Contratos de Comunicação e as Marcas Próprias1
Contratos de Comunicação e as Marcas Próprias1
Xxxxxxx Xxxxxxxx de Xxxx Xxxxxxx0
FECAP - Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo Faculdade Veris – Grupo IBMEC
USCS - Universidade Municipal de São Caetano do Sul
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo examinar como os supermercados constroem suas marcas próprias – MP´s – a partir dos contratos de comunicação estabelecidos nos locais de venda. Realizamos análise semiótica das embalagens das marcas próprias e dos ambientes em que estão inseridas. Através de uma pesquisa descritiva, a investigação comparativa partiu do conceito de contrato de comunicação, de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, e da definição do consumidor na pós-modernidade, de Xxxxxx Xxxx. Para a análise semiótica das MP´s, adotamos a semiótica de C. S. Xxxxxx e para a análise do ponto de venda consideramos a forma pela qual o contrato de comunicação dispõe os produtos da MP no espaço semiótico do supermercado. Procuramos entender, a partir desse estudo, como o consumidor é levado a se aproximar da MP.
PALAVRAS-CHAVE: Publicidade e Propaganda; Semiótica; Contrato de Comunicação; Marcas; Marcas Próprias.
INTRODUÇÃO
Pode-se afirmar que as marcas próprias fazem parte da vida do brasileiro. Segundo o 14º Estudo de Marcas Próprias da Nielsen, as marcas próprias estão presentes em quase metade dos lares brasileiros (48,9%), o que equivale a 18 milhões de lares e alcança um total de mais de 45 mil produtos disponíveis em 25% das 644 empresas participantes da pesquisa.
Uma das mais importantes mudanças ocorridas no mercado varejista no Brasil foi o surgimento das marcas próprias – MP´s, na década de 1960. Atualmente, a maioria das grandes cadeias de varejo, em qualquer parte do mundo, encontra-se, direta ou indiretamente, envolvida com as MP´s. A tendência das MP´s é de crescimento, como observado pela Nielsen, em diversos países europeus e também nos EUA. O estágio de desenvolvimento das MP´s nesses países atinge níveis que traduzem o amadurecimento
1 Trabalho apresentado no DT 08 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 12 a 14 de maio de 2011.
2 Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda pela UNIMEP, especialista em Administração de Marketing pela FAAP e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
dessa postura estratégica. Segundo a própria Nielsen, a fatia de marcas próprias chega até 50% do total das vendas nas gôndolas das grandes redes de supermercados européias.
Tal tema, marca própria, é relativamente novo no Brasil. Xxxxx ainda se tem por debater e investigar sobre esse assunto e suas várias funções no setor varejista. O cenário, no que se refere à marca própria está em desenvolvimento e a cada dia percebemos uma nova função para as partes envolvidas (varejista e atacadista, fabricante e consumidor). É uma questão de tempo para que supermercados “monomarcas” apareçam, como já acontece na Inglaterra. Baseada em todo esse pensamento, fica clara a preocupação mercadológica com relação às MP´s, porém um vasto campo na comunicação se abre para investigação.
A partir do conceito de Contrato de Comunicação de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx (2007), pretendemos examinar, como objetivo do presente trabalho, como os supermercados constroem suas marcas próprias a partir do contrato de comunicação dos locais de venda.
Quando uma pessoa adquire um produto de marca própria, ela utiliza um quadro de referência sobre a marca do estabelecimento para julgar a qualidade e preço daquela MP. Tal quadro de referência se liga ao posicionamento da marca do varejista. Segundo Xxxxxx (2000, p. 321), posicionamento é o espaço que uma marca ocupa na mente dos consumidores em relação à concorrência. Portanto, tal posicionamento deve ser acompanhado pela marca própria.
Como foco de pesquisa, três marcas próprias foram selecionadas como corpus do trabalho: Taeq, Qualitá (ambas do grupo Pão de Açúcar) e Dia (supermercado Dia, do grupo Carrefour). Ambos os supermercados são de compra semanal e por isso possuem espaços pequenos, ou seja, não há necessidade de grandes lojas como as Lojas Extra. O Pão de Açúcar tem como público-alvo classes sociais mais altas, A e B e o supermercado Dia mantém o foco nas classes populares C e D. Nesse contexto, a investigação comparativa envolve a comunicação nos segmentos.
A metodologia de pesquisa a ser adotada será a pesquisa descritiva com observação em campo, nos supermercados selecionados, analisando a comunicação interna e seu ambiente semiótico.
A descritiva tem por propósito descrever algo: comportamentos, atitudes, valores etc. Pesquisas descritivas podem se realizar em trabalhos de campo, atraves da observação sistemátiva ou por meio da
construção de panoramas sobre um certo assunto (SANTAELLA, 2001, p. 147).
A marca própria é encarada pelo consumidor a partir dos contratos de comunicação já desenvolvidos pela marca do varejista. A publicidade busca dar credibilidade à sua comunicação. A MP, ao estabelecer um contrato de comunicação com sua marca principal, traz o quadro de referência ao produto de marca própria. Ou seja, a credibilidade atribuída à marca é transportada para a marca própria através desse quadro de referência.
O receptor, fazendo parte de uma sociedade vista como pós-moderna (HALL, 2006. p.9), acaba tendo um comportamento típico pós-moderno. O consumidor pós- moderno “define” o que quer consumir. O varejo, como instância de produção, está atento ao que o receptor deseja consumir. Por outro lado, a maioria dos consumidores não sabe da existência de marcas próprias com nome fantasia, ou seja, nome diferente do varejista. Para essas marcas não existe contrato de comunicação especificamente desenvolvido. O consumidor tem relação com essas marcas da mesma forma que tem com outra qualquer. Essa estratégia permite ao varejista preservar sua marca principal, porém precisará investir para consolidá-la no mercado e construir um novo quadro de referência.
A análise das marcas próprias a partir do contrato de comunicação de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e da semiótica peirceana desloca o interesse acadêmico pela MP do relevo puramente de marketing, para examiná-lo sob o aspecto comunicacional. Tal análise se torna um grande desafio, já que a ausência de material é grande e o cuidado das empresas com a não divulgação dos objetivos é evidente, pois estamos tratando de uma área estratégica para o crescimento das empresas.
AS MARCAS
As marcas fazem parte de nossas histórias de vida. Elas estão presentes nos supermercados, nas ruas, nos meios de comunicação, nos restaurantes, em nossas casas. Chegamos a ser “fiéis” a algumas marcas e seu potencial parece não ter fim. Marcas que eram conhecidas apenas numa cidade ganharam o mundo e são desejadas por todos, como McDonalds e Starbucks. A marca é um signo dos tempos modernos, mas,
sobretudo pós-modernos, e sua gerência, consequentemente, se tornou complexa e fator crítico de sucesso.
Um dos grandes temas relacionados à comunicação e ao marketing que mais têm afligido os administradores e comunicólogos é a marca. Sem marca a empresa não se diferencia das demais - ela perde a identidade. É através da marca que o receptor pode identificar quem está vendendo e todos os atributos já posicionados pela marca. A AMA
– American Marketing Association define marca como: “Um nome, termo, sinal, símbolo, desenho – ou combinação desses elementos – que deve identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de empresas e diferenciá-los dos da concorrência” (KOTLER, 2000, p. 426).
Em outra direção reflexiva, mas não contrária, Xxxx (1991, p. 168) conceitua marca como: “um símbolo, el medio más essencial por el que la empresa se manifiesta visualmente” (um símbolo é o meio mais essencial pelo qual a empresa se manifesta visualmente).
[...] As palavras da AMA são mais abrangentes, embora ainda não sejam suficientes. “Entendo por marca a distinção final de um produto ou empresa e que traduz de forma marcante e decisiva o valor de uso para o comprador. É um sinal distintivo”. (Xxxxx e Xxxxxx, 2002, p. 65). Hoje entende que faltou a carga simbólica a essa definição e por isso construímos uma nova forma de interpretação: a marca é uma conexão simbólica e afetiva estabelecida entre uma organização, sua oferta material, intangível e aspiracional e as pessoas para as quais se destina. (XXXXX, 2004, p. 10).
A não utilização da marca transforma o produto numa coisa, numa commoditie3 (como arroz, feijão, petróleo etc.), com muito pouca ou nenhuma diferenciação, e com menores custos na sua comercialização. Algumas marcas conseguem um nível tão forte de diferenciação, como a Bombril e Gillette, que se transformam em metonímia, “figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contigüidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado”. (XXXXX, 2004, p. 11). Chegar a esse nível é raro e a cada dia mais difícil.
Decidir por uma marca assume o caráter de “tomar partido”. Escolhemos uma marca ou outra, levando em consideração uma série de fatores. Do ponto de vista do consumidor, segundo Xxxxx (2004), o uso da marca pode oferecer uma série de vantagens: a marca identifica a origem do produto e, portanto, protege o consumidor; a
3 Commoditie ou Commodity são produtos em estado bruto ou muito pouco industrializados, produzidos em grande quantidade e de qualidade praticamente uniforme por diversos produtores (YANAZE, 2008, p.122).
marca facilita a compra e reduz o tempo de decisão; a marca confere status
diferenciado.
A marca própria, por sua vez, é uma continuação do tema marca. Todas as características abordadas para a marca se aplicam à marca própria. Como propriedade do varejista, a marca própria passa a ser gerenciada pelo detentor do próprio espaço em que é vendida.
OBJETIVOS DAS MARCAS PRÓPRIAS
As MP’S fazem parte das complexidades inerentes aos processos de construção de identidade das empresas contemporâneas. Sendo assim, a construção do signo MP como estratégia comunicativa é um processo em permanente observação em relação a sua utilização e sucesso.
Quando surgiram de forma definitiva, na década de 1970, as marcas próprias foram apresentadas pelos aficionados como soluções mágicas, 100% viáveis e interessantes aos negócios. Passados alguns anos, sabe-se que não é bem assim. As marcas próprias não são um problema, mas sim um instrumento, com possibilidades e limitações, e devem ser vistas em sua complexidade. Tendo em vista que os mercados são ambientes específicos com leis próprias, e aqui o conceito peirceano de legi-signo se enquadra muito bem: “quando algo tem a propriedade da lei, recebe em semiótica o nome de legi-signo” (SANTAELLA, 2007, p. 13), dificilmente elas atingirão no mercado brasileiro a mesma projeção que alcançaram na Grã-Bretanha, onde ficam com 40% das vendas do varejo alimentar (NIELSEN, 2008).
Aos poucos, a relação de desconfiança do brasileiro com as marcas próprias vai acabando. Segundo Xxxxx e Xxxxxxxxx, no livro Estratégia de Marcas Próprias, dois de cada três consumidores em todo o mundo acreditam que “as marcas próprias de supermercado sejam uma boa alternativa” (2007, p.22). O varejo nacional tem, assim, de aperfeiçoar suas estratégias de comunicação para vencer resistências e conquistar mercado. O posicionamento dado às MP’s é um dos problemas a serem vencidos.
Na mesma obra, Xxxxx e Xxxxxxxxx (2007) apontam quatro tipos de marcas próprias: Marcas próprias genéricas, Marcas de imitação, Marcas de loja Premium e Inovador de valor. Hoje, o principal foco adotado no Brasil são as marcas genéricas e de imitação. Empresários e especialistas começam a entender que preço não deve ser o único e talvez nem mesmo o principal apelo, pois ele não se sustenta em longo prazo. O
maior desafio do varejo é fidelizar consumidores, e preço não serve para essa finalidade. O cliente estimulado com preço baixo está sempre trocando de loja, atrás de uma oferta melhor. Não é à toa que algumas redes preferem ressaltar a qualidade de seus produtos.
Apostando na fidelização de seus clientes, grandes redes de farmácias também lançam produtos com marca própria. As lojas vendem diversos itens, exceto medicamentos. São produtos de higiene pessoal, cosméticos e alguns de primeiros socorros. Há protetor solar, fraldas, adoçante, xampus, acetona, água oxigenada e produtos da linha infantil.
Muitos varejistas ainda não perceberam o potencial mercadológico e comunicacional das marcas próprias. Muitos não têm como investir ou negociar grandes escalas, porém é completamente possível a organização de uma central de compras ou alguma organização que trabalhe em prol de um pool de empresas. Mesmo pequenos, alguns varejos já investem em marcas próprias. Eles perceberam o quanto isso gera de identidade e sua importância na comunicação no ponto de venda.
SOBRE O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO
Todo discurso depende das condições características da situação de troca comunicacional em que acontece. Em toda comunicação, os indivíduos nela presentes, se reportam a um quadro de referência quando a iniciam. É isso que argumenta Xxxxxxxxxx (2007). Os indivíduos, ou empresa e consumidor, que desejam se comunicar devem levar em conta a situação de comunicação. Não apenas o emissor deve submeter-se às restrições da comunicação, mas também reconhecer que seu receptor tem condições de reconhecer essas mesmas restrições.
Dessa forma, constrói-se o que se chama de “cointencionalidade”, ou seja, toda comunicação se constitui num quadro de cointencionalidade. É necessário reconhecer que existe o reconhecimento recíproco das restrições da comunicação em que emissor e receptor estão envolvidos, ou seja, um acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência.
Eles se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia particular, a um contrato de reconhecimento das condições de realização da troca linguageira em que estão envolvidos: um contrato de comunicação. Este resulta das características próprias à situação de troca, os dados externos, e das características discursivas decorrentes, os dados internos (XXXXXXXXXX, 2007, p. 68).
Xxxxxxxxxx (2007) faz uma detalhada explanação sobre os elementos do contrato de comunicação. Tal contrato está, como na definição anterior, modulado por dados externos e internos. Os dados externos são constituídos pelas simetrias comportamentais dos indivíduos que efetuam trocas comunicacionais. Esses dados não são apenas através da linguagem, mas também são semiotizados. Já os dados internos se referem ao “como se diz”. Xxxxxxxxxx (2007) divide esse espaço em três: ‘espaço de locução”, “espaço de relação” e “espaço de tematização”.
Como em qualquer ato comunicacional, a comunicação coloca em relação duas “instâncias”, a de produção e a de recepção. A instância de produção, ou varejista, tem por função primária fornecer informação, pois deve saber fazer, prender seu público. Já a instância de recepção, ou do consumidor final, deve, em tese, demonstrar seu interesse em consumir tais informações.
O varejista, uma entidade que pode envolver vários atores, busca uma unidade homogênea em seu discurso. Em uma comunicação no varejo, por exemplo, pode ser envolvida a direção geral, a gerência, os vendedores e os expositores. Todos contribuem para a criação de um discurso aparentemente unitário, uma “coenunciação”.
Como conhecer a motivação dos receptores e como medir o impacto da informação são problemas enfrentados por qualquer instância de produção. Existem pesquisas que buscam determinar o perfil do receptor para cada meio de comunicação. Porém, a instância de produção não deixa de fazer previsões prevendo os movimentos de avaliação que o receptor pode fazer ao receber uma informação.
A credibilidade que a instância receptor atribui à instância midiática, ou enunciador, baseia-se na avaliação que ele julga verdadeira, confiável e autêntica. Seja qual for a instância de produção, é preciso manter a credibilidade em todos os aspectos, sempre que houver uma relação comunicacional com a instância de recepção. Caso essa credibilidade se quebre, por exemplo, em relação a uma marca própria, em todas as outras relações com a empresa poderá haver uma desconfiança por parte do receptor. A opinião pública é construída a partir de uma interação entre produção e recepção.
Xxxxxxxxxx (2007), ao analisar as instâncias do contrato de comunicação, afirma que a finalidade desse contrato se dá numa tensão de duas vertentes: “fazer saber” – ou seja, informar ao cidadão e “fazer sentir” – captar audiência por uma questão de sobrevivência.
Quando um varejista decide comercializar marcas próprias, cabe a ele mostrar que tal marca tem a credibilidade descrevendo e explicando isso através da
comunicação no ponto de venda ou qualquer meio de comunicação. O varejista precisa informar que existe uma opção de marca para consumo, a marca própria, e ao mesmo tempo, seduzir o consumidor para a compra. É um fazer saber e fazer sentir que a marca própria é atraente e vantajosa.
A visão de captação, por sua vez, está orientada para o receptor, que possui sua própria faculdade de interpretação e não foi conquistado antecipadamente. Porém, com a condição de mostrar-se com credibilidade e com a necessidade de estar sempre buscando o grande público, torna-se necessário ter de “emocionar”. Assim, o contrato de comunicação midiático fica marcado por uma contradição entre a finalidade de fazer saber e a finalidade de fazer sentir. Quanto mais se aproxima do fazer saber, que tem como princípio de buscar um grau zero de espetacularização, menos audiência terá. Quanto mais o contrato tende para o fazer sentir e captar audiência, menos credibilidade terá.
A publicidade, por sua vez, também está entre o fazer saber e fazer sentir. Ao mesmo tempo em que tem como função informar à sua audiência “o quê” efetivamente está tornando público, também precisa fazer sentir agregando muitas vezes sentimentos e características que vão além dos produtos anunciados. Busca-se trazer um quadro de referência novo ao que está sendo efetivamente anunciado, no caso, a marca própria. Faz-se saber, muitas vezes, mais sobre o que sentir do que sobre a informação propriamente dita. É aquela sensação comum que surge no grande público: “você se lembra daquela propaganda? De que empresa era mesmo?”. Ou seja, o receptor se lembra do fazer sentir, mas não do fazer saber. Lembra-se mais da dramatização do que do enunciador.
Quando um supermercado decide fazer uma marca própria, ele está também buscando um contrato de comunicação com seu público-alvo, em que se coloquem os corretos e adequados fazer saber e fazer sentir para o enunciatário. O consumidor, ao receber essa comunicação, reporta o quadro de referência do supermercado para o produto. Na pós-modernidade a opinião desse consumidor passa a ser de extrema importância para o emissor. A partir do momento que a satisfação desse consumidor é objetivo final do supermercado, ele passa a ser o “decisor” na esfera da produção. Pesquisas quantitativas e qualitativas buscam entender a opinião a respeito de determinados temas e até mesmo o que esses consumidores desejam consumir, mas ainda não sabem. O consumidor passa a ser visto como co-produtor, o decisor do que produzir ou não.
O CONSUMIDOR PÓS-MODERNO
Do outro lado da ponta da gôndola temos o consumidor final, aqui chamado também por receptor ou sujeito. Esse sujeito na pós-modernidade passa a ser visto como fragmentado. A crise de identidade, proposta por Xxxx (2006, p.7), é vista como parte de um processo que está deslocando as estruturas dos processos centrais e mudando os quadros de referências que proporcionavam aos indivíduos uma “ancoragem” no mundo social. A identidade moderna foi “descentrada”, deslocada e fragmentada.
Tais transformações alteram as identidades pessoais, minando a idéia de que nós somos sujeitos integrados, havendo um deslocamento do sujeito em relação a seu mundo social e cultural, o que constitui o que Hall (2006, p.9) chama “crise de identidade”. A identidade passa a ser móvel – passa a ser formada e transformada a partir dos sistemas culturais do entorno. Tal sujeito passa a assumir identidades diferentes em diferentes momentos, não unificadas ao redor de um “eu” coerente (HALL, 2006, p.13).
Xxxx (2006) discute como este “sujeito fragmentado” é colocado em termos de suas identidades culturais. Tal identidade cultural é a identidade “nacional”, principal fonte da identidade cultural. Nenhuma identidade está impressa biologicamente. A identidade nacional é formada e transformada por um sistema de representações culturais. As pessoas não são apenas cidadãs de um país, mas participam da ideia de nação tal qual é construída em sua cultura nacional. Tal cultura nacional contribuiu para formação de padrões de alfabetização, generalizou uma única língua em todo o país e se tornou assim característica-chave da industrialização. “As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades” (HALL, 2006, p.51).
O consumidor pós-moderno tende, portanto, a ser globalizado. Os deslocamentos e o descentramento das identidades culturais desde a segunda metade do século XX ocorreram dentro do processo de “globalização”, que envolve processos econômicos e culturais, em escala global, integrando e conectando comunidades em nova combinação de espaço e tempo, tornando-os mais conectados. Na verdade o que a globalização tem feito é integrar mercados, antes independentes. Basta ver a União Européia agora com uma única moeda, o Euro.
Xxxxxxxxx (2009), por sua vez, sugere o conceito de “multivíduo”, assumindo que o indivíduo não tem mais identidade única. Não que não tenha mais identidade, mas sim identidades plurais, ou seja, ele é multivíduo. Um termo mais dinâmico do que indivíduo, multivíduo acaba sendo trazido à tona na hora em que o indivíduo faz suas compras num espaço como o supermercado, em que tem à sua disposição as mais variadas marcas e escolhe assim estilos ou personalidades diferentes ao fazer sua compra.
O conceito de multivíduo é um conceito mais flexível, mais adequado à contemporaneidade. Por que significa que multivíduo é uma pessoa, um sujeito, que tem uma multidão de eus na própria subjetividade. O plural de eu, não é mais nós, como no passado. O plural de eu, deve ser eus (CANEVACCI, 2009, p. 10).
Novas identidades então têm sido formadas em consequência da globalização. Bom exemplo disso são ritmos musicais como o black, que fornece um novo foco para os afrocaribenhos. Portanto, a globalização tem como efeito “contestar e deslocar” identidades aparentemente fechadas em culturas nacionais, tornando as identidades menos fixas e unificadas.
Nesse contexto contemporâneo, em que o sujeito/consumidor está fragmentado com a globalização e com a crise das identidades nacionais, as marcas tentam criar estratégias para atender a públicos específicos, em qualquer parte do mundo. O sujeito pós-moderno, multivíduo, quer o local, mas também o global, pois através dos meios de comunicação, cria identidades fluidas, menos engessadas. A marca se insere num contexto pós-moderno em que as empresas buscam atender a um sujeito cada vez mais pós-moderno.
Os processos de comunicação na pós-modernidade também têm sido influenciados pela globalização. Num ambiente em que o receptor define o que quer assistir, com apenas um movimento de zapping4, o sujeito exerce a função de receptor e emissor ao mesmo tempo, pois ele, em muitos casos, tem o “poder” de criar informação, principalmente no contexto da cibercultura. Ou seja, o meio de comunicação não tem exercido a função, em muitos casos, de criador da mensagem, mas apenas o de meio.
Com a globalização, surgiram novos padrões de consumo. Shopping- centers e supermercados, lugares-símbolos da pós-modernidade, ganharam cada vez mais espaço nas preferências de compra por vários motivos: comodidade – tudo à disposição num só
4 Zapping vem do inglês zap e ficou conhecido como o ato de trocar de canais de televisão usando o aparelho de controle remoto (O´GUINN, 2008, p.450).
lugar, dificuldade de locomoção pela cidade, facilidade de pesquisa de preços, amplo estacionamento, segurança, escadas rolantes, ar condicionado, pessoal para cuidar do bebê, manobristas etc.
Aliás, existem também supermercados dentro dos shoppings. Ou seja, ambientes diferentes, mas com algo em comum: tudo no mesmo lugar. O consumidor pós-moderno quer comodidade a preço baixo e o mais importante é que na compra mensal ou semanal, com os mesmos produtos/marcas, possa pagar menos e ainda ganhar prêmios. É nesse ambiente em que se encontram as marcas próprias.
ESPAÇO SEMIÓTICO DO SUPERMERCADO
Todo o ambiente do supermercado é cuidadosamente planejado. Todos os signos que envolvem esse ambiente são previamente determinados em relação ao público-alvo que frequenta cada loja. Cada ponta de gôndola, cada espaço específico para grupos de produtos, os chamados produtos âncoras – que chamam os consumidores para a loja, nada é colocado aleatoriamente.
Nesse contexto estão as marcas, dividindo o mesmo espaço, buscando de todas as formas chamar a atenção dos consumidores. Nesse cenário, os supermercados utilizam de todas as estratégias comunicacionais possíveis para chegar ao seu objetivo final: vender.
O espaço, ou ambiente, em que grande parte das marcas próprias estão inseridas é algo típico e característico da globalização. Os supermercados refletem um sistema de valores que busca sua diferenciação do espaço externo. Organizam o fluxo desestruturado das pessoas em seus corredores, selecionam a melhor iluminação para cada espaço, seja hortifrúti, padaria ou congelados.
De forma geral, a população dos supermercados é composta por indivíduos, ou multivíduos, que compram de forma semelhante. Percebem-se cada vez menos consumidores com listas, mas sim fazendo um zigue-zague por entre as gôndolas, colocando no carrinho tudo o que lhes interessa. Os funcionários, por sua vez, sempre treinados e uniformizados, podem gerar uma sensação de impessoalidade ao tratar a todos da mesma forma, com as mesmas palavras e não pelo nome. Até nesse aspecto tem-se uma ruptura com o cotidiano em que o consumidor está acostumado com a pessoalidade.
Ao personalizar seus espaços, o grupo Pão de Açúcar adota uma estratégia de possuir bandeiras diferentes para cada tipo de público. A bandeira Pão de Açúcar para uma classe mais alta, o Extra para classe média com a característica de uma compra semanal ou mensal e o Compre Bem para classes mais populares. Essa estratégia adota posicionamentos de mercados distintos e tenta transmitir algo mais personalizado para cada segmento de mercado. Ao fazer isso, novos quadros de referências e interpretantes são criados com ambientes e comunicação diferentes.
Para cada poder de compra, um contrato é desenvolvido a partir de ambientes diferentes. A bandeira Pão de Açúcar, por exemplo, adota uma comunicação mais discreta para produtos mais baratos, conforme a Figura 2. A cor-padrão das etiquetas dos produtos das gôndolas no Pão de Açúcar é a cor amarela, porém, a única diferenciação para os produtos em promoção é a mudança da cor para o vermelho (ambas cores quentes, de destaque no ponto de venda). Já o Extra, conforme Figura 3, constitui outro contrato de comunicação, adotando uma estratégia mais popular para produtos em promoção, com o tamanho da etiqueta maior, em destaque, maior tamanho da letra, cor amarela, diferente do padrão utilizado para os demais produtos - branco.
Figura 1. Etiqueta promocional no Pão de Açúcar
Fonte: (o AUTOR)
Figura 2. Etiqueta promocional no Extra
Fonte: (o AUTOR)
A atmosfera construída semioticamente em todo ambiente varejista visa criar uma relação de interação do enunciador-empresa com o consumidor. O consumidor busca um local que é a “sua cara” – isso se constrói pela semiotização do ambiente de consumo, que é o que chamamos acima, informalmente, de atmosfera. Deixamo-nos influenciar por múltiplos signos sugestivos cujo uso adequado pode resultar em vendas. É função da “exibitécnica” transformar o PDV em algo atrativo, criar uma atmosfera favorável e de acordo com o que o público-alvo daquele estabelecimento deseja. A respeito desse assunto discute Blessa:
CONCLUSÃO
O campo para crescimento e participação de mercado das marcas próprias é amplo. Comparando números do Brasil, que possui 8% de participação de mercado em 2008, com países europeus, como a Suíça que tem 46%, o crescimento parece inevitável nos próximos anos. Tratadas num primeiro momento como estratégias mercadológicas, as MP´s abrem espaço para debate no campo da comunicação e semiótica em todas as peças publicitárias, seja online ou offline.
Percebe-se claramente por parte dos supermercados uma preocupação de dar tratamento comunicativo especial para as MP´s nos pontos de venda (mídia que mais cresce no país) para atender aos chamados “multivíduos”. Os contratos de comunicação desenvolvidos por cada marca, a partir de uma análise semiótica peirceana, apresentam um projeto de fala diferente, porém com algumas estratégias semelhantes. A MP, que está ficando cada vez mais sinestésica, carrega em si uma construção simbólica através do mix de marketing que aparentemente é preservada pelos enunciadores para evitar uma quebra de contrato.
Vários contratos de comunicação foram identificados nas marcas analisadas. Do ponto de vista singular indicativo, ao adotar nas embalagens o logotipo como elemento de maior destaque facilita na sua identificação na gôndola e exerce uma função importante na construção da marca. Ao disponibilizar os produtos de marca própria sempre em locais próximos aos produtos líderes de mercado faz com que o consumidor realize uma comparação de preço para que em algum momento efetue a experimentação. Estar perto dos melhores é estar, qualitativamente, à altura deles.
A presença na maior parte do supermercado indica, por outro lado, a marca própria sempre oferecida como uma opção de compra. Já do ponto de vista convencional simbólico, a MP adota identidade visual estabelecendo assim um contrato de comunicação nas gôndolas. A leitura visual e verbal, sempre com um mesmo padrão, reforça tal contrato com o leitor/consumidor. Esse padrão é tão bem utilizado que prevê implantação nos mais diversos produtos, preservando sua identidade comunicacional e fixando a marca própria, pois a coerência do contrato de comunicação proporciona efeito interpretativo reativo e lógico positivo.
Ao adotar tais estratégias, o grupo Pão de Açúcar e o Dia constroem contratos de comunicação com o consumidor através de ícones e índices no ponto de venda. O ponto
de venda/supermercado é basicamente indexical, mas o que, sobretudo os varejistas é iconizar estes índices, fazendo-os converter-se em signos predominantemente de primeiridade, para assim replicar (imitar) as qualidades e se assemelharem ao máximo com as principais marcas do mercado. Essa análise também se aplica no caso das embalagens, já que a semelhança através dos ícones e índices é evidente.
A partir desse estudo, percebemos que o receptor/consumidor, “multivíduo”, se aproxima da marca própria não apenas como uma opção de compra por causa do preço baixo, mas também como uma marca com seus atributos e diferenciais de mercado. Dificilmente uma marca própria será uma meton5ímia de mercado, mas a fidelização passa a ser factível e possível. Todavia, cabe um estudo mais aprofundado sobre a diferença de percepção para uma marca própria com o mesmo nome do supermercado e uma marca própria com nome fantasia.
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