; Cfr. Ac. STJ 10-10-2013 (Xxxxxx xx Xxxxxxx).
22 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, cit., p. 6
23 Idem, idem.
24 Cfr. João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, A.A.F.D.L., p. 485-486.
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negócios que realizam25, desde que esse juízo não seja ilicitamente influenciado por uma das partes em posição de superioridade.
A usura, pela forma como foi gizada tanto na versão original constante do Código Civil de 1966, quer pela redação resultante do Decreto-Lei n.º 262/83 de 16 de Junho, é um vício complexo composto por elementos subjetivos, como por elementos objetivos de verificação cumulativa, para a existência de um negócio usurário anulável nos termos do disposto no artigo 282.º, n.º 1 do CC26. Assim, constata-se que o vício da usura já se encontra distante, ainda que seja essa a sua origem, do autónomo vício da lesão do Direito Romano. No Direito Romano, o desequilíbrio interno do contrato, quando excessivo ou injustificadamente desequilibrado, abria as portas profanas da invalidade do negócio, uma vez que a lesão – a laesio enormes – sofrida contrariava o Direito e a Justiça27.
II. A colocação sistemática da usura tem levado a algum debate na Dou- trina, nomeadamente se esta deve ser tida como um vício de formação do negócio jurídico, ou se deve ser um vício do consentimento ou, ainda, se esta deve ser tomada enquanto uma figura híbrida.
Podem encontrar-se defensores da falta de autonomia em relação aos vícios na formação da vontade, ou seja, estas circunstâncias apenas se tornam invali- dantes do negócio jurídico quando alguém, o usurário, delas se aproveita para daí retirar um benefício excessivo ou injustificado, excetuados os casos em que se verifiquem os requisitos de um outro vício na formação da vontade. Assim, o regime do negócio usurário vem dar relevância a vícios na formação da vontade sem relevância, de per si, anulatória28.
Há quem defenda que a usura tem um carácter autónomo dos restantes vícios do negócio jurídico. A este propósito defende-se que a usura pode coe- xistir com um outro vício da vontade que conduza à anulação de um determi- nado negócio jurídico, podendo invocar-se a usura, um outro vício na forma- ção da vontade ou ainda, os dois simultaneamente. A sua autonomia permite que esta não se relacione com os restantes vícios da vontade e do consenti-
25 Cfr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Anotação ao Regime do Código Civil (Artigos 217.º a 295.º), 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 99.
26 No mesmo sentido Xxxxx Xxxx em anotação ao artigo 282.º do CC. Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxx- des/Brandão Proença (Coordenação), Comentário ao Código Civil: Parte Geral, 2014, Lisboa, Universidade Católica Editora, p. 699.
27 Cfr. Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx, Teoria Geral do Direito Civil, 7.ª ed., 2012, Coimbra, Alme- dina, p. 623.
28 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3.ª ed., 2001, Lisboa, Universidade Católica Editora, p. 195-196.
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mento, permitindo assim que o negócio seja anulável apenas pela verificação da usura29.
Defende-se, igualmente, que é em face de uma deficiente formação da von- tade do lesado que o usurário atua. Entendem os partidários desta corrente que, o tónico deve ser colocado no regime da usura, isto é, em face da representação mental do lesado, e consequente prazo para requerer a anulabilidade nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 1 do CC, que esta se situa no âmbito dos vícios da vontade. É que, não basta que exista uma exploração por parte do usurário, é preciso ainda que essa influencie sobremaneira, a forma como o lesado forma e fundamenta a sua vontade de contratar. O desvalor dado ao negócio decorre da forma como a vontade se formou e, consequentemente, do estado de inferio- ridade do lesado na emissão da declaração negocial30. Parece poder afirmar-se que, no entendimento desta corrente, pouco importam os elementos próprios do negócio, ou do usurário31.
Por último, há quem defenda que a usura se afigura uma solução um pouco mais híbrida32. Ora, se por um lado a sua colocação sistemática junto dos vícios do conteúdo e, como tal, do negócio jurídico33, fariam indiciar que esta se aproximaria dos vícios na formação da vontade, por outro a diminuição da liberdade de estipulação do lesado e exploração dessa diminuição por parte do usurário, aproximam a usura de um vício de conteúdo autónomo dos restantes vícios na formação da vontade. Ora, sem a vontade de explorar o lesado por parte do usurário, a usura perde a sua autonomia e, como tal, cai na alçada dos vícios na formação da vontade34. Xxxxxxxxxxx esta corrente que entende a usura como uma figura híbrida.
III. Já assentámos que para a existência de um negócio usurário, é necessária a verificação de elementos subjetivos, respeitantes a lesado e a usurário, mas também, a verificação de elementos objetivos, que respeitam o conteúdo do negócio em si mesmo considerado. Ora, resulta claro que, para a existência de um negócio tido como usurário, seja necessária a verificação cumulativa destes requisitos35.
29 Cfr. Xxxxx Xxxx, Xx Xxxxxxx Xxxxxxxx, 0000, Xxxxxxx, Almedina, p. 67-68
30 Cfr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, cit., p. 100.
31 Cfr. Xxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, cit., p. 179-180
32 Cfr. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Usura nos Contratos de Crédito ao Consumo, in Sub Judice – Justiça e Sociedade, n.º 36 – Crédito ao Consumo, Julho-Setembro, 2006, Coimbra, Almedina, p. 36 33 Cfr. Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx, cit., p. 625.
34 Cfr. Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Direito Civil: Teoria Geral, Vol. II, Acções e Factos Jurídicos, 2.ª ed., 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 338.
35 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 19-20.
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Como elemento subjetivo da usura, do lado do lesado, temos a situação de inferioridade. Ou seja, no momento da celebração do negócio jurídico, o lesado tem de se encontrar numa situação de inferioridade tal que, sem a existência desta, não celebraria sem conseguir compreender o alcance do negócio36. Em face do recurso do legislador a um conceito indeterminado como o da situação de inferioridade, afigura-se de particular importância estudar qual o elenco de situações de inferioridade comportadas no artigo 282.º do CC. Temos, assim, a necessidade, a inexperiência, a ligeireza, a dependência e o estado mental, ainda que a enumeração do artigo não deva ser tida como taxativa, uma vez que o intuito do legislador é proteger todas quantas as situações de inferioridade que obte- nham uma exploração por parte de outrem, mesmo que algumas sejam exclu- sivas das pessoas singulares. Contudo, não podem ser tidas como exclusivas das pessoas singulares as situações de necessidade, inexperiência e dependência. Apenas estas têm interesse prático para o conteúdo do nosso estudo, motivo pelo qual lhes dedicamos algumas linhas.
Assim, temos a situação de necessidade que, como bem se compreende, tem de ser anómala ou anormal, podendo ser económica37 – não o sendo exclusivamente –, não sendo essencial que esta seja real, bastando a ficção por parte do lesado de se encontrar numa extraordinária situação de necessidade, que lhe debilita a posição negocial de forma que se basta como temporária ou momentânea, não relevando se este teve culpa na existência da sua situação de inferioridade38.
Podem os titulares dos órgãos que compõem a administração e, como tal, formam a decisão de contratar da pessoa coletiva, serem inexperientes. Xxx, pode suceder que em face desta inexperiência, os órgãos sociais realizem um negócio ruinoso para a pessoa coletiva. A inexperiência do lesado será, neces- sariamente, relativa e direcionada a um negócio em especial, ou a um ramo de atividade específico. O que releva para esta avaliação é que ao momento da celebração do negócio, o lesado não possua as competências necessárias para uma completa avaliação do negócio que se encontra a celebrar. Importa referir que, para que a inexperiência seja invalidante do negócio jurídico é, essencial que alguém a explore obtendo uma declaração negocial que lhe proporciona benefícios excessivos39.
36 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., pp. 627-628.
37 No caso das pessoas coletivas a única situação de necessidade atendível é a situação de necessi- dade puramente económica. Cfr. Xxxxx Xxxx, em anotação ao artigo 282.º do CC, in Comentário ao Código Civil: Parte Geral, cit., p. 700.
38 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., pp. 29-30.
39 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., pp. 37-39.
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Por último temos a situação de dependência. As situações de dependência que aqui importam serão apenas aquelas que tenham motivações económicas, seja pela pessoa coletiva estar financeiramente débil, seja por se encontrar com pouca liquidez ou, ainda, estrangulada pelos juros cobrados pelos seus emprés- timos bancários.
O elemento subjetivo, não se esgota no lesado, podendo ser encontrado igual- mente do lado do usurário40. Neste caso, exige-se a exploração da situação de inferioridade do lesado. É esta atuação reprovável por parte do usurário que dá relevância jurídica à situação de inferioridade, o usurário sabendo dessa situação aproveita o discernimento diminuído do lesado, explorando-o por meio da sua situação de superioridade, obtendo, assim, benefícios excessivos ou injusti- ficados de forma consciente ou intencional41. Resulta claro que não possamos presumir a existência da exploração do lesado por parte do usurário. A neces- sidade de prova dessa exploração decorre da demonstração das circunstâncias concretas, atinentes ao lesado, que fundamentam o conhecimento da situação de inferioridade por parte do usurário e consequente exploração – a conduta reprovável –, que levaram o lesado a concluir um negócio que permite ao usurário a obtenção de benefícios excessivos ou injustificados42. Por último, importa referir que não é qualquer aproveitamento da ingenuidade de outrem que fundamenta a anulação do negócio por recurso à usura. Desde as trocas comerciais mais remotas que há registo de uma das partes da relação negocial ser mais astuta do que outra, sem que isso constitua qualquer tipo de ilícito. Um pequeno aproveitamento não melindra o sentido de justiça da relação con- tratual, sempre nos vamos deparar com negócios melhores e/ou piores, não é disso que tratamos, o mero aproveitamento de uma oportunidade de negócio não é ilícito, o ilícito é o excessivo desequilíbrio da relação negocial, motivado pela exploração de uma das partes com obtenção de benefícios excessivos para o usurário, é a conduta deste último que merece o desvalor por parte do direito43. Em casos limites o padrão de boa-fé das partes ao momento da celebração deve ser aquele que se emprega em sede de responsabilidade civil pré-contratual, nos termos do disposto no artigo 227.º, n.º 1 do CC44.
40 Pires de Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, definem usurário como “aquele que explora certas situações em que outra pessoa se encontra, para obter dela, em proveito próprio ou de terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”. Cfr. Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, Código Civil Anotado, Vol. I (Artigos 1.º a 761.º), com a colaboração de Xxxxxxxx Xxxxxxxx, 4.ª ed., 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 260-261.
41 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 628.
42 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 54. 43 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 55. 44 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 629.
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Por seu turno, e como elemento objetivo da usura, temos o conteúdo do negócio. Quanto ao conteúdo do negócio, é necessária que exista uma despro- porção excessiva, inexplicável atendendo às circunstâncias do negócio, sendo esta, um requisito que obedece ao objeto material do negócio45. A propósito deste requisito o legislador revisitou o velhinho instituto da lesão46 no direito civil, não lhe impondo limites numéricos (ultra dimidium) deixando a neces- sidade desta ser enorme, ou «manifestamente excessiva»47. Estaremos perante uma lesão, sempre que “alguém sofre um prejuízo causado pela celebração de certo negócio jurídico”48. Para que esta seja válida à luz do espírito do artigo 282.º do CC, é necessário que o benefício que o usurário retira do negócio seja tido como excessivo. A determinação do que se deve considerar como benefícios excessivos encontra-se entregue ao critério do julgador49. O julgador é assim o intérprete do negócio jurídico, mergulhando no seu cerne de modo a perceber a sua conformidade, ou não, com o direito.
IV. Merece, ainda uma palavra, a consequência jurídica do negócio usu- rário. O negócio usurário, pela letra do artigo 282.º, n.º 1 do CC é anulável. Sucede que, o artigo 283.º, n.º 1 do CC, refere que o lesado pode requerer a modificação do negócio segundo juízos de equidade, ao invés da anulação para, no n.º 2 dizer que a parte contrária pode-se opor ao pedido da anulação do negócio, declarando que aceita a modificação do negócio segundo juízos de equidade. Na verdade, o legislador parece reservar para o lesado duas opções bem distintas, a anulabilidade e a modificação segundo juízos de equidade, bem como a possibilidade de optar em momentos distintos por uma das duas, ou seja, o lesado pode começar por pedir a anulação do negócio, o usurário contesta referindo aceitar a modificação do negócio e este aceita, ou não. Deste modo, é ao lesado, em primeira instância, a quem incumbe decidir o destino do negócio, anulação, ou manutenção do mesmo modificado segundo juízos de
45 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, cit., p. 194.
46 Diz-nos o Tribunal da Relação de Lisboa, referindo-se ao artigo 282.º do CC, que “esta norma mergulha as suas raízes no Direito Romano, onde o injustificado ou excessivo desequilíbrio no seio do contrato dava origem ao vício da lesão, que foi alvo de várias tentativas de objetivação, nomeadamente no tocante ao critério de apuramento do preço que estava na origem do vício, acabando por optar-se pela «regra da metade» sendo injusto o preço quando era inferior a metade do valor do imóvel vendido”. Cfr. Ac. do TRL de 19-02-2015, Proc. n.º 1320/11.4 TVLSB.L1.8 (Isoleta Costa).
47 Cfr. Xxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, cit., p. 179.
48 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit. p. 59.
49 Cfr. Pires de Lima/Xxxxxxx Xxxxxx, cit., p. 260.
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equidade50. Parece que o legislador quis, conscientemente, aproximar o regime do negócio usurário ao regime do erro sobre a base do negócio do artigos 252.º, n.º 2 e 437.º, n.º 2 do CC51.
A opção do legislador pela modificação do negócio faz sentido, nomeada- mente, em face do princípio do favor negotii que preside ao sistema52. Para o Direito é preferível a manutenção do contrato, corrigindo a sua justiça interna, obrigando o usurário a entregar ao lesado todo o benefício excessivo ou injus- tificado53, ainda que a definição seja deixada ao arbítrio do julgador, mediante o recurso a todos os dados económicos e valorativos necessários a essa definição, tendo a equidade como critério orientador54.
O prazo para requerer a anulação do negócio, tem a sua regulação com base no disposto no artigo 287.º do CC, contando-se o ano de prazo a partir da data da cessação da situação de inferioridade. Quando os benefícios excessivos se prolonguem para além do termo da situação de inferioridade, a arguição da anulabilidade não se encontra dependente de prazo nos termos do disposto no artigo 287.º do CC, desta feita no seu n.º 2. Uma nota importante, dada a complexidade do vício da usura, prende-se com o conhecimento da cessação da situação de inferioridade. Naturalmente, o prazo começa a contar-se a partir da cessação da situação de inferioridade, uma vez que, só finda a situação de inferioridade poderá o lesado analisar de forma correta a situação concreta55. Sumarizando, o prazo conta-se a partir do conhecimento da exploração sofrida, em momento posterior à cessação da situação de inferioridade em que se encon- trava no momento da celebração do negócio.
V. A jurisprudência portuguesa acerca do negócio usurário não é, pro- priamente, ampla. A utilização de conceitos indeterminados como sejam, por exemplo, a situação do lesado, ou benefícios injustos ou injustificados deixam
50 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit. p. 76.
51 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, cit., p. 197. Para Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx “esta estatuição aproxima a figura da usura dos vícios da vontade e denota bem a vertente subjetiva (a emissão de uma decla- ração negocial em situação de inferioridade) do instituto”. Cfr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, cit., p. 100. 52 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 629.
53 Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. II, Parte Geral Negócio Jurídico, For- mação, Conteúdo e Interpretação, Vícios da Vontade, Ineficácia e Invalidades, 4.ª ed. (Reformu- lada e Actualizada), 2014, Lisboa, Almedina, p. 501.
54 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit. p. 79.
55 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit. p. 102-103.
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ao julgador uma enorme margem de decisão, ainda assim as decisões de tribu- nais superiores são muito reduzidas56.
O Supremo Tribunal de Justiça57 aponta para o critério do dobro do valor como o limiar a partir do qual a ultrapassagem indicia a verificação dos requi- sitos objetivos e subjetivos do negócio usurário, para prosseguir entendendo que os negócios usurários pertencem aos negócios jurídicos com conteúdo desaprovado pelo ordenamento, fundamentado no desequilíbrio de prestações e na inferioridade de uma das partes. Considera o Tribunal, ainda, que a san- ção cominada da anulabilidade, diferente dos negócios abrangidos pelos artigos 280.º e 281.º do CC, se afigura desadequada. O negócio usurário, como bem assenta o Tribunal, ainda que limitando o princípio da liberdade contratual na parte em que respeita à livre fixação do conteúdo do contrato, é socialmente positivo, dado que para o direito privado a justiça é também um princípio social. Por último, o Tribunal entende que satisfazendo-se o legislador com a consciência do usurário de explorar a situação de inferioridade, significa não ser necessário, para se verificar a usura, que caiba ao usurário a iniciativa do negócio, basta a consciência de se encontrar a tirar partido da situação de infe- rioridade do declarante.
Por seu turno o Tribunal da Relação para além de assentar na limitação da liberdade contratual em que o instituto assenta, relaciona esta com consi- derações sociais que visam a proteção dos contraentes mais fracos, protegendo aqueles que sejam afetados por uma situação de inferioridade58. Num outro aresto59, o Tribunal entende que a usura visa castigar o ilegítimo aproveita- mento de uma situação de inferioridade de uma das partes, conhecida pela con- traparte, celebrando um negócio desproporcional e excessivamente vantajoso para o usurário. O Tribunal, em outro aresto, relaciona de forma interessante a liberdade contratual com a sujeição aos artigos 280.º e ss. do CC, enten- dendo dever intervir a lei para repor o equilíbrio contratual sempre que existam abusos, do mesmo modo que, entende dever ser de articular a exploração da situação de inferioridade – necessidade no dizer do acórdão – do declarante
56 Xxxxx Xxxx aponta como causas para uma reduzida aplicação do instituto o facto de “os juí- zes serem demasiadamente rígidos na apreciação da prova dos requisitos da usura. Em especial quando se trata de demonstrar a «exploração» de que o lesado foi vítima”, e “os juristas não pos- suírem um profundo conhecimento da matéria do negócio usurário e das suas potencialidades”. Cfr. Do Negócio Usurário, cit., p. 137
57 Cfr. Ac. do STJ de 12-09-2006, Proc. n.º 06A1988 (Xxxxxx Xxxxxxx).
58 Cfr. Ac. do TRP de 18-12-2013, Proc. n.º 781/09.6 TBVLG-A.P1 (Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx).
59 Cfr. Ac. do TRP de 17-06-2013, Proc. n.º 1013/10.0 TJPRT.P1 ( Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx).
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com a liberdade contratual e estabilidade do negócio jurídico60. Finalizando, a Relação relaciona o concurso de infrações entre o erro e a usura, reputando como inválido o negócio, pela simples verificação dos requisitos de qualquer um dos vícios61.
VI. Uma última palavra para o disposto nos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º, todos do Código Civil. Estatui o artigo 559.º, sob a epígrafe taxa de juro, no seu n.º 1 que, “os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano”, para no n.º 2 dizer que, “a estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais”. Já, o artigo 559.º-A, sob a epígrafe juros usurários, estatui que “é aplicável o disposto no artigo 1146.º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou atos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos”. Por último, o artigo 1146.º estatui, no seu n.º 1, que “é havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real”. No seu n.º 2, refere que “é havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real”. No n.º 3 refere que “se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes”. Por último, o n.º 4, estabelece que, “o respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º”.
Decorre deste regime que, a utilização de taxas de juro superiores aos limi- tes máximos fixados no artigo 1146.º do CC e, aplicando conjugadamente os artigos mencionados, que o negócio seja tido como usurário, independente- mente da verificação do preenchimentos dos requisitos do artigo 282.º do CC. A consequência dessa ultrapassagem não é, nem como seria de esperar pela contrariedade à lei, a nulidade (cfr. artigo 294.º do CC), nem a anulabilidade constante do regime do negócio usurário, mas sim, a redução do valor das taxas de juro aos valores máximos permitidos pela lei. Este regime excecional apenas se mitiga em face da possibilidade de modificação do negócio segundo juízos de
60 Cfr. Ac. do TRP de 15-03-2006, Proc. n.º 0520658 (Xxxxxxx Xxxxxxxx).
61 Cfr. Ac. do TRL de 15-03-2012, Proc. n.º 131/07.6 TCFUN-6 (Xxxxxx Xxxxxx).
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equidade nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do CC, em condições análogas à da modificação do negócio por alteração anormal das circunstâncias.
IV. A Usura e o Contrato de Swap de Taxa de Juro
I. Vistos, tanto o contrato de swap de taxa de juro, como o negócio usu- rário é tempo de descobrir em que medida ambos se cruzam no momento imediatamente anterior à crise financeira mundial. Importará uma referência prévia relativamente à aplicação dos mecanismos de direito civil ao contrato de swap de taxa de juro, para estabelecer que este último se trata de um contrato comercial, sendo o Código Civil apenas aplicável pela remissão do artigo 3.º do Código Comercial62.
II. Reflita-se, para melhor perceção das problemáticas em apreço, a seguinte hipótese prática.
A Empresa AA que operava na indústria têxtil e tinha um quadro de pes- soal de 10 pessoas, celebrou, no primeiro semestre de 2007, com o Banco BB um mútuo bancário com abertura de crédito até ao montante máximo de € 2.000.000,00. Na pendência deste contrato, as partes acordaram entre si que os juros seriam calculados tendo por base a Taxa Euribor a 3 Meses, arredon- dada para cima em ¼ do ponto percentual imediatamente superior, acrescida de um spread de 1%. Chegados ao primeiro semestre de 2008, e com o mon- tante máximo de € 2.000.000,00 esgotado, sofrendo com uma forte pressão financeira motivada pela escalada de taxas de juro, pela dificuldade de acesso ao crédito e pela complicada situação de tesouraria que vivia, decide celebrar, a conselho e iniciativa do seu Gestor de Conta em quem confiava e lhe havia referido como muito provável a possibilidade de ganhos de gestão com a fixa- ção da taxa de juro, um contrato de swap de taxa de juro, com o intuito de fixar os pagamentos a efetuar ao banco numa taxa de juro de 4% acrescida de um spread de 1%. A expectativa de ambas as partes era a de que as taxas de juro iriam continuar a subir, motivo pelo qual, seria mais prudente fixar a taxa de juro num determinado valor. Do contrato estabelecia-se ainda um cap – ou limite máximo – de manutenção da taxa de juro fixa a 4%, cifrado em 7%, libertando-se o Banco BB do contrato de swap de taxa juro mediante a ultrapas- sagem deste valor. A entidade bancária reservava-se, ainda, ao direito de a cada
62 Como bem nota o Ac. do STJ de 11-02-2015, Proc. n.º 309/11.8 TVLSB.L1.S1 (Xxxxxxxxx Xxxxxx).
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período, mediante o agravamento das condições de crédito, aumentar o spread
em 0,005% para o período seguinte.
III. Para que possamos afirmar a existência de um negócio usurário é neces- sário que se avaliem os requisitos do negócio usurário, relacionando-os com o quadro factual que ensaiámos.
Importa analisar em que medida, e tendo por base o quadro factual apon- tado, é que se verifica o elemento subjetivo da usura. Melhor dito, qual a situação que devemos encontrar para que possamos preencher a situação de inferioridade sem a qual não celebraria sem compreender o alcance do negócio. Assentámos no quadro factual apontado que, uma vez esgotado o mútuo ban- cário com abertura de crédito, o gestor de conta toma a iniciativa de propor a celebração de um swap de taxa de juro com vista à fixação da taxa de juro, redu- zindo a exposição à volatilidade da Euribor. Imagine-se que o gestor de conta ao propor a celebração do swap de taxa de juro, procede ao aumento do limite do montante máximo do mútuo bancário com abertura de crédito, permitindo o aumento do passivo e, no limite, a degradação das condições financeiras da empresa – ainda que lhe permita uma momentânea liquidez adicional – dese- nhando um instrumento financeiro, onde obtém ganhos desproporcionados, nomeadamente, em função do aumento gradativo do spread a cada período contratual. Seria o caso daquele contrato que nos primeiros períodos o investi- dor efetivamente ganha alguma coisa, mas que nos períodos subsequentes perde muito mais do que aquilo que ganhou previamente. O que se pergunta é se há um aproveitamento da situação de inferioridade do investidor, consubstanciada nas situações de necessidade, dependência e inexperiência.
No caso das pessoas coletivas a situação de necessidade será sempre eco- nómica, sendo essa necessidade económica que lhe debilita a posição nego- cial levando a que esta celebre o contrato. A pressão financeira típica de uma empresa com carências económicas leva, tendencialmente, a medidas de gestão arriscadas e tomadas em face dessas necessidades. No caso apresentado, se a empresa tinha dificuldades de liquidez e de acesso ao crédito, é natural a cele- bração de um contrato de swap de taxa de juro que lhe permitisse aumentar o limite do mútuo bancário com abertura de crédito e lhe apresentasse possíveis ganhos de gestão pela fixação da taxa de juro que, no limite, lhe libertaria capi- tal. Do mesmo modo, a iniciativa do gestor de conta na apresentação da pro- posta contratual e, sobretudo, do aumento do limite do mútuo bancário com abertura de crédito sugerem que este se aproveitou da situação de inferioridade da empresa.
A situação de necessidade económica da empresa conexiona-se, quase sem- pre, com a situação de dependência económica. Conforme vimos, uma empresa
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economicamente dependente, é aquela que tem uma estrutura de capitais defi- citária, ou aquela que tenha pouca liquidez ou, ainda, aquela que se encontre estrangulada pelos juros cobrados pela sua elevada exposição ao crédito.
O lesado pode ainda ser inexperiente. Nesse caso, o que importa provar é que o usurário sabendo dessa inexperiência – ou, acreditando nessa inexperiên- cia – apresenta condições contratuais que lhe concedem benefícios excessivos ou injustificados que em condições normais, isto é, em que o lesado não se encontrasse numa situação de inferioridade motivada pela sua inexperiência não celebraria o negócio com aquele conteúdo.
Para o preenchimento do elemento subjetivo, sempre se deve avaliar, ainda, o usurário. Em termos simples, dir-se-á que se exige a comprovação da exploração da situação de necessidade. Na hipótese teórica que elaborámos, é simples a comprovação dessa exploração, uma vez que, para a celebração do contrato de swap de taxa de juro, o intermediário financeiro, garante à empresa um aumento do limite máximo do mútuo bancário e um consequente agra- vamento do spread a cada período contratual. O que o usurário faz, ou deve fazer para a existência de um negócio usurário, é a exploração da inferioridade, sendo essa exploração que dá relevância à situação de inferioridade por parte do lesado. Demonstrando as situações concretas, as negociações, as propostas do intermediário financeiro, a conduta que levou à celebração e que permite esse benefício – ou pelo menos a promessa de um benefício excessivo – que dá relevância à situação de inferioridade.
Importa ainda referir que é precisamente aqui que se limita a autonomia privada. Desde sempre se garantiu que, os mais astutos comercialmente garan- tiriam os melhores negócios. Essas tentativas de garantir o melhor negócio, não têm qualquer tipo de reprovação por parte do direito, o que o direito reprova é o excessivo desequilíbrio das prestações das partes. A conduta do usurário, na exploração da parte mais fraca em situação de inferioridade, é que merece o desvalor que o ordenamento lhe concede.
Com vista ao preenchimento do elemento objetivo da usura, olhamos para o conteúdo exato do negócio. O conteúdo reflete a desproporção das presta- ções entre as partes motivada pela usura. É a lesão “manifestamente excessiva” decorrente do conteúdo do negócio que permite a verificação do elemento objetivo da usura. É ao julgador que cumpre considerar o benefício que o usurário retira, como excessivo ou não. O julgador ao avaliar o contrato não pode deixar de avaliar a equação económica do negócio. A grave desproporção e o plano de risco encetado pelas partes na equação económica do contrato fornecem ao julgador os dados necessários para que se consiga decidir pela veri- ficação ou não do elemento objetivo. Dir-se-á que, com a avaliação objetiva do negócio, da sua equação, do estabelecido pelas partes, do plano de risco assu-
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xxxx, das possíveis vantagens e desvantagens ao longo do contrato, da iniciativa do negócio, da margem de negociação das cláusulas previamente apresentadas pelo usurário, se perceberá se existiu ou não a exploração do estado de inferio- ridade do lesado por parte do usurário, retirando este do conteúdo objetivo do negócio, especiais benefícios.
Pode-se questionar se, nos casos em que o investidor – lesado – não tenha capacidade de colocar ao intermediário financeiro – usurário – as questões cer- tas que eliminem a inferioridade em que se encontrem e que mitiguem a assi- metria informacional existente63 que decorre da especial capacidade técnica do profissional de intermediação financeira, e a especial vulnerabilidade do investidor, se deve restringir a possibilidade de investimento neste tipo de ins- trumentos aos investidores menos preparados. Salvo melhor opinião, estamos em crer que não. E discordamos, sobretudo, porque são instrumentos celebra- dos de forma livre, onde as partes decidem celebrar daquela maneira e não de outra no exercício da sua autonomia contratual. Se no período de formação da sua vontade – por exemplo, por erro-vício ou usura – há uma celebração que não ocorreria de outro modo, ou se por exploração da inferioridade do lesado, há uma situação de usura, é matéria que se avaliará no momento próprio, não sendo crível que se restrinja a possibilidade de celebração ab initio.
V. Reveste interesse o relacionamento entre a usura, o erro sobre a base do negócio e a alteração das circunstâncias64, sobretudo, por ambos mexerem com a base negocial do contrato. Sem grande detalhe, importa salientar que, as circunstâncias em que as partes fundam a sua decisão de contratar são, funda- mentalmente, as mesmas para o erro sobre a base do negócio e para a alteração das circunstâncias. Sendo estas, aquelas segundo as quais as partes alicerçam o conteúdo contratual, de modo a que sendo outras as circunstâncias, estas não teriam celebrado ou, pelo menos, tê-lo-iam feito de maneira e em termos diferentes, tomando-as como realidades concretas que conscientemente toma- ram como garantidas, convencendo-se que não sofreriam alteração significativa no decurso do contrato, sendo esse o fundamento do negócio em si mesmo
63 Sendo essa a verdadeira ratio do esclarecimento, “a de compensar o desnível de informação existente entre as partes”. Itálicos nossos. Cfr. Xxxxxx xx Xx, Responsabilidade Bancária: Dever de Informação e Xxxxx xx Xxxxxxx, 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, p. 55.
64 Para uma análise detalhada do instituto da alteração das circunstâncias e as suas implicações em sede de contrato de swap de taxa de juro, veja-se o nosso Contrato de Swap de Taxa de Juro: Validade ou Invalidade do Contrato no Ordenamento Jurídico Nacional, in ROA, Ano75, Vol. III/IV, Junho/ Dezembro de 2015, Lisboa, pp. 730 e segs.
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considerado65. O que o sistema faz, é redistribuir equitativamente o risco da contratação, protegendo aquele que, excessivamente e de modo contrário à boa-fé, suporte as desvantagens corrigindo desigualdades e reequilibrando o conteúdo contratual.
Relacionando a usura com o erro sobre a base do negócio, ressaltam as maiores semelhanças entre ambos os institutos, dado que, ambos vêm o seu desvalor ser contemporâneo da celebração do negócio. Sucede que, na base do negócio se compreendem todas as características tidas como essenciais para o estabelecimento do conteúdo do negócio. Sem estas, nada teriam querido, ou teriam querido coisas diversas66. Em suma, sempre que as partes, na celebração de um negócio, se baseiam tomando por garantidas circunstâncias67 que não existem ou são diferentes daquelas em que assentaram, estamos perante um erro sobre a base do negócio68. Sendo certo que, o erro sobre a base do negócio pode preencher o elemento subjetivo da usura no tocante ao lesado, mas tanto o negócio usurário, como o erro sobre a base do negócio se mantêm negócios distintos69. Não chega, na usura a existência da situação de inferioridade, sendo essencial também a exploração dessa inferioridade, retirando benefícios excessi- vos ou injustificados. A principal diferença, prende-se com o facto de, na base negocial, a parte não celebrar se um determinado aspeto não existir no con- teúdo contratual. Ou seja, se a parte não celebraria o contrato sem a existência da função de gestão ou cobertura de risco, sendo essa essencial à celebração, e essa não existisse no conteúdo contratual, há erro sobre a base do negócio. Já existirá usura, sempre que, a parte esteja numa situação de inferioridade (por exemplo, a pressão económica da escalada das taxas de juro), aproveitada pela contraparte, retirando daí benefícios excessivos (por exemplo, o aumento do spread a cada período contratual).
65 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, 4.ª Xx., 0000, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, pp. 958-959.
66 Cfr. Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Erro Sobre a Base do Negócio, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxx Xxxxxxx, Vol. II, 2003, Lisboa, Coimbra Editora, p. 11. Por seu turno, Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx, parece entender que a base negocial não tem, obrigatoriamente, de ser determinante para ambas as partes, bastando, que a mesma seja determinante apenas para uma delas. Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 663.
67 Circunstâncias que, como bem ensina Lebre de Freitas as partes “consideram necessárias, tendo sido pois objeto da sua representação comum, quer aquelas cuja insubsistência frustraria o fim negocial ou perturbaria inaceitavelmente o equilíbrio negocial, ainda que delas as partes não tenham tido consciência”. Cfr. Lebre de Freitas, Contrato de Swap Meramente Especulativo, Regi- mes de Validade e de Alteração das Circunstâncias, in R.O.A., Ano 72, Vol. IV, Outubro/Dezembro, 2012, Lisboa, p. 958.
68 Cfr. Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, cit., p. 163.
69 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 128.
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O erro pode ainda ser qualificado por dolo quando for causado por conduta positiva ou omissiva do autor do dolo70. O dolo tem interferência no modo como a vontade se forma, determinando que o declarante exteriorize uma vontade que não quereria, se tivesse conhecimento que se encontraria em erro, provocado ou dissimulado pelo declaratário. O dolo para além da causa do erro do declarante, é, também, um vício da vontade71, à semelhança do erro-vício, contudo, no caso do dolo a vontade é deformada pela conduta de outrem que não permite que a vontade se forme convenientemente, sendo o fim deste a indução ou manutenção do erro do declarante.
Entre a usura e a alteração das circunstâncias, as similitudes situam-se ape- nas no conteúdo do contrato, isto é, no plano de justiça que lhe é inerente72. Por definição, um negócio usurário é um negócio injusto, o mesmo se pas- sando com um negócio que sofreu uma alteração anormal da sua base negocial. Sucede que, no caso da usura essa injustiça remonta ao momento da celebra- ção, enquanto que, na alteração das circunstâncias esse desequilíbrio é posterior decorrente de um evento de gravidade anormal que altera o plano de justiça contratual.
Para se perceber melhor, e tendo por base a hipótese supra, imagine-se que a cada período contratual, mediante o agravamento das condições de crédito a entidade bancária se reservava ao direito de aumentar o spread em 0,01 %, independentemente da subida ou descida da taxa de juro. Ora, a cada período o banco ganharia um pouco mais, com o aumento do spread, aumento esse que seria independente da descida da taxa de juro, e motivado pela degradação das condições de crédito da empresa, isto é, quanto pior estivesse o acesso ao crédito da empresa, maior seria o lucro da instituição financeira. Imagine-se, ainda que, para o investidor vigoraria apenas o floor natural do contrato de swap de taxa de juro, enquanto que para o intermediário financeiro existiria um cap de 7%. Objetivamente, a usura pode ser levantada a cada novo período contra- tual, uma vez que a cada novo período contratual se pode explorar a situação de dependência económica da empresa, sendo esta conjugada com o elemento subjetivo – que inexiste na alteração anormal das circunstâncias – da usura, isto é, a exploração pela instituição financeira da situação de dependência econó-
70 Cfr. Castro Mendes, cit., p. 158.
71 Ainda que o seja mediatamente, como entende Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, Considerações Acerca do Erro em Sede de Patologia da Declaração Negocial, in R.O.A., Ano 52, Vol. I, Abril de 1992, Lisboa, p. 180. Não partilhamos do ponto de vista do autor, uma vez que se o erro é provocado por dolo, o dolo faz parte do erro não podendo assim ser destacável assumindo, apenas, relevância mediata. Assim, o dolo é vício da vontade não apenas de forma mediata.
72 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 121.
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mica da empresa que nos conduz à possibilidade da usura. Do mesmo modo, a existência de apenas o floor natural, levaria a que a parte não se conseguisse libertar do contrato, ao passo que o intermediário financeiro conseguiria liber- tar-se do contrato sempre que a taxa de juro do indexante ultrapassasse os 7%, explorando deste modo a situação de necessidade do investidor em face do estrangulamento financeiro da empresa. Ambos os casos, com a variação nega- tiva da EURIBOR, motivante de uma alteração anormal das circunstâncias – o aspeto objetivo – consubstanciam a usura. A usura que poderia existir, apenas se torna evidente, quando motivada pela alteração anormal das circunstâncias73. Assim, a possibilidade de modificação do contrato por usura, implicará sem- pre uma modificação do contrato pela alteração anormal das circunstâncias, adaptando-se o contrato inicial à modificação que se faça do contrato subse- quente, evitando possíveis usuras em períodos contratuais subsequentes74. Não se depreenda deste nosso raciocínio que os institutos se fundem, porque não é verdade. O que acontece, é que o evento anormal que desencadeia a alteração das circunstâncias é o mesmo que expõe o negócio usurário, assim, os dois ins- titutos concorrem um com o outro, não se confundindo.
VI. Alguma doutrina75 afiança a possibilidade de, por violação do princípio da boa-fé em momento anterior à celebração, se poder recorrer ao instituto da responsabilidade civil pré-contratual, nos termos do disposto no artigo 227.º, n.º 1 do CC. Devemos assentar na ideia de proteção da parte mais fraca do negócio, assim, o contraente inferiorizado – o lesado – tem direito a um maior esclarecimento e lealdade, por parte do contraente mais forte – o usurário –, havendo lugar a responsabilidade sempre que não se respeite esse acréscimo de cuidado por parte deste último. A este respeito importa refletir se existe uma violação do dever de informação ou, contrariamente, uma violação de um dever de lealdade.
Assim, e relativamente ao dever de informar, dir-se-á que este surge numa fase do processo em que se procura o consenso contratual entre as partes. Abrangem, todos os elementos que tenham um relevo direto ou indireto para o conhecimento da matéria relevante sobre a qual versa o dispositivo con- tratual. Em face do jogo de informação seletiva da negociação contratual, na tentativa de guardar segredos que lhe concedam vantagens no decurso contra-
73 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., p. 126. Ou seja, como há uma quebra repentina das taxas de juro para valores anémicos, torna-se evidente que o valor a pagar por parte da empresa aumenta continuadamente.
74 Cfr. Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., pp. 126-127.
75 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 629 e ainda Xxxxx Xxxx, Do Xxxxxxx Xxxxxxxx, cit., pp. 119-120.
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tual, o dever de informar funciona como o pêndulo da balança76. Não poderá é pactuar-se com a prestação de informações incompletas conducentes a um determinado resultado que conduza a certos danos77. O momento que marca o início do dever de informar é aquele que marca o fim do ónus de autoinforma- ção78. A amplitude do dever de informar deve ser tanto maior quanto menor seja a capacidade cognitiva do credor da informação.
Relativamente à violação de um dever de lealdade, importará sempre entender que não se pode esperar que no jogo contratual, ambas as partes tenham posturas altruístas ou solidárias. Cada parte procura sempre o melhor negócio para si, contudo, o recurso à boa-fé, obriga a que cada parte tenha um conduta leal e honesta para com a outra parte. A boa-fé, não poderá pactuar com a celebração de um negócio que agrave excessivamente a situação da outra parte79, obrigando a que se recorra à responsabilidade pré-contratual para justificar a indemnização pelos prejuízos causados ao lesado80. Os deveres de lealdade serão, assim, uma decorrência da boa-fé, não sendo possível imaginar uma sem aquela outra. Estes deveres de comportamento material81 visam evitar o desvio ao comportamento honesto na busca do consenso contratual. Ampla- mente, o dever de lealdade pode incluir o dever de proteção e informação. Em rigor, dir-se-á que se violam os dois, por um lado porque o dever de lealdade, ainda que amplamente, comporta também o dever de esclarecimento e informação. Por outro, porque necessariamente, a parte que oculta informa- ção necessária ao cabal esclarecimento da outra – assim violando, as normas do Código dos Valores Mobiliários –, situa-se no mesmo plano daquele que celebra um contrato cujo conteúdo concede especiais benefícios a um, e espe- ciais prejuízos ao outro. São assim violados os dois deveres, dando-se lugar a responsabilidade civil pré-contratual, sendo o facto que a origina a descon- formidade da conduta do intermediário financeiro com as regras da boa-fé, pretendendo-se a reconstrução da situação que hipoteticamente se verificaria não fosse o dano, sendo o regime preponderante o da responsabilidade obriga- cional, tutelando o artigo 227.º do CC relativa à parte mais fraca. Assim, pre-
76 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos I, Conceito, Fontes, Formação, 2013, Reimpressão da 5.ª ed., Lisboa, Almedina, p. 199.
77 Cfr. Pais de Vasconcelos, cit., p. 491.
78 Cfr. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Responsabilidade Pré-Contratual: Breves Anotações Sobre a Natu- reza e o Regime, in Estudos em Comemoração do Décimo Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, 2004, Braga, Almedina, p. 152
79 Cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil: Teoria Geral, Vol. II, Acções e Factos Jurídicos, 2003, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 368
80 Cfr. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Contratos I…, cit., p. 206.
81 Cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2014, 5.ª ed., Lisboa, Almedina, p. 469.
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sume-se a culpa do intermediário financeiro, nos termos do disposto no artigo 304.º-A, n.º 2 do CVM.
V. Conclusões
O contrato de swap de taxa de juro, tanto pode ser tido como um contrato de troca ou permuta financeira, como pode ser tido, sendo até mais usual, como um contrato diferencial na modalidade de contrato de risco, tendo como funções, a cobertura ou gestão do risco da atividade reduzindo a incerteza da atividade empresarial; a especulação onde as partes lucram com a variação da taxa; e, finalmente, a arbitragem reduzindo os custos de financiamento, mediante a exploração das imperfeições do mercado, valendo aos mesmos os princípios da autonomia privada e liberdade contratual.
A usura trata-se de um vício complexo que limita a autonomia privada e a liberdade de estipulação. A sua complexidade determina que esta se componha com a verificação cumulativa de elementos objetivos e subjetivos. Pela sua arrumação sistemática, entendemos que a usura se deve considerar uma figura híbrida entre os vícios na formação da vontade e os vícios de conteúdo do negócio jurídico. O elemento subjetivo da usura pode ser respeitante ao lesado e ao usurário. Pelo lado do primeiro, temos a situação de inferioridade propria- mente dita. Pelo lado do segundo, temos a exploração da situação de inferio- ridade do lesado, desequilibrando excessivamente a relação negocial obtendo benefícios excessivos e injustificados. O elemento objetivo da usura deve ser tido como o conteúdo do negócio propriamente dito, isto é, a existência de uma desproporção excessiva inexplicável atendendo às circunstâncias do negó- cio concretamente avaliado.
No caso das empresas a situação de inferioridade apenas pode ser con- substanciada em necessidade e dependência económica e em inexperiência. Uma empresa cuja inferioridade decorra da dependência é, uma empresa que se encontra financeiramente débil e, como tal, com uma posição negocial desesperadamente enfraquecida. As dificuldades de liquidez e acesso ao crédito sugerem que esta celebrará negócio em condições que, noutras circunstâncias, não celebraria. Assim, um negócio que lhe seja apresentando como vantajoso e que mitigue a pressão financeira decorrente da escalada das taxas de juro à época e, que lhe permita ainda, aumentar os seus limites de crédito, será sempre aceite pelo empresário. A situação de necessidade conexiona-se com a situação de inferioridade por dependência. A situação de inferioridade poderá ainda decorrer da inexperiência do lesado que celebra o negócio não percebendo as implicações do negócio que celebrava, sendo essa inexperiência e, subse-
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quentemente, inferioridade explorada pelo usurário. Do lado do usurário basta comprovar que o usurário sabia dessa situação de inferioridade e a explorou recolhendo benefícios excessivos ou injustificados, nomeadamente pela apre- sentação das condições contratuais e as alterações – ou falta delas – ao conteúdo do negócio primeiramente apresentado, sendo a conduta do usurário, ou seja, a exploração da situação de inferioridade, que levam o lesado a celebrar conce- dendo ao usurário benefícios excessivos e injustificados.
Relativamente ao conteúdo do negócio – elemento objetivo –, este deve refletir a desproporção das prestações entre as partes motivadas pela usura, ava- liando o julgador a equação económica em que se baseia o negócio, bem como o seu plano de risco.
Da relação entre a usura e o erro sobre a base do negócio, importa salientar que, o desvalor em ambas as situações ocorre no momento da celebração do negócio. O erro sobre a base do negócio pode preencher o elemento subjetivo, faltando sempre o elemento objetivo da usura, motivo pelo qual sempre pode- rão concorrer os dois institutos, não se fundindo um no outro.
Entre a usura e a alteração anormal das circunstâncias, as similitudes decor- rem do conteúdo do negócio, isto é, do seu plano de justiça. Na usura a injustiça nasce com o contrato, na alteração anormal das circunstâncias, o desequilíbrio é posterior decorrendo de um evento anormalmente gravoso. Pode acontecer que a usura apenas se torne evidente em face da alteração anormal das circuns- tâncias, não se confundindo os institutos mas concorrendo um com o outro. Sempre que exista um negócio usurário, pode o lesado recorrer ao insti- tuto da responsabilidade pré-contratual. Entendemos que, violado o princípio da boa-fé – o que pode suceder por violação do princípio de lealdade, como também, por violação do dever de informar, uma vez que no período pré-
-contratual, o intermediário financeiro se encontra vinculado a um conjunto de deveres informativos constantes do Código dos Valores Mobiliários – pode o lesado recorrer ao instituto da responsabilidade pré-contratual constante do artigo 227.º, n.º 1 do CC, com a presunção de culpa do artigo 304.º-A, n.º 2 do CVM.
Em suma, o contrato de swap de taxa de juro pode ver ser-lhe aplicado o regime do negócio usurário, como pode ver ser-lhe aplicado o regime dos vícios na formação da vontade, ou a responsabilidade pré-contratual, podendo todos estes vícios concorrerem entre si, ou serem cumulativamente peticiona- dos. Nada impede que os princípios gerais de formação do negócio jurídico sejam aplicados ao contrato de swap de taxa de juro sendo até, neste campo, que surgem a maior parte das invalidades registadas neste tipo de contratos.
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