O N E
Performance Bond para os projetos de
infraestrutura
O N E
S T O P S H O P
INFRAESTRUTURA
Introdução
Embora o seguro-garantia performance bond seja negócio de ex- trema relevância para o mercado de infraestrutura, com larga uti- lização, não é contrato adequadamente compreendido, desen- cadeando problemas que envolvem desde a má conformação da garantia até sua inadequada execução, não raras as vezes esvaziando a cobertura, potencializando atritos entre as partes e municiando negativas de indenização pelas seguradoras.
Buscaremos sintetizar neste White Paper1 os principais aspectos jurídicos dessa garantia, destacando particularidades relevantes do processo de formação do contrato e de sua execução, com o objetivo de auxiliar a utilização adequada do seguro.
1 Este White Paper contém reflexões extraídas de publicações de nosso sócio, líder da área de seguros do escritório, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxx: (i) XXXX XX XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. Reflexões sobre o agravamento de risco no contrato de seguro garantia performance bond. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 112, pp. 273-290, 2022; (ii) XXXX XX XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. A nova circular da SUSEP sobre o seguro perfor- mance bond. Migalhas. 2022. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/x-xxxx-xxxxxxxx-xx-xx- sep-sobre-o-seguro-performance-bond; (iii) XXXX XX XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. O princípio da boa-fé e a impossibilidade de a seguradora modificar, em sede judicial, os motivos de seu entendimento manifestado após a regulação de sinistro. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxx et al. (org.). Direito do Seguro Contemporâneo: edição comemorativa dos 20 anos do IBDS. São Paulo: Editora Contracorrente, 2021, t. 1, p. 481-492. (iv) XXXX XX XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx; CAPUANO, Xxxxx Xxxxxxxx. A cláusula compromissória de arbitragem nos contratos de seguro. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, v. 76, pp. 75-96, 2023.
1. Objeto do seguro e partes do
contrato
O performance bond tem por objeto o interesse do segurado em relação ao risco de descumprimento de obrigação contratual, de dar ou fazer, da qual ele é credor.
O contrato estrutura-se num tripé formado pelo segurado, detentor do interesse no cumprimento da obrigação, pelo segurador, que garante esse interesse e, finalmente, pelo tomador do seguro que, na qualidade de devedor do segurado, celebra o contrato em benefício deste contra o risco de seu próprio inadimplemento.
2. A formação do contrato de se- guro-garantia
Diferentemente de outros tipos de seguro, nos quais o tomador da garantia é o próprio segurado, a celebração do seguro-garantia é deflagrada pelo devedor do segurado, que se apresenta ao segurador, buscando garantir a obrigação a qual se vinculou.
O processo de subscrição da garantia, como é denominado o procedimento de investi- gação realizado pelo segurador a respeito do risco antes da emissão da apólice, é algo que torna o performance bond bastante singular.
Após receber a proposta de seguro, o segurador deve realizar criteriosa avaliação do pretendente-tomador e do negócio que este concretamente pretende garantir.
Essa avaliação envolve a análise técnica e econômico-financeira do proponente, bus- cando examinar sua solidez patrimonial e capacidade para assumir o negócio em questão. Em tese, o segurador dever examinar, ainda, o risco do negócio a ser garantido, avaliando sua dimensão econômica e natureza técnica, bem como aspectos relacio- nados a prazo, preço e outros fatores que concretamente conformem o risco.
Na prática brasileira, todavia, o segurador concentra sua análise na capacidade credi- tícia do pretendente-tomador, deixando de lado o exame detalhado do contrato a ser celebrado com o segurado.2 Essa prática, todavia, pode vir a sofrer alterações em 2023.
As modificações introduzidas pela Nova Lei de Licitações, que prevê a possibilidade de retomada da obra pela seguradora (step-in) e que a obriga ao pagamento da impor-
2 Vale lembrar, de todo modo, que a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, autarquia responsável no país pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros, previdência complementar aberta, capitalização e ressegu- ros, exige, por meio da Circular SUSEP 662, que as seguradoras que comercializem esse tipo de seguro avaliem o to- mador, o contrato principal e sua legislação específica (art. 28), devendo ser elaborada nota técnica especificando, “detalhadamente, os critérios técnicos e os instrumentos utilizados pela seguradora na subscrição de risco do objeto principal e na avaliação de risco do tomador” (art. 28, parágrafo único).
xxxxxx xxxxxxxx se não exercida a retomada (art. 102, caput e § único, inc. II), devem levar o mercado segurador a rever o processo de subscrição (também para contratos privados), que pode passar a contar com equipe multidisciplinar capaz de realmente avaliar aspectos técnicos do contrato principal.
Essa nova realidade deve também estimular parcerias entre os consumidores de ga- rantias e o mercado segurador.
3. Especificação do objeto da ga- rantia no contrato principal
O seguro-garantia tem vínculo umbilical com o contrato principal, cujas obrigações são garantidas pelo segurador.
O seguro necessita respeitar as “características, dispositivos e legislação específica” do contrato principal, devendo ser celebrado e, portanto, interpretado à luz desse contrato, que deve ser considerado pela seguradora, inclusive, para a definição do clausulado do seguro (art. 4º, § único, da Circular SUSEP 662).
Caberá ao segurado especificar no contrato principal quais as obrigações pretende garantir por meio do seguro, valendo destacar que “[n]a hipótese de o Seguro Garantia não garantir todas as obrigações do objeto principal, a apólice deverá destacar esta informação”, descrevendo, “de forma clara e objetiva, as exatas obrigações garantidas” (art. 5º, § único, da Circular SUSEP 662).
Poderá o segurado, ainda, já antever no instrumento do contrato principal algumas al- terações na sua execução que, uma vez confirmadas, deverão ser objeto da garantia do seguro, ficando a seguradora obrigada a adaptar (endossar) a apólice durante sua vigência (art. 11º da Circular SUSEP 662).
É de extrema relevância, portanto, a conformação do objeto da garantia já no contrato principal, a fim de evitar discussões a respeito da interpretação do objeto do seguro.
4. Prêmio
O prêmio de seguro, incluindo aquele cobrado por força de alterações na apólice du- rante a vigência da garantia, deve ser pago pelo tomador e eventual inadimplemento não prejudica o segurado (art. 16, §s 1º e 2º, da Circular SUSEP 662).
5. Aviso de expectativa de sinistro
Embora o performance bond pressuponha o monitoramento do risco pelo segurador, como se destacará adiante, é muito importante que o segurado esteja atento a sinais
de que as obrigações garantidas podem ser inadimplidas, cientificando a seguradora a respeito.
A Circular SUSEP 662, no § 1º de seu art. 17,3 deixa claro que o aviso de expectativa de si- nistro pode não caracterizar providência indispensável, mas essa prática será exigida no performance bond.
Importante ressaltar que, além de existirem casos em que é inviável ao segurado iden- tificar precocemente o inadimplemento, eventual falta na comunicação da expectativa de sinistro apenas pode ser punida, com a perda da garantia de seguro, se a segurado- ra demonstrar que a ausência do aviso de expectativa de sinistro caracterizou omissão sobre agravamento do risco (§ 2º do art. 17) – isto é, omissão do segurado, com má-fé, de que o risco de inadimplemento sofreu alteração substancial, duradoura e extraordi- nária após a celebração do contrato de seguro (art. 769 do Código Civil).
6. Alterações no contrato principal
É comum que o contrato principal preveja a obrigação de o tomador avisar a segurado- ra a respeito de específicas modificações no contrato (como alterações no prazo e no preço inicialmente pactuados), com o objetivo de adaptar a apólice à nova realidade contratual.
Esse tipo de previsão é relevante, pois a interação com a seguradora ocorre, em regra, por meio do tomador. Importante lembrar, de todo modo, que as apólices de seguro obrigam o segurado a comunicar todo e qualquer tipo de alteração no contrato princi- pal, sob pena de perda da garantia.
A Circular SUSEP 662 dispõe, a propósito, que “[o]s procedimentos a serem adotados pelo segurado no caso de alterações efetuadas no objeto principal devem ser objetiva- mente fixados nas condições contratuais do seguro” (§ 1º do art. 11).
Importante observar, sobre essa questão, que a norma prevê, ainda, que, “[n]a hipótese de ser prevista a exigência de comunicação da alteração do objeto principal à segura- dora, sua não comunicação, ou sua comunicação em desacordo com os critérios esta- belecidos nas condições contratuais do seguro, somente poderá gerar perda de direito ao segurado caso agrave o risco e, concomitantemente”, “tenha relação com o sinistro” e “esteja comprovado, pela seguradora, que o segurado silenciou de má-fé”.4
3 “§ 1º Caso seja prevista a expectativa de sinistro, as condições contratuais do seguro deverão descrever clara- mente o ato ou fato que a define e estabelecer se haverá, ou não, a exigência de sua comunicação à seguradora, hipótese em que deverão estar descritos os critérios para esta formalização.”
4 Como se observa, a norma condiciona a perda da garantia à demonstração pela seguradora de que a modifica- ção do contrato, que lhe foi omitida, caracterizou agravamento de risco, exigindo (i) que o sinistro (inadimplemento) tenha relação de causa e efeito com a alteração contratual ou (ii) a omissão do segurado envolva má-fé. O texto normativo é falho, pois a seguradora, para impor a pena de perda da garantia, deve demonstrar a presença dos dois requisitos, isto é, a má-fé do segurado e o nexo causal entre o sinistro e o agravamento de risco omitido.
Enfim, é preciso que o segurado esteja atento, pois alterações na relação contratual (inclusive não formalizadas no instrumento do contrato) podem potencializar negativas fundadas no regime legal do agravamento do risco (arts. 768 e 769 do Código Civil).
7. Monitoramento do risco pela seguradora
O art. 29, inc. I, da Circular SUSEP 662 dispõe que “desde que prévia e expressamente acordado entre as partes, o Seguro Garantia poderá prever (...) a possibilidade ou a obri- gação de a seguradora (...) realizar o acompanhamento e/ou monitoramento do objeto principal”.5
É criticável essa previsão regulamentar. Consideradas as peculiaridades do performan- ce bond, evidente que os esforços que levaram o segurador a abonar a capacidade do tomador do seguro não podem se encerrar com a emissão da apólice.
Como ocorre na fase de formação do contrato, na qual o segurador participa ativa- mente da análise do risco, na fase de execução ele deve adotar postura proativa, de boa-fé, permanecendo na vigilância do risco.
O monitoramento do risco ao longo da vigência do seguro constitui, portanto, um dever do segurador, uma vez que, além de interessado no adimplemento, é ele quem detém expertise, necessitando, assim, cooperar com o segurado e o tomador no acompanha- mento das atividades que integram o programa contratual garantido, aconselhando-
-os se necessário.
É muito comum, aliás, que nas apólices de seguro-garantia constem previsões atribuin- do ao segurador o poder de fiscalização, livre e permanente, das atividades de execu- ção do contrato principal.
Portanto, consideramos que a previsão regulamentar comentada levam à enviesada interpretação de que as partes poderiam afastar o dever de monitoramento do risco pelo segurador, quando é ele inerente nesse tipo de contrato. Tem por objetivo, ainda, repassar aos consumidores da garantia o custo de atividade que naturalmente decorre do negócio, e que se espera seja desempenhada pelo segurador – como especialista e também por conta do serviço de avaliação do tomador prestado na fase de formação do contrato.
5 O objeto principal do seguro-garantia é definido, pela Circular SUSEP 662, como a relação contratual entre o toma- dor e o segurado.
8. Regulação de sinistro
Cientificada a seguradora a respeito de expectativa de sinistro e oportunizada a regu- larização de eventual falha na execução do contrato, o aviso de expectativa será con- volado em reclamação de sinistro se o tomador negar o inadimplemento que lhe foi imputado.
A seguradora deflagrará, então, o procedimento de regulação de sinistro, objetivando confirmar o inadimplemento e, se não houver a incidência de qualquer exclusão de ga- rantia, apurar o prejuízo indenizável.
O procedimento de regulação envolve avaliações técnicas complexas, podendo levar tempo até ser concluído, muito embora seja dever da seguradora conduzi-lo com ce- leridade e imparcialidade6 – é aconselhável, de todo modo, que as partes envolvidas (tomador e segurado) contem com assessoria técnica, jurídica e securitária adequada, também com o objetivo de evitar qualquer litígio.
9. Manifestação da seguradora após a regulação de sinistro
Concluído o procedimento de regulação, a seguradora se pronunciará sobre o direito do segurado, manifestando-se sobre a ocorrência ou não do sinistro e sua cobertura, bem como, na hipótese de cobertura, sobre o prejuízo indenizável.
A manifestação da seguradora deverá ser clara e completa, viabilizando perfeita com- preensão do segurado e do tomador a respeito das razões que a levaram a concluir pela existência ou não do dever de indenizar.
Independentemente da conclusão apresentada pela seguradora, têm as partes o direi- to de acessar “relatórios e laudos técnicos produzidos na regulação do sinistro”.7
10. Prescrição
O prazo prescricional da pretensão do segurado contra o segurador é de um ano, con- forme prevê o art. 206, § 1º, inc. II, letra “b” do Código Civil. Tema bastante controvertido, no entanto, envolve o termo inicial do prazo.
A jurisprudência se formou no sentido de que o prazo deve ser contado da ciência do segurado a respeito da ocorrência do sinistro, contagem que deve ser suspensa com o aviso de sinistro à seguradora, voltando a fluir com a manifestação dela negando o
6 Enunciado nº 657 da IX Jornada de Direito do Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal. 7 Enunciado nº 656 da IX Jornada de Direito do Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal.
dever de indenizar ou restringindo o montante da indenização.
Atualmente, todavia, vem ganhando força, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, a ideia de que o prazo prescricional só pode ter início com a ciência do segurado a res- peito da manifestação da seguradora (negando ou restringindo a indenização) – se- gundo essa corrente, o segurado, se retardar injustificadamente o aviso de sinistro, não está sujeito à prescrição, mas à perda do direito à garantia de seguro (art. 771 do Código Civil), se a seguradora demonstrar que sofreu prejuízo em função do atraso no aviso de sinistro.
Recomenda-se conservadorismo na contagem do prazo prescricional.
11. Seguros de grandes riscos
O seguro-garantia de grande risco é aquele que preenche os requisitos do art. 2º, inc. II, da Resolução nº 407, de 29 de março de 2021, do Conselho Nacional de Seguros Privados
– CNSP, isto é, possua limite máximo de garantia superior a R$ 15M ou cujos tomadores/ segurados possuam, no exercício anterior à contratação, ativos superiores a R$ 27M ou faturamento bruto anual acima de R$ 57M.8
Se o seguro-garantia for classificado como de grande risco, poderá a seguradora bus- car afastar as previsões da Circular SUSEP 662, comercializando clausulado próprio (§ único do art. 34).
Importante destacar que, pela natureza da operação de seguro e em razão da influ- ência exercida por resseguradores sobre o mercado segurador, os clausulados, salvo raras exceções, são redigidos exclusivamente pelos seguradores, que os submetem aos segurados para mera adesão.
Evidentemente, podem os segurados buscar adaptar o texto contratual por meio da inserção de disposições particulares, alterando, assim, específicas disposições do con- trato. Essa adaptação, todavia, não é capaz de descaracterizar o seguro como contrato de adesão, de modo que eventuais ambiguidades, contradições e imprecisões do texto contratual devem ser interpretadas em favor do segurado (arts. 113, § 1º, inc. IV, e 423, do Código Civil).
Importante sempre considerar os fatores que concretamente determinaram a forma- ção do contrato, pois a presunção de paridade entre as partes nos contratos civis e em- presariais é apenas relativa (art. 421-A do Código Civil). Assim, na falta de elementos que demonstrem a participação do segurado na definição majoritária do texto contratual, o contrato será de adesão – a predisposição de cláusulas pela seguradora e a adesão a elas pelo segurado, mesmo quando em causa seguros de grandes riscos, serão sempre fatores a romperem a presunção legal de paridade.
8 O seguro-garantia também será classificado como de grande risco se o tomador ou segurado integrar grupo eco- nômico com essas características (§ 2º da norma em questão).
12. Contrato de contragarantia
O seguro-garantia é acompanhado, comumente, de um contrato de contragarantia celebrado entre o tomador e o segurador, com o objetivo de facilitar o ressarcimento deste no caso de sinistro coberto. Esse contrato, como destaca o art. 32 da Circular SU- SEP 662, não pode “interferir no direito do segurado”.
Como destacado no tópico nº 2 desta cartilha, acreditamos que a Nova Lei de Licitações desencadeará um processo de fortalecimento das parcerias entre os consumidores de garantias (tomadores e segurados) e o mercado segurador, ganhando mais importân- cia, ainda, o contrato de contragarantia.
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