Factoring
Factoring
Afranio Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Procurador do Banco Central do Brasil
1- NOÇÕES GERAIS
Segundo o magistério de Xxxx Xxxxxxx, ...
“O contrato de faturização ou factoring é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.” (In CONTRATOS E OBRIGAÇÕES CO- MERCIAIS, p. 469, 15ª edição, 2002, Rio de Janeiro, editora Forense)
Tradicionalmente, temos então que através do contrato de facto- ring (também chamado de fomento mercantil ou faturização), um em- presário (faturizador) presta contínua e cumulativamente ao seu cliente (faturizado) serviços de assessoria mercadológica e creditícia, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a rece- ber etc., conjugada com a aquisição pro soluto de créditos resultantes de vendas mercantis ou de prestação de serviços realizadas a prazo por seus faturizados. Costuma-se dizer que, graças a esses serviços prestados pelas empresas de factoring, o faturizado consegue expandir seus ativos, au- mentar suas vendas, eliminar ou diminuir seu endividamento, e transfor- mar vendas a prazo em vendas à vista.
No entanto, dúvida não há de que a principal atividade integrante do contrato de factoring consiste na compra, pelo faturizador, de créditos titularizados pelo faturizado.
Assim, temos que nessa modalidade contratual uma das partes (fa- turizado) cede à outra (faturizador) créditos de vendas mercantis, assu- mindo esta última o risco de não receber os valores a eles corresponden-
tes, mediante o pagamento de uma comissão. Financia-se o faturizado com o adiantamento da quantia devida pelo comprador (devedor origi- nal), assumindo o faturizador o risco da insolvência ou do inadimplemen- to deste último – circunstância essa que enseja e justifica sua interferência na gestão e na contabilidade do faturizado, exercendo controle e obtendo informações sobre sua atividade.
Diz-se que o factoring não representa uma atividade financeira propriamente dita, mas sim uma operação especulativa, por implicar na assunção do risco de insolvência do devedor original. Ao ceder/alienar seus créditos ao faturizador, o faturizado também transfere a este os ônus e preocupações decorrentes da concessão de crédito aos seus clientes e con- sumidores, pois o faturizador assume integralmente os riscos do inadimple- mento dos devedores, ao passo que, por outro lado, o faturizado garante apenas a existência, a legitimidade e a validade do crédito cedido.
Em síntese, temos que nesse contrato, uma das partes (o faturiza- do) entrega à outra (o faturizador) um crédito de que até então era titular, recebendo, como contraprestação, o valor a ele correspondente, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação. Factoring é, assim, o contrato por via do qual uma das partes cede (vende) a terceiro vários créditos provenientes de vendas mercantis, assumindo este último o risco de não recebê-los, contra o pagamento de determina- da comissão pelo cedente.
2- NATUREZA JURÍDICA
O factoring, em sua essência, se identifica com a cessão onerosa de créditos, visto que há, certamente, a venda do faturamento de uma em- presa para outra. Comparando o instituto com o desconto bancário, tem- se que os fundamentos são os mesmos para ambos: a cessão de créditos e o recebimento dos valores neles expressos, diminuída de uma comissão – maior no caso do factoring por envolver risco para o faturizador, qual seja, o da insolvência do devedor original. Assim, a diferença está na inexistên- cia do direito de regresso no factoring. Xxxxxxx Xxxxx defende a ideia de um contrato bancário atípico que reúne características da cessão de crédito, do mandato e da locação de serviços, distinguindo-se do desconto bancário porque é uma cessão de crédito sem direito de regresso contra o cedente.
Mas o contrato de factoring não se resume à cessão de crédito ape- nas, conforme visto anteriormente. Diz-se que presente se faz, ainda, a prestação de serviços pelo faturizador ao faturizado. Tais serviços envolvem a análise do risco (apuração sobre a eventual negativação dos nomes dos devedores originais junto ao SPC, ao SERASA e aos cartórios de protesto de títulos), e atividades de assessoria mercadológica, creditícia, gestão de cré- dito, acompanhamento de contas a receber, além de outras congêneres.
Diferentemente do que sustenta Xxxxxxx Xxxxx, não nos parece correto afirmar que o factoring traria embutidas em sua natureza jurídica as características do mandato, porquanto naquela operação o faturiza- dor, como cessionário dos créditos a ele transferidos pelo faturizado, age em nome próprio, nunca na qualidade de mandatário deste – até porque, como já se disse, tais créditos são cedidos em caráter pro soluto. Daí não nos parecer totalmente correto afirmar que dentre os serviços prestados estaria incluída a apuração sobre a eventual negativação dos nomes dos devedores originais junto ao SPC, ao SERASA e aos cartórios de protesto de títulos, porquanto tais atividades são realizadas sobretudo no interes- se do faturizador, potencial adquirente dessas obrigações.
Também deve ser rechaçada a ideia de que o factoring embutiria em sua natureza jurídica o contrato de mútuo. Com efeito, o que efetiva- mente existe no factoring é uma transação à vista de compra e venda de direitos. Inexiste no factoring qualquer obrigação, por parte do faturizado, de restituir o numerário recebido do faturizador, uma vez que, a rigor, não há adiantamento, mas sim aquisição, à vista e em dinheiro, de bens mó- veis representados, em geral, por títulos de crédito.
Ainda sobre a natureza jurídica do factoring, afirma Xxxxx Xxxxx
Coelho que...
“A natureza bancária do conventional factoring é indiscutí- vel, à vista da antecipação pela faturizadora do crédito con- cedido pelo faturizado a terceiros, que representa inequívoca operação de intermediação creditícia abrangida pelo art. 17 da LRB. Já em relação ao maturity factoring, em razão da inexistência do financiamento, poderia existir alguma dúvida
quanto ao seu caráter bancário. Ensina Newton de Lucca, no entanto, que, havendo da parte da faturizadora a assunção dos riscos pelo inadimplemento das faturas objeto do contra- to, a faturização se revestirá, também nesse caso, de nítida natureza bancária.” (In CURSO DE DIREITO COMERCIAL, v. 3, 11ª edição, p. 144, São Paulo, editora Saraiva, 2010)
O art. 17 mencionado no acima reproduzido escólio de Xxxxx Xxxxx
Xxxxxx é o da Lei 4.595/64 e possui a seguinte redação:
“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efei- tos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas fí- sicas que exerçam qualquer das atividades referidas nes te artigo, de forma permanente ou eventual.”
Em que pese o magistério de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx acima transcrito, o entendimento predominante nos dias atuais é o de que as empresas de factoring não desempenham qualquer atividade considerada de natureza bancária/financeira, à luz do transcrito dispositivo legal. Considera-se que as empresas de factoring não praticam atos de intermediação mediante simultânea captação e aplicação de recursos de terceiros, valendo-se, na verdade, de recursos próprios na aquisição do faturamento de seus faturi- zados. Diferentemente dos bancos em geral, as empresas de factoring, no desempenho de suas atividades, não utilizam recursos oriundos de depo- sitantes ou de investidores captados junto ao público, limitando-se a atuar a partir de capital próprio, proveniente, em regra, do aporte de sócios ou proveniente de linhas bancárias, mas sempre recursos do próprio risco,
não se cogitando, ao menos em tese, de captação de recursos da poupan- ça popular. Por isso se diz que a empresa de factoring, uma vez que utiliza seus próprios recursos, responde, por si, por eventuais prejuízos decor- rentes de seus negócios, não colocando em risco a poupança do público em geral e, por conseguinte, a higidez do SFN.
De igual modo, essas empresas não captam e não administram se- guros, câmbio, consórcios, títulos de capitalização ou qualquer outro tipo de poupança, permanecendo, assim, afastadas do núcleo material das ati- vidades de índole financeira.
Assim, tem-se que as operações de factoring não envolvem qual- quer intermediação financeira, cujo lucro provenha do diferencial entre as taxas de juros da aplicação do capital e da captação no mercado, tra- tando-se, na verdade, de mera operação de compra, por um preço que se acredita vantajoso, de direitos de crédito, a que se somam prestações de serviços de variada ordem. Nesse sentido, foi o seguinte julgado do STJ:
“As empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que suas atividades regulares de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam ope- ração de mútuo ou captação de recursos de terceiros.” (STJ – 4ª Turma – REsp 938.979/DF – Rel. Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx
– DJe 29.06.2012)
O problema é que o art. 17 da Lei 4.595/64 também se refere à “intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios” como ele- mento caracterizador da atividade financeira. Então, pela dicção literal desse preceito legal, o fato de as empresas de factoring utilizarem recur- sos próprios no desempenho de suas atividades também as classificaria como instituições financeiras.
Para o BACEN, sem dúvida que é muito mais conveniente sustentar o não enquadramento do factoring no rol das atividades típicas das ins- tituições financeiras, de modo a isentar a referida autarquia de exercer fiscalização sobre as inúmeras empresas que atuam nesse ramo por todo o país – o que, aliás, demandaria uma estrutura e um aparelhamento difí- ceis de serem adequadamente supridos.
De toda sorte, parece mesmo não haver muito sentido na qualifi- cação, como exercente de atividade financeira, de alguém que realize as
atividades descritas na segunda parte do caput do art. 17 da Lei 4.595/64 com recursos próprios. Com efeito, se afigura extremamente difícil a con- cepção de alguma situação concreta em que alguém possa “coletar” (ob- ter, captar, recolher) ou “intermediar” (deslocar de um lugar para outro) recursos “próprios”, de modo a caracterizar tal ato como atividade finan- ceira, pois tais elementos (coleta e intermediação) só se tornam viáveis em termos práticos se se referirem a recursos de terceiros.
Além disso, se levarmos ao pé da letra o disposto no parágrafo único do comentado art. 17, teríamos que entender, então, que a pessoa física que aplica recursos financeiros próprios de forma eventual estaria invaria- velmente submetida à Lei 4.595/64, e converteria qualquer indivíduo que emprestasse a um amigo dinheiro auferido de seu trabalho a juros de 1% ao mês (prática perfeitamente lícita) em exercente de atividade típica de instituição financeira – o que soaria verdadeiro absurdo.
Xxxxxxxxxx se fazer, então, uma interpretação restritiva do art. 17 da Lei 4.595/64, ignorando-se a parte em que tal preceito alude a “recursos financeiros próprios”, e mantendo-se apenas aquela que se refere a “recur- sos financeiros de terceiros”.
Na esteira do raciocínio aqui desenvolvido, cumpre registrar que a menção a “recursos financeiros próprios” foi vetada no art. 1º da Lei 7.492/86, que tipifica os crimes contra o sistema financeiro nacional, tendo a redação desse preceito se referido ao final, apenas, a recursos financeiros de terceiros.
Por outro lado, não se deve olvidar que o CC de 2002, pelo art. 645 combinado com o art. 587, estabelece que o depósito irregular (de coisas fungíveis) opera a transferência do domínio da coisa depositada.
Por essa regra, o numerário obtido pelas instituições financeiras junto a terceiros, uma vez lá depositados por seus correntistas e investi- dores, passam para a propriedade dos bancos – o que leva à conclusão de que, a rigor, tecnicamente falando, os recursos por eles intermediados ou aplicados seriam sempre próprios, e nunca de terceiros.
Porém, adverte Xxxxx Xxxxx Xxxxxx que “se (a norma que estiver sen- do interpretada) possui apenas significado comum, não convém obscurecê-lo ou restringi-lo com tecnicalidades, presumindo-se que a autoridade a empre- gou em seu sentido corriqueiro” (In CURSO DE DIREITO CIVIL, v. 1, 1ª edição,
p. 93, São Paulo, editora Saraiva, 2003). Ou seja, deve-se partir da premissa de que o legislador, no caso, empregou a linguagem comum, e não a do Direito
técnico, já que a interpretação lógica do dispositivo em apreço revela indubi- tavelmente tal circunstância.
Então, estabeleceu-se em sede doutrinária, administrativa e juris- prudencial que as empresas de factoring simplesmente não poderiam agir regressivamente contra o faturizado que lhe houvesse cedido um cré- dito não satisfeito por seu devedor original, fixando-se, dessarte, um tra- ço que diferenciasse essa modalidade contratual do desconto bancário – este sim, indiscutivelmente, considerado atividade privativa de instituição financeira, em cujo âmbito os créditos transferidos pelo cliente bancário o são em caráter pro solvendo, responsabilizando-se este subsidiariamen- te pelo cumprimento da obrigação, que se pressupõe ter sido endossada sem qualquer ressalva. Assim, enquanto o factoring configura uma sim- ples compra de ativos financeiros por parte do faturizador, que realiza tal aquisição com recursos próprios, o desconto bancário traz em seu bojo a ideia de mútuo (empréstimo), podendo o estabelecimento de crédito utilizar recursos captados de terceiros.
Enfim, com base em tais argumentos, tem predominado o entendi- mento segundo o qual a empresa de fomento mercantil não se confunde com banco, nem se identifica como instituição financeira, conforme as atividades descritas no art. 17 da Lei 4.595/64. Seu funcionamento, portanto, não es- taria a depender de autorização do BACEN, nem sua atividade se submete à fiscalização da referida autarquia, bastando, para a sua regularidade formal, o mero registro na Junta Comercial do Estado onde estiver situada a sua sede.
A propósito, convém ressaltar que o art. 1º da Resolução CMN
2.144/95 assim estabelece:
“Art. 1º. Esclarecer que qualquer operação praticada por em- presa de fomento mercantil (‘factoring’) que não se ajuste ao disposto no art. 28, § 1º, alínea ‘c.4’, da Lei nº 8.981, de 20.01.95, e que caracterize operação privativa de instituição financeira, nos termos do art. 17, da Lei nº 4.595, de 31.12.64, constitui ilícito administrativo (Lei nº 4.595, de 31.12.64) e criminal (Lei nº 7.492, de 16.06.86).”
3- CLASSIFICAÇÃO
O contrato de factoring pode ser classificado da seguinte forma:
Bilateral
Há obrigações e direitos recíprocos entre o faturizador e o faturiza- do. Àquele incumbe prestar os serviços ajustados no contrato, e pagar ao faturizado as importâncias relativas às faturas que lhe são apresentadas, enquanto que, para este, há a obrigação de remunerar o faturizador atra- vés do pagamento de comissões, bem como de submeter ao faturizador as contas dos clientes, oportunizando a este rejeitar aquelas de pouca qualidade ou de difícil recebimento.
Consensual
O contrato de factoring pode, em tese, ser celebrado verbalmente, não demandando ser reduzido a escrito, muito embora esta seja a forma mais comum de representação desse ajuste. Não se exige, de igual modo, a efetiva tradição ou transferência de créditos ao faturizador para a sua perfeita confi- guração, sendo suficiente o mero acordo de vontades nesse sentido.
Comutativo
Em tese, as prestações de ambas as partes no contrato de factoring, uma para com a outra, são certas e determinadas, inexistindo álea a interfe- rir no objeto do contrato e das obrigações que lhe são correspondentes.
Para o faturizador, no entanto, há uma certa álea no que diz respei- to à perspectiva de recebimento do crédito cedido, uma vez que, em caso de insolvência do devedor original, o cessionário do título arcará com o prejuízo, não havendo possibilidade de ação regressiva contra o faturiza- do/cedente.
Oneroso
O contrato de factoring qualifica-se como oneroso, por dele resul- tarem vantagens para ambas as partes. O faturizador é remunerado por uma comissão e por ágios (juros) correspondentes aos adiantamentos fei- tos por ele ao faturizado, enquanto que a vantagem para o faturizado é a antecipação dos valores de seus créditos contra terceiros e a supressão do risco de não recebimento pela insolvência destes, prevenindo-o do não pagamento.
A remuneração do faturizador é a comissão ou diferencial entre o valor de face do título cedido e o valor pago à vista, por ocasião da cessão de crédito operada em seu favor pelo faturizado.
Há, por outro lado, encargos que ambas as partes devem cumprir para obter as vantagens asseguradas no contrato, como é intuitivo.
De execução continuada
Trata-se de contrato que se estende no tempo, tendo ambas as par-
tes obrigações contínuas a serem adimplidas em prestações periódicas.
Intuitu personae
O contrato de factoring pressupõe ainda uma relação de exclusi- vidade entre o faturizado e o faturizador, uma vez que, em geral, não se admite possa aquele manter concomitantemente idênticos ajustes desse tipo com outras empresas do ramo.
Interempresarial
No contrato de factoring, as partes contratantes – faturizado e fa- turizador – são ambos empresários, podendo ser pessoas físicas ou jurí- dicas. Trata-se de negócio com nítidos contornos interempresariais, uma
vez que celebrado no interesse do desenvolvimento de atividades econô- micas organizadas. Presume-se que o valor recebido pelo faturizado ao ceder seu crédito ao faturizador há de ser utilizado na consecução de suas atividades empresariais, como também é em benefício destas que os ser- viços prestados por este último são executados.
De adesão
Na maioria das vezes, as cláusulas do contrato de factoring são di- tadas unilateralmente pelo faturizador, sendo oferecidas de modo padro- nizado aos potenciais faturizados. No entanto, excepcionalmente pode se dar que os termos desse ajuste sejam acordados de forma paritária entre as partes, embora esta não seja a situação mais comum.
Atípico
O contrato de factoring se classifica como atípico, diante da inexis-
tência de lei específica destinada a regulá-lo.
Mas, embora se trate de um contrato atípico, o factoring recebeu menção no texto da Lei 9.249/95, que “altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências”, conforme se verifica da leitura de seu art. 15, § 1º, III, alínea “d”, abaixo reproduzido:
“Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observa- do o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de ja- neiro de 1995.
§ 1º. Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:
III – trinta e dois por cento, para as atividades de:
d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de ris- cos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).”
Constata-se, assim, a existência de lei que, embora não voltada pro- priamente para a regulamentação do instituto, apresenta em linhas gerais as atividades que irão caracterizar esse tipo de contrato.
4 – MODALIDADES
Convencional
Esta modalidade é, de longe, a mais praticada no Brasil. Esta ope- ração de factoring envolve a compra de crédito com vencimento em data futura e prestação de serviços convencionais ou usuais, em conjunto ou separadamente.
A compra de crédito é realizada conforme prevê a legislação vigente, utilizando-se o instituto da cessão de crédito (para aquisição do crédito) e o endosso (para a transferência dos títulos cedidos). Ou seja, o empresá- rio/faturizado cede seus créditos oriundos de operações mercantis, repre- sentado, via de regra, por duplicata ou cheque pós-datado, servindo-se do contrato atípico de fomento mercantil que contém, no seu bojo, a cessão de crédito a ser efetivada através de endosso no título correspondente.
Muitas vezes, a compra de crédito constitui não somente a base, mas também o único produto oferecido pelas empresas de factoring, em razão da extrema necessidade de giro das empresas faturizadas.
Como já se acentuou, o conventional factoring se dá quando os créditos cedidos pelo faturizado ao faturizador tiverem vencimento em data futura. O faturizador efetua o pagamento ao faturizado referente à
aquisição desses créditos por ocasião da correspondente cessão, mas somente poderá realizar a cobrança junto ao devedor original a partir da data de seu vencimento.
Matéria-prima
Nesta modalidade, o faturizado não terá como fomento recursos fi- nanceiros, mas matéria-prima/insumo e estoque para sua produção (ma- nufaturação ou industrialização), cujo custo será bancado pelo faturizador junto ao fornecedor, que, por sua vez, terá, em contrapartida, direito de exclusividade sobre a venda dos produtos oriundos dessa matéria-prima. A empresa de factoring, neste caso, transforma-se em intermediá-
ria entre a empresa faturizada e seu fornecedor de matéria-prima. O fa- turizador compra à vista o direito futuro desse fornecedor, e o faturizado promove-lhe o reembolso com o faturamento gerado pela transformação dessa matéria-prima.
Ou seja, a empresa de factoring assume, junto ao fornecedor, o pagamento à vista ao faturado do produto (matéria-prima/insumo). Essa responsabilidade pelo pagamento poderá ser direta ou indireta. Direta, se em nome próprio adquirir o produto, assumindo a responsabilidade junto ao fornecedor como principal ou único devedor. E indireta, se apenas se responsabilizar como devedor principal ou único responsável pelo paga- mento, mas figurando como comprador o faturizado.
O objeto desta modalidade é a antecipação de recursos não finan- ceiros ao faturizado para a aquisição de matéria-prima, por preço certo e determinado.
Maturity
A palavra maturity, de origem inglesa, se traduz “no vencimento”. Tal modalidade também é conhecida como factoring sem financiamento. O faturizador adquire os títulos e faz o pagamento ao faturizado somente no vencimento daqueles.
O objeto do contrato é a cessão de crédito e a prestação de serviços convencionais. Não se cogita aqui de qualquer adiantamento, devendo a
remuneração do faturizador representar, tão somente, o custo do risco assumido pela insolvência do devedor original. Esta, então, parece ser a única vantagem para o faturizado, qual seja, a de não correr os riscos de- correntes de uma possível insolvência do devedor do crédito cedido, já que tal operação, como se disse, não envolve adiantamento de valores.
Importação-exportação
É também conhecida por factoring internacional. A operação de factoring é internacional quando transcende o âmbito de um país, ou seja, quando os seus elementos estão em contato com mais de uma or- dem jurídica. Nessa modalidade, a exportação é intermediada por duas empresas de factoring (uma de cada país envolvido), que garantem a ope- racionalidade e a liquidação do negócio.
Tal modalidade é voltada exclusivamente para o campo do comércio exterior, onde o factoring atua em três frentes: importação, exportação e a chamada “garantia” ou securitização, e onde o faturizador adquire, atra- vés de cessão, o crédito que o faturizado possui com o importador.
Trustee
As operações de factoring na modalidade trustee não são muito comuns no Brasil. Nesta operação, o faturizador passa a dirigir e admi- nistrar as contas do faturizado, caracterizando uma parceria, confiando (trustee-fidúcia-confiança) a gestão das contas a receber de sua empresa à empresa de factoring.
No trustee, não ocorre a cessão de crédito, mas o faturizador po- derá receber do faturizado títulos de créditos (duplicatas, promissórias, etc.) tão somente para cobrança através de endosso-mandato, e não por endosso translativo como ocorre na cessão de crédito.
O objeto do contrato é a prestação de serviços diferenciados, que envolvem a gestão das contas a receber da empresa faturizada, consulto- ria, parceria, etc..
5 – FACTORING E CESSÃO DE CRÉDITO
Como já se disse anteriormente, no contrato de factoring ocorre uma cessão de crédito feita pelo faturizado em favor do faturizador.
O faturizado é titular de um crédito contra um terceiro (devedor original) – crédito esse, normalmente, com data de vencimento futura (conventional factoring), embora se admita o crédito pagável à vista como objeto desse ajuste (maturity factoring) – e o cede para o faturizador.
Esse crédito, na grande maioria das vezes, é consubstanciado em um título cambial, como uma duplicata, uma nota promissória, uma letra de câmbio, ou mesmo um cheque pós-datado, operando-se sua cessão ao faturizador através de endosso. No entanto, afigura-se perfeitamente possível que outros documentos não cambiariformes representativos de créditos de outras naturezas sejam negociados no âmbito de um contra- to de factoring, desde que dotados de eficácia executiva ou monitória, como, por exemplo, uma escritura pública de confissão de dívida.
Ocorrendo uma cessão de crédito do faturizado ao faturizador, são aplicáveis as regras do CC acerca desse instituto a tal relação jurídica. Uma dessas regras é aquela prevista no art. 290, que assim dispõe:
“Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.”
Faz-se então necessário que o devedor original seja notificado so- bre a cessão realizada por seu credor, a fim de que, quando do vencimen- to da obrigação, esta possa ser regularmente adimplida junto a quem de direito, sob pena de ineficácia. E embora se reconheça que o cessionário é o maior interessado em promover essa notificação, tal ônus pode ser “atribuído a qualquer das partes envolvidas na cessão de crédito” (TJBA
– 5ª Câmara Cível – Apelação Cível 29778-6/2009 – Rel. Des. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxx – julgado em 06.10.2009).
No entanto, conforme visto anteriormente, na maioria das vezes o contrato de factoring envolve a cessão de títulos cambiais, como duplica- tas e notas promissórias. Quando é assim – e normalmente o é –, intui-se não haver qualquer necessidade de ser o devedor original notificado des- sa cessão. Isso porque as obrigações cambiais se revestem de natureza quesível (quérable), conforme se depreende da leitura do art. 38 da LUG abaixo transcrito:
“Art. 38. O portador de uma letra pagável em dia fixo ou a certo termo de data ou de vista deve apresentá-la a paga- mento no dia em que ela é pagável ou num dos 2 (dois) dias úteis seguintes.
A apresentação da letra a uma câmara de compensação equivale à apresentação a pagamento.”
No tocante especificamente às duplicatas, a Lei 5.474/68 apresenta solução equivalente ao remeter o tema à LUG, como se infere de seu art. 25:
“Art. 25. Aplicam-se à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pa- gamento das Letras de Câmbio.”
Assim, por sua natureza quesível, nas obrigações cambiais incum- be ao credor o ônus de se dirigir ao devedor para efetuar a cobrança de seu crédito, cuja legitimidade pode ser atestada através da simples posse do título correspondente (a menos que tenha havido endosso em preto, quando então será necessária a perfeita identificação do cessionário, em correspondência com o nome aposto no ato translativo). Despicienda, portanto, seria a notificação do devedor original para tomar ciência dessa cessão, bastando que seu legítimo titular/beneficiário se apresente para cobrar o crédito consubstanciado no título.
No mesmo sentido aqui sustentado é o magistério de Xxxxxx Xx- xxxxx Xxxxxxxxx, ao comentar a questão da notificação do devedor nas cessões de crédito:
“Alguns créditos dispensam a notificação, porque sua trans- missão obedece a forma especial, como, por exemplo, os títulos ao portador, que se transferem por simples tradição manual (CC, art. 904), e as ações nominativas de sociedades anônimas, transmissíveis pela inscrição nos livros de emissão, mediante termo (Lei n. 6.404/76, art. 31, § 1º), bem como os títulos transferíveis por endosso.” (In DIREITO CIVIL BRASI- LEIRO, v. II, p. 208, editora Saraiva, 2004)
Portanto, a rigor, a notificação de que trata o art. 290 do CC somen- te se justifica em obrigações portáveis (portables), nas quais incumbe ao próprio devedor a iniciativa de contactar o credor para realizar o paga- mento – o que não costuma ocorrer no contrato de factoring, embora teoricamente possível.
Quanto ao modus operandi da cessão de crédito realizada pelo fa- turizado ao faturizador, tem que, em se tratando de obrigação consubs- tanciada em título cambial, deve-se realizar o endosso (LUG, art. 14).
Ocorre que o endosso acarreta, para quem o pratica, a responsa- bilidade pelo pagamento correspondente, como devedor solidário do emitente original. Conforme magistério de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxx Xxxxxx, tem-se que...
“A integração do endossante, como devedor, na relação cam- biária visa a proteger o terceiro adquirente do título, e, as- sim, facilitar a sua circulação. O endossante é devedor indire- to porque a sua obrigação só pode ser exigida se o portador comprovar, pelo protesto, que apresentou o título à pessoa designada pela lei, e esta não efetuou o pagamento (LUG, art. 53, e LC, art. 47, II). A solidariedade cambiária dos de- vedores decorre de lei, e, em consequência, o portador tem
o direito de demandar todos os obrigados, individual ou co- letivamente, sem estar obrigado a observar a ordem em que se obrigaram (LUG, art. 47, als. 1ª e 2ª, e LC, art. 51 e seu § 1º)”. (In TÍTULOS DE CRÉDITO, 5ª edição, p. 221/222, Rio de Janeiro, editora Renovar, 2007)
O endossante, via de regra, assume a posição de garantidor da obri- gação cambial transferida – situação essa que não se compatibiliza com o factoring, já que em tal modalidade contratual não se concebe direito de regresso do faturizador contra o faturizado, caso o devedor original se torne inadimplente ou mesmo insolvente.
Ou seja, tendo o faturizado transferido o título de crédito ao faturiza- dor mediante endosso, teria aquele natural responsabilidade pelo não pa- gamento da obrigação pelo devedor original, como decorrência típica desse ato translativo. Só que, pelo contrato de factoring, não pode o faturizador agir regressivamente contra o faturizado nessa hipótese, sob pena de desfi- guração desse tipo de ajuste. Como, então, conciliar essas situações?
No contrato de factoring, havendo a transferência de título cam- bial para o faturizador, esta deve se proceder através do chamado en- dosso sem garantia, admitido na ressalva contida no art. 15 da LUG, abaixo reproduzido:
“Art. 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garan-
te tanto da aceitação como do pagamento da letra (...).”
No mesmo sentido dispõe o art. 21, caput da Lei 7.357/85, sobre o cheque:
“Art . 21. Salvo estipulação em contrário, o endossante ga- rante o pagamento.”
Ademais, a própria legislação cambial admite que se vede a circula- ção do título por endosso, mediante a aposição da cláusula “não à ordem”
(LUG, art. 11, AL. 2, e Lei 7.357/85, art. 17), possibilitando a transferência do título somente mediante cessão do crédito correspondente, na forma do CC.
Assim, no contrato de factoring, o endosso translativo da proprieda- de do título deve conter a cláusula sem garantia, cujos efeitos equivalem ao da cessão de crédito comum prevista no CC, de modo a obstar o fatu- rizador de imputar qualquer responsabilidade ao faturizado/endossante pela eventual insolvência ou inadimplência do devedor original. É, pois, perfeitamente válida e eficaz a manifestação do endossante no sentido de não garantir o aceite e/ou o pagamento do título. Ao ser inserida a cláu- sula de não garantia, o endosso servirá apenas para justificar a circulação do título e a legitimação do portador, operando o mesmo efeito da cessão de crédito de que tratam os arts. 286 e seguintes do CC.
Mas Xxxx Xxxxxxx observa que, no tocante especificamente às du- plicatas,...
“Essa solução para a transferência do crédito pelo endosso sem garantia da duplicata por parte do faturizado ao fatu- rizador é, na realidade, uma solução apenas aparente. Isso porque, nas duplicatas de fatura, como nos títulos de crédito em geral, o emitente ou sacador, que no caso da duplica- ta é o vendedor (faturizado) que extrai a fatura, pode exo- nerar-se da aceitação do título, mas não pode eximir-se do pagamento (Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, art. 9º). Quando extrai uma duplicata, o ven- dedor ocupa no título duas posições: a de sacador, pois é ele o proprietário original de crédito, e a de tomador ou bene- ficiário, já que a dívida deve ser paga a ele ou à sua ordem. Assim, quando endossa a duplicata, o vendedor o faz como beneficiário ou tomador, que é o único que pode endossar a duplicata por ser aquele a quem a mesma deve ser paga. Mas, se o tomador-endossante pode eximir-se do pagamen- to, de modo subsidiário, àquele a quem o título foi endos- sado, para isso utilizando-se de um endosso sem garantia, como emissor do título não pode ele eximir-se da responsa- bilidade de pagar à pessoa a quem a duplicata foi transferi-
da já que a lei, aplicável às duplicatas, estatui peremptoria mente que ‘toda e qualquer cláusula pela qual ele se exonere da garantia de pagamento considera-se como não escrita’. Nessas condições, sendo característica essencial do con- trato de faturização a isenção do faturizado da responsabili- dade de pagar o crédito cedido caso o comprador das merca- dorias não o faça – o que torna o contrato de factoring uma operação de risco, portanto especulativa, e não uma opera- ção de crédito, como são as operações bancárias –, sendo a duplicata o único título válido para a cobrança das vendas a prazo (Lei nº 5.474/68, art. 2º), o endosso sem garantia não soluciona o problema da isenção da responsabilidade do sacador do título (faturizado), a não ser que não fosse levada
em conta aquela isenção que é da natureza do contrato”.
E conclui o saudoso jurista:
“Por isso, no nosso entender, para a regulamentação do con- trato de factoring a fim de ser o mesmo introduzido legalmen- te no país, necessário se faz que seja modificado o art. 2º da Lei das Duplicatas para permitir que outros títulos, que não a duplicata – a letra de câmbio, por exemplo – possam servir de instrumento de cobrança das vendas a prazo, feitas com ven- dedor e comprador localizados em território nacional. Se assim acontecer, o faturizado, por documento particular, transfere à empresa de faturização os créditos dos seus clientes que se- jam aceitos pelo faturizador. Esse, não sendo o vendedor e sim apenas o cessionário dos créditos, não pode emitir duplicatas contra o comprador; mas, se a lei, uma vez modificada, permi- tir a cobrança dessa venda a prazo por outros títulos que não a duplicata, o faturizador poderá sacar uma letra de câmbio contra o comprador das mercadorias, sendo resguardada, des- se modo, a característica principal do contrato de faturização, que é a isenção de responsabilidade do faturizado ou cedente do crédito pelo pagamento deste por parte do comprador.” (In CONTRATOS E OBRIGAÇÕES COMERCIAIS, 14ª edição, p.
474/475, Rio de Janeiro, editora Forense, 1999).
De nossa parte, entendemos que o posicionamento adotado por Xxxx Xxxxxxx – qual seja, o de não admitir o endosso sem garantia nas operações de factoring que envolvam a transferência de duplicatas – se afigura de rigor extremado, e não leva em conta os comandos contidos no art. 5º da LICC e nos arts. 421 e 425 do CC. Com efeito, o factoring cons- titui um instituto jurídico próprio, com conteúdo e estrutura peculiares. Não se mostra razoável, data venia, o raciocínio que se apega à dicção estrita e literal do art. 9º da LUG, sem que tal dispositivo seja interpretado de forma temperada, à luz das características inerentes ao factoring e de toda a repercussão econômica e social que desse contrato advém. Possí- vel, a nosso sentir, o endosso sem garantia em operação de factoring que tenha por objeto uma duplicata.
Ainda sobre o endosso sem garantia, há uma situação em que será possível ao faturizador voltar-se contra o faturizado pelo não recebimento do valor correspondente ao crédito cedido, mesmo que tal cláusula tenha sido inserida quando da transferência do título. Será quando o crédito tiver origem em uma operação inexistente, fraudulenta. Ou seja, o não re- cebimento do crédito, pelo faturizador, não decorreu do inadimplemento ou da insolvência do devedor original, mas teve fundamento na constata- ção de que sua origem era fictícia, resultante da conduta ardilosa de quem concebeu sua criação – que pode ter sido o próprio faturizado ou algum terceiro. Confira-se o estatuído no art. 295 do CC:
“Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; (...).”
Portanto, o direito de regresso do faturizador contra o faturizado somente se concebe na hipótese de ser a obrigação cedida inexistente, fraudulenta, fictícia. Se o motivo do não recebimento do crédito cedido ao faturizado for tão somente o inadimplemento do devedor original, en- tão não há que se falar em tal direito de regresso, sob pena de se estar praticando operação equivalente ao desconto bancário, que é privativa de instituição financeira – o que, repita-se, o faturizador não é.
6 – CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO DO DEVEDOR ORIGI- NAL NO CONTRATO ENTRE O FATURIZADO E O FATURIZADOR
Feita a cessão de crédito pelo faturizado ao faturizador, cumpre agora analisar a crucial questão do inadimplemento do devedor original da obrigação cedida, e sua repercussão no contrato de factoring.
Pode ocorrer que, após receber em cessão um crédito oriundo do faturizado, o faturizador constata, no vencimento, que a obrigação cor- respondente não foi satisfeita pelo devedor original. Nessa hipótese, con- tudo, não pode o faturizador se voltar contra o faturizado para receber o valor que lhe é devido – seja protestando o título, seja adotando qualquer outra medida de cobrança –, pois este não responde pela solvência do de- vedor original do crédito cedido, conforme revelado pelos art. 296 do CC:
“Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não res- ponde pela solvência do devedor.”
Tem-se, portanto, que, inadimplente ou insolvente o devedor origi- nal do crédito ao faturizador, não poderá este protestar o título e agir re- gressivamente contra o faturizado que lho endossou, pois esse endosso é (ou ao menos deveria ser) feito sem garantia. A jurisprudência vem enten- dendo que esse direito de regresso em cogitação, se exercido pelo faturiza- dor contra o faturizado, converteria o factoring em desconto bancário, que constitui operação típica de instituição financeira – algo que o faturizador não é e não tem autorização para atuar como tanto. Confira-se:
“COMERCIAL – ‘FACTORING’ – ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – INAPLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.
I – O ‘factoring’ distancia-se de instituição financeira justa- mente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou en- dosso. Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros
permitidos às instituições financeiras. E que as empresas que operam com o ‘factoring’ não se incluem no âmbito do siste- ma financeiro nacional.
II – O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17 da Lei 4.595/64, são operações típicas, privativas das insti- tuições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental.
III – Recurso não conhecido.” (STJ – 3ª Turma – REsp 119.705/ RS – Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx – DJ 29.06.1998, p. 161)
“AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DECLARATÓRIA – NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS – EMPRESA DE FACTORING – RE- ALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO – IMPOSSIBILI- DADE – PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – PRE- CEDENTES DESTA CORTE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA/STJ – ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO –PROBATÓRIO – REEXAME DE PROVAS – ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ
– MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA - AGRAVO IMPRO-
VIDO.” (STJ – 3ª Turma – AgRg no Ag 1.071.538/SP – Rel. Min.
Xxxxxxx Xxxxx – DJe 18.02.2009)
No voto do relator restou, consignado o seguinte:
Como é de entendimento pacífico na jurisprudência, é vedada às empresas de ‘factoring’ a realização de simples operações de crédito direto, como o mútuo em dinheiro. Essas operações de crédito, como atividade empresarial, são restritas às insti- tuições financeiras regulares autorizadas pelo Banco Central.
É vedado também a elas realizar descontos de títulos, poden- do apenas adquiri-los com deságio, caracterizando-se sua
atividade como uma operação de risco, não permitindo exigir garantia de pagamento de forma regressiva.
(...)
É notório, entretanto, que as empresas de ‘factoring’ costu- mam assumir uma interpretação equivocada da natureza e limites de suas atividades e habitualmente pretendem garan- tir-se, inserindo estipulações contratuais de garantia da idonei- dade dos títulos e exigindo a emissão de cambiais semelhantes aos tratados nos autos, para, através deles, cobrar seus prejuí- zos perante a faturizada, num ilegítimo direito de regresso.
No caso dos autos, foi isso que ocorreu.
Como a ré não podia legalmente descontar títulos, sejam quais forem os termos do contrato que celebrou com a auto- ra, deve a operação ser interpretada apenas como a aquisi- ção por cessão do faturamento representado pelas duplica- tas. Não sendo essas duplicatas pagas, embora protestadas, como foi demonstrado pelos documentos que instruíram a contestação, o risco era exclusivo dela, que só poderia voltar- se em ações próprias contra os sacados, sem o direito de re- gresso representado pelas duplicatas.
Não se revestiam as notas promissórias, portanto, de liqui- dez, certeza e muito menos de exigibilidade, não podendo ser protestadas (...).
Tal entendimento coaduna-se com a jurisprudência desta Corte, que já se manifestou no sentido de que o ‘factoring’ distancia-se de instituição financeira, porquanto as empre- sas que operam nesse ramo não se incluem no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, sendo que os seus negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia repre- sentada pelo aval ou endosso. Dessa forma, o empréstimo e
o desconto de títulos, a teor de art. 17, da Lei 4.595/64, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, de- pendendo sua prática de autorização governamental (...)”.
Daí tem-se que o faturizador assume integralmente o risco sobre o recebimento do crédito cedido pelo faturizado – e é justamente para isso que ele é remunerado –, evidenciando o caráter especulativo do contrato de factoring.
7 – EMPRESAS DE FACTORING E REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO
Já vimos que as empresas de factoring não dependem de prévia au- torização do BACEN para dar início às suas atividades, mas que, para a sua regularidade formal, é necessário que estejam devidamente registradas na Junta Comercial de seu Estado.
Entretanto, ainda pende a controvérsia sobre a obrigatoriedade ou não do registro dessas empresas no Conselho Regional de Administração do Estado onde forem sediadas.
Segundo Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx,...
“As empresas de factoring que atuam na modalidade conven- cional não estão no alcance da fiscalização profissional do Conselho Federal de Administração, pela singela e boa razão que sua atividade-fim não se enquadra nas hipóteses elenca- das como ‘natureza administrativa’, nos termos da legislação desta atividade. Senão vejamos:
A Lei 4.769/65, regulamentada pelo Dec. 61.934/67, que dispõe sobre o exercício da profissão de administrador, esta- belece as funções exercidas pela atividade, quais sejam: ‘a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;
b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento,
implantação, coordenação e controle dos trabalhos no cam- po da Administração, como administração e seleção de pes- soal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, administração mercado- lógica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que desdobrem ou aos quais sejam conexos’, conforme elencou o art. 2.º da citada Lei.
O exercício destas atividades é privativo: ‘a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Empresas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido; b) dos diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação do diploma no Ministério da Educação, bem como dos diplomados, até a fixação do referido currículo, por cursos de bacharelado em Administração, devidamente reconhecidos; e c) dos que, em- bora não diplomados nos termos das alíneas anteriores, ou diplomados em outros cursos superiores e de ensino médio, contem, na data da vigência desta Lei, cinco anos, ou mais, de atividades próprias no campo profissional de Administra- dor definido no art. 2º’ (art. 3.º da Lei 4.769 de 1965).
Indisfarçadamente, as modalidades de factoring: I) con- vencional; II) maturity; III) matéria-prima; e iv) importa- ção-exportação, em razão das atividades exercidas pelo factor, nem de longe estão ou poderão estar enquadradas pela Lei 4.769/65.
Com efeito a única modalidade de factoring que, em tese, admite-se discutir essa possibilidade é a modalidade co- nhecida como trustee, conforme veremos adiante."(In "INEXIGIBILIDADE DO REGISTRO DE EMPRESA DE FACTO- RING JUNTO AO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRA-
ÇÃO", Revista dos Tribunais, ano 92 – volume 810 – abril
de 2003 – páginas 84/85).
As ponderações formuladas pelo referido autor foram encampadas por alguns julgados da 1ª Turma do STJ, que igualmente consideraram ine- xigível o registro das empresas que desenvolvem atividade de factoring no referido órgão de classe. Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NO CON- SELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. EMPRESA DE FAC- TORING. INEXIGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.” (STJ – 1ª Turma – REsp 955.353/SC – Rel. Min.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx – Dje 05.03.2009)
“(...) 3. As empresas que desempenham atividades relacio- nadas ao factoring estão dispensadas da obrigatoriedade de registro no Conselho Regional de Administração porquanto comercializam títulos de crédito. 4. As atividades desempe- nhadas pelas empresas de factoring na modalidade conven- cional, que envolve funções de compra de crédito (cessão de crédito) e prestação de serviços convencionais (análise de riscos dos títulos e cobrança de créditos da faturizada) não estão no alcance da fiscalização profissional do Conselho Fe- deral de Administração - CRA, porquanto sua atividade-fim não se enquadra nas hipóteses elencadas como de natureza administrativa. (...)” (STJ – 1ª Turma – REsp 932.978/SC – Rel. Min. Xxxx Xxx – Dje 01.12.2008)
Todavia, a 2ª Turma vem entendendo justamente o contrário, ou seja, que as empresas de factoring devem, sim, se registrar no Conselho Regional de Administração, conforme se verifica a seguir:
“As empresas que se dedicam à atividade de factoring estão sujeitas a registro no Conselho Regional de Administração.” (STJ – 2ª Turma – AgRg no Ag 1.252.692/SC – Rel. Min. Xxxxxx Xxxxx – DJe 26.03.2010)
“A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que as empresas que têm como objeto a exploração do factoring estão sujeitas à inscrição no respec- tivo Conselho Regional de Administração.” (STJ – 2ª Turma
– REsp 1.013.310/RJ – Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx – DJe
24.03.2009)
“As empresas que desempenham atividades relacionadas ao factoring não estão dispensadas da obrigatoriedade de registro no Conselho Regional de Administração porquanto comercializam títulos de crédito, utilizando-se de conheci- mentos técnicos específicos na área da administração merca- dológica e de gerenciamento, bem como de técnicas adminis- trativas aplicadas ao ramo financeiro e comercial.” (STJ – 2ª Turma – REsp 497.882/SC – Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx
– DJ 24.05.2007, p. 342)
“A jurisprudência da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que as empresas que se dedicam à atividade de factoring estão sujeitas a registro no Conselho Regional de Administração.” (STJ – 2ª Turma – EDcl no REsp 1.297.606/MG – Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx – DJe 19.12.2012)
De nossa parte, pensamos que a melhor solução é mesmo a pre- conizada pela 2ª Turma do STJ, que vem decidindo pela obrigatoriedade daquele registro. Com efeito, vimos nos itens 1 e 2 que o factoring, ao me- nos em tese, não se restringe à compra de créditos pertencentes ao faturi- zado, mas envolve também a prestação de serviços pelo faturizador a este último. Dissemos que os serviços convencionais envolvem atividades de assessoria mercadológica, creditícia, seleção de riscos, gestão de crédito, acompanhamento de contas a receber, e outros congêneres, os quais de- notam haver de modo muito claro, efetiva ou potencialmente, uma forte ingerência do faturizador na administração das finanças do faturizado.
A propósito, assim estabelece o art. 1º da Lei n. 6.839/80:
“Art. 1º. O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigató- rios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.”
A empresa de factoring, no desempenho das atividades que lhe são inerentes, claramente faz uso de conhecimentos técnicos específicos da área da administração mercadológica e de gerenciamento, bem como de técnicas administrativas aplicadas ao ramo financeiro e comercial, po- dendo, assim, interferir na contabilidade e na gestão do faturizado para exercer controle da atividade empresarial no que tange aos clientes com quem contrata, para, com isso, minimizar o risco de inadimplência do de- vedor cambiário. Portanto, enquadra-se o faturizado perfeitamente no art. 3º do Dec. 61.934/67, referido no escólio acima transcrito da lavra de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, de quem pedimos vênia para divergir.
Por outro lado, não nos parece prudente que uma atividade séria e complexa como o factoring, com todas as repercussões econômicas que lhe são inerentes, e que já não se submete ao poder de polícia do BACEN, permaneça também imune à fiscalização e aos regramentos emanados do Conselho de Administração.
8 – REPERCUSSÕES CRIMINAIS NA OPERAÇÃO DE FACTORING
No item 2, vimos que o art. 17 da Lei 4.595/64 considera como insti- tuição financeira a pessoa jurídica que promove a “intermediação ou apli- cação de recursos financeiros próprios”.
Vimos também que as empresas de factoring, no desempenho de sua atividade de compra de ativos financeiros, utilizam (ou ao menos de- vem utilizar) efetivamente recursos próprios (e não de terceiros) – o que, no rigor da dicção legal, deveria constituir uma circunstância que as en- quadrasse no referido art. 17 da Lei 4.595/64.
Apesar disso, o BACEN e a jurisprudência amplamente dominante não têm considerado que essas empresas faturizadoras exerçam ativida- des privativas de instituições financeiras, pelo que seu funcionamento não está condicionado à prévia autorização daquela autarquia, nem se submete à fiscalização do referido ente estatal.
Importante observar que, diferentemente do art. 17 da Lei 4.595/64, o art. 1º da Lei 7.492/86 – lei essa que tipifica os crimes contra o sistema financeiro nacional (também chamados “crimes do colarinho branco”) – não abrange as entidades que promovem a “intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios”, mas sim, apenas, a “de terceiros”, fazen- do com que as empresas de factoring não estejam abrangidas na tutela jurídico-penal daquele diploma. Confira-se:
“Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que te- nha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou es- trangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.”
Assim, certas condutas irregulares perpetradas por dirigentes e/ou prepostos das empresas de factoring podem configurar ilícitos penais de diversas naturezas (estelionato, falsificação de documentos, etc.), mas, salvo em situações excepcionais, não se enquadrarão nos crimes tipifi- cados na Lei 7.492/86. A principal exceção seria a infração penal de que trata o art. 16 daquele diploma (“fazer operar, sem a devida autorização, instituição financeira”), caso a empresa faturizadora adquirente de um tí- tulo inadimplido pelo devedor original resolvesse agir contra o faturizado que lho cedeu, agindo como instituição financeira em operação de des- conto bancário.
A esse respeito, veja-se o seguinte precedente:
“(...). Nos termos do art. 1º da Lei nº 7.492/86, é caracte- rística essencial das instituições financeiras ou das empresas a elas equiparadas a captação e gestão de recursos. Logo, a empresa de factoring, pela sua natureza de empresa mer- cantil mista, está habilitada apenas a comprar créditos de pessoas físicas ou jurídicas sem nenhuma garantia. Assim, à medida que a empresa de factoring em questão recebia notas promissórias como garantia dos valores repassados para seus clientes, estava praticando atos típicos de institui- ção financeira, sem a devida autorização do Banco Central, estando os seus gestores incursos nas penas do art. 16 da Lei nº 7.492/86. (...).” (TRF 1ª Região – 4ª Turma – Apelação Criminal 2001.35.00.001130-3 – Rel. Juíza Federal Convocada Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx – julgado em 27.04.2009)
9 – DOS JUROS NAS OPERAÇÕES DE FACTORING
Uma vez pacificado o entendimento de que as empresas de facto- ring não são instituições financeiras, intui-se a partir daí que, nas opera- ções de conventional factoring por elas realizadas, os juros praticados não podem ser superiores a 12% ao ano, devendo, assim, ser respeitada a Lei da Usura (Decreto 22.626/33), que estabelece aquele limite. Nesse senti- do, já se manifestou a 4ª Turma do STJ:
“As empresas de ‘factoring’ não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remunerató- rios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura.” (STJ – 4ª Turma – REsp 1.048.341/RS – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJe 09.03.2009)
“Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de ju- ros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto
n. 22.626, de 7.4.1933.” (STJ – 4ª Turma – REsp 489.658/RS
– Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx – DJ 13.06.2005, p. 310)
Assim, constatado o excesso dos juros cobrados ou mesmo sua ca- pitalização, torna-se viável, em tese, o manejo de ação judicial, pelo fatu- rizado, para a adequação do contrato de factoring à realidade remune- ratória, cogitando-se ainda da repetição do indébito correspondente no caso de o contrato já ter se iniciado, ou mesmo já ter sido encerrado.
Mas Xxxxx Xxxxx Xxxxxx levanta o seguinte questionamento:
“As faturizadoras não podem cobrar juros superiores ao li- mite da lei (CC, arts. 406 e 591) enquanto não se considera- rem instituições financeiras. Podem, evidentemente, cobrar pelos serviços de administração e seguro de crédito o pre- ço que quiserem, fato que conduz à seguinte questão: como distinguir juros usurários legalmente proibidos do preço dos serviços de fomento? A solução encontra-se na distinção en- tre a faturização e a agiotagem, isto é, deve-se pesquisar se os serviços de assessoramento na concessão de crédito são de fato prestados ou não; se entre as partes ocorre a cessão da totalidade das faturas – condição econômica intrínseca da faturização – ou se são pontuais as relação; se há direito de regresso na transferência do crédito ou se o cessionário renunciou a ele; se há, por fim, uma organização empresa- rial apta à prestação dos serviços de assessoria creditícia ou mero administrador de disponibilidades financeiras próprias. Caso não estejam presentes os pontos característicos do fo- mento mercantil na operação, o desconto que o cedente con- corda em suportar deve atender aos limites da lei, porque, não havendo serviços a serem remunerados, corresponde aquela margem só a juros. Se encontrados os elementos de caracterização empresarial do fomento mercantil sempre se- rão devidos os preços dos serviços, e como para esses não há limitação legal nenhuma, resulta inaplicável o limite do Código Civil”. (In CURSO DE DIREITO COMERCIAL, v. 3, 11ª
edição, p. 146, editora Saraiva, 2010).
A compra de crédito constitui a base, e muitas vezes, o único pro- duto oferecido pelas empresas de factoring. Ocorre, contudo, que muitas empresas de factoring se dedicam quase que exclusivamente à compra de créditos e não chegam a prestar qualquer serviço aos seus faturizados. E, para que se aperfeiçoe uma operação de factoring, não há necessidade de, que serviços sejam prestados, além da cessão de crédito. Pode uma empresa de factoring apenas prestar serviços (caso da modalidade trus- tee, por exemplo), como também se dedicar somente à aquisição de cré- ditos, não se descaracterizando, em nenhum desses casos, a operação de fomento mercantil.
Assim, quis dizer o doutrinador acima citado que, se por um lado in- cide a limitação legal de 12% ao ano para os juros praticados pelas empre- sas de factoring nas operações de compra de créditos, por outro inexiste qualquer restrição para o preço a ser cobrado pela assunção do risco de não recebimento desses créditos a elas cedido pelos faturizados, e para os demais serviços supostamente prestados em favor destes últimos.
Para os fins de constatação da prática de cobrança excessiva de ju- ros pela empresa de fomento, seria necessária a perfeita separação/dis- criminação entre aquilo que efetivamente são os juros cobrados sobre o capital, daquilo que é a remuneração da empresa pelo risco da sua ativi- dade e o valor embolsado pelos serviços por ela prestados aos faturiza- dos. O problema é que nem sempre o contrato consegue demonstrar isso com clareza, sendo necessária no mais das vezes uma análise pormeno- rizada e às vezes até pericial. Certo é que, ao menos em tese, o valor da remuneração do faturizador pela assunção do risco da obrigação cedida é proporcional à intensidade deste, tomando-se por base a situação finan- ceira e o histórico do devedor original.
10 – O FACTORING E A OPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS
Ao discorrer sobre as diferenças entre o endosso cambial comum e a cessão de crédito, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxx Xxxxxx faz a seguinte observação:
“O endosso opera a transferência de direito novo, autônomo e originário, totalmente desvinculado do direito do endossan-
te, mas a cessão transfere direito derivado, ou seja, o mesmo direito do cedente, com todos os vícios e defeitos acumulados nas transferências anteriores, porque o cessionário sub-roga- se na sua posição. Em consequência, no título de crédito não podem ser opostas ao terceiro de boa-fé as exceções pesso- ais que o devedor tenha em relação ao seu credor originário, porque o endossatário adquire direito originário (LUG, art. 17, e LC, art. 25), mas na cessão o devedor pode opor ao cessionário as exceções causais, uma vez que o cessionário adquire direito derivado do direito do cedente (CCB de 2002, art. 294).” (In TÍTULOS DE CRÉDITO, 5ª edição, p. 227, Rio de Janeiro, editora Renovar, 2007)
Assim, sendo o título cedido sem garantia pelo faturizado ao faturi- zador, tal transferência, como já se disse, opera os mesmos efeitos de uma cessão de crédito comum, conforme os preceitos contidos no CC acerca desse instituto, dentre os quais o art. 294, que assim estatui:
“Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.”
Suponha-se então que um hipotético faturizado vende um pro- duto ou prestou um serviço a determinado cliente, que efetuou o paga- mento através da emissão de um cheque pós-datado, por exemplo. Se esse cheque, posteriormente, vier a ser utilizado em uma operação de factoring, o faturizador, quando de sua cobrança, pode se deparar com a eventual recusa do emitente (devedor original) em honrar o pagamento correspondente, motivada justamente pelo vício do produto ou serviço fornecido pelo faturizado.
Nesse caso, haverá para o faturizador a plena possibilidade de agir contra o faturizado para receber o valor referente àquele cheque. Com efeito, foi o faturizado quem deu causa à recusa do devedor original em
adimplir a obrigação cedida ao faturizador, em razão do fornecimento ei- vado de vício, caracterizando uma situação que se aproxima da hipótese cogitada no art. 295 do CC.
O STJ possui um precedente que ilustra o que se acabou de dizer:
“PROCESSUAL CIVIL. COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. EXE- CUÇÃO. CHEQUES PÓS DATADOS. REPASSE À EMPRESA DE FACTORING. NEGÓCIO SUBJACENTE. DISCUSSÃO. POSSIBILI- DADE, EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS.
- A emissão de cheque pós-datado, popularmente conheci- do como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única conseqüência a ampliação do pra- zo de apresentação.
- Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtu- de das relações entre anteriores possuidores e o emitente.
- Comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emis- são do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring.
- Nessa hipótese, os prejuízos decorrentes da impossibilida- de de cobrança do crédito, pela faturizadora, do emitente do cheque, devem ser discutidos em ação própria, a ser propos- ta em face do faturizado.
- Recurso Especial não conhecido.” (STJ – 3ª Turma – REsp
612.423/DF – Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx – DJ 26.06.2006)
Apenas discordamos do acórdão acima transcrito na parte em que se condiciona a oponibilidade das exceções pessoais à “ciência, pelo tercei- ro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque”, parecendo-nos perfeitamente possível a aplicação da regra do art. 294 do CC ainda que o cessionário ignore a existência de qualquer vício na relação obrigacional entre o cedente e o devedor original.
No mesmo sentido foram os seguintes julgados a seguir reproduzidos:
“A empresa de factoring, em razão da natureza de sua ati- vidade, que envolve obtenção de crédito por meio de ces- são civil, assume os riscos próprios desse negócio, não se protegendo, em regra, no principio da inoponibilidade das exceções pessoais pelo devedor, o qual é típico do Direito Cambiário.” (TJSP – 21ª Câmara de Direito Privado – Apela- ção Cível 0021414-79.2011.8.26.0451 – Rel. Des. Xxxxxx Xxx- no – julgado em 05.11.2012)
“Em se tratando de contrato de factoring, no qual são ne- gociadas duplicatas, a natureza da relação que vincula os celebrantes é contratual, e não cambial, motivo este que permite a argüição de exceções pessoais que envolvam a causa debendi.” (TJRS – 19ª Câmara Cível – Apelação Cível 0547863-65.2012.8.21.7000 – Rel. Des. Xxxxxxx Xxxx Xxxx Xxxxx – julgado em 18.12.2012)
“É cediço que a operação de fomento mercantil é de risco e não de crédito. Assim, o endosso lançado no título não é o cambial, mas decorrente de cessão de crédito levada a efeito no contrato de factoring, respondendo o cessioná- rio pela existência, validade e eficácia do negócio jurídico subjacente que deu causa à emissão do título. Possibilidade de oposição das exceções pessoais. Incidência do art. 294 do CC.” (TJRS – 15ª Câmara Cível – Apelação Cível 0435840-
79.2012.8.21.7000 – Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx- cellos – julgado em 12.12.2012)
“A nota promissória emitida em garantia do pagamento do preço de imóvel em construção autoriza o emitente a opor exceções de natureza pessoal (v.g., atraso na entrega da obra) contra o respectivo portador, se é empresa de facto- ring.” (STJ – 3ª Turma – REsp 151.322/RSRel. Min. Xxx Xxxxxx- dler – DJ 02.12.2002, p. 303)
11 – FACTORING E SIGILO
Embora não sejam enquadradas propriamente no conceito de insti- tuições financeiras (Lei 4.595/64, art. 17), as empresas que se dedicam à atividade de factoring àquelas são equiparadas no que tange à obrigação de conservar o sigilo de suas operações, tal como estabelecido no art. 1º,
§ 2º da LC 105/01:
“Art. 1º. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 2º. As empresas de fomento comercial ou factoring, para os efeitos desta Lei Complementar, obedecerão às normas apli- cáveis às instituições financeiras previstas no § 1º.”
12 – DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE FACTORING
O contrato de factoring pode ser desfeito nas seguintes situações:
Expiração do prazo contratualmente ajustado, sem renovação
Normalmente, o contrato de factoring é celebrado entre as partes
por prazo indeterminado. No entanto, tratando-se de contrato atípico,
nada impede o seu ajustamento por prazo previamente estabelecido, findo o qual, inocorrendo prorrogação, as partes darão por encerrada a avença.
Resilição unilateral (denúncia do contrato por uma das partes)
Em Direito Civil, na hipótese de estar o contrato vigorando por pra- zo indeterminado, pode qualquer das partes manifestar perante a outra a intenção de não mais dar continuidade à avença, devendo para tanto proceder à notificação de que trata o art. 473 do CC, sendo que, no caso do factoring, tal regra não é excepcionada.
Morte de uma das partes
Tendo em vista sua natureza de contrato intuitu personae, a mor- te de uma das partes no contrato de factoring acarreta necessariamente a sua extinção. Não se concebe possa o ajuste ter prosseguimento com herdeiros e sucessores das partes, os quais, no máximo, deverão se res- ponsabilizar por obrigações eventualmente pendentes, dentro das forças da herança recebida.
Em se tratando de pessoa jurídica, sua dissolução que não tenha por causa a falência também provoca, invariavelmente, a extinção do con- trato de factoring, admitindo-se, no entanto, que sejam ultimados os ne- gócios ainda pendentes.
Falência de uma das partes
O art. 117 da Lei 11.101/05 estatui o seguinte:
“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falên- cia e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o
cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da mas- sa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.”
Sendo assim, a manutenção do contrato de factoring em que figure como parte empresário falido dependerá da avaliação do administrador judicial, não se podendo afirmar que o ajuste será fatalmente extinto na hipótese de decretação da falência – a menos que o contrato expressa- mente preveja essa consequência. ❖