Alocação de Riscos em Contratos
Alocação de Riscos em Contratos
de Obras Públicas
FICHA TÉCNICA
CBIC
Presidente
Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx
Vice-presidente de infraestrutura Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx Superintendente
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Gerente de projetos
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx
Gestor de projetos de infraestrutura
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx de Lima
CONTEÚDO
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Mosca Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx
Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx
CURADORIA
Xxxxxxxx Xxxxxxx Advogados
CONCEPÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO
Equipe CBIC – Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx
Apresentação
A contratação de obras públicas apresenta impacto significativo para o desenvolvimento econômico brasileiro. A constante necessidade de investimentos na infraestrutura pública – hospitais, rodovias, saneamento básico, infraestrutura educacional e urbana, por exemplo – demonstra a importância do setor da construção civil e traz importantes implicações no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
O impacto positivo do desenvolvimento de obras públicas não se limita à melhoria da infraestrutura desenvolvida, mas também se estende a ganhos sociais. O desenvolvimento de obras exige o emprego de mão de obra qualificada, ensejando a contratação de profissionais técnicos especializados – como engenheiros, arquitetos e projetistas – e de funcionários para a execução dos empreendimentos. Os benefícios decorrentes desses projetos são, portanto, inúmeros.
Ocorre que as contratações de obras pela Administração Pública exigem cautelas específicas, considerando a complexidade dos serviços que serão executados e a magnitude dos investimentos que são realizados pelas empresas privadas atuantes no setor. Por essa razão, as contratações de obras públicas devem refletir eficiência, estabilidade e segurança jurídica às partes envolvidas, delimitando seus principais elementos com clareza – como, por exemplo, as concepções técnicas e financeiras do projeto, o cronograma físico-financeiro e as obrigações a serem executadas.
Um dos elementos mais importantes da contratação reside na adequada alocação dos riscos que podem afetar a execução da obra pública. A partir de uma avaliação das circunstâncias do caso, o contrato deverá distribuir, entre as partes envolvidas, os riscos decorrentes dos eventos que podem acontecer durante a execução da obra pública, de acordo com as suas respectivas capacidades para prevenir a ocorrência de tais riscos ou para mitigar as consequências advindas de sua materialização.
Tendo em vista que a alocação dos riscos contratuais é prática exigida pela legislação e recomendada para conferir estabilidade e segurança jurídica à execução de obras públicas, faz-se necessária a realização de reflexões sobre o tema, destacando a importância da matriz de riscos para os contratos de obras públicas e identificando o seu processo de concepção, desenvolvimento e aplicação efetiva.
Com essa preocupação, a CBIC preparou este material, que se propõe a compilar contribuições para a distribuição de riscos em contratos de obras públicas. O trabalho se destina a ser uma referência nacional para construtoras, investidores, financiadores, seguradoras, estruturadoras de projeto, membros dos três poderes e órgãos de controle, auxiliando na tomada de decisões informadas e na implementação de técnicas de gerenciamento de riscos alinhadas com as melhores práticas nacionais e internacionais. O material foi desenvolvido com o apoio institucional do escritório Xxxxxxxx, Xxxxxxx Advogados, que possui grande experiência no tema.
Desejamos uma boa leitura.
Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Presidente da CBIC
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx Xxxxx Presidente da COINFRA
Parte Geral – Alocação de Riscos em Contratos de Obra Pública
1. Alocação de riscos em contratos administrativos: enquadramentos gerais
A alocação de riscos é tema de crucial importância em contratações de obras públicas. A complexidade de contratações desta natureza, sujeitas a inúmeras intercorrências ao longo de seu prazo de vigência, exige que os riscos com o potencial de perturbar a sua execução sejam previamente catalogados e alocados à responsabilidade das partes.
Para os fins do presente trabalho, um risco pode ser compreendido como a possibilidade de ocorrência de eventos supervenientes que impactem a execução do contrato administrativo. Esse impacto pode repercutir de diferentes maneiras na execução do contrato, incrementando o custo de produção da obra, retardando a sua execução, modificando a quantidade ou a qualidade dos encargos atribuídos às partes, etc.
Em razão disso, o processo de alocação de riscos assume um papel central na definição do conteúdo econômico do contrato, e, por conseguinte, de seu equilíbrio econômico-financeiro. Um contrato estará equilibrado sempre que as partes estiverem suportando apenas as consequências da materialização dos riscos que lhes foram atribuídos pelo contrato, pela lei ou pelo regulamento. Este equilíbrio será rompido toda a vez que qualquer das partes passe a suportar as consequências da ocorrência de um risco alocado juridicamente à outra.
É certo, portanto, que a alocação de riscos interfere diretamente na estrutura de custos do contrato administrativo, uma vez que as responsabilidades inerentes à prevenção e à mitigação das consequências da ocorrência dos riscos são custosas para as partes contraentes. Isto é: a assunção de responsabilidade em relação a riscos será necessariamente precificada no preço contrato. Isso significa que os licitantes, quando disputam os certames para a execução de um contrato de obra pública, precificarão em suas propostas todos os encargos relacionados à gestão dos riscos assumidos.
Precisamente por isso é que a alocação de riscos é vista como uma “chave de calibragem” da eficiência da contratação administrativa, pois influi diretamente na composição de custos do contrato. Por exemplo: se cada parte restar responsável pelos riscos que consegue gerir a custos mais baixos do que a outra, o resultado será a minoração dos custos relacionados à administração dos riscos, tornando a contratação mais econômica e mais eficiente.
Por isso, a construção da matriz de alocação dos riscos é um dos expedientes mais relevantes
para a calibragem da eficiência de uma contratação pública. É por meio desta alocação que se geram os incentivos corretos para que as partes persigam o cumprimento das obrigações principais do contrato.
No entanto, nem sempre os contratos administrativos contaram com uma alocação individualizada e racional dos riscos importantes que poderiam afetar a sua execução. Até pouco tempo atrás, a alocação dos riscos em contratos administrativos era relapsa e a definição da responsabilidade sobre intercorrências que pudessem perturbar a execução do contrato se fazia por meio da distinção entre riscos ordinários e riscos extraordinários.
Na visão tradicional, os riscos ordinários seriam aqueles previsíveis e inerentes ao negócio empresarial, isto é, riscos que todo empresário corre, como resultado da própria flutuação do mercado. Sob esse enfoque convencional, os impactos advindos da concretização de riscos ordinários deveriam ser suportados pelas contratadas sem qualquer espécie de compensação.
As áleas extraordinárias, por sua vez, seriam eventos imprevisíveis ou previsíveis mas de consequências incalculáveis, inevitáveis e não imputáveis à contratada, e que não se confundem com variações típicas do mercado. Diferentemente dos riscos ordinários, sob o enfoque convencional, a ocorrência de riscos extraordinários obrigaria a Administração Pública a recompor o equilíbrio contratual em favor do particular pelos impactos eventualmente sofridos.1 Esta delimitação de riscos era fundamentada na então vigente norma do artigo 65, II, d” da Lei 8.666/93.
Ocorre que, com o passar do tempo, a divisão teórica entre riscos ordinários e extraordinários se mostrou demasiadamente simplista para solucionar os problemas relacionados à alocação dos riscos que poderiam advir da execução de contratos administrativos – em particular, dos referentes a obras públicas. Isso porque a divisão teórica se pauta em definições vagas e abstratas, sem focar na capacidade que as partes detêm para prevenir a ocorrência de um risco ou de mitigar as consequências decorrentes da sua materialização.
Por essas razões, esta solução simplificadora passou a ser paulatinamente substituída pela necessidade de uma alocação objetiva, detalhada e individualizada dos riscos que poderiam afetar a
1 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O Risco no Contrato de Concessão de Serviços Públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 94.
execução de um contrato administrativo. Com a especificação de cada um dos riscos e com a sua
distribuição entre os envolvidos, as partes estariam aptas precifica-los adequadamente em suas ofertas, adotar medidas de prevenção em relação à ocorrência do risco, conquistando maior previsibilidade e segurança jurídica quanto ao enquadramento dos eventos aptos a gerar compensações na eventualidade de sua materialização. Com isso, haveria a redução do nível de litigiosidade na execução dos contratos públicos, gerando-se economias para toda a sociedade.
A importância de se estabelecer uma repartição objetiva e concreta dos riscos foi, aos poucos, sendo reconhecida pela própria legislação: a Lei nº 11.079/2004 elencou a repartição de riscos entre as partes como uma diretriz dos contratos de parcerias público-privadas e como uma cláusula essencial dessas contratações.2 Algum tempo depois, a Lei nº 12.462/2011 previu a possibilidade de instituição de matriz de risco nas contratações sujeitas ao Regime Diferenciado de Contratação (RDC).3
Atualmente, e em decorrência da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), a alocação dos riscos se tornou uma cláusula essencial (embora não obrigatória, em todos os casos) dos contratos administrativos4. Isto significa que, para cada contratação pública, os riscos a ela inerentes deverão ser previamente identificados e alocados entre as partes do contrato, seja sob a fórmula de cláusula propriamente dita, seja por meio de planilhas que integrem os documentos da contratação (matriz). Essa repartição de riscos exige a análise do objeto a ser executado, a identificação dos possíveis riscos relacionados a ele, a sua probabilidade de materialização e os efeitos deles decorrentes.
Com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/21, portanto, a alocação de riscos assume importância central para a estabilidade e para a segurança jurídica das contratações públicas. Ela será determinante para que as empresas, durante a licitação, precifiquem de forma mais precisa suas
2 Conforme art. 4º, inciso VI, e art. 5º, inciso III, da Lei nº 11.079/04: “Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: [...] VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; [...] Art. 5º As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: [...] III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária”.
3 Conforme art. 9º, § 5º, da Lei nº 12.462/2011: “Art. 9º [...] § 5º Se o anteprojeto contemplar matriz de alocação de riscos entre a administração pública e o contratado, o valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e as contingências atribuídas ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade contratante”.
4 Nos termos do art. 92, inciso IX, da Lei nº 14.133/21: “Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam: [...] IX - a matriz de risco, quando for o caso”.
propostas econômicas, já que deverão levar em consideração os custos necessários para prevenir a
ocorrência dos riscos assumidos com a contratação e para gerenciar as consequências decorrentes de sua eventual materialização.
2. Tratamento do tema na legislação
A legislação estabelece diversas diretrizes que deverão ser observadas na alocação de riscos em contratos administrativos. Em regra, as modalidades de contratação pública estão sujeitas a regras específicas, de modo que tanto o Poder Público quanto as suas contratadas devem observar as particularidades legais de cada caso concreto para realizar uma correta e adequada distribuição dos riscos.
No âmbito das contratações de obras públicas promovidas por entidades da administração direta e indireta em geral, a alocação de riscos originalmente obedecia aos preceitos da antiga Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93). Com a entrada em vigor da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), a alocação de riscos em contratos de obras públicas passou a se sujeitar a novos conceitos, diretrizes e premissas. Nesta seção, será feita análise destas inovações legais, primeiro apresentando conceitos fundamentais e, na sequência, demonstrando como se dá sua aplicabilidade na prática.
2.1. Normas voltadas a regular a alocação de riscos nos contratos administrativos
O processo de alocação de riscos em um contrato administrativo é balizado pela incidência de diferentes normas, previstas em lei, em regulamentos ou nas próprias cláusulas contratuais. Essas normas têm por objeto não apenas a definição da responsabilidade sobre determinados riscos (normas constitutivas do equilíbrio econômico-financeiro), como a disciplina sobre aspectos do sistema do reequilíbrio contratual.
As principais normas que regulam a alocação de riscos em contratos administrativos constam da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), que traz conceitos, diretrizes e premissas relevantes a respeito do tema. Esta Lei contém normas gerais, que devem obrigatoriamente serem seguidas por todos os entes federados.
É certo que leis federais (normas especiais), estaduais ou municipais podem disciplinar o tema
da contratação pública e, por conseguinte, o tema da alocação de riscos. Mas estas normas especiais devem respeitar o conteúdo das normas gerais veiculadas no âmbito da Lei nº 14.133/2021.
A Lei nº 14.133/2021 traz tanto normas gerais que disciplinam a elaboração da matriz de riscos em contratos administrativos, como normas gerais que definem uma certa alocação de riscos. Tais normas condicionam não apenas a legislação especial sobre o tema, como a própria autonomia contratual em dispor sobre a distribuição dos riscos.
Já no conceito de matriz de risco, explicitado na norma do seu art. 6º, inciso XXVII, da Lei nº 14.133/21, ela é definida como a cláusula contratual que define e reparte todos os possíveis riscos que podem afetar a execução do contrato administrativo, caracterizadora do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato. Sua função é definir a atribuição da responsabilidade das partes quanto aos eventos supervenientes que possam impactar a execução contratual.
Embora a sua previsão seja recomendável para toda e qualquer contratação pública, a sua obrigatoriedade está restrita a hipóteses previstas pelo legislador. De acordo com o art. 22, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, a matriz de alocação de riscos entre contratante e contratada será obrigatoriamente instituída na contratação de obras e serviços de grande vulto – aquelas cujo valor estimado supere o montante de R$ 200.000.00,00 (duzentos milhões de reais)5 – ou quando forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada – aqueles em que a contratada, além de executar as obras e os serviços de engenharia propriamente ditos, é responsável por elaborar o projeto básico e/ou o projeto executivo das obras.6
Para além de estipular as hipóteses em que a distribuição de riscos será obrigatória, a Lei nº 14.133/21 também estabelece diretrizes à Administração a respeito de como essa divisão deve ser considerada no orçamento da contratação. Um exemplo pode ser verificado na leitura do caput do art.
5 Conforme definição do art. 6º, XXII, da Lei nº 14.133/2021: “XXII - obras, serviços e fornecimentos de grande vulto: aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)”.
6 Conforme definição do art. 6º, incisos XXXII e XXXIII, da Lei nº 14.133/21: “XXXII - contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto; XXXIII - contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”.
22 e do § 3º do art. 103 da Lei nº 14.133/21: na hipótese em que o contrato contemplar uma divisão
de riscos, o cálculo do valor estimado da contratação deverá considerar taxa de riscos compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos à contratada, de acordo com metodologia a ser definida por cada ente federativo. Esses riscos deverão ser quantificados para fins de projeção dos reflexos dos seus custos no valor estimado da contratação.
Além disso, a Lei nº 14.133/2021 também estipula premissas jurídicas e econômicas que deverão ser observadas no processo de alocação propriamente dita dos riscos, durante a fase de elaboração das cláusulas de um contrato administrativo. De acordo com o art. 103, § 1º, a alocação considerará, em compatibilidade com as obrigações e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo. Complementando essa regra, o § 2º do art. 103 impõe que os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras serão preferencialmente transferidos à contratada. Essas e outras premissas jurídico-econômicas serão aprofundadas adiante, no item 5 deste Guia.
Além disso, merece atenção o disposto na norma do § 1º do artigo 22 da Lei 14.133/2021, ao definir que a matriz de riscos “deverá promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual”.
Esta norma incorpora uma regra econômica importante e definidora do critério a ser observado pelo designer do contrato administrativo para os fins da distribuição de riscos. A promoção de uma alocação eficiente pressupõe que cada risco seja alocado à parte com melhores condições para o seu gerenciamento, nos termos examinados adiante.
Além destas normas gerais que versam sobre como a matriz de riscos deve ser elaborada e incorporada nos contratos administrativos, o direito positivo contém normas legais e regulamentares que cuidam de definir a responsabilidade das partes sobre determinados riscos. São elas normas constitutivas do próprio equilíbrio econômico-financeiro e que condicionam a distribuição de riscos no plano do contrato.
2.2. Alocação de riscos pré-determinada em normas legais e regulamentares
Além das normas gerais legais referidas acima, a Lei nº 14.133/21 define prévia e abstratamente a alocação de certos riscos contratuais.
Um primeiro exemplo está nas regras especificadas no art. 92, inciso V, e § 3º, da Lei nº 14.133/21, que alocam à Administração Pública o risco inflacionário. A norma assegura que os contratos contemplem cláusula com previsão de reajustamento dos preços, garantindo a correção monetária da remuneração das contratadas.
Além destas, há a alocação, à Administração Pública, dos riscos decorrentes de alterações unilaterais impostas sobre o contrato (art. 103, § 5º, inciso I)7 e de eventuais modificações dos tributos diretamente pagos pela contratada em razão da execução dos serviços (arts. 103, § 5º, inciso II, e 134).8 Para essas hipóteses, a alocação de riscos do contrato deverá necessariamente observar o que foi imposto pela legislação, não havendo margem de discricionariedade ao “arquiteto” do contrato para dispor de forma distinta.
Outros exemplos de alocação prévia de riscos pelo legislador podem ser encontrados nos arts. 119 e 120 da Lei nº 14.133/21. De acordo com aqueles dispositivos, em todas as hipóteses, a contratada (i) será obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, a suas expensas, o objeto em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução contratual; e (ii) será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em virtude da execução do contrato. Em ambos os casos, a alocação deverá, necessariamente, considerar estes riscos como atribuídos ao particular, sem poder transferi-los à Administração Pública.
7 Conforme art. 000, § 0x, xxxxxx X, xx Xxx xx 14.133/21: “Art. 103. [...] § 5º Sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alocação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-financeiro, renunciando as partes aos pedidos de restabelecimento do equilíbrio relacionados aos riscos assumidos, exceto no que se refere: I - às alterações unilaterais determinadas pela Administração, nas hipóteses do inciso I do caput do art. 124 desta Lei”.
8 Conforme art. 000, § 0x, xxxxxx X, x xxx. 000 xx 14.133/21: “Art. 103. [...] § 5º Sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alocação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-financeiro, renunciando as partes aos pedidos de restabelecimento do equilíbrio relacionados aos riscos assumidos, exceto no que se refere: [...] II - ao aumento ou à redução, por legislação superveniente, dos tributos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato. [...]
Art. 134. Os preços contratados serão alterados, para mais ou para menos, conforme o caso, se houver, após a data da apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais ou a superveniência de disposições legais, com comprovada repercussão sobre os preços contratados”.
Paralelamente às normas gerais constantes da legislação nacional de contratações públicas, há
também diversas normas legais locais ou regionais que podem alocar riscos contratuais e disciplinar aspectos do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Estados e Municípios, por exemplo, também têm competência para editar as suas respectivas normas de contratação, estipulando novas regras de alocação de risco, em complemento às disposições da Lei nº 14.133/21, à luz de suas particularidades locais.
Há, ainda, normas com caráter infralegal, isto é, que decorrem de regulamentos ou de outras fontes normativas, que suplementam a regulação legal da matéria. No contexto da pandemia da COVID-19, por exemplo, várias entidades públicas editaram normas para definir a metodologia de reequilíbrio econômico-financeiro em face da alta no preço de certos insumos. Nesses casos, as normas regulamentares deverão obediência às disposições da legislação geral, em obediência à hierarquia de normas imposta pelo ordenamento jurídico.
Como se vê, diferentes fontes de direito positivo podem regular o processo de alocação de riscos de um contrato administrativo. Todas essas normas, devem ser respeitadas, consideradas e incorporadas na redação das cláusulas contratuais – em especial, aquelas que distribuem os riscos entre as partes –, sob pena de invalidade da disposição, e servirão de baliza para eventuais processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em casos concretos.
2.3. Alocação de riscos em contratos de obra pública pré-determinada na Lei 14.133/21
Para além dos riscos mencionados acima, a Lei nº 14.133/21 também define a alocação de riscos contratuais inerentes à execução de obra ou serviço de engenharia. Trata-se de riscos que o legislador atribuiu à Administração Pública ou ao particular e que necessariamente serão observados em avenças que compreendam a execução de uma obra pública – escopo de análise deste Guia.
Como mencionado anteriormente, o art. 22, § 3º, da Lei nº 14.133/21 não estipula a obrigatoriedade de uma matriz de riscos para a contratação de toda e qualquer obra pública. De acordo com o dispositivo, a existência de uma matriz é obrigatória apenas para obras e serviços de grande vulto, ou quando forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada. Reservou-se,
portanto, a obrigatoriedade de instituição da matriz de riscos a contratações especiais, dotadas de
uma magnitude e de uma complexidade específicas.
Apesar disso, o legislador também elencou alguns riscos que deverão necessariamente ser incorporados à disciplina de quaisquer contratações de obras públicas.
Uma primeira alocação pré-determinada pelo legislador para a execução de obras públicas diz respeito aos riscos inerentes às escolhas técnicas do projeto básico nos regimes de contratações integradas e/ou semi-integradas. Em tais regimes de execução, o particular é responsável não somente pela execução das obras ou dos serviços de engenharia, mas também pela elaboração dos projetos de engenharia do empreendimento: nas contratações integradas, o particular é responsável pela elaboração dos projetos básico e executivo, enquanto nas contratações semi-integradas o particular é responsável pela elaboração tão somente do projeto executivo, embora possa modificar aspectos do projeto básico mediante autorização da Administração.
Para essas contratações, o art. 22, § 4º, da Lei nº 14.133/21 impôs que os riscos decorrentes da escolha da solução de projeto básico pela contratada deverão ser alocados sob a sua responsabilidade. Essa regra é complementada pelo art. 46, § 5º, da Lei nº 14.133/21, que aloca à empresa contratada os riscos associados à alteração do projeto básico elaborado pela Administração em contratações semi-integradas, caso demonstrada a superioridade das inovações propostas em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação. Para esses casos, o legislador pressupõe que a contratada torna-se responsável pela concepção da metodologia de engenharia a ser empregada na obra que será por ela executada – e, por essa razão, passa a assumir os riscos decorrentes dessa assunção.
Vale esclarecer, no entanto, que os riscos inerentes ao projeto básico em regime de contratação semi-integrada permanecem sob a responsabilidade da Administração, na medida em que as soluções que vierem a ser alteradas, com a autorização administrativa, gerarão reequilíbrio econômico- financeiro, nos termos da norma do art. 46, § 5º, da Lei nº 14.133/21.
Ainda no que diz respeito às contratações integradas e semi-integradas, o art. 46, § 4º, inciso IV também estabelece comando específico sobre a alocação de riscos em contratos de execução de obras públicas que adotem as referidas modalidades. De acordo com os dispositivos da lei, quando a contratação adotar estes dois regimes, a disciplina contratual deverá prever a distribuição objetiva de
riscos entre as partes no que diz respeito à desapropriação das áreas em que a obra será executada.
Dentre outros temas, o dispositivo exige que o instrumento contratual realize a alocação do risco (1) de diferença entre o custo da desapropriação e a estimativa de valor e (2) de eventuais danos e prejuízos ocasionados por atraso na disponibilização dos bens expropriados. Nota-se que o legislador não estipulou a quem tais riscos seriam alocados, mas exigiu que o contrato dispusesse expressamente a respeito desses temas.
Por fim, o art. 140, § 6º, da Lei nº 14.133/21 também estipulou outro risco específico para contratações de obras públicas. Nos termos do dispositivo, a contratada terá responsabilidade objetiva, durante o prazo mínimo de 5 (cinco) anos, pela solidez e pela segurança dos materiais e dos serviços executados e pela funcionalidade da construção, da reforma, da recuperação ou da ampliação do bem imóvel. Havendo vício, defeito ou incorreção, a contratada será responsável pela reparação, pela correção, pela reconstrução ou pela substituição necessárias.
Em outras palavras, nos termos do art. 140, § 5º, da Lei nº 14.133/21, após o recebimento definitivo da obra pela Administração Pública, o particular assume o risco de eventuais vícios e defeitos por um prazo mínimo de 5 (cinco) anos. Trata-se de risco que deve ser necessariamente incorporado às contratações de obras públicas e que deverá ser levado em consideração pelas empresas na formulação de suas propostas econômicas.
A alocação de todos estes riscos pré-determinada pela legislação deve ser levada em consideração pela alocação contratual dos riscos. Da mesma forma, a eventual pré-determinação da responsabilidade sobre certos definida em norma regulamentar deve ser respeitada pela alocação de riscos no plano do contrato.
A Lei nº 14.133/21 tratou também da alocação de riscos extracontratuais, definindo a responsabilidade administrativa sobre eventos imprevisíveis e de consequências incalculáveis caso não tenha sido outra a alocação de riscos definida em contrato, nos termos examinados adiante.
2.4. A alocação dos riscos extracontratuais e a norma do artigo 124, II, d, da Lei nº 14.133/21 Ainda que se tente alcançar um alto nível de detalhamento do catálogo de riscos, as matrizes
de riscos serão naturalmente incompletas, na acepção de ser impossível antever todos os riscos que
podem afetar a execução de um contrato administrativo. A legislação, por isso mesmo, estabelece
uma alocação de responsabilidade sobre os riscos extracontratuais, que deve incidir apenas na omissão do contrato quanto à definição da responsabilidade das partes sobre determinado risco.
No âmbito da Lei nº 14.133/21, o art. 124, inciso II, alínea “d” trata expressamente da hipótese de riscos que não tenham sido previamente alocados pelo contrato administrativo em sua matriz de riscos. De acordo com o dispositivo, o contrato poderá ser alterado para a recomposição do seu equilíbrio econômico-financeiro “em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato”.
Como se vê, o legislador previu que o disposto no art. 124, inciso II, alínea “d” da Lei nº 14.133/21 se aplicará sempre que o contrato de obra pública não contenha expressa disposição sobre o enquadramento do evento concreto na repartição objetiva de riscos eleita pelo contrato. Isso significa que, sempre que houver a materialização de um risco extraordinário, decorrente de um fato imprevisível ou previsível mas de consequências incalculáveis, que inviabilize a execução contratual, deverá haver a recomposição do equilíbrio em favor da parte onerada. Isto é, o dispositivo aloca à responsabilidade da Administração todos e quaisquer riscos extraordinários e extracontratuais que afetem a execução do objeto contratado.
Sobre o tema, Xxxxxxxx Xxxxxxxx destaca que o dispositivo promove “uma alocação dos riscos considerados extraordinários e extracontratuais à responsabilidade da Administração. É dizer: se o contrato não dispuser em sentido contrário, deve-se considerar como de responsabilidade administrativa as compensações ao contrato decorrentes de desequilíbrios contratuais verificados em função da ocorrência de eventos de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, ou de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis”.9
Esta é uma alocação fundamentada na ideia de que tais riscos não são controláveis pelo contratado privado e, por isso mesmo, devem ser atribuídos à responsabilidade administrativa. Assim se passa porque, como será examinado adiante, a atribuição ao contratado de responsabilidade sobre
9 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Alocação de riscos nas parcerias público-privadas. Em: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 279.
riscos não controláveis induz ao encarecimento das ofertas apresentadas à Administração, assim como
ao desinteresse do mercado na contratação administrativa. O objetivo do legislador parece ter sido precisamente o de desestimular a precificação onerosa de riscos cujo controle do risco pelo contratado é impossível ou extremamente limitado.10
Para que o art. 124, inciso II, alínea “d”, da Lei nº 14.133/21 seja invocado pela contratada como fundamento para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, há 4 (quatro) pressupostos que devem estar concomitantemente presentes:11
1. Superveniência do fato à apresentação da proposta na licitação;
2. Imprevisibilidade, ao tempo da apresentação das propostas na licitação, da ocorrência do fato ou das suas consequências;
3. Onerosidade gerada em função do impacto da materialização do risco na estrutura de custos do contrato, independentemente da dimensão do ônus produzido; e
4. Inexistência de alocação contratual ou regulamentar do risco materializado em sentido diverso da alocação estabelecida no artigo 124, II, d, da Lei nº 14.133/2021.
3. Evolução do tema na jurisprudência
O tema da alocação de riscos também sofreu evoluções na jurisprudência dos órgãos de controle.
Tradicionalmente, os órgãos de controle recorriam às divisões teóricas entre as áleas ordinárias e extraordinárias para definir se, perante o caso concreto, a parte deteria ou não direito à recomposição por ela pleiteada do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Exemplo disto é o Acórdão nº 2.591/2017, proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU). Na
10 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Alocação de riscos nas parcerias público-privadas. Em: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 280-281.
11 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Alocação de riscos nas parcerias público-privadas. Em: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 279.
oportunidade, em seu voto, o Ministro Xxxxxxxx Xxxxxx destacou que “a doutrina jurídica tradicional, com fundamento no art. 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/1993, baseia a alocação de risco de acordo com a teoria das áleas ordinária e extraordinária. No caso em tela, as parcelas impugnadas pelo TCU poderiam ser consideradas áleas ordinárias, tanto pela sua previsibilidade quanto pelo seu reduzido impacto financeiro em relação ao valor global contratado, de cerca de 3%, não impondo onerosidade excessiva ao consórcio contratado”.12
No entanto, a evolução da prática das contratações públicas também repercutiu no entendimento dos órgãos de controle sobre a matriz de riscos e sua importância para definir a estabilidade e a segurança das contratações públicas. Atualmente, o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas não somente reconhecem a necessidade de uma alocação objetiva de riscos entre as partes em contratos de obra pública, como têm recomendado e determinado às Administrações que observem certas diretrizes e orientações na alocação dos riscos contratuais.
A título exemplificativo, com o surgimento do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) na Lei nº 12.462/2011, o Tribunal de Contas da União passou a impor que determinadas contratações contemplassem uma alocação objetiva de riscos entre as partes a respeito das obras que seriam executadas. No Acórdão nº 2.980/2015, o Plenário do TCU consignou que “Nas contratações integradas, é imprescindível a inclusão de matriz de risco detalhada no instrumento convocatório, com alocação a cada signatário dos riscos inerentes ao empreendimento”.13
Por sua vez, o TCU também registrou a necessidade de uma distribuição objetiva de riscos em contratações promovidas por empresas estatais, sujeitas à Lei nº 13.303/2016. No ano de 2020, o Plenário do TCU consignou ser “recomendável a utilização de matriz de riscos em contratações derivadas da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) que envolvam incertezas significativas, ainda que sob regime de empreitada por preço global, por se tratar de elemento que agrega segurança jurídica aos contratos”.14
O Tribunal de Contas da União também possui precedentes com considerações específicas sobre determinados riscos em contratações de obras públicas. No Acórdão nº 2.591/2017, o Plenário
12 TCU, Plenário, Acórdão nº 2591/2017, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 22/11/2017.
13 TCU, Xxxxxxxx, Acórdão nº 2.980/2015, Rela. Mina. Xxx Xxxxxx, julgado em 18/11/2015.
14 TCU, Xxxxxxxx, Xxxxxxx nº 2.616/2020, Rel. Min. Vital do Rêgo, julgado em 30/09/2020.
do TCU destacou que, em contratações integradas, eventuais ganhos ou encargos decorrentes das
soluções adotadas pela empresa contratada na elaboração do projeto básico “devem ser auferidos ou suportados única e exclusivamente pelo particular, independentemente da existência de uma matriz de riscos disciplinando a contratação”.15 Isto é, mesmo que o contrato não contivesse uma sistemática objetiva com delimitação detalhada e individual dos riscos alocados entre as partes, o TCU determinou que os riscos decorrentes da confecção do projeto básico fossem alocados ao particular nessa modalidade de contratação. A regra parece ter inspirado o legislador, que estabeleceu sistemática semelhante no art. 22, § 4º, da Lei nº 14.133/21, conforme visto em outras passagens deste Guia.
Por fim, a jurisprudência dos órgãos de controle também tem reconhecido a importância conferida pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos à alocação objetiva de riscos entre as partes contratantes. Em processo de auditoria sobre contratos de suporte logístico, o voto do Ministro Relator Xxxxxxx Xxxxxxx destacou os elementos que devem constar de uma matriz de riscos pautando-se nos comandos do art. 22 da Lei nº 14.133/21. De acordo com o seu voto, acompanhado pelo Plenário, definida uma matriz de riscos, “haverá uma base objetiva para consignar contratualmente as hipóteses de alteração contratual, conforme art. 22, § 2º, da Lei 14.133/2021”.16
Por essa razão, a distribuição de riscos em contratações de obra pública também deve levar em consideração a orientação mais recente da jurisprudência dos órgãos de controle sobre o tema. Nesse sentido, a proposta de matriz de riscos para contratações de obras públicas incorporada na Parte Especial deste Guia está orientada não somente pelas melhores práticas nacionais e internacionais do setor, como também pelas recomendações e/ou as determinações dos órgãos de controle – em especial, do Tribunal de Contas da União, referência de interpretação das normas aplicáveis às contratações públicas.
4. A precificação dos riscos no orçamento público
4.1. A precificação dos riscos embutida nas ofertas manifestadas no âmbito de uma licitação
15 TCU, Xxxxxxxx, Xxxxxxx nº 2.591/2017, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 22/11/2017.
16 TCU, Plenário, Acórdão nº 1.555/2023, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, julgado em 26/07/2023.
Numa contratação de execução de obra pública, os licitantes levarão em consideração, para a
formulação de suas propostas, não apenas a matriz de obrigações e o sistema de remuneração definidos em contrato, mas também os riscos que sejam atribuídos à sua responsabilidade. Todos estes riscos serão devidamente precificados nessas propostas (e no contrato administrativo, portanto), pois a sua gestão será sempre onerosa. Isto é: o contratado incorre em custos para se prevenir da ocorrência de riscos, assim como para minorar os seus impactos num cenário de sua materialização.
O reflexo da repartição de riscos na definição dos valores da contratação é reconhecido pela própria Lei nº 14.133/21. Em seu art. 22, já referido em outras seções deste Guia, a Lei estabelece que o cálculo do valor estimado para a contratação poderá considerar os riscos atribuídos à contratada para a execução do objeto da contratação. De acordo com o dispositivo, esse cálculo poderá ser realizado de acordo com a metodologia predefinida pelo ente federativo, conforme regras estabelecidas em sua regulamentação. Da mesma forma, o art. 103, § 3º estabelece que a alocação dos riscos da contratação será precificada para fins de projeção de seus impactos no valor da contratação.
Estas normas trazem uma contribuição importante para a regulação do tema, uma vez que possibilitam identificar de modo mais nítido os impactos da assunção de responsabilidade sobre riscos. A matéria ainda não está inteiramente regulamentada, mas o conteúdo das normas legais deixa clara a obrigatoriedade de que todos os riscos atribuídos à responsabilidade do contratado sejam adequadamente precificados no orçamento público, o que induzirá a uma mudança importante na metodologia atualmente utilizada para a sua confecção.
5. A alocação eficiente do risco (o conteúdo da norma do art. 22, § 1º, da Lei nº 14.133/21)
De acordo com o art. 22, § 1º, da Lei nº 14.133/21, a alocação de riscos de um contrato administrativo deve estar orientada pela maximização da eficiência. A menção ao objetivo de se promover a eficiência na distribuição de riscos não é desimportante, mas reflete as boas práticas que têm sido acolhidas na experiência internacional (e nacional, em contratos de longo prazo) sobre a matéria. Por ter sido positivado na referida norma geral, seu comando passa a ser de observância
obrigatória pelas Administrações Públicas. Isso significa que uma alocação ineficiente de riscos deverá
ser rejeitada por invalidade.
Embora incorporado na regra legal, a eficiência é um conceito eminentemente econômico. No contexto da distribuição de riscos, a eficiência está em promover a minoração dos custos incidentes numa contratação. Isso se fará a partir da observância de duas regras de alocação que têm sido acolhidas pelas boas práticas. A primeira é (1) a regra que impõe que a alocação de riscos compreenda um catálogo tanto quanto possível detalhado e específico dos riscos e esteja definida em termos claros, exatos e objetivos. A segunda é (2) a regra que estabelece que cada risco deve ser alocado à responsabilidade da parte mais capacitada para sua administração ou para a mitigação de seus prejuízos num cenário de sua materialização.
Expõe-se a seguir a análise do conteúdo de cada uma destas regras instrumentais a assegurar a
alocação eficiente dos riscos.
5.1. A matriz de riscos deve conter um mapeamento detalhado dos riscos que podem atingir a execução do contrato de obra pública
O primeiro passo para uma correta e adequada alocação de riscos está na identificação de todos os possíveis riscos que possam impactar na execução contratual. Esses riscos deverão ser identificados de forma detalhada, e sua alocação à responsabilidade das partes deve ser redigida com clareza e objetividade no contrato.
A identificação desses riscos dependerá das particularidades da contratação. Mas é evidente que a relação de riscos não será exaustiva e completa, tendo em vista a impossibilidade de se mapear todas as intercorrências que podem atingir a execução de um contrato desta natureza. Daí se dizer que os contratos são naturalmente incompletos. No entanto, é desejável que a alocação de riscos tenha um nível avançado de detalhamento, com vistas a minorar o risco de ambiguidades e omissões relevantes.17
17 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Repartição de riscos nas parcerias público-privadas. Enciclopédia jurídica da PUCSP. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Ed. 2, abril de 2022. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxxx/00/xxxxxx-0/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxx>. Acesso em 15/03/2024.
Matrizes de riscos lacunosas e omissas geram uma série de efeitos indesejados no processo de
licitação e durante a execução do contrato.
Em primeiro lugar, há um claro prejuízo à comparabilidade entre as propostas. A ausência de uma identificação clara, objetiva e precisa dos riscos atribuídos às partes abre margem para interpretações divergentes pelas licitantes sobre a extensão de sua responsabilidade sobre o risco, originando propostas orientadas por premissas divergentes. “Contratos lacunosos ou dúbios permitem visões discrepantes quanto à assunção de riscos, o que se reflete em discrepâncias na contabilização e provisionamento dos custos necessários para o gerenciamento de riscos”. 18 Neste contexto, licitantes mais conservadores podem oferecer propostas menos atrativas se comparada a licitantes mais arrojados. Isso porque a interpretação sobre a matriz de riscos poderá se refletir num maior ou menor custo para a administração dos riscos.
Como regra geral, a alocação genérica e dúbia dos riscos acabará se refletindo numa precificação mais onerosa pelos ofertantes no âmbito da licitação, que tendem a incorporar o custo de sua administração em suas propostas com vistas a se proteger de prejuízos futuros oriundos da sua eventual materialização 19 . A insegurança gerada pela imprecisão na definição do risco ou na delimitação da responsabilidade sobre ele é naturalmente precificada nas ofertas apresentadas à Administração. Assim se passa, porque, havendo dúvida sobre essas definições, os agentes econômicos tendem a incorporar o risco nas suas propostas, com vistas a se precaver dos eventuais prejuízos futuros decorrentes.
Além disso, uma matriz de riscos vaga e omissa tenderá a suscitar controvérsias e litígios entre as partes sobre os prejuízos decorrentes da materialização do risco, tendo em vista as diferentes interpretações sobre a delimitação de responsabilidades. Se o contrato é omisso em relação a isso, as dúvidas e controvérsias surgidas serão dirimidas e resolvidas, em última análise, por um juiz (árbitro ou poder judiciário, conforme o caso), que definirá a alocação de responsabilidade com base em premissas eminentemente jurídicas. O efeito prático disso é que a alocação do risco, que deveria ter
18 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. O equilíbrio econômico-financeiro nas concessões e PPPs: formação e metodologias para recomposição. Em: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx (Coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, taxa interna de retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2020, p. 102.
19 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Alocação de riscos nas parcerias público-privadas. Em: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 266.
sido definida ex ante pelo designer do contrato, em obediência às regras de eficiência, acabará sendo
definida ex post pelo juiz, em obediência à disciplina jurídica do equilíbrio econômico-financeiro do contrato (que não necessariamente conduzirá à melhor alocação do risco sob o prisma da eficiência).
5.2. Alocando o risco à parte com melhores condições para a sua administração
A principal regra a orientar a distribuição de riscos no plano do contrato é aquela que determina que cada risco identificado deve ser alocado à responsabilidade da parte com melhores condições de prevenir a sua ocorrência ou de gerir e minimizar os prejuízos decorrentes de sua eventual materialização. Esta regra, oriunda das boas práticas em matéria de alocação der riscos, foi positivada na norma do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133/21:
A alocação de riscos de que trata o caput deste artigo considerará, em compatibilidade com as obrigações e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo.
A capacidade de cada parte para melhor gerenciar o risco relaciona-se com o nível de controle que detém sobre o risco. Isto é: a aptidão da parte em influir sobre a prevenção da ocorrência do risco e sobre a obtenção dos prejuízos gerados pela sua materialização.
O nível de controle sobre o risco, por sua vez, dependerá tanto de fatores externos ao contrato, como a aptidão técnica das partes para tal, como dos encargos, obrigações e faculdades atribuídos às partes pelo contrato. Daí porque a norma do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133/21 estabelece que a alocação de riscos deverá ter compatibilidade com as obrigações e os encargos atribuídos às partes no contrato. Se o contrato, por exemplo, atribui ao contratado a obrigação (ou o direito) de definir os materiais que serão utilizados na construção, é natural que seja sua a responsabilidade pelas consequências destas escolhas. Da mesma forma, se a Administração Pública é a responsável contratualmente por ceder a área sobre a qual será executada a obra, é natural que os ônus decorrentes da morosidade na disponibilização da área sejam atribuídos à sua responsabilidade na matriz de riscos.
É importante ressaltar que a alocação de risco que se afigure incompatível com as obrigações
atribuídas às partes do contrato violará a norma do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133/21, que se traduz numa norma geral, de observância obrigatória pelos entes federados. Ou seja: não será juridicamente viável que as consequências de riscos que, de acordo com a disciplina do contrato, estão sob o controle de uma parte, sejam atribuídas à responsabilidade da outra.
Logo, em um contrato de obra pública no qual os projetos de engenharia tenham sido previamente elaborados pela Administração Pública, não há viabilidade em se atribuir à contratada o risco de eventuais defeitos, vícios, falhas ou imprecisões desses projetos. Por outro lado, considerando que, em contratos de obra pública, a futura contratada será responsável pela seleção dos materiais que serão empregados em sua execução e pela qualidade da metodologia que será adotada, parece lógico que os riscos construtivos sejam alocados à responsabilidade do particular.20 Nesse caso, a contratada deterá melhores condições para prevenir vícios ou defeitos na execução das obras, sendo mais eficiente que o Poder Público na assunção da responsabilidade por evitar que esses eventos ocorram.
Assim, como visto em diversas outras passagens deste Guia, a alocação de riscos funciona como um mecanismo de distribuição de incentivos às partes: ciente dos riscos que assume a partir da assinatura do contrato administrativo e do início da execução da obra pública, a parte responsável empreenderá todos os esforços e adotará todas as medidas necessárias para evitar a sua materialização; caso contrário, terá de arcar com os prejuízos decorrentes da sua ocorrência.
Para além da capacidade subjetiva da parte para o controle do risco, a alocação de riscos também deve levar em consideração o mercado de seguros para aquele determinado evento. Como destaca Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, “A existência de um mercado desenvolvido de seguro para certos riscos pode atrair sua alocação ao parceiro privado, cujo custo de prevenção pode ser mais econômico do que o custo de sua retenção pela Administração. Pode-se afirmar, inclusive, que a capacidade de controlar o risco pressupõe também a sua condição para adquirir a cobertura securitária”. 21
20 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessão de Serviço Público. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 340.
21 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Repartição de riscos nas parcerias público-privadas. Enciclopédia jurídica da PUCSP. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Ed. 2, abril de 2022. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxxx/00/xxxxxx-0/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxx>. Acesso em 15/03/2024.
Essa premissa também foi observada pelo legislador e positivada na norma do art. 103, § 2º, da
Lei nº 14.133/21, no que diz respeito às contratações de obras públicas.
Assim, os riscos controláveis e/ou que tenham cobertura oferecida por seguradoras deverão ser preferencialmente atribuídos à responsabilidade da empresa contratada. Os riscos não controláveis, por sua vez, devem ser transferidos à responsabilidade da Administração.
5.3. Riscos não controláveis pela contratada devem ser alocados à Administração Pública
Há hipóteses em que o particular não possui capacidade de gerenciar um determinado risco. O privado pode não deter meios para prevenir a ocorrência do evento ou para assumir as consequências decorrentes de sua materialização. Ou, ainda, também é possível que o risco não tenha qualquer cobertura oferecida no mercado de seguros. Para essas situações, em que o risco não é controlável pelo contratado privado, ele deve ser atribuído à responsabilidade da Administração Pública.
A alocação de riscos não gerenciáveis ou não seguráveis à responsabilidade da Administração se justifica pelas razões expostas no subitem 4.1 deste Guia. Como visto anteriormente, caso seja atribuído um risco de difícil controle à contratada, esta incluirá os possíveis danos financeiros decorrentes de uma eventual ocorrência do risco em sua proposta de preços, acarretando contratações menos eficientes e vantajosas à Administração Pública. 22 Assim, a alocação desses riscos à Administração se justifica diante da necessidade de evitar a onerosidade da futura contratação.
Como destaca Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, trata-se de “uma opção mais econômica do que a transferência de riscos à parte privada, pois essa sempre provisionará custos para gerenciar a prevenção desses riscos, incorporando-os no preço de sua proposta. Nesta hipótese, a Administração estará pagando pelo risco mesmo que ele não se materialize. E, em sendo um risco não controlável pelo concessionário, a tendência é que a estimativa de custos para o gerenciamento do risco esteja orientada por um cenário pessimista, como referido acima”23.
22 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessão de serviço público. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 341.
23 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Repartição de riscos nas parcerias público-privadas. Enciclopédia jurídica da PUCSP. Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Ed. 2, abril de 2022. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxxx/00/xxxxxx-0/xxxxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxx-xxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxx>. Acesso em 15/03/2024.
A atribuição de riscos não controláveis pelo contratado privado à responsabilidade da
Administração Pública é uma decorrência direta da norma do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133, que se traduz, como já referido, numa norma geral, de observância obrigatória às contratações administrativas em geral.
Sequer seria viável sustentar-se que esta norma não se aplicaria aos casos em que a matriz de riscos não seria obrigatória segundo o regramento da Lei nº 14.133/21. A desnecessidade ou a não- obrigatoriedade da incorporação de matrizes de riscos nos contratos administrativos deve ser entendida em termos. Todo e qualquer contrato administrativo promove distribuição de riscos. Mesmo contratos que não estão abrangidos pela regra que impõe a obrigatoriedade de incorporação de matriz de risco necessariamente alocam riscos, pois é da essência de contratos em geral. A exigência legal de incorporação de matriz de riscos refere-se à imposição de um certo nível de densidade na alocação de riscos, na acepção de que os contratos atingidos por esta exigência devem apresentar um catalogo de riscos com um nível avançado de detalhamento.
Mas a regra do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133 traz um critério para a alocação de riscos que não pode ser desconsiderado nas contratações em geral, estejam ou não submetidas à regra da obrigatoriedade de incorporação de matriz de riscos. Não faria sentido que as alocações de riscos em contratos não abrangidos por aquela regra pudessem orientar-se por critério distinto das demais. Entendimento dessa ordem violaria o princípio da coerência e daria ensejo a orientações jurídicas distintas para situações equivalentes.
Parte Especial – Proposta de Alocação de Riscos em Contratos de Obra Pública
6. Construindo uma matriz de riscos para os contratos de obra pública
Expostas as premissas gerais e teóricas que devem ser observadas no processo de alocação de riscos, a Parte Especial deste Guia se dedica a avaliar como cada um dos riscos que afetam a execução de uma obra pública devem ser distribuídos entre as partes. O objetivo desta seção é apresentar, sob uma perspectiva prática, recomendações e proposições de alocação dos riscos de múltiplas categorias, indicando cautelas e práticas a serem observadas pela Administração Pública e pelo contratado.
O processo de repartição de riscos envolve um esforço multidisciplinar. Para garantir a abrangência e qualidade da matriz contratual de riscos, é recomendável envolver especialistas das mais diversas áreas, incluindo advogados especializados em contratos públicos, engenheiros, ambientalistas, economistas e gestores de projetos. A expertise de profissionais qualificados contribui para uma análise mais precisa e abrangente dos riscos envolvidos.
Além disso, a construção de uma matriz de riscos também deve levar em consideração as particularidades de cada contratação. Cada projeto de obra pública apresenta seus próprios desafios, variáveis e condições, que podem influenciar diretamente na distribuição dos riscos entre as partes envolvidas. Ao analisar minuciosamente as características do empreendimento que se pretende executar – como sua complexidade, localização, prazos e condições ambientais –, é possível identificar os potenciais riscos envolvidos e atribuí-los de maneira adequada entre Administração contratante e contratada. Esta abordagem personalizada não apenas promove maior transparência ao processo de contratação, mas também contribui para a prevenção de conflitos e para a maximização da eficiência na execução do projeto.
Por fim, observar boas práticas na alocação de riscos, tanto em âmbito nacional quanto internacional, é essencial para garantir a excelência na execução de contratos de obras públicas. A adoção de padrões reconhecidos globalmente e de experiências bem-sucedidas pode fornecer insights valiosos sobre processos de distribuição, prevenção e gestão de riscos contratuais.
Nas subseções seguintes, em atenção a estas premissas, a Parte Especial deste Guia apresenta recomendações de alocações de riscos a serem incorporadas em contratos de obras públicas, que serão
consolidadas em uma proposta de matriz de riscos, compilada ao final do Guia, com a descrição de cada risco e a respectiva sugestão da parte a quem deverá ser alocado.
Riscos em contratos de obras públicas em espécie e recomendações de alocação
Para facilitar a compreensão das propostas desse Guia, os riscos foram agrupados em 7 (sete) categorias: (1) riscos técnicos ou de engenharia; (2) riscos econômico-financeiros; (3) riscos jurídicos;
(4) riscos extraordinários; (5) riscos administrativos; (6) riscos ambientais; e (7) riscos trabalhistas.
Riscos técnicos ou de engenharia
7. Alocação dos riscos relativos aos projetos de engenharia
Tema de especial relevância na alocação de riscos em contratações de obras públicas diz respeito a eventuais problemas decorrentes dos projetos de engenharia.
Nos termos da Lei nº 14.133/21, a execução de toda e qualquer obra pública deverá ser precedida da elaboração de um projeto básico e de um projeto executivo. Em diversos dispositivos, o legislador especifica o conteúdo desses projetos, impondo obrigações a serem observadas pelos responsáveis por sua elaboração.
O projeto básico, nos termos do art. 6º, inciso XXV, é o “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento”. Dentre outros elementos, o projeto básico deverá conter dados como: (1) levantamentos topográficos e cadastrais; (2) soluções técnicas globais e localizadas; e (3) informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos.
O projeto executivo, por sua vez, é definido pelo art. 6º, inciso XXVI, como o “conjunto de elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, com o detalhamento das soluções previstas no projeto básico”. Seu papel, portanto, é de dar maior concretude às disposições do projeto básico, conferindo subsídios técnicos e específicos a partir dos quais seja possível proceder efetivamente à execução da obra.
Para além dos referidos projetos, os contratos de obra pública que adotam o regime de contratação integrada – aquele em que o particular é responsável pela elaboração dos projetos básico e executivo – também contemplam a figura do anteprojeto. Nos termos do art. 6º, inciso XXIV, o anteprojeto é uma “peça técnica com todos os subsídios necessários à elaboração do projeto básico”. Dentre outros elementos, deverá conter: (1) demonstração e justificativa do programa de necessidades; (2) condições de solidez, de segurança e de durabilidade; (3) prazo de entrega; (4) estética do projeto arquitetônico, traçado geométrico e/ou projeto da área de influência; etc.
Como se verá a seguir, há uma série de riscos que podem afetar ou impedir a execução do contrato administrativo e são decorrentes da elaboração e/ou da aprovação desses documentos. Nos tópicos a seguir, serão abordadas duas categorias de riscos ligados aos projetos: (1) falhas, omissões, imprecisões, desconformidades ou insuficiências nos projetos de engenharia; e (2) atrasos na aprovação desses projetos.
7.1. Falhas, omissões, imprecisões, desconformidades ou insuficiências nos projetos de engenharia
Um dos principais riscos em contratações de obras de engenharia está na existência de falhas, omissões ou quaisquer espécies de inconsistências no anteprojeto, no projeto básico ou do projeto executivo que demandem alterações durante a fase de execução da obra. Essas falhas podem ocasionar impactos ou prejuízos à execução da obra contratada, cuja consequência é o incremento dos custos a serem incorridos para a implementação das devidas correções e adequações.
No âmbito da alocação de riscos proposta pela matriz constante deste Guia, a distribuição desse risco deverá observar o regime de contratação adotado e a quem o contrato investiu a obrigação de elaborar os projetos de engenharia.
Para contratos de obra pública em que os projetos básico e executivo tenham sido elaborados
pela própria Administração – como em uma empreitada por preço global, por exemplo –, o risco de eventuais falhas nesses projetos deve a ela ser alocado. A sugestão parte de uma premissa de eficiência alocativa, abordada em outras passagens deste Guia: tendo em vista que o conteúdo dos projetos foi elaborado pela Administração e não podem ser desconsiderados pelo contratado, eventuais defeitos ou omissões inerentes não são controláveis ou gerenciáveis pela empresa contratada. Logo, as consequências decorrentes das escolhas técnicas da Administração devem ser imputadas à sua responsabilidade.
Situação distinta se dá em contratações em que a elaboração dos projetos de engenharia esteja atribuída como obrigação à empresa contratada, tal como ocorre nas contratações integradas ou semi-integradas. Para esses casos, considerando que o particular está contratualmente obrigado a realizar os projetos básico e/ou executivo, dispondo de relativa autonomia para conceber as soluções técnicas que serão empregadas, as consequências de suas escolhas devem ser atribuídas à sua responsabilidade. Trata-se de opção que também foi adotada pelo legislador em vários dispositivos da Lei nº 14.133/21.
É compreensível, por isso, que, para as contratações integradas, o art. 22, § 4º e o art. 46, § 3º impõem que os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados ao projeto básico estarão necessariamente alocados à responsabilidade da contratada.24
Já nas hipóteses de contratações semi-integrada, em que o projeto básico é disponibilizado pela Administração, a eventual alteração de projeto por proposta da contratada e com a autorização administrativa, ensejará reequilíbrio contratual nos termos da regra do art. 46, § 5º. Tal significa que
24 "Art. 22. O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo. [...] § 4º Nas contratações integradas ou semi-integradas, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos.
Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes: [...] § 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico”.
os riscos inerentes ao projeto básico, compreensivelmente, foram atribuídos pela legislação à
responsabilidade da Administração Pública.
Como destaca Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “Nas contratações semi-integradas, o projeto básico é elaborado pela Administração, cabendo ao particular elaborar o projeto executivo. Logo não é cabível atribuir ao contratado os riscos pertinentes às soluções adotadas pela Administração relativamente ao projeto básico”.25
A legislação atribuiu ao contratado privado apenas os riscos decorrentes das suas escolhas técnicas relacionadas às modificações que forem efetivamente implementadas no projeto básico, nos termos do art. 46, § 5º, da Lei nº 14.133/21.
Ademais, ainda no que diz respeito ao tema, é necessário fazer uma breve observação sobre os riscos inerentes aos anteprojetos elaborados pela Administração Pública para as contratações integradas.
Ainda sob o contexto da legislação anterior, o entendimento dos órgãos de controle, para o regime de contratação integrada era o de que os riscos decorrentes de omissões ou erros do anteprojeto elaborado pela Administração deveriam ser atribuídos à esfera da empresa contratada. Em precedente recente sobre contratações integradas, por exemplo, o Tribunal de Contas da União consignou que “o risco inerente ao desenvolvimento do projeto básico é inteiramente alocado ao particular, não havendo permissão legal para assinatura de aditivos por conta de eventuais imprecisões ou omissões do anteprojeto”.26
Esse entendimento foi baseado em uma interpretação do art. 9º, § 4º, da Lei nº 12.462/11 (Lei do RDC).27 O dispositivo restringe as hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro de contratações integradas à materialização de caso fortuito ou força maior e à necessidade de alteração do projeto
25 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 378.
26 TCU, Plenário, Acórdão nº 831/2023, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 03/05/2023.
27 “Art. 9º Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: [...] § 4º Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto nos seguintes casos: I - para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e II - por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”.
ou das suas especificações a pedido da Administração Pública. Assim, para os órgãos de controle, o
risco de falha no anteprojeto deveria ser alocado à empresa contratada por duas razões: (1) por não se tratar de hipótese legal passível de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro; e (2) pela suposta liberdade conferida à empresa contratada de inovar e definir a solução técnica a ser empregada na obra pública por meio dos projetos básico e executivo, cuja elaboração está sob a sua responsabilidade.
No entanto, nestes regimes de execução, o anteprojeto assume um caráter vinculante às contratadas, pois estas não podem desenvolver o projeto básico – e, antes disso, suas propostas técnicas no âmbito da licitação – desconsiderando o anteprojeto. Nesses casos, ainda que a empresa contratada seja responsável pela realização do projeto básico e do executivo, seu teor estará adstrito às escolhas técnicas formuladas pela Administração e constantes do anteprojeto. Ou seja: dado que a empresa contratada não poderá desconsiderar o anteprojeto para os fins de elaborar sua proposta no âmbito da licitação e subsequentemente o projeto básico no âmbito da execução do contrato, a ela não se poderá atribuir as consequências decorrentes dos erros e falhas do anteprojeto.
Nem seria aceitável que o edital de licitação transferisse aos licitantes a responsabilidade de aferir a confiabilidade dos dados do anteprojeto (ou dos projetos disponibilizados pela Administração). Isso importaria em ampliar enormemente o custo de participação no certame, acarretando a redução do universo de ofertantes. Ademais, aferição desta ordem esbarraria nas dificuldades de sua execução face ao prazo exíguo de divulgação da licitação.
Logo, o entendimento professado pelo TCU, fundamentado na legislação passada, não pode ser transplantado para a interpretação da Lei 14.133/2021. A uma, porque a Lei 14.133/2021 expressamente ampliou as hipóteses para alterações contratuais em contratações integradas e semi- integradas, nos termos do art. 133, IV, da Lei nº 14.133/21, permitindo a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro desses contratos “por ocorrência de evento superveniente alocado na matriz de riscos como de responsabilidade da Administração”. Assim, tendo em vista esta disposição legal, o arquiteto do contrato dispõe de discricionariedade para atribuir o risco de falhas no anteprojeto à Administração contratante, quando o anteprojeto apresentar caráter vinculante.
A duas, porque o comando da regra do art. 103, § 1º, da Lei nº 14.133, nos termos já examinados
acima, impede que riscos associados a escolhas técnicas realizadas pela Administração sejam atribuídos à responsabilidade da empresa contratada.
Logo, segundo a alocação de riscos sugerida pelo presente Guia, o risco de falhas, omissões, imprecisões ou desconformidades do anteprojeto deve ser alocado à Administração Pública, na medida em que, nestes casos, a empresa contratada não será a responsável pelas escolhas técnicas inerentes.
7.2. Atraso na aprovação dos projetos de engenharia
Outro risco relacionado aos projetos de engenharia diz respeito aos atrasos da Administração em promover a sua aprovação.
Como visto anteriormente, em determinados regimes de contratação de obra pública, a empresa contratada será responsável pela elaboração do projeto básico e/ou do projeto executivo que orientará a execução da obra. Nessas modalidades, o particular deverá submeter o projeto de engenharia previamente à Administração Pública, que deverá aprovar e/ou realizar apontamentos sobre a proposta da empresa contratada.
Eventuais atrasos no cumprimento dessa obrigação pela Administração Pública podem ocasionar impactos ao cronograma físico-financeiro da contratação. Atraso no processo de avaliação dos projetos, por exemplo, pode ensejar a redução do período disponível à contratada para executar a obra. Esses atrasos, por estarem relacionados a obrigações da Administração, não podem ser controlados pela empresa contratada.
Por essa razão, para além de estabelecer o prazo máximo que deverá ser observado para aprovação dos projetos de engenharia, recomenda-se que o contrato também atribua à Administração os riscos de eventuais atrasos no cumprimento dessa obrigação. Assim, a disciplina contratual pode estipular mecanismos que permitam a revisão do cronograma quando constatados atrasos da Administração na aprovação dos projetos, assegurando ao particular o prazo originalmente previsto à época da contratação para a execução da obra, além do reequilíbrio por outros prejuízos comprovados.
8. Alocação de riscos relativos à desapropriação e à liberação de áreas para execução das obras
8.1. Atraso ou demora na adoção das providências necessárias à liberação da área, do local ou do objeto necessário à execução das obras
Em contratos de execução de obra pública, o cumprimento das obrigações atribuídas ao contratado depende da disponibilização pela Administração Pública da área sobre a qual ela será edificada. A área deverá ser transferida à posse do contratado, devidamente liberada e regularizada.
Um dos principais riscos relacionados a essas contratações, portanto, está no atraso da adoção das providências para a liberação do local. Isso envolve toda a sorte de atos jurídicos que precisem ser praticados e que tenham ficado sob a responsabilidade da Administração Público instrumentais à liberação ou regularização da área.
A desapropriação ou a desocupação de áreas podem ser, em certos casos, providências previstas como necessariamente antecedentes à execução da obra pública. O contrato poderá atribuir a responsabilidade pelos atos inerentes tanto à Administração Pública, como ao contratado privado.
Com o objetivo de ampliar a eficiência das contratações, a Lei nº 14.133/21 realizou importantes inovações no processo de desapropriação. Em primeiro lugar, o art. 22, § 5º, II permitiu que o contrato atribua à contratada a responsabilidade pela realização da desapropriação. Nesses casos, o Poder Público assume a função de autorizar previamente o processo de desapropriação mediante emissão da declaração de utilidade pública, deixando à empresa contratada a responsabilidade pelos demais atos inerentes ao processo de desapropriação.
Além disso, a Lei nº 14.133/21 também trouxe inovações importantes para as contratações integradas e semi-integradas. O art. 46, § 4º prevê que o edital e o contrato deverão conter as providências necessárias à efetivação da desapropriação autorizada pelo Poder Público, indicando: (1) o responsável por cada fase do procedimento expropriatório; (2) a responsabilidade pelo pagamento das indenizações devidas; (3) a estimativa do valor a ser pago a título de indenização pelos bens expropriados; (4) a distribuição objetiva de riscos pertinentes ao tema entre as partes; e (v) em nome de quem deverá ser promovido o registro de imissão provisória na posse e o registro de propriedade dos bens a serem desapropriados. Embora o dispositivo seja direcionado às contratações integradas e
semi-integradas, entende-se que sua lógica também pode ser aplicada a outras contratações, observadas as particularidades de cada caso.
A eficiência da alocação dos riscos referentes a problemas no processo de liberação das áreas, portanto, deve observar as obrigações atribuídas pela legislação e pelo contrato a cada uma das partes no processo de desapropriação. A depender do caso, as partes terão diferentes condições de prevenir a materialização do evento ou de administrar as suas consequências – o que atrairá diferentes recomendações sobre o processo de repartição dos riscos pertinentes.
Nesse sentido, para as contratações em que a responsabilidade pelos atos expropriatórios seja atribuída à contratada, na forma do art. 22, § 5º, II da Lei nº 14.133/21, é recomendável que a matriz de riscos do contrato de obra pública aloque o risco de eventual atraso ou demora na emissão da declaração de utilidade pública à Administração contratante. Tendo em vista que o Poder Público permanecerá responsável por editar o decreto com a referida declaração 28 , ele deterá melhores condições para prevenir eventuais atrasos. Trata-se de aspecto que não se encontra sob o controle ou gerenciamento da empresa contratada, razão pela qual não haveria justificativa para lhe impor a assunção do risco.
Além disso, a matriz constante deste Guia também recomenda a atribuição expressa à Administração do risco de atraso ou demora na liberação da área, local ou objeto necessário à execução da obra – inclusive em decorrência de (1) atrasos do Poder Público no cumprimento de obrigações relacionadas à desapropriação, à desocupação ou ao licenciamento ambiental e (2) morosidade do Poder Judiciário em praticar atos relacionados à desapropriação que não sejam imputáveis à contratada.
A sugestão não apenas obedece à premissa de alocar o risco à parte com melhores condições para gerenciá-lo – na medida em que o particular não possui qualquer ingerência sobre a morosidade administrativa ou judicial –, como observa a alocação imposta pelo art. 137, § 2º, inciso V da Lei nº 14.133/21, que garante à contratada o direito de extinguir o contrato nas hipóteses em que a Administração não liberar, nos prazos contratuais, a área, o local ou o objeto necessário à execução da obra.
28 Conforme art. 6º do Decreto-Lei nº 3.365/41: “Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito”.
8.2. Diferença entre a estimativa do valor a ser pago a título de indenização pela desapropriação e o custo efetivamente incorrido
Os custos considerados para as desapropriações nos documentos licitatórios também compõem eventos que podem ser alocados entre as partes na matriz de riscos de contratos de obra pública. A esse respeito, o art. 46, § 4º, da Lei nº 14.133/21 estabelece que o contrato deve contemplar a distribuição objetiva dos riscos relativos aos processos de desapropriação entre as partes, “incluído o risco pela diferença entre o custo da desapropriação e a estimativa de valor e pelos eventuais danos e prejuízos ocasionados por atraso na disponibilização dos bens expropriados”.
A atenção conferida pelo legislador à alocação desse risco se deve aos possíveis impactos decorrentes de equívocos na estimativa do custo das desapropriações ou de oscilações não previstas pela Administração durante a elaboração dos projetos de engenharia. É comum que haja divergências entre o valor estimado e o efetivamente incorrido pela contratada para promover a desapropriação, a partir de tratativas com o proprietário expropriado ou das decisões proferidas pelo Poder Judiciário.
Para essas hipóteses, a matriz deste Guia propõe que o risco de divergência entre a estimativa e o valor efetivamente despendido para promover a desapropriação seja previamente alocado à Administração Pública. A empresa contratada detém ingerência limitada sobre a precificação das áreas, daí porque não deve assumir a responsabilidade sobre esse risco.29
8.3. Não obtenção da desocupação de áreas invadidas ou já desapropriadas para a execução das obras
Outro importante evento a ser considerado pelas partes na alocação de riscos do contrato diz respeito à desocupação das áreas nas quais ocorrerá a execução da obra pública. É comum que, mesmo
29 Em artigo onde trata sobre a alocação de determinados riscos em contratações públicas, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx assinala que: “parece fazer sentido que os riscos atinentes aos custos de desapropriações e desocupações, por sua realização depender fundamentalmente de medidas jurídicas e políticas próprias do Estado, e ante a dificuldade de serem adequadamente gerenciados pelo parceiro privado, devem ser reservados ao parceiro público”. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Alocação de riscos nas parcerias público-privadas. Em: XXXXXX XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Parcerias Público-Privadas: Reflexões sobre a Lei 11.079/2004. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 277.
após a conclusão formal do processo de desapropriação, as áreas permaneçam ocupadas, impedindo
o início da realização das atividades. Ou, ainda, que, após o início da obra, as áreas sejam invadidas por terceiros, impedindo a continuidade da execução do empreendimento.
Considerando o perfil do risco e a reduzida ingerência que a empresa contratada possui para promover a desocupação de áreas invadidas ou já desapropriadas para a execução das obras, este Guia sugere a sua alocação à Administração Pública. Com isso, caso não seja possível a desocupação da área para início ou prosseguimento das obras, a empresa contratada não poderá ser penalizada pela materialização do evento, assim como o contrato deverá ser objeto de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em favor da contratada, sem prejuízo da revisão do cronograma da obra.
9. Alocação do risco de danos decorrentes da execução das obras
Outro tema relevante na matriz de riscos de obras públicas diz respeito aos possíveis danos que podem decorrer da sua execução, como os danos ocasionados ao próprio canteiro de obras sob gestão da contratada, bem como danos a terceiros.
O risco de ocorrência de danos ao canteiro de obras está intrinsecamente ligado à segurança e à integridade dos agentes encarregados pela execução da obra pública e dos materiais e equipamentos mobilizados para a realização das atividades.
A materialização desse risco pode ocasionar sérios prejuízos à integridade dos envolvidos nas atividades. Eventuais deficiências no processo de manuseio de determinados equipamentos, bem como a inobservância de regras de segurança, podem gerar incidentes que afetam as condições de execução da obra contratada.
Por essa razão, e tendo em vista as capacidades gerenciais atribuídas ao particular, a matriz de riscos deste Guia propõe a alocação do risco à empresa contratada, quando os danos ao canteiro de obras decorrerem de fatos a ela imputáveis. Isso porque a empresa, enquanto contratada da Administração Pública, detém melhores condições para implementar medidas de segurança no ambiente de trabalho e no processo de manuseio dos equipamentos.
Outros riscos relacionados a danos decorrentes da execução da obra dizem respeito a acidentes
e/ou danos gerados diretamente à Administração ou a terceiros por fatos imputáveis à contratada.
De forma similar à alocação sugerida anteriormente sobre danos gerados ao canteiro de obras, o risco de danos à Administração ou a terceiros envolvem a possibilidade de ocorrerem danos a pessoas ou a bens: materiais de construção, máquinas e equipamentos mobilizados para as atividades, seja por acidentes, falhas de segurança, vícios ou deficiências na execução.
A matriz de riscos proposta por este Guia propõe a alocação dos referidos riscos à responsabilidade da empresa contratada. O próprio legislador atribuiu este risco à contratada por meio do art. 120 da Lei nº 14.133/2021.30 Nesse caso, portanto, não há opção do contrato para dispor de forma distinta.
Importante ressaltar que, embora a Administração Pública exerça a fiscalização e o acompanhamento da obra, o art. 120 estabelece que essa atividade não elimina nem reduz a responsabilidade civil da contratada. No entanto, nada impede que, à luz das circunstâncias de cada caso, as omissões na fiscalização também tornem a Administração responsável perante terceiros.
Em comentário ao dispositivo, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx exemplifica hipótese em que, se o dano for provocado por conduta determinada pela Administração, o particular poderá ter sua responsabilidade afastada: “Vale observar que, embora a Administração Pública exerça a fiscalização e o acompanhamento da obra, essa atividade não elimina nem reduz a responsabilidade civil do contratado. No entanto, defeitos na fiscalização podem tornar a Administração solidariamente responsável perante terceiros. Por exemplo, se houver falhas na concepção do projeto por parte da Administração e o contratado tiver alertado a fiscalização sobre os riscos, mas a advertência for ignorada, a responsabilidade pode recair exclusivamente sobre o Estado”.31
10. Alocação dos riscos de vícios ou defeitos nas obras
30 “Art. 120. O contratado será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em razão da execução do contrato, e não excluirá nem reduzirá essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo contratante”.
31 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 1335-1336.
Vícios e defeitos nas obras relacionadas ao objeto contratado também são riscos que devem ser
endereçados na matriz contratual. Estes vícios ou defeitos podem ser: (1) resultantes da execução da obra ou de materiais nela empregados; ou (2) ocultos, na infraestrutura ou na área transferida à contratada para execução da obra.
10.1. Vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução da obra ou de materiais nela empregados
No âmbito da execução de uma obra pública, é possível que, durante a conclusão de etapas do empreendimento, sejam constatados vícios, defeitos ou incorreções resultantes de técnicas inadequadas da contratada ou da baixa qualidade dos materiais utilizados para a sua construção. Esses defeitos podem gerar prejuízos à qualidade da obra esperada pela Administração Pública, acarretando novos ônus financeiros para promover a reparação, a correção ou, no limite, a reconstrução da infraestrutura.
Nas ocasiões em que a Administração recorre à contratação de uma empresa para a execução de uma obra pública, a iniciativa se justifica na capacidade de que os agentes privados detêm de contratar prestadores de serviços e fornecedores de materiais em melhores condições. Além disso, como visto em outras passagens deste Guia, em regra, a contratada detém maior capacidade para controlar o processo de execução contratual, acautelando a possibilidade de entrega de obra em parâmetros inadequados.
Por essa razão, partindo da premissa de que o risco deve ser alocado à parte com melhor capacidade de gerenciamento do evento, recomenda-se que os riscos advindos de vícios, defeitos ou incorreções de natureza construtiva sejam alocados à responsabilidade da contratada. Trata-se de premissa também adotada pelo próprio legislador, ao estabelecer no art. 119 da Lei nº 14.133/21 que a contratada será obrigada a “reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, a suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes de sua execução ou de materiais nela empregados”.
Importante registrar que a responsabilidade pela reparação, correção ou reconstrução da parcela da obra em que se constatar vício pode subsistir para além do recebimento definitivo da obra
pela Administração. Conforme a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, “Vícios em obras
públicas, como os resultantes da utilização de materiais que não atendem a especificações técnicas ou que sofreram danos na instalação, podem ser sanados por meio de utilização da garantia estabelecida no art. 618 do Código Civil”.32-33
O entendimento do Tribunal de Contas da União também foi incorporado à redação da Lei nº 14.133/21. Nos termos de seu art. 140, § 6º, “Em se tratando de obra, o recebimento definitivo pela Administração não eximirá o contratado, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, admitida a previsão de prazo de garantia superior no edital e no contrato, da responsabilidade objetiva pela solidez e pela segurança dos materiais e dos serviços executados e pela funcionalidade da construção, da reforma, da recuperação ou da ampliação do bem imóvel”. Havendo vício, defeito ou incorreção, o dispositivo acrescenta que “o contratado ficará responsável pela reparação, pela correção, pela reconstrução ou pela substituição necessárias”.
Entretanto, é necessário ressaltar que a contratada será responsável por eliminar eventuais vícios, defeitos e incorreções às suas próprias expensas somente se o defeito a ele não for imputável. Como registra Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “se o particular cumpriu estritamente as determinações contratuais ou regulamentares, a ocorrência de defeito não será de sua responsabilidade”.34 Assim, a responsabilidade da contratada para assumir os riscos decorrentes dos defeitos na execução da obra se limita aos prejuízos que a ela forem atribuíveis.
10.2. Vícios ou defeitos ocultos na infraestrutura ou na área transferida à contratada para a execução da obra
Outro risco importante em contratações de obra pública diz respeito a vícios ou defeitos ocultos na estrutura pré-existente ao início das atividades. A depender do objeto que será contratado – como, por exemplo, contratações de reformas e/ou de execução de obras que dependem de uma
32 TCU, Xxxxxxxx, Xxxxxxx nº 853/2013, Rel. Min. Xxxx Xxxxx, julgado em 10/04/2013.
33 Art. 618 do Código Civil: “Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
34 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 1335.
infraestrutura prévia –, a existência de vícios ou defeitos na área transferida à contratada pode
ocasionar uma série de prejuízos. A título exemplificativo, a constatação de um vício oculto estrutural pode exigir que as parcelas das obras executadas até a constatação do vício sejam interrompidas para reparação e correção, em prejuízo ao cronograma físico-financeiro do contrato.
Tendo em vista que a constatação de vícios ocultos na infraestrutura ou na área transferida para a execução da obra consiste em evento que não se encontra sob o alcance da contratada, recomenda- se que o risco seja atribuído à Administração Pública. Em geral, a contratada é incapaz de identificar estes problemas antes da realização da obra, por limitações fáticas e técnicas que a impedem de considerar o risco em sua proposta.
11. Alocação do risco de prejuízos causados por roubos, furtos, perecimento, vandalismos, extravios ou perdas no local de obras
Outra preocupação relevante nas contratações objeto deste trabalho está relacionada à possibilidade de geração de prejuízos à contratada em decorrência de roubos, furtos ou práticas de vandalismo na área ou no local de execução da obra. A ocorrência desses eventos pode acarretar diversos prejuízos patrimoniais à contratada e à obra propriamente dita, por meio, por exemplo, de extravios de materiais, maquinários e equipamentos, ou de avarias e deteriorações sobre as estruturas sob edificação. As ações a serem tomadas em caso de ocorrência desses eventos incluem custos adicionais para reparo ou recuperação de bens perdidos e o acionamento de coberturas das apólices de seguros. Além disso, danos aos bens que integram o canteiro de obras, ou à obra em si, poderão dar ensejo a atrasos na execução do cronograma físico-financeiro.
Este Guia recomenda que tais riscos sejam atribuídos à responsabilidade da contratada até a entrega oficial do objeto à Administração. A justificativa para a sugestão reside na maior capacidade gerencial da contratada, em comparação à Administração Pública, para adotar medidas de segurança da integridade patrimonial do local de execução das obras. A empresa contratada, na qualidade de agente sujeito ao regime jurídico de direito privado, detém melhores condições para adquirir equipamentos e serviços de vigilância e de proteção da área, razão pela qual é mais eficiente que este risco seja alocado sob sua responsabilidade.
Outra razão para alocação do referido risco à contratada reside sobre a existência de oferta de
cobertura do evento por seguradoras. É comum que determinados aspectos da obra – em especial, equipamentos e maquinários – possam ser objeto de um seguro a ser contratado pela empresa responsável por estas atividades. A sugestão, portanto, obedece aos termos do art. 103, § 2º, da Lei nº 14.133/21, na medida em que há uma preferência de que os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras sejam transferidos ao particular.
No entanto, é preciso ressaltar que o risco está alocado à contratada apenas no que diz respeito à adoção de medidas ordinárias para garantir a segurança da obra. Ou seja, a contratada assumirá as consequências originadas pela materialização de um evento de furto, roubo ou vandalismo sempre que se omitir em adotar práticas usualmente empregadas no mercado para prevenir esses incidentes. No entanto, caso a contratada adote todas as medidas ao seu alcance e os eventos ocorram por situações anômalas à segurança esperada da obra – como, por exemplo, ações reiteradas de grupos criminosos em uma determinada localidade –, esta situação não estará abrangida pelo risco atribuído à empresa contratada. No exemplo hipotético, os prejuízos decorrem de uma falha na segurança pública, cuja obrigação está legalmente atribuída ao Poder Público. Em tais circunstâncias, eventuais prejuízos sofridos pela contratada poderão ser objeto de recomposição, por se tratar de risco alocado à Administração Pública.
12. Alocação de riscos referentes a interferências na execução da obra pública
Outro risco de relevância inquestionável diz respeito a interferências físicas que podem dificultar ou impedir a execução da obra pública. Este risco se refere à necessidade de realizar deslocamentos ou remanejamentos de interferências nos locais das obras contratadas.
Em obras de drenagem de rodovia, por exemplo, a existência de postes com fiação elétrica e de telecomunicação na faixa de domínio da obra – local de implantação do sistema de drenagem – é um claro exemplo de interferência, dado que os postes podem inviabilizar a execução da obra.
Nesse contexto, a execução de obras públicas pode ser afetada por interferências subterrâneas e interferências com prestadores de serviços públicos.
12.1. Riscos de interferências subterrâneas
As interferências subterrâneas representam uma categoria particularmente desafiadora de risco em contratos de obras públicas. Este tipo de interferência refere-se à presença de elementos ocultos no subsolo, tais como tubulações, cabos, fundações antigas, entre outros, que não foram previamente identificados nos projetos e anteprojetos.
A ocorrência de interferências subterrâneas pode resultar em diversos problemas, incluindo a necessidade de alterações no projeto, atrasos na execução da obra, custos adicionais relacionados à remoção ou deslocamento dessas interferências, bem como potenciais danos a equipamentos e à segurança dos trabalhadores.
Em situações nas quais a contratada é encarregada apenas da execução da obra, sem a responsabilidade pela elaboração dos projetos de engenharia – a exemplo do projeto básico e do projeto executivo –, o risco deverá ser alocado à Administração Pública. Nessas circunstâncias, é de se esperar que a Administração, como responsável pela concepção e pela elaboração dos projetos, conduza estudos geotécnicos e investigações de campo abrangentes para identificar possíveis interferências subterrâneas. Portanto, se durante a execução da obra forem detectadas interferências subterrâneas não previamente identificadas nos documentos licitatórios, isso indica uma deficiência no processo de planejamento e na elaboração dos projetos por parte da Administração.
Como resultado, o ônus e os custos associados à resolução dessas interferências devem recair sobre o Poder Público, uma vez que é sua responsabilidade primária assegurar que os projetos estejam completos e precisos antes do início da execução da obra. A contratada, neste contexto, apenas seguirá as diretrizes e as especificações fornecidas pela Administração e não pode ser responsabilizada por eventuais falhas no processo de planejamento, que fogem ao seu controle.
Em avaliação ao tema, o Tribunal de Contas da União já veiculou entendimento de que possíveis interferências em obras públicas sejam identificadas e removidas antes mesmo do início do procedimento licitatório35.
35 “É recomendável que a desapropriação de terrenos para a execução de obras nas rodovias, assim como a remoção de interferências nas áreas das obras, seja efetuada antes da conclusão do procedimento licitatório” (TCU, Plenário, Acórdão nº 850/2015, Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx, julgado em 04/05/2015.
Por outro lado, em contratos nos quais a contratada é responsável pela elaboração do projeto
básico e do projeto executivo – como ocorre em contratações integradas –, espera-se que ela conduza estudos e investigações adequadas para identificar e mitigar esses riscos.
Nesse cenário em específico, a alocação do risco de interferências subterrâneas à contratada é justificada. Isso porque, nesses casos, a contratada assume não apenas a responsabilidade pela execução da obra, mas também pela identificação e pela mitigação de potenciais interferências durante a fase de planejamento, sendo incumbida de conduzir essas atividades de planejamento e análise.
Assim, a alocação do risco de interferências subterrâneas à contratada em contratos de obras públicas é respaldada pela sua expertise técnica e responsabilidade na condução de estudos e investigações para identificação desses elementos no subsolo.
Ressalta-se, contudo, que a alocação do risco se limita às hipóteses em que as interferências possam ser detectadas por técnicas usualmente utilizadas em serviços de sondagem. Caso as interferências somente possam ser identificadas mediante emprego de técnicas avançadas de investigação, as consequências da materialização do risco deverão ser imputadas à Administração contratante, na medida em que se trata de evento, em princípio, não gerenciável pelos particulares antes da efetiva execução dos serviços.
12.2. Riscos de interferências com infraestruturas de prestadores de serviços públicos
Outro aspecto relevante diz respeito às interferências com infraestruturas de prestadores de serviço público, que podem surgir durante a execução das obras. Essas interferências podem ser ocorrer com redes de água, esgoto, eletricidade ou telecomunicações, intervenções não programadas em vias públicas, entre outros.
Tais interferências podem resultar em atrasos na execução da obra, custos adicionais, complicações legais e até mesmo litígios entre as partes envolvidas. Nesses casos, o risco deve ser atribuído à Administração Pública, pois envolve estruturas sob responsabilidade de terceiros sobre as quais a empresa contratada não detém qualquer ingerência ou previsibilidade acerca da necessidade de remanejamento.
Ao analisar a alocação do risco de interferências com prestadores de serviço público, é
fundamental considerar a complexidade das relações envolvidas. As empresas contratadas para realizar obras públicas operam em um ambiente onde múltiplos atores têm interesses e responsabilidades próprias. Enquanto a contratada pode adotar medidas preventivas, como a realização de estudos de viabilidade e a comunicação com as autoridades competentes, algumas interferências podem surgir devido a ações ou decisões que estão além de seu controle.
Assim, caso interferências sejam identificadas durante a execução de uma obra pública, a interação com o outro prestador de serviço público pode ser necessária para encontrar soluções adequadas. Desse modo, a alocação do risco à Administração Pública é justificada pela natureza dessas interferências, que fogem ao controle da contratada e podem gerar entraves adicionais para sua resolução.
13. Alocação de riscos geológicos e geotécnicos
No âmbito de contratos de obras públicas, os prejuízos decorrentes da materialização de riscos geológicos e geotécnicos são inequívocos. O mapeamento inadequado das informações do solo e das áreas adjacentes àquela em que será realizada a obra pode, inicialmente, gerar novos custos que não haviam sido originalmente previstos, para implementar medidas de segurança – como, por exemplo, a necessidade de contratação de serviços de escavação ou de terraplenagem em quantitativos superiores aos inicialmente cotados. Ainda mais graves serão os prejuízos nos casos em que as condições geológicas adversas da área não tenham sido detectadas sequer por sondagens posteriores
– fazendo com que a ausência de intervenções preventivas possa conduzir a deslizamentos, desmoronamentos e inundações.
Tendo essas perspectivas em vista, o presente Guia recomenda que os riscos geológicos sejam alocados à responsabilidade da Administração Pública. Isso porque a contratada apenas terá condições de prevenção e de gerenciamento deste risco em relação às informações que tiverem sido previamente disponibilizadas durante a licitação, permitindo que esses eventos sejam levados em consideração na formulação de sua proposta comercial. Eventuais inconsistências dessas informações não poderiam ser detectadas por iniciativas próprias das licitantes durante o certame.
Exemplo disso diz respeito a eventuais condições diversas do lençol freático da área em que a
obra será executada quando comparadas às informações disponibilizadas a este respeito nos documentos licitatórios. Ou, ainda, a necessidade de alterações das fundações – como comprimento, engastamento e tipo de fundação – devido à constatação do efetivo perfil de solo na área de execução da obra. Trata-se de aspectos sobre os quais a contratada não dispõe de informações suficientes no momento da licitação, impedindo a prevenção de eventos desta natureza.
Por essa razão, eventuais dispêndios adicionais originados de falhas, omissões ou imprecisões nas informações dos documentos da licitação a respeito das condições geológicas e geotécnicas da área deverão ser alocados como risco da Administração contratante.
14. Alocação de riscos arqueológicos
O risco arqueológico diz respeito a possíveis atrasos ou paralisações da execução das obras, bem como ao aumento dos custos incorridos pela empresa contratada em decorrência da identificação de vestígios arqueológicos, históricos e/ou culturais. Nessa categoria de risco, também estão compreendidas eventuais interferências de órgãos públicos de proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural que possam afetar bens situados na área onde a obra será executada.
Estes eventos podem impactar tanto o tempo quanto os custos de execução das obras, quando não ambos de forma simultânea. Da materialização desse risco, podem resultar a interrupção das obras para realizar investigações arqueológicas adequadas – as quais podem incluir escavações adicionais, análises laboratoriais – e alterações no escopo do projeto, acrescendo custos que não haviam sido previstos. O mesmo também pode ser afirmado quanto a interferências dos órgãos de proteção ao patrimônio histórico, artístico e cultural, em razão de atos de tombamento, por exemplo, dos quais podem decorrer condicionantes a serem observados pelo particular durante a realização da obra.
Considerando as premissas adotadas pelo presente Guia, a alocação desse risco deve recair sobre a Administração, dada a ausência de controle sobre esse risco por parte da contratada.
15. Alocação de riscos referentes às condições climáticas
O andamento e os custos de execução de contratos de obra pública podem ser severamente
afetados por riscos ligados ao clima.
A ocorrência de eventos climáticos significativos – como, por exemplo, chuvas intensas, secas prolongadas, tempestades, dentre outros –, podem impactar o regular curso da execução da obra, demandando a interrupção das atividades ou o refazimento de trabalhos danificados (como erosão do solo, inundações e desabamentos) e importando no aumento dos custos de materiais, equipamentos adicionais, horas extras para recuperação de tempo perdido, etc.
Trata-se de risco comumente encontrado ao longo da execução da maioria dos contratos de obras públicas, sob as mais diferentes formas. Apenas a título de exemplo, podem ser citados: (1) atrasos na construção de uma estrada devido a chuvas intensas; (2) interrupção da pavimentação e terraplenagem; (3) necessidade de refazer trabalhos danificados pelas chuvas; (4) aumento do prazo de entrega da obra ou dos custos na construção devido a uma seca prolongada; (5) aquisição de equipamentos de bombeamento de água para manter o canteiro de obras funcionando em situação de enchente, dentre outros.
Os órgãos de controle – como a jurisprudência do Tribunal de Contas da União36 – tendem a diferenciar as condições climáticas ordinárias das extraordinárias. As primeiras não poderiam ser invocadas pela contratada para se eximir de sua responsabilidade perante a obra pública, pois não repercutiriam de modo significativo sobre os custos dos empreendimentos e poderiam ser contrabalanceadas por outros fatores econômicos do projeto. Por outro lado, condições climáticas extraordinárias são aquelas cuja magnitude influencia decisivamente os custos das obras, mas que devem ser comprovadas.
Há exemplos de contratações públicas que fazem um endereçamento específico desse risco. Em contratação conduzida pela Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR) para obras de esgotamento sanitário,37 por exemplo, houve o compartilhamento do risco a partir de uma avaliação da magnitude e da frequência das precipitações. Caso a intensidade, a duração e a quantidade de precipitação fossem iguais ou inferiores ao valor máximo de precipitação com tempo de recorrência
36 Exemplo do que se comenta pode ser verificado nos Acórdãos nº 1513/2010, 1637/2017, 1929/2019, todos do Plenário.
37 Contrato administrativo decorrente da Licitação Eletrônica nº 002/2024.
de 5 (cinco) anos, o risco seria da contratada; caso fossem superiores a este valor, o risco seria atribuído
à Administração.
Diante das considerações e da reduzida interferência que a empresa contratada pode deter sobre eventos do gênero, a matriz deste Guia sugere que a ocorrência de condições climáticas ordinárias seja atribuída como risco sob responsabilidade da contratada. Por outro lado, danos decorrentes de alagamentos, incêndios, tremores de terra ou de chuvas que tenham uma magnitude extraordinária – a exemplo de precipitação superior ao valor máximo com um tempo de recorrência pré-definido – devem estar alocados sob o risco da Administração.
Riscos econômico-financeiros
16. Alocação do risco de variação no preço dos insumos
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelas contratadas se refere a variações nos preços dos insumos necessários à execução das obras. Em determinadas hipóteses, as elevações nos preços são tão significativas que podem conduzir à própria inexequibilidade do preço contratado, diante da inviabilidade de a contratada arcar com a aquisição de insumos em valores absolutamente incompatíveis com aqueles adotados como premissa na formulação de sua proposta comercial.
Uma forma prevista pela Lei nº 14.133/21 para mitigação desse risco está na exigência obrigatória de que o contrato contenha um índice de reajustamento dos preços, com data-base vinculada à data do orçamento estimado. Não somente a Lei estabelece a periodicidade do reajuste como cláusula obrigatória de todo e qualquer contrato,38 como também permite que seja adotado mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos.39
38 Conforme art. 92, V, da Lei nº 14.133/21: “Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam: [...] V - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”.
39 Conforme art. 92, § 3º, da Lei nº 14.133/21, com redação semelhante ao art. 25, § 7º: “Art. 92. [...] § 3º Independentemente do prazo de duração, o contrato deverá conter cláusula que estabeleça o índice de reajustamento de preço, com data-base
Tendo em vista que todo e qualquer contrato administrativo deve contemplar cláusula de
reajuste dos valores, é comum que os riscos associados à variação nos preços dos insumos em patamar superior ao reajuste sejam alocados à responsabilidade da contratada. Normalmente, a Administração realiza essa alocação sob o argumento de que a empresa detém melhores condições para gerenciar o valor dos insumos que serão adquiridos, partindo da premissa de que essas oscilações são movimentações típicas do mercado de construção civil.
No entanto, em determinadas circunstâncias, os mecanismos de reajuste serão insuficientes para acompanhar a efetiva variação, que poderá ser significativamente superior àquela compensada pela aplicação do índice contratualmente eleito. A variação inflacionária que excede aos índices inflacionários afigura-se imprevisível, e, por isso, incontrolável pelo contratado.
Por essa razão, esse risco deve ser alocado à responsabilidade da Administração. Para tanto, a matriz de riscos deverá contemplar bandas de variação de riscos ordinário e extraordinário, atribuindo- se à responsabilidade administrativa o risco de variações que extrapolem um certo percentual para além do percentual de variação assegurada pelo índice do reajustamento contratual.
A proposta de matriz de riscos compreendida neste Guia propõe redação específica para esta alocação. Nos termos sugeridos, é alocado à Administração o risco de variação no preço dos insumos necessários à execução das obras ou dos serviços de engenharia em percentual superior a determinado patamar, a partir do momento de apresentação da proposta no âmbito da licitação, independentemente da causa que der origem à variação do preço, para além da variação inflacionária compensada pelo reajustamento. A medida assegura maior objetividade à alocação, dispensando a necessidade de comprovação da extraordinariedade do evento que ocasionou a oscilação, desde que o patamar mínimo seja observado.
Além disso, a redação também ressalta que essa variação poderá ocorrer “para mais ou para menos” – ou seja, caso haja uma deflação sobre o valor dos insumos também superior ao percentual definido no contrato, a variação poderá ensejar o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor da Administração. Assim, a redação permite que ganhos de eficiência também sejam compartilhados em favor do Poder Público.
vinculada à data do orçamento estimado, e poderá ser estabelecido mais de um índice específico ou setorial, em conformidade com a realidade de mercado dos respectivos insumos”.
17. Alocação do risco de desempenho insuficiente da contratada
O risco de desempenho insuficiente da contratada se refere à possibilidade de o particular encarregado pela execução da obra não atender às exigências mínimas de performance esperadas. O descumprimento ocorreria, por exemplo, mediante desatendimento de parâmetros de qualidade estipulados pela contratação ou pelo descumprimento do cronograma físico-financeiro imposto para a execução da obra.
Caso materializado, este risco pode retardar a disponibilização da infraestrutura necessária à prestação de serviços públicos ou ensejar a necessidade de novos custos à Administração Pública para reparação de deficiências e para conclusão das obras nos padrões inicialmente esperados. Tendo este contexto em vista, a proposta de matriz de riscos constante deste Guia sugere que estes riscos sejam alocados à contratada, quando a insuficiência de seu desempenho decorrer exclusivamente de sua ineficiência.
Pautada na premissa de que o risco deve ser alocado à parte que detém melhores condições para prevenir a sua ocorrência ou para arcar com as consequências da sua materialização, a referida proposta se justifica na capacidade gerencial atribuída à iniciativa privada de administrar os seus recursos em torno da regular execução da obra.
É importante ressaltar que o risco alocado à responsabilidade da empresa contratada abrange somente as hipóteses em que o desempenho insuficiente decorrer da sua incapacidade para a execução das obrigações contratuais. Caso o descumprimento dos parâmetros exigidos pelo contrato seja resultante de riscos que tenham sido alocados à responsabilidade da Administração Pública – como eventos extraordinários e imprevisíveis, a exemplo daqueles decorrentes de casos fortuitos e de força maior, avaliados no item 24 deste Guia –, a contratada não poderá ser responsabilizada pelas consequências da materialização do evento.
18. Alocação do risco de indisponibilidade de utilidades essenciais
A adequada execução de obras públicas, em obediência aos parâmetros de qualidade fixados
pelo contrato e conforme o cronograma físico-financeiro estabelecido, pressupõe que a contratada necessitará de uma série de utilidades essenciais fornecidas por prestadores de serviços públicos. Insumos como água e energia, por exemplo, são imprescindíveis para o desenvolvimento dos trabalhos no canteiro de obra, e a sua indisponibilidade pode impactar a continuidade das atividades.
A falta de energia elétrica decorrente de apagões, por exemplo, pode impedir o manejo de certos equipamentos e reduzir a segurança necessária ao canteiro de obras. Nesse caso hipotético, a indisponibilidade não decorre de uma ineficiência da contratada em adquirir o insumo no mercado, mas de um evento externo que por ela não poderia ter sido evitado.
Tendo em vista a inexistência de seguros aptos à cobertura desta espécie de risco e o fato de que a indisponibilidade de utilidades essenciais usualmente decorre de eventos não gerenciáveis pela contratada, recomenda-se que esse risco seja alocado à responsabilidade da Administração. A redação proposta pela matriz constante deste Guia sugere, então, que este risco seja atribuído ao contratante público, especialmente quando a indisponibilidade afete a execução dos serviços e se dê por tempo superior a um patamar mínimo de horas a ser definido em cada caso, à luz das particularidades da contratação.
Vale ressaltar que a alocação sugerida não compreende a indisponibilidade de utilidades essenciais resultante de atos ou fatos imputáveis à contratada – como, por exemplo, a interrupção de serviço público essencial por falta de pagamento. Nesses casos, recomenda-se que o risco seja integralmente atribuído ao particular.
19. Alocação do risco de atraso ou impossibilidade na contratação de seguros e garantias obrigatórios e/ou contratação em inobservância às regras contratuais
Em determinadas contratações, a disciplina contratual pode exigir expressamente a contratação de garantias de execução e de seguros para prevenção à ocorrência de determinados eventos. Especialmente em obras de grande porte, a contratação de apólices é recomendável para acautelar danos a terceiros ou ao próprio canteiro de obras.
A possibilidade de se exigir a contratação de seguros obrigatórios consta do art. 22, § 2º, III, da
Lei nº 14.133/21. De acordo com o dispositivo, o contrato deverá refletir a alocação realizada pela matriz de riscos, especialmente quanto “à contratação de seguros obrigatórios previamente definidos no contrato, integrado o custo de contratação ao preço ofertado”.
A frustração na contratação da garantia de execução ou de seguros obrigatórios pode acarretar sérios problemas à contratada e à Administração. Eventual início das obras sem prévia contratação dos seguros, por exemplo, amplia o risco de materialização de um evento gravoso sem a devida cobertura, implicando prejuízos patrimoniais aos envolvidos.
Por essa razão, como forma de mitigar a ocorrência desse risco, é preferível que a disciplina dos contratos estabeleça a obrigação de a contratada comprovar a obtenção das garantias de execução e de seguros obrigatórios previamente ao início das obras. Porém, mesmo nessas hipóteses, o atraso ou a impossibilidade de contratação das apólices podem ocasionar impactos ao contrato, isto é, o cronograma físico-financeiro da obra pode restar postergado ou inviabilizado.
Diante dessas considerações, para atender à premissa de eficiência na alocação do risco – atribuindo o risco à parte com melhores condições para prevenir ou gerenciar a sua ocorrência –, recomenda-se que o atraso ou a não contratação da garantia de execução ou dos seguros obrigatórios sejam alocados como riscos da contratada, sempre que o evento for a ela imputável. Considerando que a contratada é a única parte incumbida de realizar as referidas contratações, ela deterá condições de, durante a licitação, realizar cotações com as instituições responsáveis e levar em consideração os valores obtidos na sua negociação quando da precificação da proposta econômica. Ressalta-se, porém, que, caso o impasse decorra de eventos extraordinários ou alheios ao controle da contratada, o risco não será de sua responsabilidade.
Riscos jurídicos
20. Alocação dos riscos regulatórios e/ou administrativos
Ao longo da execução da obra pública ou dos serviços de engenharia contratados, também podem ocorrer alterações na legislação, em regulamentos ou em outras normas aplicáveis ao contrato
que incrementem os custos para realização das atividades. Para além de alterações tributárias –
especificamente abordadas no item 21 desse Guia –, estas modificações podem estar relacionadas a novas especificações técnicas, a normas ambientais que exijam novas práticas da contratada, à utilização de insumos ou equipamentos mais onerosos, dentre inúmeros outros exemplos.
Nessas hipóteses, a matriz de riscos proposta por este Guia sugere que esse risco seja alocado à responsabilidade da Administração Pública. Trata-se de eventos que geram impactos à contratada e que não são por ela gerenciáveis. Ademais, determinadas restrições regulatórias ou administrativas podem decorrer da estrutura da própria Administração contratante, que detém melhores condições para verificar se a imposição de normas pode afetar ou impedir a execução do contrato.
21. Alocação dos riscos tributários
Similarmente aos riscos regulatórios e/ou administrativos – expostos no subitem 20 desse Guia
–, a execução de uma obra pública pode ser afetada pelo advento de normas que impliquem aumentos ou reduções na carga tributária ou em seus respectivos encargos legais, com repercussão sobre os preços contratados.
Oscilações na carga tributária incidente sobre os itens que compõem o orçamento da obra não são eventos gerenciáveis pelos particulares – a empresa contratada não detém condições de precificar futuros aumentos ou reduções nos tributos em suas propostas. Por essa razão, o legislador também impôs a alocação desse risco à Administração Pública no art. 103, § 5º, inciso II, da Lei nº 14.133/21.
A mesma regra também é estampada no art. 134 da Lei nº 14.133/21 – os preços contratados serão alterados, para mais ou para menos, conforme o caso, se houver, após a data da apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais ou a superveniência de disposições legais, com comprovada repercussão sobre os preços contratados. Por essa razão, a matriz proposta pelo Guia alocou esse risco à responsabilidade da Administração.
22. Alocação dos riscos de modificações contratuais impostas por determinação unilateral da Administração
Durante a execução de obras ou serviços de engenharia, a Administração Pública deterá a
prerrogativa de impor alterações unilaterais sobre o objeto contratual. Nos termos do art. 124, inciso I, xxxxxxx “a” e “b”, da Lei nº 14.133/21, a Administração poderá alterar o contrato unilateralmente para (1) modificação do projeto ou das suas especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos; ou (2) acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto, com modificação do respectivo valor contratual.
Em ambas as hipóteses, é evidente que a modificação poderá impor novos custos à contratada. A revisitação da metodologia para execução dos serviços ou o acréscimo quantitativo na obra a ser implementada trará novos encargos à contratada que não poderiam ser previstas quando da formulação de suas propostas – afinal, a Administração realizou tais modificações no curso da execução contratual em decorrência de uma necessidade superveniente.
Em relação a esses eventos, o legislador atribuiu a responsabilidade sobre os seus efeitos à Administração Pública. É o que dispõe o art. 103, § 5º, inciso I, da Lei nº 14.133/21: a matriz de riscos e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato não poderão desprezar a recomposição devida à contratada na eventual imposição de alterações pela Administração contratante.
23. Risco de atraso ou impossibilidade de obtenção de licenças, autorizações e alvarás necessários à execução da obra
A execução de uma obra pública pode depender da obtenção de licenças, autorizações e alvarás. Um dos principais exemplos está em alvarás e licenças urbanísticas emitidas pelos municípios para autorizar obras que serão executadas em seu território – a regularidade do início das atividades pressupõe que esses documentos tenham sido devidamente obtidos pela contratada.
A demora ou a impossibilidade de obtenção das licenças, autorizações e alvarás necessários podem ocasionar prejuízos ao cronograma físico-financeiro da obra. Caso os atos exigidos para o início das atividades não tenham sido emitidos no prazo, é natural que eventual atraso dificulte a entrega da obra na data estimada pela Administração. Há, portanto, um prejuízo à contratação decorrente da materialização desse evento.
A matriz proposta por este Guia recomenda que o risco de atraso ou de não obtenção de licenças,
alvarás ou autorizações necessárias à execução das obras, por razões não imputáveis à contratada, seja alocado como risco da Administração Pública. Dado que o atraso pode ser originado da morosidade do próprio órgão urbanístico em editar o ato, esses eventos não podem ser gerenciados ou prevenidos pelo particular.
Situação distinta se verifica quando o atraso ou a não obtenção resultam de um ato ou uma omissão da contratada – como, por exemplo, por demora do particular na entrega dos documentos solicitados para a emissão do alvará. Para essas hipóteses, a disciplina contratual deve alocar o risco previamente à contratada.
Riscos extraordinários
24. Alocação do risco de caso fortuito ou força maior
Os eventos de caso fortuito ou de força maior são elementos-chave dentro da alocação de riscos em contratações de obras públicas. Isso porque a materialização desses eventos pode ocasionar impactos consideráveis sobre várias frentes de execução da obra e cujos efeitos podem abranger eventos que estão compreendidos por outros riscos expressamente alocados entre as partes. A adequada descrição e alocação desse risco, portanto, é fundamental à eficiência da contratação.
O risco de caso fortuito ou de força maior é um evento comum às contratações públicas, amplamente tratado pela legislação, pela jurisprudência e pelas construções teóricas. Trata-se de eventos da natureza ou decorrentes de atos e fatos de terceiros, com caráter extraordinário, que não poderiam ser antevistos ou evitados pelas partes – isto é, são eventos alheios à sua vontade ou à sua ingerência.
Justamente pelas suas imprevisibilidade e inevitabilidade, não há como se realizar uma descrição exaustiva, na redação das cláusulas contratuais, acerca de quais eventos podem ser caracterizados como caso fortuito ou força maior. A extraordinariedade do evento e o seu caráter imprevisível ou inevitável devem ser avaliados à luz das particularidades do caso concreto. Alguns exemplos podem facilitar a compreensão do tema.
A crise da pandemia da COVID-19, por exemplo, impactou severamente a cadeia global de
suprimentos da construção civil. Não obstante tenha se iniciado em 2020, seus efeitos se estenderam no tempo e geraram, sobre contratos administrativos em execução, impactos significativos que não poderiam ser contidos pelas contratadas: a aquisição de insumos foi diretamente afetada por uma elevação extraordinária de preços praticados por fornecedores internacionais, em razão da alta inflação resultante do contexto pandêmico. Esses fatores também foram agravados pelas repercussões econômicas decorrentes do conflito entre Rússia e Ucrânia, que gerou forte pressão sobre a demanda por insumos no mercado internacional, com elevação dos preços de combustíveis e de outros itens essenciais ao setor da construção civil. 40 Esses eventos foram amplamente reconhecidos como casos fortuitos ou de força maior.
A caracterização de um evento enquanto força maior ou caso fortuito, portanto, depende do seu caráter imprevisível ou inevitável. E, por essa razão, recomenda-se que, em contratações de obras públicas, esse risco seja previamente alocado à responsabilidade da Administração Pública. Trata-se de eventos que não são previsíveis pelas contratadas – o que permitiria um exercício de precificação estimativo em suas propostas –, muito menos contam com seguros disponíveis no mercado para a sua prevenção.
A sugestão está alinhada ao que se constata na prática de contratações de obras públicas e privadas promovidas em âmbito internacional. Em diversos países, eventos de caso fortuito ou de força maior podem ensejar compensações em favor da contratada ou afastar a sua responsabilidade pelo descumprimento do cronograma de execução da obra, assegurando uma dilação do prazo para atendimento das obrigações.41
Ademais, vale ressaltar que a redação das cláusulas contratuais sequer poderia alocar o risco de forma distinta, atribuindo o evento à responsabilidade da contratada. Isso porque o risco foi atribuído à Administração pelo próprio legislador: o art. 124, inciso II, alínea “d” da Lei nº 14.133/21 impôs que
40 Os impactos econômicos do conflito sobre as cadeias produtivas foram amplamente noticiados por veículos de comunicação: <xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxx-xxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxxxx-xx-xxxxxxxxx- afirma-cni/>; <xxxxx://xxxxxx.xxxxx.xxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxxxx-xx-xxxx-xxxxxxx- de-alta-do-diesel-em-precos-custos-25429792>; e <xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxx-xx-xxxxxx-xxxxxxxxx-xx- custos-das-concessionarias/>. Acesso em: 17.04.2024.
41 Essa prática pode ser constatada em países como Bélgica, Austrália, Canadá, Croácia, França, Hungria, dentre diversos outros. Conforme <xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxx/xxxxx.xxxx?xxxxxxxxxxxxxx&xxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxx- methods&q=allocation-of-risk>. Acesso em: 17.04.2024.
os eventos de caso fortuito ou de força maior ensejam o reequilíbrio econômico-financeiro do
contrato, em favor da contratada..42 A conclusão também é corroborada por outras disposições da Lei nº 14.133/21 que asseguram, no caso de materialização de caso fortuito ou força maior, (1) o reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro de contratações integradas e semi- integradas;43 e (2) a extinção do contrato administrativo, caso os eventos sejam impeditivos à sua execução.44
Assim, recomenda-se que a materialização de um evento extraordinário, de caráter imprevisível ou com consequências incalculáveis, que impeça ou dificulte a execução das obras nos termos originalmente contratados, seja expressamente alocada como risco da Administração Pública. Esses riscos serão alocados à Administração contratante ainda que o evento ocasione incrementos de custos relacionados a outros riscos expressamente alocados entre as partes.
A título exemplificativo, um desastre natural ou uma crise macroeconômica internacional – eventos tipicamente caracterizados como caso fortuito ou força maior – podem ocasionar novos eventos e/ou gerar repercussões sobre outros elementos que tenham sido atribuídos como riscos da contratada: elevações nos preços dos insumos necessários à realização das atividades, desatendimento do cronograma de execução de obras, danos ao canteiro de obras, dentre diversos outros exemplos. Tendo em vista que os prejuízos relacionados a esses eventos têm origem na materialização de um evento extraordinário, alheio à ingerência da contratada, a responsabilidade por suas consequências deverá ser atribuída exclusivamente pela Administração Pública.
A alocação do risco de caso fortuito ou força maior, portanto, deve funcionar como um instrumento que rege a aplicação e a interpretação de toda a matriz contratual de riscos, tendo em vista que sua materialização pode gerar efeitos de segunda ordem sobre múltiplas frentes.
42 Art. 124, II, “d”, da Lei nº 14.133/21: “Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...] II - por acordo entre as partes: [...] d) para restabelecer o equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato”.
43 Conforme art. 133, I, da Lei nº 14.133/21: “Art. 133. Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada ou semi- integrada, é vedada a alteração dos valores contratuais, exceto nos seguintes casos: I - para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior”.
44 Art. 137, V, da Lei nº 14.133/21: “Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações: [...] V - caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato”.
25. Alocação do risco de atraso ou impossibilidade de execução ou continuidade das obras em decorrência de efeitos ou impactos impostos por pandemia
Riscos relacionados a efeitos decorrentes de eventos pandêmicos ganharam uma nova dimensão de importância após a recente pandemia de COVID-19. A pandemia do coronavírus impôs mudanças significativas na execução de contratos de obras públicas, com necessidade de adequações dos canteiros à restrição de circulação e de reuniões de pessoas, bem como a indisponibilidade e o encarecimento de insumos relevantes à execução das atividades. Nesse contexto, inúmeras discussões foram travadas a respeito do direito das contratadas ao reequilíbrio econômico-financeiro e/ou à rescisão do vínculo pela impossibilidade de as obras serem realizadas nos termos originalmente esperados pela Administração Pública.45
À época da pandemia de COVID-19, diversas instâncias reconheceram que o evento e os seus respectivos efeitos deveriam ser caracterizados como casos fortuitos ou de força maior. A Advocacia Geral da União, por exemplo, emitiu o Parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU, no qual registrou oficialmente que a pandemia de COVID-19 “configura força maior ou caso fortuito, caracterizando álea extraordinária para fins de aplicação da teoria da imprevisão a justificar o reequilíbrio de contratos de concessão de infraestrutura de transportes”. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União também endossou a posição.46
As manifestações dos órgãos de controle refletem uma compreensão compartilhada de que a pandemia de COVID-19 foi um evento excepcional, com caráter imprevisível e extraordinário, que ensejaria a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor das contratadas, criando uma orientação sobre como o evento deveria ser equacionado em futuras oportunidades.
45 O tema foi objeto de análise específica em material elaborado por Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx por solicitação da CBIC. Disponível em: <xxxxx://xxxx.xxx.xx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0000/00/XX-XXXX-xxxxxxxxx-xx-xxxx-x-xxxxxxxx-xxx-x-xxxxx- ii.pdf>. Acesso em: 05.04.2024.
46 Em um levantamento realizado em 2023 para avaliar a normatização sobre pedidos de reequilíbrio em virtude da pandemia de COVID-19, o TCU identificou um estado generalizado de desequilíbrio econômico-financeiro devido à elevação dos preços dos insumos da construção civil. Esse aumento de preços foi atribuído à interrupção da cadeia produtiva global causada pela pandemia. No Plenário do TCU, no Acórdão no 2.135/2023, o voto do Ministro Relator Xxxxxxxx Xxxxxx destacou que “a referida pandemia ocasionou significativo efeito no andamento das obras, precipuamente o aumento de preços dos principais insumos utilizados na construção civil”, ensejando pedidos de reequilíbrio e acarretando paralisações das obras públicas então em curso.
Porém, diante do recente endereçamento da pandemia de COVID-19 como um evento a ser considerado nas repartições de riscos entre as partes, a matriz proposta por este Guia sugere que este risco seja prévia e expressamente alocado à Administração Pública para conferir maior segurança ao tema. Dada a natureza imprevisível e incontrolável desse evento, os particulares não teriam condições de promover o gerenciamento desse risco, razão pela qual não haveria sentido em alocá-lo de forma distinta.
Riscos administrativos
26. Alocação do risco de atraso ou inexecução de obras sob a responsabilidade da Administração
Em determinadas contratações de obras públicas, também é possível que haja um compartilhamento de responsabilidades entre as partes sobre intervenções a serem realizadas no empreendimento. Nesses casos, a Administração Pública assume obrigações de executar parte das obras abrangidas no objeto do contrato, que serão posteriormente entregues para execução de obras complementares pela contratada.
Eventuais intercorrências no cumprimento dessas obrigações podem gerar consequências significativas para o cronograma físico-financeiro, com a interrupção do fluxo de trabalho para as empresas contratadas que dependem da finalização das obras a cargo da Administração para prosseguir com as atividades.
Por óbvio, é evidente que a Administração Pública, que detém o controle dos meios necessários à execução das intervenções sob a sua responsabilidade, deve assumir o risco de eventuais atrasos nessas parcelas de obras. Nesse sentido, a própria disciplina do contrato administrativo pode criar gatilhos que permitam a revisão do cronograma das atividades que serão realizadas pela empresa contratada. Ao atribuir a responsabilidade aos órgãos públicos pelo cumprimento dos prazos e pela execução adequada de suas próprias parcelas de obra, busca-se garantir a eficiência da contratação, ao mesmo tempo em que são resguardados os direitos das empresas contratadas.
27. Alocação do risco de inadimplemento ou atrasos nos pagamentos devidos pela Administração Pública à contratada
Um dos principais problemas presentes nas contratações públicas diz respeito à possibilidade de a Administração Pública não arcar com os pagamentos devidos. É comum que obras e serviços de engenharia não sejam executados conforme o cronograma físico-financeiro originalmente concebido para a contratação devido ao atraso da Administração em providenciar a remuneração da contratada.
Os prejuízos gerados à contratada quando estas situações ocorrem são inequívocos, na medida em que o particular se vê impedido de receber a remuneração que lhe é devida. Com o inadimplemento da obrigação pelo Poder Público, muitas vezes, a contratada é compelida a recorrer ao Poder Judiciário para obter a satisfação da sua pretensão – o que, mesmo em caso de vitória, pode resultar em frustrações face à morosidade do processo e, após a sua conclusão, à demora para a satisfação do crédito, especialmente nos casos em que o montante é inscrito no regime de precatório devidos pela Administração Pública.
Além disso, o evento gera impactos para a própria obra contratada. Na medida em que se assegura ao particular a possibilidade de suspender ou pleitear a rescisão do contrato caso o atraso no pagamento seja superior a 2 (dois) meses – nos termos do art. 137, § 2º, inciso IV, da Lei nº 14.133/2147
–, o inadimplemento da Administração pode provocar a própria descontinuidade da obra. Não há dúvida de que esses impasses gerarão novos ônus, relacionados à necessidade de realizar novas contratações para prosseguir com as obras e os serviços anteriormente iniciados.
Assim, tendo em vista a sua responsabilidade por administrar a execução do orçamento público, o risco de eventuais atrasos nos pagamentos devidos à contratada deve ser alocado à Administração. Não haveria razão lógica para atribuir o risco à empresa contratada, na medida em que esta não detém qualquer controle ou gerenciamento sobre o descumprimento de obrigação contratual imputada à Administração.
47 “Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações: [...] § 2º O contratado terá direito à extinção do contrato nas seguintes hipóteses: [...] IV - atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos”.
Uma forma de mitigação desse risco seria a instituição de contas vinculadas para custear a
execução da obra pública. No Projeto de Lei que originou a Lei nº 14.133/21, o art. 115, § 2º estabelecia que, nas contratações de obras públicas, a ordem de serviço para cada etapa seria precedida pelo depósito em conta vinculada dos recursos necessários para custear as despesas correspondentes. No entanto, o dispositivo foi vetado por recomendação da Controladoria-Geral da União e dos Ministérios de Infraestrutura e da Economia, sob a justificativa de que poderia dificultar remanejamentos financeiros necessários ou o atendimento de demandas urgentes e inesperadas.
28. Alocação do risco de atraso nas medições
O atraso nas medições do cronograma de execução de uma obra pública é um risco que merece atenção especial devido às suas potenciais consequências para todas as partes envolvidas no contrato.
Em contratos de obras públicas, é comum estabelecer um cronograma detalhado para guiar a execução da obra. Esse cronograma serve como referência para a realização de medições periódicas, que são fundamentais para avaliar o progresso e o cumprimento dos prazos estabelecidos.
A importância de realização de medições periódicas é também reconhecida pelo legislador. Nos termos do art. 92, inciso VI da Lei nº 14.133/21, é cláusula necessária de todo e qualquer contrato o estabelecimento dos critérios e da periodicidade das medições a serem realizadas, bem como a definição dos prazos para a sua respectiva liquidação e pagamento. Para as contratações de obras e serviços de engenharia, o § 5º do mesmo artigo impõe a sua realização em periodicidade mensal.
Nesse sentido, para diversas contratações, a medição se torna um pressuposto para o próprio pagamento da contratada pelas parcelas das obras que foram executadas. Isto é, a empresa não receberá a remuneração enquanto a medição não for realizada e devidamente homologada pela Administração. É o que se depreende do art. 46, § 9º, da Lei nº 14.133/21: para os regimes de empreitada por preço global, de empreitada integral, ou de contratação por tarefa, bem como nas modalidades de contratação integrada e semi-integrada, o contrato adotará “sistemática de medição e pagamento associada à execução de etapas do cronograma físico-financeiro vinculadas ao cumprimento de metas de resultado”.
Por essa razão, nessas contratações, não é incomum que a Administração atrase a realização das
medições, com a consequente postergação do reconhecimento do progresso da obra. Esses atrasos podem provocar sérios entraves à contratada, uma vez que, sem medição e comprovação do avanço da obra, não há base para o pagamento.
Riscos ambientais
Os riscos ambientais compõem uma das categorias mais importantes de eventos que devem ser balizados pela Administração Pública nas matrizes contratuais. Em contratações de obras públicas, a execução das atividades pode ser impactada por eventos como (1) atrasos ou impossibilidade de obtenção das licenças ambientais; (2) ações e custos para atendimento de condicionantes ambientais e para gerenciamento de passivos ambientais; (3) disposição ambientalmente inadequada dos resíduos; (4) danos ou impactos à flora e à fauna locais. Esses riscos são detalhadamente explicados a seguir.
29. Alocação do risco de atraso ou impossibilidade de obtenção de licenças ambientais
Uma das principais preocupações atinentes a contratos de obras públicas está na obtenção do licenciamento ambiental necessário à realização do empreendimento.
As licenças ambientais são atos pelos quais os órgãos ambientais permitem a execução de um empreendimento em determinada localidade, estabelecendo eventuais condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser observadas. Nesse sentido, a obtenção prévia das licenças é necessária para assegurar que as obras que serão executadas não geram qualquer espécie de degradação ambiental.
De acordo com a Resolução CONAMA nº 237/97, em regra, a instalação de empreendimentos estará condicionada à obtenção de 3 (três) modalidades de licenças: (1) a licença prévia – que aprova a localização e a concepção da obra; (2) a licença de instalação – que permite a instalação da obra de
acordo com as especificações constantes dos documentos aprovados; e (3) a licença de operação –
que autoriza a entrada em operação do empreendimento realizado, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores.
No âmbito da Lei nº 14.133/21, o tema do licenciamento ambiental assumiu uma importância especial. Uma das principais novidades trazidas pelo legislador consta do art. 25, § 5º, inciso I, da Lei nº 14.133/21: o dispositivo estabelece que o edital poderá prever a responsabilidade da contratada pela obtenção do licenciamento ambiental. Isto é, a depender das particularidades da contratação, as obrigações e as providências relacionadas à obtenção das licenças serão incumbências do particular.
Essa possibilidade se reforça, especialmente, para contratos que adotam o regime de contratação integrada e semi-integrada, nos quais o particular dispõe de maior liberdade na concepção técnica da obra que será executada. Na medida em que, nessas modalidades de contratação, o conteúdo dos projetos de engenharia é imprescindível à emissão da licença ambiental de instalação e à estipulação de eventuais condicionantes, há maior sentido em se atribuir tal responsabilidade à contratada. Essa possibilidade também foi recentemente reforçada pelo TCU.48
Ocorre que, no curso de um processo de licenciamento ambiental, uma série de circunstâncias podem afetar ou impedir a execução da obra. A morosidade dos órgãos ambientais competentes em emitir as licenças solicitadas, por exemplo, pode provocar atrasos no cronograma físico-financeiro e exigir a postergação da entrega da obra à Administração. Por sua vez, particularidades na área em que se pretende implantar a obra podem impedir o seu licenciamento, impossibilitando a continuidade do contrato.
Tendo isso em vista, é fundamental que os riscos relativos ao atraso ou à impossibilidade de obtenção de licenças ambientais sejam previamente equacionados na matriz de riscos do contrato. Assim, com o objetivo de atender à premissa de eficiência na alocação do risco, recomenda-se que o atraso ou a impossibilidade de obtenção das licenças ambientais necessárias à execução da obra seja alocado como risco da Administração, sempre que o evento não for imputável à contratada. Ademais,
48 Ao proferir o Acórdão nº 1.912/2023, o TCU concluiu que “É possível, no regime de contratação integrada da Lei 12.462/2011 (RDC) , a transferência do licenciamento ambiental ao contratado, não apenas pela superveniência da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos), a qual admite a atribuição do licenciamento ambiental ao particular (art. 25, § 5º, inciso I), mas também para compatibilizar o emprego da contratação integrada com o referido licenciamento”. TCU, Xxxxxxxx, Acórdão nº 1.912/2023, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, julgado em 13.09.2023.
recomenda-se que essa atribuição seja observada ainda que as providências relativas à obtenção do
licenciamento tenham sido atribuídas à responsabilidade da contratada, como faculta o art. 25, § 5º, inciso I, da Lei nº 14.133/21.
No âmbito do processo de licenciamento, há circunstâncias em que o atraso ou a impossibilidade de obter a licença resulta de eventos que não poderiam ser prevenidos pela contratada. A própria morosidade do órgão licenciador, mencionada anteriormente, é um exemplo disso. Nesses casos, não faria sentido alocar o risco integralmente à contratada, por se tratar de eventos alheios ao seu controle e que não poderiam ter sido por ela precificados à época da licitação.
Por fim, é importante ressaltar que, caso o atraso ou a impossibilidade de obter a licença ambiental decorra de atos, fatos ou omissões imputáveis à contratada, o risco não deve ser alocado à Administração Pública. É o que acontece, por exemplo, quando o atraso na emissão da licença é fruto da falta de informações ou de documentos que deveriam ter sido disponibilizados pelo particular. Nessa hipótese, o risco deve ser atribuído a este, e não ao Poder Público, razão pela qual eventuais prejuízos advindos da demora do órgão ambiental –não poderão ser objeto de reequilíbrio econômico- financeiro em favor da contratada.
30. Alocação do risco de necessidade de alterações no escopo contratual em decorrência do processo de licenciamento ambiental
A execução de um contrato de obra pública também pode sofrer impactos pela necessidade de alterações no escopo contratual decorrentes do processo de licenciamento.
Nos termos da Lei nº 14.133/21, sempre que a responsabilidade pela obtenção dos licenciamentos ambientais for da Administração Pública, a licença prévia deverá ser obtida antes da divulgação do edital de licitação para contratar a obra. É o que se encontra expressamente previsto em seu art. 115, § 4º. No entanto, há uma série de outras circunstâncias em que as licenças serão obtidas apenas após a assinatura do contrato, como, por exemplo: (1) a licença de instalação, que será emitida a partir do projeto básico e executivo elaborado pela Administração; ou (2) em contratações integradas e semi-integradas, nas quais usualmente se atribui ao particular a responsabilidade pela adoção das providências necessárias à obtenção de todas as licenças.
Nessas hipóteses, é possível que o órgão ambiental solicite adequações que exijam uma
alteração no escopo contratual original, a exemplo de modificações na dimensão do empreendimento ou alterações em aspectos técnicos estruturais da obra. Trata-se de adequações com o potencial de onerar os custos da contratada para a realização das atividades e que não haviam sido previstas quando da licitação.
Considerando que eventos desta ordem não contam com seguros disponíveis no mercado para a sua prevenção, nem poderiam ser gerenciados pela contratada, é recomendável que os riscos de alterações do escopo do contrato administrativo em decorrência do processo de licenciamento ambiental sejam expressamente atribuídos à responsabilidade da Administração. A medida tende a conferir maior segurança ao particular contratado, de forma a não arcar com os prejuízos gerados com a oneração dos seus custos.
31. Alocação do risco de ações e custos para atendimento de condicionantes ambientais e para gerenciamento do passivo ambiental
Durante o processo de licenciamento de uma obra pública, o órgão competente pode estipular condicionantes a serem cumpridas pelos responsáveis pela sua execução, como requisitos para obtenção ou de manutenção das licenças ambientais. Essas condicionantes reúnem medidas impostas pelo órgão licenciador para evitar, mitigar ou compensar impactos ambientais negativos que possam resultar da execução da obra – como a degradação da área em que ela será realizada.
Como consequência, a estipulação de condicionantes ambientais pode impor ônus aos responsáveis pelo desenvolvimento do empreendimento, a partir dos encargos exigidos para manter a licença ambiental em vigor. Por essa razão, a elaboração dos contratos de obras públicas deve estar atenta à distribuição dos riscos relacionados a esses eventos, com o objetivo de ampliar a eficiência da contratação.
Nas hipóteses em que as condicionantes ambientais tenham sido previamente informadas durante o processo licitatório – isto é, as licenças ambientais e suas respectivas condicionantes tenham sido previamente obtidas pela Administração e disponibilizadas como anexos ao respectivo edital de licitação –, recomenda-se que eventuais custos e ações para o seu atendimento sejam
previamente alocados como riscos da contratada. Sob essas circunstâncias, a contratada tem a
possibilidade de considerar os dispêndios necessários ao cumprimento das condicionantes em suas propostas econômicas.
Por sua vez, para os casos em que o órgão ambiental estipule novas condicionantes ambientais após a assinatura do contrato, sugere-se alocação distinta: para essas situações, recomenda-se a prévia alocação do risco à Administração contratante. Isso porque a exigência de novas medidas mitigadoras ou compensatórias que não tenham sido previamente informadas durante o processo licitatório não poderia ser acautelada ou levada em consideração pelo particular durante a formulação de sua proposta econômica. Assim, por se tratar de um evento, em princípio, não gerenciável, as boas práticas recomendam que o risco seja atribuído à Administração.
Há, ainda, uma particularidade que deve ser observada para contratos que adotem o regime de contratação integrada e semi-integrada. Nessas contratações, projetos de engenharia elaborados pelo particular deverão ser submetidos à avaliação do órgão licenciador competente para emissão da licença de instalação, que poderá conter condicionantes ambientais a partir da concepção técnica elaborada pela contratada.
Por essa razão, dadas as particularidades desses regimes de contratação, a matriz proposta por este Guia sugere que os riscos de ações e custos para o atendimento de condicionantes ambientais decorrentes exclusivamente de opções realizadas pela contratada na elaboração do projeto básico ou do projeto executivo devem estar alocados sob a sua responsabilidade. A sugestão se justifica porque o particular detém melhores condições para gerenciar o evento, visto que dispõe de maior liberdade para definir a concepção técnica da obra que será executada. Ressalta-se, porém, que não está alocada à contratada o risco de novas condicionantes que decorram de fatores a ela não imputáveis – como, por exemplo, alterações na interpretação do órgão ambiental sobre o processo. Nesses casos, o risco deve ser previamente atribuído à Administração.
Por fim, a matriz de riscos proposta por este Guia também recomenda que eventuais ações e custos necessários ao gerenciamento de passivos ambientais nas áreas e nos bens transferidos à contratada para execução da obra que não tenham sido informados durante a licitação sejam riscos alocados à Administração contratante.
À luz da alocação sugerida, na hipótese em que o local de realização da obra tenha
experimentado danos ou impactos ambientais anteriores que exijam remediação pela nova empresa contratada – a exemplo da recuperação de áreas contaminadas ou degradadas, ou da imposição de medidas de reflorestamento –, deve-se averiguar se os documentos licitatórios contemplavam informações sobre o passivo ambiental existente e a responsabilidade da contratada pelo seu gerenciamento. Caso os documentos licitatórios não tragam qualquer disciplina a respeito do tema, a Administração deverá arcar com os custos do gerenciamento do passivo. Por sua vez, na hipótese em que a remediação do passivo ambiental tenha sido previamente considerada como obrigação da contratada, o particular deverá assumir o referido risco.
32. Alocação do risco de disposição ambientalmente inadequada dos resíduos
O descarte e a disposição ambientalmente inadequados de resíduos sólidos e perigosos gerados durante a execução de obras configuram um problema grave e de grande relevância, acarretando diversos impactos negativos ao meio ambiente, à saúde pública e à economia. Para uma gestão eficaz deste risco, é fundamental seu endereçamento na matriz de riscos dos contratos de obras públicas.
Sua materialização ocorre, normalmente, por: (1) descarte inadequado de resíduos em aterros clandestinos, depósitos ilegais e em locais impróprios, não sujeitos a medidas de segurança ambiental adequadas; (2) queima ao ar livre de resíduos, a qual libera gases poluentes e tóxicos na atmosfera, causando danos à qualidade do ar e à saúde da população; (3) lançamento de produtos (sólidos ou líquidos) perigosos em cursos d'água, afetando a fauna e a flora aquáticas e podendo comprometer a qualidade da água para consumo humano e irrigação.
Em tais hipóteses, este Guia recomenda a alocação do risco à contratada, principalmente considerando que sua eventual materialização decorreria da execução da obra em si, cuja responsabilidade é, por óbvio, do próprio particular. Em outras palavras, uma vez que a produção ou utilização de resíduos perigosos decorre da execução da própria obra, deve ser da contratada a responsabilidade pela sua destinação final adequada.
Nesse sentido, deve ser da empresa contratada a responsabilidade de mitigar e prevenir a materialização do risco a partir das medidas adequadas, como, por exemplo, a elaboração e
implementação de Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS) e Plano de Gerenciamento de
Resíduos Perigosos (PGRSP), os quais encaminhem, de forma correta, a coleta, segregação, transporte, armazenamento, tratamento e disposição final dos resíduos gerados durante a obra.
33. Alocação dos riscos de danos ou impactos na flora e na fauna
Outra espécie de risco ambiental que também deve ser tratada pela matriz de riscos de contratos de obras públicas diz respeito aos danos ou impactos na flora e fauna em locais adjacentes à execução de obras públicas. Trata-se de risco de grande repercussão ambiental, na medida em que a construção de obras públicas, principalmente aquelas relacionadas à infraestrutura – como rodovias, barragens, usinas hidrelétricas, entre outras –, pode gerar impactos negativos à biodiversidade local, afetando habitats naturais, espécies vegetais e animais, além de comprometer a qualidade de vida das comunidades locais.
Danos à flora e fauna podem se manifestar de diversas formas, entre as quais se destacam: (1) o desmatamento; (2) a degradação do solo; (3) a poluição; e (4) o impacto na biodiversidade local, tanto pela morte de animais e plantas durante a execução das obras quanto pela proliferação de espécies invasoras, causando desequilíbrios ecológicos em face às espécies nativas.
Também quanto a este risco, a sugestão deste Guia é de alocar a responsabilidade à contratada, na medida em que é ela que detém as melhores condições de equacioná-lo e gerenciá-lo, na qualidade de responsável direta pela execução das obras. Nesse sentido, eventuais externalidades negativas relacionadas exclusivamente à contratada, cuja execução venha a causar danos ambientais à fauna e flora local, devem ser por ela mitigadas e prevenidas, mediante a adoção de uma gestão ambiental eficiente, do monitoramento dos eventuais impactos e das demais medidas de compensação ambiental.
34. Alocação dos riscos de contaminação da área
A possibilidade de contaminação da área ou do local de execução da obra em contratos de obras
públicas também é risco que deve ser endereçado pela matriz de risco contratual, principalmente quando decorrente de fato ou ato de responsabilidade de terceiro, alheio à contratação.
A contaminação pode se manifestar de diversas formas, incluindo a contaminação do solo e da água, por meio de materiais perigosos, combustíveis, produtos químicos, resíduos de construção e demolição (RC&D), agrotóxicos, entre outros, bem como a contaminação do ar – materializada na emissão de poeiras, gases e vapores tóxicos.
Em se tratando de contaminação causada por terceiros, escapando da esfera gerencial e da responsabilidade da contratada quanto à proteção e preservação da área e do canteiro de obra, sugere- se a alocação deste risco à Administração Pública. É ela quem detém melhores condições de gerenciar e mitigar a possibilidade de sua ocorrência, a partir de políticas de prevenção e da fiscalização ambiental. Ademais, adotando-se o critério norteador a cuja aplicação este Guia se propõe, trata-se de rico cuja atribuição à contratada não se mostra razoável, uma vez que extrapola sua esfera de gerenciamento e controle.
Riscos trabalhistas
35. Alocação de riscos sobre a jornada de trabalho
A matriz de riscos dos contratos de obras públicas deve incluir os riscos relacionados à jornada de trabalho na área de execução das obras, a fim de mitigar os impactos negativos e garantir a execução segura e eficiente do projeto.
Este risco, portanto, se relaciona à possibilidade do cumprimento da jornada de trabalho necessária à execução da obra, desde que delimitada a partir das informações disponibilizadas previamente no Edital de Licitação e em seus respectivos anexos, bem como ausentes as restrições supervenientes e imprevisíveis à jornada de trabalho.
36. Alocação de riscos de acidentes de trabalho
O risco de materialização de acidentes ou incidentes de trabalho ocorridos na área de execução das obras, por razões imputáveis à parte contratada, também deve ser levado em consideração pelas matrizes dos contratos de obras públicas.
Esse risco envolve a possibilidade de ocorrerem eventos durante a realização da obra, dos quais resultem danos à integridade dos colaboradores, custos adicionais para a empresa contratada e possíveis ações judiciais. Podem ser divididos entre riscos físicos (desmoronamentos, quedas de objetos de altura, acidentes envolvendo eletricidade, contato com máquinas e ferramentas, ruídos e vibrações excessivos, entre outros), riscos ergonômicos (levantamento de peso excessivo, repetição de movimentos excessiva, ausência de pausas para descanso), riscos psicossociais (estresse, ansiedade, depressão, problemas de sono, agressões físicas e verbais, assédio moral e sexual), além de riscos ambientais (poluição do ar, água ou contaminação por produtos químicos).
A alocação desse risco deve recair sobre a contratada, pois o art. 120 da Lei nº 14.133/2021, já mencionado em outras passagens deste Guia, prevê a responsabilidade da contratada pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em razão da execução do contrato – o que inclui seus funcionários e contratados.
37. Alocação do risco de greves ou paralisações
O risco de greves ou paralisações se refere à probabilidade de que a execução de uma obra pública seja impactada por interrupções no trabalho causadas por greves, paralisações ou outras ações reivindicatórias. Tais greves ou paralisações podem ter motivações diversas, como reivindicações salariais, melhores condições de trabalho, protestos contra medidas governamentais, dentre outros aspectos.
Nesse sentido, o evento compreende não somente greves deflagradas por funcionários da própria empresa contratada ou por colaboradores de seus fornecedores, subcontratados ou terceirizados, mas também abrange eventuais manifestações realizadas por razões não relacionadas a questões trabalhistas – como, por exemplo, paralisações promovidas por movimentos sociais.
Os impactos da materialização desse risco são diversos: geram desde atrasos na execução da obra, com interrupção das atividades, até o aumento dos seus custos, em função do pagamento de horas extras para recuperação do tempo não trabalhado em função do evento grevista.
A sugestão da alocação desse risco em matriz de contratos de obras públicas é de que haja um compartilhamento entre a empresa contratada e a Administração. Nesse sentido, deverá ser alocado ao particular o risco de greves, paralisações ou manifestações de seus trabalhadores, ou de colaboradores de seus subcontratados, fornecedores e terceirizados, quando tais eventos forem motivados por demandas direcionadas à contratada, exceto quando consideradas ilegais pelo Poder Judiciário. Isto é, tratando-se de paralisação por aspecto não relacionado à empresa contratada – como, por exemplo, demandas por melhores condições gerais de trabalho nos canteiros de obras – ou de greve que tenha sido declarada como ilegal por decisão judicial, o risco deverá ser alocado à Administração.
É interessante pontuar que a repartição do risco de greve e paralisações nos termos sugeridos encontra respaldo na matriz de risco proposta pela Norma de Referência nº 5/2024 da ANA, que trata da alocação de riscos em contratos de prestação de serviços de saneamento básico. Na referida normativa, a entidade também sugere que sejam atribuídos como risco da contratada apenas as greves, manifestações e paralisações deflagradas por demandas direcionadas à empresa prestadora.
Proposta de Matriz de Riscos para Contratos de Obra Pública
Riscos técnicos ou de engenharia | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Projeto de Engenharia | Falhas, omissões, imprecisões, desconformidades ou insuficiências em projetos de engenharia elaborados pela Administração Pública em quaisquer regimes de execução. | Administração |
Falhas, omissões, imprecisões, desconformidades ou insuficiências em projeto básico ou executivo elaborados pela contratada. | Contratada | |
Falhas, omissões, imprecisões, inconformidades ou insuficiências em anteprojetos de engenharia, em contratações sob o regime de contratação integrada. | Administração | |
Atraso na aprovação dos projetos de engenharia elaborados pela contratada em contratações integradas ou semi- integradas. | Administração | |
Desapropriação e Liberação de Áreas | Atraso ou demora na emissão da declaração de utilidade pública, de necessidade social ou de interesse social necessária ao processo de desapropriação da área de execução da obra. | Administração |
Atraso ou demora na liberação da área, local ou objeto necessário à execução da obra, e de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido a: (i) atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato à Administração relacionadas a desapropriações, à desocupação de áreas públicas ou ao licenciamento ambiental; (ii) necessidade de execução prévia de serviço a cargo da Administração ou de terceiro por ela contratado; (iii) morosidade do Poder Judiciário em relação à prática de atos relacionados ao processo de desapropriação de bem abrangido na execução da obra que não sejam imputáveis à contratada; (iv) morosidade dos orgãos públicos responsáveis pelas liberações necessárias à execução da obra, que fuja ao tempo padrão de análise e de tramitação dos processos sob a responsabilidade da contratada. | Administração | |
Diferença entre a estimativa do valor a ser pago a título de indenização pela desapropriação da área necessária à execução da obra e o custo efetivamente incorrido. | Administração | |
Atraso ou não obtenção da desocupação de áreas invadidas ou já desapropriadas para a execução das obras. | Administração | |
Danos | Ocorrência de danos ao canteiro de obras por fatos exclusivamente imputáveis à contratada. | Contratada |
Ocorrência de acidentes ou danos diretamente à Administração ou a terceiros em decorrência da execução da obra por fatos exclusivamente imputáveis à contratada. | Contratada | |
Danos causados pela Contratada, por seus empregados, prepostos, terceirizados ou empresas subcontratadas, decorrentes da execução da obra públicas. | Contratada | |
Vícios | Vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução da obra ou de materiais nela empregados por razões imputáveis à contratada. | Contratada |
Vícios ou defeitos ocultos na infraestrutura ou na área transferida à Contratada para a execução da obra. | Administração | |
Roubo, furto, vandalismo | Prejuízos causados por roubos, furtos, perecimento, vandalismos, extravios ou perdas no local da obra, canteiro de obras, frentes de serviço ou equipamentos, por omissão da contratada em adotar medidas usualmente empregadas para promover a segurança da área, até a entrega oficial do objeto contratado. | Contratada |
Interferências | Interferências subterrâneas em área, objeto ou local de execução da obra que não tenham sido previamente identificadas nas informações disponibilizadas à contratada nos documentos licitatórios e todas as consequências a elas relacionadas, inclusive ônus, custos e prazos, decorrentes da necessidade de remoção ou deslocamento. | Administração |
Para as hipóteses em que a contratada seja responsável pela elaboração do projeto básico (contratação integrada), interferências subterrâneas em área, objeto e/ou local de execução da obra identificáveis ou detectáveis por técnicas usualmente utilizadas em serviços de sondagem. | Contratada | |
Interferências de concessionária de serviço público ou de órgãos públicos na execução das obrigações da contratada, por razões a ela não imputáveis. | Administração | |
Interferências com prestadores de serviços públicos em área, objeto ou local de execução da obra que não tenham sido previamente identificadas nas informações disponibilizadas à contratada nos documentos licitatórios e todas as consequências a elas relacionadas, inclusive ônus, custos e prazos, decorrentes da necessidade de remoção ou deslocamento. | Administração | |
Geologia e Geotecnia | Falhas, omissões, imprecisões, desconformidades ou insuficiências das informações geológicas da área em que a obra será executada, disponibilizadas nos documentos licitatórios, que impliquem custos, encargos ou despesas à contratada. | Administração |
Lençol freático em condições diversas daquelas consideradas nas informações disponibilizadas nos documentos licitatórios | Administração |
ou necessidade de complementação do sistema de drenagem previsto. | ||
Alteração das fundações, como comprimento, engastamento e tipo de fundação devido a alterações na área ou no local de execução da obra que não tenham sido previamente identificadas nos documentos licitatórios | Administração | |
Arqueologia | Atraso ou paralisação da execução da obra, ou impactos e alterações nos custos da contratada por identificação de vestígios arqueológicos, históricos ou culturais. | Administração |
Atraso ou paralisação da execução da obra, ou impactos e alterações nos custos da contratada por interferência dos órgãos de proteção ao patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural. | Administração | |
Condições Climáticas | Ocorrência de condições climáticas que interfiram na execução da obra, cuja intensidade, duração e quantidade sejam inferiores ao valor máximo de precipitação com tempo de recorrência pré-definido no contrato. | Contratada |
Ocorrência de condições climáticas que interfiram na execução da obra, cuja intensidade, duração e quantidade seja superior ao valor máximo de precipitação com tempo de recorrência pré-definido no contrato. | Administração | |
Danos gerados ao canteiro de obras ou a terceiros em decorrência de alagamentos, incêndios, tremores de terra, vendavais ou de outros eventos climáticos e meteorológicos inevitáveis pelo dever esperado da contratada de proteção e preservação da área e do canteiro de obras. | Administração | |
Riscos econômico-financeiros | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Insumos | Variação individualizada no preço de insumo integrante da estrutura de custos do contrato, em patamar superior a [•]% (• por cento) para além da variação do reajustamento previsto contratualmente, havida a partir da apresentação da proposta no âmbito da licitação. | Administração |
Desempenho | Não atendimento dos parâmetros de qualidade previstos para a obra ou atraso no cumprimento do cronograma físico- financeiro por razões exclusivamente relacionadas ao desempenho insuficiente da contratada. | Contratada |
Prejuízos decorrentes de falhas, omissões ou erros na execução da obra pública por razões exclusivamente relacionadas ao desempenho insuficiente da contratada. | Contratada | |
Desgaste precoce nos materiais empregados pela contratada na execução da obra. | Contratada | |
Utilidades essenciais | Indisponibilidade de utilidades essenciais fornecidas por prestadoras de serviços públicos - como água e energia | Administração |
elétrica - que afete a execução dos serviços e que se dê por tempo superior a um número de horas definido no contrato, por razões não imputáveis à contratada. | ||
Seguros e Garantias | Atraso ou impossibilidade de contratação dos seguros e garantias obrigatórios, ou contratação em inobservância aos prazos, aos limites e às regras estabelecidas em contrato por fatores imputáveis à contratada. | Contratada |
Riscos jurídicos | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Regulação | Alterações na legislação, em regulamentos ou em outras normas aplicáveis ao contrato, bem como restrições regulatórias e administrativas que alterem os custos necessários à execução da obra. | Administração |
Decisões administrativas, judiciais ou arbitrais que impeçam ou determinem a suspensão da execução da obra pública por fatos não imputáveis à contratada. | Administração | |
Tributação | Criação ou variação no custo de quaisquer tributos ou encargos legais supervenientemente à celebração do contrato, com repercussão sobre os preços contratados. | Administração |
Licenças, autorizações e alvarás | Xxxxxx ou não obtenção de licenças, alvarás ou autorizações necessárias à execução das obras por razões não imputáveis à contratada. | Administração |
Atraso ou não obtenção de licenças, alvarás ou autorizações necessárias à execução das obras por razões exclusivamente imputáveis à contratada. | Contratada | |
Riscos extraordinários | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Caso Fortuito ou Força Maior | Materialização de evento extraordinário, imprevisível ou de consequências incalculáveis, que impeça ou dificulte a execução da obra nos termos originalmente contratados. | Administração |
Pandemia | Atraso ou impossibilidade de execução ou continuidade das obras em decorrência de efeitos ou impactos impostos por pandemia. | Administração |
Alterações sobre os custos necessários à execução da obra pública decorrentes de efeitos ou impactos impostos por pandemia. | Administração | |
Riscos administrativos | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Alteração Unilateral | Modificações no projeto, na concepção ou na metodologia de execução da obra, bem como acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto por determinação unilateral da Administração Pública. | Administração |
Obras do Poder Público | Atraso ou inexecução de parcelas de obras sob a responsabilidade da Administração Pública. | Administração |
Pagamento | Inadimplemento ou atraso nos pagamentos devidos pela Administração Pública à contratada. | Administração |
Medições | Atraso nas medições do cronograma de execução da obra pública. | Administração |
Riscos ambientais | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Licenças, condicionantes e passivos ambientais | Atraso ou impossibilidade de obtenção das licenças ambientais necessárias à execução da obra por fatores não imputáveis à contratada, inclusive devido à morosidade do órgão ambiental competente ou por falha da Administração no fornecimento de informações e documentos sob seu encargo, ainda que a obtenção do licenciamento esteja sob a responsabilidade da contratada. | Administração |
Necessidade de alterações do escopo contratual em decorrência do processo de licenciamento ambiental. | Administração | |
Ações e custos para o atendimento de eventuais condicionantes ambientais das licenças existentes ou informadas à contratada nos documentos licitatórios. | Contratada | |
Ações e custos para o atendimento de novas condicionantes exigidas pelo órgão ambiental durante a execução da obra, ou que não tenham sido informadas à contratada nos documentos licitatórios. | Administração | |
Ações e custos para o atendimento de condicionantes de licenças ambientais decorrentes exclusivamente de opções realizadas pela contratada na elaboração de projeto básico ou executivo em contratações integradas e semi-integradas. | Contratada | |
Ações e custos para o gerenciamento de passivos ambientais na área e nos bens transferidos à contratada para a execução da obra pública que não foram previamente informados à contratada nos documentos licitatórios. | Administração | |
Disposição de Resíduos | Descarte e disposição ambientalmente inadequados dos resíduos sólidos e de resíduos perigosos gerados durante a execução da obra. | Contratada |
Flora e Fauna | Danos ou impactos na flora e na fauna em locais adjacentes à execução da obra, ocasionados por fatores exclusivamente imputáveis à contratada. | Contratada |
Riscos trabalhistas | ||
Tema | Descrição do Risco | Alocação sugerida |
Jornada de Trabalho | Cumprimento da jornada de trabalho necessária à execução da obra que tenha sido previamente informada à contratada no Edital de Licitação e em seus respectivos anexos. | Contratada |
Restrições supervenientes à jornada de trabalho decorrentes de normas legislativas ou regulamentares, e/ou de imposições da Administração Pública durante a execução das obras. | Administração | |
Acidentes de Trabalho | Incidentes ou acidentes de trabalho ocorridos na área de execução das obras por razões imputáveis à contratada. | Contratada |
Greves, manifestações e paralisações | Ocorrência de greves, paralisações ou manifestações de funcionários da contratada, de seus fornecedores, subcontratadas ou terceirizados que afetem a execução da obra ou a prestação dos serviços, quando tais eventos forem motivados por demandas daqueles direcionadas à contratada, exceto quando consideradas ilegais pelo Poder Judiciário. | Contratada |
Ocorrência de greves, paralisações ou manifestações, gerais ou locais, que afetem a execução da obra ou a prestação dos serviços, quando tais eventos não forem motivados por demandas direcionadas à contratada. | Administração |