Reforma Trabalhista de 2017: Principais Alterações no Contrato de Trabalho1
8 temas de economia aplicada
Reforma Trabalhista de 2017: Principais Alterações no Contrato de Trabalho1
Xxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (*)
1 Introdução
Após muitos anos de debate, nos quais se gerava mais calor do que luz, e incontáveis negociações entre as partes diretamente en- volvidas na relação de trabalho (governo, empresas e trabalhado- res), em 13/07/2017 o Presidente Xxxxxx Xxxxx sancionou o texto aprovado pelo Senado Federal, transformando-o na Lei No. 13.467, alterando profunda e amplamente a Consolidação das Leis do Traba- lho (CLT) de 1943, com a finalidade de adequar a legislação trabalhista às novas − e mais modernas − re- lações de trabalho praticadas no mercado de trabalho brasileiro. O artigo 6º da referida Lei determi- na que a mesma entrará em vigor decorridos 120 dias de sua publi-
cação oficial, o que ocorrerá no dia
11/11/2017.2
Esta reforma deve ser vista como muito positiva, pois, ainda que cheia de problemas, dúvidas, lacu- nas e equívocos ela representa um inegável avanço para a melhoria das relações de trabalho em um país em crise em todos os setores e áreas - política, econômica, social e moral. A reforma contribui para a criação de um ambiente institu- cional favorável à retomada dos investimentos, e, portanto, geração de empregos, um caminho seguro para a elevação da produtividade e competitividade internacional e, principalmente, por tornar o mer- cado de trabalho mais fluido com garantia de proteção social a todos os tipos de emprego.
Este é o primeiro artigo de uma série que visa mostrar as princi- pais alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, abordando, quan- do possível, suas implicações para as relações de trabalho e para o mercado de trabalho brasileiro.
2 Metodologia de Comparação
Com base na literatura já disponí- vel nos veículos de comunicação e artigos de divulgação, realizou-
-se uma análise comparativa das mudanças propostas na Lei 13.467, com aquilo que está disposto na legislação consagrada na CLT, ou seja, como era determinado tópico e como ficará depois da reforma. Por certo que esta comparação so- mente será feita para os principais
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itens da legislação que tenham sido modificados pela Lei, uma vez que outros aspectos da CLT também foram objeto de mudança.
Adotando uma estratégia de elen- car as modificações segundo gran- des temas de referência na legis- lação trabalhista, a mencionada comparação contemplará os se- guintes itens:
a. Alterações no contrato de tra- balho;
b. Mudanças nas negociações cole- tivas e na organização sindical;
c. O tratamento aos novos tipos de trabalho; e
d. Modificações na Justiça do Tra- balho.
Neste presente texto abordar-se-á apenas o item (a), utilizando-se as informações da Figura 1, ficando para boletins futuros a apresenta- ção dos demais temas acima men- cionados.3 Embora nesta figura apareça a situação antes e após as mudanças na CLT, o enfoque recai- rá principalmente sobre as altera- ções promovidas por representar o novo status quo.
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3 Alterações que Impactam Dire- tamente o Contrato de Traba- lho
A amplitude da reforma deverá promover, sob todas as ópticas, im- pactos sobre o contrato individual de trabalho. Aqui, porém, serão explorados tópicos específicos con- tidos na mencionada Figura 1.
3.1 Jornada de Trabalho: Dura- ção, Banco de Horas e Ho- ras Extras
A jornada de trabalho era limi- tada a 8 horas diárias, 44 horas semanais e 220 horas mensais, permitindo-se adicional de até 2 horas extras. Agora, mantendo-se esses limites semanal e mensal, a jornada pode ser de até 12 horas diárias, com um intervalo para descanso de 36 horas. Isto pode ocorrer tanto por acordo coletivo, ou então por norma individual. Em qualquer caso, deve-se prever verbas indenizatórias para os perí- odos de repouso e alimentação do empregado.
O banco de horas e as horas extras afetam diretamente a duração da jornada, com implicações para a eficiência das empresas e, princi- palmente, a produtividade do tra- balhador.
No caso do banco de horas, antes somente possível quando autoriza- do por norma coletiva, agora pode ser negociado diretamente, por
escrito, por acordo individual, mas limita que as compensações devem ocorrer num período de seis meses. Há um ganho para o trabalhador que pode agora utilizar o banco de horas de acordo com seus interes- ses e aceitação do empregador.
Com relação à remuneração das horas extras, agravou-se o seu valor. Antes da reforma seu valor deveria ser 20% acima das horas normais, cifra esta que passou a ser 50%. Ou seja, assumindo-se que as horas extras desgastam o trabalhador, isto estava sub-remu- nerado na antiga CLT.
Ainda com relação às horas extras decorrentes da falta de conces- são do intervalo intrajornada, que antes eram considerados pagamen- tos de natureza salarial, sofreram drástica modificação. Agora pas- sam, expressamente, a ser tratadas como verbas indenizatórias, não mais refletindo no cálculo de di- reitos trabalhistas. Além disso, o tempo de intervalo intrajornada é passível de negociação coletiva, e, nesse caso, deve ser respeitado o período mínimo de 30 minutos.
3.2 Demissão do Trabalhador
Aqui foram realizadas mudanças com implicações para modificar bastante a demanda por trabalho, no caso de demissão sem justa causa. Até então, ao ser demitido, o empregado recebia uma multa de
40% sobre o saldo do FGTS reco- lhido em sua conta, além do saque integral do valor deste fundo. Re- cebia, também, aviso prévio inde- nizado, de 30 dias, e, se habilitado, tinha direito ao seguro-desem- prego. Este desenho de demissão por justa causa era um convite ao trabalhador buscar sua demis- são, o que geralmente ocorria, em acordos tácitos entre as partes, uma vez que a empresa também se beneficiava gastando menos do que numa demissão “normal”. A reforma buscou acabar com a possibilidade de acertos informais entre as partes.
Com o advento da nova lei, a de- missão pode ser negociada entre as partes diretamente, a multa será reduzida pela metade, o aviso prévio será de 15 dias, a movimen- tação do FGTS se reduz para 80% e o trabalhador não terá direito ao seguro-desemprego. Apesar de, aparentemente, reduzir valores em prejuízo dos trabalhadores, isto não ocorre; isto só ocorrerá caso as partes optem por uma negociação direta e de boa-fé, sem interme- diação do sindicato, nem sempre favorável ao trabalhador em ter- mos individuais. Se assim não for, prevalecem as condições atuais.
No caso de demissão coletiva ela só poderia ocorrer com a negociação previa com os sindicatos. Agora isto não é mais preciso, e a empre- sa pode demitir em massa, sem ne- cessidade de qualquer comunicado
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para o sindicato. Deve, entretanto, garantir todos os direitos consti- tucionais e da CLT aos empregados demitidos.
3.3 Descanso e Férias
Na antiga CLT, a empresa era obri- gada a conceder de 1 a 2 horas de descanso, na forma de repouso e/ ou alimentação. Com o tempo, ve- rificou-se que o trabalhador tinha preferência por um tempo menor, negociado, para poder sair mais cedo da empresa. Diante disso, a nova CLT admite que o intervalo dentro da jornada possa ser nego- ciado, desde que não seja menor do que 30 minutos. Assim, o tempo “economizado” no intervalo intra- jornada poderá ser descontado no final da jornada de trabalho, possi- bilitando que o trabalhador possa ir mais cedo para sua residência.
Com relação às férias de 30 dias era possível fracioná-las em dois períodos, mas em um deles não poderia ser inferior a 10 dias. Além disso, 1/3 do período de férias poderia ser trocado por abono mo- netário. Com a nova lei, é possível o trabalhador fracioná-las em até três períodos, e um deles deve ser de, pelo menos, 14 dias corridos. Novamente, aqui tal mudança veio em benefício do trabalhador pela maior possibilidade de escolha de como desfrutar seu lazer no tempo de férias.
3.4 Remuneração e Plano de Cargos e Salários
Antes da nova lei o salário propria- mente dito não se limitava ao valor pactuado como tal. Todas as comis- sões, gratificações, gorjetas, prê- mios e outras benesses pecuniárias eram incorporadas ao salário nas disputas judiciais. Outro detalhe é que pagamentos por produtividade não poderiam ser inferiores ao piso da categoria ou ao salário mínimo.
Atualmente vigora o princípio de que o pagamento por produtivida- de fica desvinculado do piso ou sa- lário mínimo. Ademais, empresas e trabalhadores poderão negociar formas alternativas de remune- ração, desvinculando benefícios como ajuda de custo, vale-refeição, diárias de viagem, prêmios e abo- nos, do salário pactuado. A ar- gumentação por trás desta nova forma de remuneração é que os empregadores poderão oferecer valores extras para o salário sem incorporação ao salário na disputa judicial.
Com relação ao plano de cargos, este poderá ser negociado entre trabalhadores e empresas, não havendo necessidade de homolo- gação sindical ou do Ministério do Trabalho, nem necessidade de constar do contrato do trabalho como era antes da reforma. Outro aspecto é que se imprimiu um ca- ráter dinâmico a esses planos, os
quais podem mudar constantemen- te desde que as partes concordem.
3.5 Tempo de Empresa e Horas In Itinere
A partir da Lei 13.647/2017 não são mais consideradas dentro do tempo disponível do trabalhador à empresa atividades que, mesmo realizadas nas dependências do estabelecimento, não mais repre- sentam serviço efetivo, tais como alimentação, interação entre co- legas, higiene pessoal, descanso, entre outras. Antes, todas estas atividades representavam tempo disponível para o empregador com implicações para a jornada efetiva total, com impactos sobre a remu- neração final.
Atualmente, o tempo de desloca- mento do trabalhador (horas in itinere) que usa qualquer forma de transporte oferecido pela empresa é considerado jornada de trabalho para efeitos de remuneração (pode gerar horas extras ou então com- pensação de horas caso ultrapasse o limite da jornada de trabalho).
Isto não mais poderá ocorrer, pois qualquer período de deslocamento passou a não ser mais computado como jornada. Não está claro se isto pode ser considerado uma retirada de direitos do empregado ou então que traga benefícios a estes, caso estimule as empresas a
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oferecerem serviços de transporte gratuito para seus funcionários.
4 Considerações Finais
Após anos de intensas discussões, através da Lei 13.467/2017 foi aprovada uma ampla e profunda reforma trabalhista, alterando mais de 100 pontos da Consolida- ção das Leis do Trabalho. Isto de- verá modificar profundamente as relações de trabalho, assim como o mercado de trabalho. O espectro das alterações é grande, indo desde alterações no contrato de trabalho, fortalecendo as novas formas de trabalho humano, passando pelo princípio de que os acordos nego- ciados prevalecem (garantidos os direitos das partes) sobre o legis- lado e culminando no novo alcance da Justiça do Trabalho, conforme vimos na seção 2 deste artigo.
De fato, não era mais possível con- viver com uma legislação datada de 1943. O Brasil daquela época era rural e iniciante em sua industria- lização, condições nada assemelha- das ao Brasil de 2017. A despeito do atraso relativamente aos demais países emergentes, a economia brasileira se modificou para um perfil muito mais moderno, com forte automação, até mesmo em setores do Terciário. Neste País, o povo tem novos sonhos, novas aspirações, nas quais o cidadão deseja participar de todas as eta- pas de sua inserção no mercado de trabalho.
À medida que a legislação foi fican- do defasada, acabou por penalizar os próprios trabalhadores. Isto porque, pelo estímulo da CLT, a formalidade passou a ser um “luxo” para parte da população ativa e remeteu uma grande parcela dessa para a informalidade e precarie- dade no trabalho − em muito pela própria rigidez da legislação.
Com o surgimento de novas tec- nologias e novas ocupações, ficou praticamente impossível conviver com uma legislação que foi extre- mamente útil há 70 anos, quando o país estava se industrializando, uma vez que as novas dinâmicas produtivas e sociais passaram a exigir novas leis trabalhistas para acompanhar esta modernização.
É demasiado cedo para avaliar a plenitude, o impacto e as con- sequências de uma lei que nem mesmo entrou em vigor. Os críti- cos insistem na tese de que esta reforma só fez tirar direitos dos trabalhadores, esquecendo-se que grande parte da força de trabalho fica à margem da CLT antiga, povo- ando mercados informais e traba- lhos precários.
Esta crítica carece de comprovação quando se lê atentamente o conte- údo da lei. É claro que é possível que haja itens mal redigidos que, de fato, necessitarão de correção por fazer pender a balança para um dos lados. Deste modo, a prá- tica mostrará, ainda, onde serão
necessárias correções para evitar distorções.
Todo desenho da nova lei preserva integralmente o que vige na Consti- tuição Federal de 1988, ampliando o espaço de negociação de certos direitos, mas vedando comple- tamente qualquer modificação de outros. Além disso, a reforma amplia bastante a proteção aos empregados como, por exemplo, no caso da terceirização, e fortalece bastante a opinião e as atitudes do trabalhador-cidadão.
Aqueles favoráveis às mudanças empreendidas afirmam que elas promoverão o emprego e trarão maiores possibilidades de amplia- ção do mercado de trabalho, além de promover as possibilidades de investimentos. Embora, se tudo der certo, estas possibilidades tenham grandes chances de se concretizar, os resultados da reforma devem ser vistos com uma melhoria do ambiente institucional na área trabalho, mas que por si só não representam a garantia de mais empregos, maiores salários e mais investimentos. Para isso ocorrer é preciso que outras reformas ve- nham fortes, tais como no sistema tributário, na área de infraestru- tura, nas finanças públicas e na Previdência Social, para ficarmos nas mais destacadas.
Por ora, tudo o que podemos dizer é: “Alea jacta est”.
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1 O autor agradece à estagiária Thais Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx pela vali- osa ajuda na busca bibliográfica, elaboração de tabelas e comentários realizados visando a melhoria do texto.
2 Esta é, sem dúvida, a mais profunda reforma trabalhista desde a promulgação da própria CLT, em 1943. Sua peculiaridade é que foi feita abrangendo praticamente todo o espectro da legislação trabalhista e de forma uniforme. Anteriormente, as mudanças mais pontuais foram realizadas de forma paulatina, abordando tópicos específicos, e ao longo de determinado período. Isto ocorreu logo após o Plano Real, em 1º de julho de 1994, quando foram propostas mudanças em diversos itens da legislação trabalhista vigente na época. O leitor interessado deve consultar XXXXXX, J.P.Z. Regulação do Mercado de Trabalho, Proteção e Diálogo Social - a experiência brasileira recente. Relatório de Desenvolvimento Humano-2006, Convênio CEPALPNUD/ OIT. São Paulo, janeiro de 2007.
3 Esta é uma abordagem contemplando principalmente o aspecto didático, pois a reforma é um todo único e as alterações, muitas vezes, se inserem em mais de uma categoria acima mencionada. Ademais, não se trata de uma peça de caráter jurídico, realizada por um Opera- dor do Direito do Trabalho; busca tão-somente elencar as mudanças promovidas pela reforma trabalhista e algumas de suas implicações para o mercado de trabalho.
(*) Professor Titular da FEA/USP (aposentado) e Pesquisador da FIPE
(E-mail: xxxxxxxx@xxx.xx).