ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSULTORIA JURÍDICA
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSULTORIA JURÍDICA
Processo administrativo nº 8500045-60.2023.8.06.0000
Assunto: Análise de minuta do contrato de fornecimento de água tratada e coleta de esgoto entre o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Quixelô e o TJCE.
PARECER
I-RELATÓRIO
Em evidência, o processo administrativo acima identificado, por meio do qual a Coordenadoria da Central de Contratos e Convênios (CCCC) remete, para análise e considerações desta Consultoria Jurídica (CONJUR), minuta do Contrato nº 09/2023, a ser firmado entre o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJ/CE) e o SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO – SAAE/QUIXELÔ.
O objeto do referido contrato consiste na “Contratação de empresa para a prestação do serviço de abastecimento de água tratada e coleta de esgoto para o prédio do Fórum de Quixelô, localizado na Rua Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxxx, s/n, Bairro Centro, no município de Quixelô.”
Instruem o processo os seguintes documentos:
a) Declaração subscrita pelo Prefeito Municipal de Quixelô, declarando que o fornecimento de água tratada e o esgotamento sanitário são prestados de forma exclusiva pela SAAE de Quixelô (pág. 66);
b) Portaria de nomeação do diretor do SAAE de Quixelô e a sua CNH (págs. 05-
06);
c) Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); Declaração de que não emprega em trabalho noturno, perigoso e insalubre menores de dezoito anos e, em qualquer trabalho, menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; Declaração de reserva de cargos para pessoas com deficiência; Certidão Negativa de Débitos Estaduais e Certidões de regularidade fiscal, trabalhista e do FGTS (págs. 07-12 e págs. 67-68);
d) Histórico de consumo da comarca de Quixelô (pág. 14-21);
e) Dotação Orçamentária de diversas SAAE´s (págs. 22-23);
f) Termo de Referência (TR), ressaltando que a presente contratação é hipótese de inexigibilidade devido a impossibilidade de competição entre diversos fornecedores, já que o fornecimento de água e coleta de esgoto no município de Quixelô é de exclusividade da SAAE/ Quixelô (págs. 25-35);
g) Documento de Formalização da Demanda – DFD (págs. 36-37);
h) Memorando nº 0446/2023/TJCEGMANUTZEL, através do qual a Gerência de Manutenção e Zeladoria solicita ao secretário de Administração e Infraestrutura do TJ/CE a elaboração do contrato de fornecimento de água tratada e coleta de esgoto entre o SAAE/ Quixelô e TJ/CE (págs. 43-44);
i) Memorando nº 550/2022/SEADI, no qual a Secretaria de Administração e Infraestrutura manifesta concordância quanto à contratação entre o TJCE e a SAAE/Quixelô (pág. 47);
j) Minuta do contrato nº 09/2023 (págs. 51-60).
É, no essencial, o relatório. Cumpre-nos opinar.
II- DELIMITAÇÃO DO PARECER JURÍDICO
De início, faz-se necessário evidenciar que o âmbito de ponderação deste parecer se restringe, única e tão somente, ao exame de legalidade da documentação apresentada, não se
adentrando, pois, em aspectos técnicos, financeiros, de conveniência ou de oportunidade, que são próprios do Administrador Público no exercício de seu mister.
Firmada essa breve premissa, passamos, de logo, à averiguação da demanda destacada, de modo a verificar sua consonância com os princípios e normas que lhe são alusivas.
III – POSSIBILIDADE JURÍDICA DA PRESENTE CONTRATAÇÃO DIRETA, A SER REALIZADA POR MEIO DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO, COM FULCRO NO ART. 74, DA LEI Nº 14.133/2021
No direito brasileiro deve ser observada a regra elementar de pretérita licitação para a contratação de bens e serviços pela Administração Pública, conforme se concebe a partir da dicção do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá sempre aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Denota-se, entretanto, que a própria Carta Magna de 1988 atribuiu competência ao legislador ordinário para definir hipóteses excepcionais em que é possível a contratação direta pela Administração Pública, seja por dispensa, seja por inexigibilidade, ambas sem a necessidade de precedência de licitação.
Nessa perspectiva, para que haja o entendimento sistemático da contratação pretendida, será tratado, no primeiro momento, sobre a aplicabilidade da Lei nº 14.133/2021 em decorrência da edição da Portaria nº 1.764/2021 e em seguida a possibilidade jurídica da inexigibilidade de licitação pleiteada, com fundamento no art. 74, da Lei nº 14.133/2021.
III. a) Aplicabilidade da Lei nº 14.133/2021: incidência sobre os atos praticados após a edição da Portaria nº 1.764/2021
Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021 foi inaugurado novo regime normativo para as licitações e contratos administrativos, bem como se consolidou a disciplina de matérias que antes se achavam esparsas em diferentes legislações, a exemplo das Leis nº 8.666/93, nº 10.520/2002 e nº 12.462/ 2011.
Veja-se que o novel estatuto não determinou a revogação imediata dos regramentos legais anteriores, de modo que estes permanecerão vigentes, simultaneamente ao novo diploma, até 1º de abril 2023, conforme art. 193, da Lei nº 14.133/2021:
“Art. 193. Revogam-se:
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.”
Como se percebe, o legislador houve por bem franquear um período de dois anos para a transição e adaptação da Administração Pública às disposições do novo regulamento legal, estando vedada, neste interregno, todavia, a utilização combinada da lei mais recente com as normatizações mais antigas, senão vejamos:
“Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.” (Grifos nossos).
No âmbito do Poder Judiciário Estadual, a Presidência deste Sodalício editou a Portaria nº 1.764, de 25 de outubro de 2021, alinhavando um cronograma de gradual transição para o emprego do novo diploma pela Administração Pública.
A primeira etapa do cronograma, que foi implementada no mês de novembro de 2021, é a aplicação da Lei nº 14.133/21 às hipóteses de contratação direta (art 1º), excluindo se, por conseguinte, eventual incidência da Lei nº 8.666/93 (art. 3º).
Sendo assim, uma vez que o presente processo administrativo versa sobre contratação direta fundada em situação de inexigibilidade, conclui-se que os atos emitidos neste feito, considerando a publicação da Portaria nº 1.764/2021, haverão de ser esquadrinhados sob o pálio da Lei nº 14.133/2021, cumprindo-se, de tal sorte, o cronograma instituído pela própria Administração deste Poder Judiciário.
Fixadas tais ponderações, passa-se à apreciação da documentação relacionada à contratação direta requerida.
III. b) Possibilidade jurídica da contratação direta, segundo o art. 74, da Lei nº 14.133/2021
Como, anteriormente mencionado, é consabido que a regra no direito brasileiro está pautada na obrigatoriedade de licitação prévia para a contratação de bens e serviços pela Administração Pública, em obediência ao art. 37, inciso XXI, da CF/88.
Ratifica-se que, ao regulamentar a ressalva contida na primeira parte do supracitado inciso XXI do art. 37 da CF/88, a Lei nº 14.133/2021 expressamente delineou rol que trata das hipóteses de inexigibilidade (art. 74) e de dispensa licitação (art. 75). Assim, tanto um como o outro devem ser utilizados dentro da excepcionalidade da circunstância, resguardando-se sempre o melhor interesse da Administração sem desrespeitar os princípios da moralidade e da isonomia.
Nos casos de inexigibilidade de licitação, deve-se haver um perfeito enquadramento do caso fático à norma do art. 74. Pois bem, de acordo com a exposição trazida pela Gerência de Manutenção e Zeladoria (págs. 25-35), “Devido ao fato do Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAAE/Quixelô ser o único fornecedor de água potável, e prestar os serviços de recepção e tratamento de esgoto produzidos no município, configura-se a inviabilidade de competição, restando, assim, a contratação por meio de inexigibilidade de licitação, a qual encontra amparo legal no artigo 74 da Lei n° 14.133/2.021, exclusividade esta comprovada através do Decreto Municipal n.º 07, de 28.02.1991, e da certidão de fl. 02.”, sendo imprescindível a contratação do referido serviço, diante da seguinte justificativa:
“2. JUSTIFICATIVA
2.1. A contratação justifica-se pela necessidade de se manter o abastecimento de água potável, bem como a recepção e o tratamento do esgoto produzido nas dependências das unidades do Tribunal de Justiça do Ceará no Município de Quixelô, atendendo assim as condições higiênico-sanitárias adequadas à satisfação organizacional do Poder Judiciário.
2.2. O SAAE de Quixelô prestará os serviços objeto deste termo através da interligação dos sistemas de abastecimento de água e/ou coleta de esgoto do Contratante ao seu sistema, conforme estabelecido pela Lei nº 11.445/2007 e Decreto Federal n° 7.217/2010.
2.3. Ressalte-se, ainda, que se trata de um serviço de duração continuada, imprescindível ao funcionamento do Tribunal de Justiça do Ceara que deles se vale, podendo sua interrupção comprometer a continuidade das atividades por ele desenvolvidas. [...]”. (Grifos nossos).
Isto posto, em prima face, posiciona-se esta consultoria pela existência de cabimento jurídico à contratação do SERVIÇO AUTÔNOMO DE ÁGUA E ESGOTO – SAAE/QUIXELÔ, por inexigibilidade de licitação, ratificando-se o que preconiza o caput, do art. 74, da Lei nº 14.133/2021, qual seja: “É inexigível a licitação quando inviável a competição [...]”, tendo em vista que se trata de contratação de serviço público essencial de empresa que detêm exclusividade na prestação do serviço em relação ao fornecimento de água e coleta de esgoto sanitário, amoldando-se perfeitamente à hipótese legal de exceção à regra da licitação.
Nesse sentido, ratifica-se que a inexigibilidade decorre da inviabilidade de competição, em face da ausência de alguns dos pressupostos que autorizariam a instauração da licitação. Tal inviabilidade deriva da falta de pluralidade de sujeitos em condições de contratar ou da impossibilidade de se estabelecer critérios objetivos de julgamento, hipóteses em que, ainda que a Administração quisesse realizar uma competição, não teria como fazê-la. Portanto, não havendo disputa, não há de se falar em licitação.
Porém, a não realização de licitação não é sinônimo de informalidade, há critérios a serem seguidos para garantir a higidez da contratação e o respeito aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, preservando os interesses da administração, como bem aponta Marçal Justen Filho1 (2021, p. 945):
“A ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao
1 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
contrário, a contratação direta exige um procedimento administrativo prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades.”
Destarte, ao ser identificada a forma de contratação direta, o processo respectivo deve ser instruído com os documentos elencados nos incisos do art. 72, da Lei nº 14.133/2021, para garantir a regularidade do feito, como se vê adiante:
“Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;
II - estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;
III - parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;
IV - demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o
compromisso a ser assumido;
V - comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;
VI - razão da escolha do contratado; VII - justificativa de preço;
VIII - autorização da autoridade competente.
Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.”
Observa-se nos autos que foi acostado Documento de Formalização da Demanda atualizado (págs. 36-37) que contém a descrição sumária do objeto almejado pela Administração Pública, bem como Termo de Referência (págs. 25-35) com as especificações sobre os parâmetros e outros elementos relevantes da contratação, atendendo, assim, o apontado no inciso I, art. 72, da Lei nº 14.133/2021.
Inexiste no processo o estudo técnico preliminar, análise de riscos, projeto básico ou executivo. Ressalte-se, todavia, que a exigibilidade de tais documentos é relativa, pois esses estão inseridos na ressalva da parte final do dispositivo citado, no qual o legislador fez incluir a expressão “se for o caso”, a denotar que seu cabimento é circunstancial. Sobre a não exigibilidade desses documentos, Joel de Menezes Niebuhr2 (2021, p.73) diz que “A redação do inciso I do artigo 72 dá a entender, que estudo técnico preliminar e análise de riscos
2 XXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxx. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Curitiba: Zênite, 2021.
podem ser dispensados em casos de contratação direta, que a Administração Pública goza de competência discricionária para decidir produzi-los ou não”.
Adiante, constata-se que tanto a estimativa da despesa quanto a justificativa do preço foram indicadas, conjuntamente, às págs. 25-35(art. 72, incisos II e VII), bem como há previsão de recursos orçamentários (págs. 22-23) para honrar com o compromisso que será assumido (art. 72, inciso IV), além da documentação relacionada à habilitação jurídica, regularidade fiscal, do FGTS e demais declarações (págs. 07-12 e págs. 67-68) e a razão de sua escolha (págs. 25-35) (art. 72, incisos V e VI).
Em arremate, deve a área técnica se atentar a validade de todas as certidões de regularidade fiscal, trabalhista e do FGTS, caso o tempo transcorrido para a devida instrução processual ultrapasse suas datas de vencimento, sobretudo a do FGTS que geralmente tem prazo menor e já se encontra vencida (pág. 12).
Além do mais, não custa ratificar que após a contratação, precisa ser providenciada a publicidade do pacto, consoante os preceitos do parágrafo único, do art. 72, da Lei nº 14.133/2021, em que o ato que autoriza a presente contratação direta, deve ser divulgado e mantido, à disposição do público, em sítio eletrônico oficial.
Sendo assim, mediante as circunstâncias fáticas e jurídicas aludidas, nada obsta a contratação direta pretendida, desde que sejam atendidas a ponderações suscitas acima, com o intuito de atender aos requisitos mínimos exigidos para tanto, concluindo-se, pois, pela possibilidade jurídica da inexigibilidade de licitação almejada, devendo a contratação ser realizada com celeridade, diante da urgência e da essencialidade do serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto sanitário.
IV – ASPECTOS FORMAIS DA MINUTA
Quanto aos aspectos formais da minuta do Contrato nº 09/2023, encontram-se em consonância com a legislação que rege a matéria, não havendo, portanto, qualquer objeção a ser excepcionada pela CONJUR que opina pela viabilidade da sua formalização.
V – CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, e ressalvando-se que os aspectos de conveniência e oportunidade se encontram fora da alçada desta Consultoria Jurídica, não se vislumbra óbices à contratação direta, por inexigibilidade de licitação, desde que observadas as ponderações suscitadas, estando de acordo com os termos da minuta que nos foi encaminhada para análise, pertinente ao Contrato nº 09/2023, cabendo destacar, entretanto, a necessidade da prévia aprovação pela Presidência do TJ/CE.
É o parecer. À superior consideração. Fortaleza/CE, 24 de fevereiro de 2023.
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Assinado de forma digital por XXXXXXXXX XXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX:01401166300
Dados: 2023.02.24 14:42:57 -03'00'
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx Técnico Judiciário
De acordo.
XXXXX:619480393
XXXXXXXXX XXXXXXX XX
Assinado de forma digital por XXXXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX:61948039320 Dados: 2023.02.27
20 15:53:56 -03'00'
Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Consultor Jurídico