TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL
Acórdão
Processo
669/20.0T8FNC-B.L1-6
Data do documento
6 de maio de 2021
Relator
Xxxx Xxxxx Xxxxxxx
DESCRITORES
Exigibilidade da obrigação > Fiador > Interpelação admonitória > Contrato de mútuo > Escritura pública
SUMÁRIO
Não é condição necessária à exigibilidade da obrigação exequenda, a interpelação extrajudicial dos embargantes, que intervieram na escritura pública de mútuo, não apenas por si e enquanto fiadores, mas também enquanto legais representantes da sociedade mutuária, tendo por isso conhecimento do momento do vencimento da obrigação e, mais, do seu incumprimento.
TEXTO INTEGRAL
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Por apenso à execução que A move contra, no que ora releva, B e C, deduziram estes últimos os presentes EMBARGOS DE EXECUTADO, invocando, para tanto, em síntese, por um lado, que a obrigação
exequenda é inexigível por carecer de interpelação extrajudicial, e, por outro, que a exequente obstou à celebração de contratos de venda de bens hipotecados por não ter curado de distratar os bens em causa.
Os embargos foram recebidos e o(a) exequente regularmente notificado(a) para contestar, pugnou pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador no qual se enunciou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova, que não foi objecto de qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que, com data de 18/1/2021, foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
Em face de tudo quanto ficou exposto, julgo IMPROCEDENTES os presentes embargos de executado e, em consequência, os autos principais de execução devem prosseguir.
*
Inconformados, os embargantes interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos pelos aqui Recorrentes.
No entender dos Recorrentes, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito na sentença recorrida, uma vez que:
A. através dos factos dados como provados n.°s 9 e 10, ficou demonstrado que os Recorrentes não receberam as cartas de interpelação alegadamente enviadas;
B. ficou provado que a carta de interpelação enviada ao Recorrente B foi recebida por um terceiro;
C. ficou comprovado que a carta de interpelação remetida ao Recorrente C, foi enviada para uma morada incorreta (factos assentes 6 e 8) e foi devolvida ao próprio Banco Recorrido (facto assente 9);
D. as cartas de interpelação alegadamente enviadas não cumprem com os requisitos legais da chamada interpelação admonitória;
E. para que a Executada incorresse em incumprimento definitivo e legitimasse a resolução do contrato, impunha-se que a Recorrida convertesse a mora em incumprimento definitivo, lançando mãos, corretamente, da interpelação admonitória;
F. ficou demonstrado que não houve nenhuma efetiva resolução contratual no caso concreto em relação aos ora Recorrentes;
G. analisada a prova, designadamente, o Doc. 20 do requerimento executivo, verifica-se que as cartas de resolução contratual alegadamente enviadas pela Recorrida não foram recebidas pelos ora Recorrentes;
X. ficou provado que os avisos de receção das cartas de resolução, juntos aos autos pela Exequente, não se encontram assinados;
I. “Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por xxxxxxxx, abrangido pela al. C) do n° 2 do artigo 550.° do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta - ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (art. 224.° do CC)."
J. o vencimento das prestações a que se refere o artigo 781.° do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da
obrigação;
K. o vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor;
L. a resolução, enquanto declaração reptícia ou recipienda, que é aquela que carece de ser dada a conhecer ao destinatário - à luz do disposto no artigo 224.° do Código Civil, é apenas eficaz nos casos seguintes: (i) quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (n.° 1 do citado normativo); (ii) quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (n.
°2);
M. quando se pretenda dar à execução contrato de mutuo garantido por xxxxxxxx, abrangido pela al. c) do n.° 3 do art. 550.° do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efetivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta;
N. a citação não pode operar a resolução contratual porquanto antes da citação foram já praticados atos no processo executivo, designadamente penhoras sobre o património da Executada;
O. pese embora demonstrada a circunstância objectiva do incumprimento das obrigações pelos Recorrentes, a Exequente/Recorrida teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução;
P. só com o exercício do direito potestativo, a efetuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível;
Q. faltando a resolução extrajudicial prévia e não podendo a citação
para a presente ação executiva constituir fundamento para a resolução contratual, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda;
R. o Tribunal a quo errou ao considerar que, encontrando-se o contrato totalmente vencido à data da instauração da execução, os executados não careciam de ser interpelados extrajudicialmente para que a dívida se considerasse exigível;
S. ficou demonstrado que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada.
*
A embargada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
A. Ao contrário do que afirmam os Recorrentes, a sentença posta em crise não enferma de qualquer erro de julgamento, não sofrendo a mesma de qualquer vício que lhe possa ser assacado.
B. O tribunal a quo fixou como questões a decidir nos autos as seguintes:
1° - Se a obrigação exequenda carecia de interpelação extrajudicial;
2° - Se o exequente se recusou de forma inadmissível a distratar fração hipotecada, inviabilizando, desse modo, o negócio de venda.
C. Da matéria dada como assente e da fundamentação de direito da sentença posta em crise entendeu o Tribunal Recorrido em resposta à primeira questão a decidir, que a obrigação exequenda não carecia de interpelação extrajudicial.
D. Entendeu o Tribunal recorrido e bem, que à data da instauração da execução o contrato já se encontrava totalmente vencido, pelo que para que a dívida se considerasse exigível não careciam os executados de ser interpelados extrajudicialmente.
E. Entendeu também que volvidos três anos do contrato a quantia exequenda venceu-se automaticamente na íntegra por se tratar de obrigação a prazo certo, razão pela qual o conteúdo da interpelação extrajudicial também não releva para os autos.
F. Decidiu ainda o tribunal recorrido que volvido o prazo para cumprir o contrato, sem que o mesmo estivesse cumprido, o exequente aqui recorrida poderia logo instaurar a execução, sem carecer que fosse fixado qualquer prazo suplementar e razoável para cumprir.
G. Isto porque, resultou provado nos autos que o contrato dado à execução atingiu o seu termo em 04.12.2016 e os Recorrentes não puseram em causa tal facto nos autos de embargos, da mesma forma que não o põem em causa com o presente recurso.
H. Antes fazendo assentar a sua tese num erro que será insanável, que se traduz em afirmar que a Xxxxxxxxx não levou a cabo uma interpelação admonitória de forma cabal e que por esse motivo o contrato de mútuo executado, não foi validamente resolvido.
I. Daí decorrendo em consequência a inexigibilidade da quantia exequenda.
J. Ora, nos termos em que o âmbito do recurso foi delimitado pelos Recorrentes, a interpelação admonitória terá que ser necessariamente aquela que perante a mora ou o atraso no cumprimento, transforma esta mora em incumprimento definitivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 808° do CC.
K. Resultando da argumentação dos Recorrentes que para que a interpelação admonitória fosse exigível de ser levada a cabo - só assim se admitindo discutir a sua idoneidade (ou inidoneidade) - o contrato dado à execução teria que estar em condições de ser validamente resolvido.
L. Sucede que como resultou demonstrado nos autos, não obstante a
mutuária Sociedade ter deixado de cumprir com as obrigações decorrentes do mesmo em 02.12.2015, o contrato atingiu o seu termo passado um ano, a 04.02.2016.
M. De realçar será, que a resolução ocorre quando o contrato se encontra em plena vigência, levada a cabo por uma das partes que perante o incumprimento das obrigações que dele decorrem pretende pôr-lhe fim.
N. E sublinha-se a palavra vigência para esclarecer mais uma vez o que já se repetiu à saciedade, que o contrato em causa não foi resolvido porque chegou ao seu termo, pelo decurso do tempo.
O. Consequentemente, já não estava em vigor, ou seja, já tinha decorrido a totalidade do tempo em que o mesmo devia vigorar, pese embora se encontrem em dívidas as obrigações decorrentes do mesmo por não pagas.
P. Tal foi também o entendimento do Tribunal recorrido quando em sede de fundamentação da sentença posta em crise refere que volvidos três anos do contrato, a quantia exequenda venceu-se automaticamente na íntegra por se tratar de obrigação com prazo certo.
Q. Decidindo, em consequência e bem, que o conteúdo da interpelação extrajudicial também não releva para os autos e que volvido o prazo para cumprir o contrato, sem que o mesmo estivesse cumprido, o exequente poderia logo instaurar a execução sem carecer que fosse fixado qualquer prazo suplementar e razoável para cumprir.
R. Como tal, todo o expendido pelos Recorrentes quanto à falta de resolução do contrato e à inadequação da interpelação que foi efetuada caem por terra, por não terem qualquer correspondência com a realidade, nem com o que decorre da lei.
S. É entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que nos
contratos em que foi estabelecido prazo essencial para o cumprimento da prestação, o simples decurso deste sem que a mesma tenha sido cumprida dá azo ao incumprimento definitivo e sequente resolução, sem necessidade de interpelação admonitória para o cumprimento da prestação.
T. Está assente e foi dado como provado que o contrato de mútuo dado à execução está integralmente vencido e que as obrigações decorrentes do mesmo subsistem para os Recorrentes, na qualidade em que se obrigaram.
U. Sendo nesse pressuposto que o Tribunal recorrido considerou irrelevantes as cartas dirigidas aos Recorrentes, reitera-se, sem que qualquer vício lhe possa ser apontado, e nessa sequência, outra conclusão não poderia ser retirada dos factos 8, 9 e 10 da matéria dada como assente.
V. Ademais, os Recorrentes não lograram afastar o incumprimento do contrato dado à execução, nem carrearam para os autos factos que afastem que o mesmo chegou ao seu termo pelo decurso do tempo, sendo essa razão pela qual estão automática e integralmente vencidas as obrigações dele decorrentes.
W. E essa a razão pela qual não haverá lugar a interpelação admonitória, nos termos e para os efeitos do disposto no já mencionado artigo 808°, n° 1 do CC.
X. Sabiam os Recorrentes que os montantes apurados a título de capital e juros em dívida no termo do contrato em causa deveriam ter sido pagos, e não o fizeram.
Y. Estando integralmente vencidas as obrigações decorrentes do contrato à Recorrente, munida de título executivo válido, era legítimo intentar a ação executiva para pagamento do seu crédito, nos termos em que o fez.
Z. Assim sendo, a sentença recorrida, ao decidir pela improcedência dos Embargos não contém qualquer erro de julgamento, pelo que à mesma não poderá ser assacado vício que os Recorrentes lhe apontam, termos em que deve a mesma manter-se nos termos em que foi proferida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
II. Objecto e delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico- jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou
incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
A inexigibilidade da obrigação exequenda, por falta de interpelação dos embargantes.
*
III. Os factos
Receberam-se, da primeira instância, o seguinte elenco de factos provados:
1. Por requerimento executivo de 03 de Fevereiro de 2020, foi dada em execução escritura pública denominada de “Mútuo com hipoteca e fiança”, datada de 04 de Dezembro de 2013, e documento complementar, assinados pelos ora embargantes — cf. documentos juntos com o requerimento executivo que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
2. No mesmo figuram como primeiro outorgante o exequente e como segundos outorgantes – enquanto legais representantes da sociedade mutuária e por si, enquanto fiadores, explicitamos nós - os embargantes.
3. Na referida escritura consta:
«Cláusula Segunda (Prazo)
Este contrato é celebrado pelo prazo de três (3) anos a contar da presente data.».
4. Do documento complementar consta na cláusula 13.a:
«(Comunicações)
1. Quaisquer comunicações escritas que a CEMG remeta aos outorgantes do presente contrato serão enviadas, por meio de carta simples e sem aviso de recepção, para os endereços por estes indicados no contrato, que se obrigam, desde já, a manter actualizados, os quais, para efeitos das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se consideram ser os domicílios convencionados.
2. Quaisquer alterações aos domicílios convencionados, deverão ser comunicadas à CEMG, no prazo máximo de trinta dias após a verificação das mesmas.».
5. Foi dado igualmente em execução o acordo datado de 24 de Setembro de 2014, no qual se concedeu uma carência de pagamento de juros, no que respeita ao mencionado contrato de mútuo, no período compreendido entre 04.12.2013 e 04.12.2015 — cf. documento n.° 2 junto com o requerimento executivo que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. A morada do embargante B que consta neste acordo é a de “X.
7. Mas na escritura é somente indicado o domicílio profissional em Y.
8. Por carta dirigida ao embarganteB, datada de 06 de Março de 2019, remetida para o X, a exequente comunicou-lhe:
Tendo como referência o financiamento em epígrafe, celebrado com a SOCIEDADE ----, em que V. Exa. intervém na qualidade de fiador,
verificando- se que o mesmo se encontra em mora desde 04/12/2016, vimos interpelá-lo para que, no prazo máximo de 10 (dez) dias, proceda ao pagamento do montante global de € 1.313.601,29 (Um milhão, trezentos e treze mil, seiscentos e um euros e vinte e nove cêntimos) referente a capital de € 1.085.048,03, a que acrescem juros remuneratórios e moratórios vencidos, imposto do selo e despesas no montante, respetivamente, de € 219.512,75, € 8.790,51 e € 250,00.
Caso as referidas quantias não sejam liquidadas no supra indicado prazo, consideraremos imediatamente vencidas todas as obrigações emergentes do financiamento em referência, e daremos de imediato entrada da competente ação judicial contra todos os devedores, com vista à cobrança integral do crédito, com todas as consequências legais e patrimoniais daí emergentes, sem mais qualquer aviso.
9. Essa carta viria devolvida.
10. Por carta dirigida ao embargante C, recebida por terceiro, datada de 06 de Março de 2019, remetida para Y, a exequente comunicou-lhe: Tendo como referência o financiamento em epígrafe, celebrado com a SOCIEDADE --- em que V. Exa. intervém na qualidade de fiador, verificando- se que o mesmo se encontra em mora desde 04/12/2016, vimos interpelá-lo para que, no prazo máximo de 10 (dez) dias, proceda ao pagamento do montante global de € 1.313.601,29 (Um milhão, trezentos e treze mil, seiscentos e um euros e vinte e nove cêntimos) referente a capital de € 1.085.048,03, a que acrescem juros remuneratórios e moratórios vencidos, imposto do selo e despesas no montante, respetivamente, de € 219.512,75, € 8.790,51 e € 250,00. Caso as referidas quantias não sejam liquidadas no supra indicado prazo, consideraremos imediatamente vencidas todas as obrigações emergentes do financiamento em referência, e daremos de imediato entrada da competente ação judicial contra todos os devedores, com
vista à cobrança integral do crédito, com todas as consequências legais e patrimoniais daí emergentes, sem mais qualquer aviso.
— cf. cartas juntas com o requerimento executivo, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
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Em aditamento a essa matéria e inserindo-se ainda no ponto 1. da factualidade provada, deverá atender-se a que:
Na escritura pública dada à execução consta ainda a cláusula Quinta, com a epígrafe Fiança e com o seguinte teor:
1 . Os outorgantes identificados em segundo lugar confessam-se e constituem-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.
2. O primeiro outorgante em nome da sua representada, declara aceitar a hipoteca e a fiança prestadas nos precisos termos exarados.
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IV. O mérito do recurso
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A questão que se coloca neste recurso será a da invocada inexigibilidade da dívida exequenda, por ausência de interpelação dos embargantes.
Como supra se explicitou, os embargantes intervieram na escritura pública de constituição de mútuo, com fiança e hipoteca, na qualidade de legais representantes da sociedade mutuária e em nome próprio, assumindo a qualidade de fiadores.
Nesta qualidade, constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.
Ora, na descrição do regime legal da fiança, a doutrina defende que, para o vencimento da obrigação do fiador, não é necessária a sua interpelação.
Assim, por exemplo, Xxxxxxx Xxxxxx, pois que, mesmo em relação às obrigações puras defende a desnecessidade da interpelação do fiador: “Em consequência ainda do disposto neste artigo [634], para que a obrigação se tenha por não cumprida e se vençam os juros moratórios contra o fiador, não é necessária a interpelação deste; basta que tenha sido interpelado o devedor, nos termos do art. 805 ” - in Código Civil anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 621.
Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, in Assunção fidejussória de dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Xxxxxxxx, 0000, informa que também Xxxx Xxxxxxx, para além de Xxxxxxx Xxxxxx, defende a desnecessidade da interpelação. No mesmo sentido, ainda, veja-se a anotação da Xxxxx Xxxxxxxxx, no Código Civil anotado, Almedina, 2017, I vol., pág. 818.
Para as obrigações com prazo certo é essa também a posição de Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, nos termos da conclusão 234 da sua tese, pág. 1251: “A possibilidade de o credor escolher livremente entre o devedor e o fiador, uma vez ocorrido o vencimento da obrigação a termo certo, resulta recta via da acessoriedade da fiança, não sendo necessária a interpelação do fiador pelo credor, como requisito para v.g. despoletar a aplicação plena do regime do art. 634 CC.”
No mesmo sentido deste autor, veja-se também Xxxxxxxx Xxxxxx, nas anotações I a IV do Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP/FD, Dez2018, págs. 792 a 795, que diz: “se do negócio de fiança não resultar qualquer limitação (art. 631/1), uma vez vencida a obrigação principal e desencadeadas as consequências da mora ou de outro comportamento culposo do devedor, em princípio, também se
vence a obrigação do fiador, com iguais consequências ” (obra citada, págs. 794 e 795).
Isto, como se vê, como decorrência da acessoriedade da fiança (arts. 627º, nº2 e 634º do Código Civil, este, sob a epígrafe ‘obrigação do fiador’, diz que: A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor), conjugada com o facto de o dador da garantia ter conhecimento efectivo do momento do vencimento da obrigação (Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, obra citada, págs. 941 a 943).
É certo que a doutrina mais avisada tem aceite restrições a este entendimento, segundo a posição do Prof. Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx (obra citada, referidas págs. 941 a 951, em relação às obrigações puras, sem prazo e em relação a outras situações que devam merecer o mesmo tratamento, pois que nestes casos o credor tem o ónus de dar conhecimento ao devedor de que o vencimento da obrigação já ocorreu e operou os seus efeitos na esfera do devedor principal, abrindo caminho para o seu reflexo, por relação (a determinação dita per relationem), no âmbito da obrigação do fiador (no mesmo sentido, Xxxxxxxx Xxxxxx, obra citada, pág. 795/-b, falando em dever ou ónus de aviso).
Ora, um desses casos será normalmente o de certos fiadores de dívidas de prestações fraccionadas, mesmo que ele tenha renunciado à imunidade que lhe é conferida pelo art. 782º do Código Civil.
Neste sentido, veja-se o Prof. Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, obra citada, págs. 961 a 936:
“Frequentemente, os bancos exigem fianças para garantia de cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor principal. Como é sabido, pelo menos nos empréstimos concedidos a particulares, as fianças exigidas são prestadas, na esmagadora maioria dos casos,
como um "favor", e quase como um "pró-forma", para efeitos de o parente ou amigo obter crédito. Nestes casos, é frequente a seguinte "prática": se o devedor paga pontualmente, ao longo de todo o tempo clausulado para o pagamento ao banco, o fiador nunca mais é "recordado" de que prestou uma fiança; se, ao invés, o devedor deixa de cumprir, o fiador vem, de facto, a ter conhecimento da situação de incumprimento, mas só meses ou anos após o início do desrespeito pelo programa prestacional traçado, quando, entretanto, e graças também à prática de capitalização de juros, a dívida subiu em espiral As consequências de uma tal situação para a esfera patrimonial do fiador são óbvias: por não ter sido informado logo após – ou um tempo razoável após - o incumprimento do devedor, a eventual garantia hipotecária existente já não é suficiente para "cobrir" toda a dívida; por outro lado, o fiador, que se fosse avisado e intimado para pagar 'em tempo" teria suportado o sacrifício económico, não está já em condições de o fazer, sem eventualmente arruinar a sua vida e a dos seus familiares.
O credor, por ser parte numa relação contratual com o fiador, está vinculado à adopção de determinados comportamentos, entre os quais se inclui o de informar este, em tempo, das vicissitudes relevantes da relação principal. Ora, não há dúvida do carácter relevantíssimo que uma quebra ou interrupção de pagamentos da parte do devedor tem na vinculação do fiador, sobretudo quando o contrato de mútuo ou de abertura de crédito contém uma cláusula derrogadora do regime estabelecido no art. 782. Mas ainda que se entenda que o regime do art. 782 é imperativo, o fiador acaba por "sofrer" as consequências da progressiva formação duma "torre de dívida" ou até ao expirar do prazo ou até à efectiva resolução do contrato, cuja "velocidade" de efectivação depende do credor.
No nosso entender, uma vez iniciada a quebra de pagamentos por parte do devedor, desde que, pela sua frequência, seja objectivamente indiciadora da dificuldade ou impossibilidade económica do devedor cumprir - ou do propósito de não cumprir - o credor tem o ónus de informar o fiador. Se o não fizer, este, quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode opor ao credor a excepção da inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda (art. 813/-e CPC) argumentando com o facto de não lhe ser eficaz o agravamento da dívida posterior ao momento em que razoavelmente deveria ter sido informado da quebra de pagamentos. É evidente que, também neste caso, deve ser equacionada a posição do devedor: se este não avisou o fiador de que deixou de cumprir, incorre em responsabilidade, devendo indemnizá-lo pelos danos derivados dessa omissão.”
E acrescenta:
“As considerações expostas têm em vista as situações em que o fiador presta fiança de amigo ou de parente. Elas não valem, nesses termos, para os casos de fianças prestadas por fiadores profissionais (v.g. bancos), por empresários para garantia de dívidas comerciais, por sócios maioritários ou dirigentes de empresas por dívidas relacionadas com as mesmas, ou por outras pessoas colocadas em situações similares. Não deixa de haver nesses casos também, note-se, um ónus de informação por parte do credor (e um dever do devedor); simplesmente, os contornos desses deveres devem também ser delineados em função da “figura” do fiador, conhecida e como tal valorada pelo banco.”
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No caso em apreciação, não se verificam aquelas necessidades especiais de protecção, na medida em que, como vimos, os
embargantes intervieram na escritura pública dada à execução não apenas por si, mas também enquanto legais representantes da sociedade mutuária.
Deste modo, tinham perfeito conhecimento do momento do vencimento da obrigação e, mais, do seu necessário incumprimento (pois quem teria cumprido, senão a sociedade devedora, por eles representada ou os próprios, enquanto fiadores?), não sendo exigível interpelação extrajudicial para tanto.
Acompanhamos, pois, as palavras do Exmo. Juíz a quo:
Por fim, estamos perante um contrato com mensalidades em prazo certo, pelo que, nos termos do disposto no artigo 805.°, n.° 2, do Código Civil, começaram a vencer-se juros a partir do seu vencimento, independentemente de interpelação — cf. artigo 806.°, n.° 1, do citado diploma legal.
(…)
Todavia, à data da instauração da execução o contrato já se encontrava totalmente vencido, pelo que para que a dívida se considerasse exigível não careciam os executados de ser interpelados extrajudicialmente.
Volvidos três anos do contrato a quantia exequenda venceu-se automaticamente na íntegra por se tratar de obrigação a prazo certo.
Donde, o conteúdo da interpelação extrajudicial também não releva para os autos.
Volvido o prazo para cumprir o contrato, sem que o mesmo estivesse cumprido, o exequente poderia logo instaurar a execução, sem carecer que fosse fixado qualquer prazo suplementar e razoável para cumprir. Nestes termos, improcede o presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão sob recurso, que se mostra juridicamente impecável.
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V. Decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 6 de Maio de 2021 Xxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx