Edelcio José Stroparo
Contratos Subsidiários: Atualidade e conveniência de aplicação ao contrato de compra e venda em tempos de negociações em massa
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx
(Unicentro) xxxxxxxxxx@xxxxx.xxx.xx
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Neiverth
(UEPG) xxxxxx_xxxxxxx@xxxxxxx.xxx
Resumo: O objetivo principal deste trabalho é analisar a conveniência da sistemática legislativa adotada pela codificação civil brasileira para o contrato de compra e venda, ante as tendências de estandardização das relações contratuais, de despersonaliza- ção e massificação dos contratos e da crescente e inevitável publicização das normas contratuais. A regulamentação é bastante simples e genérica, limitando-se a regular a sua estrutura básica, contudo, permite a adição de considerável número de cláusulas que o complementam. Permite, inclusive, a adição de contratos de autonomia consagrada que o complementam, seja na condi- ção de contratos preparatórios à compra e venda, seja para ampliar as garantias de parte a parte. É objetivo deste trabalho, tam- bém, a produção de material didático com conteúdos da grande área do Direito para o uso cotidiano de professores e estudantes de cursos de negócios no interior de suas classes.
Palavras-chave: Contrato de Compra e Venda. Contratos Subsidiários. Compromisso de Compra e Venda. Alienação Fiduciária em Garantia.
Subsidiary Contracts: Actuality and convenience of application to the purchase and sale agreement in the time mass contracts
Abstract: The main objective of this paper is to analyses the coexistence of the legislative system adopted by the brazilian civil law for the purchase and sale agreement, faced with the tendencies of standardization of the contractual relations, the depersonalization and massification of contracts, and the ever growing and inevitable publification of the publicization of the contractual norms. The regulamentation is very simple and generic, being unable to regulate its basic structure, however, allows for the addition of considerable number os clauses that complement it. Also allows the addition of enshrined autonomy that complement it, be it in the condition of preparatory contracts for the purchase and sale, be it to widen the vouch of one litigant to the. Another objective of this papel is also to the creation of didactic materials with subjects of the great field of law for the daily use of professors and students of business courses in their classrooms.
Keywords: Purchase and Sale Contracts. Purchase and Sale Commitment. Fiduciary Alienation in Warrant.
INTRODUÇÃO
Os contratos podem ser elencados dentre os mais im- portantes pontos de intersecção do Direito com a Ciência Empresarial, eis que utilizados com grande frequência nas transações negociais, sobretudo no que se refere ao Contra- to de Compra e Venda. É este, em nosso entender, o mais importante e mais utilizado dentre todos os contratos nas atividades negociais cotidianas.
No que se refere à legislação, nosso Código Civil tem adotado interessante e peculiar sistemática de regulamenta- ção para este contrato, na medida em que, regulando ape- nas sua estrutura básica, delega liberdade aos contratantes quanto à regulamentação das peculiaridades de cada contra- tação. Para tanto, permite que a essa estrutura básica sejam agregadas cláusulas especiais e, até mesmo, contratos autô- nomos, conforme a vontade das partes e a complexidade das negociações assim os exijirem.
De fato, a sistemática de regulamentação adotada pelo atual Código Civil é bastante simples e genérica, de tal sorte que apenas as diretrizes básicas regulamentares são apresentadas. Já era essa a sistemática do revogado Código de 1916. Mas, ao par dessa simplificada regulamentação, permite nosso Código a adição de número considerável de cláusulas especiais, segundo o interesse das partes. Dedica-
-lhes, inclusive, um capítulo especial denominado “Cláusu- las Especiais Aplicáveis ao Contrato de Compra e Venda” (art. 505 e seguintes).
Outros institutos são ainda previstos ao longo do nosso Código com idêntica finalidade, como é o caso da Evicção, do Vício Redibitório, da Exceção do Contrato Não Cum- prido, da Cláusula Resolutiva Tácita, da Condição e do Termo, dentre tantas outras dessa natureza. Algumas dessas cláusulas têm vigência tácita, porquanto vigentes em toda e qualquer contratação; outras dependem de expressa previ- são nos instrumentos contratuais.
Não é só. Com muita frequência a prática cotidiana dos negócios tem levado os contratantes a utilizar determinados contratos como acessórios às transações de compra e venda que realizam. Estes contratos, apesar de sua consagrada au- tonomia no mundo jurídico, experimentam utilização subsi- diária a tais transações de compra e venda.
Por vezes, tais contratos atuam como preparatórios a compra e venda, como é o caso dos chamados contratos pre- liminares, sobretudo o Compromisso de Compra e Venda; ou- tras oferecem reforço de garantias aos contratantes, como é o caso da Alienação Fiduciária em Garantia; outras como estra- tégias para facilitação da própria operação de compra e venda como é o caso, por exemplo, dos Contratos de Consórcio e de Leasing, que ao final revelam verdadeira vocação mercantil.
Há que se levar em conta, contudo, as inevitáveis transformações experimentadas por nossa sociedade nas últimas décadas, sejam de caráter econômico, político ou social, que têm imposto inúmeras transformações ao mundo
dos negócios, e, por via de consequência, ao mundo dos contratos.
Em muitos casos, inclusive, têm levado à superação da vontade particular dos contratantes em favor da função social do contrato e ao intervencionismo estatal na esfera privada com a crescente publicização das normas, como ocorre com o contrato de trabalho; noutros casos, têm le- vado à estandardização das figuras e cláusulas contratuais, como nos contratos que tem por objeto a prestação de ser- viços em atividades econômicas com caráter de monopólio legal ou nos chamados contratos por adesão; noutros casos ainda, têm suscitado a substituição da livre e individual ma- nifestação de vontade de uma das partes pela manifestação de uma determinada categoria a qual pertença tal contra- tante, como nas convenções coletivas de trabalho ou nos contratos de prestação de serviços públicos sujeitos à con- cessão estatal, como o transporte coletivo, por exemplo.
Como se vê, apesar das contemporâneas tendências de estandardização das relações contratuais, de despersonali- zação e massificação dos contratos e do crescente e inevitá- vel publicização das normas contratuais, pode-se observar um vasto campo disponível a criatividade empreendedora dos contratantes, onde a autonomia contratual pode atuar livremente na formação dos contratos, oportunizando no- vas estratégias de contratação segundo melhor se coadu- nem aos interesses do mercado e das partes.
Concentraremos, pois, esse estudo, sobre os contratos que aqui denominamos “Contratos Subsidiários”, dentre os quais elegemos o Compromisso de Compra e Venda e a Alienação Fiduciária em Garantia, entendendo que tais contratos mais explicitamente se prestam à subsidiarieda- de em relação à Compra e Venda. Com efeito, buscaremos compreender a relação que se estabelece entre tais contra- tos e, bem assim, a relevância de utilização de tal sistemá- tica de regulamentação na contemporaneidade das relações negociais, onde ganham relevância as negociações de mas- sa com consequente estandardização de cláusulas.
Acreditamos, por hipótese, que a atual sistemática le- gislativa, calcada principalmente no Princípio do Consen- sualismo e no Princípio da Autonomia Contratual, cons- titui-se em fundamental instrumento de desenvolvimento das transações negociais e que a própria dinâmica do mun- do empresarial é que alimenta a paradoxal necessidade de exigir novas modalidades contratuais a serem agregadas à compra e venda, ao mesmo tempo em que massifica as negociações e padroniza as transações. É nesse ponto que ganha relevância o consórcio de instrumentos jurídicos.
Assim, passaremos à descrição sucinta do próprio Contrato de Compra e Venda e dos principais contratos que aqui denominamos “subsidiários”, (Compromisso de Com- pra e Venda e Alienação Fiduciária em Garantia), para ao final, tecer considerações, contudo sem intenção de esgotar a matéria, objetivando compreender a pertinência e oportu- nidade de utilização desse peculiar modelo legislativo em tempos de contratação massificada.
DESENVOLVIMENTO
DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA
A compra e venda é o contrato pelo qual uma das par- tes se obriga a transferir a propriedade de una coisa à outra parte, recebendo como contraprestação determinada soma em dinheiro ou crédito equivalente. Seu objetivo específico é, portanto, a transferência onerosa de bens entre patrimô- nios.
Do ponto de vista de sua classificação, a compra e venda é contrato bilateral, oneroso, consensual, comutativo ou aleatório, de execução instantânea ou diferida.
A bilateralidade deste contrato se manifesta na depen- dência reciproca dos direitos e obrigações dos contratantes. Para o vendedor incumbe, fundamentalmente, a obrigação de entregar a coisa ao comprador com intenção de transfe- rir-lhe a propriedade e como contrapartida receber o preço avençado. Ao comprador incumbe pagar o preço, caben- do-lhe o direito de receber a coisa negociada e respecti- vo domínio. A correspondência entre direitos e obrigações caracteriza o sinalagma contratual, símbolo dos contratos bilaterais.
O consenso manifestado sobre a coisa e o preço é atri- buto suficiente para tornar o contrato perfeito e acabado, sendo desnecessária a entrega efetiva da coisa negociada. Este princípio decorre da caracterização do contrato de compra e venda em nosso sistema jurídico como gerador de direitos e obrigações entre os contratantes, remetendo a transferência do domínio sobre o bem negociado a outra etapa negocial, que se denomina tradição, quando se trata de bens móveis, e registro imobiliário quando se trata de bens imóveis.
A onerosidade do contrato é manifestada pelo sacri- fício patrimonial a que se submetem as partes, embora as compensações patrimoniais constituam a essência do con- trato: para o vendedor o ônus de entregar a coisa; ao com- prador o ônus de pagar o preço.
Há que se observar, entretanto, que a compensação patrimonial garantida pelo sinalagma contratual é apenas subjetiva, não havendo a necessidade de as prestações se equivalerem objetivamente, exceto quando se tratar de pre- ço irrisório. Xxxxxxxxxx, todavia, que haja certeza quanto à existência das prestações, o que caracteriza a comutativida- de do contrato. Casos há, ainda, em que uma das prestações pode falhar, havendo para cada uma das partes a chance de ganho ou perda. Apresenta-se assim a compra e venda aleatória.
Quanto à execução, esta pode ocorrer de uma só vez ou parcelada. De qualquer forma, sua execução é única, seja instantânea ou diferida.
Quanto à forma, este contrato é classificado como não solene. Exceção a este princípio se estabelece, entretanto,
nos casos em que o objeto contratual consista em bem imó- vel com valor superior ao mínimo legal, ocasião em que o CCB o exige solene. Para tanto, a escritura pública e o registro imobiliário são da essência do ato, sob pena de não se ter por perfeito e acabado o negócio pretendido.
Do ponto de vista da legitimidade para a formaliza- ção do contrato, é indispensável sejam as partes capazes de alienar e capazes de se obrigar. Assim, é defeso às pessoas civilmente incapazes figurarem pessoalmente em qualquer dos polos da relação contratual.
Há, entretanto, pessoas que embora capazes, não são legítimas para o exercício da compra e venda. É o caso do ascendente que se encontra proibido de vender ao descen- dente, exceto mediante expresso consentimento dos demais descendentes. E o caso também dos tutores, curadores, tes- tamenteiros e administradores que não estão legitimados a adquirir os bens sob sua guarda. Da mesma forma, os juízes, os auxiliares da justiça, os empregados públicos e os leiloeiros e seus prepostos em relação a certos bens.
Com relação à estruturação do contrato, três são os seus elementos constitutivos: a coisa, o preço e o consen- timento.
Estabelecido o consenso quanto ao preço e a coisa, perfeito e acabado está o contrato, independentemente da entrega do bem. O consentimento é assim elemento cen- tral na formação do contrato e sua importância deriva do princípio do consensualismo, consagrado no art. 482 CCB, segundo o qual, o consentimento é suficiente para a perfei- ção contratual remetendo a transferência do domínio a ato posterior.
Em princípio, todas as coisas que se achem in com- mercium são suscetíveis de alienação, sejam corpóreas ou incorpóreas, presentes ou futuras, próprias ou alheias.
Assim, os bens incorpóreos, como por exemplo a ces- são de direitos hereditários, podem figurar como objeto do contrato de compra e venda. Note-se, neste caso, que o con- trato não tem a finalidade de transferir o domínio propria- mente dito, mas a alienação dos direitos que recaem sobre o patrimônio que integrará o quinhão hereditário negocia- do, ocorrendo a transferência de domínio tão somente após processo de inventário dos bens do de cujus.
Também as coisas futuras são passíveis de serem ne- gociadas. Tratando-se a compra e venda de espécie contra- tual que não possui eficácia real, gerando apenas efeitos obrigacionais entre as partes, nada impede a alienação de coisa que ainda não exista, como por exemplo, a alienação dos frutos da colheita esperada. Da mesma forma, a admis- sibilidade da venda de coisa alheia, assumindo o vendedor a obrigação de entregar o bem tão logo o adquira. É ilícita, porém, a venda de herança de pessoa viva.
O preço é a quantia em dinheiro ou equivalente que o comprador se obriga a pagar ao vendedor como contra- partida pelo recebimento da coisa adquirida. É o elemento característico da compra e venda: o elemento padrão que diferencia este contrato do contrato da permuta. O preço
deve ser expresso em dinheiro. Não se exige, todavia, ex- clusivamente dinheiro, bastando que constitua a parcela principal. É lícito, também, que o pagamento seja realizado por outro modo, desde que as coisas dadas em pagamento sejam representativas de dinheiro, como por exemplo, em títulos de crédito. Inadmissível, todavia, que o pagamento se faça por serviços prestados, conforme ensina MONTEI- RO (2003, PG. 93), sob pena de desfigurar a compra e ven- da, convertendo-a em contrato inominado.
O preço há de ser determinado, isto é, certo quanto a sua existência e definido quanto à sua equivalência em moeda, sendo conhecido das partes desde a formação do contrato. E lícito, entretanto, seja apenas determinável na formação do contrato, desde que fiquem claramente defini- dos os critérios para a sua determinação a posteriori.
De qualquer forma, é necessário que se estabeleça a equivalência subjetiva das prestações, exigindo-se apenas que o preço não seja tão insignificante a ponto de carac- terizar liberalidade do vendedor ou intenção de não o exi- gir. Inadmissível também a simulação contratual em que a compra e venda mascara verdadeiro contrato de doação.
Último elemento constitutivo do contrato de compra e venda é o consentimento, incidente sobre a coisa, o preço e as demais cláusulas da negociação, que pode ser exte- riorizado de forma expressa (por escrito ou verbalmente) ou de forma tácita. Não se admite, todavia, o silêncio do contratante como manifestação de vontade.
Outro elemento pode ser acrescentado, a forma, quan- do o contrato versar sobre a venda de certos bens, sobre- tudo nos de compra e venda de bens imóveis, para o qual, sendo o preço superior ao mínimo legal, exige-se escritura pública e registro imobiliário. Sua não observância invalida o contrato.
DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
Este contrato é considerado preparatório à compra e venda. Trata-se de negócio jurídico comumente utilizado em transações imobiliárias em que as partes não desejam firmar imediatamente o documento final translativo da propriedade. É utilizado, também, nos casos em que tal providência se afigura impossível, eis que pendente algum embaraço, seja sobre a legitimidade das partes, seja sobre o próprio imóvel. É utilizado ainda, em casos em que o compromissário vendedor negocia bem de terceiros, oca- sião em que se faz necessária, a regularização da aquisição do bem para posterior transferência.
Pode-se conceituá-lo como o contrato que estabelece para as partes contratantes o compromisso de, preenchidas as condições estabelecidas no contrato ou por ocasião da oportunidade combinada, praticarem o ato final de efetiva- ção do intento que uniu as vontades.
Não se trata efetivamente de uma promessa de contra- tar, eis que todas as cláusulas e condições do negócio es-
tão já delineadas. Preenchidas as condições estabelecidas, compete às partes apenas repetir a manifestação de vontade já expressa no compromisso e consolidar o ato próprio que torna a negociação efetiva.
Este contrato é irretratável. Concluído o compromisso assumido no contrato, não pode qualquer das partes se arre- pender. Levando-o ao registro de imóveis, o contrato passa a gerar efeitos, inclusive, em relação a terceiros.
O compromissário comprador imite-se na posse do imóvel e se comporta como se seu dono fosse. Preenchi- das as condições que o habilitam a pedir o título translativo de propriedade, não o querendo firmá-lo o compromissário vendedor, pode-se obtê-lo por meio de sentença judicial. É o que se denomina adjudicação compulsória.
Trata-se de promessa bilateral de venda irrevogável. Todas as cláusulas do contrato de compra e venda constam do compromisso. As partes não se obrigam a dar novamen- te seu consentimento no título translativo próprio exigido como de sua substância. A assinatura desse instrumento é, simplesmente, a reprodução, agora sob forma pública, de todos os itens do negócio já consignados no compromis- so. Os efeitos jurídicos da negociação decorrem do próprio compromisso.
O compromisso de venda pode subordinar a exigibi- lidade da obrigação de quem se comprometeu a vender ao cumprimento de prestações sucessivas a cargo de quem se comprometeu a comprar. É a modalidade mais frequente. Nesse caso, não pode o compromissário vendedor exigir a satisfação das prestações antes do prazo convencionado, tampouco pode o compromissário vendedor solicitar em juízo a adjudicação compulsória do imóvel negociado.
A irretratabilidade do contrato não impede a resolução do contrato por inexecução. Verificada a inadimplência do compromissário comprador, o contrato pode ser resolvi- do, com cominação de perdas e danos e demais encargos previstos no compromisso. O contrato pode ser resolvido também por mútuo consentimento. Pode o compromissário comprador exigir o cumprimento da obrigação consignada pelo compromissário vendedor, nos casos em que aquele quitou, à vista do contrato, sua obrigação. É a chamada pro- messa quitada.
DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Trata-se de instituto relativamente recente entre nós. Este contrato constitui fórmula introduzida em nosso or- denamento jurídico com o fim específico de reforçar as ga- rantias dos financiamentos de compra a crédito realizados através de sociedades financeiras, para as quais não eram suficientes as tradicionais garantias asseguradas pelo pe- nhor ou pela venda com reserva de domínio.
Segundo XXXXXXX XXXXX (2007 pg. 567), a Alie- nação Fiduciária em Garantia é o negócio jurídico pelo qual o devedor, para garantia da dívida, transmite ao credor
a propriedade de um bem, retendo-lhe a posse direta, sob condição suspensiva de saldá-la.
A constituição do contrato requer obrigatoriamente duas partes. De um lado, o fiduciante que é aquele que alie- na em garantia assumindo a condição de devedor; de outro lado o fiduciário, que é aquele que adquire a propriedade resolúvel e assume no contrato a posição de devedor.
O fiduciante obriga-se à transmissão da propriedade resolúvel ao credor fiduciário, retendo a posse direta, e o pagamento do preço na forma convencionada. Ao credor fi- duciário, por sua vez, incumbe a restituição da propriedade, uma vez verificado o implemento da condição resolutiva que é o pagamento do preço.
É assegurado ao credor fiduciário, entretanto, diversos meios para a garantia de seu crédito, estando caracterizada a inadimplência do devedor fiduciante: - alienação da coisa para haver o preço do débito em aberto, mediante acordo com o devedor e efetiva entrega do bem; - ação de busca e apreensão, que autoriza a apreensão liminar; - ação de de- pósito, mediante conversão da ação antecedente de busca e apreensão na qual o bem não foi encontrado; - ação execu- tória, pela qual pode optar o credor fiduciário se lhe parecer mais conveniente.
O credor pode optar por qualquer dessas medidas, en- tretanto, a ação de busca e apreensão é a que garante maior eficácia para a cobrança da dívida.
A busca e apreensão é a ação que o credor fiduciário pode propor contra o fiduciante ou terceiro para reaver o bem, uma vez caracterizada a inadimplência. O processo é singular, permitindo ao credor fiduciário a consolidação de sua propriedade, que se faz por força de lei, permitindo-lhe a alienação extrajudicial do bem, dispensada a avaliação. É o que dispõe o art. l364 CCB: "Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudi- cialmente, a coisa a terceiros, aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.”
Quando se sabe, a priori, que o valor do bem não é suficiente para a quitação da dívida, geralmente o credor fiduciário propõe ação executória, buscando a penhora de outros bens do patrimônio do devedor fiduciante.
Para a propositura da ação de busca e apreensão ou da ação executória há que estar configurada a inadimplên- cia do devedor com comprovação documental. Isto se faz por meio do protesto de títulos ou por carta expedida pelo Cartório de Protesto de Títulos, a critério do credor. Feito isto, a lei considera vencida a integralidade da dívida. Feita a busca e apreensão a propriedade resolúvel consolida-se em favor do credor, mas, esta propriedade é fictícia, já que o credor fiduciário está obrigado à alienação do bem, em- bora não necessite de avaliação e a alienação possa ocorre extrajudicialmente.
Ocorre que na alienação fiduciária tem-se a tradição ficta do bem. Em se tratando de alienação de veículos, a jurisprudência tem entendido que basta a inscrição da alie-
nação no registro do Departamento de Trânsito do Estado, DETRAN, dispensando-se a inscrição junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Previne-se desta forma, terceiro de boa-fé adquirente do veículo, que não tem obri- gação legal de conhecer sobre a alienação do bem.
Não sendo encontrado o bem ou se este não estiver sob posse do devedor, é facultado ao credor fiduciante re- querer a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, o que se fará nos mesmos autos. Sendo deferi- da a solicitação, o juiz mandará expedir mandado para en- trega da coisa em 24 (vinte e quatro) horas ou equivalente em dinheiro, sob pena de prisão. Entretanto, não é pacífica a doutrina em aceitar a prisão em casos que tais, eis que se trata tecnicamente de depósito imperfeito, diferenciando-
-se do típico contrato de depósito que comporta a pena de prisão civil ao depositário infiel. Contudo, a discussão a respeito dessa matéria continua em aberto.
De qualquer forma, não pode o devedor desfazer-se da coisa seja a que título for, sem a necessária concordância expressa do credor fiduciário, caso contrário remanesce su- jeito ao enquadramento criminal por estelionato.
Preferindo o credor não se utilizar das ações acima es- pecificadas, pode socorrer-se da ação de execução de título extrajudicial, eis que é reconhecida força executiva a este contrato. O rito processual é o mesmo estabelecido pelo Código de Processo Civil.
Por outra via, o pagamento integral pelo devedor fi- duciante das obrigações pactuadas em contrato resolve o contrato de plano direito, consolidando-se a propriedade do bem em mãos do fiduciante sem qualquer formalidade, bastando para tanto, declaração de quitação expedida pelo credor fiduciário.
CONSIDERAÇÕES
A moderna teoria dos contratos, eleita como fon- te doutrinária das principais legislações civis do Direito Contemporâneo encontra seu fundamento na Revolução Francesa. O contrato, dogma do liberalismo, fundamenta suas diretrizes no binômio liberdade e igualdade, onde se assentam seus principais princípios: o Princípio da Auto- nomia da Vontade e o Princípio da Força Obrigatória dos Contratos.
O primeiro princípio diz respeito à faculdade conce- dida aos contratantes para livremente definirem o conteúdo contratual elegendo as cláusulas que melhor espelhem a avença resultante da negociação, e, bem assim, para esco- lherem a figura contratual que melhor roupagem jurídica ofereça para cada negociação concretamente entabula- da. Para tanto, podem as partes valerem-se dos modelos contratuais previstos em nosso ordenamento, codificados ou não, (contratos típicos), ou criarem novas modalidades contratuais consideradas convenientes pelas partes. (con- tratos atípicos).
O segundo princípio se refere à obrigatoriedade con- tratual. Um contrato validamente firmado deve ser obriga- toriamente cumprido pelas partes, sob pena de impor ao devedor inadimplente o dever de indenizar. Pacta sunt ser- vanda: o contrato faz lei entre as partes. Os contratantes se comportam como verdadeiros legisladores privados esta- belecendo cláusulas com alcance legal a vigir entre eles. Essa obrigatoriedade é basilar no Direito Contratual, e a tal ponto obriga os contratantes que o ordenamento oferece à parte ofendida, instrumentos judiciários para obrigar forço- samente a parte inadimplente a cumprir as prestações a que se obrigou ou indenizar por perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória ou lhe fosse tolhida essa prerro- gativa se estabeleceria o caos no mundo dos negócios.
Como se vê, a livre vontade dos contratantes manifes- tada legitimamente e a ideia de igualdade entre partes, são elementos basilares da teoria dos contratos e fundamentam as transações negociais. As partes ao negociarem acerca de determinado bem, propõem e contrapõem, definindo cláu- sulas, até alcançarem o elemento negocial supremo, o acor- do, momento em que o contrato se dá por perfeito e acaba- do. É pressuposto, que quem compra, aluga ou empresta, negocia em condições de igualdade com seu oposto e está habilitado a impor sua pretensão, transigindo aqui acolá em busca do fim colimado por ambos. Nessas condições, a au- tonomia da vontade das partes é posta em relevo.
É forçoso observar, entretanto, que mesmo no capi- talismo primitivo a liberdade de contratar jamais foi xxxxx- xxxx. Duas limitações de caráter geral sempre impuseram freios a essa prerrogativa de autonomia: a ordem pública e os bons costumes. E, de tal sorte essas limitações são inter- postas que a doutrina lhes confere status de princípio geral. Entende-se, portanto, que os contratantes podem autorre- gular seus interesses como melhor lhes convier contanto que não transponham esses limites. Presume-se, assim, que todo contratante ao assumir obrigação contratual o faz por ato de consciente liberalidade, livre de qualquer constran- gimento, já que lhe é deferido celebrar ou não a contra- tação. As obrigações daí decorrentes, sejam quais forem, presumem-se desejadas pelas partes.
Contudo, esse ideal de paridade entre partes, não raro, não é alcançado. É apenas um pressuposto. De tal modo se abusou dessa liberdade ao longo do tempo, que verdadeiro desiquilíbrio contratual se efetivou com inevitáveis lesões ao direito de pessoas e ou categorias contratualmente desfa- vorecidas. Veja-se, como exemplo, as espécies contratuais que passaram a se formar pela adesão inevitável de uma das partes às cláusulas impostas pela outra, ou em contratações decorrentes de concessão pública em caráter de monopólio.
Contudo, a dinâmica das relações sociais e de consu- mo relegam os contratos com aquele escopo de autonomia a posição secundária, privilegiando as negociações em mas- sa. Empresas pequenas, médias ou grandes e até mesmo o próprio Estado dominam o cenário negocial e se apresen- tam como fornecedores de bens e serviços ao consumidor final. Cada vez mais rara é a contratação direta com pessoa
física em que se possa expressar em sua magnitude a livre vontade dos contraentes.
As negociações massificadas exigem contratos es- tandardizados, com cláusulas padronizadas e impostas a número indeterminado de pessoas, como se pode ver, por exemplo, nos contratos que têm por objeto a prestação de serviços em atividades econômicas em caráter de monopó- lio legal ou nos chamados contratos de adesão.
Pode-se observar essa substituição da livre e indivi- dual manifestação de vontade de uma das partes, pela ma- nifestação de uma determinada categoria a qual pertença, como nas convenções coletivas de trabalho ou nos contra- tos de prestação de serviços públicos sujeitos a concessão estatal. Casos há, ainda, em que se impõem limitações e derrogações a vontade particular dos contratantes em favor da função social do contrato.
Pode-se observar, ainda, o intervencionismo estatal na esfera privada com a crescente publicização das normas, como no contrato de trabalho, onde são interpostas normas cogentes ao contrato, submetendo empregado e emprega- dor ao dever de obedecê-las sem poder opinar sobre sua vigência contratual.
Por tudo isso, o atual Código Civil estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421) e que os contratantes devem se postar com probidade e boa-fé (art. 422). O con- trato é assim caracterizado como um elemento de eficácia social, apesar de sua natureza jurídica privada, consolidan- do o corolário de que o contrato não deve ser cumprido uni- camente segundo os interesses do credor mas em benefício da sociedade, e que o descumprimento contratual prejudica toda a sociedade. Isso representa, clara preocupação com a tutela dos interesses sociais daqueles que se obrigam coti- dianamente em relações contratuais.
São essas as razões que nos permitem acreditar no de- clínio da concepção original de contrato baseado na ampla autonomia contratual, onde aos contratantes é deferida a faculdade de livremente estabelecer as cláusulas contra- tuais que melhor lhes aprouver. A autonomia da vontade não é mais suficiente para amparar a ampla variedade de transações passíveis de ocorrência no mundo dos negócios. Mais e mais os fornecedores de bens e serviços são repre- sentados pelas sociedades empresárias onde, por vezes, é dificultado ao consumidor identificar o próprio contratante.
Não se pode afirmar, todavia, que aquela contratação clássica não seja atualmente usual ou que se recomende sua derrogação. Ao contrário, continua bem viva naquelas avenças em que o objeto contratual seja único e perfeita- mente individualizado no âmbito patrimonial, especial- mente nos casos em que pessoas físicas figurem num ou em ambos os polos obrigacionais. A ela fazia referência o revogado Código Civil de 1916 e também a ela se refere o atual diploma, sobretudo nas diretrizes que informam o Código de Defesa do Consumidor.
Porém, dentre todas as espécies contratuais previstas
em nosso ordenamento, talvez seja o Contrato de Compra e Venda aquele que melhor se adeque à dinâmica negocial da atualidade.
Este contrato permite, a um só tempo, conciliar a clás- sica contratação onde se defrontam, vis a vis vendedor e comprador, para estabelecerem avenças acerca de um de- terminado objeto, e a contemporânea transação massificada em que determinado objeto é ofertado à público, com preço certo, com intermediação da mídia eletrônica, com regras padronizadas, buscando uma transação onde o que menos importa é a posição geopolítica dos negociantes.
Assim, as transações mais simples de compra e venda preservam a tradicional negociação em que se expressam em plenitude a autonomia da vontade das partes com total liberdade para livremente manifestarem sua vontade acer- ca das cláusulas contratuais. Da mesma forma, complexas transações (massificadas ou não) podem ser entabuladas a partir da mesma e básica estrutura, facultando às partes
útil aos contratantes contemporâneos.
Pode-se afirmar, como derradeiro, que essa sistemáti- ca constitui fundamental instrumento de desenvolvimento do mundo dos negócios empresariais, e que essa própria di- nâmica alimenta, paradoxalmente, a possibilidade de forjar novas modalidades contratuais a serem agregadas à compra e venda, ao mesmo tempo em que são massificadas as tran- sações e padronizadas as cláusulas contratuais.
REFERÊNCIAS
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. Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 11 de setembro de 1990.
acoplar uma série de aparatos jurídicos segundo o que me- . Lei nº 10.046, de 10 de janeiro de 1990. Institui o
lhor lhes aprouver.
Podem as partes aditar à Compra e Venda as chama- das cláusulas especiais previstas em nosso Código Civil a partir do art. 505. Quando não, incluir inúmeras cláusulas reguladas ao longo do mesmo Código, como a Condição e o Termo, dentre outras, sem citar aquelas de vigência tácita como a Evicção, o Vício Redibitório e o dever de indenizar por Xxxxxx e Danos para o caso de não cumprimento das obrigações contratuais.
E mais. Podem os contratantes lançar mão de determi- nados contratos com o objetivo de complementar as transa-
Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 10 de janeiro de 2002.
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. Curso de direito civil brasileiro. v.2. 19.ed São Paulo: Saraiva, 2004.
XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 21.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
. Contratos. 26.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
XXXXXXXX, Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx. Curso de Direito Civil.
v.1. 34.ed. rev. e atual. por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Saraiva, 2003.
ções que realizam. Estes, apesar de sua consagrada autono- . Curso de direito civil. v.1. 42.ed rev. e atual. por
mia no mundo jurídico, servem-se à utilização subsidiária a tais transações de compra e venda, enriquecendo o leque de possibilidades contratuais, flexibilizando sobremaneira as relações entre partes e estimulando novas práticas em- presariais.
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. São Paulo: Saraiva, 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. v.3. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
. Direito civil: teoria das obrigações e teoria geral dos contratos. v.3. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Por vezes, tais contratos atuam como preparatórios a . Direito civil: parte geral. v.1. 10.ed. São Paulo: Atlas,
compra e venda, como é o caso dos chamados contratos preliminares, sobretudo o Compromisso de Compra e Ven- da; outras oferecem reforço de garantias aos contratantes, como é o caso da Alienação Fiduciária em Garantia.
Enfim, consciente ou inconscientemente, andou bem o legislador civil brasileiro, ao estabelecer ao Contrato de Compra e Venda estrutura básica simplificada, permitindo que a ela fossem acoplados uma série de dispositivos, de natureza contratual ou não. Essa sistemática permite enor- me flexibilidade (e versatilidade) a essa espécie contratual, abarcando desde as mais simples transações até as mais complexas. Permite, principalmente, que a regulamentação não se torne obsoleta, apesar das imprevisíveis e incomen- suráveis transformações de nossa sociedade e do mundo dos negócios.
Revela-se, assim, a importância e conveniência para os negociantes em utilizar essa sistemática legislativa, que apesar de forjada há um século, se mostra atual e altamente
2010.