NOVO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO
NOVO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO
Aspectos mais relevantes da perspectiva do seu confronto com o regime vigente
XXXXXXX XXXXXXXX X XXXXXXX XXXXXXX*, **
* Departamento de Política Regulatória e Relações Institucionais do Instituto de Seguros de Portugal.
Membros da Comissão de Revisão do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
** Opiniões expressas apenas a título pessoal, não vinculando o Instituto de Seguros de Portugal.
- SUMÁRIO -
I. INTRODUÇÃO
1.º aspecto) a maior amplitude e maior certeza do regime legal, logo, a maior facilidade de aplicação
2.º aspecto) a maior protecção da parte fraca da relação complexa de contrato de seguro
síntese) elenco de matérias especialmente assinaladas
II.
ALTERAÇÕES MAIS RELEVANTES
– Título I, Regime Comum –
1) Imperatividade (arts. 11.º a 13.º)
2) Seguros proibidos (art. 14.º)
3) Proibição de práticas discriminatórias (art. 15.º)
4) Autorização legal do segurador (art. 16.º)
5) Deveres de informação pré-contratual do segurador (arts. 18.º a 21.º)
6) Dever especial de esclarecimento do tomador do seguro pelo segurador (art. 22.º)
7) Regime do incumprimento dos deveres de informação pré-contratual (art. 23.º)
8) Declaração inicial do risco (arts. 24.º-26.º e 188.º)
9) Formação do contrato pelo silêncio do segurador (art. 27.º)
10) Mediação (arts. 28.º a 31.º)
11) Forma do contrato e apólice de seguro (arts. 32.º a 38.º)
12) Actos dolosos (arts. 46.º, 141.º e 148.º)
13) Prémio (arts. 51.º a 61.º)
14) Resseguro (arts. 72.º a 75.º)
15) Seguro de grupo (arts. 76.º a 90.º)
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16) Alteração (superveniente) do contrato (do risco em especial) [arts. 91.º-94.º, e 190.º e 215.º, a)]
17) Seguro dado em garantia (art. 97.º)
18) Regime de cessação do contrato (arts. 105.º-118.º)
– Títulos I, Regime Comum, e II, Seguro de Danos –
19) Participação do sinistro (arts. 100.º e 101.º) e afastamento e mitigação do sinistro (arts. 126.º e 127.º)
– Título II, Seguro de Danos –
20) Pluralidade de seguros [arts. 133.º, 180.º e 215.º, b)]
21) Sub-seguro (arts. 134.º e 135.º)
22) Sub-rogação pelo segurador (arts. 136.º e 181.º)
– Tít. II, Cap. II, Sec. I, Seguro de Responsabilidade Civil –
23) Extensão da garantia no tempo nos seguros de responsabilidade civil (art. 139.º)
24) Regime dos contratos de seguro de responsabilidade civil relativos a riscos objecto de obrigação de seguro mas que são anteriores à regulamentação de execução da obrigação de seguro (n.os 4 e 5 do art. 146.º)
25) Diversos aspectos hoje do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel elevados a regime geral dos seguros de responsabilidade civil, seja tout court (art. 142.º, 143.º e 144.º), seja obrigatórios (n.os 1 e 2 do art. 146.º)
26) Mandato para cobrança no seguro financeiro (art. 163.º)
– Título III, Seguro de Pessoas –
27) Seguro de vida – regime comum (arts. 183.º a 187.º)
e Direitos e Deveres das partes no seguro de vida (arts. 194.º a 197.º)
28) Informações pré-contratuais no seguro de vida (art. 185.º)
29) Exclusão do suicídio (art. 191º)
30) Designação beneficiária (arts. 198.º a 201.º e 204.º)
31) Cobertura do risco de posterioridade pelo contrato de seguro de saúde (art. 217.º)
* * *
I. INTRODUÇÃO
O regime geral actual do contrato de seguro em sede de lei (lei do Parlamento e decreto-lei do Governo) é centralmente constituído pelos arts. 425.º a 462.º do Código Comercial (CCom) de 1888, e, em menor medida (v. infra), pelo conjunto constituído pelos artigos sobre contrato de seguro do DL 94-B/98, de 17 Abr. (arts. 176.º e ss. em especial)1, e do DL 176/95, de 26 Jul.2.
Aquele regime de 1888, recorde-se, baseia-se nos pressupostos liberais da igualdade formal das partes do contrato (por contraponto à desigualdade material entre os seguradores e os seus clientes, especialmente os recondutíveis à categoria “consumidor”, base das leis do contrato de seguro do séc. XX) e da redução da intervenção do Estado na economia
– logo a preferência por soluções parcas e supletivas.
Assim, de uma perspectiva do confronto do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS)3 com o ordenamento vigente, o que há que relevar em termos gerais é, desde logo, a agregação, sob forma consolidada, em um só instrumento do regime geral aplicável ao contrato de seguro, bem como a muito superior extensão e detalhe dos seus enunciados reguladores (por comparação com o regime vigente de nível de lei).
O que por si só traz associadas enormes vantagens em termos seja de certeza do direito aplicável e facilidade da sua compulsação, logo de acessibilidade do mesmo para leigos, mas também para utilizadores mais informados, seja da eficácia da conformação da realidade (pois que o regime enunciado em lei do Parlamento ou decreto-lei do Governo beneficia da proeminência destas fontes na hierarquia das fontes de direito, bem como das inerentes publicidade e dificuldade de alteração).
Em segundo lugar, em termos gerais há que relevar o sentido francamente protector de uma das partes do contrato de seguro (o co-contratante do segurador que se reconduza ao “consumidor”), tido por dotado de informação desigual relativamente ao segurador, do RJCS relativamente ao regime vigente.
1.º aspecto) a maior amplitude e maior certeza do regime legal, logo, a maior facilidade de aplicação
A superior extensão e detalhe dos enunciados reguladores em sede de lei do RJCS – a somar à agregação consolidada do que hoje está disperso
– tem, como se disse, as evidentes vantagens da maior certeza do direito aplicável, facilidade de compulsação e acessibilidade.
Isto é especialmente acentuado pelo carácter (programaticamente, como se disse) parco do regime dos arts. 425.º a 462.º do CCom 1888, conjunto de disposições legais este que concentrava a generalidade do regime material geral aplicável aos contratos de seguro – pois que o tandem constituído pelas disposições sobre contrato constantes do DL 94-B/98 e pelo DL 176/95 versa principalmente sobre a informação a prestar pelo
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1 Republicado pelo DL 251/2003, de 14 Out., e alterado pelos DL 76-A/2006, de 29 Mar., 145/2006, de 31 Jul., 291/2007, de 21 Ago. e 357-A/2007, de 31 Out.
2 Alterado pelos DLs 60/2004, de 22 Mar. e 357-A/2007, de 31 Out.
3 Aprovado pelo DL 72/2008, de 16 Abr..
segurador relativa ao contrato, bem como a delimitação das matérias objecto da mesma, sem fixar (normalmente) o sentido da regulação aí deferida para o contrato4.
Do carácter parcimonioso e principalmente supletivo desses artigos do CCom, portanto das mais importantes regulações materiais das relações jurídicas diárias resultantes de um contrato de seguro, resultava que o sentido com que essas relações jurídicas eram solucionadas fosse o que provinha, não de uma só fonte de direito (a “lei do contrato de seguro”), mas de um conjunto disperso de fontes (tantas vezes de desencontrados valores e ponderações subjacentes): leis parcelares (especialmente as reguladoras de seguros em especial), regulamentos, apólices uniformes (que são uma espécie de regulamento), apólices comuns, práticas profissionais, e ainda leis gerais (não especificamente seguradoras, tantas vezes consubstanciadas em princípios ou cláusulas gerais, cuja modulação-para-aplicação-directa à situação seguradora cabia ao critério do aplicador). Era sobre este conjunto heterogéneo de fontes que incidia a interpretação, mais ou menos constante, do aplicador do direito, onde sobressai em termos de peso jurídico a jurisprudência.
A maior certeza e acessibilidade do direito aplicável potencia a maior tutela dos direitos das partes, mesmo nos casos em que o RJCS se limita a reproduzir o regime vigente, não alterando o equilíbrio relativo inter-partes das soluções vigentes.
Mais: o maior detalhe da previsão da lei abre espaço para soluções mais adequadas às diferentes nuances de uma dada situação – substituindo a solução única por duas ou mais subsoluções absoluta e globalmente mais justas. Exemplos paradigmáticos (de resto ratificados pela sua consagração comum no direito comparado próximo) são a previsão de sanções atenuadas para o caso de mera negligência no incumprimento dos deveres de declaração inicial do risco ao segurador (v. infra), ou de comunicação do seu agravamento (idem).
Mas a maior certeza e acessibilidade do direito aplicável tem ainda uma outra enorme vantagem, que não se pode deixar de referir. O aumento da segurabilidade dos riscos.
É aspecto que releva evidentemente da perspectiva da organização da actividade para os seguradores, bem como da colocação em seguro de riscos em que isso tenha sido considerado importante para o todo social
– mas também da perspectiva do acesso ao seguro por tomadores do seguro e segurados, e portanto também por beneficiários e terceiros lesados (estes no caso dos seguros de responsabilidade civil).
De facto, uma das infra-estruturas essenciais à promoção e ao desenvolvimento de uma actividade financeira – com particular relevo para a actividade seguradora, atenta a sua complexidade –, reside num enquadramento jurídico-contratual claro, facilmente acessível e estável.
Existe a expectativa de que o RJCS possa contribuir decisivamente nesse sentido, facultando, pela consolidação e maior coerência do regime, o afastamento de várias incertezas interpretativas, o que potenciará o aumento, diversificação e sofisticação da segurabilidade dos riscos.
4 Só pontualmente o DL 176/95 e as disposições sobre contrato de seguro do DL 94-B/98 fixam o sentido das soluções que regem as relações jurídicas reguladas pelo contrato de seguro (regulação “material”) – ao contrário dos citados artigos do CCom, que o fazem sistematicamente, sendo aliás o seu propósito principal.
Pretende-se também que o RJCS funcione como um benchmark mais efectivo de avaliação das condições contratuais praticadas pelos seguradores, bem como garantia acrescida de condições concorrenciais equitativas.
2.º aspecto) a maior protecção da parte fraca da relação complexa de contrato de seguro
O outro aspecto que relevámos desde logo é o lugar fulcral que as preocupações de tutela consumerística ocupam no RJCS, incomparável relativamente ao regime do CCom, alinhando o regime português com o direito comparado sobre o contrato de seguro vindo do séc. XX.
Agora a protecção da parte tida por mais fraca da relação complexa de contrato de seguro já não cabe5 estritamente à sua actuação no livre jogo da autonomia contratual, ocupando lugar central no conjunto das soluções legais que constituem a lei geral do contrato de seguro.
Tal pendor pró-tomador do seguro, ou pró-segurado, ou pró-beneficiário, ou pró-terceiro lesado (nos seguros de responsabilidade civil), no sentido de um maior equilíbrio contratual, é concretizado por duas vias gerais principais:
– o número muito relevante de soluções imperativas, ao ponto de podermos afirmar que o princípio da imperatividade é um dos organizadores essenciais do RJCS (cf., aliás, arts. 12.º e 13.º em especial), como, de resto, é timbre genérico das fontes legislativas acolhedoras de preocupações com a tutela do consumidor, seja qual for a matéria;
– a alteração das soluções vigentes foi frequentemente (embora não sempre e apenas) efectuada em razão deste princípio da protecção da parte fraca da relação complexa de contrato de seguro.
A referenciação muito trabalhada e a discussão das formas sob as quais o RJCS incrementou a protecção do co-contratante do segurador extravasa naturalmente o âmbito deste apontamento de mera divulgação informativa.
Quando ocorrer, tal referenciação não poderá deixar de começar por apontar a multiplicidade das formas sob que se deu o incremento: nalguns casos por meio de soluções que deveremos caracterizar principalmente como incomuns ao nível do direito comparado próximo, noutros é apenas o sentido da solução que é o oposto do da lei vigente (estatuição distinta), noutros, aliás uma das formas privilegiadas pelo RJCS, estaremos ante um como que “método de crescimento orgânico” de uma solução conhecida do regime actual (seja da lei, tantas vezes por interpretação jurisprudencial, seja de outro) – ora pelo desenvolvimento do conteúdo pró-tomador ou pró-segurado da solução, ora pela extensão do âmbito de aplicação da solução.
Exemplos frisantes de soluções incomuns ao nível do direito comparado próximo, segundo se julga: as previsões de um dever especial de esclarecimento do tomador do seguro pelo segurador (art. 22.º)6; do requisito da causalidade do facto inexacto ou omitido (seja na declaração inicial do risco, seja no agravamento do risco) como condição da sua invocação
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5 Da perspectiva da fonte de direito específica portuguesa mais relevante para a regulação geral material das relações jurídicas baseadas num contrato de seguro (o CCom, pois), sob a qual depois recaíam interpretações actualizadoras e conjugação com fontes onde as preocupações consumerísticas relevavam já.
6 O antecedente, como se dirá, é a latitude do dever de aconselhamento e esclarecimento do mediador de seguros previsto na Directiva 2002/92/CE, de 9 Dez. – sendo que neste caso o aconselhamento e esclarecimento definem o core da actividade do mediador.
para a não cobertura do sinistro entretanto xxxxxxxx0; ou da actualização supletiva do valor do imóvel seguro nos contratos de riscos relativos à habitação, no âmbito do regime do subseguro.
Exemplos frisantes de soluções de sentido oposto ao actual: previsão da solidariedade dos seguradores na regularização do sinistro no domínio da pluralidade de seguros (art. 133. º/3); previsão da preferência do segurado para o concurso entre o segurador sub-rogado e o segurado relativamente a pagamento devido por terceiro responsável insolvente, no caso da cobertura apenas parcial do sinistro pelo seguro (art. 136.º/3); previsão da exclusão do regime de agravamento do risco relativamente aos seguros de vida (art. 190.º) e seguros de saúde [art. 215.º, a)].
Exemplos frisantes de desenvolvimento do conteúdo pró-tomador ou pró-segurado de soluções actuais: a protecção conferida ao tomador do seguro de boa fé que celebre contrato com entidade não legalmente autorizada (art. 16.º); o regime de extensão da garantia no tempo relativamente aos seguros de saúde (art. 217.º).
Exemplos frisantes de extensão a outras modalidades de contrato de regime hoje previsto só para umas modalidades: diversos aspectos do regime dos deveres de informação pré-contratual do segurador no âmbito dos seguros de vida (comunicação das alterações, direito de resolução do contrato pelo tomador do seguro e possibilidade de exigência regulamentar relativa ao prospecto – todos v. infra); aspectos do regime previsto para os tomadores dos seguros individuais cuja aplicação se estende aos segurados de um seguro de grupo, em especial se contributivo (arts. 78.º/1, 87.º a 89.º); e também, como elevação de soluções especiais a soluções mais gerais, os vários aspectos do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que passaram a regime dos seguros de responsabilidade civil, seja tout court (arts. 142.º a 144.º), seja obrigatórios (arts. 101.º/4, 126.º/3 e 146.º/1 e 2).
No concreto caso da forte disciplina da participação do segurador no cumprimento pelo tomador do seguro e o segurado do dever de declaração inicial do risco (art. 24.º/3), aspecto que se deve ter por nuclear ao novo regime sobre a matéria, a jurisprudência nacional em sentido semelhante parece pouco significativa para se poder dá-lo como exemplo de extensão do conteúdo de solução actual – devendo antes, parece, acentuar-se que a reunião em uma só disposição legal expressa do conjunto de conteúdos do seu elenco importará, crê-se, uma muito superior facilidade na aplicação diária desses conteúdos.
*
Terá, não obstante, de ser sublinhado que ao RJCS não são alheias as preocupações de garantir ao segurador condições sãs e adequadas ao desenvolvimento da respectiva actividade e conformes à natureza e técnicas próprias da actividade seguradora.
Exemplos especialmente significativos do reflexo normativo destas preocupações são a protecção do segurador contra comportamentos dolosos do tomador do seguro, do segurado, ou do próprio beneficiário, que para além de estar sediada nos arts. 46.º e 148.º encontra eco em múltiplos aspectos do regime8 e, ainda, o reconhecimento da admissibilidade das práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprias do segurador que sejam objectivamente fundamentadas em sede do regime aplicável a práticas discriminatórias
7 O antecedente é a previsão do requisito do nexo de causalidade no âmbito do direito de regresso do segurador de responsabilidade civil automóvel, seja de forma expressa, seja por interpretação jurisprudencial – que no concreto caso do direito de regresso em razão de condução com álcool foi ao ponto da emissão de acórdão uniformizador de jurisprudência (em 2002); conhecendo-se jurisprudência no sentido de defender um como que “requisito geral” de causalidade (até por aplicação extensiva do Acórdão uniformizador de 2002) aplicável a todo e cada um dos casos de direito de regresso previstos no elenco (taxativo) da lei.
8 Designadamente, no regime sobre a representação do tomador do seguro (art. 17.º); em alguns aspectos do regime aplicável à declaração inicial do risco (arts. 24.º/3, corpo, e 25.º); no regime aplicável ao tomador de seguro de má fé em caso de inexistência de risco ou ocorrência de sinistro prévio à conclusão do contrato (art. 44.º); no regime aplicável em caso de falta de comunicação do agravamento do risco [art. 94.º/1/c)]; no regime aplicável em caso de incumprimento do dever de participação do sinistro (art. 101.º/ 2); e no direito de regresso do segurador (art. 144.º).
(art. 15.º), ou o regime de extensão da garantia no tempo dos seguros de responsabilidade civil em geral (art. 139.º).
De igual forma foram salvaguardados os objectivos de conferir ao mercado segurador o espaço necessário para permitir a inovação e sofisticação dos produtos oferecidos e a diversificação dos meios utilizados, bem como o de reforço da autonomia privada na contratação com tomadores de seguro não carecidos de especial protecção.
A título de exemplo, de referir a admissibilidade de convenção de outros meios e modalidades de pagamento do prémio (art. 54.º); o regime do contrato de resseguro (arts. 72.º e ss.); bem como o regime específico de imperatividade dos seguros de grandes riscos (arts. 12.º/2 e 13.º/2), a inaplicabilidade do dever especial de esclarecimento (art. 22.º/4) e a maior esfera de liberdade convencional neste tipo de seguros9.
Importa concluir que, a final, os dispositivos supra referidos redundam em evidentes vantagens, não apenas para as empresas, como para os utilizadores. A redução dos pagamentos indevidos e da sinistralidade contribuirá, crê-se, para a desoneração dos prémios, ao passo que o dinamismo do mercado aumentará a adequação da oferta às necessidades específicas dos tomadores de seguro.
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síntese) elenco de matérias especialmente assinaladas
Em síntese, o RGCS consagra um regime bem mais detalhado e mais amplo do que o actual, onde releva uma preocupação de protecção da parte fraca da relação complexa de contrato de seguro, abundando, por conseguinte, as soluções imperativas.
Procederemos no cap. II à apresentação sucinta das que tomamos à partida como as alterações mais relevantes trazidas pelo RJCS relativamente ao regime vigente, com uma curta problematização específica de cada um dos respectivos itens. (No elenco privilegiamos a menção de conjuntos de soluções, em detrimento de soluções pontuais; embora também façamos menção de algumas destas).
Naturalmente que o elenco do cap. II, para além de representar apenas a opinião dos autores do presente documento, é ainda precário (pois que só a aplicação do RJCS poderá revelar de forma definitiva e completa as alterações de consequências mais determinantes) e apenas um entre muitos, tantos quantos os enfoques com que se venha a ler o Regime.
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Da apresentação que se efectua no cap. II resulta, seja por inferência do seu conjunto, seja pelas razões assinaladas caso a caso:
– que a grande maioria das soluções assinaladas situam-se no Título I (“Regime comum”), precisamente a sede reguladora de maior impacto do regime do CCom, por contraponto aos Títulos II (“Seguro de danos”) e III (“Seguro de pessoas”); sendo que as alterações que, de entre o elenco, se podem mais facilmente considerar muito importantes (da perspectiva do enfoque do presente trabalho) são de novo em “grande maioria” sediadas no “Regime Comum”;
9 Designadamente, quanto ao prazo para a entrega da apólice (art. 34.º/1); quanto ao regime de pagamento do prémio (art. 58.º); quanto ao exercício do direito de denúncia (art. 112.º/4); quanto à resolução após sinistro (art. 117.º/5) e quanto ao regime de sub-rogação parcial do segurador (art. 136.º/3).
– que, de entre as alterações que se podem mais facilmente considerar muito importantes, cerca de metade é relativa à fase pré-contratual ou de formação do contrato;
– que a maior certeza do direito [e sentidos assemelhados10] é traço predominante (embora em muitos casos não seja “o” traço predominante) em cerca de metade das matérias assinaladas;
– que na maioria das matérias assinaladas o sentido que sobressai das soluções do RJCS é claramente o do incremento do equilíbrio contratual pela protecção conferida à parte fraca da relação complexa de contrato de seguro (principalmente ao tomador do seguro, mas também ao segurado, e nalguns casos ainda ao beneficiário).
Assim, de entre as soluções (ou conjunto de soluções) do RJCS elencadas no cap. II, da perspectiva do confronto com o regime vigente podemos chamar a especial atenção para as que integram os seguintes regimes (a itálico as que mais facilmente podem considerar-se muito importantes)11:
– ao nível do regime geral, “regime comum” (Título I): imperatividade (arts. 11.º a 13.º)12; regime de informação e esclarecimento pelo segurador em momento pré-contratual, ou com origem directa nesse momento13; regimes da declaração inicial do risco ao segurador (arts. 24.º-26.º) e da alteração superveniente do risco [arts. 91.º-94.º, e 190.º e 215.º, a)]; regime relativo à forma do contrato e à apólice (arts. 32.º-38.º); regime da cessação do contrato (arts. 105.º-118.º); regime do seguro de grupo (arts. 76.º-90.º); e o conjunto constituído pelos regimes dos tradicionalmente chamados ónus da participação do sinistro (arts. 100.º e 101.º) e do salvamento (embora este último esteja sediado no Título II; arts. 126.º e 127.º)14;
– ao nível do regime dos seguros de danos (Título II): regimes da pluralidade de seguros [arts. 133.º, 180.º e 215.º, b)]; do subseguro nos contratos de riscos relativos a habitação (art. 135.º); e diversos aspectos do regime actual do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que foram elevados a regime geral do seguro de responsabilidade civil, seja tout court (arts. 142.º-144.º), seja obrigatório
– onde sobressai a previsão do direito de acção directa do lesado contra o segurador (art. 146.º/1 e 2);
– ao nível dos seguros de pessoas (Título III): exclusão da aplicação do regime do agravamento do risco aos seguro de vida e seguro de saúde [arts. 190.º e 215.º, a), aspecto aliás já mencionado no subelenco do travessão supra relativo ao Tít. I15]; regime relativo à designação beneficiária (arts. 198.º a 201.º).
10 Como, p.e., a maior completude do regime, no caso do regime da alteração do risco [arts. 91.º-94.º, e 190.º e 215.º, a)], a maior acessibilidade do regime, no dos regimes de cessação do contrato (arts. 105.º-118.º) e participação do sinistro (arts. 100.º e 101.º), ou a previsão em sede de lei e densificação de regime, no do regime de afastamento e mitigação do sinistro (arts. 126.º e 127.º).
11 Nb: A nomeação imediatamente infra não se refere necessariamente ao todo dos regimes nomeados, podendo justificar- se nalguns casos mais pela presença de uma solução em concreto.
12 Conjunto de soluções quase-muito importante pela extensão do âmbito das soluções imperativas, mas que não constituem princípios de obrigatória convocação em todos os casos (vide infra).
13 Conjunto constituído pela extensão dos deveres de informação pré-contratual do segurador (arts. 18.º a 21.º), a previsão do dever especial de esclarecimento (art. 22.º) e a generalidade das previsões relativas ao direito do tomador de resolução do contrato em razão do incumprimento dos deveres pelo segurador (art. 23.º) e do dever de comunicação de alterações posteriores (art. 91.º).
14 Em especial em razão da relevante regulação do dever de pagamento pelo segurador das despesas havidas com o salvamento (art. 127.º), como decorre do texto respectivo infra.
15 Aspecto do regime do seguro de saúde que somado ao do concreto regime da cobertura do risco de posterioridade (art.
217.º) traduz uma evolução pró-tomador e segurado ao nível deste seguro que não será de desprezar.
II.
ALTERAÇÕES MAIS RELEVANTES
Título I, Regime Comum
1) Imperatividade (arts. 11.º a 13.º)
Como se disse na Introdução, o pressuposto da desigualdade material das partes de que partiu o legislador do RJCS, e portanto da necessidade ou conveniência da protecção da parte fraca, leva a erguer a imperatividade a princípio organizador essencial – alinhando o direito português com o direito comparado próximo.
Assim, depois do art. 11.º fixar que “O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes deste diploma, com os limites indicados nesta secção e os decorrentes da lei geral”, os dois artigos seguintes (da mesma secção que o art. 11.º) prevêem elencos de disposições absolutamente imperativas (portanto “não admitindo convenção em sentido diverso”, art. 12.º) e relativamente imperativas (“podendo ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro”, art. 13.º, regime todavia restrito aos riscos de massa, cf. respectivo n.º 2).
Trata-se de dois elencos extensos, sem dúvida, mas cuja existência coloca a questão da sua taxatividade – i.e., de saber se há disposições que devam ter-se por imperativas embora omissas dos arts. 12.º e 13.º.
No sentido da não taxatividade argumente-se:
a) Há disposições omitidas nos arts. 12.º e 13.º que são estritamente organizadoras da lei – i.e., que não visam directamente a fixação de direitos e deveres entre as partes – e que não podem logicamente (sob pena de implosão do todo do RJCS) deixar de ter-se por imperativas se nada nelas estiver fixado em contrário: são os casos, p.e., do art. 3.º (remissão para diplomas de aplicação geral), do art. 4.º (direito subsidiário), ou do art. 207.º (aplicação subsidiária do regime comum do contrato de seguro e do regime especial do seguro de vida às operações de capitalização, desde que compatíveis com a natureza destas operações);
b) Já quanto a disposições directamente fixadoras de direitos e deveres entre as partes, parece mais difícil superar a letra do art. 11.º, pois que os elencos dos arts. 12.º e 13.º visam precisamente este género de disposições.
Quanto a este tipo de disposições, perante as que devam considerar-se à partida incompreensivelmente, ou menos compreensivelmente, omitidas nos elencos (é o caso, p.e., do disposto no art. 136.º/4: casos de exclusão da sub-rogação nos seguros de danos), há que alegar que a taxatividade dos arts. 12.º e 13.º faria resultar os mesmos em instrumento de desprotecção da parte fraca da relação de contrato de seguro, quando o que lhes é imanente é precisamente serem instrumentos privilegiados da protecção dessa parte contratual.
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Alegue-se ainda que também no âmbito das disposições fixadoras de direitos e deveres entre as partes existem disposições que, por natureza, são insusceptíveis de ser afastadas por convenção, sob pena de xxxxxxx xxxxxxxxxxx xx xxxxxx xxxx (x o caso, p.e., do disposto no art. 148.º relativo ao regime de cobertura do dolo nos seguros de responsabilidade civil);
c) Do que resulta, no nosso entender, que uma interpretação teleológica do conjunto dos arts. 11.º a 13.º deve concluir no sentido do mesmo não vedar absolutamente a existência de outras disposições que devam ter-se por imperativas, emboras omissas dos arts. 12.º e 13.º.
2) Seguros proibidos (art. 14.º)
Tendo como antecessor o regime fixado no n.º 3 do art. 192.º do DL 94-B/98, de 17 Abr., o art. 14.º vem determinar a proibição da celebração de contratos de seguro que cubram determinados riscos específicos, cominando-os de nulidade, ainda que sujeitos a lei estrangeira (cfr. n.º 4 do art. 9.º).
Sem prejuízo das regras gerais sobre licitude do conteúdo negocial, é proibida a cobertura dos seguintes riscos: (i) responsabilidade criminal, contra-ordenacional ou disciplinar; (ii) rapto, sequestro e outros crimes contra a liberdade pessoal; (iii) posse ou transporte de estupefacientes ou drogas cujo consumo seja interdito; (iv) morte de crianças com idade inferior a 14 anos ou daqueles que por anomalia psíquica ou outra causa se mostrem incapazes de governar a sua pessoa.
O novo regime introduz as seguintes alterações:
a) Inclui entre os riscos cuja cobertura não é admitida os inerentes a responsabilidade contra-ordenacional;
b) Em contraponto à inclusão referida na alínea anterior, exclui dos riscos cuja cobertura não é admitida o de inibição de condução de veículos, necessariamente associada a responsabilidade contra-ordenacional ou até criminal;
c) Alarga a proibição de cobertura do risco de rapto a outros crimes contra a liberdade pessoal;
d) Concretiza o tipo de incapacidade que está abrangida e a prestação cujo recebimento se visa atalhar quando se proíbe a cobertura de riscos de morte.
Refira-se que o legislador aproveitou o ensejo para afastar eventuais dúvidas quanto à admissibilidade da cobertura de riscos de responsabilidade civil associada a responsabilidade criminal, contra-ordenacional ou disciplinar.
Assinalam-se, ainda, duas actualizações face ao regime vigente: (i) excluem-se as prestações de natureza meramente indemnizatória do âmbito da proibição de cobertura de riscos associados a crimes contra a liberdade pessoal e morte de crianças ou incapazes; (ii) admite-se a cobertura do risco de morte de crianças com idade inferior a 14 anos, desde que contratada por instituições escolares, desportivas ou de natureza análoga que dela não sejam beneficiárias.
Nestas duas situações entende-se que as coberturas em causa não agravam o risco moral inerente à celebração do contrato de seguro, ao mesmo tempo que se adequa a respectiva protecção a novas realidades sociais.
3) Proibição de práticas discriminatórias (art. 15.º)
Neste artigo, para além de se enunciar o princípio geral de proibição de práticas discriminatórias em violação do princípio da igualdade na celebração, na execução e na cessação do contrato de seguro nos termos previstos no art. 13.º da Constituição, é desenvolvido o regime introduzido pela Lei 46/2006, de 28 Ago., que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde.
Assim, não obstante serem consideradas práticas discriminatórias em razão da deficiência ou de risco agravado de saúde, as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que violem o princípio da igualdade, implicando para as pessoas naquela situação um tratamento menos favorável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação comparável, é operacionalizado o princípio da não discriminação de forma consistente com o Direito Comunitário, a Constituição e a natureza específica do contrato de seguro.
Nestes termos, não se consideram incluídas na proibição, “(...) para efeito de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, as práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos próprias do segurador que sejam objectivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e actuariais rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora”.
Cabe ao segurador que recusar a celebração de um contrato de seguro ou agravar o respectivo prémio em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, prestar ao proponente informação sobre o rácio entre os seus factores de risco específicos e os factores de risco de pessoa em situação comparável mas não afectada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde.
É ainda estabelecido um mecanismo destinado a dirimir eventuais divergências resultantes da decisão de recusa ou de agravamento, podendo o proponente do seguro solicitar a uma comissão tripartida composta por um representante do Instituto Nacional para a Reabilitação, um representante do segurador e um representante do Instituto Nacional de Medicina Legal, a emissão de parecer não vinculativo sobre o referido rácio.
Refira-se que a proibição de discriminação em função do sexo é regulada por legislação especial, em concreto a Lei 14/2008, de 12 Mar.
4) Autorização legal do segurador (art. 16.º)
Conforme resulta do regime jurídico e de acesso e exercício, a actividade seguradora só pode ser exercida por entidades devidamente autorizadas, sendo a prática de actos ou operações de seguros sem que exista autorização punível a título de crime (cfr. art. 202.º do DL 94-B/98, de 17 Abr.) e a título de contra-ordenação [cf. al. a) do art. 214.º do mesmo
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diploma]. De acordo com a al. c) do n.º 1 da Base XVIII da Lei 2/71, de 12 Abr., esses seguros são nulos.
O regime jurídico do contrato de seguro, visando a protecção do tomador do seguro de boa fé, ainda que continue a determinar a nulidade do contrato celebrado por entidade não legalmente autorizada, impõe-lhe o cumprimento das obrigações que decorreriam do contrato ou da lei caso o negócio fosse válido, não lhe sendo devido por isso qualquer contraprestação.
5) Deveres de informação pré-contratual do segurador (arts. 18.º a 21.º)
O novo regime uniformiza para todos os ramos de seguros (“Vida”/”Não vida”) e independentemente da respectiva natureza [riscos de massa/ grandes riscos16], ou do tipo de tomador do seguro (pessoa singular/ colectiva) o conteúdo mínimo do dever de informação pré-contratual a cargo do segurador.
Portanto, o que basicamente há a relevar é a extensão aos contratos de seguro “Não vida” do muito exigente regime de informação pré-contratual hoje reservado para os contratos de seguro “Vida” e de “acidentes pessoais ou doença a longo prazo”.
Desenvolvimento que é dos mais relevantes trazidos pelo RJCS em incremento da protecção do tomador do seguro.
O regime comum em matéria de informação pré-contratual a fornecer ao tomador do seguro não prejudica a aplicação de regimes especiais – é concretamente o caso da informação específica a prestar nos seguros de vida e outros contratos e operações do ramo “Vida” nos termos do art. 185.º, informações a prestar no caso de o seguro ser celebrado à distância (art. 19.º/1) ou as informações exigíveis de acordo com o regime de defesa do consumidor (art. 19.º/2).
Abrangida pela referida extensão está a obrigação de a proposta de seguro conter uma menção comprovativa de que as informações que o segurador tem de prestar foram transmitidas ao tomador do seguro17.
6) Dever especial de esclarecimento do tomador do seguro pelo segurador (art. 22.º)
A previsão expressa na lei do contrato de seguro, a par dos tradicionais deveres de informação pré-contratual, de um dever geral de esclarecimento do tomador do seguro acerca das modalidades de contratos mais convenientes para o fim tido em vista com a contratação não é comum ao nível do direito comparado próximo.
A principal excepção a esta não previsão na lei do contrato de seguro comparada próxima é, para lá da recente lei alemã do contrato de seguro, o regime da mediação de seguros decorrente da Directiva 2002/92/CE,
16 Ainda que no que se refere aos contratos de seguro de grandes riscos, as disposições relativas aos deveres de informação do segurador prévios ao contrato assumam um carácter supletivo, nos termos conjugados dos arts. 11.º e 13.º.
17 Prevista no regime vigente para os seguros e operações do ramo “Vida” no n.º 2 do art. 179.º do DL 94-B/98, de 17 Abr., e n.º 5 do art. 5.º-A do DL 176/95, de 26 Jul., na redacção introduzida pelo DL 60/2004, de 22 Mar. e para os seguros de acidentes pessoais ou doença a longo prazo, no n.º 2 do art. 3.º do DL 176/95, de 26 Jul..
cuja concretização portuguesa consta principalmente dos arts. 31.º, b) e
e), 32.º e 33.º do DL 144/2006, 31 Jul.
O esclarecimento previsto na lei é pró-activo e incide sobre o objecto principal do contrato de seguro, i.e., o âmbito da cobertura fornecida, seja negativa (exclusões, períodos de carência, franquias, regime de cessação do contrato por vontade do segurador e, nos casos de sucessão ou modificação de contratos, riscos de ruptura de cobertura18, seja positiva.
Implica, pois, do segurador uma atenção às necessidades e conveniências em concreto do tomador do seguro e segurado relativas à operação de seguro, à conveniência do casamento daquela cobertura com aquele risco, por contraposição, p.e., ao aconselhamento sobre gestão patrimonial ou fiscal, ou mesmo sobre a necessidade de cumprimento da lei (mormente fiscal), que frequentemente integra o aconselhamento global que precede a contratação de seguro e operações do ramo “Vida”.
Trata-se de aconselhamento restrito às modalidades disponibilizadas pelo segurador, não pelos demais seguradores, mas inclui, parece, no limite, sinalização de inadequação da oferta disponibilizada caso as necessidades concretas do candidato a tomador do seguro/segurado, tal como fluam do declarado a propósito por estes, assim o ditem.
E tem as relevantes excepções constantes do seu n.º 4 (contratos relativos a grandes riscos ou para cuja formação tenha contribuído mediador de seguros, neste caso sem prejuízo dos deveres específicos previstos na respectivas lei de acesso e exercício).
7) Regime do incumprimento dos deveres de informação pré-contratual (art. 23.º)
Consequência comum para o incumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento previstos no regime consiste na obrigação de o segurador responder civilmente pelos danos causados (n.º 1).
Já relativamente ao incumprimento dos deveres tão-só de informação pré-contratual – quer por omissão, quer, frise-se, por desconformidade da informação pré-contratual com o teor da apólice (n.º 4) –, a alteração mais relevante que o RJCS introduziu ao regime vigente é o muito sensível alargamento do âmbito de aplicação do correspondente direito do tomador do seguro à resolução do contrato (direito que o n.º 3 uniformemente fixa dever ser exercido no prazo de 30 dias após a recepção da apólice, tendo a cessação efeito retroactivo e o tomador direito à devolução da totalidade do prémio pago).
Na verdade, agora o direito de resolução abrange todos os contratos
– não se socorrendo já portanto o legislador das limitações que hoje o levam a restringir o direito: 1) aos seguros e operações do ramo “Vida” e “contratos de acidentes pessoais ou doença de longo prazo”; 2) aos contratos singulares, ou cujo tomador do seguro seja uma pessoa singular;
3) aos contratos com duração superior a 6 meses19.
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18 Riscos estes que evidentemente podem ser de molde a relativizar eventuais ganhos do tomador do seguro ao nível do montante do prémio do novo contrato).
19 Cf., respectivamente, n.º 2 do art. 179.º e n.º 2 do art. 182.º do DL 94-B/98, de 17 Abr., e n.º 2 do art. 3.º do DL 176/95, de 26 Jul.; e art. 184.º do DL 94-B/98, e n.º 4 do art. 3.º do DL 176/95.
Uma tal extensão do direito de resolução resultará basicamente na decisiva maior facilidade da sua invocação no caso dos seguros de danos, desonerando o invocante da actual operosa convocação das previsões genéricas, seja dos arts. 5.º, 6.º e 8.º, a), do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais20 (que todavia prevê a manutenção do contrato reduzido), seja dos arts. 294.º e 483.º (e 433.º ss.) do Código Civil (CC), portanto facilitando em muito na prática a desvinculação nessa circunstância.
É certo que o regime vigente aceita que a resolução seja “ad nutum” (i.e., independente de motivo), e que agora o RJCS veio restringi-la aos casos em que, grosso modo, o incumprimento “tenha razoavelmente afectado a decisão de contratar” (n.º 2) – mas, julga-se, esta hipótese cobrirá a generalidade dos casos relevantes [e aos quais há que adicionar os casos dos vícios na formação da vontade, cujo regime de invalidação do contrato continua aplicável21].
Relativamente aos contratos onde já hoje se prevê o direito de resolução “ad nutum” ao contrato nos 30 dias posteriores à recepção da apólice (basicamente, como se disse, os relativos a seguros e operações do ramo “Vida”, e “contratos de acidentes pessoais ou doença de longo prazo”), chamado “direito de renúncia”, que transitou para o RJCS (cf. art. 118.º), a situação permanece basicamente a mesma.
8) Declaração inicial do risco (arts. 24.º-26.º e 188.º)
Nesta matéria, fulcral à economia do contrato de seguro e, portanto, ao seu regime geral, e das que mais contencioso judicial suscitam hoje, para o que sobremaneira contribui o carácter parco e desactualizado da disposição legal sede do regime actual (art. 429.º do CCom) (v. infra), consagrou-se um regime significativamente mais favorável a tomadores do seguro e segurados do que o actual, e cujo alcance parece ir bem mais além do que a letra dos arts. 24.º a 26.º22.
Ao nível dos contornos do dever de declaração (art. 24.º), como consta do preâmbulo, “Mantendo-se a regra que dá preponderância ao dever de declaração do tomador do seguro sobre o ónus de questionação do segurador (...)” (n.os 1 e 2 idem), acrescentou-se-lhe depois um muito relevante conjunto de deveres disciplinadores do segurador no n.º 3, que sintetiza entendimentos retirados, seja da lei e jurisprudência do direito comparado próximo, seja da jurisprudência nacional em torno do art. 429.º do CCom.
A reunião no n.º 3 desse conjunto de previsões facilitará em muito, julga-se, comparativamente ao regime actual, a irrelevância das omissões e declarações inexactas para cuja ocorrência haja concorrido o menor cuidado do segurador, ou do seu representante, no processo de declaração do risco.
Mas também ao nível do regime da sanção do incumprimento do dever de declaração pelo tomador do seguro e segurado o regime resulta bem mais favorável aos tomador do seguro e segurado do que o actual.
20 DL 446/85, de 25 Out..
21 Arts. 240.º ss. do CC.
22 P.e., ao nível do tratamento processual da essencialidade da declaração inexacta ou omitida, ou dos termos gerais em que o segurador é suposto recepcionar a declaração do risco, ou mesmo da concorrência do dolo do representante do segurador com o dolo do tomador do seguro ou do segurado.
Para além de se clarificar a natureza do desvalor dele resultante, cinde-se o actual regime em dois – distinguindo-se os casos de incumprimento por mera culpa, para a qual a sanção é a mera denunciabilidade do contrato (sem portanto afectar a validade do contrato, art. 26.º), dos casos de dolo, aos quais se restringiu a anulabilidade do contrato (art. 25.º), desvalor este a que a maioria da jurisprudência reconduzia hoje a única sanção prevista no art. 429.º CCom. (aí chamada “nulidade”).
Esta cisão de regimes (desoneradora dos incumprimentos meramente negligentes) é de há muito pacífica no direito comparado próximo.
Inovação de relevo (inclusivamente ao nível do direito comparado próximo) em sentido protector dos segurados é igualmente a previsão da causalidade como condição de invocação pelo segurador do facto omitido ou declarado inexactamente com mera culpa invocado para afastar a obrigação de cobertura do sinistro entretanto ocorrido (art. 26.º/4, corpo)
– tornando assim não invocável para esse efeito a omissão na declaração inicial do risco, p.e., da inoperância então do sistema de detecção de fogo se a perda do bem seguro se deveu a inundação, ou de estado de saúde perfeito quando o não era (pois que o segurado até tomava medicamentos então), se a doença se deveu a causa posterior à celebração do contrato de seguro.
Tratava-se na verdade de aspecto do regime do art. 429.º do CCom que mais incompreensão social suscitava, até porque registava deveras aplicação prática.
Por fim, como regime comum do seguro de vida, de mencionar que o RJCS consagrou com carácter obrigatório a incontestabilidade das omissões ou inexactidões negligentes ao fim de, no máximo, 2 anos sobre a data de celebração do contrato (art. 188.º/1) – cláusula que é habitual nos contratos vigentes. Tendo no n.º 2 clarificado a questão de saber se a incontestabilidade abrange as coberturas complementares de acidentes e de invalidez.
9) Formação do contrato pelo silêncio do segurador (art. 27.º)
A densificação do regime previsto no art. 27.º do RJCS relativamente ao actualmente previsto no art. 17.º do DL 176/95, de 26 Jul., ao atalhar dúvidas de aplicação (a mais relevante das quais será porventura a que é objecto do n.º 3 do art. 27.º, sobre o concreto conteúdo implícito do contrato formado pelo silêncio), parece ir no sentido da facilitação da aplicação deste instituto, e portanto do aumento da sua eficácia, o que favorece os tomadores do seguro e segurados – ainda que o regime ora enunciado seja afinal o que não podia deixar de ser o devido já hoje.
10) Mediação (arts. 28.º a 31.º)
Em matéria de mediação de seguros, a preocupação essencial subjacente ao RJCS funda-se no estabelecimento da interligação com o enquadramento jurídico de acesso e de exercício da actividade de mediação de seguros (DL 144/2006, de 31 Jul.). De referir, não obstante, duas disposições cujo sentido converge para a clarificação da eficácia dos actos quando praticados com a intervenção de mediador.
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Assim, estabelece-se a eficácia interpartes das comunicações, da prestação de informações e da entrega de documentos por intermédio de mediador que actue em nome e com poderes de representação do tomador do seguro ou do segurador (art. 31.º).
Por outro lado, ainda que se reconhecendo, por princípio, a ineficácia do contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito, na ausência da respectiva ratificação (n.º 1 do art. 30.º), admite-se a eficácia em relação ao segurador se existirem: “(...) razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro” (n.º 3 idem).
11) Forma do contrato e apólice de seguro (arts. 32.º a 38.º)
O teor do art. 426.º do CCom ao estabelecer que “O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constituirá a apólice de seguro” tem sido interpretado como impondo uma forma ad substantiam ao contrato de seguro.
O n.º 1 do art. 32.º do RJCS vem afastar esta interpretação, afirmando a sua natureza meramente consensual, não dependendo da observância de qualquer forma especial, o que aliás se encontra em melhor correspondência com os padrões em que se desenvolvem actualmente as negociações contratuais.
Não obstante, o segurador mantém o dever de formalizar o contrato numa apólice de seguro, que deve ser entregue ao tomador do seguro aquando da celebração do contrato ou ser-lhe enviada no prazo de 14 dias nos seguros de riscos de massa23, salvo se houver motivo justificado, ou no prazo que seja acordado, nos seguros de grandes riscos24 (arts. 32.º/2 e 34.º/1).
De referir que o legislador, ao mesmo tempo que reconhece o carácter não formal do contrato de seguro, não deixa de atribuir consequências jurídicas significativas à entrega da apólice de seguro, em moldes claramente inovadores face ao regime vigente e que prosseguem essencialmente dois objectivos: acréscimo da tutela da posição do tomador do seguro conjugado com garantia da estabilidade contratual.
Assim:
a) Xxxxxxx atraso na entrega da apólice não são oponíveis pelo segurador cláusulas que não constem de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele anteriormente entregue (art. 34.º/4) e, enquanto a apólice não for entregue, tem o tomador direito a resolver o contrato com eficácia retroactiva e à devolução integral do prémio pago (art. 34.º/6);
b) Uma vez entregue a apólice de seguro, não são oponíveis pelo segurador cláusulas que dela não constem, ainda que sem prejuízo do regime do erro negocial (art. 34.º/3). Já o tomador do seguro
23 Quanto ao conceito de riscos de massa, cf. art. 2.º/6 do DL 94-B/98, de 17 Abr.
24 Quanto ao conceito de grandes riscos, cf. art. 2.º/3 a 5 do DL 94-B/98, de 17 Abr.
parece poder invocar cláusulas que tenham sido acordadas mas que não venham a constar da apólice, com os limites previstos na alínea seguinte;
c) Decorridos 30 dias sobre a data da entrega da apólice sem que o tomador do seguro haja invocado qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, só são invocáveis divergências que resultem de documento escrito ou de outro suporte duradouro (art. 35.º).
Em termos do conteúdo da apólice de seguro, ainda que o elenco dos elementos mínimos que da mesma devem constar não verifique alterações significativas face ao regime vigente, é de assinalar, no mesmo sentido de tutela acrescida da posição do tomador do seguro, a obrigatoriedade de inclusão das cláusulas que se reputam mais relevantes da perspectiva da compreensão da cobertura, das condições e deveres inerentes ao contrato em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes (art. 37.º/3).
O incumprimento pelo segurador das regras relativas ao texto da apólice determina, em termos inovadores face ao regime vigente, o direito do tomador do seguro resolver o contrato nos termos previstos para o incumprimento dos deveres de informação pré-contratuais, e o direito de exigir a correcção da apólice (art. 37.º/4).
12) Actos dolosos (arts. 46.º, 141.º e 148.º)
Como forma de mitigação do risco moral inerente ao contrato de seguro e por razões de ordem pública, estipula-se, de forma expressa, que os actos ou omissões dolosos do beneficiário que tenham dado causa ao sinistro determinam a exclusão de qualquer direito à prestação resultante do contrato, arvorando em princípio geral aplicável a todos os seguros a regra constante do art. 458.º do CCom, nos termos do qual:”O segurador não é obrigado a pagar a quantia segura: (...) 2.º Se aquele que reclama a indemnização for autor ou cúmplice do crime da morte da pessoa, cuja vida se segurou.”
O mesmo princípio é aplicável no caso de sinistro causado dolosamente pelo tomador do seguro ou pelo segurado, não se encontrando o segurador obrigado a efectuar a prestação acordada. Admite, no entanto, o n.º 1 do art. 46.º que este regime possa ser afastado por disposição legal ou regulamentar ou por convenção entre as partes não ofensiva da ordem pública (respeitando, designadamente, os limites fixados no art. 14.º) e se a natureza da cobertura o permitir (por designadamente não implicar uma coincidência entre o tomador do seguro ou o segurado e o beneficiário, caso do seguro de responsabilidade civil).
Refira-se que, no âmbito dos seguros contra riscos, o n.º 3 do art. 437.º do CCom determina que: “O seguro fica sem efeito: (...) Se o sinistro tiver sido causado pelo segurado ou por pessoa por quem ele seja civilmente responsável.”
O novo regime, ao admitir a derrogação do afastamento da cobertura por disposição legal ou regulamentar ou por convenção entre as partes, e ainda por a ter qualificado como disposição de imperatividade relativa (cfr. n.º 1 do art. 13.º), não diverge da natureza supletiva da regra no contexto
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do CCom.. Todavia, a sua formulação é mais clara – designadamente, ao substituir o “causado” do CCom por “causado dolosamente” vem claramente excluir do âmbito da proibição supletiva os actos causados por mera negligência, incluindo com culpa grave.
Ainda no domínio do tratamento jurídico dos actos ou omissões dolosos, e também com o intuito de diminuir o labor interpretativo necessário para a sua qualificação, deve referir-se que o art. 141.º, incluído na regulação especial do seguro de responsabilidade civil, estabelece não se considerar dolosa a produção do dano quando o agente beneficie de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Atendendo aos valores de ordem social prosseguidos com a instituição de seguros obrigatórios de responsabilidade civil, não é aplicável a regra geral constante do artigo 46.º, ficando a cobertura de actos ou omissões dolosos nos termos do art. 148.º sujeita ao regime especial que seja estabelecido em lei ou regulamento25. Nestes termos, o regime especial, em função da natureza dos riscos específicos concretamente cobertos, pode determinar a cobertura, ou não, de actos ou omissões dolosos do segurado, ou a respectiva cobertura de acordo com condições específicas, sendo que no caso de nem a lei, nem posterior regulamentação, dispuserem sobre esta matéria, se deve aplicar o n.º 2 do art. 148.º, segundo o qual haverá cobertura desses actos ou omissões.
13) Prémio (arts. 51.º a 61.º)
Embora preserve, na estrutura, o regime de pagamento dos prémios de seguro constante do DL 142/2000, de 15 Jul.26, o novo regime introduz um conjunto de ajustamentos pontuais e clarificações que podem ter repercussões práticas significativas.
Com um objectivo prevalecente de adaptação do regime tendo em conta a experiência carreada pelo tráfego jurídico, por forma a melhor corresponder à realidade social, económica e tecnológica, anotam-se as seguintes alterações:
a) Revisão do elenco dos ramos e modalidades de seguros que não ficam sujeitos ao princípio de “no premium, no risk”, onde sobressai, em termos de alterações, a sujeição ao mesmo meramente supletiva dos seguros de cobertura de grandes riscos (art. 58.º);
b) Eliminação do regime especial previsto para os contratos de prémio variável e para os contratos titulados por apólices abertas. A eliminação desse regime é facultada pelo alinhamento previsto quanto aos prazos para emissão de aviso para pagamento de prémio (30 dias), bem como das consequências da falta de pagamento (resolução, ou não prorrogação);
c) Actualização dos modos de pagamento do prémio do seguro, aditando outros meios electrónicos de pagamento aos que se encontram previstos27 (art. 54.º/1). Admite-se, nos seguros de pessoas, a possibilidade de as partes convencionarem outros meios e modalidades de pagamento do prémio, desde que respeitem as disposições legais
25 Embora o n.º 1 do art. 12.º não o qualifique expressamente como tal, o artigo 148.º, sob pena de inutilidade do respectivo teor, terá que ser qualificado como de natureza imperativa.
26 Republicado pelo DL 122/2005, de 29 Jul., e alterado pelos DLs 199/2005, de 10 Nov. e 291/2007, de 21 Ago.. 27 Hoje regulados pela Portaria 1371/2000(2.ª Série), de 12 Set..
e regulamentares em vigor (art. 54.º/6) – designadamente de ordem prudencial –, tendo em vista, em particular, seguros e operações em que prevaleça a componente de capitalização;
d) Permissão expressa de extinção da dívida de prémio, por compensação com crédito reconhecido, exigível e líquido até ao montante a compensar, mediante declaração de uma das partes à outra, desde que se verifiquem os demais requisitos da compensação (em concreto arts. 847.º ss. do CC; art. 54.º/5);
e) Fixação de uma regra para tratamento das situações em que o prémio não tenha sido determinado ou tenha sido insuficientemente determinado28, que embora corresponda certamente à prática seguradora, não se encontrava reflectida expressamente no regime jurídico do contrato de seguro (art. 52.º/2).
No sentido de introdução de maior certeza jurídica refira-se:
a) O estabelecimento de condições para a eficácia do pagamento por meio de cheque ou débito em conta, respectivamente, a boa cobrança e o não exercício do direito de anulação do débito, salvo mora do segurador (art. 54.º/2 a 4);
b) Nos contratos sujeitos ao princípio de “no premium, no risk”, prevê-se agora expressamente que a falta de pagamento de prémio relativo a alteração do contrato não afecta em princípio a subsistência da cobertura não alterada, excepto se a subsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento do prémio não pago (art. 61.º/4).
Para tutela do segurado e beneficiário, e embora a título supletivo, regula-se expressa e detalhadamente o pagamento do prémio por terceiro (art. 55.º), admitindo-se desde logo, de forma expressa, o pagamento por terceiro não interessado29. Mais: em derrogação especial ao regime geral civilista (cf. art. 767.º/2 do CC), impede-se a recusa de um tal pagamento pelo segurador.
Neste âmbito mereceu protecção acrescida o terceiro interessado, titular de direitos ressalvados no contrato, tendo-se-lhe expressamente facultado o pagamento do prémio depois de vencido, com reposição da cobertura entre a data do vencimento e a data do pagamento, sem prejuízo, bem entendido, da não cobertura de sinistro ocorrido entre essas duas datas e que fosse do conhecimento do beneficiário.
(Cf. também a previsão do art. 91.º/2, infra mencionada).
14) Resseguro (arts. 72.º a 75.º)
As características do contrato de resseguro e a natureza dos contratantes aconselham a que seja conferida ampla liberdade às partes para – dentro dos limites de ordem pública e da lei – conformarem o conteúdo do
28 Situação necessariamente residual, face aos deveres que impendem sobre o segurador de informação pré-contratual quanto ao valor do prémio, ou respectivo método de cálculo, nos termos da alínea d) do art. 18.º.
29 O art. 55.º vem portanto atalhar eventual hesitação sobre a legalidade do pagamento do prémio por terceiro desinteressado da cobertura em face do princípio do interesse no seguro (art. 428.º, § 1.º, do CCom e art. 43.º do RJCS), hesitação que o regime actual admitirá em termos gerais (sem prejuízo de devermos entender estarmos perante realidades distintas, a do pagamento do seguro e a da cobertura do risco). Reportamo-nos a “em termos gerais”, pois que por exemplo no muito relevante caso do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel há a expressa permissão do, hoje, n.º 2 do art. 6.º do DL 291/2007, de 21 Ago., que vai, aliás, além da mera questão do pagamento do prémio.
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contrato30. O regime de nível de lei vigente resume-se ao previsto no art. 430.º do CCom que, no capítulo das disposições gerais, fixa que: “O segurador pode ressegurar por conta de outrem o objecto que segurou (...)”.
Não obstante, tem sido defendida a aplicabilidade ao contrato de resseguro do regime previsto para o contrato de seguro que com ele não seja incompatível, ainda que a título subsidiário.
O RGCS não se afastou deste princípio, tendo ainda considerado relevante, por razões de completude e disciplina mínima do contrato de resseguro, dedicar-lhe os artigos 72.º a 75.º.
Naturalmente, o regime deste contrato é remetido amplamente para a autonomia privada.
Todavia, no que respeita à forma do contrato, embora se lhe aplique o princípio que determina a desnecessidade de forma especial para validade do contrato, exige-se: (i) a formalização num instrumento escrito; (ii) a identificação dos riscos cedidos ou retrocedidos.
O n.º 1 do art. 75.º ainda que reafirmando o princípio de eficácia relativa do contrato (cf. n.º 2 do art. 406.º do CC), admite que, por previsão legal ou estipulação entre as partes, do contrato de resseguro decorram relações entre os tomadores do seguro e o ressegurador. Tem a disposição em causa por objectivo admitir certas formas excepcionais de relacionamento directo entre ressegurador e tomador do seguro, quer resultantes de lei (por exemplo eventuais privilégios em caso de liquidação do segurador), quer resultantes de convenção entre as partes (pagamento directo de indemnização, direcção da regularização de sinistros, ...).
Ao que se adita a admissão expressa (no n.º 2) da possibilidade de atribuição pelo segurador a terceiros da titularidade ou do exercício de direitos que lhe advenham do contrato de resseguro, quando tal atribuição seja permitida pela lei geral.
15) Seguro de grupo (arts. 76.º a 90.º)
No âmbito da matéria relativa ao seguro de grupo é de referir, desde logo, a alteração conceitual: de seguro de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum [al. g) do art. 1.º do DL 176/95, de 26 Jul.], o conceito alarga-se ao seguro de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar (art. 76.º).
Prescinde-se, assim, da existência de um vínculo ou interesse comum entre os segurados, bastando que o vínculo se verifique relativamente ao tomador do seguro. Adicionalmente deixa de se prever o “interesse comum” como elemento de ligação, exigindo-se agora um vínculo distinto do constituído pela celebração e adesão ao seguro de grupo, o que adequa melhor o recorte do âmbito do regime à realidade que o mesmo visa regular.
30 Daí que a matéria do resseguro seja normalmente tratada em sede dos regimes jurídicos de acesso e exercício, embora sem incidência na vertente contratual. Mesmo algumas leis contratuais que se lhe referem expressamente, restringem as normas aplicáveis aos domínios do conceito, prova, eficácia e supletividade do regime.
Deve anotar-se a acrescida tutela do segurado de um seguro de grupo que resulta do RJCS.
Nesse sentido, em sede de regime comum a todos os seguros de grupo deve frisar-se:
a) A extensão muito significativa dos deveres de informação pré-contratual. Neste domínio, por força do art. 78.º/1, o segurado de um seguro de grupo fica num plano de equivalência, senão mesmo de privilégio, relativamente ao regime comum, pois que exige ao tomador do seguro:
(i) o cumprimento de deveres de informação correspondentes aos que o segurador tem para consigo (arts. 18.º a 21.º); (ii) que a prestação da informação relativa a um especial núcleo de matérias seja efectuada nos termos de um espécimen específico;
b) Ainda no domínio da informação pré-contratual, a obrigatoriedade de informação sobre o regime de designação e alteração do beneficiário revela-se um factor essencial de transparência e de garantia dos direitos do segurado relativamente à adesão ao seguro de grupo (art. 78.º/2). Em aditamento, introduz-se a regra que atribui à pessoa segura a designação do beneficiário, salvo convenção em contrário (art. 81.º);
c) Clarifica-se que o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais (art. 79.º). Ainda que não constituindo novidade regulatória, esta previsão expressa representa um contributo relevante para o exercício de eventuais direitos;
d) Clarifica-se o regime aplicável no que se refere à oponibilidade das alterações contratuais ao segurado, questão discutida no âmbito do regime vigente – conferido-se ao segurado a possibilidade da sua invocação como causa de denúncia do vínculo de adesão (art. 82.º).
Em idêntico sentido da acrescida tutela do segurado de um seguro de grupo contributivo31 é fixado um regime especial, que parte do reconhecimento de que nesta modalidade de contratos a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de um seguro individual, devendo, por conseguinte, ser-lhe garantido o mesmo nível de protecção.
Nesse domínio, devem anotar-se os seguintes aspectos:
a) Adicionalmente à informação comum a todos os contratos de seguro de grupo, o tomador do seguro, que seja simultaneamente beneficiário, deve informar o segurado do montante das remunerações que lhe sejam atribuídas em função da sua intervenção no contrato, independentemente da forma e natureza que assumam, bem como da dimensão relativa que tais remunerações representam em proporção do valor total do prémio do referido contrato (art. 87.º/1). De facto, sem prejuízo de o tomador de seguro quando remunerado por qualquer forma ser qualificado como mediador de seguro, e estar, por isso, sujeito às regras legais e regulamentares de acesso e exercício previstas, considerou-se relevante da perspectiva da prossecução de um princípio de transparência, que quando no mesmo coincida a posição
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31 Cfr. n.º 2 do art. 77.º do RJCS: «O seguro de grupo diz-se contributivo quando do contrato de seguro resulta que os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador do seguro.»
de beneficiário, o dever de informação opere independentemente de pedido do segurado nesse sentido;
b) Fixa-se como consequência do incumprimento dos deveres de informação a obrigação de o tomador do seguro suportar a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda das respectivas garantias, até à data de renovação do contrato ou respectiva data aniversária (art. 87.º/3);
c) Prevê-se um especial regime de formação do contrato em razão do silêncio do segurador (art. 88.º);
d) Determina-se que da declaração de adesão a seguro de grupo contributivo, sem prejuízo das condições específicas da adesão, devem constar todas as condições que, em circunstâncias análogas, deveriam constar de um seguro individual (art. 89.º);
e) Estabelecem-se regras quanto à participação nos resultados32 no contrato de seguro, determinando que deva ser o segurado o titular do direito à participação nos resultados contratualmente definidos na apólice (art. 90.º).
De referir, por último, o regime constante dos arts. 83.º a 85.º (exclusão do segurado, cessação do contrato de seguro de grupo e manutenção da cobertura), que não se incluindo no conjunto de disposições que prosseguem uma finalidade de tutela acrescida do segurado, merecem menção, face ao efeito clarificador e de acessibilidade directa ao regime, que, de outro modo, implicaria o recurso ao regime geral e a percursos interpretativos mais longos.
16) Alteração (superveniente) do contrato (do risco em especial) [arts. 91.º-94.º, e 190.º e 215.º, a)]
Para lá da densificação global das previsões legais e da mais adequada sedeação sistemática da parte mais relevante deste conjunto de regimes, a do agravamento do risco, relevam em especial as soluções que a seguir se referem, todas em sentido mais protector de tomadores do seguro, segurados e beneficiários.
Desde logo anote-se a extensão a todos os contratos de seguro do dever de comunicação pelo segurador das alterações do risco respeitantes ao objecto das informações pré-contratuais (é o caso, p.e., de alteração legal ou regulamentar do capital mínimo ou outro aspecto da cobertura obrigatória de um seguro obrigatório), que no regime vigente se encontra expressamente previsto apenas em relação aos seguros e operações do ramo “Vida” e “contratos de acidentes pessoais ou doença de longo prazo” (art. 91.º/1).
Solução que é complementada pela previsão com carácter geral, no n.º 2, do dever de comunicação pelo segurador “aos terceiros, com direitos ressalvados no contrato e beneficiários de seguro com designação irrevogável, que se encontrem identificados na apólice, [d]as alterações contratuais que os possam prejudicar, se a natureza do contrato ou a modificação não se opuser”, que no regime vigente se encontra previsto
32 Por participação nos resultados deve entender-se, de acordo com o disposto no art. 205.º do RJCS: «(...) [o] direito, contratualmente definido, de o tomador do seguro, de o segurado ou de o beneficiário auferir parte dos resultados técnicos, financeiros ou ambos gerados pelo contrato de seguro ou pelo conjunto de contratos em que aquele se insere.»
relativamente a alguns contratos de seguro de caução para o facto do não pagamento do prémio pelo tomador do seguro [art. 23.º do DL 176/9533].
De seguida, anote-se a previsão expressa a nível de lei de regime para a diminuição do risco (art. 92.º), poupando o tomador do seguro e o segurado à insegurança da sustentação de um correspondente direito à diminuição do prémio durante a anuidade do contrato, ou à resolução do contrato, com base no art. 446.º do CCom por analogia (regime geral do agravamento do risco, que é o que hoje há de mais aproximado a nível de lei a um regime geral de diminuição do risco).
Relativamente ao regime fulcral na presente sede, o do agravamento do risco (arts. 93.º e 94.º), alterações maiores no confronto com o regime vigente (art. 446.º do CCom) são desde logo as restrições à sua aplicação no domínio dos seguros de pessoas:
a) a da sua exclusão pura e simples relativamente aos seguros de vida (art. 190.º, 1.ª parte),
b) a sua exclusão relativamente ao agravamento do estado de saúde da pessoa segura no respeitante, seja ao seguro de saúde [art. 215.º, a)], seja às coberturas complementares de acidente e invalidez por acidente e doença dos seguros de vida (art. 190.º, 2.ª parte) – pelo que nestes dois tipos de casos o regime dos arts. 93.º e 94.º só se aplicará a factos alheios ao estado de saúde da pessoa segura (p.e., alterações relevantes de profissão e de local de residência).
Quanto ao mais do regime do agravamento do risco do RJCS, por comparação com o regime de sede legal vigente, e em sentido igualmente favorável aos tomador do seguro e segurado (imperatividade relativa, art. 13.º/1), há ainda a relevar três aspectos.
Desde logo, à semelhança do já anotado relativamente ao regime matricial da declaração inicial do risco, o RJCS veio cindir em dois o regime do incumprimento do dever de comunicação do agravamento ao segurador (art. 94.º), atenuando a sanção no caso do incumprimento devido a mera culpa.
Na verdade, neste caso o segurador não pode recusar a cobertura do sinistro verificado após o agravamento, cabendo antes cobertura reduzida “na proporção entre o prémio efectivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco” [n.º 1, b)]; reservando portanto o RJCS a solução única actual, da não cobertura (§ 2 do art. 446. º do CCom, que fala em “anulação”), para o incumprimento do dever de comunicação com dolo graduado [“com o propósito de obter uma vantagem”, n.º 1, c)34].
Em segundo lugar, o RJCS veio clarificar o regime aplicável à verificação do sinistro após o agravamento mas ainda na pendência dos procedimentos de ajustamento contratual, prevendo a cobertura integral [não reduzida, n.º 1, a)], em contraposição à omissão pura e simples de solução para esta questão no regime de nível de lei actual, facilitando portanto a sua regulação estritamente pela autonomia contratual.
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33 A que recentemente foi conferida a especial força resultante dos n.os 2 e 3 do art. 11.º do DL 183/88, de 24 Mai., na redacção do DL 31/2007, de 14 Fev..
34 Portanto reservando a sanção agravada para casos mais exigentes do que os previstos no art. 25.º, que se basta com o dolo tout court.
Por fim, e de novo à semelhança do que vimos suceder no regime da declaração inicial do risco35, o RJCS veio prever o requisito da causalidade como condição de invocação pelo segurador do incumprimento do dever de comunicação do agravamento do risco para reduzir ou recusar a cobertura do sinistro verificado após o agravamento (n.º 1, corpo).
17) Seguro dado em garantia (art. 97.º)
O caso paradigmático no domínio dos contratos com consumidores é o dos seguros associados a um contrato de crédito à habitação.
O RJCS testemunha a atenção que o legislador segurador nacional tem dado a esta realidade, com um intuito de protecção dos adquirentes.
O regime específico do seguro dado em garantia veio facilitar decisivamente a mobilidade contratual do tomador do seguro, ao eliminar a necessidade de autorização do credor, seja para a mudança de segurador, desde que o novo contrato mantenha “as mesmas condições de garantia” (n.º 1), seja para a transmissão do bem seguro, quando exista garantia real sobre o mesmo (n.º 2).
Embora estas disposições estejam ausentes dos elencos dos arts. 12.º e 13.º, o seu afastamento convencional terá de se considerar pelo menos como de legalidade sindicável à luz do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais [para lá dos casos que devam ter-se por vedados pela proibição das vendas dependentes (cf. n.º 6 do art. 9.º da Lei de Defesa do Consumidor e alínea g) do artigo 31.º do DL 144/2006, de 31 Jul, regime jurídico da mediação de seguros].
18) Regime de cessação do contrato (arts. 105.º-118.º)
Esta é uma das matérias que melhor ilustra a vantagem geral que apontámos ao RJCS (comparativamente à situação actual) da acessibilidade do direito vigente.
Na verdade, embora o conjunto das soluções resultantes dos arts. 105.º-118.º não pareça à partida ser dos que mais sobressaiam no RJCS em termos de novidade de regime – porque, por outro lado, se trata de matéria muito relevante em termos práticos, julga-se que o tratamento sistematizado, unificado em um só capítulo e circunstanciadamente enunciador do que é hoje o regime e a prática jurídicas na matéria muito farão para a sua acessibilidade, justificando a sua nomeação entre as alterações mais relevantes trazidas pelo RJCS.
Para além disso, já acima se mencionou uma alteração maior do RJCS ao regime actual da cessação do contrato, concretamente a previsão de um direito geral do tomador do seguro de resolução do contrato de seguro em razão do incumprimento pelo segurador dos deveres de informação pré-contratual (art. 23.º), para onde se remete.
Em matéria de limitações à denúncia dos contratos de seguro, o art. 114.º (cf. art. 13.º/1), ao formular em termos mais específicos – embora
35 Embora a expressão prática da não causalidade actual decorrente do regime actual (art. 429.º aplicado à hipótese do art. 446.º, ambos do CCom) seja, supomos, bem menos significativa do que a da não causalidade aplicada aos casos de declaração inicial do risco, ao menos ao nível da jurisprudência.
igualmente abstractos – proibições que já hoje provavelmente decorrerão do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, veio facilitar a protecção do tomador do seguro nesse âmbito, logo aumentando a eficácia da mesma.
Trata-se da proibição de denúncias do contrato susceptíveis de eliminar de forma desrazoavelmente inopinada a garantia de cobertura – ou, aliás a fortiori, a cobertura (n.º 4) – que o tomador do seguro visa principalmente com o contrato.
É o caso paradigmático do seguro de obra.
Relativamente à resolução do contrato após sinistro, o art. 117.º veio clarificar de vez a questão da legalidade ou não (em face nomeadamente do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais) da cláusula de resolução, bilateral [segundo se julga bem interpretar o aí disposto36], ad nutum do contrato de seguro após o sinistro, constante de tantas apólices, uniformes e outras, e questão ainda pendente ao nível da jurisprudência (embora já não com a acuidade e relevância sociológica que a questão teve há cerca de 10 anos).
Para lá desta vantagem da clarificação, sob a perspectiva da evolução pró-tomador do seguro do regime agora previsto: embora a fixação da aceitabilidade desta cláusula de resolução nos n.os 1 e 2 do art. 117.º possa limitar-se a espelhar, segundo se julga, a prática prudente actual dos seguradores (que, estando decerto interessados em não perder clientes, só resolverão o contrato logo após o primeiro sinistro se este deveras for de molde a suscitar dúvidas sobre a honorabilidade da contraparte ou a pertinência da anterior apreciação do risco) – o facto é que o RJCS veio prever como regime geral a exigência de dois sinistros (n.º 2 cit.), quando a generalidade das apólices hoje se bastam com um só. Por outro lado, excluí tal resolução pelo segurador em casos não previstos de forma expressa pela lei actual (casos dos seguros de crédito e caução, vida e seguros obrigatórios de responsabilidade civil além do de responsabilidade civil automóvel, n.º 3 do art. 117.º).
Outros tantos aspectos, conclua-se, em que portanto houve evolução pró-tomador do seguro da parte do RJCS.
Títulos I, Regime Comum, e II, Seguro de Danos
19) Participação do sinistro (arts. 100.º e 101.º) e afastamento e mitigação do sinistro (arts. 126.º e 127.º)
O conjunto destas disposições pouco inovou, segundo se julga, em termos de soluções hoje praticadas diariamente, com base em previsões essencialmente convencionais.
Mas ao explicitar o que hoje a lei ou omite ou prevê indirectamente, bem como ao densificar o que a lei hoje prevê muito genericamente, o RJCS veio clarificar, logo dar certeza ao regime legal vigente, facilitando o seu conhecimento por tomadores do seguro e segurados.
Isto é claramente o que resulta do tratamento dado pelo RJCS à matéria dos contornos do dever de participação (art. 100.º/2 e 3, que densificou
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36 Apesar do previsto nos arts. 12.º e 13.º não poder ser invocado nesse sentido.
o hoje previsto no art. 441.º do CCom), bem como às sanções comportadas pelo regime do incumprimento desse dever, onde o art. 100.º do RJCS veio substituir a simples remissão para a obrigação de “responder por perdas e danos” constante daquele artigo do CCom, portanto detalhando que a consequência pode ir da não-sanção até à perda da cobertura37, passando pela redução da cobertura.
Já no respeitante ao regime do tradicionalmente chamado “ónus de salvamento” (que o RJCS chamou “afastamento e mitigação do sinistro”), a diferença entre a sua quase invisibilidade ao nível de lei da situação vigente (comportando designadamente a omissão de previsão expressa do dever do segurador de pagamento das despesas havidas com o salvamento)38, e o detalhe do regime resultante dos arts. 126.º e principalmente 127.º do RJCS é de tal modo frisante que justificam, neste âmbito sim, um juízo de estarmos deveras ante alterações muito relevantes trazidas pelo RJCS.
Na verdade, no confronto com o regime vigente em sede de lei, o RJCS não só clarifica a previsão geral e densifica o ónus de salvamento (art. 126.º, em contraste com mera alusão no n.º 2 do art. 443.º do CCom), como enuncia claramente, em regime de imperatividade relativa (art. 13.º/1), a existência e os contornos do dever de pagamento das despesas de salvamento (art. 127.º), contornos esses que incluem soluções protectoras dos tomadores do seguro e segurados que o regime vigente em sede de lei ou não conhece de todo ou não enuncia, ainda que indirectamente39 (e inovadoras também no confronto com direito comparado próximo):
– o dever existe ainda que o salvamento tenha sido ineficaz (n.º 1 do art. 127.º);
– devendo o pagamento ser efectuado em princípio antecipadamente em relação à regularização do sinistro (n.º 2 idem);
– a dedução do respectivo montante ao capital seguro disponível é não devida nalgumas circunstâncias (pelo menos se o concreto acto do salvamento tiver sido efectuado em cumprimento de determinações concretas do segurador, ou se a cobertura autónoma das despesas de salvamento resultar do contrato, n.º 3 idem).
Também muito relevante no confronto com o regime vigente em sede de lei (e em sentido incrementador da protecção conferida a terceiros lesados)40 é a elevação a regra geral dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil da inoponibilidade aos terceiros lesados do incumprimento dos deveres de participação do sinistro e de salvamento (art. 101.º/4 e 126.º/3), prevista para o seguro de responsabilidade civil automóvel (hoje art. 22.º do DL 291/2007, de 21 Ago.).
37 O n.º 2 do art. 101.º exige, a título de condições para a perda da garantia, o carácter doloso do incumprimento e, bem assim, que este tenha “determinado dano significativo para o segurador”. Este segundo requisito tem muita relevância nalgum direito comparado próximo como instrumento de protecção do tomador do seguro e segurado, mas verdadeiramente já integra a solução prevista no art. 441.º CCom, pois que a responsabilidade por “perdas e danos” depende da existência de dano.
38 Pelo que a sua regulação actual é dada pelo previsto nas apólices, seja uniformes (regime de natureza regulamentar), seja outras (regime convencional).
39 Não é o caso da aplicação da regra proporcional no caso de sub-seguro (constante do n.º 4 do art. 127.º), pois que o proémio do art. 433.º do CCom deve ter-se por analogicamente aplicável à obrigação de pagamento pelo segurador das despesas havidas com o salvamento que hoje são sistematicamente previstas nas apólices.
40 E portanto, reflexamente, também aos segurados.
Título II, Seguro de Danos
20) Pluralidade de seguros [arts. 133.º, 180.º e 215.º, b)]
Nesta matéria, no confronto com o regime legal vigente, entre outras inovações menos significativas (como, v.g., a previsão da obrigação de comunicação da pluralidade, n.º 1 do art. 133.º), e em sentido favorável aos tomadores do seguro e segurados, releva a previsão do regime da solidariedade entre os seguradores da pluralidade para a regularização do sinistro (n.º 3), potenciando portanto as regularizações junto de apenas um segurador, concretamente o segurador que garanta o capital superior ao do dano causado pelo sinistro coberto pela pluralidade, independentemente desse concreto segurador ser o do contrato mais antigo (solução vigente, cf. arts. 434.º e 433.º, §§ 1 e 2, do CCom).
O que, além do mais, alinha o regime nacional com o direito comparado próximo.
21) Subseguro (arts. 134.º e 135.º)
Inovação especialmente relevante é a previsão de actualização supletiva do valor do imóvel seguro nos contratos “de riscos relativos à habitação” (art. 135.º), desconhecida do regime actual (art. 433.º, proémio, do CCom)41
– e susceptível de minorar o impacto da aplicação da regra proporcional (art. 134.º), que é das regras tradicionais do regime geral do contrato de seguro de danos que mais resistências costuma gerar.
O precedente mais directamente convocável em termos nacionais, mas para a situação oposta (o sobresseguro), será o mecanismo de actualização automática previsto no DL 214/97, 16 Ago. (regime da maior transparência em matéria de sobresseguro nos contratos facultativos no ramo “Automóvel”).
22) Sub-rogação pelo segurador (arts. 136.º e 181.º)
Inovações maiores do RJCS nesta matéria, no confronto com o regime legal vigente, e em sentido favorável aos tomadores do seguro e segurados, são:
a) Na matéria do concurso entre o segurador sub-rogado e o segurado relativamente a pagamento devido por terceiro responsável insolvente, a substituição da regra da proporcionalidade (art. 441.º, § único, do CCom) pela da preferência do segurado, (art. 136.º/3, que todavia admite “convenção em contrário em contratos de grandes riscos”), alinhada com a solução civil (art. 593.º/2 do CC);
b) A exclusão da sub-rogação em certos casos em que a sua admissão iria resultar em prejuízo directo do segurado, prejudicando portanto a protecção que a este foi dada pelo funcionamento da cobertura do seguro (art. 136.º/4, ainda que ausente dos elencos constantes dos arts. 12.º e 13.º), que a lei vigente omitia absolutamente, e em alinhamento com o direito comparado próximo.
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41 Ainda que o Instituto de Seguros de Portugal emita trimestralmente os índices a considerar na actualização do capital seguro em apólices do ramo «Incêndio e Elementos da Natureza», essa indexação deve ser expressamente convencionada (cf. artigo 13.º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Incêndio, aprovada pela Norma Regulamentar n.º 18/2000-R, de 21 Dez., alterada pela Norma Regulamentar n.º 13/2005-R, de 18 Nov.), à semelhança do que ocorre no âmbito de outras apólices, como as de multirriscos habitação.
Tít. II, Cap. II, Sec. I, Seguro de Responsabilidade Civil
23) Extensão da garantia no tempo nos seguros de responsabilidade civil (art. 139.º)
Alteração maior nesta matéria foi a clarificação de vez da legalidade das cláusulas “claims made” (n.º 2 do art. 139.º, que as nomeia como “cláusulas de delimitação temporal da garantia atendendo à data da reclamação”), recorrentes nos contratos relativos a riscos cujos sinistros se protraem no tempo (p.e., seguro de responsabilidade civil ambiental)
– cláusulas cuja legalidade é susceptível de discussão em face do direito nacional vigente –, assim atalhando o muito aceso contencioso sobre a questão havido em ordenamentos jurídicos próximos, como confessado no preâmbulo do diploma de aprovação do RJCS.
Donde, beneficiando sensivelmente a segurança jurídica nesta matéria, e portanto a segurabilidade dos riscos relativos a tal espécie de sinistros.
Como também é referido no preâmbulo, e à semelhança das leis comparadas próximas que igualmente optaram pela declaração da legalidade de tais cláusulas, a previsão em concreto de uma tal cláusula obriga à cobertura em uma medida mínima (cf. art. 13.º/2) do chamado “risco de posterioridade” (risco de só após o fim do prazo de cobertura do contrato se manifestar o dano para cuja reparação o contrato é celebrado): n.º 3 do art. 139.º, que obriga a que, “sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior [com o mesmo objecto]”, o segurador fique obrigado ao “pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.”.
24) Regime dos contratos de seguro de responsabilidade civil relativos a riscos objecto de obrigação de seguro mas que são anteriores à regulamentação de execução da obrigação de seguro (n.os 4 e 5 do art. 146.º)
Trata-se de contratos de seguro sobre domínio reservado por lei para contrato cujo conteúdo será, em maior ou menor extensão, fixado por regulamentação, que todavia não entrou ainda em vigor ou, mais frequentemente, não foi ainda emitida.
Enquanto a regulamentação não é emitida (ou não entra em vigor) pode ser vantajoso garantir em alguma medida a cobertura de riscos por segurador.
É o que faz o RJCS ao estabelecer a legalidade de tais contratos em determinados termos (n.º 4 do art. 146.º), mas por forma a não ofender a opção legal (n.º 5 idem).
25) Diversos aspectos hoje do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel elevados a regime geral dos seguros de responsabilidade civil, seja tout court (art. 142.º, 143.º e 144.º), seja obrigatórios (n.os 1 e 2 do art. 146.º)
À semelhança do que anotámos em relação a um aspecto do regime geral dos tradicionalmente chamados “ónus de participação do sinistro” e “ónus de salvamento” (arts. 101.º/4 e 126.º/3), relevante é ainda a elevação de outros aspectos do regime actual do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel à qualidade de regime geral dos seguros de responsabilidade civil, seja de todos eles, seja apenas dos obrigatórios.
Trata-se em concreto:
a) Como regime geral dos contratos de seguro de responsabilidade civil: dos regimes da pluralidade de lesados (art. 142.º; cf., hoje, art. 24.º do DL 291/2007, de 21 Ago.) bem como, decerto com mais importância, da contenção racional dos sinistros que podem relevar para a componente bonus/malus do concreto seguro (art. 143.º; cf. hoje, n.º 1 do art. 24.º do DL 176/95, de 26 Jul.) e do direito de regresso do segurador (art. 144.º; cf., hoje, art. 27.º do DL 291/2007);
A exigência da causalidade do facto, outro que não o dolo, invocado pelo segurador como base do seu direito de regresso (i.e., exigência de que esse facto tenha deveras causado ou agravado o concreto sinistro cujo ressarcimento lhe coube), fixada no n.º 2 do art. 145.º, justifica a precisão que se segue.
O regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel não exige a causalidade em todos os casos elencados no n.º 1 do art. 27.º do DL 291/2007 [são, v.g., os casos previstos na respectiva al. d), do regresso do segurador “Contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado”42]. A estes casos não chega, parece, o estatuído no n.º 2 do art. 145.º, pois que este começa logo por afirmar que não prejudica o “disposto em legislação especial”.
b) Como regime geral dos contratos de seguro obrigatório de responsabilidade civil: o direito de acção directa do lesado contra o segurador da responsabilidade civil do segurado (n.os 1 e 2 do art. 146.º; cf., hoje, art. 64.º do DL 291/2007), que possibilita ao terceiro lesado aceder à reparação devida nos termos da responsabilidade civil sem depender da vontade do segurado e sem concorrer com os demais credores deste43.
Esta concreta alteração é muito provavelmente um dos aspectos em que o RJCS mais veio favorecer os cidadãos (neste caso os lesados por facto suscitador de responsabilidade civil) relativamente ao direito vigente.
No mesmo sentido, em sede de regime comum dos seguros de responsabilidade civil, o art. 140.º/2 dispõe que “O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado”, sinalização que poderá ser interpretada como um voto do legislador no sentido da propagação dessa cláusula contratual.
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42 Entendimento que não é pacífico em sede da jurisprudência respectiva.
43 Embora este concreto aspecto seja já objecto da tutela prevista no art. 741.º do CC.
26) Mandato para cobrança no seguro financeiro (art. 163.º)
O art. 163.º do RJCS veio consagrar em letra de lei a prática do “mandato para cobrança”, arreigada no sector, de evidente utilidade para o tomador do seguro ou o segurado (pois que lhe permite, na parte do incumprimento que o afectou não coberta pelo seguro, beneficiar da diligência e expertise do segurador financeiro na cobrança do devido em razão do incumprimento junto do incumpridor da relação jurídica de base).
Esta disposição eliminou definitivamente eventuais dúvidas sobre a sua legitimidade (mormente em face do princípio da especialidade das empresas de seguros), para o que não bastaria o regime geral da sub-rogação – cuidado, de resto, com precedentes no direito comparado próximo.
Uma vez estarmos em domínio onde relevam menos preocupações de tutela consumerística, o art. 163.º remete para convenção das partes o regime de entrega das somas recuperadas (tendo fixado supletivamente a solução intermédia da sua proporcionalidade, ou da divisão proporcional da soma recuperada).
Título III, Seguro de Pessoas
27) Seguro de vida – regime comum (arts. 183.º a 187.º) e Direitos e Deveres das partes no seguro de vida (arts. 194.º a 197.º)
No Título III relativo ao seguro de pessoas, haverá que assinalar que por consequência da opção terminológica e sistemática de adopção da dicotomia seguro de “Danos”/seguro de “Pessoas”, ao invés da distinção ramos “Não-vida”/ramo “Vida”, originárias das Directivas comunitárias relativas ao acesso e exercício da actividade seguradora, houve necessidade de estender o regime previsto para o seguro de vida aos restantes tipos de contratos do ramo «Vida». Entre estes incluem-se os seguros ligados a fundos de investimento, embora os mesmos fiquem ressalvados da aplicação das disposições relativas às informações pré-contratuais44.
Em matéria de informação, devem assinalar-se duas alterações pontuais mas com impacto relevante na tutela da posição do tomador do seguro:
(i) a título pré-contratual, a inclusão, como elemento de informação obrigatório, da menção de que a pessoa segura pode aceder aos dados médicos de exames realizados; (ii) e no termo da vigência do contrato, indicação acerca das quantias a que este tenha direito com a cessação do contrato, bem como das diligências ou documentos necessários para o seu recebimento.
Em sede de direitos e deveres das partes no contrato de seguro de vida, é de referir a convocação para a regulação do contrato de seguro, quer do regime geral de cessão ou oneração de direitos de que goze o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário (irrevogável), quer da cessão da
44 Face à recente atribuição à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários da competência para regulamentação da prestação de informação no âmbito contratos de seguro ligados a fundos de investimento [al. a) do n.º 3 do art. 353.º do Cód. de Valores Mobiliários (CVM) na redacção introduzida pelo DL 357-A/2007, de 31 Out.], que, não obstante terá que respeitar o Direito Comunitário aplicável (cf. artigo 36.º e Anexo III da Directiva n.º 2002/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 Nov., relativa aos seguros de vida).
posição contratual do tomador do seguro, que não seja pessoa segura45, com a especificidade de a mesma dever ser comunicada à pessoa segura e constar de acta adicional à apólice.
28) Informações pré-contratuais no seguro de vida (art. 185.º)
O n.º 4 do art. 185.º do RJCS previu como regime geral do seguro de vida a possibilidade de, “se as características específicas do seguro o justificarem”, ser exigido aos seguradores a disponibilização da informação pré-contratual por meio de um prospecto informativo, por meio de regulamento fixador dos respectivos conteúdo e suporte.
Esta exigência encontra-se hoje prevista apenas em relação aos Instrumentos de Captação de Aforro Estruturados (ICAE’s) (n.º 4 do art. 5.º-A do DL 176/95, de 26 Jul., aditado pelo DL 60/2004, de 22 Mar.).
29) Exclusão do suicídio (art. 191.º)
O art. 191.º do RJCS, a título supletivo, para lá de consagrar em letra de lei, no n.º 1, a exclusão do suicídio ocorrido no primeiro ano de contrato, comum na prática actual (que vai frequentemente até ao segundo ano), veio, no n.º 2, delimitar de forma mais rigorosa o âmbito da exclusão, beneficiando, seja a justiça da mesma, seja a monitorização concorrencial
– pois que alerta as partes no contrato de seguro – das cláusulas das apólices que afastem as soluções do art. 191.º.
30) Designação beneficiária (arts. 198.º a 201.º e 204.º)
Na regulação do seguro de vida assumem bastante relevância os arts. 198.º a 201.º e 204.º do RJCS que tratam de matéria central no âmbito destes seguros, em particular quando está em causa a cobertura de morte, ou seja, a designação beneficiária. A designação beneficiária representa a forma pela qual o tomador de seguro designa a pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverte a prestação da empresa de seguros decorrente do contrato.
Um seguro de vida em caso de morte com cláusula beneficiária a favor de terceiro configura-se como um contrato a favor de terceiro, sendo-lhe aplicável o respectivo regime (arts. 443.º a 451.º do CC). A prestação dele resultante qualifica-se como uma aquisição do beneficiário
«inter vivos» a título próprio, que embora resulte da morte da pessoa segura não assume natureza sucessória, uma vez que a prestação não integra o respectivo património.
A designação beneficiária, excluindo a prestação resultante do contrato de seguro da sucessão e autonomizando-a do património do tomador do seguro para efeitos dos respectivos créditos, constituí uma característica específica e distintiva dos contratos de seguro de vida em caso de morte (relativamente a outras formas de poupança a longo prazo).
O RJCS, conferindo a esta matéria um tratamento compatível com a respectiva relevância na economia do contrato de seguro de vida, ao contrário do regime vigente, em que o regime geral do contrato a favor de terceiro ou outros regimes gerais carecem de ser convocados, intenta clarificar as actuais soluções legais e regular a designação beneficiária de forma especial e ajustada à natureza do contrato de seguro. Esta conclusão é sindicável nos seguintes aspectos:
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45 Esta limitação prende-se, naturalmente com a natureza do contrato de seguro de vida, em que o risco é avaliado face à situação concreta da pessoa segura, o que implica a intransmissibilidade da posição de pessoa segura.
a) Quanto à determinação da pessoa a quem cabe a designação beneficiária: o RJCS fixa expressamente que a designação beneficiária cabe ao tomador do seguro ou a quem este indique, para a generalidade dos contratos (art. 198.º/1), e à pessoa segura, salvo convenção em contrário, nos contratos de seguro de grupo (art. 81.º) – o que só com hesitação se pode dizer resultar hoje do regime vigente (em resultado da conjugação dos arts. 11.º e 25.º do DL 176/95, de 26 Jul., e 443.º/1 do CC)46;
b) Quanto à forma da designação beneficiária: de novo o RJCS (art.198.º/1) estabelece directa e precisamente nesta sede que a designação pode ser feita na apólice, em declaração escrita posterior recebida pelo segurador ou em testamento, e, bem assim, em homenagem ao princípio da certeza jurídica, atribuí-lhe natureza receptícia quando a designação não seja formalizada em apólice ou testamento. O regime vigente, recorde-se, envolve a convocação de duas regras gerais para concluir pela exigência de forma escrita (os arts. 221.º do CC e 426.º do CCom), e o entendimento consagrado é o de que a declaração é não receptícia;
c) Quanto à articulação da designação beneficiária com a situação de premoriência do beneficiário ou comoriência deste e da pessoa segura: no regime vigente a situação de premoriência do beneficiário de seguro de vida em caso de morte é solucionada supletivamente pelo disposto no n.º 2 do art. 451.º do CC, nos termos do qual: «Se, porém, o terceiro morrer antes do promissário, os seus herdeiros são chamados em lugar dele à titularidade da promessa».
As alíneas b) a d) do n.º 2 do art. 198.º do RJCS comportam uma densificação relevante que aumenta o grau de certeza jurídica e a facilidade de acesso ao direito pelo intérprete. Assim, distinguem-se as situações de premoriência do beneficiário, consoante exista ou não renúncia à revogação da designação beneficiária, sendo a prestação devida aos herdeiros do beneficiário no primeiro caso e aos herdeiros da pessoa segura no segundo caso e regula-se expressamente a atribuição da prestação aos herdeiros do beneficiário em caso de comoriência deste e da pessoa segura;
d) Quanto às consequências da falta de designação beneficiária: na falta de designação beneficiária ou de previsão contratual específica, face ao regime vigente só por interpretação indirecta (preferentemente por inferência de outras disposições contratuais) se pode determinar o destinatário da prestação do segurador. Pelo contrário, o art. 198.º/2, a), e 3, do RJCS prevê expressamente que, nessas circunstâncias, o capital é entregue aos herdeiros da pessoa segura (na cobertura de morte) ou à pessoa segura (na cobertura de sobrevivência);
e) Quanto à alteração e revogação da cláusula beneficiária: o RJCS (art. 199.º/1 e 2) não só fixa directa e expressamente que a pessoa que designa o beneficiário (tomador do seguro, quem este indique ou a pessoa segura, consoante os casos) (...) “pode a qualquer momento revogar ou alterar a designação, excepto quando tenha expressamente renunciado a esse direito ou, no seguro de sobrevivência, tenha havido
46 Por força do n.º 1 do art. 443.º do CC e do n.º 2 do art. 11.º do DL 176/95, de 26 Jul., a designação beneficiária cabe ao tomador do seguro, ainda que sendo este distinto da pessoa segura, não se prescinda do acordo escrito desta para a transmissão da posição de beneficiário (excepto se o contrato visar garantir uma responsabilidade do tomador do seguro relativamente à pessoa segura).
No entanto, o art. 25.º do DL 176/95, de 26 Jul. ao pressupor o poder do tomador do seguro ou do segurado de alterar o beneficiário do contrato, parece admitir que ao segurado seja também conferida a possibilidade de designar o beneficiário.
adesão do beneficiário”, como especifica a quem cabe o exercício de outros direitos relativamente ao contrato (resgate, adiantamento e redução).
O regime vigente, recorde-se, decorre de interpretação da lei geral, civil (art. 448.º/1 do CC)47, aliás não isenta de dúvidas, cuja completa operatividade no caso dos seguros de vida passa pela sua interpretação extensiva, por forma a aplicar-se também nos seguros em caso de vida e nos seguros em que o tomador não coincide com a pessoa segura48.
Nesta sede é ainda de relevar que, ao passo que, no regime vigente, por força do n.º 2 do art. 11.º do DL 176/95, de 26 Jul., quando distinta do tomador do seguro, a transmissão da posição de beneficiário depende [sempre] de acordo escrito da pessoa segura, o n.º 4 do art. 199.º do RJCS apenas o exige no caso de a pessoa segura ter assinado, juntamente com o tomador do seguro, a proposta de seguro de que conste a designação beneficiária49;
f) Quanto à relação entre o tomador do seguro e pessoas estranhas ao benefício: dado que o beneficiário recebe a prestação do segurador a título próprio e não a título sucessório, a mesma não se integra no património do tomador do seguro, pelo que, quanto à prestação recebida do segurador, não podem os herdeiros exigir a colação, imputação e redução e não podem os credores recorrer ao instituto da impugnação pauliana, a não ser quanto aos prémios pagos pelo tomador do seguro (cfr. n.º 1 do art. 450.º do CC).
Não divergindo o art. 200.º do RJCS deste regime, há apenas que anotar novamente o seu tratamento em sede específica;
g) Quanto à interpretação da cláusula beneficiária: no regime vigente, o intérprete beneficia de escasso apoio legal na determinação do sentido de designações genéricas ou dos critérios de repartição da prestação entre vários beneficiários, dividindo-se a doutrina quanto à possibilidade de recurso à aplicação das regras de direito sucessório. O art. 201.º revela-se de extrema valia no suporte à interpretação das cláusulas beneficiárias, ao indicar qual o sentido a atribuir à designação beneficiária genérica de “filhos”, “cônjuge” e “herdeiros”, bem como ao regular supletivamente a forma de repartição da prestação;
h) Quanto ao impacto da designação beneficiária irrevogável no pagamento do prémio: o regime vigente admite no n.º 1 do art. 702.º do CC que: “Quando o devedor se comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o credor a faculdade de segurá-la à custa do devedor; mas, se o fizer por um valor excessivo, pode o devedor exigir a redução do contrato aos limites convenientes.”
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47 Nos termos do qual, salvo estipulação em contrário (designadamente renúncia à revogação), a alteração ou a revogação da cláusula beneficiária são possíveis enquanto não houver adesão do beneficiário (em caso de cobertura de sobrevivência) ou enquanto o promissário for vivo (em caso de cobertura de morte).
48 Assim J. C. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, 1971, Lisboa, págs. 356 ss..
49 Ainda que o n.º 4 do art. 199.º do RJCS se refira ainda a outra situação de alteração da designação beneficiária em que é exigível o acordo da pessoa segura – quando foi esta que designou o beneficiário –, julgamos que essa referência estará consumida pelo disposto no n.º 1 do mesmo artigo, uma vez que lhe atribuí a título próprio e autónomo o direito de revogar ou alterar a designação.
O art. 204.º estende o regime previsto no CC a todas as situações de constituição de benefício irrevogável a favor de terceiro, regulando, de forma especial, a possibilidade de o beneficiário se substituir ao tomador do seguro, em caso de não pagamento do prémio na respectiva data de vencimento.
31) Cobertura do risco de posterioridade pelo contrato de seguro de saúde (art. 217.º)
O RJCS prosseguiu o caminho de previsão de limitações específicas aos direitos do segurador relativos à cessação do contrato de seguro de saúde inaugurado pelo art. 21.º do DL 176/95, de 26 Jul.
Então, recorde-se, para além de, no seu n.º 1, limitar o direito do segurador à cessação do contrato, ou à exclusão da pessoa segura, ao momento do vencimento do contrato ou, fora deste, aos fundamentos previstos na lei (excluindo portanto a resolução ad nutum), o legislador, nos n.os 2 e 3, veio igualmente prever a obrigação de uma certa cobertura para o risco de posterioridade associado a esses contratos de seguro (risco de só após o fim do prazo de cobertura do contrato se manifestar o dano para cuja reparação o contrato é celebrado).
Ora, o art. 217.º, nos seus n.os 2 e 3 (e cf. art. 13.º/1), veio [tudo ponderado50] estender um pouco a cobertura obrigatória do risco de posterioridade associado a esses contratos, ao prever que a mesma se estende pelos dois anos subsequentes (e não apenas um), desde o segurado informe o segurador da doença nos 30 dias imediatos (e não apenas os 8 dias), salvo justo impedimento.
Quanto ao previsto no n.º 1 do art. 21.º do DL 176/95, encontra-se agora assegurado pela solução resultante basicamente da conjugação dos arts. 114.º, 116.º e 117.º/4, nos termos da qual o segurador só pode proceder à cessação unilateral do contrato de seguro de saúde, ou à exclusão da pessoa segura, no seu vencimento ou com base em “com justa causa”.
50 Pois que em sentido de redução (e não de extensão) da garantia prevista em 1995 veio agora o RJCS excluir a cobertura do risco de posterioridade se o risco estiver “coberto por um contrato de seguro posterior [com o mesmo objecto]”.