UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL:
O dano extrapatrimonial e a expectativa de efetivação do contrato
CURITIBA 2011
XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL:
O dano extrapatrimonial e a expectativa de efetivação do contrato
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx.
CURITIBA 2011
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL:
O dano extrapatrimonial e a expectativa de efetivação do contrato
XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito das Relações Sociais, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, pela comissão formada pelos professores:
Orientador: Prof. Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Universidade Federal do Paraná
Examinadores: Prof. Universidade
Prof. Universidade
Curitiba, de de 2011.
Dedico esta dissertação à minha mãe Xxxxx (in memorian), que me ensinou que a dedicação e o trabalho fazem uma pessoa melhor; e à minha filha Xxxxx, minha razão de querer ser uma pessoa melhor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Xxxxx Xxxxx, pelos valiosos ensinamentos que foram indispensáveis para a realização desse trabalho.
Agradeço a “Tia Dirce” – minha segunda mãe – que sempre me ajudou nos momentos mais difíceis.
Agradeço aos meus familiares pela compreensão e pela acolhida.
Xxxxxxxx aos colegas de mestrado, pela amizade compartilhada em todos os momentos de alegrias e frustrações e pelo mútuo incentivo à conclusão de mais uma etapa de nossas vidas.
Agradeço aos professores da UFPR que tive a honra de conhecer e a todos os amigos que me deram apoio e incentivo durante essa caminhada.
Finalmente, agradeço a Deus por me dar a oportunidade de trilhar o caminho do conhecimento, colocando nesse caminho pessoas maravilhosas e amigos verdadeiros, que guardarei para sempre em minha memória e meu coração.
“Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento de justiça”. (Xxx Xxxxxxx)
Analisar os conflitos decorrentes das relações contratuais atuais, diante da teoria da responsabilidade pré-contratual, especialmente quanto à possibilidade de indenização pelo dano extrapatrimonial decorrente da frustração da expectativa de efetivação do contrato. De acordo com o conceito secular da doutrina civilista, o contrato é a fonte natural e primeira das obrigações, caracterizado pela manifestação da vontade humana. Considerando, de um lado, o princípio da autonomia privada que visa assegurar a liberdade contratual, tem-se, por outro, que a frustração da conclusão do contrato que vinha sendo negociado pode gerar a obrigação de reparação de danos eventualmente verificados, em razão dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. Embora o Novo Código Civil não tenha recepcionado expressamente a responsabilidade pré-contratual, há muito tempo a sua existência era reconhecida, dada sua origem na segunda metade do século XIX, a partir da teoria da culpa in contrahendo de Xxxxxxx. Todavia, permanece uma lacuna, até os dias atuais, quanto aos preceitos e aplicabilidade dessa teoria. Desta forma, o presente trabalho se propõe a analisar os pressupostos de aplicação da responsabilidade pré-contratual, em especial a caracterização do dano extrapatrimonial em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Pré-contratual. Danos ressarcíveis. Dano extrapatrimonial. Ruptura. Negociações preliminares. Contrato.
To analyze the conflicts resulting from the current contractual relations, in the pre- contractual responsibility theory, especially with regard to the possibility of compensation for damage extra patrimonial resulting from the frustration of the expectation of the contract´s effect. In accordance with the concept of the secular civil doctrine, the contract is a natural source and the first of the obligations, which is characterized by the expression of the human will. Considering, on one side, the principle of private autonomy which aims to ensure the freedom of contract, on the other hand, the frustration of the conclusion of the contract which have been negotiated can create an obligation to repair the damage which may be verified, by reason of the principles of good faith and of the social function of the contract. Although the New Civil Code did not expressly recognize responsibility pre- contractual, for a very long time its existence was recognized, given its origin in the second half of the 19th century, from the theory of guilt in contrahendo of Ihering. However, it remains a gap until the present days, as far as the rules and applicability of that theory. In this way, this essay is a proposal to analyze the conditions of the application of the pre-contractual responsibility, in particular the characterization of the extra patrimonial damage in reason of the frustration of the expectation of the contract´s effect.
Key words: Civil responsibility. Pre-contractual responsibility. Refundable damages. Extra patrimonial damages. Breach. Preliminary negotiations. Contract.
INTRODUÇÃO 10
1. AS NOVAS RELAÇÕES CONTRATUAIS E OS DESAFIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 12
1.1 Os princípios constitucionais e o direito civil 16
1.2 Princípio da dignidade da pessoa humana 19
1.3 Princípio da autonomia privada 21
1.4 Novo Código Civil: a função social do contrato e a boa-fé 24
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL 31
2.1 Breves considerações sobre a teoria geral da responsabilidade civil 31
2.2 Conceito e natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual 35
2.3 A boa-fé como princípio da responsabilidade pré-contratual 41
2.4 Delimitação do período pré-contratual 45
3. DANO EXTRAPATRIMONIAL NA REPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL 49
3.1 Pressupostos e efeitos da ruptura das tratativas 49
3.2 Os danos ressarcíveis e a responsabilidade pré-contratual 52
3.3 A responsabilidade pré-contratual e a orientação jurisprudencial 55
3.4 O dano extrapatrimonial em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato 60
4. CONCLUSÃO 66
REFERÊNCIAS 68
INTRODUÇÃO
O presente estudo foi impulsionado pela necessidade de analisar a caracterização do dano extrapatrimonial no âmbito da responsabilidade civil pré- contratual, em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato.
Embora o Novo Código Civil não tenha recepcionado expressamente o instituto da responsabilidade civil pré-contratual, ao consagrar o princípio da boa-fé como norteador das relações contratuais, o fez de forma indireta, submetendo os contratantes a determinados deveres de conduta, cuja violação implica no dever de indenizar a parte prejudicada.
Assim, reconhecendo a tutela da boa-fé e o direito de reparação em face da ruptura injustificada das negociações preliminares, cabe analisar a lesão ao interesse da parte negociante, a extensão dos danos eventualmente causados, e se é cabível uma indenização por dano extrapatrimonial em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato.
Desta forma, o presente estudo se propõe a analisar a aplicação da teoria da responsabilidade civil pré-contratual, os aspectos intrínsecos desde a fase de formação do contrato, a conduta das partes contratantes, bem como a ocorrência de danos e sua ressarcibilidade, sob o prisma dos valores sociais que emanam do texto constitucional, numa reflexão sobre os princípios da autonomia privada, da dignidade da pessoa humana e os pressupostos específicos da responsabilidade civil pré-contratual.
Partindo de uma breve análise das relações contratuais na sociedade contemporânea, verifica-se que o novo conceito de contrato na visão civil- constitucional transcende seu caráter patrimonialista e impõe uma releitura das relações jurídicas atuais sob o prisma social de utilidade e comunidade.
Nesse sentido, todo o processo negocial, desde os primeiros atos que visam à formação do contrato, até sua confirmação e mesmo após sua conclusão,
precisa ser repensado sob essa nova ótica, com a finalidade de proteger os interesses merecedores de tutela.
Abordando aspectos relevantes sobre os princípios da função social do contrato, da boa-fé e da dignidade da pessoa humana, apresenta considerações sobre a conduta dos contratantes nas negociações preliminares, a formação do vínculo contratual e o rompimento das tratativas.
Busca-se compreender a extensão e delimitação dos danos causados pela quebra injustificada das negociações preliminares, com a análise dos pressupostos de aplicabilidade da teoria geral da responsabilidade civil, dos pressupostos e efeitos da configuração da responsabilidade pré-contratual, além de abordar a orientação jurisprudencial sobre o tema e a utilização de técnicas interpretativas dos princípios fundamentais no contexto civil-constitucional, visualizando ao final, a caracterização do dano extrapatrimonial decorrente da frustração da expectativa de efetivação do contrato, almejando soluções mais justas e razoáveis para os conflitos decorrentes das relações contratuais atuais.
1. AS NOVAS RELAÇÕES CONTRATUAIS E OS DESAFIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Já não se pode mais pensar o contrato como a simples expressão da vontade das partes. É preciso fazer uma releitura das normas que regulam as relações contratuais, sob uma ótica mais social, que não valorize o indivíduo apenas como titular de direitos patrimoniais, mas enfatize a pessoa enquanto ser humano, que participa de uma sociedade que precisa se manter saudável, por meio da harmonização de seus interesses e da efetiva realização da justiça.
O contrato perde seu caráter patrimonialista e individualista e passa a conferir um papel mais social, de utilidade e comunidade, que atenda as necessidades envoltas no contexto atual em que está inserido.
Analisando os pilares fundamentais do Direito Civil, dentre eles o contrato, Xxxx Xxxxx FACHIN1 questiona as mudanças práticas efetivas do Novo Código Civil e afirma: “Sabe-se que quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata, e que quem contrata não contrata mais apenas o que contrata; há uma transformação subjetiva e objetiva relevante nos negócios jurídicos.”
Xxxxx XXXXX0, ao refletir sobre a formulação do conceito pós-moderno de contrato na perspectiva civil-constitucional, afirma que:
Em outros tempos, o contrato não é só o acordo de vontades, pois o acordo, em que pese sua atual presença, não possui a mesma relevância que em outras épocas. O contrato se posiciona, hodiernamente, antes do acordo, na contratação, na execução e na sua pós-eficácia, movido pela boa-fé, princípio que materializa o valor constitucional da solidariedade, sendo dele, em verdade, derivado.
Corroborando tal entendimento, Xxxx XXXXX0 qualifica o contrato como “símbolo de uma determinada ordem social, como modelo de uma certa orgânica da sociedade na sua complexidade”.
1 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pag. 331.
2 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá. 2008, p. 254.
3 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pág. 28.
A evolução dos valores sociais requer o aprimoramento das concepções jurídicas, e os conceitos tradicionais de determinados institutos, a exemplo do contrato, começam a ser repensados para adequar-se aos princípios que regem as relações atuais.
Essa necessidade de revisão dos principais fundamentos da teoria contratual clássica, segundo comentário de Xxxxxxx Xxxx XXXXX0, surgiu a partir do século XX, em razão da diversidade de relações jurídicas decorrentes da concentração de pessoas nas cidades, e principalmente pela impossibilidade de contratação na sua forma individualizada.
Xxxx XXXXX0 afirma que a evolução social produz reflexos diretos no desenvolvimento do instituto contratual, de maneira que este tem seu enfoque de atuação, bem como seu âmbito de aplicação condicionado à alteração do conteúdo e estrutura das relações sociais em que está imerso.
Um dos grandes desafios da sociedade contemporânea é a busca de relações contratuais mais justas e razoáveis, que possam transcender a ideia patrimonialista que antes imperava sobre o ordenamento jurídico, dando espaço a novos fundamentos que efetivamente realizem os ideais da Constituição. Nesse prisma é que a constitucionalização do direito civil propõe a inserção de novos valores ao conteúdo jurídico dos contratos, transformando as relações patrimoniais em relações sociais.
Xxxxxxx XXXXXXXX0, ao falar sobre a constitucionalização do direito civil, afirma que a sociedade contemporânea alcançou três conquistas fundamentais, sendo a primeira a descoberta do significado relativo e histórico dos conceitos jurídicos, que antes eram revestidos de absoluteidade e se tornavam insuficientes fora de um contexto histórico ou cultural; a segunda conquista é a superação da dicotomia entre direito público e direito privado, que não serve mais para atender as
4 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pág. 61.
5 XXXXX, Xxxx. O Contrato. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, pág. 26.
6 XXXXXXXX, Xxxxxxx. A constitucionalização do direito civil: perspectivas interpretativas diante do novo código. In: Direito civil: atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 119.
reivindicações sociais diante do amplo compromisso social da Constituição Federal; e a terceira conquista é a absorção dos institutos da família, propriedade e contrato pelo texto constitucional.
Revela-se assim, a necessidade de um contínuo reestudo de conceitos, a fim de que o ordenamento jurídico possa acompanhar a evolução da sociedade, para atender seus anseios de forma eficiente e efetiva.
A clássica dicotomia entre direito público e direito privado já não tem mais lugar nesses novos tempos do ordenamento jurídico, e essa distinção passa a ser superada para dar prioridade à unidade do sistema e ao acolhimento da hierarquia das fontes normativas.
Tal separação não é mais compatível com a realidade social nem com a evolução do sistema jurídico, pois o direito privado já não trata simplesmente da defesa dos interesses individuais, e o direito público já não diz respeito somente à atuação do Estado sobre os cidadãos.
Tais definições perderam seu sentido, e passam, então, a serem repensadas, e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx XXXXXX0 considera que essa separação do direito em público e privado, até então utilizada pela doutrina tradicional precisa ser abandonada, pois tal divisão não mais traduz a realidade econômico-social e não corresponde à lógica do nosso sistema, sendo que o momento atual requer a sua reavaliação.
Essa tendência de confusão entre os domínios do direito público e do direito privado decorre da premissa de materialização de direitos e a consequente transferência de novas funções de inclusão e compensação para o Estado, tornando a delimitação entre direito público e privado uma mera feição didático-pedagógica.
Assim, a divisão do direito em público e privado se transforma em uma distinção com fins meramente didáticos: de um lado prevalece o interesse dos
7 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. A caminho de um direito civil constitucional. In: Revista de Direito Civil, São Paulo, v. 65, jul./set. 1993, p. 25.
indivíduos, e de outro lado o interesse da sociedade. O antagonismo público-privado é superado pelos objetivos de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme disposto na Constituição Federal do Brasil.
Ainda, Xxxxxxx XXXXXXXX0 qualifica a divisão do direito em público e privado como um preconceito que deve ser abandonado, considerando que “A interpenetração do direito público e do direito privado caracteriza a sociedade contemporânea, significando uma alteração profunda nas relações entre o cidadão e o Estado”.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou diversos temas que antes eram tratados somente no direito civil, tornando menos nítida essa distinção entre direito público e privado, e é nesse sentido que a constitucionalização do direito civil propõe a releitura das relações jurídicas, sob o prisma dos valores e princípios constitucionais, priorizando a pessoa humana, sua dignidade e sua personalidade.
Nessa releitura, Xxxxxx XXXXXXX-COSTA9 aponta uma nova concepção do contrato no direito civil brasileiro, em que a autonomia contratual não é mais um impeditivo da função de adequação do caso concreto aos princípios constitucionais e suas novas funções, razão pela qual se desloca o eixo da relação contratual para a tutela objetiva da confiança, diretriz indispensável para concretizar o princípio da superioridade do interesse comum sobre o particular, da igualdade e da boa-fé objetiva.
Xxxxxxxx Xxxxxxx PINHEIRO10 afirma que as novas relações de poder oriundas da concentração de capital, fizeram da pessoa o centro das preocupações, passando a cogitar ao contrato uma função de realizador de direitos fundamentais. A autora aponta tal papel como reflexo de uma democracia que avança para o privado
8 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 19.
9 MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. São Paulo: Revista de Direito do Consumidor, v. 3, set/dez. 1992, p. 141.
10PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Contrato e democracia: contornos de uma tensão valorativa entre pessoa e mercado. (Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília/DF. Disponível em xxx.xxxxxxx.xxx.xx//xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/00000.xxx Acesso em 25/07/2011).
e assenta-se na esfera econômica e social, ou seja, o princípio democrático desenha a autonomia contratual, ao acolher em seu núcleo os direitos fundamentais e sociais.
Analisando o perfil individualista contido nos códigos oitocentistas, Xxxxxxx Xxxx XXXXX00 considera que a nova realidade surgida no início do século XX acabou enfraquecendo os princípios orientadores do Estado Liberal, e as constituições passaram a contemplar disposições que objetivam edificar novos paradigmas jurídicos afetos a sociedade contemporânea, surgindo assim, conteúdos alusivos a direitos fundamentais, função social, dignidade humana e a formação de uma sociedade justa e solidária.
A Constituição Federal de 1988 contemplou esses valores como fundamentos da República, e assim, os institutos jurídicos da família, da propriedade e do contrato até então regulados somente pelo Código Civil, passaram a ser vistos sob a perspectiva constitucional, fundada na proteção da dignidade humana e dos valores sociais, reformulando todo o ordenamento jurídico.
Desta forma, o direito civil busca novos horizontes paras as relações contratuais, onde o indivíduo emerge como centro do ordenamento jurídico, não somente para defender seu patrimônio, mas proteger a sua dignidade enquanto sujeito de direito, reformulando o significado e a finalidade das relações jurídicas para atender aos anseios da sociedade contemporânea.
1.1 Os princípios constitucionais e o direito civil
Apesar da hierarquia existente entre as normas, a Constituição, por si só, não é capaz de regular todo o complexo de relações jurídicas da sociedade, mas seus princípios devem ser aplicados em todas as esferas da legislação infraconstitucional, inclusive no campo do direito civil.
11 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pag. 91.
Referida constatação já havia sido feita por Xxxxxx BEVILAQUA12 ao afirmar que o direito de um povo se move dentro do círculo da sua organização política, onde as constituições são fontes primarias do direito positivo que, embora expressem a vontade social preponderante, não encerram todo o complexo jurídico elaborado pela vida em comum.
Desta forma, também o direito civil deve reconhecer a incidência de princípios constitucionais nas relações entre os particulares, pois a Constituição exige a conformidade de todas as normas hierarquicamente inferiores, de maneira que o direito civil precisa direcionar a construção de seus fundamentos em consonância com o texto constitucional.
A antiga visão do Código Civil numa posição central no sistema jurídico privado, como estatuto único das relações privadas vem perdendo espaço, por não conseguir mais regular de forma satisfatória todas as situações que se apresentam na sociedade atual.
O Estado interfere cada vez mais nas relações privadas, visando atender aos anseios sociais, imprimindo uma regulação cada vez maior da vida privada, através de leis e principalmente da aplicação das normas e princípios expressos na Constituição Federal, que deve ser vista como condição de validade dos institutos do direito civil. Nesse contexto é que a constitucionalização do direito civil propõe a unificação do sistema, não mais centrado no Código Civil, mas na Constituição, em seus princípios e seus valores.
Conforme explica Xxxxxx XXXXXXXXXXX00:
O Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo texto Constitucional.
12 BEVILAQUA, Clóvis. A Constituição e o Código Civil. In: Escritos esparsos. Rio de Janeiro: Destaque, 1995, p. 74.
13 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 2ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 6.
Essa ideia de releitura do Código Civil à luz da Constituição abre caminho para um direito civil mais preocupado com os desafios da sociedade contemporânea, voltado para a construção de um direito social, onde o interesse público sobrepõe-se à vontade individual das partes.
Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxx XXXXX ressalta que o interesse coletivo passa a ter preponderância sobre o interesse individual, como garantia de diminuição das desigualdades decorrentes de uma ordem legal que antes visava afastar o Estado das relações jurídicas, como se a ele não interessasse reduzir os conflitos oriundos da legislação infraconstitucional individualista na defesa axiologicamente neutra do patrimônio individual.
No entendimento de Xxxxxx XXXXXXXXXXX00, para que essa transformação se concretize, não basta insistir na afirmação da importância dos interesses da personalidade no direito privado, é preciso reconstruir o Direito Civil não com uma redução ou aumento da tutela de situações patrimoniais, mas com uma tutela qualitativamente diversa.
Essa interligação entre os vários ramos do direito e a Constituição decorre da homogeneidade de objetivos existente nesta, e essa união impõe uma nova visão ao direito civil, comprometido com os direitos e garantias expressos na lei fundamental.
O que se busca, portanto, não é abandonar tudo aquilo que até hoje fora estudado sobre legislação e doutrina civil, remetendo toda a estrutura do ordenamento civil para um arquivo que nunca mais será utilizado. Ao contrário, o que se deve é analisar os dispositivos do Código Civil sob um novo ângulo, de uma forma crítica, procurando associar seus enunciados aos valores consagrados na Constituição Federal.
Exemplo disso é a discussão sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da autonomia privada. Ambos são princípios constitucionais,
14 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 2ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 34.
verdadeiros fundamentos da República, que devem ser aplicados em todas as relações jurídicas, mas que em algum momento – principalmente nas relações contratuais – poderão confrontar-se, obrigando o intérprete do direito a usar de ponderação na análise dos valores envolvidos, para encontrar uma solução mais justa e adequada à realidade.
1.2 Princípio da dignidade da pessoa humana
A Constituição Federal insculpe, no inciso III do artigo 1º15, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da nossa República. Do mesmo modo, o Código Civil proclama, em seu artigo 1º16, que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Assim, a pessoa humana emerge como pressuposto essencial, núcleo central do ordenamento jurídico atual.
De acordo com a clássica lição kantiana, o homem existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade, de forma que, se o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento constitucional, pode-se afirmar que o Estado existe em função das pessoas, e não estas em função do Estado. Por isso, toda e qualquer ação do Estado deve ser avaliada, sob pena de violar a dignidade da pessoa humana. Ela é, assim, um paradigma avaliativo da ação do Poder Público e elemento imprescindível de atuação do Estado.
No momento jurídico atual, provavelmente nenhum outro tema mereça mais atenção do que o princípio da dignidade da pessoa humana, que desperta o interesse de todos, mas revela a existência de muitas controvérsias envolvendo seu conceito, seu fundamento de validade e sua aplicabilidade direta como princípio.
15 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
16 Art. 1o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Primeiramente, verifica-se que a dificuldade de conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana vem de sua própria natureza axiologicamente aberta, bem como de sua variabilidade histórico-cultural.
O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo categórico kantiano, tornou-se, segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx XXXXXX00, um verdadeiro comando jurídico a partir do advento da Constituição Federal de 1988, proclamando-a entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática.
Xxxx Xxxxxxxx XXXXXX00 entende por dignidade da pessoa humana “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade”, e ressalta que tal definição implica no reconhecimento de um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem condições existenciais mínimas além de promover sua participação nos destinos da própria existência e na vida em sociedade.
Para Xxxxxx XXXXXXXXXX00:
A dignidade da pessoa humana é um verdadeiro supraprincípio, a chave de leitura e da interpretação dos demais princípios fundamentais e de todo os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição.
A íntima vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais estabelece um conceito que objetiva a criação de condições efetivas de vida digna a todos, e essa aplicabilidade dos direitos fundamentais deve ocorrer também nas relações entre os particulares.
Assim, a dignidade da pessoa humana há de ser compreendida e afirmada nas relações que o indivíduo estabelece com as outras pessoas, impondo- se ante qualquer contexto social ou circunstância particular.
17MORAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. São Paulo: Xxxxxxx, 0000, pág. 82-83.
18 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.
19 XXXXXXXXXX, Xxxxxx. Direitos da personalidade e sua tutela. 2ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 140.
O situar da pessoa humana como núcleo do ordenamento jurídico implica compreender o direito como um fator de justificação, que regula os sujeitos que vivem em sociedade, independente da condição singular desses sujeitos, impondo a afirmação dos direitos da personalidade e sua tutela jurídica, a ser aplicada tanto no âmbito das relações do direito público quanto do direito privado.
Desse modo, toda e qualquer norma de direito civil deve se coadunar com o texto constitucional, devendo ser interpretadas como um reflexo fiel das normas constitucionais.
Nesse sentido, a regulamentação da atividade privada deve privilegiar a dignidade da pessoa humana, transformando o direito civil, que antes se dedicava a regulamentar a atividade econômica individual, a enfrentar um novo desafio, o de regulamentar a vida social, onde quer que a pessoa humana se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada.
1.3 Princípio da autonomia privada
A autonomia privada é o poder dos particulares regularem, pelo exercício de sua própria vontade, as relações jurídicas de que participam, estabelecendo o seu conteúdo e eficácia jurídica. É princípio de autodeterminação dos homens, que reconhece a liberdade individual e a autonomia do agir.
Todavia, é um princípio jurídico fundamental que, atualmente, que deve ser considerado em uma nova concepção de direito, que tem como eixo fundamental a realização dos interesses da pessoa humana e, por isso, tende a limitá-la com a ordem pública e os bons costumes.
A vontade individual é exercitável na forma e nos limites que o sistema jurídico estabelece, obedecendo a uma identidade de propósitos, que é basicamente a procura pela eficácia jurídica, isto é, a possibilidade de produção de efeitos jurídicos.
No campo do direito civil, o reconhecimento da autonomia privada se dá, mais especificamente, no princípio da liberdade contratual. O Código Civil dispõe que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, o que nos permite compreender que a autonomia privada deixou de ser um princípio fundante do sistema jurídico, para tornar-se uma verdadeira perspectiva funcional, onde os interesses da sociedade se sobrepõem aos interesses particulares, sem que isso implique, necessariamente, na anulação da vontade individual.
Sob esse aspecto, Xxxxxxxxx Xxxxxx XXXXXX00 faz sua crítica, ao assinalar que “O contrato ganhou por um lado o que perdeu por outro. A autonomia da vontade aumentou em extensão, mas diminuiu de intensidade, porque hoje é mais débil, mais frouxa do que outrora”.
Xxxxxx XXXXXXXXXXX00 ensina que a autonomia privada “não pode ser determinada em abstrato, mas em relação ao específico ordenamento jurídicos no qual é estudada e à experiência histórica que, de várias formas, coloca sua exigência”. E afirma que a autonomia privada pode ser entendida como “o poder de determinar vicissitudes jurídicas como conseqüência de comportamentos – em qualquer medida – livremente assumidos.”
Se por um lado, a aferição da autonomia privada parece subjetivamente incompatível com a fundamentação positiva do direito de contratar, por outro, autores como Xxxx Xxxxx FACHIN22 atestam que é possível se deduzir a vontade de contratar a partir de comportamentos concludentes, casos em que a pactuação não é exclusivamente expressa a partir de uma declaração de vontade dimanada a teor da linguagem, mas também de atitudes outras as quais podem-se considerar manifestações tácitas da vontade.
20 TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx. Manual dos Contratos em Geral. 3ª ed. Lisboa: Lex, 1995, p. 62.
21 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. 2ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 17.
22 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial. In: Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 115.
A autonomia privada era formulada como expressão do liberalismo econômico, onde a liberdade individual ganhava importância exacerbada. Todavia, essa autonomia privada ou liberdade contratual não é absoluta, e nem poderia ser, pois o agir do indivíduo está limitado dentro do ordenamento jurídico.
Para Xxxx Xxxxx FACHIN23 a expressão da autonomia privada é uma manifestação do poder de criar relações que são validadas pelo direito, e cuja conformidade com o ordenamento jurídico impõe seus limites no sentido de que a lei somente chancela o negócio jurídico que não ultrapassar a moldura da juridicidade.
Nesse mesmo sentido, assinala Xxxxx XXXXX00 que a autonomia privada corresponde ao poder de livre manifestação e regulação dos interesses, cujos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes são aqueles pré-dispostos na moldura jurídica, mesmo que esta somente aponte os princípios orientadores ou ditames gerais. Assim, esse poder de regulação dos interesses privados sofre limitações, e a liberdade individual passa a ser limitada em prol da sociedade.
De acordo com Xxxxxxx XXXXX00, essas limitações surgem diante da crescente complexidade da vida econômica, que passa a exigir novos instrumentos jurídicos, e a esfera da autonomia privada encolhe na medida em que o estado interfere na economia.
Xxxxx XXXXX00 observa uma intrínseca relação entre autonomia privada, constituição e solidariedade social, remetendo ao judiciário a tarefa de conjugar esses valores, tomando como norte o indivíduo numa perspectiva coletiva material e existencial.
23 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. O novo conceito de ato e negócio jurídico. Curitiba: Educa e Scientia et Labor, 1988, p. 56.
24 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Do contrato. Conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá. 2008, p. 162.
25 XXXXX, Xxxxxxx. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: XX, 0000, p. 45.
26 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Do contrato. Conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá. 2008, p. 173.
Para Xxxxxxx Xxxx MARQUES27 a socialização da teoria contratual se constitui fator de limitação ao exercício da autonomia privada, que se perpetrará por meio do intervencionismo estatal, exigindo a aplicação da boa-fé objetiva na formação e execução das relações obrigacionais.
Desse modo, os conceitos atuais passam a ser objeto de uma análise estrutural e funcional, buscando a constante comunicação entre a nova codificação civil e os fundamentos constitucionais, trazendo novos valores ao ordenamento.
Assim, a constitucionalização do direito civil se realiza numa forma de desconstrução e reconstrução de conceitos e princípios, para que também a autonomia privada seja vista numa nova concepção, onde se busca superar o individualismo jurídico em favor dos interesses coletivos, atendendo os anseios e reivindicações da sociedade contemporânea.
1.4 Novo Código Civil: a função social do contrato e a boa-fé
O Código Civil de 1916 foi inspirado no modelo liberal – individualismo, patrimonialismo, igualdade formal e a força obrigatória dos contratos – e sua pretensa completude o levaram a ser o núcleo central das relações jurídicas de direito privado. Corroborando esse entendimento, Xxxxxxx XXXXXXXX00 afirma que:
"O código civil, bem se sabe, é fruto de doutrinas individualistas e voluntaristas que consagradas pelo Código de Xxxxxxxx e incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiraram o legislador brasileiro quando, na irada do século, redigiu o nosso código civil de 1916. Aquela altura o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação de sujeitos de direito notadamente o contratante e o proprietário,os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade sem restrições ou entraves legais. Eis a filosofia do século XIX, que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil."
27 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 211.
28 XXXXXXXX Xxxxxxx. Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 22.
Todavia, surgiram mudanças relevantes na sociedade e no ordenamento jurídico, de forma que os direitos sociais passaram a ter maior importância nesses tempos modernos.
Assim, com a vigência do Novo Código Civil Brasileiro, vários conceitos tradicionais passam a ser reformulados, e é nesse contexto que a moderna corrente de constitucionalização do direito civil propõe que o diploma civil venha exercer uma verdadeira função de equilíbrio dos interesses da sociedade, mas sem desconsiderar o sujeito de direito enquanto indivíduo, como razão do sistema democrático contemporâneo, que se caracteriza pela conjunção da liberdade individual com a justiça social.
Há que se registrar que os novos princípios informadores do contrato são oriundos da nova realidade social e da nova sistemática do Código Civil. Não obstante, são fomento do valor fundante da pessoa humana, afastando do modelo individualista, muito embora não o abandonando, mas agregando aos novos princípios uma finalidade social.
O Novo Código Civil dispõe, em seu artigo 42129, que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. A liberdade contratual se manifesta pela liberdade da parte em querer contratar, escolher com quem contratar, bem como estabelecer o conteúdo, a forma e os efeitos do contrato.
Cáio Xxxxx xx Xxxxx XXXXXXX00 explica que a liberdade de contratar concretiza-se primeiramente sob a faculdade de contratar ou não contratar, em seguida, tal liberdade implica na escolha da pessoa com quem contratar e que tipo de negocio contratar, e por último, a liberdade de contratar reflete o poder de determinar o conteúdo do contrato, estipulando suas cláusulas de acordo com a conveniência das partes.
29 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
30 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 15.
Desta forma, se o Código Civil dispõe que a liberdade de contrato será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, verifica-se a intenção do legislador em harmonizar-se com o processo contemporâneo de funcionalização dos institutos de Direito Civil, passando da consideração da autonomia privada como princípio fundante do sistema de direito privado, para uma perspectiva funcional desse princípio.
A atribuição de uma função social ao contrato significa reconhecer que os interesses supremos da sociedade devem se sobrepor aos interesses do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, na anulação da pessoa humana, justificando-se, então, a ação do Estado pela necessidade de promover a justiça social. O já referido artigo vincula o princípio da autonomia de vontade ao princípio da socialidade, pois a liberdade de contratar passa a ser limitada pela função social do contrato, atendendo aos interesses sociais e possibilitando o equilíbrio econômico-contratual.
Portanto, a função social se apresenta como um princípio geral que não vem para colidir nem tornar ineficazes os direitos subjetivos, mas para orientar o respectivo exercício desses direitos na direção mais consentânea com o bem comum e a justiça social.
A justiça social, por sua vez, diz respeito aos deveres das pessoas em relação à sociedade, superando o individualismo jurídico em favor dos interesses comunitários e corrigindo os excessos da autonomia da vontade e dos interesses econômicos dos particulares.
Assim, a função social destina-se a impedir o abuso no exercício do direito subjetivo contratual, atuando como critério de interpretação jurídica e legitimando a intervenção do Estado por meio de normas excepcionais, que estabelecem limitações à liberdade de contratar e que, de modo geral, se denominam de ordem pública e bons costumes.
Xxxxxxx Xxxx XXXXX00 comenta que a função social encontra sustentação no poder que é dado ao Estado, visando o bem coletivo de exigir um dever jurídico do indivíduo, que se reflete no comportamento que não seja lesivo ou ameace os interesses supremos da sociedade. O autor complementa que o direito contratual passa a ter seus fundamentos questionados sob ângulo coletivo, cuja relevância não diz respeito somente as partes, porque todo e qualquer instituto jurídico deve desempenhar a sua função social, não sendo admissível, portanto, a tutela de interesses que afrontem a justiça contratual.
Xxxxxxx XXXXX00, ao falar sobre esse fenômeno de transformação da função do contrato, afirma que o contrato deixou de ser mero instrumento do poder de autodeterminação privada, para se tornar um instrumento de realização dos interesses da coletividade, ou seja, o contrato passa a ter função social.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx XXXXXXX00 ressalta que a ideia de função social do contrato impõe ao jurista a proibição de ver o contrato como algo que somente interessa as partes, afirmando que o mesmo tem importância para toda a sociedade, cuja asserção faz parte, hoje, do ordenamento jurídico por força da própria Constituição Federal que fixa o valor social da livre iniciativa como um dos fundamentos da República.
Desta forma, o Novo Código Civil apresenta novos rumos ao direito privado, em especial no campo do contrato, destacando normas explícitas para consagrar a boa-fé e a função social do contrato.
Para Xxxxxxx Xxxx MARQUES34, a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, onde não só a manifestação de vontade
31 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pag. 85.
32 XXXXX, Xxxxxxx. A função do contrato. In: Novos Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 109.
33 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 141.
34 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 101.
importa, mas também, e principalmente, a repercussão dos efeitos do contrato na sociedade e a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas.
Segundo Xxxxxx XXXXXXXXX00, o princípio da autonomia da vontade “consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações órbitas do direito, desde que se submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse social.”
Ainda, importante ressaltar que, dentro da sistemática do Novo Código Civil Brasileiro, não é apenas a função social do contrato que se constitui limite à liberdade de contratar, mas também o princípio da boa-fé, disposto no artigo 42236 do referido diploma civil.
O princípio da boa-fé vincula os contratantes ao dever de lealdade que está na base do contrato, a honestidade no procedimento e a maneira criteriosa de cumprir os deveres contratuais.
Certamente, o advento da Constituição Federal foi muito importante para o avanço do instituto da boa-fé, com a inclusão das relações de forma justa e solidária, como objetivo fundamental, inserido em seu artigo 3º, inciso I37, e dos valores sociais da livre iniciativa como fundamento da República, disposto no artigo 1º, inciso IV38.
Em que pese o instituto da boa-fé encontrar previsão desde o Código Comercial de 1850, verifica-se que não havia um esforço significativo para que, de fato, a boa-fé fosse aplicada como princípio norteador das relações contratuais e delimitador da autonomia privada. A partir da vigência do Código de Defesa do
35 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 15.
36 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
37 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
38 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Consumidor é que a boa-fé foi efetivamente introduzida no ordenamento brasileiro, consagrando-se como princípio norteador das relações jurídicas.
Também o Novo Código Civil, ao contemplar a boa-fé objetiva, demonstra a preocupação do legislador com a manutenção do equilíbrio contratual, em consonância com os princípios constitucionais. O Novo Código Civil vem norteando suas regulamentações para um padrão social, possibilitando a interpretação dos contratos conforme os ditames da boa-fé, almejando uma relação jurídica digna e honesta que atenda as expectativas das partes e mantenha a segurança jurídica no cumprimento do avençado.
A boa-fé deve estar presente em todas as relações contratuais como parâmetro de conduta honesta, digna, confiável e ética. A manifestação de vontade sai da esfera individual para repercutir no âmbito social e demonstrar a solidariedade e igualdade que os contratos têm de manter em uma sociedade justa, para atingir seu fim ético e comum.
A boa-fé é uma forma de interpretação contratual mais equânime e com fundamentos determinantes na dignidade da pessoa humana, preservando sua liberdade contratual e regulando a conduta do indivíduo em consonância com os princípios constitucionais para garantir a justiça social, e como tal, constitui uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, devendo ser analisada como condição primeira da realização da justiça.
O princípio da boa-fé assume funções importantes dentro do ordenamento jurídico, limitando o exercício dos direitos subjetivos e criando novos deveres jurídicos. Sobre essas funções da boa-fé no ordenamento jurídico vigente, Xxxxxx XXXXXXXXX00 assinala que as diversas funções atribuídas a esse princípio podem ser analisadas segundo a perspectiva constitucional que configura o dever de boa-fé como uma especificação do principio da dignidade da pessoa humana em conformidade com os fundamentos e objetivos constitucionalmente previstos na ordem econômica.
39 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 270.
Para Xxxxxxx Xxxx XXXXX00, a boa-fé desempenha uma tríplice função: a função hermenêutico-integrativa, a função de conduta ético-jurídica e a função limitadora do abuso de direito.
Assim, a incidência da boa-fé determina uma forte valorização da dignidade da pessoa humana em substituição à autonomia da vontade, na medida em que se passa a encarar as relações contratuais como um espaço de solidariedade e cooperação entre as partes.
Atualmente, defende-se a aplicação da boa-fé em todas as fases contratuais, não limitando sua incidência aos momentos de formação e execução contratual. Nesse sentido, Xxxxx Xxxx Xxxxx LÔBO41 ressalta que embora o Código Civil não tenha sido tão claro em relação aos contratos comuns, ao referir-se em seu art. 422 à conclusão e execução do contrato, admitiu sua interpretação em conformidade com o atual estado da doutrina jurídica acerca do alcance do princípio da boa-fé aos comportamentos in contrahendo e post factum finitum.
A inserção da cláusula geral da boa-fé objetiva no Código Civil lança novos desafios ao aplicador do direito, nos quais se inclui, segundo Xxxxxx Xxxxx FRITZ42, não apenas a necessidade de definir o conceito de boa-fé objetiva e desenvolver suas potencialidades, mas principalmente, trabalhar os institutos jurídicos originados desse princípio, como é o caso da responsabilidade civil pré- contratual, que surge quando uma das partes viola os deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva durante as negociações preliminares, causando dano à outra parte.
40 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pag. 136.
41 LÔBO. Xxxxx Xxxx Xxxxx. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 84.
42 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A boa-fé objetiva e sua incidência na fase negocial: um estudo comparado com base na doutrina alemã. In: Revista de Direito Privado nº 29. São Paulo: XX, Xxx-Xxx/0000, pág. 202.
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
2.1 Breves considerações sobre a teoria geral de responsabilidade civil
Não há como analisar a responsabilidade civil pré-contratual sem antes fazer uma abordagem acerca da teoria geral da responsabilidade civil. O instituto da responsabilidade civil é inspirado no anseio de justiça da sociedade, do qual surge o senso de responsabilização daquele que causar dano a outrem, devendo ser compelido a ressarcir o prejuízo causado, restabelecendo o status quo ante do lesado.
Segundo o ensinamento de Xxx XXXXX00 a noção de responsabilidade vem da própria origem da palavra respondere, que significa, no latim, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. O autor ressalta que a responsabilidade é resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever; se atuar na forma indicada pelo direito, não há que se indagar da responsabilidade daí decorrente.
Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar que o ato ilícito é fonte de obrigação – aquele que causar dano tem o dever de indenizar – e cuja noção de antijuridicidade implica em um conceito de culpa stricto sensu, ou seja, a falta de uma conduta desejada no agente, um desvio de comportamento.
Assim, verifica-se que a questão da culpa está associada à questão da previsibilidade. Na lição de Xxxxxx XXXXXXXXXX FILHO44, o resultado há de ser previsível, a previsibilidade é o limite mínimo da culpa, entendendo-se tal como a possibilidade de prever, pois se o resultado poderia ter sido previsto, consequentemente poderia ter sido evitado.
Para a correta conceituação de culpa, Xxxxxx Xxxxxxx XXXXXXXXX00 ressalta que não se pode prescindir dos elementos previsibilidade e comportamento
43 XXXXX, Xxx. Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed., São Paulo: XX, 0000, p. 114.
44 CAVALIEIRI FILHO, Xxxxxx. Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Atlas, 2007, p. 35.
45 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade civil. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34.
do homo medius, somente podendo cogitar de culpa quando o evento é previsível, abrangendo-se nesse sentido o dolo, que é o pleno conhecimento do mal e a perfeita intenção de praticá-lo, e a culpa stricto sensu, que corresponde a violação de um dever que poderia ser conhecido e observado segundo os padrões de comportamento médio.
Portanto, a violação de qualquer direito, por ação ou omissão do agente, que causar dano a outrem, implica na obrigação de reconstituir o direito material ou imaterial violado.
Para que haja responsabilidade, faz-se necessário identificar a conduta que dá origem à obrigação de indenizar. Conforme afirma VENOSA46, o que interessa é identificar a conduta que resulta na obrigação de indenizar, e nesse âmbito, uma pessoa é responsável quando suscetível de ser sancionada independente de ter cometido pessoalmente um ato antijurídico.
Quanto ao elemento culpa, no ordenamento jurídico vigente, a responsabilidade civil divide-se em subjetiva e objetiva. O princípio que rege a responsabilidade no Código Civil é o da responsabilidade subjetiva, ou seja, responsabilidade com análise da culpa, ao passo que a responsabilidade civil objetiva somente poderá ser aplicada quando existir lei expressa que a autorize, em conformidade com o contido no artigo 92747 do Código Civil.
A responsabilidade subjetiva é aquela apurada mediante a presunção de existência da culpa do agente causador do dano, enquanto que a responsabilidade objetiva é aquela apurada independentemente de culpa do agente causador do dano, pela gravidade ou risco da atividade por ele desenvolvida.
E ainda, quanto a sua natureza jurídica, a responsabilidade civil pode ser proveniente da violação de uma relação contratual ou extracontratual, sendo
46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.12.
47 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
necessária distinguir ambas, uma vez que o tema central do presente estudo – responsabilidade civil pré-contratual – não tem um posicionamento unânime quanto a sua natureza jurídica.
Enquanto na responsabilidade contratual há o descumprimento do pactuado, tornando-se o agente danoso inadimplente, na responsabilidade extracontratual há infração de dever legal a despeito de prévio vínculo jurídico entre vítima e causador do dano. Destarte, pode-se observar que estão presentes no dever de indenizar os elementos culpa, dano e nexo de causalidade.
Se a obrigação de indenizar o dano causado surgir do inadimplemento de uma obrigação negocial, denomina-se de responsabilidade contratual. Já a responsabilidade extracontratual, surge da violação de um direito subjetivo, sem que o ofensor e a vítima tenham qualquer relação contratual.
Na ótica de Xxx XXXXX00, a responsabilidade extracontratual é o encargo imputado ao responsável de recompor o dano originado do seu ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem, enquanto que a responsabilidade contratual é aquela que decorre da inexecução de obrigação nascida do contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores.
Extrai-se da doutrina de Xxxxxx Xxxxxxx XXXXXXXXX00 que na responsabilidade extracontratual o agente infringe um dever legal sem que exista nenhum vinculo jurídico entre a vítima e o causador do dano, enquanto que na contratual o que ocorre é o descumprimento do avençado, que torna o agente inadimplente, em razão da existência de uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida.
48 STOCO, Rui, Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 140.
49 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade civil. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 22.
Existem algumas diferenças entre a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual. Xxxxxxx XXXX00 menciona as mais importantes: “ônus da prova [...] fontes [...] capacidade do agente [...] gradação da culpa [...] regime de solidariedade”.
Todavia, em que pese as discussões doutrinárias sobre tais diferenças, em especial quanto ao elemento culpa, não se pode negar que a responsabilidade contratual e extracontratual guardam semelhanças.
Alguns doutrinadores não vêem sentido nessa dicotomia entre a responsabilidade contratual e extracontratual, porque os efeitos incidentes sobre o descumprimento do contrato ou sobre a violação ao dever geral de não causar danos a outrem são os mesmos.
De acordo com a formulação de Xxx XXXXX00, enquanto a relação contratual é informada pela boa-fé e as obrigações são cumpridas, guarda-se a distinção da lei; mas uma vez ocorrendo o descumprimento do contrato, então nasce o ilícito, e a responsabilidade contratual e extracontratual se aproximam, e passam a assumir características únicas.
Em seus estudos, Xxxxx XXXXX00 conclui que mesmo com a diversidade positiva, os aspectos gerais, bem como os elementos fundamentais componentes de cada regime de responsabilidade são comuns.
Assim, após uma breve análise dos aspectos gerais da teoria da responsabilidade civil, é possível adentrar ao estudo da responsabilidade civil pré- contratual.
50 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, p. 141.
51 STOCO, Rui, Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 142.
52 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá. 2008, pág. 72.
2.2 Conceito e natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual
O instituto da responsabilidade pré-contratual tem origem na Alemanha, na segunda metade do século XIX, mais especificamente em 1861, quando Xxxxxxx Xxx Xxxxxxx, após uma longa e trabalhosa investigação baseada em uma experiência particular, acabou por formular a teoria da culpa in contrahendo, que foi o berço do reconhecimento da responsabilidade pré-contratual.
Referida experiência é relatada por Xxxxxx XXXXXXX-XXXXX00, segundo a qual, Ihering, sabendo da viagem de um amigo à cidade de Bremen, na Alemanha, encomendou um quarto de uma caixa de charutos. Ao receber seu pedido, Ihering verifica que seu amigo não trouxera apenas um quarto, mas quatro caixas de charutos. Diante do fato, o jurista alemão teria indagado a si próprio, de quem seria a responsabilidade pelo prejuízo havido e como poderia fundamentar juridicamente a solução mais razoável para o caso. A partir de então, Xxxxxxx passou a investigar tais situações, criando a teoria da culpa in contrahendo, e a questão despertou grande interesse da comunidade jurídica, levando muitos doutrinadores a estudar referido assunto.
Reservado o mérito da teoria concebida por Xxxxxxx, há de se registrar que o estudo da responsabilidade pré-contratual por outros civilistas foi de grande importância para sua evolução, que passou a abranger outras hipóteses de responsabilização por dano ocorrido antes da formação do contrato, com a inserção do princípio da boa-fé como fonte da responsabilidade pré-contratual.
Em sua obra, Xxxxx Xxxxxxxx XXXXXXX00 informa que a culpa in contrahendo é a infração do dever de atenção que deve ser observado por aquele que vai concluir o contrato ou que levou alguém a concluir, que representa o dever de verdade, de diligencia e exatidão no modo de exprimir-se na relação.
53 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, p. 488.
54 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 52.
Embora o Novo Código Civil não mencione expressamente a responsabilidade pré-contratual, a sua existência já era reconhecida. Esta é a colocação feita por Xxxxxx Xxxxxxx XXXXXX00:
Permanece, porém, uma lacuna, e a evolução do direito insiste em afirmar a sua existência, mas deduz-se pelo novo Código que o legislador pátrio não se apercebeu de sua importância, ou apercebendo- se, desviou omissivamente o foco de sua atenção não recepcionando explicitamente a responsabilidade pré-contratual.
Xxxxxx XXXXXXX-XXXXX00 traz um conceito preciso sobre o tema ao pontuar que a responsabilidade pré-negocial ocorre quando a parte rompe intempestivamente as negociações, ferindo os interesses da contraparte que tinha a convicção de que o contrato seria formado.
A responsabilidade civil pré-contratual tem origem na violação de um dever jurídico preexistente, que se estabelece durante a fase de formação da relação contratual.
Conforme já mencionado, não há um entendimento unitário sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil pré-contratual, se a mesma teria base contratual ou extracontratual. Parte da doutrina considera que não existe um posicionamento unânime ao qualificar a responsabilidade civil pré-contratual como de natureza contratual ou extracontratual, sendo frequente afirmar-se que se trata de um tertium genus.
A responsabilidade pré-contratual possui características específicas que a aproximam das relações contratuais, e sobre esse aspecto, Xxxxxx XXXXXXX- XXXXX00 considera que o espaço onde ocorre a responsabilidade civil pré-contratual é do ainda-não-contrato onde não existe, ainda, vinculação contratual, mas que poderá haver, se reunidas certas condições.
55 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-contratual. Curitiba: Juruá. 2006, pág. 50.
56 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, p. 486.
57 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, p. 481.
Em seguida, complementa Xxxxxx XXXXXXX-XXXXX00 que sob a perspectiva ditada pela teoria do contato social, verifica-se que Ihering rejeita a ideia de atribuir natureza jurídica extracontratual porque os casos que a justificam implicam num grau elevado de distância entre os sujeitos do contato, afirmando, portanto, que a responsabilidade pré-contratual teria natureza contratual.
Na fase pré-contratual as partes não estão obrigadas a contratar, em razão do já mencionado princípio da liberdade de contratar, que se refere à possibilidade de realizar ou não o contrato, de escolher com quem e como contratar.
Considerando que tais atos são praticados na fase pré-contratual, conseqüentemente, a natureza jurídica da responsabilidade civil pré-contratual é de base contratual, pois a liberdade de contratar é aplicada justamente neste período pré-contratual.
Em seu turno, Récio Xxxxxxx XXXXXXXXX00 sustenta que a responsabilidade pré-contratual é efetivamente de natureza extracontratual, uma vez que é o comportamento das partes que a identifica, e não o inadimplemento contratual, tratando-se da infringência do dever geral de neminem laedere, e considera ainda que, na violação dos deveres pré-contratuais residem as características de um ato ilícito, que acarreta dano a outrem e enseja o dever de indenizar.
Para Xxxx Xxxxx FACHIN60, qualquer que seja o resultado da discussão sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual, não obstante seu grande relevo teórico e prático, permanecerá a conclusão de que existirá o dever de indenizar.
58 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, p. 490-491.
00 XXXXXXXXX, Xxxxx Eduardo. Responsabilidade pré-contratual. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1995, pág. 56.
60 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial, In: Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 138.
Em que pese a doutrina dispor de diversos fundamentos a respeito da natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual, a maioria apresenta como ponto comum a sua configuração pela teoria da boa-fé objetiva, que se funda na ideia de que as partes devem comportar-se de acordo com determinadas regras, que impõe os chamados deveres de conduta, sob pena de serem responsabilizadas pelos danos eventualmente causados.
Importante ressaltar que, segundo o Código Civil, tais princípios devem ser observados não somente durante a vigência do contrato, mas também na sua formação e mesmo após a sua extinção, caracterizando a teoria da responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual.
Analisando a configuração da responsabilidade pré-contratual, Xxxxx Xxxxxxxx PEREIRA61 menciona quatro hipóteses que podem caracterizá-la: (a) responsabilidade pela ruptura das negociações preliminares; (b) responsabilidade por danos causados à pessoa ou aos bens do outro contraente durante as negociações preliminares; (c) responsabilidade pela constituição de contrato inexistente, nulo ou anulável; (d) responsabilidade por danos causados por fatos ocorridos na fase de negociações, quando tenha sido validamente constituído o contrato.
A responsabilidade pré-contratual trata-se de um gênero, do qual fazem parte várias figuras, dentre as quais, a mais conhecida é a responsabilidade por rompimento injustificado das negociações preliminares, todavia, independente das hipóteses existentes de responsabilidade pré-contratual, todas têm em comum a violação de um dos chamados deveres de conduta, decorrentes do princípio da boa- fé objetiva, e que devem estar presentes tanto na execução do contrato, como na sua formulação e mesmo após a sua conclusão.
Desta forma, os deveres da boa-fé objetiva impõem não apenas uma forma de agir com consideração aos interesses da contraparte, mas também de colaborar para a satisfação de todos os interesses envolvidos na relação.
61 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 442.
Por tal razão, Xxxxx Xxxxxxxx XXXXXXX00 afirma que os deveres que decorrem do princípio da boa-fé, não têm caráter acessório de um dever principal, já que esse dever jurídico principal ainda não existe, e por isso, nessa fase, verifica-se que esses deveres assumem o papel principal na regulação do comportamento das partes, pois serão capazes de definir as exigências de conduta de uma parte em relação à outra. Tais deveres visam proteger a contraparte de eventuais riscos de danos à sua pessoa e seu patrimônio, sendo, portanto, denominados deveres de proteção, tratando-se de deveres laterais que compõem o novo perfil do contrato contemporâneo.
O período onde ocorrem as discussões e ajustes necessários para melhor adequação à vontade dos contratantes, visando à efetivação do contrato é usualmente chamado de negociação. Nesta fase denominada de negociação, algumas regras devem ser observadas pelas partes a fim de evitar dano à outra. São os chamados deveres de conduta, referindo-se aos deveres de lealdade e de informação.
O dever de lealdade consiste num dever negativo resultante da cláusula geral de boa-fé objetiva, e implica na proibição de interrupção das negociações, sobretudo, se a conduta das partes tiver criado uma real e fundada expectativa na efetivação do contrato, ou seja, aquele que rompe as negociações trai o investimento de confiança que, em razão da sua conduta, embutiu na contraparte negociante.
Xxxxxxx POPP63 menciona dois pressupostos aptos a demonstrar a violação do dever de lealdade: a ocorrência efetiva de negociações, as quais tenham gerado um grau razoável de confiança na contraparte, bem como a ilegitimidade na retirada das negociações.
62 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 88.
63 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, p. 210.
Segundo o autor, a confiança diz respeito ao sentimento de segurança que irá conduzir as negociações preliminares com probidade, lealdade e seriedade, de forma que a ruptura não pode ser inesperada nem injustificada, pois a violação do dever de lealdade decorre justamente da ofensa à confiança depositada pelas partes na relação.
Na origem deste dever de indenizar, não há, necessariamente, que se verificar o descumprimento de uma promessa, bastando que as declarações proferidas durante as negociações não aparentem se conduzir à ruptura negocial, enquanto a outra parte não contasse com a frustração do processo negocial, mas acreditasse na sua conclusão.
O dever de informação corresponde ao dever de esclarecer as características do negócio e de advertir sobre os riscos do contrato e os eventuais danos que possam ser causados.
Considerando que as negociações são a fase na qual as partes deliberam sobre a formação do contrato, é razoável exigir-se que todas as informações relacionadas com o futuro negócio sejam fornecidas de clara e completa, para que as partes possam formar um juízo de conveniência e oportunidade sobre o contrato.
Assim, o que se entende pelo dever de informar é a exigência de bem prestar informações corretas, claras e precisas sobre as características relativas ao contrato, e a falta de diligência desse dever pode resultar, mesmo na fase pré- contratual, em uma sanção jurídica, com o dever de reparar os danos ocorridos diante da não conclusão do contrato.
A omissão do dever de informar as circunstâncias do negócio e a injustificada ruptura negocial se mostra contrária à atuação de boa-fé objetiva e do respeito pelos deveres de lealdade e informação, de forma que, provocando a ruptura negocial numa fase avançada das negociações, constitui fato gerador da obrigação de indenizar, por defraudar o investimento na confiança.
Desta forma, a violação desses deveres de comportamento baseados na boa-fé objetiva resulta no dever de colocar a parte que sofreu o dano na posição em que estaria se as negociações não tivessem sido interrompidas injustificadamente, com direito a indenização por tudo aquilo que despendeu na expectativa da efetivação do contrato.
2.3 A boa-fé objetiva como princípio da responsabilidade pré-contratual
A responsabilidade civil pré-contratual tem origem na violação de um dever jurídico preexistente, que se estabelece durante a fase de formação do contrato, pois ao iniciar as tratativas, as partes devem cumprir certos deveres de conduta, agindo com probidade e boa-fé. A boa-fé é um instrumento indispensável nas relações sociais, é o ponto de partida para análise da responsabilização das partes pelos atos que resultem em danos.
É possível afirmar que, embora não expressamente, a responsabilidade pré-contratual foi recepcionada pelo ordenamento jurídico através do artigo 422 do Código Civil Brasileiro. Tal fato pode ser explicado, conforme explica Xxxxxx Xxxxx FRITZ64, por uma razão bem simples, pois a responsabilidade pré-contratual e a boa-fé objetiva andam juntas, numa relação de fundamentação, haja vista que a boa-fé objetiva é o fundamento básico utilizado pela jurisprudência alemã para a construção da teoria da responsabilidade pré-contratual.
Xxxxxx XXXXXXX-XXXXX00 defende que a boa-fé objetiva não é apenas um princípio geral a ser aplicado igualmente em todos os casos, mas um modelo jurídico capaz de se verificar nas mais variadas formas e concretudes, numa multiplicidade de elementos que se interligam, formando uma solução jurídica inserida em um sistema aberto, constituído de estruturas, normas e modelos.
64 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A boa-fé objetiva e sua incidência na fase negocial: um estudo comparado com base na doutrina alemã. In: Revista de Direito Privado nº 29. São Paulo: XX, Xxx-Xxx/0000, pág. 203.
65 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, pág. 412.
A relação que se estabelece entre as partes durante as negociações preliminares deve ser pautada nesse princípio, de forma a alcançar a segurança e a confiança necessárias para a formação do contrato.
Descrevendo o princípio da boa-fé, Xxxxxxxxx XXXXXXX00 entende que:
Com efeito, a boa fé, mentalmente, exige a probidade, a honestidade, a coerência, a rectidão, a consciência, a fé na palavra dada, a dictorum conventunque constancia ac veritas, (e tal era o significado originário da fides romana, que designava a pessoa prudens et diligens, completamente empenhada no cumprimento da expectativa de outrem).
Para Xxxxxx Xxxxx FRITZ67, falar de boa-fé e traçar sua evolução desde as origens no direito romano não é tarefa fácil, pois ao longo da história diversos significados e valores foram acumulados a tal princípio, cuja terminologia, com conotações religiosas e éticas, morais e jurídicas, refletia a ideia de dever, relacionadas ao comportamento.
Para adequada análise do tema aqui tratado, faz-se necessário, primeiramente, distinguir a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva, para possibilitar a compreensão e alcance do referido princípio no âmbito da responsabilidade pré- contratual.
Sobre essa separação do conceito de boa-fé, Xxxxxx Xxxxx XXXXX00 afirma que essa divisão deve ser considerada para evitar confusões, pois boa-fé subjetiva e objetiva são fenômenos distintos. Enquanto a primeira refere-se à boa-fé psicológica e significa agir conforme o direito, a segunda é uma norma de conduta a ser adotada pelos indivíduos em vida jurídica.
66 XXXXXXX, Xxxxxxxxx. A responsabilidade xxx-xxxxxxxxxx. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx x Xxxxxx Xxxxxx. Xxxxxxx: Xxxxxxxx, 0000, pág. 48.
67 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A boa-fé objetiva e sua incidência na fase negocial: um estudo comparado com base na doutrina alemã. In: Revista de Direito Privado nº 29. São Paulo: XX, Xxx-Xxx/0000, pág. 204.
68 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. A boa-fé objetiva e sua incidência na fase negocial: um estudo comparado com base na doutrina alemã. In: Revista de Direito Privado nº 29. São Paulo: XX, Xxx-Xxx/0000, pág. 210.
A referida autora sintetiza que a boa-fé objetiva é o mandamento primordial da lealdade, uma regra de conduta ética a ser observada no tráfico jurídico; enquanto que a boa-fé subjetiva é o estado psicológico de crença do sujeito de agir conforme o direito.
Nos dizeres de Xxxxxx XXXXXXX-XXXXX00 a boa fé subjetiva denota primeiramente, a ideia de ignorância acerca da existência de uma situação regular, que repousa no próprio estado subjetivo da ignorância ou numa errônea aparência de certo ato. Já a boa-fé objetiva engloba a conduta do indivíduo de acordo com um padrão admitido pela sociedade como sendo de boa-fé, comumente representado pela expressão “homem médio”.
O conceito de boa-fé objetiva corresponde à regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e principalmente, na consideração para com os interesses do indivíduo, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado.
Assim, a boa-fé objetiva representa a lealdade e a informação que são deveres inerentes nas negociações preliminares, pois as partes devem agir com espírito de colaboração, numa conduta prudente e diligente, de forma a não lesar nem frustrar os interesses envolvidos na negociação. Trata-se de um princípio revestido da técnica das cláusulas gerais, que visa à integração de eventuais lacunas, considerando elementos exteriores, não previamente indicados pela norma, que serão analisados de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
O princípio da boa-fé, a despeito do princípio da autonomia privada, que assegura liberdade contratual, determina que a negativa de estabelecer um contrato que vem sendo negociado pode fazer surgir a obrigação de ressarcimento de danos eventualmente causados.
69 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000, pág. 411-412.
Segundo Xxxxxxx POPP70, a finalidade da boa-fé é a adequação do princípio da autonomia privada às restrições oriundas da fase pré-contratual, uma vez que a parte que resolve iniciar as negociações, da mesma maneira que exerce o direito da liberdade de contratar, fica adstrita à observância de determinados deveres de conduta, que são decorrentes do princípio da boa-fé.
Essa limitação ao principio da liberdade de contratar demonstra-se necessária para que se mantenha o equilíbrio nas relações contratuais contemporâneas, e Xxxxxxx Xxxx MARQUES71 ao defender esse equilíbrio, aponta para o papel da lei como entrave e real legitimadora da autonomia da vontade, que terá a função de proteger os interesses da sociedade, bem como atribuir maior significado a confiança depositada pelas partes na relação, suas expectativas e a boa-fé que envolve o vínculo celebrado.
Assim, a função do principio da boa-fé objetiva é estabelecer o limite que se impõe nas relações pré-contratuais entre o direito de recusa de estabelecer um contrato e o dever de não frustrar a expectativa criada na contraparte negociante.
Xxxxxxx POPP72 defende a existência de um caráter vinculativo entre as partes negociantes, em que se deve colocar a pessoa humana como elemento central da relação, com foco na boa-fé objetiva, e cujos compromissos parciais seriam vinculantes, salvo motivo posterior e legítimo apto a afastá-los. Trata-se da prevalência do princípio da boa-fé sobre a autonomia privada, em que o conflito entre esses princípios jurídicos é resolvido por meio da proporcionalidade e da razoabilidade.
70 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, p. 134.
71 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no código de defesa do consumidor. 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, pág. 46.
72 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, p. 242.
Segundo Xxxxx XXXXX00, tal princípio enseja uma maior segurança jurídica, o que demonstra a valorização da pessoa humana, deixando-se de lado a questão eminentemente patrimonial, a fim de se tutelar o contratante que definiu parte de seu futuro em razão de comportamentos perpetrados pela contraparte e assumidos como inequívocos por ele.
Considerando tais aspectos sobre o princípio da boa-fé, Xxxx Xxxxx XXXXXX00 pontua de forma irretocável que “conduta negocial, boa-fé e confiança caminham juntas”.
A relação de confiança que se estabelece entre as partes reflete a seriedade das tratativas, assim, a teoria da confiança representa a mudança de paradigma da supremacia da autonomia da vontade, que dá lugar a uma visão mais social do contrato. Por certo, na medida em que as negociações vão avançando, a confiança das partes também aumenta, de forma que se faz necessário avaliar o grau de confiança lesado, ou seja, em que momento das negociações as partes se encontravam quando a ruptura injustificada ocorreu.
Portanto, demonstrada a relevância do princípio da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, tem-se que a violação deste princípio pode dar origem a obrigação de indenizar.
2.4 Delimitação do período pré-contratual
O processo de formação do contrato engloba uma sucessão de atos das partes que tem por objetivo a realização deste, e divide-se em fase pré- contratual, fase contratual e fase pós-contratual.
O contrato requer um período para sua formação, onde ocorrem as discussões e ajustes necessários para melhor adequação à vontade dos
73 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá. 2008, pág. 156.
74 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. O “aggiornamento” do direito civil brasileiro e a confiança negocial, In: Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 133.
contratantes. Esse período pode ser breve ou não, simples ou complexo, dependendo dos interesses envolvidos. Existe, portanto, um período de preparação, uma fase de amadurecimento das tratativas, objetivando a concretização do contrato, que se denomina comumente de negociações preliminares.
A fase pré-contratual se inicia com as negociações preliminares e encerra no momento da formação do contrato. Embora na fase pré-contratual ainda não exista um vínculo formal entre as partes, ainda assim, estas devem obedecer a determinadas regras de conduta ditadas pela boa-fé, conforme já visto, sob pena de responder pelos atos danosos praticados durante esta fase.
A definição da fase pré-contratual vai muito além da simples verificação dos atos que antecedem o contrato. Para delimitar a fase pré-contratual, é necessário antes, buscar sua localização em um contexto jurídico mais amplo, que abrange o próprio conceito de negócio jurídico.
Segundo o ordenamento jurídico, o negócio jurídico deve ser pautado na função social do contrato e na vontade de contratar, conforme bem asseverado por Xxxx Xxxxx xx Xxxxx XXXXXXX00:
Conforme dissemos para o negócio jurídico o que tem de procurar o hermeneuta é a vontade das partes. Mas, como se exprime ela pela declaração, viajará através desta, até atingir aquela, sem deixar de ponderar nos elementos exteriores, que envolveram a formação do contrato elementos sociais e econômicos, bem como negociações preliminares, minuta elaborada, troca de correspondência – fatores todos em suma, que permitam fixar a vontade contratual.
Assim, é importante considerar a intenção das partes envolvidas na fase pré-contratual, pois se estas iniciaram as tratativas é porque possuem vontade de contratar, e a fase pré-contratual serve justamente para que as partes tenham a oportunidade de analisar e ponderar os detalhes da futura avença, para somente então decidirem se confirmam ou não o contrato.
75 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986, p. 26.
No entendimento de Xxxxxx Xxxxxxx XXXXXX00, quando duas ou mais pessoas se reúnem para empreender negociações que possivelmente resultarão em um contrato, serão necessários alguns elementos, entre eles a ideia de objeto, preço e consentimento, sendo que o início dessas tratativas geralmente parte da proposta direcionada para o objeto do futuro contrato, que poderá ou não ser aceita pela contraparte negociante.
No conceito de negócio jurídico encontram-se também as relações formadas durante a fase pré-contratual, oriundas do contato social havido entre as partes, que devem ser norteadas pelos já citados deveres de conduta.
Este é o entendimento de Xxxxxxx POPP77:
Ainda que a mais importante, o negócio jurídico – nos moldes clássicos – não é a única emanação da autonomia privada. As chamadas relações contratuais de fato ou ainda conhecidas por comportamentos sociais típicos, frutos do contato social, também nela se enquadram. Não se pode, porém, excluir tais figuras de uma espécie de negócio jurídico, ainda que nelas o consentimento ocorra de uma maneira específica.
Portanto, considera-se que o marco inicial do período pré-contratual é o momento em que as partes demonstram sua vontade e começam a negociar em torno de um objetivo comum, e este período estende-se até o momento imediatamente anterior a aceitação do contrato. Consequentemente, durante esse lapso temporal, as partes devem estar cientes dos princípios que regem esta relação, mesmo que não se tenha estabelecido um vínculo formal propriamente dito.
Para Xxxxxxx XXXXXX00, o período anterior a formação do contrato se divide em três momentos, sendo o primeiro o período de ideação e elaboração, psíquico, interno, na consciência do autor, que consiste na concepção do contrato; em seguida o período exterior, de aperfeiçoamento ou de atuação, em que o direito se desenvolve e determina, concretizando-se na proposta; e por último o período em
76 XXXXXX Xxxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-contratual. Curitiba: Juruá. 2006, pág.73.
77 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, p. 92.
78 XXXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade pré-contratual. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1997, pág. 32.
que a proposta se põe em movimento, aperfeiçoando o direito na atividade psíquica do sujeito e no estudo dos meios para o nascimento no mundo exterior.
Ainda, sobre o consentimento prévio ao início das negociações, Xxxxxxx POPP79 assevera que as tratativas se constituem em ato bilateral, pois depende do consentimento recíproco das partes, e cujo ato tem requisitos semelhantes aos de formação do contrato.
O referido autor observa que a diferença é que nas tratativas, as partes desejam iniciar as negociações visando o contrato futuro, ainda que não tenham a obrigação de concretizá-lo, e, portanto, a anuência das partes é pressuposto da existência de negociações, sendo que tal desejo é um ato essencialmente da autonomia privada.
Verifica-se, por derradeiro, que o período pré-contratual somente nascerá se houver o consentimento das partes, que pode ocorrer de forma expressa ou tácita, mas inequívoca. Tal consentimento é indispensável para dar início às negociações, pois se ambas as partes não estiverem de acordo quanto ao início das tratativas, não há que se falar em responsabilidade pré-contratual.
79 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 222.
3. DANO EXTRAPATRIMONIAL NA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
3.1 Pressupostos e efeitos da ruptura das tratativas
A análise em torno do tema leva a conclusão de que é possível se atribuir conseqüências jurídicas pela ruptura das tratativas, pois embora ainda não seja possível se falar em contrato, não há como negar a existência de um vínculo, originário dos deveres de conduta, do qual decorre que as partes não podem interromper as negociações preliminares sem causa justificada.
É justamente esse dever de não interrupção que torna possível reconhecer a incidência da responsabilidade pré-contratual, pois a ausência de justificativa da parte que interrompe as tratativas resulta na violação dos princípios da boa-fé. Isto significa dizer que as partes possuem a liberdade de rescindir as negociações preliminares, porém, essa faculdade deve estar respaldada na boa-fé.
O rompimento das tratativas constitui regra geral para configuração da responsabilidade pré-contratual, em que se criou na contraparte, a confiança legítima de que o contrato seria confirmado.
Sobre o rompimento das negociações, Xxxxxxx POPP80 defende que o direito do negociador se retirar das tratativas não pode ser visto sob um aspecto individual, havendo de se considerar a situação da contraparte, pois uma vez violada a confiança da relação ou perpetrados prejuízos em face do recesso, será necessária a conciliação entre os direitos, e dependendo da intensidade da confiança estabelecida, a liberdade de abandonar as negociações restará afastada.
Nesse sentido, Xxxxxxx XXXXXX00 conclui que independente de existir dispositivo legal que imponha às partes levarem a termo as conversações, mesmo que para chegar a um resultado negativo, por certo que entre elas se estabelece uma confiança recíproca, implicando no compromisso de agir com lisura, sinceridade
80 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 260.
81 XXXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade pré-contratual. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1997, pág. 242.
e honestidade, de modo a evitar que uma delas, tendo empenhado seu esforço, tempo e dinheiro para atingir um objetivo comum, seja surpreendida por uma atitude intempestiva, arbitrária e injustificada da outra parte.
Para Xxxxx Xxxxxxxx PEREIRA82, as negociações fazem surgir deveres jurídicos especiais entre as partes, mormente os deveres de lealdade e correção, e, portanto, se uma das partes agir de maneira abusiva ou negligente, poderá responder pela ruptura imotivada das referidas negociações.
A ilegitimidade da ruptura das tratativas está condicionada a violação dos princípios da probidade e da boa-fé, dos deveres de conduta como a lealdade e a informação, e tais aspectos estão envoltos em certo grau de subjetivismo, cabendo o elastecimento de sua interpretação de acordo com o caso concreto.
Deve-se considerar ainda, que a ruptura seja injustificada, porque, se a parte que se retira abruptamente das conversações preliminares o fizer por motivo justo, não há que se falar em ruptura ilegítima. A análise do que seria uma causa injustificada depende das circunstâncias do caso concreto.
Xxxxxxx POPP83 defende que o direito do negociador de se retirar das tratativas não pode mais ser visto sob um aspecto meramente individual, devendo-se considerar a contraparte negociante. Uma vez violada a confiança do outro ou perpetrados prejuízos em face do recesso, será necessária a conciliação de direitos, e, dependendo da intensidade da confiança estabelecida entre as partes, essa liberdade de abandono das negociações restará afastada.
Em que pese o subjetivismo que envolve o reconhecimento da justa causa para rompimento das negociações, por outro lado, existe o elemento objetivo que deve estar presente – o dano – sem o qual não se pode cogitar em responsabilidade, pois se não houver dano, não haverá direito a indenização.
82 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 291.
83 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 260.
De acordo com Xxxxxxx POPP84, o dano também é pressuposto para a configuração da responsabilidade pré-contratual, pois o prejuízo sofrido, material ou imaterial, constitui-se em requisito indispensável dessa forma de responsabilidade, devendo, pois, ser efetivo. Contudo, excepcionalmente, pode-se presumir o dano patrimonial, como acontece com o dano sofrido a um caminhão pertencente a uma transportadora ou mesmo quando diga respeito à morte de um dos membros de família pobre.
Desta forma, para a configuração da responsabilidade pré-contratual e o conseqüente dever de indenizar, é necessário que ocorra um dano, bem como que este dano seja decorrente da violação dos deveres de conduta oriundos do princípio da boa-fé objetiva, no momento que as partes já acreditavam na efetiva formação do contrato.
Essa frustração da expectativa criada em razão da confiança que se estabelecera durante as tratativas, pode gerar danos patrimoniais e extrapatrimoniais para a parte que empreendeu seus esforços e direcionou seus atos com vistas à efetiva formação do contrato.
Se, durante as negociações, uma das partes agiu em conformidade com os deveres de conduta e boa-fé, realizando despesas com as ações necessárias que visavam à formação do contrato, e ocorrendo a ruptura injustificada das negociações, por certo que deverá a parte vitimada ser indenizada pelos prejuízos sofridos, na medida das despesas que realizou.
Ainda, não se pode negar que a parte que agiu de boa-fé, direcionando suas ações à conclusão do contrato, também pode sofrer um dano extrapatrimonial, em razão do aborrecimento e constrangimento causados pela quebra da legítima confiança depositada nas negociações.
84 XXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 277.
Tal entendimento pode ser extraído da lição de Xxxxxx Xxxx XXXXXX00 ao afirmar que “tem-se reconhecido da existência de dano moral reparável, sempre que da omissão de uma parte contratante resultar para outra uma situação incômoda ou constrangedora”.
A expectativa criada na parte provém da relação de confiança que se estabeleceu no período pré-contratual, de uma sequência de atos que induziram a parte a acreditar que o contrato realmente seria confirmado, e nesse aspecto, a responsabilidade pré-contratual se apresenta não somente como forma de punição pela violação do princípio da boa-fé, mas principalmente como forma de defesa e valorização do princípio da dignidade da pessoa humana.
A frustração dessa expectativa pode acarretar, além dos danos patrimoniais que em geral são mais facilmente visualizados, um dano extrapatrimonial, em que a parte vitimada pela interrupção repentina e injustificada do contrato acaba sofrendo extrema humilhação e desgosto, pelo fato de ter empreendido seus atos e palavras em vista da efetivação do contrato, mas acaba por ver seus interesses ignorados em total dissonância aos princípios norteadores das relações sociais, como a probidade e a boa-fé, além do desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
3.2 Os danos ressarcíveis e a responsabilidade pré-contratual
O dano é elemento indispensável à responsabilidade civil, todavia, não existe uma definição legal de dano na codificação brasileira. Para a doutrina, o dano corresponde a qualquer prejuízo causado por um comportamento culposo ou doloso, e identifica o dano jurídico com o dano natural (prejuízo).
Para Xxxx xx XXXXXX DIAS86, na configuração da responsabilidade civil, o dano é o que suscita menos controvérsia, sendo unânime o entendimento de que não pode haver responsabilidade sem a existência de um dano, pois, se a
85 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Dano moral. 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, pág. 532.
86 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx. Xx Xxxxxxxxxxxxxxxx Xxxxx, 00x xx. Xxx xx Xxxxxxx: Forense, 1995, p. 713.
responsabilidade civil resulta na obrigação de ressarcir, por certo que esta não pode concretizar-se onde não há o que reparar.
Antigamente, o dano somente era reconhecido em sentido patrimonial. Somente no ano de 1966 é que o Supremo Tribunal Federal proferiu a primeira decisão reconhecendo a possibilidade do dano extrapatrimonial, ampliando o conceito de dano, que passou a considerar também os interesses existenciais. Após, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a reparabilidade do dano moral tornou-se incontestável.
Mas a noção de dano moral, identificada com a dor e o sofrimento pessoal, acaba por submeter sua configuração a extremo subjetivismo por parte de cada julgador, e este forte teor de subjetivismo acaba resultando em decisões absurdas baseadas em premissas equivocadas.
A questão do dano extrapatrimonial sempre foi um campo fértil para as mais variadas doutrinas e aplicações do direito, e ainda hoje se procura definir seu verdadeiro conceito, bem como configurar e delimitar as hipóteses de ressarcibilidade dessa modalidade de dano.
Analisando os novos paradigmas da responsabilidade civil, Xxxxxxxx SCHREIBER87 fala sobre o surgimento de “novos danos”, e aponta alguns fatores impulsionaram a ampliação da ressarcibilidade, aumentando o campo de aplicação da responsabilidade civil no direito contemporâneo, como a perda da importância da culpa e do nexo causal, a manipulação mais flexível, com a presunção ou até mesmo a desconsideração dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil, a valorização da função compensatória e da proteção da vítima, e principalmente o destaque para o elemento “dano” na análise jurisprudencial.
De acordo com o referido autor, o surgimento desses novos danos que sequer eram considerados juridicamente, e cuja ressarcibilidade era negada, é conseqüência do reconhecimento da necessidade de tutela dos interesses
87 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Novos paradigmas da responsabilidade civil – da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 59.
existenciais atinentes à pessoa humana, a consagração da dignidade humana como valor fundamental nas constituições atuais e o fenômeno da constitucionalização do direito civil, e que dão abertura ao chamado “grande mar da existencialidade”, referindo uma expansão gigantesca e tendencialmente infinita das fronteiras do dano ressarcível.
Para controlar essa expansão desmedida dos danos ressarcíveis, surge a necessidade de se rejeitar a identificação do dano em sentido jurídico com o dano em sentido material, repensando a aplicação dos métodos e critérios de seleção dos danos ressarcíveis, a fim de evitar a banalização do referido instituto, recuperando o conceito de dano como lesão a um interesse juridicamente tutelado. É preciso concentrar-se sobre o interesse lesado e não sobre as suas conseqüências econômicas ou emocionais, possibilitando a correta seleção dos danos ressarcíveis.
A análise do fato que enseja o direito à reparação está bem exposta na lição de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx XXXXXX00, que afirma que não é toda e qualquer situação de sofrimento, tristeza ou aborrecimento que enseja a reparação, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana em seus diversos substratos materiais, quais sejam, a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito.
O momento jurídico atual impõe uma árdua e criteriosa tarefa, a de definir métodos de seleção e aferição dos interesses merecedores de tutela indenizatória, repensando os conceitos tradicionais da responsabilidade civil, a respeito dos direitos existenciais e do fundamento constitucional da proteção da dignidade da pessoa humana.
Assim, a questão dos danos ressarcíveis, por si só, é assunto para muitos debates e opiniões contraditórias, e no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual torna-se ainda mais polêmico, tendo em vista a divergência de
88 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. São Paulo: Xxxxxxx, 0000.
entendimentos sobre tal instituto, ainda em processo de descoberta pelo ordenamento jurídico.
Nesse contexto é que surge a necessidade de se analisar a caracterização do dano extrapatrimonial decorrente do rompimento das tratativas, que merece, portanto, especial atenção, e cujo tema já vem sendo abordado pela jurisprudência dos tribunais pátrios, embora ainda não exista um entendimento uníssono acerca do assunto.
3.3 A responsabilidade pré-contratual e a orientação jurisprudencial
O Novo Código Civil apresenta como um de seus princípios norteadores a boa-fé objetiva, que vem se concretizando na jurisprudência devido a sua utilidade técnica como cláusula aberta, passível de diferentes interpretações, tornando o ordenamento jurídico mais dinâmico e possibilitando ao juiz a aplicação adequada na solução do caso concreto.
Como já mencionado, a responsabilidade civil pré-contratual tem origem na violação de um dever jurídico preexistente, que se estabelece durante a fase de formação do contrato, em que as partes devem cumprir certos deveres de conduta decorrentes do princípio da boa-fé objetiva.
Desta forma, tem-se por oportuna a análise de alguns julgados dos tribunais pátrios, que apontam a aplicação da teoria da boa-fé e a caracterização da responsabilidade pré-contratual em nossa praxe.
Primeiramente, cabe ressaltar o importante “caso dos tomates” que envolveu a empresa CICA e foi pronunciado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O caso envolvia a empresa que distribuía sementes a pequenos agricultores gaúchos com a promessa de comprar a produção futura, o que ocorreu de forma contínua, por diversas vezes, garantindo a expectativa de celebração do contrato de compra e venda da produção. Até que, em determinado momento, a referida empresa distribuiu as sementes, mas depois não adquiriu o que foi
produzido, restando aos agricultores postular uma indenização, sob o argumento de violação do princípio da boa-fé, mesmo não existindo nenhum contrato escrito, e acabaram por obter êxito na demanda judicial. Segue a referida ementa:
CONTRATO. TEORIA DA APARÊNCIA. INADIMPLEMENTO. O trato,
contido na intenção, configura contrato, porquanto os produtores, nos anos anteriores, plantaram para a CICA e, não tinham por que plantar, sem garantia da compra. 89
Percebe-se, assim, que o princípio da boa-fé objetiva vem se concretizando em nossa jurisprudência, possibilitando ao magistrado interpretar este princípio em consonância com os fatores determinantes do caso concreto, sanando as lacunas legislativas, para alcançar a melhor solução nos conflitos decorrentes das relações negociais.
A caracterização dos danos morais como efeito do inadimplemento contratual ainda é debatida em nosso meio jurídico, seja na doutrina ou na jurisprudência. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça proferiu recentemente uma decisão reconhecendo os danos morais como efeito do inadimplemento contratual, excepcionando reiterado entendimento jurisprudencial, segundo o qual o inadimplemento contratual não acarretaria danos morais por decorrer do risco inerente a qualquer negócio, não afetando a honra ou a personalidade da parte prejudicada.
Na decisão, a Ministra Relatora ressalta que, apesar de a jurisprudência do STJ ser, em regra, no sentido de que o inadimplemento contratual, por si só, não gera danos morais, tal entendimento deve ser excepcionado em algumas hipóteses, por exemplo, em que da própria descrição das circunstâncias que perfizeram o ilícito material seja possível verificar as consequências psicológicas e de angústia vivida pela recorrente, resultantes do inadimplemento culposo, o que leva ao reconhecimento dos danos morais. O acórdão tem a seguinte ementa:
89 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes nº 591083357. Rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, julgado em 01/11/1991.
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284 STF. INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE CASA PRÉ-FABRICADA. AUSÊNCIA DE MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. - A recorrente
celebrou com a recorrida contrato de compra e venda de um “kit de casa de madeira”, pagando-lhe à vista o valor acordado, sendo que, após alguns meses, pouco antes da data prevista para a entrega da casa, a recorrente foi informada, por terceiros, que a recorrida inadimpliu o contrato. - Conquanto a jurisprudência do STJ seja no sentido de que o mero inadimplemento contratual não ocasiona danos morais, tal entendimento, todavia, deve ser excepcionado nas hipóteses em que da própria descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material é possível extrair consequências bastante sérias de cunho psicológico, que são resultado direto do inadimplemento culposo. - No presente processo, o pedido de compensação por danos morais declinado pela recorrente não tem como causa o simples inadimplemento contratual, mas também do fato de a recorrida ter fechado suas instalações no local da contratação (Estado do Rio de Janeiro) sem lhe dar quaisquer explicações a respeito de seu novo endereço ou da não construção do imóvel. - Essa particularidade é relevante, pois, após a recorrente ter frustrado o seu direito de moradia, pelo inadimplemento do contrato de compra e venda de casa pré-moldada, o descaso da recorrida agravou a situação de angústia da recorrente. - A conduta da recorrida violou, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o direito de moradia, entre outros direitos sociais, visa à promoção de cada um dos componentes do Estado, com o insigne propósito instrumental de torná- los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana. - Diante dessas circunstâncias que evolveram o inadimplemento contratual, é de se reconhecer, excepcionalmente, a ocorrência de danos morais. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. 90
Por certo que no referido caso, o STJ considerou algumas peculiaridades do caso que justificariam a condenação em danos morais, mas o precedente é relevante por suas possíveis consequências nas futuras decisões judiciais.
Esse julgado do STJ pode acarretar um aumento do número de alegações de dano moral por descumprimento de contrato, sem mencionar a possibilidade de os tribunais aplicarem de forma mais abrangente tal precedente, incluindo as fases pré e pós-contratual.
90 Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.025.665/RJ, relatora Min. Xxxxx Xxxxxxxx, 3ª Turma, julgado em 23/03/2010.
Isso já vem ocorrendo, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que recentemente proferiu decisões reconhecendo o direito a indenização por dano moral na fase pré-contratual:
Indenização. Dano moral. Responsabilidade pré-contratual. Culpa in contrahendo. Contratação de serviços de assessoria e intermediação para obtenção de vaga de emprego. Conduta de empresa ré que despertou no autor a justa expectativa de ocupação da vaga disponível, e a adesão era apenas para intermediar e assessorar a contratação. Princípio da boa-fé objetiva, geradora de deveres de conduta, de modo a não defraudar a confiança despertada na parte contrária. Dever de indenizar gastos com taxas cobradas pela agência. Existência de dano moral indenizável. Caracterização de ofensa a interesse digno de tutela Ação procedente. Recurso provido. 91
O tribunal paulista ressalta que é necessário que a tutela condenatória tenha a finalidade de inibir o ilícito e reparar o dano, diante da violação da boa-fé objetiva na fase pré-contratual:
Responsabilidade civil. Indenização. Danos materiais e morais. Fase pré- contratual. Violação da boa-fé objetiva. Dano moral configurado. Indenização. Dupla finalidade da tutela condenatória: inibidora do ilícito e reparadora do dano. Dano material não provado. Sentença de parcial procedência mantida. Apelações não providas. 92
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também condenou uma empreendedora ao pagamento de indenização por danos morais, por entender que restou configurado o nexo de causalidade entre a conduta da parte e o insucesso do shopping center, em hipótese de responsabilidade pré-contratual:
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. SHOPPING CENTER. ADMINISTRAÇÃO E LOCAÇÃO. INSUCESSO DO EMPREENDIMENTO. RESPONSABILIDADE PRÉ- CONTRATUAL - CULPA POR PARTE DA EMPREENDEDORA. PUBLICIDADE ENGANOSA. DEVER DE INDENIZAR. TAXA DE ADESÃO "RES SPERATA". DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1 - Recurso de APELAÇÃO DESPROVIDO. 2 -
Recurso Adesivo DESPROVIDO. 1 - Embora as negociações por si só, não obriguem às partes, faz surgir, todavia, em face da boa-fé, deveres entre as partes; 2 - A res sperata, por consubstanciar-se em valor pago para custear parte da edificação, e servir como reserva da localização de seu comércio, deve ser ressarcida quando do insucesso do empreendimento; 3 - Dano moral, quando há nexo de causalidade entre a conduta da empreendedora e o insucesso do shopping center,
91 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n° 990.10.500647-7, 4ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 09/12/2010.
92 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n° 994.02.009836-4, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, julgado em 16/11/2010.
impõem-se a responsabilização da administradora pelos prejuízos advindos com o encerramento do negócios; 4 - Cabe dano moral em razão de insucesso comercial oriundo do não cumprimento das atividades imprescindíveis para implementação do empreendimento - tenat mix, lojas âncoras, mix, acessos, áreas de lazer, etc; 5 - A indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade. 93
Também no âmbito da Justiça do Trabalho, já vem sendo reconhecido, há algum tempo, que a frustração da expectativa de efetivação do contrato pode gerar o dever de indenizar danos materiais e morais, dependendo da análise das circunstâncias do caso concreto. Nesse sentido, a decisão da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho:
DANO MORAL E MATERIAL. LESÃO PRÉ-CONTRATUAL. PROMESSA DE CONTRATAÇÃO NÃO HONRADA. DIREITO À INDENIZAÇÃO. As
negociações para o preenchimento de um posto de trabalho que ultrapassam a fase de seleção geram para o trabalhador a esperança, senão a certeza, da contratação, caracterizando a formação de um pré- contrato de trabalho, que envolve obrigações recíprocas, bem como o respeito aos princípios da lealdade e da boa-fé (art. 422 do Código Civil). Evidencia-se a constatação do prejuízo na hipótese do reclamante pedir demissão do emprego anterior, ficando desprovido de meios para sua subsistência e satisfação de seus compromissos financeiros. Devida a indenização por danos morais e materiais fixada na origem, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.94
Nesse caso, verifica-se o conflito entre dois importantes princípios: autonomia da vontade e boa-fé objetiva. De um lado, a livre vontade de contratar com quem, quando e como desejar, e, de outro, os deveres de lealdade e confiança entre as partes envolvidas, que devem estar presentes em todas as fases do negócio jurídico, inclusive, no período pré-contratual.
Note-se que referida decisão não fala em quebra de contrato, pois esse ainda não existe, mas sim, em quebra dos deveres de conduta decorrentes da boa- fé objetiva. No caso em tela, restou caracterizado o dever de indenizar, pois, após a entrevista de seleção, a empresa reteve a Carteira de Trabalho do candidato, gerando a real expectativa de contratação.
93 TJPR - 12ª C. Cível - AC 0499793-1 - Londrina - Rel.: Des. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx – Unânime, julgado em 13/01/2010.
94 TRT 2ª R.; RO 01231-2008-067-02-00-3; Ac. 2010/0470429; Décima Primeira Turma; Relatora Des. Fed. Xxxxx Xxxxxxxxx Duenhas. DOESP 01/06/2010.
Referidos casos concretos demonstram que os tribunais compartilham o entendimento de que também durante a fase pré-contratual as partes devem respeitar o princípio da boa-fé objetiva e atender os deveres de conduta por ela impostos, sendo que os interesses envolvidos são merecedores de tutela no caso de ocorrência de danos patrimoniais ou extrapatrimoniais em razão da violação desses deveres pelas partes negociantes.
Todavia, ainda é preciso o aprimoramento desse instituto, que necessita investigar e definir quais os critérios para configuração e delimitação desses danos, em especial o reconhecimento do direito à indenização por eventuais danos extrapatrimoniais decorrentes da frustração da expectativa criada na parte vitimada.
3.4 O dano extrapatrimonial em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, reconhece como direito fundamental a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, garantindo o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação.
Sobre a natureza dos danos morais, Xxxxxx Xxxxxxx BITTAR95 ensina que os danos morais qualificam-se em razão da esfera da subjetividade, analisando a pessoa enquanto valor na sociedade, em que repercute o fato violador que atinge os aspectos íntimos da personalidade humana ou da própria violação da pessoa e sua reputação no meio em que ela vive.
Por sua vez, Xxxxxx Xxxx XXXXXX00 afirma que a sanção do dano moral não se resolve propriamente em uma indenização, já que esta significa eliminar o prejuízo e suas conseqüências, o que não é possível no caso do dano extrapatrimonial. Assim, segundo o autor, a reparação do dano moral se faz através de uma compensação que impõe ao ofensor o pagamento de uma determinada
95 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Reparação civil por danos morais, São Paulo: XX, 0000, pág. 41.
96 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx, Dano moral, 3ª ed. São Paulo: XX, 0000, pág. 42.
quantia em dinheiro em favor do ofendido, agravando o patrimônio do ofensor e proporcionando uma reparação satisfativa ao ofendido.
Xxxxxx Xxxxxxx XXXXXX00 explica que, na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece a orientação de que a responsabilidade do agente ofensor decorre do simples fato da violação, e uma vez verificado o evento danoso, surge a necessidade de reparação, desde que presentes os pressupostos de direito, e portanto, emergem duas conseqüências práticas em favor do ofendido: a dispensa da análise da subjetividade do agente ofensor e a desnecessidade de prova concreta de prejuízo.
Brevemente, cabe ressaltar aqui a necessidade de utilizar-se a terminologia mais adequada para compreensão do presente tema. A terminologia “dano moral” geralmente adotada pela doutrina e jurisprudência, não tem o mesmo significado e abrangência da expressão “dano extrapatrimonial”.
Esse entendimento é claramente explicitado por Xxxxx XXXXX00, que afirma que no plano jurídico, “moral” refere-se à esfera do livre agir humano, estando o direito situado em um âmbito moral e ético, enquanto que a expressão “extrapatrimonial” engloba não somente os bens de ordem moral, mas também os bens da incolumidade física e psíquica.
Referido autor cita também a expressão “dano a pessoa” que abrange os danos físicos, estéticos, morais e tantos outros, ressaltando que a preocupação terminológica advém do comprometimento com a elevação dos direitos da cidadania, a fim de abranger o maior número de valores jurídicos tutelados, valorizando o homem e seus bens absolutos.
Isso posto, embora o dano extrapatrimonial seja reconhecido na doutrina e legislação pátria, o problema é a falta de critérios legais para sua
97 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Reparação civil por danos morais, XX, 0000, p. 202.
98 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade Civil: descumprimento do contrato e dano extrapatrimonial. Curitiba: Juruá, 1996, pag. 97-98.
operacionalização, na medida em que permite um elevado grau de subjetividade na aplicação ao caso concreto.
Aliás, a prova do dano extrapatrimonial, por si, constitui obstáculo para o reconhecimento do direito postulado, pois, segundo a regra processual, cabe a parte lesionada a explanação dos fatos relevantes que embasam sua pretensão, atribuindo suas conseqüências jurídicas, a fim de formar a convicção do juiz sobre o caso concreto. Ocorre que os prejuízos de ordem extrapatrimonial nem sempre são passíveis de quantificação e mensuração, o que acaba dificultando, por consequência, a sua adequada caracterização.
Segundo Xxxxx XXXXX, é possível para a parte prejudicada demonstrar ao julgador o objeto do dano e o interesse violado, todavia a quantificação do dano restará frustrada. Para o autor, a alternativa é recorrer à análise do direito material, o que leva a conclusão de que a solução para a prova do dano é por meio da presunção, pois, sendo impossível externar essa modalidade de dano, parece razoável utilizar-se a presunção como mecanismo hábil para superação da carga probatória desfavorável ao prejudicado. Ainda, o autor ressalta que a jurisprudência vem reconhecendo a aplicabilidade da presunção absoluta para os danos extrapatrimoniais, inclusive na forma iures et de iure, cujo entendimento tem se demonstrado o mais adequado para a solução das situações que se apresentam.
A constitucionalização do direito civil, tratada brevemente no início deste estudo, tem dedicado especial atenção para a chamada tutela dos direitos existenciais, em razão da relevância do princípio da dignidade da pessoa humana, revelando-se como uma importante contribuição para a institucionalização do dano extrapatrimonial, visando à efetiva proteção dos interesses relativos à personalidade humana.
Não se pode olvidar que a responsabilidade civil desempenha, portanto, um papel extremamente importante na atualidade, pois ao garantir a reparação dos interesses existenciais lesados e desestimular a reincidência do ato
xxxxxx, se apresenta como um verdadeiro instrumento da tutela dos direitos da personalidade.
Toda lesão aos direitos existenciais ou da personalidade resulta em um dano extrapatrimonial, pois tais direitos não dizem respeito ao patrimônio, mas ao próprio ser humano em sua esfera psíquica, e, da mesma forma que o dano material, o dano extrapatrimonial também merece reparação, devendo ser apreciado com a devida atenção.
No entendimento de Xxxxxxxx SCHREIBER99, o reconhecimento da tutela dos direitos existenciais relativos à pessoa humana representa uma autêntica revolução, em que a consagração da dignidade da pessoa humana como valor fundamental se associa à aplicação direta das normas constitucionais, exigindo a ressarcibilidade do dano extrapatrimonial, e, mesmo que de forma diferenciada, cada sistema jurídico passou a reconhecer a necessidade de reparação desses direitos existenciais.
A Constituição Federal de 1988 colocou o homem no vértice do ordenamento jurídico ao eleger a dignidade da pessoa humana como direito fundamental que visa proteger as mais diversas situações inerentes à pessoa humana e que merecem a devida proteção legal.
Na opinião de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx XXXXXX000, no princípio da proteção à dignidade da pessoa humana contempla-se inicialmente apenas o direito de não ser torturado e o de ser titular de certas garantias penais, mas, a autora ressalta que, na esfera cível, a integridade psicofísica vem servindo como garantia de numerosos direitos da personalidade.
99 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007, pág. 87.
100 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 93-94.
Sobre esses direitos da personalidade, leciona Xxxxxx XXXXXXXXXXX000:
A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessante mutável exigência de tutela.
No tocante à responsabilidade civil pré-contratual, volta-se a ressaltar que, durante a fase pré-negocial as partes devem obedecer a determinados deveres de conduta, agindo com probidade e boa-fé, pois a relação de confiança que se estabelece deve ser respeitada, em atenção ao principio da dignidade da pessoa humana, e o rompimento injustificado das negociações preliminares resulta no dever de indenizar os danos causados.
Por certo que os danos a serem indenizados serão, em verdade, todos aqueles oriundos da violação do princípio da boa-fé objetiva, dependendo a sua quantificação da análise do caso concreto.
Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxx PEREIRA102 considera que a indenização pela ruptura ilegítima das negociações preliminares não pode ficar limitada ao quantum do benefício no contrato projetado, pois o padrão para fixação da indenização está no interesse violado em razão da quebra dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé, permitindo que estes sejam superiores aqueles existentes no contrato em formação. O autor complementa ainda que, se uma as partes sofrer difamações e calúnias em razão do desentendimento operado entre elas, será possível também a indenização por danos extrapatrimoniais.
No entendimento de Xxxxxxx POPP103 a possibilidade de indenização pelos interesses negativos supera o valor do interesse positivo quando se está diante de uma relação em caráter de exclusividade, ou seja, quando não tem liberdade para contratar paralelamente com terceiros, em face do início das
101 XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil constitucional. Trad. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, 2ª ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 155-156.
102 PEREIRA, Xxxxx Xxxxxxxx. A responsabilidade civil pré-contratual; teoria geral e responsabilidade pela ruptura das negociações contratuais. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, pág. 388.
103 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 280.
negociações. Assim, o contrato não se configura como um limite a quantificação dos danos, sendo que o único limite será o da “reparabilidade integral”, que corresponde à indenização por todos os danos sofridos.
Por certo que a parte que deposita confiança nas negociações, criando expectativas, fazendo planos e direcionando atos da sua vida com o objetivo de ver o contrato se realizar, e, repentinamente vê as negociações serem interrompidas sem justificativa, sofre a dor, o constrangimento, os transtornos e preocupações pela quebra da confiança gerada na relação, o que poderá afetar o seu equilíbrio psicológico, ferindo sua honra e sua dignidade.
Por derradeiro, há de se considerar a possibilidade de uma tutela específica no âmbito da responsabilidade pré-contratual, defendida por Xxxxxxx POPP104, a qual impõe o dever de fazer, ou seja, a efetiva celebração do contrato. Para tanto, sustenta o autor que se faz necessária a configuração de certos elementos específicos, como a existência de tratativas em estágio avançado, quando da ruptura; um grau elevado de confiança quando à integridade das negociações; e a inexistência de qualquer restrição para a atribuição desta tutela.
Nesse contexto, verifica-se que o dano extrapatrimonial em razão da frustração da expectativa de efetivação do contrato deve ser analisado consoante a perspectiva civil-constitucional que rege as relações contemporâneas, o que implica reconhecer que a lesão ao legítimo interesse da parte que agiu em conformidade com os princípios norteadores das relações negociais merece a devida tutela, bem como a sua integral reparação.
104 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2002, pág. 288.
4. CONCLUSÃO
A complexidade das relações sociais contemporâneas clama não somente pela evolução do direito enquanto sistema jurídico, mas requer também a transformação do pensamento do jurista, através da releitura da legislação civil à luz dos princípios constitucionais, em busca de uma sociedade mais justa e solidária.
O mesmo texto constitucional que assegura o princípio da liberdade contratual, também assegura a proteção da dignidade da pessoa humana, de forma que se faz necessária a correta interpretação e aplicação destes princípios nas relações contemporâneas.
A constitucionalização do Direito Civil revolucionou institutos e quebrou paradigmas, inserindo princípios de eticidade e socialidade, formando o arcabouço daquilo que se tem denominado de repersonalização do direito privado. Nesse movimento, destaca-se a boa-fé objetiva como princípio norteador da conduta de deveres e referencial hermenêutico das relações, ensejando a responsabilidade civil da parte injustificadamente rompeu as tratativas, causando prejuízos à contraparte negociante.
Assim, a responsabilidade pré-contratual encontra forte amparo no princípio da boa-fé objetiva, que vem se concretizando em nosso ordenamento jurídico, mas ainda desperta alguns questionamentos da comunidade jurídica, sendo necessário elucidar sua natureza jurídica, definir seus pressupostos, bem como delimitar sua abrangência e a possibilidade de reparação dos danos.
Constata-se que o momento jurídico atual impõe a necessidade de se repensar os conceitos tradicionais da responsabilidade civil, definindo métodos de seleção e aferição dos interesses merecedores de tutela indenizatória, a respeito dos direitos existenciais, em consagração ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.
Apesar das incertezas sobre o tema, ainda presentes em nosso ordenamento jurídico, insta demonstrar a aplicação da teoria da responsabilidade pré-contratual por nossos tribunais, relatando alguns julgados que expressam o acolhimento da teoria, refletindo a preocupação dos magistrados com a efetiva proteção do princípio da boa-fé objetiva, valorizando a conduta ditada pelos deveres de lealdade e confiança que devem estar presentes nas negociações preliminares.
À guisa de conclusão, oportuno sublinhar que essa valorização do princípio da boa-fé objetiva é reflexo da transformação do paradigma contratual individualista que dá lugar ao paradigma democrático e social dos contratos. A manifestação de vontade sai da esfera individual para repercutir no âmbito social e demonstrar a solidariedade e igualdade que os contratos têm de manter em uma sociedade justa, para atingir seu fim ético e comum.
Finalmente, conclui-se que a violação dos deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, ainda que na fase anterior à formação do negócio jurídico, dão margem à responsabilização da parte que injustificadamente interrompeu as negociações preliminares, ensejando não somente a reparação dos danos patrimoniais, mas reconhecendo a ocorrência de danos extrapatrimoniais causados à contraparte, em razão da frustração da expectativa criada pela relação de confiança estabelecida durante a fase pré-negocial, e que merece, portanto, integral reparação.
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