Um contrato didáctico inovador em aulas de Ciências do 10º ano de escolaridade
Um contrato didáctico inovador em aulas de Ciências do 10º ano de escolaridade
Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxx
Universidade de Lisboa. Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências. Lisboa. E-mail: xxxxxxxxxxxx0000@xxxxx.xxx; xxxxxxx@xx.xx.xx
Resumo: O ensino das Ciências continua a privilegiar, fundamentalmente, o desenvolvimento de capacidades de baixo nível, relativas à memorização de factos, conceitos e leis. Existe uma necessidade premente de alteração das práticas, atribuindo ao aluno um papel social relevante na construção do conhecimento e permitindo criar uma imagem dinâmica da construção da Ciência. No contrato didáctico habitual, os professores ensinam/questionam e os alunos aprendem/respondem. Quando pretendemos implementar um contrato didáctico inovador, algumas regras necessitam ser explicitadas, promovendo uma ruptura relativamente às regras anteriormente apropriadas pelos alunos.
Numa investigação-acção baseada numa metodologia de inspiração etnográfica, procurou-se compreender a realidade complexa e dinâmica das interacções em sala de aula. Este estudo foi desenvolvido com uma turma do 10º ano (22 alunos), na disciplina de Ciências da Terra e da Vida. Os dados foram recolhidos através de observação participante (incluindo gravação áudio de interacções entre alunos), entrevistas, questionários e recolha documental. Procedeu-se à sua análise qualitativa, criando categorias indutivas.
Os resultados iluminam que a adesão a contratos didácticos inovadores não é imediata. Alunos e professor tornaram-se progressivamente mais autónomos e críticos, passando a actuar como participantes legítimos de uma comunidade de aprendizagem, respondendo aos desafios das práticas pedagógicas implementadas e melhorando os seus desempenhos.
Palavras-chave: contrato didáctico, trabalho colaborativo, ensino das Ciências, socioconstrutivismo
Title: The entire world is made of changes: an innovative didactic contract in Science classes.
Abstract: Science education continues to focus mainly on the development of low-level abilities related to the memorization of facts, concepts and laws. It is urgent to change these practices, giving students a relevant social role in knowledge construction and allowing them to create a dynamic image of the construction of Science. In the usual didactic contract, teachers teach/interrogate and students learn/answer. If we intend to implement a novel didactic contract, certain rules must be clarified, promoting a cut with those previously appropriated by students.
In an action-research project based on an ethnographically inspired methodology, we sought to understand the complex and dynamic reality of classroom interactions. This study involved a 10th grade class (22 students)
in the Earth and Life Science subject. Data were gathered through participant observation (including audio taped students’ interactions), interviews, questionnaires and documental sources. Then data were analyzed qualitatively, creating inductive categories.
The results illuminate that adhesion to novel didactic contracts is not immediate. Both students and teacher became increasingly autonomous and critical, assuming the role of legitimate participants of a learning community, responding to the challenges of the implemented pedagogical practices and improving their performances.
Key-words: didactic contract, collaborative work, science education, socioconstructivism
Introdução
A escola de ontem e de hoje não é, nem pode ser, igual à escola de amanhã. A escola, como instituição social basilar, deve ser parte integrante das mudanças que têm ocorrido nas últimas décadas. Não nos devemos esquecer que, enquanto instituição na qual interagem, todos os dias, diferentes agentes sociais, a escola tem a responsabilidade de participar das mudanças que ocorrem no contexto em que se integra, contexto este que, em sentido lato, se pode traduzir no mundo, numa perspectiva de global que hoje em dia assume grande pertinência e relevância no âmbito dos assuntos debatidos mundialmente. Como nos refere Xxxxxxx (1998), numa sociedade em constante mutação, em que se desconhecem as mudanças futuras, a escola tem a obrigação social de preparar os indivíduos para as transformações que vão surgindo.
A sociedade actual é chamada a pronunciar-se frequentemente sobre problemáticas nacionais e internacionais sobre as quais os indivíduos devem estar informados, de modo a permitir-lhes desenvolver uma atitude interveniente e crítica, que permita melhorar a qualidade do mundo em que nos integramos. Tal parece-nos possível através do desenvolvimento da literacia dos cidadãos, que os capacite para participar activamente numa sociedade em permanente construção e mudança.
O alargamento da escolaridade obrigatória, decorrente da necessidade de incrementar a literacia da população portuguesa, veio trazer para a escola um público com diferenças culturais, sociais e económicas profundas, conforme refere Canavarro (2004): “A massificação do ensino..., faz chegar às escolas novas culturas e novas atitudes, uma cultura juvenil e adolescente, em alguns casos também uma cultura mais popular e ainda uma cultura imigrada, culturas sub-representadas há alguns anos atrás e, por isso, facilmente aculturadas na cultura dominante, mas que, por ora, co-existem na Escola” (p. 23). A escola e os professores deveriam ter assumido estas alterações, implementando práticas pedagógicas inclusivas e inovadoras, que permitissem diminuir as elevadas taxas de insucesso académico e abandono escolar precoce. No entanto, a batalha está longe de ser ganha. De facto, de acordo com dados do Ministério da Educação e do Ministério da Segurança Social e do Trabalho (Canavarro, 2004), observa-se que estamos a perder a capacidade de competitividade, em termos internacionais, atendendo aos elevados índices de insucesso académico e
abandono escolar precoce, que ainda se verificam actualmente. Conforme dados estatísticos divulgados pelo Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo (Ministério da Educação, 2006), são pontos críticos da retenção escolar os 2º, 7º, 10º e 12º anos de escolaridade. No ano lectivo de 2003/2004, 33,4% dos alunos do 10º ano e 48,7% dos alunos do 12º ano, ficaram retidos, tendo sido estes os anos de escolaridade com maior taxa de retenção. Mas não são apenas estes dados que nos devem preocupar! Apesar da evolução verificada ao longo da última década, em 2001 (ano dos últimos dados oficiais divulgados) a taxa média de abandono escolar, foi de 2,7%, tendo 3,4% dos alunos com 14 anos e 7,1% dos alunos com 15 anos abandonado a escola sem terem concluído o 9º ano de escolaridade, o que nos permite inferir que a desqualificação profissional teimará em manter-se em níveis elevados, levando a que uma parte da população continue a desenvolver actividades profissionais potencialmente precárias (Canavarro, 2004). Mas os dados preocupantes continuam, pois constatou-se que, também em 2001, 44,8% dos indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos abandonaram a escola sem concluírem o ensino secundário. Estes dados têm colocado Portugal nos últimos lugares da União Europeia, em termos de qualificação académica e, portanto, longe de conseguir diminuir as assimetrias sociais, de aumentar a produtividade e o desenvolvimento socioeconómico do país.
A escola, preconizada pela Lei de Bases do Sistema Educativo (Ministério da Educação, 1986), é claramente defensora de princípios inclusivos, no que podemos designar de “Uma Escola para Todos”. Com a publicação daquele documento orientador (que foi sujeito a alterações introduzidas através da Lei nº 49/2005, de 30 de Agosto), a escolaridade obrigatória passou para os 15 anos de idade o que significa, se não se verificarem retenções, concluir o 9º ano de escolaridade. Também se defende a implementação de práticas pedagógicas pluralistas, que promovam o desenvolvimento de competências, que permitam uma adaptação efectiva a um mundo no qual os conhecimentos e as informações são veiculados a velocidades vertiginosas. Compreende-se, assim, que após a implementação de diversas reformas e revisões curriculares, as orientações curriculares para o Ensino Básico e para o Novo Ensino Secundário salientem as intencionalidades relacionadas com a formação de uma cidadania activa, crítica e responsável, bem como com o desenvolvimento de competências, no sentido de agir perante uma realidade em constante mutação.
Quadro de referência teórico
Apesar das profundas alterações ocorridas nas últimas décadas no âmbito do avanço do conhecimento científico, o ensino das Ciências teima em centrar-se frequentemente num aglomerado de conteúdos, maioritariamente descontextualizados do processo de construção da Ciência e da realidade envolvente dos alunos. Continua a privilegiar-se o desenvolvimento de capacidades de baixo nível, ligadas essencialmente à memorização de factos, conceitos e leis. Algumas investigações (Reis, 2004; Reis, & Xxxxxx, 2005) têm evidenciado que as práticas lectivas dos professores de Ciências acabam por “reflectir uma imagem de ciência como um conjunto de factos, termos, conceitos e teorias que compete aos
cientistas produzir, aos professores “transmitir” e aos alunos memorizar de forma passiva e acrítica” (Xxxx, & Xxxxxx, 2005, p. 93). Assim, parece-nos que o avanço da Ciência não tem sido acompanhado por uma evolução de práticas de sala de aula que levem os alunos a construir uma concepção mais aproximada dos contextos de construção do conhecimento científico, continuando a persistir um ensino essencialmente expositivo e divorciado da natureza da Ciência. As críticas que têm surgido de diferentes sectores da sociedade, em particular de investigadores ligados ao ensino das Ciências, têm clamado por mudanças de currículos e, acima de tudo, de práticas pedagógicas, pois “A formação de verdadeiros cidadãos (bons produtores, bons consumidores e bons eleitores) exige uma mudança radical no ensino/aprendizagem das ciências. É necessário e urgente desenvolver programas curriculares que não sejam apenas sequências de factos científicos e tecnológicos, mas também proponham aplicações concretas a problemas da vida normal do cidadão comum.” (Sequeira, 1996).
É com o objectivo de mudar práticas de sala de aula nas disciplinas de ciências que decidimos implementar práticas socioconstrutivistas e interaccionistas, pois parece-nos que existe uma necessidade premente de alteração das práticas pedagógicas tradicionais, de forma a atribuir ao aluno um papel social relevante na construção do seu conhecimento científico e metacientífico, permitindo criar uma imagem dinâmica da construção da ciência (Matthews, 1994). Nas últimas décadas, diversas investigações, baseadas na teoria de Xxxxxxxx (1978) têm vindo a salientar a importância das interacções sociais no desenvolvimento sócio-cognitivo e na apropriação de conhecimentos (Xxxxx, 1994, 2003; Doise, & Xxxxx, 1981; Perret- Clermont, 1976/1978; Schubauer-Xxxxx, & Perret-Clermont, 1997).
Quando estas investigações passaram a realizar-se em contexto de sala de aula, os investigadores começaram por recorrer à resolução de tarefas matemáticas não habituais mas, actualmente, existem já diversos estudos salientando a importância do trabalho colaborativo em aulas de Ciências, iluminando os seus contributos para a apropriação de conhecimentos científicos e para a mobilização e desenvolvimento de competências (Xxxxxxx, 2004; Xxxxxx, 2001; Xxxxxxx, 2001). Durante as aulas, os alunos trabalham em pares, previamente estabelecidos pelo professor, tendo como referência os resultados da aplicação de tarefas que permitem efectuar uma avaliação prévia das competências desenvolvidas pelos alunos (Reis, 2002). Este tipo de práticas tenta implementar uma outra dinâmica de funcionamento da sala de aula, diferente da habitual que é baseada em abordagens (neo)behavioristas que defendem uma aprendizagem por recepção e reprodução, em que se crê que os alunos aprendem todos da mesma forma, os mesmos conteúdos (Xxxxx, 2001), e sem diferenciação nos ritmos de aprendizagem.
Os princípios epistemológicos socioconstrutivistas estão relacionados com as teorias piagetiana e vygotskyana De acordo com Xxxxxx (1978), os indivíduos desempenham um papel activo relevante na sua aprendizagem, através de processos de desconstrução e reconstrução dos objectos que pretendem conhecer. Por outro lado, damos também grande relevância ao papel que os processos sociais desempenham na construção do conhecimento que, de acordo com Xxxxxxxx (1978), é inicialmente construído a um nível interpessoal, antes de passar para um nível intra-
pessoal. Assim, este autor defende que se uma criança, designada como sendo um par mais competente, trabalhar com outra na sua zona de desenvolvimento proximal – ZDP – ela pode vir a alcançar melhores desempenhos do que os que conseguiria se trabalhasse de uma forma individual (Vygotsky, 1978). Hoje sabemos que não é só o par menos competente que se desenvolve, pois ao mobilizar competências metacognitivas, o par mais competente desenvolve processos mentais de ordem superior que contribuem para o desenvolvimento de capacidades e facilitam a mobilização de competências diversas, sendo que os benefícios se situam também ao nível da socialização, da modificação de atitudes académicas e do domínio dos afectos (Xxxxxxx, 2004; César, 2003).
Alguns investigadores têm constatado a relevância que têm, no desempenho dos sujeitos, durante o trabalho colaborativo envolvendo interacção entre pares, elementos de tipo psicossocial, como a importância do estatuto do experimentador, das instruções de trabalho, da situação que é apresentada e do contexto em que se realiza a tarefa (César, 2000; Perret-Clermont, 1976/1978). Assim, parece-nos fundamental a alteração dos contextos em que se desenrolam as aprendizagens: os alunos devem ser estimulados a desenvolver a auto-estima académica positiva, favorecendo a existência de uma confiança nas suas capacidades de aprendizagem, o que permitirá criar uma visão mais optimista sobre os processos de aprendizagem e desenvolvimento.
Desta forma, quando pretendemos implementar práticas pedagógicas no âmbito de teorias socioconstrutivistas, não podemos continuar a orientar- nos por regras de funcionamento de sala de aula ligadas a princípios e esquemas regulados por concepções (neo)behavioristas. Se pretendemos atribuir ao aluno um papel social relevante e único na construção do seu próprio conhecimento, temos de implementar contratos didácticos inovadores, que alterem as expectativas que os agentes sociais têm relativamente aos papéis por eles desempenhados. Entende-se por contrato didáctico o conjunto de comportamentos específicos do professor, que são esperados pelos alunos, e o conjunto de comportamentos dos alunos, esperados pelo professor (Xxxxxxxxx, 1988; Xxxxxxxxx-Xxxxx, 1986) e que regulam o funcionamento da aula e a relação triádica que se estabelece entre professor – aluno – saber.
De acordo com um contrato didáctico habitual, os alunos admitem a existência de um emissor - o professor - cujo saber é legitimado perante uma audiência, constituída por vários receptores que irão receber os seus ensinamentos, através de um processo de transmissão clara e organizada, de forma a facilitar a sua retenção. Neste esquema de “aprendizagem”, os alunos são premiados por reproduzirem, o mais fielmente possível, as informações que foram transmitidas pelo professor e, em seguida, memorizadas. O professor é visto como o detentor do saber, do qual se espera que xxxxxx; o aluno percepciona a reprodução dos saberes como aprendizagem e deve provar ao professor que aprendeu os conhecimentos transmitidos. Estas regras, nas situações de ensino-aprendizagem mais tradicionais, são implicitamente estabelecidas, esperando-se que os professores ensinem, questionem e avaliem, enquanto aos alunos cabe ouvir, escrever o que o professor diz/escreve e responder.
Num contrato didáctico inovador, professor e alunos desempenham papéis diferentes dos que acabámos de referir: o professor surge como questionador atento, um orientador, que leva os alunos a reflectirem sobre as questões colocadas e sobre as estratégias de resolução, respeitando os ritmos de aprendizagem de cada um; deve ser um facilitador ou mediador das aprendizagens, certificando-se de que dá oportunidades aos alunos para participarem de experiências educativas que contribuam para uma aprendizagem significativa, devendo ser, simultaneamente, um co-aprendiz, na sala de aula, em conjunto com os seus alunos (Papert, 2001; Xxxxxx, & Tippins, 1993); os alunos serão agentes activos na construção dos seus saberes, responsabilizando-se pela aprendizagem, devem aprender a discutir as questões com os seus colegas, sem ter de recorrer ao professor, sempre que surjam dificuldades, e a explorar os erros de uma forma construtiva, passando a encará-los como uma situação regular no processo de aprendizagem, ou seja, deverão desenvolver mecanismos de auto- regulação das suas aprendizagens.
Alguns autores (Xxxxxxxxx, 1988; Xxxxxxxxx-Xxxxx, 1986) têm realçado a importância da relação que se pode estabelecer entre o contrato didáctico implementado na sala de aula e os índices de sucesso/insucesso académico dos alunos. Num contrato didáctico habitual, os alunos raramente põem em causa o que lhes é transmitido pelo professor, o que traz consequências graves para o desenvolvimento, por exemplo, do pensamento divergente, da auto-responsabilização e da autonomia.
Quando implementamos trabalho colaborativo, nomeadamente entre pares, o contrato didáctico estabelecido não pode ser o habitual. Os alunos são levados a discutir, entre pares, na sala de aula, questões de diversa índole, que podem implicar, entre outras, a resolução de problemas ou a realização de trabalhos laboratoriais. Assim, não se espera deles o papel passivo que assumem numa aula expositiva, na qual raramente lhes é pedida a opinião sobre as temáticas abordadas, sendo mais frequentemente solicitado que completem o que o professor já começou a afirmar, de acordo com um processo de recitação, ou respondam a questões para as quais a resposta está previamente bem estabelecida e que têm apenas a finalidade de avaliar a aquisição de conteúdos científicos (Xxxxxxxx, & Xxxxx, 2003). É certo que se pretendemos alterar algo e se estamos convictos de que tal trará benefícios para o clima de sala de aula, bem como para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, devemos ser os primeiros a legitimar as novas regras estabelecidas, começando por explicitá- -las. Como refere Xxxxx (2003), quando se quer implementar um contrato didáctico inovador, algumas regras devem ser explicitadas, pois pretende- se uma ruptura relativamente às regras habituais, que foram interiorizadas pelos alunos, ao longo de vários anos de escolaridade. O mesmo foi também afirmado por Xxxxxxxxx-Xxxxx e Xxxxxx-Xxxxxxxx (1997) ao mencionarem que é na modificação das regras que o funcionamento do contrato adquire significado.
Por outro lado, e apesar do estabelecimento de um contrato didáctico diferente do habitual, não nos podemos esquecer que independentemente da formulação de novas regras de funcionamento da sala de aula, não há qualquer inversão de papéis: o professor nunca deixa de o ser, tal como os alunos serão sempre alunos, perante a instituição social escolar. É o que se
denomina de meta-contrato institucional (César, 2003; Xxxxxxxxx-Xxxxx, & Perret-Clermont, 1997). Este é um contrato sobre o contrato, que regula o funcionamento da escola enquanto comunidade organizada. Ele preexiste a todo e qualquer tipo de contrato que regula as relações didácticas estabelecidas entre os alunos e o professor. Assim, os interlocutores desta relação social estão aptos a jogar de acordo com as regras que lhes são impostas exteriormente pela própria instituição em que desempenham os seus papéis, podendo, contudo, organizar o funcionamento da sala de aula de acordo com as margens de liberdade previstas no meta-contrato didáctico. Por exemplo, não é pelo facto de se mudar o tipo de contrato didáctico estabelecido que o professor deixa de ser quem tem a voz final relativamente à avaliação dos seus alunos, quanto mais não seja, pelo simples facto destes não terem assento e/ou representação num conselho de turma de avaliação periodal. Os diplomas legais emanados do Ministério da Educação estabelecem, de forma bem precisa, quem é quem no campo da avaliação e, por mais que esta possa ser alterada quanto ao que e ao como avaliar é, em termos institucionais, o conselho de turma, constituído por todos os docentes que leccionam a turma, quem tem a última palavra a dizer sobre esse aspecto da vida curricular dos discentes. No entanto, uma forma de co-responsabilizar os alunos na sua própria avaliação pode ser conseguida com um contrato didáctico inovador, através das formas de funcionamento das aulas e da própria avaliação, num processo que pretende distribuir o poder relativo, professor/aluno, de forma mais equilibrada e em que ambos participem em algumas das decisões tomadas, ou seja, aquilo a que Xxxx e Xxxxxx (1991) designam por passar de uma participação periférica para uma participação legítima, o que implica, necessariamente, um processo de passagem de poder para os alunos (empowering).
Podemos, então, dizer que as alterações implementadas em termos de práticas pedagógicas terão necessariamente de levar ao estabelecimento de novas relações entre os agentes que interagem numa sala de aula. São estas relações que permitem legitimar expectativas mútuas e que permitem compreender muitos dos comportamentos que os alunos e professores têm em contexto de sala de aula. Através desta mudança estaremos a contribuir para desenvolver um ambiente de maior confiança, aberto à criatividade e à exploração de ideias, que permitem facilitar as aprendizagens através da apropriação de conhecimentos e da mobilização e/ou desenvolvimento de competências.
Metodologia
O presente trabalho insere-se no âmbito do projecto Interacção e Conhecimento1, iniciado há doze anos, cujo principal objectivo é estudar e promover as interacções entre pares, em contexto escolar. O seu objectivo último consiste em promover ambientes de aprendizagem mais inclusivos (Ainscow, 1991; César, 2003), que permitam a todos os alunos encontrar a
1 O projecto Interacção e Conhecimento foi parcialmente subsidiado pelo IIE em 1996/97 e 1997/98 e pelo CIEFCUL desde 1996. O nosso profundo agradecimento aos professores e alunos que tornaram possível este trabalho, bem como aos colegas da equipa de investigação, que nos têm acompanhado neste percurso.
sua voz (Wertsch, 1991), encarando a diversidade como uma riqueza educacional e social. Trata-se de um projecto com dois níveis, um de estudos quasi experimentais e outro de investigação-acção, que integra diferentes disciplinas, como a Matemática, a Filosofia e as Ciências, do 5º ao 12º ano de escolaridade. Neste projecto procura-se, através de implementação de práticas pedagógicas inovadoras, no âmbito do trabalho colaborativo, compreender a realidade complexa e dinâmica do fenómeno em estudo, pelo que optámos por um estudo de índole qualitativa. Este trabalho insere-se no nível de investigação-acção, baseado numa metodologia de inspiração etnográfica, pois procura responder a um problema identificado através das nossas práticas lectivas quotidianas – a necessidade de promoção da qualidade do ensino e do incremento da literacia científica dos alunos – e tem um nítido carácter de intervenção, ao procurar alterar as práticas de sala de aula.
Tendo por referência o quadro teórico anteriormente apresentado, levantámos as seguintes questões gerais, que depois se desdobraram em questões mais específicas: Como implementar práticas pedagógicas inovadoras em aulas de ciências? Que papel desempenham o professor e os alunos perante um contrato didáctico inovador? Como reagem os agentes educativos perante as alterações introduzidas no contrato didáctico habitual?
Participantes do estudo
O estudo aqui apresentado foi desenvolvido numa turma de 22 alunos, do 10º ano de escolaridade, do agrupamento científico-natural, de uma escola dos arredores de Lisboa, no âmbito da disciplina de Ciências da Terra e da Vida (CTV). Desses 22 alunos, 13 eram do género feminino e 9 do género masculino. As idades variavam entre os 14 e os 16 anos, sendo a moda os 15 anos. A turma e a disciplina em que foi aplicado o projecto estavam atribuídas, em termos de leccionação, a um dos autores do presente trabalho que, por isso mesmo, desempenhou o duplo papel de professor e investigador, como é habitual acontecer nos projectos de investigação-acção. Ressalva-se que a disciplina em que foi realizada a presente investigação, atendendo ao ano em que se efectuou a recolha de dados, não existe nos actuais planos de estudo dos cursos do Ensino Secundário. Em 2004, foi aprovado o Decreto-Lei nº 74/2004, de 26 de Março, que estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão do currículo, bem como da avaliação das aprendizagens, referentes ao nível secundário de educação, passando o plano de estudos do curso científico-humanístico de Ciências e Tecnologias a integrar a disciplina de Biologia e Geologia, contemplando novas orientações curriculares.
Instrumentos
Os dados foram recolhidos através de uma diversidade de instrumentos, para triangularmos os processos de recolha de informação. Assim, recorremos a: observação participante (vários observadores, incluindo dois observadores externos) de diversas aulas, ao longo de um ano lectivo; diário de bordo, no qual o professor/investigador foi anotando, ao longo do ano, os principais acontecimentos ocorridos durante as aulas, neles incluindo algumas interpretações preliminares, que foram permitindo a
análise e avaliação do trabalho desenvolvido; gravação áudio de todas as interacções estabelecidas entre os elementos das diferentes díades, das aulas correspondentes a uma das Unidades de Ensino do programa da disciplina, designada por Origem da vida; entrevistas semi-estruturadas realizadas no final do ano lectivo, a seis alunos (3 elementos femininos e 3 masculinos) que foram seleccionados como informadores privilegiados, atendendo a diferentes critérios, como o género dos indivíduos, o diferente desempenho nas tarefas propostas ao longo do ano lectivo e os resultados académicos obtidos nas disciplinas integrantes do plano curricular e na disciplina de CTV (sucesso académico baixo – classificação final inferior a 11 valores; médio – classificação final entre 12 e 14 valores e elevado – classificação final entre 15 e 19 valores (correspondente à classificação mais elevada atribuída, na turma, no final do ano lectivo); aplicação, a todos os alunos, de dois questionários, um deles para recolha de informação (interesses pessoais, projecto de vida, percurso académico), aplicado no primeiro dia de aulas e outro, de avaliação do projecto, no final do ano lectivo; aplicação de um instrumento de inspiração projectiva, no primeiro dia de aulas, para conhecermos a representação social que os alunos tinham de Ciência; aplicação de um instrumento de avaliação de competências, aplicado na primeira semana de aulas; recolha de alguns protocolos (fichas de trabalho, testes de avaliação, textos escritos) elaborados pelos alunos, ao longo de um ano lectivo; e análise de alguns documentos relevantes, como o projecto educativo da escola e as pautas referentes a esta turma, durante o ano lectivo, em que decorreu a investigação.
Procedimento
O projecto foi implementado desde o início do ano lectivo. Na primeira semana de aulas os alunos sentaram-se com os pares que desejaram e foram aplicados instrumentos que nos permitiram conhecer melhor os seus interesses, projectos de vida e competências desenvolvidas. Após a primeira semana de aulas foi elaborada uma planta da sala de aula, em que os alunos se sentaram de forma a constituir díades (grupos de 2 alunos) não aleatórias, tendo por base a análise de um instrumento de inspiração projectiva, um questionário e um instrumento com tarefas que permitiam avaliar as suas competências (Reis, 2001). Optámos por formar díades assimétricas, em que os alunos que as constituíam apresentavam, sempre que possível, complementaridade de competências desenvolvidas e personalidades que possibilitassem um maior progresso cognitivo e sócio- afectivo dos mesmos. A análise que foi sendo efectuada ao longo do ano lectivo, no que diz respeito à avaliação qualitativa e quantitativa dos alunos, levou à alteração de algumas díades constituídas no início do ano lectivo, por se considerar que, naquele momento, outros pares poderiam potencializar mais o desenvolvimento de competências, bem como a apropriação de conhecimentos. Estas alterações permitiriam, ainda, evitar a dependência excessiva que se poderia verificar se um par se mantivesse durante todo o ano lectivo e, além disso, foram implementadas na base da procura doa maiores benefícios possíveis para todos os alunos.
Assim, durante todo um ano lectivo os alunos realizaram diversas tarefas de discussão (resolução de fichas de trabalho, realização de trabalhos
experimentais, resolução de mini-testes de avaliação), que eram inicialmente discutidas entre os elementos de cada par e, mais tarde, eram objecto de uma discussão geral, no grupo--turma. No entanto, os dados foram recolhidos com maior sistematização no decorrer do 2º período lectivo, durante a leccionação da unidade de ensino relativa ao estudo da Origem da vida. Os dados recolhidos foram objecto de uma análise de conteúdo detalhada, que visava identificar indutivamente categorias de análise, que permitissem iluminar, através das evidências empíricas encontradas, o fenómeno em estudo.
Análise e discussão de resultados
Perante uma situação em que se pretendem mudar práticas pedagógicas, parece-nos que a primeira semana de aulas de contacto com os alunos é essencial para, em conjunto com eles, nos podermos conhecer melhor e lançar o desafio a que nos propusemos.
Na primeira aula aplicámos um questionário, a cada um dos alunos, que continha questões que nos permitiam conhecê-los melhor: quem eram, que idades tinham, o que pensavam das diferentes disciplinas que faziam parte do seu currículo escolar, entre outras. Os alunos mostraram-se surpreendidos, no decorrer do preenchimento destes documentos, porque para todas as questões em que era pedida a sua opinião sobre diversos assuntos relacionados com a escola, era-lhes solicitado, logo de seguida, que as fundamentassem, pelo que alguns chegaram, nessa altura, a efectuar alguns comentários ao professor, que este registou no respectivo diário de bordo, como: “Bem, temos que pensar bem em tudo o que respondemos para podermos em seguida explicar porque respondemos sim ou não” ou “Estou a ver que aqui a nossa opinião também é importante” ou, ainda, “Não me lembro de ter respondido a uma ficha com tantos porquês”. A estes comentários o professor foi sempre retorquindo o quanto era importante para ele conhecer os seus alunos, saber o que pensavam sobre a disciplina em que iriam trabalhar em conjunto e conhecer a sua opinião sobre os assuntos relacionados com a escola. Com esta abordagem, o professor pretendeu criar um ambiente de trabalho exigente, mas onde todos gostassem de estar, de participar activamente e de aprender. Pretendia salientar o papel da reflexão na aprendizagem, bem como a necessidade de explicitar detalhadamente e de forma sustentada o que se afirmava.
Em seguida, os alunos responderam a um instrumento de avaliação de competências desenvolvidas (Reis, 2002), a que atrás aludimos. A análise destas respostas foi importante na constituição das diferentes díades assimétricas e da planta da sala de aula, já que o que se pretendia era associar elementos que conseguissem mobilizar competências complementares, para que, em diferentes momentos, ao longo do ano lectivo, e perante as diferentes tarefas propostas, cada um dos elementos da díade pudesse desempenhar alternadamente o papel de par mais competente, o que constitui um aspecto inovador em relação à teoria de Xxxxxxxx (1978). Assim, esta forma de trabalho colaborativo potencia, para cada um dos elementos da díade, o desenvolvimento das competências que
se encontram na sua zona de desenvolvimento proximal (Xxxxx, 2003; Vygotsky, 1997).
Pretendeu-se conceber uma primeira semana de aulas que criasse expectativas nos alunos relativamente às novas regras de funcionamento das aulas, levando-os a pensar que aquele professor tinha uma forma diferente de trabalhar e queria fomentar uma relação didáctica diferente da habitual. Essa semana foi também fundamental para negociar com os alunos as novas regras do contrato didáctico e para explicitar as que constituíam um pólo de ruptura com o contrato didáctico habitual. De facto, “quando se pretendem implementar processos de inovação pedagógica, criando rupturas com o contrato didáctico tradicional, é necessário explicitar algumas das novas regras do contrato inovador” (César, 2003, p. 129). Para além desta explicitação, é também necessário que a forma de actuar do professor seja coerente com a nova metodologia de trabalho, permitindo legitimar o contrato didáctico inovador negociado e estabelecido. Isto facilitará a adesão dos alunos ao novo contrato pois se não existir “coerência entre o nível dos discursos e o nível das práticas, as inovações tendem a falhar, pelo não envolvimento dos participantes, devido à falta de credibilidade daquela proposta didáctica” (ibidem, p. 130).
Em termos de resultados globais observámos que, durante as primeiras semanas, após o início do ano lectivo, e apesar da negociação e explicitação das regras do novo contrato didáctico, quer os alunos quer o professor mantiveram a adesão ao contrato didáctico habitual. Pensamos que tal se ficou a dever a uma interiorização profunda das regras deste tipo de contrato, pois os alunos tinham um percurso escolar de nove anos (em alguns casos mais, devido a situações pontuais de retenção), em que as regras legítimas de funcionamento eram as que os consideravam como aprendentes e o professor como o detentor do saber e que se encontrava na aula para ensinar, através de um modelo expositivo. Por outro lado, o próprio professor, no seu passado enquanto aluno, também tinha vivenciado situações em que o contrato habitual predominava. Assim, eram estas as regras que tinha apropriado e, enquanto professor, nunca tinha aderido a situações de ensino-aprendizagem tão inovadoras. No entanto, à medida que o ano foi avançando, a adesão ao novo contrato didáctico foi sendo cada vez mais nítida, por parte de todos os participantes. Apesar disso, algumas das regras foram sendo salientadas pelo professor durante o início de realização de tarefas, em díade, fazendo referência a situações anteriormente vivenciadas pelos alunos, na vigência do contrato didáctico negociado em função do trabalho colaborativo desenvolvido, tal como se pode interpretar da seguinte situação que se transcreve:
54 Professor – Xxx bem, o objectivo agora é, de facto, vocês responderem rapidamente às questões dessa actividade do manual… a essas três questões que aí estão, ok?
55 Aluno 1 – Ó stôr, é para fazer aos pares?
56 Aluno 2 – É em díade, stôr, não é? [Quase em simultâneo com o Aluno 1.]
57 Professor – É em díade, exactamente! Tal como nas outras actividades que temos vindo a realizar…
Através deste breve excerto podemos inferir que há um reconhecimento tácito das posições sociais e didácticas ocupadas pelos diferentes agentes, bem como que isso decorre de uma negociação prévia. Os alunos, quando são levados a realizar uma tarefa, começam por questionar se é para trabalhar colaborativamente, dando a ideia de já saberem que assim será. Há como que o desenvolvimento de uma intersubjectividade na relação professor-alunos, mediada através de um saber e que permite reconhecer o papel de cada um naquele contexto específico.
Para uma análise mais detalhada do que acabámos de referir, vamos apresentar alguns excertos de uma interacção que permite ilustrar a forma como o professor e os alunos vivenciaram esta nova metodologia de trabalho. Estes excertos dizem respeito a uma díade constituída por um elemento masculino – o Xxxxx, e outro feminino – a Xxxxx (nomes fictícios, para garantir o anonimato dos alunos envolvidos).
O Xxxxx tinha 15 anos, o pai era fiscal de leite e a mãe era comerciante, tendo como habilitações académicas os 4º e 6º anos de escolaridade, respectivamente. Não era repetente, e encontrava-se a frequentar o ensino secundário pela primeira vez. Gostava das disciplinas de Ciências Naturais, Matemática e Ciências Físico-Químicas, tendo referido a disciplina de Inglês, como aquela que lhe despertava menos curiosidade “porque é uma disciplina um pouco chata e que não me dá grande interesse”. Gostava de vir a ser médico, porque gostava de se relacionar com os outros, tentando ajudá-los e compreendê-los, pelo que ansiava obter elevados desempenhos académicos, de forma a poder entrar na Universidade. Tinha uma auto- estima académica elevada, considerando-se um aluno “muito bom” na disciplina de Ciências Naturais, atendendo aos resultados obtidos nesta disciplina no ensino básico. Em termos do instrumento de avaliação de competências revelou que era capaz de analisar, interpretar e avaliar informações, comunicando as suas ideias de uma forma clara e lógica, e mostrou saber expressar-se, por escrito, utilizando uma linguagem cuidada e elaborada. Apresentou argumentos coerentes e sentido crítico, apesar de ter tido algumas dificuldades em elaborar hipóteses adaptadas a dados fornecidos.
A Xxxxx de 15 anos, vivia com o irmão, de 8 anos e com a mãe, que era empregada de xxxxxx, apresentando o 6º ano como habilitações académicas. Também não era repetente e tinha como ambição tirar o curso superior de veterinária, porque “adoro animais”. Elegeu as disciplinas de Ciências Naturais e de Ciências Físico-Químicas como as preferidas e a Matemática como a disciplina indesejada porque, apesar de até gostar de compreender Matemática, “quando não a consigo compreender, é um inferno!”. Referiu que gostava de conviver com os amigos e de ir ao cinema, dormir e estudar. Relativamente ao seu desempenho académico, classificou-o de “bom”, atendendo aos resultados alcançados nos anos de escolaridade anteriores. No instrumento de avaliação de competências revelou dificuldades na expressão escrita (com alguns erros ortográficos frequentes e usando uma linguagem pouco elaborada) e mostrou dificuldades em mobilizar o pensamento criativo e crítico. No entanto, conseguiu fazer a análise e interpretação de informações, revelando persistência na realização das tarefas propostas.
Optámos por apresentar excertos de interacções decorridas entre o Xxxxx e a Xxxxx porque estes elementos tinham trabalhado, desde o início do ano lectivo, com outros pares, tendo esta díade sido constituída no início das actividades de ensino-aprendizagem da unidade de ensino em que a recolha de dados foi mais aprofundada e sistemática. Assim, apesar de já terem vivenciado as regras do novo contrato didáctico, desde o início do ano, era a primeira vez que estes elementos trabalhavam em conjunto.
A interacção que se segue ocorreu durante a discussão de uma tarefa da qual constava uma notícia de um jornal diário português com o título “Origem da Vida – do fundo do mar para o espaço” (Público, 23 de Março de 2000) e na qual se pretendia que os alunos reflectissem sobre o seu conteúdo científico, através de diferentes questões colocadas:
5 Xxxxx (A)- X Xxxxx, despacha-te, está bem? Queres fazer em díade ou não? Isso é para ler em conjunto!
6 Xxxxx (J) – Lá por o gravador estar a gravar, não quer dizer que possas estar a dizer o que te apetece” [Xxxxxxxx]
7 A – Joana...Ó Xxxxx, mas queres escrever aí, ou queres discutir? Ó stor, isto assim não dá, está para aqui a escrever e não discute nada. “Qual é o tema que está subjacente a esta notícia?” [Leu a questão da ficha de trabalho.]
8 J- Então, não vais interpretar o texto? Assim, mais vale fazer sozinha. 9 A – Mas, isto é para fazer em díade!!!
10 J – X xx, olha aí... [Silêncio]
11A – Ó stôr, ela não quer fazer em díade! [Silêncio. O professor aproxima-
-se.]
12 J – Ó stôr, não percebo a pergunta 2. [Defina um possível problema que possa estar na origem da investigação em causa.]
13 P – Xxx bem, quando se faz investigação deverá ser para responder a um possível problema, não é? Mas olha lá, o Xxxxx já respondeu!
14 A – Ela não quer fazer em díade!
15 J – Se eu fizesse com ele, ele não ia ouvir o que eu ia dizer.
16 P – Então porquê?
17 J – Ele faz sempre à maneira dele!
18 A – Isso aconteceu alguma vez, diz lá? Alguma vez aconteceu? Só fizemos esta actividade...
19 P – Ó Xxxxx, é assim...saber se aconteceu ou não, não me interessa. Vamos trabalhar em conjunto, está bem? Apesar de ele já ter respondido, vão na mesma elaborar uma resposta conjunta depois da discussão, ok? [O professor afasta-se da díade]
20 A – Tu não sejas estúpida, que nunca aconteceu isto, está bem? Só fizemos duas actividades desde que estamos juntos e eu nunca me recusei a ouvir as tuas opiniões. Claro que estás sempre a escrever aí nos
papelinhos, o que é que tu queres? Mas olha, eu não me importo nada, vou para o pé da Marina e tu ficas aqui sozinha. Tu estás bem é sozinha.
21 J – Olha, não fales mais...
22 A – Olha, nem tu!
Através da análise da interacção, observa-se que os alunos reconhecem claramente o papel de cada agente no âmbito do contrato didáctico estabelecido, ou seja, ao longo do diálogo observamos que os alunos admitem que têm o dever de discutir a actividade proposta (Falas 5 e 11). No entanto, quando surge uma situação de conflito afectivo (e não sócio- cognitivo) recorrem, quase de imediato, ao professor para que este possa legitimar o contrato vigente (Fala 11), atribuindo-lhe o poder de repor as regras de funcionamento da aula. A actuação do professor também nos parece interessante. Na Fala 13, quando é confrontado com uma questão de índole cognitiva (Fala 12), começa por responder. Porém, rapidamente adere ao novo contrato didáctico, que promove a auto-responsabilização, autonomia e trabalho colaborativo entre os alunos e, por isso mesmo, assinala uma ruptura desse mesmo contrato didáctico: “Mas olha lá, o Xxxxx já respondeu!” (Fala 13). Assim, retoma a adesão às regras do contrato didáctico e indica claramente aos alunos como é desejável que trabalhem. Resumindo: o professor legitima o novo contrato didáctico e volta a sair de cena, deixando espaço aos alunos para que o implementem, realçando a confiança que tem nas suas capacidades para a realização, com sucesso, da tarefa proposta.
Constatamos, ainda, que apesar de estar implementado um contrato didáctico que os alunos reconhecem como legítimo, em que as regras do jogo são diferentes das de outras disciplinas, eles sabem que diferentes jogadores desempenham papéis específicos – os de aluno e professor – e que inerente a esses papéis existem determinados direitos e deveres que não são passíveis de negociação em virtude da existência de regras que são impostas por estruturas exteriores à sala de aula, aquilo a que nos referimos como sendo o contrato sobre o contrato, ou seja, o meta-contrato didáctico. Por outro lado, podemos afirmar que é também em alturas de ruptura do contrato didáctico estabelecido que se tornam visíveis algumas das regras do jogo (César, 2003; Schubauer-Xxxxx, & Perret-Clermont, 1997).
São diversas as situações, da interacção anterior, em que se observa que uma das regras estabelecidas no funcionamento das aulas da disciplina de CTV determina que as tarefas têm de ser realizadas em díade, algo que os alunos, naquele momento, não estavam a cumprir, conforme se constata ao longo da interacção estabelecida entre os alunos e o professor (Falas 11, 13 e 14). Está também bem patente que outra das regras é que os alunos, para discutirem as tarefas, têm que se ouvir um ao outro. De facto, a Xxxxx, ao afirmar perante o professor que “se eu fizesse com ele, ele não ia ouvir o que eu ia dizer” (Fala 15) ou, ainda, “Ele faz sempre à maneira dele” (Fala 17), podemos inferir que foi definido, anteriormente, que os alunos têm o dever de discutir as questões propostas, respeitando os diversos pontos de vista, devendo aprender a ouvir- -se mutuamente.
Não nos parece que sejam indiferentes as experiências anteriores de trabalho conjunto. Achamos interessante que, apesar de ser uma das primeiras vezes que estes alunos trabalhavam colaborativamente, na disciplina de CTV, de acordo com as regras do novo contrato didáctico, façam a transição para esta aula de atitudes e comportamentos tidos noutros contextos, havendo uma reinterpretação do contrato didáctico e atribuindo-lhe um carácter dinâmico, ou seja, este é um contrato específico que funciona apenas naquele contexto particular. Só assim se consegue explicar que a Xxxxx (Fala 17) seja tão peremptória ao afirmar que o seu par faz sempre à maneira dele, sem ter em conta o que ela tem para dizer, o que indicia as suas expectativas relativamente ao Xxxxx. De facto, soubemos que noutras disciplinas em que surgem situações pontuais de trabalho conjunto, estes alunos estavam sentados lado a lado. Observamos também a importância que têm as expectativas que cada aluno criou relativamente aos seus pares.
A determinada altura, o Xxxxx ameaça a colega de a abandonar e de se ir juntar a um outro elemento da turma – a Marina. Não nos parece ingénua, esta atitude, na medida em que esta aluna é uma das que apresenta melhor desempenho académico na turma, podendo desafiá-lo, em termos cognitivos, de acordo com a sua concepção de aprendizagem. Por outro lado, a Xxxxx não tinha apresentado os melhores resultados académicos no final do 1º período, pelo que o Xxxxx tem alguma dificuldade em aceitar as possíveis respostas da Xxxxx, em função da imagem que desenvolveu do seu par.
Em virtude desta díade ter sido constituída pouco tempo antes desta interacção, constatamos que a intersubjectividade (Wertsch, 1991) está pouco construída, não permitindo, ainda, uma partilha de significados conducente à co-construção do conhecimento necessário para a execução conjunta da tarefa. Esta construção de intersubjectividade é, como nos refere Xxxxxxxxx-Leoni (1986), indispensável a um desenvolvimento social aceitável dos dois elementos da díade, que permite pensar racionalmente uma dada situação. De facto, parece que o conflito afectivo ou relacional gerado durante a discussão da tarefa, e que não foi resolvido até ao final deste excerto, se terá devido também a esta quase ausência de entendimento comum sobre o que se pretendia da tarefa e como resolvê-la.
As diversas observações (três observadores: o professor e dois observadores externos) iluminaram que, no início da implementação de trabalho colaborativo, este gera mais situações conflituosas durante a discussão das tarefas propostas, do que mais tarde, quando esta metodologia já está apropriada e em que os elementos de cada par já vivenciaram o trabalho conjunto, apercebendo-se das suas vantagens. Isto significa que há uma progressiva apropriação, por parte dos alunos, das regras desta forma de trabalho e, também, que, simultaneamente, vão desenvolvendo competências sociais complexas, que lhes permitem gerir de forma mais adequada as interacções sociais em que participam. Este aspecto é aliás reconhecido pelos próprios alunos, quer nos questionários de avaliação do trabalho realizado quer nas entrevistas, quando referem que “No início era um bocado confuso. Não estávamos habituados a ter que falar com os outros colegas para fazer as respostas” (Xxxxx) ou, ainda, “Só ao fim de uns dias, percebi que aquelas aulas eram um pouco diferentes,
porque aqui não era só o stôr a falar, mas nós tínhamos que tentar pensar e resolver as perguntas com a nossa díade” (Xxxxxx). Aliás, um dos observadores externos, escreveu também “Os alunos trabalham já de uma forma que denota a apropriação das regras do contrato didáctico e uma forte adesão ao trabalho colaborativo. Revelam muito mais maturidade na gestão das interacções que estabelecem, o que se denota também no ritmo de trabalho e na qualidade das suas intervenções” (Observador 2 – 3ª observação – Março 2001).
Para tentarmos iluminar como evoluiu a díade constituída pelo Xxxxx e pela Xxxxx, vamos apresentar uma outra interacção que decorreu um mês e meio mais tarde relativamente à anteriormente transcrita. Este excerto refere-se a uma aula em que os alunos se encontravam a discutir uma ficha de trabalho relativa ao processo de construção do conhecimento científico, relacionada com as teorias apresentadas pelo cientista Xxxxxxx Xxxxxx, sobre a problemática da origem da vida.
23 A – [Xx as questões da ficha] Reflicta com o seu par sobre as seguintes perspectivas, tendo por base os dados do texto e as suas ideias sobre o que é a Ciência.
A – Influência da maneira de ser de um cientista nos resultados do seu trabalho;
B – Relações que se estabelecem entre os cientistas, na Comunidade Científica.
Xxxx, o tal Xxxxxx nasceu em. onde?
24 A – Ele já morreu, o Xxxxxx?
25 J – Acho que não
26 A – Ainda não? Tem quantos anos?
27 J – Sei lá?!....Aí uns trinta...
28 A – Mas tu estás parva??? Xxxx se diz aqui que o homem nasceu em 1930 é porque tem 71 anos, né? Bem, e com 23 anos fez sucesso na ciência! Eu tenho esperanças de vir a descobrir também qualquer coisa. Bem, vamos responder às questões. O que é que achas?....Stôr, isto é muito difícil [Silêncio]
29 J – Ora, influências....
30 A – Oh, Marina....
31 J – Vá, embora lá!
32 A – Ah.... “Influência da maneira de ser de um cientista nos resultados do seu trabalho”
33 J – Atão, vá?!
34 A – A influência...da maneira de ser...de um cientista,....influencia o seu trabalho...
35 J – Vá.....
36 A – Ó stôr, o que é para dizer na a)? [Alínea da questão]
37 P – Na a) é para vocês verem se existe alguma relação e, se sim, qual é ela, entre as características pessoais de um cientista e o trabalho desenvolvido por ele, atendendo aos dados do texto.
38 A – [Voltando-se para a Xxxxx] Eu não acho. Eu vou dar a minha opinião...Atão vá, como é que achas que era o Xxxxxx?
39 J – Xxxxxx era um...
40 A – Xxxxxx...tinha um espírito...de descoberta!
41 J - ...descoberta...
42 A - ...isto levou-o à descoberta, mais...um espírito de descoberta....Era principalmente interessado sobre os problemas da origem da vida.
43 J – Pois! Estou a perceber bué disto! Só assim se explica que ele tivesse só 23 anos quando lançou o seu trabalho importante!
44 A – Isso não é preciso dizer!
45 J – Eu penso que sim, porque isso é explicado pelo espírito de querer descobrir coisas novas... [A discussão continua, acabando o Xxxxx por aceitar as ideias da Xxxxx, ficando registada a opinião dela na resposta escrita elaborada pela díade: Xxxxxx, como era um cientista ainda novo, pois tinha naquela altura só 23 anos, tinha um espírito de descoberta que o levava a querer investigar sobre a origem da vida, o que fez com que ele ficasse mais conhecido na ciência].
Podemos afirmar que se observa uma maior adesão ao contrato didáctico estabelecido, que prevê a discussão das diferentes tarefas, contribuindo para uma maior autonomia dos alunos, que passaram a actuar como participantes legítimos de uma comunidade de aprendizagem (Lave, & Wenger, 1991). Por outro lado, o professor apresentou, por vezes, alguma dificuldade em mostrar a total legitimidade do contrato ao boicotá-lo quando responde directamente a algumas questões colocadas pelos alunos, sem os orientar, em primeiro lugar, para uma reflexão e discussão sobre as mesmas, o que realça bem a diferença entre querer fazer e conseguir fazer. O professor, perante esta situação, deveria ter levantado outras questões orientadoras, que levassem os alunos a outros confrontos para tentarem ultrapassar a dúvida levantada. Sendo-lhe reconhecida autoridade através do meta-contrato didáctico (Xxxxxxxxx-Xxxxx, & Perret-Clermont, 1997), o professor deverá ser o elemento desta comunidade de aprendizagem que, através das suas práticas, e não só através do discurso, legitimará esse mesmo contrato didáctico. No entanto, mudar não é fácil e implica empenho e perseverança por parte de todos os agentes educativos, incluindo os professores. Daí a relevância da reflexão sobre as práticas e de os próprios professores trabalharem, também, de forma colaborativa, como realçam Xxxxx, Xxxxxx e Xxxxx (2001).
Noutros momentos, o professor revela uma maior capacidade para lidar com as questões colocadas pelos alunos; assim, na Fala 37 opta por parafrasear o que é pedido na tarefa proposta aos alunos. Esta forma de actuação surte o efeito desejado: como o Xxxxx percebe que o professor não lhes fornece a resposta pretendida – e os alunos sabem ser muito subtis a consegui-las! – volta a trabalhar em díade com a Xxxxx, co-construindo
uma resposta com contributos relevantes de ambos (Falas 40, 42 e 45, por exemplo). Assim, nota-se uma evolução nítida nesta díade, o que ilumina como as mudanças de práticas de sala de aula são lentas, exigem esforço e perseverança por parte dos professores, mas acabam por surtir efeito quando inseridas num contrato didáctico coerente.
Um outro aspecto a salientar é que, apesar de continuar presente uma certa conflitualidade decorrente da necessidade de gerir a partilha de significados comuns, o Xxxxx (Fala 38) modificou as expectativas relativamente ao seu par, ao admitir as suas opiniões, ainda que com alguma relutância inicial, explicada pelo facto do seu par não ter um desempenho académico superior ao seu. Esta mudança de atitude e uma maior partilha da resolução das tarefas permitiu-lhes chegar a níveis de aprofundamento e qualidade das respostas que não teriam se trabalhassem individualmente, como se observa em diferentes excertos das interacções audiogravadas e em diversas notas de campo dos observadores.
Para além do que foi dito, através da análise de entrevistas realizadas a informadores privilegiados, no final do ano lectivo, constatámos que as regras de funcionamento das aulas de CTV eram diferentes das regras das restantes disciplinas que faziam parte do plano curricular desta turma. Assim, não vigorava o mesmo contrato didáctico em todas as disciplinas. Na sua maioria, os alunos aperceberam-se dessas diferenças, tendo indicado explicitamente algumas regras e as diferenças que neste tipo de metodologia existem em termos do papel desempenhado pelo professor e pelos alunos. Citamos alguns exemplos, que foram referidos pelos alunos, no decorrer das entrevistas:
“Porque nós nas outras aulas não fazemos isso. Trabalhamos sozinhos... aqui trabalhámos com um colega.... Então é assim... como nós tínhamos ideias diferentes, discutíamos uns com os outros e chegávamos a uma conclusão.” (Xxxxx)
“E também associava um pouco CTV ao confronto de ideias! Principalmente isso... porque nós debatíamos muito as opiniões uns dos outros. Acho que debatíamos muito as ideias.” (Xxxxxx)
“O trabalho em díade, principalmente [era a diferença]. Nas outras aulas nós fazíamos exercícios individuais… se nós pedíamos a opinião a outros colegas, os professores diziam que o exercício era individual… e por aí vê-se mais ou menos como é que se trabalha com as outras pessoas… Os alunos além de seres espectadores passaram também a ter uma parte mais activa na aula.” (Paulo)
Parece-nos interessante a multiplicidade de informação que os alunos apropriaram através do trabalho colaborativo, bem como as competências desenvolvidas e que lhes permitiram alterar a imagem do funcionamento de uma aula e dos papéis dos diferentes agentes que nela interagem. Destes excertos, parece-nos especialmente relevante o facto de eles reconhecerem e explicitarem as diferenças entre este contrato didáctico e os das restantes aulas das outras disciplinas, bem como o papel que atribuem ao confronto de ideias na construção de conhecimento científico. Percebe-se que não só aprenderam a explicitar o que pensavam e a argumentar, mas também aprenderam a ouvir os outros, respeitando posições diferentes das que
assumiam. Por último, não deixa de ser recompensador e reconfortante, para o professor, que os alunos reconheçam que, desta forma, o professor tem mais trabalho. Isto mesmo foi referido durante as entrevistas:
“Não, não tem nada a ver. Um professor que faça um trabalho destes, que trabalhe com os alunos em díade, ao fim e ao cabo tem mais trabalho porque tem de organizar as díades e é diferente na elaboração da aula. Não tem mesmo nada a ver!” (Catarina);
“Para o professor era mais trabalho… Então, os mini-testes… às vezes é mais difícil gerir uma turma que esteja a trabalhar em pequenos grupos, por causa do barulho e da confusão… penso que seja isso!” (Paulo);
“Não sei se [o papel do professor] será propriamente igual, porque aqui vamos tendo sempre várias ideias… cada um tem as suas ideias e nas outras disciplinas normalmente o que o professor xxxx é aquilo que é fundamentalmente! E aqui não… o confronto de várias ideias… e até o próprio professor poderia chegar a novas ideias que achasse melhor…” (Xxxxxx).
Os alunos aprenderam a olhar e a perceber mesmo o que não é dito explicitamente. Algo essencial para compreender a ciência…e para a vida!
Considerações finais
Através dos exemplos analisados podemos observar a importância do papel dos alunos e do professor, quando pretendemos implementar um contrato didáctico inovador, nomeadamente quando esse contrato envolve trabalho colaborativo, entre pares (Xxxxx, 2003; Xxxxx, Xxxxxx, & Xxxxx, 2001). Assim, parece-nos que o professor deverá ser um participante activo na estimulação e no desenvolvimento das capacidades e competências intelectuais e sócio-afectivas dos alunos, bem como mediador ou orientador das aprendizagens, estimulando a intensificação de relações horizontais (aluno-aluno). Neste contrato, o professor deverá ser menos avaliativo e punitivo, preocupando-se mais com a apropriação de conhecimentos e com o desenvolvimento de competências que permitam aos alunos ampliar a sua literacia científica, perspectivando uma cidadania mais interventiva, crítica e responsável, tornando os alunos capazes de actuar perante as constantes inovações que vão surgindo. Os alunos deverão desempenhar um papel activo, empenhado e ser o centro das aprendizagens através da construção do seu próprio conhecimento, nomeadamente através do estabelecimento de interacções sociais que permitem o confronto de ideias com os outros.
Através da implementação deste tipo de contrato didáctico, poderemos promover mudanças conceptuais relativas ao próprio processo de construção da ciência, que recorre frequentemente ao trabalho entre equipas de investigadores. Recordamo-nos, nomeadamente, de uma frase referida por uma aluna, participante do presente estudo, em contexto não- formal, ao referir que o professor ao recorrer a um contrato didáctico inovador estava a levar os alunos a compreenderem como era trabalhar em equipa, partilhando informação, tal como seria de esperar no seio da comunidade científica.
A progressiva adesão dos diversos agentes da comunidade educativa a este novo contrato didáctico permite criar uma comunidade de
aprendizagem (Lave, & Xxxxxx, 1991), em que os alunos, de participantes periféricos, porque não reconhecidos como parceiros legítimos pelos professores, passam progressivamente a participantes de pleno direito, que assumem a sua própria aprendizagem de forma cada vez mais responsável e autónoma. Este progressivo empenhamento e co-responsabilização leva os alunos a desenvolverem competências complexas e, paralelamente, a atingirem desempenhos mais elevados, construindo, também, concepções de ciência e de aprendizagem mais dialécticas e sistémicas.
A formação inicial e contínua de professores deverá também contemplar a análise e reflexão das evidências empíricas que têm sido iluminadas por estudos relacionados com a implementação de contratos didácticos inovadores, e promover a realização de trabalho colaborativo entre os próprios formandos. O incentivo para a implementação do trabalho colaborativo em sala de aula, pode tornar-se uma mais-valia para o desenvolvimento de trabalho colaborativo entre professores, essencial para a melhoria da qualidade das práticas pedagógicas e, consequentemente, para a melhoria das aprendizagens científicas dos alunos.
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