SÃO PAULO 2021
Insper
L.L.M Direito Tributário
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx
Contrato de Compartilhamento de Custos Internacional e a ilegalidade da incidência do IRRF e tributos reflexos sobre as remessas realizadas por pessoa jurídica brasileira a título de ressarcimento, da parte que lhe for devida, dos custos arcados pela empresa centralizadora domiciliada no exterior
SÃO PAULO 2021
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx
Contrato de Compartilhamento de Custos Internacional e a ilegalidade da incidência do IRRF sobre as remessas realizadas por pessoa jurídica brasileira a título de ressarcimento, da parte que lhe for devida, dos custos arcados pela empresa centralizadora domiciliada no exterior
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao programa de LL.M Direito Tributário como requisito parcial para a obtenção do título de pós-graduado em Direito Tributário.
Orientador: Prof. Xxxxxxx Xxxxxxxxx
São Paulo
Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx
Contrato de Compartilhamento de Custos Internacional e a ilegalidade da incidência do IRRF sobre as remessas realizadas por pessoa jurídica brasileira a título de ressarcimento, da parte que lhe for devida, dos custos arcados pela empresa centralizadora domiciliada no exterior. – São Paulo, 2021. 43 f.
Monografia (Pós-Graduação) – Insper, 2021. Orientador: Prof. Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
1. IRRF. 2. Contrato Internacional de Compartilhamento de Custos. 3. Direito. 4. Conceito de Renda.
I.Autor. II. Título
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx
Contrato de Compartilhamento de Custos Internacional e a ilegalidade da incidência do IRRF sobre as remessas realizadas por pessoa jurídica brasileira a título de ressarcimento, da parte que lhe for devida, dos custos arcados pela empresa centralizadora domiciliada no exterior
Monografia apresentada ao programa de LLM Direito Tributário como requisito parcial para a obenção do título de pós-graduado em Direito Tributário.
Orientador: Prof. Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx
Banca Examinadora
“Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos.”
Xxxxxx Xxxxxxx (1709-84)
Resumo
O presente trabalho discorrerá particularmente sobre os contratos de rateio de custos e despesas de atividades firmados entre empresas localizadas em diferentes jurisdições, e os riscos decorrentes da possível caracterização de tais contratos, por parte das autoridades fiscais, como um contrato de prestação de serviços, o que atrairia a tributação nacional usualmente incidente sobre os valores remetidos ao exterior a título de contraprestação de serviços prestados pela parte não residente, especificamente em relação ao Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”), mas que também poderia possivelmente atrair a incidência de outros impostos como (ii) PIS/COFINS–Importação;
(iii) ISS – Importação; e (iv) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”).
Palavras-chave: Contrato de Compartilhamento de Custos Internacional. Tributação. Conceito de renda tributável. Imposto sobre a Renda Retido na Fonte.
Abstract:
This paper aims to address particularly the cost and expense apportionment contracts of activities entered into between companies located in different jurisdictions, and the risks arising from the possible characterization of such contracts, by the tax authorities, as a service provision contract, the which would attract national taxation usually levied on amounts remitted abroad as consideration for services provided by the non-resident party, specifically in relation to Withholding Income Tax ("IRRF"), but could also possibly attract the incidence of other taxes such as (ii) PIS/COFINS–Import; (iii) ISS – Import; and (iv) Contribution for Intervention in the Economic Domain (“CIDE”).
Keyword: International Cost Sharing Agreement. Taxation. Taxable income concept. Whithholding Tax.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1. DO CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS. 13
1.1. Conceito 13
1.2 Requisitos Para a Sua Caracterização 14
2. DO CONTRATO INTERNACIONAL DE COMPARTILHAMENTO DE CUSTOS 19
2.1.1 Solução de Consulta Cosit nº 276/2019 20
2.1.2 Solução de Consulta Cosit nº 8/2012 24
2.1.3 Solução de Consulta Cosit n° 94/2019. 25
2.1.4 Solução de Consulta Cosit n° 21/2015. 26
2.1.5 Solução de Consulta Cosit nº 43/2015 27
2.1.6 Solução de Consulta Cosit nº 50/2016 30
3. DO ENTENDIMENTO DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS 33
3.1 Acórdão CARF n° 1401-004.049 33
4. DO FATO GERADOR PARA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. 37
4.1.1 Do fato gerador para incidência do IRRF 38
CONSIDERAÇÕES FINAIS 41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 43
INTRODUÇÃO
A dinâmica da economia global atual tem elevado a quantidade de grupos econômicos compostos por entidades domiciliadas em jurisdições diversas. Neste contexto, os grupos multinacionais, com o objetivo de aumentar suas margens de lucro e trazer eficiência à operação, procuram formas de otimizar e reduzir as despesas, principalmente com relação às atividades meio, como departamento jurídico, recursos humanos, marketing, setor administrativo de tecnologia de informática.
Uma das opções existentes para que o custo com essas despesas seja reduzido é através do contrato de compartilhamento de custos, que consiste na celebração de contrato entre entidades de um mesmo grupo econômico, onde acorda-se em dividir os custos dispendidos com atividade de back-office que serão utilizados por todas as signatárias, de modo que eles sejam primariamente arcados pela empresa centralizadora e, posteriormente, ressarcidos pelas demais empresas signatárias na proporção que lhes for devida1.
Este instituto trás diversos benefícios às empresas multinacionais, ao passo em que, além de redução de custo, a centralização dos serviços possibilita a especialização da prestação dos serviços em função de economias de escala, o engrandecimento da expertise nos processos de produção, bem como padronização de atividades e tarefas2.
Não obstante, os contratos de compartilhamento são ainda uma ferramenta fundamental utilizada para evitar eventuais distorções nas demonstrações financeiras da empresa centralizadora e demais empresas signatárias, ao passo em que determina e comprova o quanto das atividades compartilhadas deverá ser, de fato, registrado por cada empresa3.
1 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Rateio de despesas no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. e LESSA, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx; LIMA, Xxxxxx Xxxxx. Novas perspectivas sobre o rateio de despesas à luz do entendimento do CARF e da Receita Federal do Brasil. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 211, 2013.
2 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Tributação dos reembolsos no âmbito dos contratos de compartilhamento de despesas. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo: Dialética, v. 29, p. 36-62, 2013.
3 BRANCO, Vinicius. Convênios de rateio de despesas - disciplina tributária. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, Agosto/2004. p. 78-80
Desta forma, o presente trabalho buscará analisar a natureza do contrato de compartilhamento de custos, para averiguar a possibilidade de tributação dos valores que são ressarcidos à empresa centralizadora pelas demais entidades signatárias.
De antemão, cumpre-se esclarecer que não há no Brasil legislação que regulamente este tipo de contrato. Porém, a ausência de norma legal não impede a realização destes negócios, porquanto o direito brasileiro consagrou a ampla liberdade contratual, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas por lei (que também não é o caso do contrato de compartilhamento de despesas)4.
Não obstante, este instrumento vem sendo regulamentado pelas autoridades fiscais desde 2012 através da publicação de Soluções de Consulta que exigem o cumprimento de diversos requisitos para que a natureza desse instrumento seja afastada da prática de prestação de serviços.
A validade do contrato de compartilhamento de custos impõe diversos requisitos, especialmente quanto à estipulação prévia em contrato e o rígido controle contábil e escritural para evitar a caracterização desse compartilhamento como se prestação de serviço fosse, é atualmente regulamentada através de diversas Soluções de Consulta5 publicadas pela RFB, bem como discutidas em alguns poucos julgamentos do CARF, enquanto o assunto permanece contraditório perante o poder judiciário.
Dada a complexidade e atipicidade do contrato, diversos questionamentos ainda permanecem com relação à possibilidade de tributação dos valores ressarcidos às empresas centralizadoras pelas demais empresas signatárias.
Nesse contexto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), decidiu nos autos do acórdão 1401-004.049, reiterado no Acórdão 1401-004.270, pela incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) sobre as remessas enviadas ao
4 Nesse sentido, veja-se: TÔRRES, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Tributário e Direito Privado: Autonomia Privada, Simulação e Elisão Tributária. São Paulo: XX, 0000, pp. 107 e seguintes.
5 Veja-se: Solução de Consulta COSIT nº 8, de 1.11.2012 (“SC 8/12”), Solução de Consulta de Divergência COSIT nº 23, de 23.9.2013 (“SC 23/13”), Solução de Consulta COSIT nº 43, de 26.2.2015; Solução de Consulta COSIT nº 50, de 5.5.2016; Solução de Consulta nº 9026, de 29.8.2018; Solução de Consulta nº 2014, de 16.11.2018 (“SC 2014/2018”); e Solução de Consulta nº 276 de 2019 (“SC 276/2019”).
exterior a título de ressarcimento à empresa centralizadora dos custos que possuir cede em outra jurisdição.
Em linha com as preocupações dos grupos econômicos multinacionais, e por compreender que tais remessas tratam-se tão somente de mera recomposição patrimonial, não havendo acréscimo patrimonial ou objetivo negocial nesta prática, este artigo debruçará sobre a temática, em âmbito federal, para analisar possíveis ilegalidades no entendimento expressado pela Fazenda Nacional, bem como os riscos decorrentes da possível caracterização de tais contratos, por parte das autoridades fiscais, como um contrato de prestação de serviços, o que atrairia a tributação nacional usualmente incidente sobre os valores remetidos ao exterior a título de contraprestação de serviços prestados pela parte não residente, mais especificamente em relação ao Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”), mas também poderia possivelmente atrair a incidência de outros impostos como (ii) PIS/COFINS–Importação; (iii) ISS – Importação; e (iv) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”).
Será que os valores remetidos à empresa centralizadora para fins de ressarcimento dos gastos com atividade meio que tiverem sido, de fato, utilizados por outra entidade signatária deveriam ser passíveis de tributação? Esta é a pergunta que se espera responder a partir do presente trabalho.
O entendimento fazendário, conforme restará demonstrado, afronta e amplia o conceito de renda para fins de incidência tributária, de modo que caso este entendimento sobressaia, trará severas consequências para as empresas multinacionais.
Considerando a sua complexidade, ausência de regulamentação e vasto campo de exploração, este tema é de grande relevância, uma vez que a adoção de tal instrumento ainda gera insegurança e expõe as empresas a riscos fiscais.
Em suma, o objetivo deste artigo é:
a) Explorar o conceito do contrato de compartilhamento de custos à luz da legislação brasileira.
b) Analisar o entendimento externado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) sobre o tema;
c) Pormenorizar o conceito de renda previsto pela Constituição Federal e demais leis de nosso ordenamento jurídico;
d) Por fim, refutar os argumentos utilizados pelo órgão fazendário para atrair a tributação sobre os valores ressarcidos à empresa centralizadora pelas outras empresas signatárias dentro dos contratos de compartilhamento de custos.
1. Do Contrato de Compartilhamento de Despesas
1.1 Conceito
Os contratos de compartilhamento de custos e despesas caracterizam-se, juridicamente, como contratos atípicos, representados pela repartição de custos e despesas incorridas ou a incorrer entre as partes signatárias. Não podem, no entanto, ser confundidos com os contratos de prestação de serviços propriamente ditos, visto que não envolvem o componente da remuneração pelos serviços prestados ou o acréscimo de margem de lucro pela parte reembolsada.
Desta forma, cumpre-se esclarecer que não há no Brasil legislação que regulamente este tipo de contrato. Porém, esta ausência de norma legal não impede a realização destes negócios, porquanto o direito brasileiro consagrou a ampla liberdade contratual, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas por lei (que também não é o caso do contrato de compartilhamento de despesas)6.
Esses contratos têm a finalidade específica de possibilitar o compartilhamento de custos ou de despesas incorridos por uma parte pelas demais partes contratantes, que também se utilizam e se beneficiam do produto de tais custos e despesas. Nos instrumentos competentes que lhe regulam o funcionamento, as partes estabelecem os critérios para que se determine em que medida cada sociedade deverá participar dos custos e das despesas incorridas pela empresa que originariamente pagou por eles, através dos seus reembolsos.
Conforme já antes mencionado, as definições de critérios e limitações dos contratos de compartilhamento de custos são determinadas, exclusivamente, por Soluções de Consulta publicadas pela RFB, pela jurisprudência em âmbito administrativo e judicial, bem como pela doutrina especializada, as quais se debruçam sobre os requisitos para a validade do contrato e seus aspectos fiscais.
O racional do contrato de compartilhamento de custos, à luz do que determinam os inúmeros requisitos impostos pela RFB, é no sentido de que os valores pagos pelas empresas signatárias à empresa centralizadora não passa de um mero reembolso das despesas, porquanto o objetivo central do contrato seja a divisão delas entre as partes contratantes, inexistindo qualquer prestação de serviço.
6 Nesse sentido, veja-se: TÔRRES, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Tributário e Direito Privado: Autonomia Privada, Simulação e Elisão Tributária. São Paulo: XX, 0000, pp. 107 e seguintes.
A esse despeito, tratando-se de mero reembolso, por consequência não poderá haver lucro por parte da entidade centralizadora, de modo que seria cabível incidência do IRPJ e da CSLL, tampouco das contribuições ao PIS e COFINS.
1.2 Requisitos Para a Sua Caracterização
Apesar do contrato de compartilhamento de despesas entre empresas no mesmo grupo ser uma prática usual no mercado, é importante ressaltar que alguns critérios devem ser observados para que seja considerado regular pelas autoridades fiscais.
Em razão da inexistência de expressa previsão em lei da possibilidade de celebração deste tipo de contrato, algumas condições passaram a ser usualmente utilizadas, quer por haver previsão em normas regulamentares, quer em razão de Decisões proferidas por autoridades administrativas condicionando o reconhecimento deste tipo de contratos à presença de determinados elementos fiscais e contábeis que norteiam a dedutibilidade e contabilização de tais custos e despesas.
Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil (“RFB”), por meio do Parecer Normativo CST nº 347 de 08/10/1970, esclarece que “a forma de escriturar suas operações é de livre escolha do contribuinte, dentro dos princípios técnicos ditados pela Contabilidade”. Todavia, o mesmo Parecer ressalva que o Fisco poderá impugnar as escriturações contábeis do contribuinte “quando em desacordo com as normas e padrões de contabilidade geralmente aceitos, ou que possam levar a um resultado diferente do legítimo”.
A interpretação da RFB está em linha com o que dispõe a legislação fiscal, nos termos dos artigos 311 e 265 do Decreto nº 9.580/2018 (“RIR/18”), os quais tratam, respectivamente, das despesas necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora e do dever de deve manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais:
“Art. 311. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora.
§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.
§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, independentemente da designação que tiverem”. “Art. 265. A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro
real deverá manter escrituração em observância às leis comerciais e fiscais.
§ 1º A escrituração deverá abranger todas as operações do contribuinte, os resultados apurados em suas atividades no território nacional, os lucros, os rendimentos e os ganhos de capital auferidos no exterior.
§ 2º A escrituração prevista neste artigo deverá ser entregue em meio digital ao Sistema Público de Escrituração Digital - SPED, instituído pelo Decreto nº 6.022, de 22 de janeiro de 2007”.
Verifica-se, portanto, que deve haver uma relação harmônica entre o contrato de compartilhamento de despesas e as regras fiscais e contábeis.
De acordo com esse raciocínio, somente o montante da despesa que tenha sido, de fato, arcado por cada empresa signatária será dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL7, porquanto também serão passíveis da apropriação de créditos das contribuições do PIS e da Cofins.
Na linha deste entendimento, por meio da Solução de Divergência 23/2013 (“SD 23/2013”)8, a Coordenação Geral de Tributação (“COSIT”) da RFB pacificou o tema quanto à possibilidade de se efetuar o compartilhamento de despesas com atividade meio entre empresas do mesmo grupo econômico, indicando nesse instrumento os critérios e requisitos condicionantes para a regularidade do compartilhamento dos dispêndios.
Conforme o disposto na SD 23/2013, para que os valores movimentados em razão do citado compartilhamento de custos e despesas sejam dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, exige-se que:
i. sejam despesas necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas, devidamente comprovadas e pagas;
7 artigo 311 do Regulamento do Imposto de Xxxxx (RIR/2018)
8 A SD 23/2013 possui efeito vinculante no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, por força do art. 9º da Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 2013.
ii. sejam calculadas com base em critérios de compartilhamento razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por meio de contrato de compartilhamento de custos;
iii. correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços;
iv. a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços;
v. as parcelas a serem ressarcidas sejam contabilizadas como direitos de créditos a recuperar;
vi. seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.
Ressalta-se que o caso analisado na solução de divergência acima mencionada insere-se no contexto em que todas as empresas que eram parte do contrato de compartilhamento de despesas eram sediadas no Brasil.
Ao analisar os acórdãos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) sobre o tema, percebe-se que o Tribunal Administrativo possui entendimento alinhado com a RFB, reforçando a necessidade de observância dos requisitos estabelecidos pela SD 23/2013 para fins de caracterização do contrato de compartilhamento de despesas, conforme pode-se observar pelas ementas dos recentes acórdãos abaixo transcritas:
“CONTRATOS DE COMPARTILHAMENTO DE CUSTOS CORPORATIVOS (COST SHARING)
Nos contratos de compartilhamento de custos corporativos (cost sharing) as operações devem estar de acordo com as normas e padrões de contabilidade geralmente aceitos, bem como devem conduzir a um resultado legítimo. Dentre as condições de dedutibilidade das despesas rateadas elencadas na Solução de Divergência nº 23, de 2013, destacam- se:
i) tanto a sociedade centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços quanto a empresa descentralizada deve se apropriar tão somente da parcela que lhe caiba de acordo com o critério de rateio;
ii) a empresa centralizadora, por sua vez, deve contabilizar as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar;
iii) a operação deve estar pautada pelos princípios de contabilidade;
iv) a empresa centralizadora e as empresas descentralizadas devem manter escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.” (Destacado). (CARF, Acórdão nº 1201-003.145, julgado em 18/09/2019)
“IRPJ E CSLL. DESPESAS COM RATEIO. REQUISITOS.
Para que seja admitido o aproveitamento de despesas rateadas entre empresas coligadas ou pertencentes ao mesmo grupo econômico, devem ser cumpridos e comprovados pela entidade (i) que as despesas correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas ou incorridas; (ii) que os critérios de rateio sejam razoáveis e objetivos, devendo estar alinhados com o preço real do serviço prestado; (iii) que o rateio seja previamente formalizado entre as partes, através de instrumento contratual, em que reste previsto expressamente os critérios, formas de remuneração e justificativas para que as despesas sejam rateadas; (iv) que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe; (v) que a empresa descentralizada, beneficiária dos bens e serviços, aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe, de acordo com o critério de rateio; e (vi) que a contabilidade das entidades envolvidas reflita de forma fidedigna as operações. Não sendo comprovado algum destes requisitos, correta é a glosa da despesa pela fiscalização.” (CARF, Acórdão nº 1401-004.221, julgado em 12/02/2020)
“CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE DESPESAS. REQUISITOS DE DEDUTIBILIDADE DOS REEMBOLSOS.
Para que os reembolsos possam ser considerados dedutíveis, há que se comprovar, de forma individualizada, a necessidade das despesas suportadas pela empresa mantenedora da estrutura administrativa concentrada. Além disso, os critérios de rateio devem ser claramente estipulados e os respectivos valores apropriadamente contabilizados.
No presente caso, da forma como se procedeu, impondo à recorrente reembolsos mensais fixos, não há como corroborar a dedutibilidade.”
(CARF, Acórdão nº 1302-004.332, julgado em 11/02/2020)
Observa-se, portanto, que o CARF possui entendimento sedimentado a respeito dos critérios que devem ser observados para a caracterização do contrato de compartilhamento de custos firmados entre empresas brasileiras que compõe o mesmo grupo econômico. Tais requisitos, diga-se, são os mesmos que aqueles previstos pela SD 23/2013 e acima elencados.
Em termos práticos, além da possiblidade de dedução das despesas incorridas no âmbito do compartilhamento de serviços, custos e despesas, a caracterização do contrato de compartilhamento de custos afasta a possibilidade de exigência dos tributos incidentes sobre os contratos típicos de prestação de serviços9. Isso pois, o rateio dos custos e despesas entre as partes representa uma mera recomposição patrimonial, inexistindo qualquer prática pela empresa centralizadora dos custos do exercício de uma atividade visando o lucro.
Portanto, uma vez respeitados os requisitos exigidos para a caracterização do contrato de compartilhamento de despesas, o entendimento da RFB e do CARF é pacífico pela não incidência de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e ISS, bem como pela possibilidade de dedução dos valores pagos no âmbito do rateio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL e do creditamento dos mesmos custos e despesas para as contribuições do PIS e da COFINS.
9 Sobre os contratos de prestação de serviços, verifica-se a incidência dos seguintes tributos: (i) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e Contribuição Social sobre o Xxxxx Xxxxxxx (“CSLL”) sobre o lucro;
(ii) Contribuições para o PIS e a COFINS sobre a receita; e (iii) Imposto sobre Serviços (“ISS”) sobre o preço pago pelos serviços prestados.
2. Do Contrato Internacional de Compartilhamento de Despesas
Conforme exposto no tópico anterior, os contratos de compartilhamento de despesas, embora lícitos e justificados pela necessidade de otimização de custos entre empresas de um mesmo grupo econômico, devem atentar-se a determinados requisitos para fins de evitar possíveis impactos fiscais decorrentes de sua elaboração. Assim como nos contratos firmados entre empresas situadas exclusivamente no Brasil, os contratos internacionais, com a centralização das atividades e custos no Brasil, no exterior ou em ambos, também merecem especial atenção em relação aos seus impactos fiscais.
Particularmente em relação aos contratos de compartilhamento de custos e despesas de atividades firmados entre empresas localizadas em diferentes jurisdições, é preciso atentar-se aos riscos decorrentes da possível caracterização de tais contratos, por parte das autoridades fiscais, como um contrato de prestação de serviços, o que atrairia a tributação nacional usualmente incidente sobre os valores remetidos ao exterior a título de contraprestação de serviços prestados pela parte não residente, mais especificamente em relação aos seguintes tributos: (i) Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”); (ii) PIS/COFINS–Importação; (iii) ISS – Importação; e (iv) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (“CIDE”).
Ademais, além da possibilidade de incidência dos referidos tributos, é preciso analisar a possibilidade de dedutibilidade dos valores remetidos ao exterior pela pessoa jurídica brasileira no âmbito do rateio das despesas incorridas pela pessoa jurídica centralizadora estrangeira.
A adoção dos contratos de rateio celebrados por empresas de um mesmo grupo econômico, localizadas em jurisdições diferentes, estão mais suscetíveis a riscos quando comparado aos contratos realizados por empresas no mesmo país.
Porquanto o contrato de rateio internacional possua a mesma finalidade, e deva observar os mesmos critérios estipulados para o contrato nacional, novos desafios serão enfrentados no tocante às regras existentes para realização de remessas ao exterior, bem como as dificuldades com relação à compatibilidade das regras do ordenamento jurídico brasileiro e das outras jurisdições.
Isto porque, a não observação dessas questões poderá descaracterizar a natureza de contrato de rateio, atribuindo a ele a tributação prevista para importação de serviços, com a respectiva aplicação das regras de preço de transferência brasileiras, que são complexas.
A esse respeito, verifica-se que as respostas da RFB às Soluções de Consulta não são favoráveis ao analisar as questões fáticas apresentadas pelos contribuintes e, frequentemente consideram que os contratos de compartilhamento de despesas não atendem aos requisitos impostos pelas normas brasileiras.
Na maioria das hipóteses, as autoridades fazendárias entendem pela existência de auferimento de lucros por parte da empresa centralizadora, ou até mesmo em razão de terceirização das atividades meio que, em teoria, deveriam ser realizadas por funcionários contratados por uma das empresas signatárias10.
O cumprimento dos requisitos anteriormente mencionados, em tese, deveria ser suficiente para afastar a incidência do IRRF, PIS/Cofins Importação e CIDE, uma vez que as remessas realizadas ao exterior seriam consideradas tão somente como um mero reembolso e não contraprestação pela importação de serviços.
Apesar de afastados esses tributos, importante ressaltar que o Regulamento do IOF prevê a incidência do IOF/Câmbio sobre toda e qualquer operação que venha a ser realizada para envio de remessas para outras jurisdições.
Em linhas gerais, ainda que os requisitos venham a ser observados, há o risco de que os serviços de back-office venham a ser caracterizados pela RFB como serviços técnicos, o que atrairia a incidência do IRRF à alíquota de 15%11, do PIS e da COFINS Importação à alíquota de 9,25%, além da CIDE à alíquota de 10%, e do ISS. Assim, nota- se o risco de aplicação de uma alta tributação no caso de descaracterização do contrato de rateio internacional e sua requalificação para um simples contrato de importação de serviços.
Nesse sentido, passemos à análise das principais soluções de consulta e acórdãos do CARF sobre o tema, a fim de observar os requisitos que devem ser observados para se afastar a possibilidade de tributação dos valores remetidos ao exterior no âmbito do contrato de cost sharing internacional.
2.1 Solução de Consulta Cosit nº 276/2019
10 Veja-se, a título exemplificativo, a Solução de Consulta nº 8/2012: “A ocorrência de subcontratação de atividades identificada num contrato de rateio de custos resulta em tratamento tributário diverso daquele aplicável a remessas de valores que correspondam a reembolso de despesas, submetendo-se ao tratamento tributário de remessas em decorrência de prestação de serviços”
11 Ressalvados disposições em Tratados para evitar a Dupla Tributação assinados pelo Brasil e países com tributação favorecida
A Solução de Consulta Cosit nº 276/2019 (“SC 276/2019”) representa o entendimento mais atual manifestado pela RFB sobre o tema, publicada em 26 de setembro de 2019.
Em suma, a RFB manifestou-se a favor da tributação do IRRF, CIDE-Royalties, PIS-Importação e COFINS-Importação sobre valores remetidos ao exterior afim de reembolsar a empresa matriz estrangeira por atividades desempenhada em benefício da empresa brasileira no âmbito do contrato compartilhamento de custos firmado entre as partes. Não obstante, é importante analisarmos as peculiaridades do caso concreto que fizeram a RFB chegar ao entendimento supramencionado.
O caso concreto objeto de análise da SC 276/2019 refere-se a um contrato de compartilhamento dos custos internos, sem a adição de qualquer margem de lucro, incorridos pela matriz de determinado grupo econômico, localizada no Estados Unidos da América, em benefício de diversas empresas espalhadas pelo mundo, dentre elas a empresa brasileira consulente da solução de consulta em questão. O referido contrato previa o rateio dos custos e despesas relacionados a atividades ligadas ao departamento de sistemas de informação12 e de engenharia do grupo econômico13.
Preliminarmente, a fim de solucionar as questões tributárias sobre as remessas enviadas ao exterior, a RFB tratou de diferenciar as características de um contrato de compartilhamento de custos e de um contrato de prestação de serviços.
Nessa linha, a RFB reforçou o entendimento segundo o qual os contratos de cost sharing devem seguir os requisitos previstos pela SD 23/2013, e pela Solução de Consulta COSIT nº 8/2012 (“SC 8/2012”), a qual será objeto de comentários mais adiante. Em resumo, ambos os referidos atos interpretativos preveem, dentre os requisitos necessários para a caracterização do contrato de compartilhamento de despesas, (i) o caráter instrumental das atividades cujo custo é rateado (i.e. atividades-meio); (ii) natureza
12 “I) Departamento de Sistemas de Informação: Desenvolvimento de atividades de tecnologia da informação, incluindo atividades de suporte aos usuários do sistema interno corporativo; Resolução de problemas relacionados à tecnologia da informação; Identificação de necessidades relacionadas à infraestrutura virtual; Desenvolvimento de aplicações; e Design de sistemas e implantação de sistemas relacionados à tecnologia da informação”.
13 II) Departamento de Engenharia: Atividades relacionadas à engenharia, incluindo a melhoria do processo produtivo; Auxílio à Consulente na escolha de compra da melhor máquina ou equipamento destinado à fabricação de produtos específicos; Auxílio à Consulente a determinar a fórmula apropriada a ser utilizada na fabricação de produtos cuja fórmula tenha sido criada pela General Mills Inc.; Design de planta fabril e introdução de novos produtos às plantas fabris; Resolução de problemas relacionados ao produtos e gerenciamento de perdas.”
contributiva; (iii) previsão de critério de rateio objetivo e razoável; e (iv) ausência de margem de lucro pela empresa centralizadora dos custos.
Destaca-se, todavia, que a RFB se baseou, além dos critérios estabelecidos pelos atos interpretativos anteriormente publicados, nas diretrizes publicadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) em relação aos acordos de cost sharing, segundo os quais a existência de um benefício mútuo é fundamental para um contrato de compartilhamento de despesas. Por isso, não poderia ser considerado participante a parte que não tenha uma expectativa razoável de que terá benefício dos objetivos do contrato de compartilhamento de custos14.
Desta forma, caso uma das empresas do grupo desempenhe uma função específica sem necessariamente esperar nenhum benefício, haverá uma prestação de serviços intragrupo, e não um contrato de compartilhamento de despesas. A esse respeito, transcrevemos abaixo o trecho das diretrizes emitidas pela OCDE, traduzido pela própria RFB:
“8.3 Um “Cost Sharing Agreement” é um acordo contratual entre empresas para compartilhar as contribuições e riscos envolvidos no desenvolvimento conjunto, produção ou obtenção de intangíveis, ativos tangíveis ou serviços com o entendimento de que tais intangíveis, ativos tangíveis ou serviços devem criar benefícios para os negócios individuais de cada um dos participantes.
(...)
8.14 Como o conceito de benefício mútuo é fundamental para um contrato de compartilhamento de custo, segue-se que uma das partes não pode ser considerada participante se a parte não tiver uma expectativa razoável de que se beneficiará dos objetivos da própria atividade do contrato (e não apenas de executar parte ou toda a atividade do sujeito), por exemplo, da exploração de seu interesse ou direitos sobre os ativos intangíveis ou tangíveis, ou do uso dos serviços produzidos através do contrato. Portanto, um participante deve receber um benefício ou direitos sobre os intangíveis, ativos tangíveis ou serviços que são objeto do contrato e ter uma expectativa razoável de poder se beneficiar desse
14 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations 2017 (disponível em xxxx://xx.xxx.xxx/00.0000/xxx-0000-xx).
interesse ou desses direitos. Uma empresa que realiza exclusivamente uma atividade, por exemplo, desempenhando funções de pesquisa, mas não tem interesse nessa atividade, não seria considerada um participante no contrato de compartilhamento de custos, mas sim um provedor de serviços. Como tal, deve ser compensado pelos serviços que presta em uma base externa à acordo de compartilhamento. Da mesma forma, uma empresa não participaria de um rateio de despesas se não fosse capaz de explorar o benefício em seu próprio negócio.” (tradução livre)
Diante da argumentação acima apresentada, a RFB entendeu que o contrato em questão carecia do elemento de benefício mútuo entre as empresas participantes que integram o contrato, nos seguintes termos:
“30. Em que pesem as atividades ligadas ao departamento de engenharia desempenhadas pela matriz resultarem em benefícios para a filial brasileira, percebe-se que carecem do elemento caracterizador do contrato de compartilhamento de custos que seria o benefício mútuo entre as empresas participantes que integram o contrato. Claramente, é possível identificar que a matriz está desempenhando atividades sem que tenha uma vantagem esperada. Nessa situação, a matriz pode ser considerada como uma prestadora de serviços para a filial, desde que tais serviços sejam de tal relevância que uma empresa independente estivesse disposta a contratá-los. Nesse caso, as remunerações dessas atividades dentro do grupo devem ser equivalentes ao que partes independentes estariam dispostas a pagar pelos mesmos serviços, caso se tratasse de condições de livre mercado (arm’s lenght).” (Grifado).
Em complemento, ficou entendido que os custos estabelecidos no contrato de compartilhamento não estariam de acordo com os requisitos estabelecidos pela SD 23/2013 e pela SC 8/2012, uma vez que a forma contratual avençada para remuneração seria uma retribuição direta pela vantagem auferida pela consulente, enquanto os referidos atos interpretativos estabelecem que a vantagem individual do contratante deve ser medida através de métodos indiretos, com base em critérios objetivos, e não por uma determinação direta do custo como acontece na prestação de serviços individualizados.
Assim, tendo em vista as características mencionadas sobre o contrato de compartilhamento de custos objeto da SC 276/2019, a RFB entendeu que o contrato apresentado pela consulente não atendeu, em geral, aos requisitos de seu enquadramento como contrato de compartilhamento de custos e despesas entre empresas do mesmo grupo, pois não haveria benefício mútuo esperado para matriz no exterior, em relação às atividades desempenhadas pelo setor de engenharia, bem como a forma contratual avençada para remuneração é uma retribuição direta pela vantagem auferida pela consulente.
Desta forma, concluiu-se que o caráter bilateral e oneroso verificado no contrato firmado entre as partes configurava-o verdadeiramente como uma prestação de serviços, devendo-se, por consequência, tratar as remessas de valores à empresa-matriz estrangeira como contraprestação por serviços prestados (importação de serviços), sujeitando tais valores à incidência de IRRF, CIDE Royalties e PIS/COFINS-Importação.
Nota-se, assim, que a situação analisada pela RFB na SC 276/2019 é diversa da ora analisada, uma vez que há de fato um benefício mútuo entre as empresas participantes.
2.2 Solução de Consulta Cosit nº 8/2012
O caso concreto analisado pela já mencionada SC 8/2012 refere-se a um contrato de rateio firmado entre empresas localizadas em diversos países e pertencentes a um mesmo grupo econômico, no qual a empresa-líder, que concentrava todos os custos incorridos com as atividades administrativas do grupo, estava sediada no exterior.
Cumpre-se observar que a solução de consulta em questão analisou especificamente a possibilidade de dedução, para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos valores remetidos ao exterior pela empresa consulente brasileira a título de reembolso no âmbito do contrato de cost sharing.
Assim como na SC 276/2019, a presente solução de consulta ressalta a necessidade de distinguir o contrato de compartilhamento de custos do contrato de prestação de serviços, uma vez que ambos possuem tratamentos tributários distintos. Assim, a exemplo da já explorada SD 23/2013, a SC 8/2012 estabelece os requisitos que devem ser observados para a caracterização do contrato de compartilhamento de despesas, quais sejam:
“a) a divisão dos custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção de bens, serviços ou direitos;
b) a contribuição de cada empresa ser consistente com os benefícios individuais esperados ou recebidos efetivamente;
c) a previsão de identificação do benefício, especificamente, a cada empresa do grupo. Caso não seja possível assumir que a empresa possa esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato;
d) a pactuação de reembolso, assim entendido o ressarcimento de custos correpondente ao esforço ou sacrifício incorrido na realização de uma atividade, sem parcela de lucro adicional;
e) o caráter coletivo da vantagem oferecida a todas as empresas do grupo;
f) a remuneração das atividades, independentemente de seu uso efetivo, sendo suficiente a “colocação à disposição” das atividades em proveito das demais empresas do grupo;
g) a previsão de condições tais que qualquer empresa, nas mesmas circunstâncias, estaria interessada em contratar.”
Desta forma, foi reconhecida pela RFB a possibilidade de dedução, para fins de IRPJ e CSLL, das despesas administrativas reembolsadas pela pessoa jurídica brasileira e remetidas ao exterior, desde observados os requisitos acima expostos.
Não obstante, importante pontuar que a SC 8/2012 indica expressamente que na hipótese de reembolso de serviço prestado por terceiro não residente (e reembolsadas pela brasileira), a remessa está sujeita à retenção de imposto de renda na fonte (IRRF), uma vez que se trata de remessa de rendimento ao exterior.
2.3 Solução de Consulta Cosit nº 94/2019
A Solução de Consulta Cosit nº 94/2019 (“SC 94/2019”) consolidou o entendimento da RFB sobre a dedutibilidade dos custos e despesas administrativas comuns na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
De forma similar à SC 8/2012, a presente solução de consulta analisou a possibilidade de dedução dos referidos custos e despesas administrativas no contexto em
que a empresa consulente brasileira faz parte de um grupo econômico internacional, com a empresa-matriz localizada nos Estados Unidos da América. Nesse contexto, os custos e despesas decorrentes das atividades administrativas (atividades-meio) das empresas do grupo eram todos concentrados pela empresa-matriz estrangeira, conforme contrato de compartilhamento de despesas firmado entre as partes.
Veja-se que a SC 94/2019 se baseia na fundamentação da SD 23/2013, segundo a qual uniformizou o entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil quanto à dedutibilidade dos valores movimentados em razão do rateio de despesas, desde que respeitados os requisitos por ela estabelecidos.
Nesse sentido, concluiu-se pela possibilidade de concentração, em uma única empresa estrangeira, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizados, para posterior rateio dos custos e despesas administrativas comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada.
Nos termos da SC 94/2019, “para que os valores movimentados em razão do citado rateio de custos e despesas sejam dedutíveis na apuração do IRPJ e da CSLL, exige-se que correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas; calculadas com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; que correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços; que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e, finalmente, que seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas”.
Note-se, assim, que a partir do que restou decidido, é possível reconhecer que a RFB admite de forma expressa a dedutibilidade dos custos e despesas incialmente suportados por empresa não residente que venham a ser reembolsadas a esta por sociedade brasileira, em razão da adoção de contrato de rateio, conquanto que as despesas cumpram as demais regras necessárias à dedutibilidade (i.e., ser uma despesa necessária à atividade da sociedade brasileira).
2.4 Solução de Consulta Cosit nº 21/2015
No âmbito da Solução de Consulta Cosit nº 21/2015 (“SC 21/2015”), a RFB distinguiu de forma expressa os tratamentos tributários aplicáveis aos reembolsos de custos e despesas administrativas e os reembolsos destinados à contratação de serviços de terceiros no âmbito do contrato de cost sharing.
Nesse sentido, transcrevo abaixo o entendimento manifestado nas conclusões da solução de consulta em comento:
“21.2 Em vista disso, em um contrato de rateio de custos e despesas firmado entre sociedades integrantes de mesmo grupo econômico que envolva residentes e não residentes no País, as atividades disponibilizadas à pessoa jurídica residente por pessoa jurídica não residente devem ser objeto de registro no Siscoserv, caso a atividade em questão esteja prevista na NBS. Trata-se de transação que compreende uma operação que produz variação no patrimônio da pessoa jurídica, na medida em que o reembolso oferecido como contrapartida à atividade disponibilizada representa uma despesa, que necessariamente implicará diminuição patrimonial.
21.3 Caso, no bojo do acordo de rateio de custos, haja subcontratação de determinados serviços pela pessoa jurídica centralizadora em favor das demais integrantes, a relação obrigacional decorrente terá a natureza de uma autentica prestação de serviços, figurando como prestador o terceiro contratado e como tomador as pessoas jurídicas do grupo, a quem os serviços de fato beneficiam. Caso o prestador seja residente ou domiciliado no exterior, haverá obrigatoriedade do registro da informação no Siscoserv, a ser efetuada pelo tomador domiciliado no Brasil”. (Grifamos).
Nota-se, portanto, que quando o contrato de cost sharing prevê o rateio de despesas em decorrência de contratação de serviços de terceiros, a RFB não considera tal hipótese como um simples reembolso (como no caso das despesas administrativas), mas sim como serviço, o que implica na tributação dos valores remetidos ao exterior como tal. Ressalta-se, ainda, que este entendimento é também manifestado pela SC 8/2012, conforme já mencionado.
Com efeito, o contrato de compartilhamento de custos e despesas tem por objetivo racionalizar a realização de determinadas atividades entre as empresas de um determinado grupo econômico (e não uma prestação de serviços mútua).
Portanto, na hipótese de subcontratação de terceiros por uma das empresas em benefício a todas as partes do Grupo Econômico, a existência do contrato de compartilhamento de custos e despesas não deveria implicar supressão dos tributos devidos pelo terceiro.
Esse entendimento tende a ser irrelevante quando todas as partes do contrato de compartilhamento de serviços, custos e despesas são residentes no Brasil. Isso porque, independentemente da fonte pagadora, (i) como regra15 serão devidas as mesmas retenções; e (ii) os mesmos tributos pelo prestador.
Contudo, isso não se verifica nos contratos de compartilhamento de serviços, custos e despesas internacionais, uma vez que o deslocamento da fonte pagadora para o exterior implicaria inexistência de retenção e pagamento dos tributos devidos na importação de serviços feita diretamente pela sociedade brasileira.
De modo que, especificamente sobre os reembolsos decorrentes de serviços que venham a ser contratados perante terceiros no exterior, entende-se que cumprirá à entidade proceder à retenção e pagamento dos tributos devidos na importação desses serviços.
2.5 Solução de Consulta Cosit nº 43/2015
Esse entendimento é confirmado também pela Solução de Consulta Cosit nº 43/2015 (“SC 43/2015”), a qual analisou a incidência da CIDE sobre as remessas ao exterior em decorrência de contrato de compartilhamento de custos e reembolso de despesas firmado entre a empresa consulente brasileira com a sua controladora estrangeira, localizada na Alemanha e centralizadora dos custos.
O contrato de compartilhamento de custos e reembolso de despesas em questão tinha por objetivo o rateio dos custos para a implantação do chamado “Sistema SAP” (solução de gerenciamento de negócios integrada) em todas as subsidiárias da empresa
15 Pode haver situações em que isso não se verifique relativamente à retenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”), caso as partes do contrato estejam situadas em municípios diversos. Contudo, isso tende a ser irrelevante, na medida em que eventual ausência de regra de retenção não dispensaria o recolhimento do ISS pelo prestador de serviços.
controladora estrangeira. Desta forma, como beneficiária direta do referido sistema, a consulente firmou o contrato com o intuito de estabelecer a sistemática de rateio e reembolso, de acordo com os benefícios a ela atribuídos. Percebe-se, portanto, que se tratava de valores reembolsados em razão da contratação de serviços de terceiros.
Em complemento, parte dos custos a serem reembolsados pela Consulente diziam respeito a atividades desenvolvidas pelos próprios empregados da controladora estrangeira, portanto, sem que houvesse subcontratação de terceiros no exterior.
A RFB classificou as atividades objeto do contrato de rateio das empresas como serviços técnicos e de assistência administrativa, razão pela qual entendeu pela incidência da CIDE sobre os valores remetidos ao exterior. Nos termos da SC 43/2015:
“35. Conclui-se, diante do todo exposto, que incide a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) de que trata o art. 2º da Lei nº 10.168, de 2000, sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a título de remuneração de residente ou domiciliado no exterior decorrente de contratos de compartilhamento de custos de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes entre empresas do mesmo grupo econômico (cost-sharing agreement), ainda que tais valores correspondam apenas ao custo dos serviços prestados diretamente por funcionários da empresa do grupo domiciliada no exterior (custos internos) ou aos valores pagos pela empresa do grupo domiciliada no exterior a terceiros, prestadores dos serviços (custos externos)”. (Grifado).
Neste caso, é importante observar que a RFB decidiu pela tributação não apenas sobre os valores remetidos ao exterior para custear a subcontratação de terceiros (custos externos), como também pela tributação dos valores remetidos ao exterior para custar os serviços desempenhados internamente pelos próprios funcionários da empresa estrangeira centralizadora dos custos (custos internos).
Esse entendimento, contudo, não parece ser correto.
Com efeito, ainda que concordemos que o reembolso promovido a sociedade no exterior em razão da subcontratação de serviços esteja sujeito ao pagamento dos tributos devidos na importação de serviços, os valores de reembolso feitos por atividades
prestadas internamente pelas empresas participantes do contrato de compartilhamento de serviços, custos e despesas não corresponde a uma prestação de serviços em si.
A prestação de serviços a ser objeto de tributação é aquela realizada em função do exercício da atividade empresária, visando o lucro. As atividades-meio prestadas por funcionários das empresas, em favor do grupo econômico, fogem desse conceito e não podem ser equiparadas a uma prestação de serviços, principalmente quando sequer há uma remuneração efetiva (há mero reembolso dos custos incorridos em favor da empresa que faz o reembolso).
2.6 Solução de Consulta Cosit nº 50/2016
A Solução de Consulta Cosit nº 50/2016 (“SC 50/2016”) manifestou entendimento em linha com a SC 43/2015, sendo que o objeto de análise da presente solução de consulta foi a incidência de PIS/COFINS-Importação sobre os valores remetidos ao exterior no âmbito do contrato de cost sharing.
No caso ora analisado, a empresa brasileira consulente tinha como atividade preponderante a fabricação de material sanitário de cerâmica e era integrante de grupo econômico internacional. A referida empresa celebrou contratos de rateio com outras empresas do grupo localizadas no exterior, que incluíam a prestação de serviço de assessoria em geral, tais como, gestão corporativa, serviços financeiros, assessoria de engenharia e técnica, de recursos humanos, seguro, assuntos fiscais e jurídicos internacionais, desenvolvimento de produtos, controle de qualidade e acompanhamento de pedidos de compra.
A RFB entendeu que análise sobre a incidência ou não do PIS/COFINS- Importação sobre importações realizadas no âmbito de acordos de repartição de custos e despesas “deve ser feita exclusivamente mediante a verificação da ocorrência das hipóteses de incidência das contribuições (entrada de bens estrangeiros no território nacional e pagamento a pessoa residente ou domiciliada no exterior pela prestação de um serviço executado no Brasil ou cujo resultado se verifique no país), independentemente da natureza jurídica da operação que ensejou a importação e dos efeitos decorrentes da operação no patrimônio da pessoa jurídica nacional ou do estrangeira”. Nesse sentido, concluiu no seguinte sentido:
“28. Do exposto, responde-se à consulente que:
a) a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins- Importação incidem sobre importações que se subsumam a suas hipóteses de incidência, inclusive no caso de operações realizadas no âmbito de acordos de repartição de custos e despesas, em qualquer de suas modalidades;
b) No caso de importação de serviços, para verificação da ocorrência do fato gerador das aludidas contribuições, deve-se perquirir:
i) se a utilidade importada constitui uma prestação de serviço;
ii) se o serviço foi executado no Brasil ou se seu resultado se verificou no país;
c) no caso concreto, a consulente deve verificar acerca de cada pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de valores realizada no âmbito dos contratos em voga a ocorrência do fato gerador da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação.” (Grifado).
A partir da análise da SC 50/2016, pode-se inferir que a RFB entende que os serviços contratados por empresa brasileira no âmbito de um contrato de compartilhamento de custos e despesas, a serem prestados por outra empresa do mesmo grupo econômico, domiciliada no exterior, podem ser enquadrados ou no conceito de serviços técnicos, ou no de assistência administrativa e semelhantes. Nesses casos, os valores remetidos ao exterior serão caraterizados como contraprestação dos referidos serviços, e tributados como tal.
Ressalte-se que a SC 50/2016 indica que os contratos juntados previam a possibilidade de prestação de diversos tipos de serviços, com descrições vagas, “o que impossibilita a análise acerca da incidência ou não da Contribuição para o PIS/Pasep- Importação e da Cofins-Importação sobre cada espécie de serviço”.
Por esse trecho, pode-se concluir, em sentido contrário, que a RFB admite hipóteses em compartilhamento de custos não implicaria exigência do PIS-Importação e da COFINS-Importação.
Ressalte-se, ainda, que a SC 50/2016 aduz expressamente que na hipótese de tais contribuições serem devidas, a empresa brasileira poderá apurar créditos relativos a tais
contribuições, conquanto que observada a legislação sobre a matéria (artigo 15 da Lei nº 10.865/2004).
3. Do entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
Preliminarmente, cumpre-se esclarecer que o CARF não possui entendimento pacífico em relação ao tratamento tributário aplicável aos contratos de compartilhamento de despesas internacionais, tendo a empresa-matriz estrangeira como a centralizadora dos custos e despesas das atividades administrativas do grupo econômico e dos custos relativos a subcontratações de serviços de terceiros.
Nesse contexto, o acórdão nº 1401-004.049, julgado pelo CARF em 10 de dezembro de 2019, representa um dos poucos precedentes já analisados pelo Tribunal sobre o tema.
Por isso, é importante se atentar às particularidades do caso concreto que fizeram o CARF entender pela tributação dos pagamentos efetuados a pessoa jurídica domiciliada no exterior decorrentes do contrato de rateio de despesas internacional.
3.1 Acórdão CARF nº 1401-004.049
Com efeito, no caso debatido a empresa brasileira firmou contratos de compartilhamento de custos com outras empresas estrangeiras (localizadas na Argentina, Uruguai, Holanda, Colômbia e EUA) pertencentes a um mesmo grupo econômico. No âmbito dos contratos, as empresas estrangeiras figuravam como centralizadoras dos custos de atividades administrativas e gerenciais, tais como finanças, sistemas, recursos humanos, marketing, jurídico, desenvolvimento de estratégias, etc.
Conforme sustentado pela empresa recorrente, os contratos de compartilhamento de custos e despesas em questão foram celebrados entre empresas de um mesmo grupo econômico com a finalidade de ratear ou alocar custos ou despesas incorridas por uma delas em benefício das demais.
A finalidade desses acordos, portanto, foi a de determinar precisamente em que medida as sociedades beneficiadas deveriam colaborar ou participar dos custos e despesas incorridas pelo centro de custos no interesse das demais, ressarcindo-os sob a forma de reembolso.
O Fisco, por sua vez, entendeu que as atividades objeto do contrato de cost sharing firmado entre as partes caracterizam-se como serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes, cujos pagamentos sujeitam-se à incidência de IRRF. Nos termos da fiscalização, “a incidência, com a alíquota de 15%, se verifica mesmo quando
se trata de compartilhamento de custos e rateio de despesas efetuados sem qualquer adição de margem de lucro, conforme entendimento constante de diversas Soluções de Consulta emitidas pela Receita Federal do Brasil (Solução de Consulta COSIT nº 43/2015, Solução de Consulta DISIT/SRRF09 nº 163/2012, Solução de Consulta DISIT/SRRF06 nº 6024/2017 e Solução de Consulta DISIT/SRRF08 nº 462/2006) ”.
O voto vencedor do acórdão em questão, apresentado por um dos representante do Fisco, teve como fundamento o entendimento da RFB manifestado na SC 43/2015, pelas seguintes razões: (i) trata especificamente de pagamentos a pessoas jurídicas domiciliadas no exterior decorrentes de contratos de rateio de despesas; (ii) trata especificamente da incidência da CIDE sobre tais pagamentos e tal tributação guarda forte identidade com a incidência do IRRF; e (iii) trata de forma específica da matéria objeto de controvérsia do acórdão ora analisado, qual seja a incidência do IRRF sobre os valores remetidos ao exterior no âmbito de contrato de cost sharing.
Em complemento, o referido voto sustenta que apesar de os contratos de compartilhamento de despesas serem válidos, “não significa que não há incidência da IRRF, pois este tem por pressuposto o pagamento, creditamento, entrega ou remessa de valores a residente ou domiciliado no exterior a título de remuneração por serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes, situação que não se desconfigura pela inexistência de lucro ou acréscimo patrimonial ou, ainda, pelo fato de tal remuneração se dar indiretamente, sob a forma de contratos de compartilhamento de custos e rateio de despesas, conforme esclarece com precisão a Solução de Consulta COSIT nº 43/2015”.
Percebe-se, portanto, que as atividades administrativas e gerenciais que tiveram os custos rateados no âmbito do contrato de cost sharing, tais como finanças, sistemas, recursos humanos, marketing, jurídico, desenvolvimento de estratégias, foram enquadradas no conceito de “serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes”, cujos pagamentos sujeitam-se à incidência de IRRF, independentemente da forma como foram contratados.
Cumpre-se destacar que o contribuinte ainda tentou afastar a tributação de IRRF, especificamente em relação à empresa centralizadora de custos Holandesa, com base no art. 7º do acordo para evitar a dupla tributação firmado ente Brasil e Holanda16. No
16 Este artigo estabelece que os lucros auferidos por uma empresa de um Estado Contratante (Holanda) só são tributáveis nesse Estado (Holanda), a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado Contratante (Brasil), por meio de um estabelecimento permanente ali situado.
entanto, os julgadores entenderam que o protocolo ao acordo de bitributação entre o Brasil e Holanda prevê a equiparação dos pagamentos a título de serviços técnicos e assistência técnica a royalties e, assim, estariam sujeitos à incidência do IRRF, com base no art. 12 do referido acordo.
Não obstante o entendimento firmado no acórdão ora em análise, é importante ressaltar que o julgamento em foi decidido pelo voto de qualidade, ou seja, quando há empate nos votos proferidos pelos oito julgadores do acórdão17 e o julgamento é decidido pelo voto presidente sessão, representante do Fisco.
Nesse contexto, salientamos que a Lei nº 13.988/2020, que entrou em vigor no dia 14 de abril de 2020, inseriu o art. 19-E na Lei nº 10.522/2002, extinguindo o voto de qualidade no âmbito do processo administrativo tributário, conforme pode-se observar pela leitura do referido dispositivo:
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.” (Destacado).
Com base no dispositivo acima transcrito e considerando que a empresa recorrente apresentou Embargos de Declaração18 em face do acórdão nº 1401-004.049 ora analisado, espera-se uma possível mudança de entendimento do CARF em relação ao afastamento da cobrança do IRRF sobre as remessas efetuadas pelo contribuinte a título de compartilhamento de custos no caso em questão.
A mesma temática veio a ser enfrentada novamente no Acórdão 1401-004.270, datado de 11/03/2020, pela mesma turma ordinária, sob a relatoria da Conselheira Relatora Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx e Conselheiro Redator Designado Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, oportunidade em que o resultado do julgamento se repetiu, ao passo em que foi negado provimento ao recurso voluntário apresentado pelo contribuinte, por voto de qualidade, tendo sido mantida a cobrança do imposto de renda retido na fonte
17 No acórdão nº 1401-004.049, todos os quatro conselheiros representantes dos contribuintes votaram no sentido de afastar a cobrança do IRRF sobre as remessas efetuadas pelo contribuinte a título de compartilhamento de custos.
18 Os Embargos de Declaração apresentados pelo contribuinte encontram-se pendentes de julgamento no CARF na data da presente Opinião Legal.
sobre as remessas efetuadas ao exterior para o pagamento das despesas inseridas no instituto do cost sharing.
Muito embora a tese do Xxxxx tenha vencido no CARF, tendo sido mantida a incidência do IRRF, é de suma importância destacarmos o voto da Conselheira Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, vencida pela maioria:
“(…) não há como se confundir os institutos de “reembolso” e “prestação de serviços”, dado possuírem naturezas jurídicas distintas, não sendo, correto se falar em tributação dos reembolsos pelos custos incorridos no que se refere a remuneração dos funcionários disponibilizados pela matriz à recorrente, haja vista não se tratarem de remuneração pela prestação de serviços, mas sim de um mero ressarcimento de custos.
(…)
Uma vez atendidos os requisitos para caracterização desses acordos como reembolsos de despesas, não há que se falar em prestação de serviços ou em remuneração sujeita à incidência de tributos”. (destaca-se)
A meu sentir, a Ilustre Conselheira possui uma visão acertada e precisa, em linha com o que espera restar demonstrado neste artigo. Em se tratando de mera recomposição patrimonial da sociedade centralizadora, e comprovada a inexistência de supervalorização do valor efetivamente despedido pela mesma – demonstrando a inexistência de lucro na operação – não há que se falar em prestação de serviços intercompany, consequentemente, incabível a incidência do IRRF.
A cobrança indevida realizada pelas autoridades fiscais deturpa o conceito de renda e institui, de maneira ilegal, uma nova hipótese de incidência tributária que não decorre de lei – como deve ser –.
4. Do fato gerador para incidência tributária
Como é sabido, a tributação decorre intrinsecamente da existência de lei que a determine. Neste sentido, o art. 150, inciso I da Constituição Federal estabelece o princípio da legalidade tributária, segundo o qual não será permitida a exigência de tributos sem o seu prévio estabelecimento em lei, senão vejamos:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”
Nesse diapasão, entende-se que somente os entes federativos poderão criar tributos, visto que, via de regra, eles somente poderão ser instituídos através de Leis Ordinárias (com exceção dos empréstimos compulsórios, imposto residual, imposto sobre grandes fortunas e contribuição social residual, que somente poderão decorrer de Lei Complementar).
Pois bem, diante do fato de que não existe tributo sem lei, necessário ressaltar que, não obstante, a obrigação tributária decorre da ocorrência do fato gerador, sendo este o elemento principal que delimita – no tempo e no espaço – a incidência de determinado tributo.
Nesse sentido, Xxxxxxx00 nos leciona que existe diferença entre o fato gerador e a hipótese de incidência, ao passo em que o fato gerador é, por si, a situação que de fato atrai a incidência da norma. Veja-se:
“A lei, ao instituir determinado tributo, estabelece a sua hipótese de incidência, ou seja, a previsão abstrata da situação a que atribui o efeito jurídico de gerar a obrigação de pagar.
Rigorosamente, pode-se distinguir tal previsão abstrata (hipótese de incidência) da sua concretização no plano fático (fato gerador). A hipótese de incidência integra o antecedente ou
19 XXXXXXX, Xxxxxxx. Curso de direito tributário: completo. 6. Ed. Rev. Atual. E ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014. P. 173.
pressuposto da norma tributária impositiva. O fato gerador é a própria situação que, ocorrida, atrai a incidência da norma. [...] A incidência é o fenômeno jurídico de adequação da situação de fato verificada (fato gerador) à previsão normativa (hipótese de incidência). Com a subsunção do fato à norma, o que poderia ser um simples fato da vida assume a qualidade de fato
jurídico gerador de obrigação tributária.”
É possível afirmar, portanto, que o fato gerador nada mais é do que a concretização daquilo que fora descrito e previsto pela hipótese de incidência determinada através de lei. Não obstante, o Código Tributário Nacional, através do art. 114, ressalta tal entendimento.
“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”
Deste modo, passada esta pequena introdução sobre a possibilidade de incidência tributária à luz do princípio da legalidade previsto na Carta Magna, importante averiguar o que determina a legislação quanto à incidência do imposto sobre a renda, para verificarmos se os valores remetidos pelas empresas à centralizadora no exterior a título de ressarcimento em decorrência de despesas compartilhadas em contrato de compartilhamento de custos deverão atrair a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte.
4.1 Do fato gerador para incidência do IRRF
Conforme determina a legislação vigente, especificamente no art. 744 da do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, estarão sujeitos à incidência do IRRF a renda e os proventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País, quando percebidos pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.
“Art. 744. Os rendimentos, os ganhos de capital e os demais proventos pagos, creditados, entregues, empregados ou
remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente no exterior, ficam sujeitos à incidência na fonte, à alíquota de quinze por cento”.
O cerne principal da questão decorre do equivocado entendimento fazendário de que as remessas analisadas neste artigo são decorrentes de importação de serviços, ao passo em que a sociedade centralizadora estaria auferindo renda quando da cobrança do reembolso dos custos incorridos dentro do instituto do cost sharing agreement.
Com toda vênia, é impraticável este entendimento, e não vislumbro argumentos que possam sustentar este viés. Apesar de se tratar de contrato atípico, uma das principais características do contrato de compartilhamento de custos é justamente a natureza de reembolso dos valores pagos à empresa centralizadora.
É oportuno destacar que somente caberia a incidência do IRRF caso a empresa centralizadora estivesse auferindo lucro decorrente daquele recebimento, e portanto, aumentando o seu capital. Este não é o caso em tela.
Ao que aparenta ser, a Receita Federal tem se aproveitado da falta de regulamentação deste instituto que tanto beneficia as empresas multinacionais presentes no país, para uma forma de enriquecimento sem causa, e, ao meu sentir, ilegal.
Conforme pôde ser verificado das diversas Soluções de Consulta aqui trazidas, a Receita Federal já se manifestou diversas vezes pela incidência do IRRF bem como da CIDE sobre os pagamentos realizados por empresa no país à centralizadora no exterior dentro deste contexto.
O próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, é claro ao tecer que o fato gerador do tributo será a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, ou seja, auferimento de lucro.
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
No caso em análise, não há que se falar em disponibilidade econômica visto que se trata de mero ressarcimento (pela empresa brasileira) sobre a parte que lhe for efetivamente devida relativas às despesas que tenham sido compartilhadas no contrato, desde que todos os requisitos tenham sido devidamente respeitados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante ao aqui exposto, espera-se ter restado demonstrada a ilegalidade da cobrança do IRRF sobre as remessas ao exterior, nas situações em que destinadas ao ressarcimento à empresa centralizadora dos custos em decorrência de despesas divididas dentro do instituto de cost sharing.
Importante pontuar que é de suma importância que os contratos de compartilhamento de custo internacional possuam como objeto despesas que tragam benefício mútuo a todas as signatárias, bem como observem cuidadosamente os critérios estabelecidos pelas autoridades fazendárias, nos termos aqui expostos, para que seja possível sustentar a natureza de reembolso dos valores remetidos ao exterior.
Não obstante a forma do contrato, que deverá ser precisa quanto às regras que deverão ser observadas, também é imprescindível que exista um controle interno que demonstre a porcentagem efetivamente devida por cada empresa signatária, para evitar possíveis questionamentos da RFB.
Uma vez observados todos esses requisitos, através deste artigo refuto veemente o entendimento das autoridades fiscais, manifestado e reiterado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
A legislação brasileira é específica quanto ao conceito de renda para fins de incidência tributária e, no caso analisado, não há auferimento de lucro ou qualquer acréscimo patrimonial, mas tão somente uma recomposição do valor previamente dispendido pela sociedade centralizadora, no que for efetivamente devido pela signatária brasileira.
Qualquer entendimento que permita o alargamento do conceito de renda, que não decorra obrigatoriamente de lei ordinária, é ilegal e não deve prosperar.
Ao meu sentir, o entendimento atualmente manifestado aparenta ter a intenção de descaracterizar todo e qualquer contrato de compartilhamento de custos, e, ao fazê-lo, cria novos requisitos que outrora não haviam sido estabelecidos seja pela própria jurisprudência administrativa, seja pelas regras já incorporadas internacionalmente em outras jurisdições, o que ocasiona em maior insegurança jurídica para os investidores.
É de conhecimento geral que o Brasil possui um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, o que trás grande insegurança aos investidores estrangeiros e, consequentemente, deixa de atrair capital estrangeiro para o país.
A tentativa desenfreada da RFB em atrair a tributação do IRRF neste contexto viola o princípio da legalidade e demonstra a falha no sistema jurídico brasileiro, que ainda permite que tais violações continuem a acontecer, sem punições.
Como já comentado ao decorrer deste artigo, este tema foi pouco enfrentado nas esferas administrativa e judicial, contudo, nas poucas oportunidades em que analisado, o CARF demonstrou um entendimento desfavorável ao contribuinte, entendendo pela incidência do IRRF sobre tais remessas.
Apesar disso, espera-se que esta questão chegue à baila das cortes do STF e STJ para que, à luz dos conceitos e normas constitucionais e infraconstitucionais possam declarar a ilegalidade da cobrança, uma vez cumpridos os requisitos já estabelecidos pelas próprias autoridades fazendárias.
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