PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
0
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
XXXXXXXXX XXXXXXX XXXX XXXXX
O CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL E SEUS PRINCIPAIS PONTOS CONTROVERTIDOS
DIREITO CONTRATUAL
SÃO PAULO 2017
1
O CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL E SEUS PRINCIPAIS PONTOS CONTROVERTIDOS
Monografia apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Contratual.
Orientação: Profa. Dra. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx.
SÃO PAULO 2017
2
O CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL E SEUS PRINCIPAIS PONTOS CONTROVERTIDOS
Monografia apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Direito Contratual, sob a orientação da Profa. Dra. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx.
Banca Examinadora
3
Dedico esta monografia à minha amada esposa Xxxxxx, meu porto-seguro há mais de quinze anos e principal incentivadora de minhas atividades acadêmicas, aos meus pais, Xxxxx e Xxxxxx, exemplos de dignidade e honestidade que procuro seguir, e às minhas irmãs que tanto amo, Xxxxxx, modelo de disciplina e determinação em tudo o que faz, e Xxxxxxx, cujo coração transborda incessante bondade.
4
AGRADECIMENTOS
Xxxxxxxx, inicialmente, a Deus, pelo dom da vida, renovado diariamente a cada obstáculo transposto e a cada sonho realizado.
Também agradeço, indistintamente, a todo o corpo docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela valiosa contribuição em minha formação acadêmica na seara do Direito Contratual.
Xxxxxxxx, em especial à Professora Xxx. Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx X'Xxxx, pela brilhante coordenação e condução do curso de especialização, e às Professoras Xxx. Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Dra. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. A esta, pela orientação na elaboração do presente trabalho, e a ambas, por nos conduzirem e nos instigarem, ao longo de dois anos, nos debates realizados durante os seminários.
Aos colegas de pós com quem compartilhamos nossas noites de sexta-feira e nossos sábados, colegas esses com os quais aprendemos tanto quanto aprendemos com os professores que ministraram suas aulas.
Devo registrar, também, sinceros agradecimentos ao Professor Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx, docente da FDRP/USP, ex-professor da graduação, no Centro Universitário Anhanguera de Leme, sócio de escritório, padrinho de casamento e amigo, pelo incentivo em minha carreira docente e em minhas atividades acadêmicas, paixões que compartilhamos.
Aos meus pais, Xxxxx e Xxxxxx, e às minhas irmãs, Xxxxxx e Xxxxxxx, exemplos de integridade, honestidade e retidão de caráter que levo comigo e sempre procuro seguir.
À minha querida esposa, que tem feito parte de minha vida e tem acompanhado minha trajetória profissional e acadêmica nos últimos quinze anos, sempre me motivando a crescer e a ampliar horizontes, sendo para mim uma incrível companheira em tudo o que faço.
5
E a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para a elaboração e concretização deste trabalho monográfico, incluindo meus clientes de escritório, que, com suas dúvidas acerca da representação comercial, ora na condição de representantes, ora na condição de representados, instigaram-me a escrever sobre esse tema.
6
“Xxxxxx enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e, então, viva o que eles sonham” (Provérbio Japonês).
7
RESUMO
O contrato de representação comercial é um dos principais mecanismos de propulsão do comércio no mundo, sendo elemento de grande relevância da cadeia produtivo-distributiva desde sua criação. Em vista da importância desse instituto para a abertura e ampliação de mercados, faz-se imprescindível o estudo e a análise do contrato de representação comercial, em especial dos diversos pontos controvertidos existentes a seu respeito, como questões relacionadas à indenização de 1/12 (um doze avos) devida quando da rescisão do contrato, ao significado de “valor total das mercadorias” como base de cálculo das comissões, à competência da Justiça do Trabalho para julgamento de lides decorrentes dessa relação e à possibilidade de adoção de cláusula de eleição de foro nesse contrato. Após exame das características gerais dessa espécie contratual, bem como das referidas questões controversas, concluiu-se que, em razão da relativa limitação da autonomia da vontade das partes, decorrente da natureza social da Lei nº 4.886/65, que regula o contrato de representação comercial, tendem a doutrina e a jurisprudência pátrias a considerar inválidas pactuações que muito se distanciem das disposições imperativas e de ordem pública da legislação de regência, considerando nulas, a título exemplificativo, disposições contratuais de renúncia ao direito à indenização de 1/12 (um doze avos) ou de alteração da base de cálculo das comissões com a exclusão de tributos da noção de “valor total das mercadorias”. Concluiu-se também pela necessidade de alterações legislativas na Lei nº 4.886/65 para que sejam evitadas decisões contraditórias acerca de pontos cruciais do contrato, bem como pela urgência na uniformização de entendimento sobre outros pontos capitais da Xxx, como a respeito da competência da Justiça do Trabalho para julgar as controvérsias oriundas desse contrato. O presente trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, com o emprego do método analítico-sintético.
Palavras-chave: Contrato de representação comercial. Questões controvertidas. Indenização. Base de cálculo das comissões. Foro competente.
8
ABSTRACT
The agency agreement is one of the main trade propulsion engines in the world, being an element of great relevance of the productive-distributive chain since its creation. Considering the importance of this instrument for the opening up and expansion of markets, it is essential to study and analyze the agency agreement, especially the various controversial issues regarding it, such as issues related to indemnification of 1/12 (one-twelfth) that must be paid upon the termination of the contract, the meaning of "total value of the goods" as the basis for calculating commissions, the jurisdiction of the Labor Court for trial disputes arising from that relationship and the possibility of adopting a forum selection clause in that contract. After examining the general characteristics of this contractual type, as well as the controversial issues, it was concluded that, because of the relative limitation of the free will of the parties, due to the social quality of Law No. 4886/65, which regulates the agency agreement, the national doctrine and jurisprudence tend to consider invalid pacts that are very distant from the imperative and public order provisions of the regency legislation, considering as null and void, for example, contractual provisions waiving the right to indemnification of 1/12 (one-twelfth) or to change the basis for calculating commissions with the exclusion of taxes from the concept of "total value of the goods". It was also concluded by the need for legislative changes in Law No. 4886/65 to avoid contradictory decisions on crucial points of the contract, as well as by the urgency of standardizing the understanding of other capital points of the Law, such as about the jurisdiction of the Labor Court for trial disputes arising from this contract. This work was developed through bibliographical and jurisprudential research, using the analytical-synthetic method.
Key Words: Agency agreement. Controversial issues. Indemnification. Basis for calculating commissions. Jurisdiction.
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI | Agravo de Instrumento |
Art. | Artigo |
CC | Código Civil |
EC | Emenda Constitucional |
EIRELI | Empresa Individual de Responsabilidade Limitada |
HGB | Handelsgesetzbuch |
HvertrG | Bundesgesetz über die Rechtsverhältnisse der selbständigen Handelsvertreter |
STF | Supremo Tribunal Federal |
TJRS | Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul |
TJSP | Tribunal de Justiça de São Paulo |
v.g. | Verbi Gratia |
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
2 DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL 13
2.1 Escorço histórico 13
2.2 Definições, caracterização e regulação 16
2.3 Natureza jurídica e classificação 22
2.4 Distinção de outras espécies contratuais 30
2.5 Direito comparado 41
2.6 Partes 45
2.6.1 Direitos e obrigações do representante comercial 47
2.6.2 Direitos e obrigações do representado 50
2.7 Cláusulas obrigatórias e extinção do contrato 51
3 DAS PRINCIPAIS QUESTÕES CONTROVERTIDAS 55
3.1 Da limitação da autonomia da vontade das partes 55
3.2 Da indenização devida em razão da rescisão contratual 58
3.2.1 Da possibilidade de renúncia ao direito à indenização 59
3.2.2 Da possibilidade de pagamento antecipado da indenização 64
3.2.3 Das hipóteses ensejadoras do direito à indenização 69
3.3 Do significado de “valor total das mercadorias” 78
3.4 Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgamento de lides 86
3.5 Da possibilidade de adoção de foro de eleição 91
4 CONCLUSÃO 95
REFERÊNCIAS 99
1 INTRODUÇÃO
O contrato de representação comercial, na condição de uma das diversas espécies de contratos interempresariais de colaboração, consubstancia-se em instrumento largamente utilizado por empresários e sociedades empresárias no país com o objetivo de impulsionar a venda de produtos por eles fabricados.
Por meio do contrato em questão, o representante comercial, pessoa natural ou jurídica, desempenha, sem relação de emprego e em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados.
Os representados, por sua vez, uma vez aceitas as propostas encaminhadas pelo representante comercial, conclui a venda dos produtos versados nesses pedidos colhidos e, em retribuição, paga ao representante comercial a respectiva comissão avençada.
Os ajustes elementares que devem ser feitos entre representantes comerciais e representados e toda a sistemática do funcionamento dessa relação são regulados e regidos pela Lei nº 4.886/65, alterada pelas Leis nº 8.420/92 e nº 12.246/10.
Não obstante a referida Lei regule de forma minudente o contrato firmado entre representante comercial e representado, estipulando, por exemplo, as cláusulas que, obrigatoriamente, dele devem constar, há algumas importantes questões que, ora não são por ela tratadas, ora são abordadas de forma insatisfatória, deixando lacunas que dão margem a infindáveis discussões judiciais.
Somam-se à incompletude e insuficiência da Lei, recorrentes interpretações dadas pelo aplicador do direito a alguns de seus fragmentos que se afastam de seu texto literal e, por vezes, até de seu verdadeiro espírito.
Tais cenários dão margem ao surgimento de decisões díspares nos Tribunais acerca de uma mesma questão e criam, assim, certa insegurança jurídica no âmbito desse contrato.
Algumas questões consideradas lacunosas na Lei nº 4.886/65 dizem respeito especificamente à indenização devida ao representante comercial pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, da mencionada Lei, como, por exemplo, a possibilidade (ou não) de pagamento antecipado e periódico dessa indenização pelo representado, a possibilidade (ou não) de renúncia, pelo representante comercial, ao direito de recebimento da referida indenização, e a possibilidade de incidência (ou
não) dessa indenização quando a rescisão parte do próprio representante comercial, tenha ele justo motivo para tanto ou não.
Outro ponto insatisfatoriamente tratado pela Lei sub examine, que acaba por representar certa insegurança jurídica aos partícipes dessa relação contratual, é atinente ao exato significado do termo “valor total das mercadorias” como base de cálculo para apuração das comissões devidas ao representante comercial, compreendendo-se se nesse conceito estão inseridos (ou não) itens como tributos, frete, seguro, embalagem etc.
No que tange às decisões judiciais que se distanciam da letra da Lei nº 4.886/65 (e até de seu verdadeiro espírito) e, portanto, acabam por aumentar a insegurança jurídica no bojo do contrato em estudo, podem ser citados inúmeros julgamentos que reconhecem a validade de cláusula de eleição do foro para discussão do contrato (a despeito de a Lei indicar como competente o foro do domicílio do representante comercial) e a competência da Justiça do Trabalho para julgar questões atinentes ao contrato de representação comercial (apesar de a Lei determinar a competência da Justiça Comum para tanto).
Desta forma, em razão da inegável importância jurídica e econômica desse instrumento e considerando a já indicada insegurança jurídica que tais lacunas legais e tais decisões judiciais têm representado para esse contrato, faz-se premente seu estudo, a fim de tentar minorar tais incertezas.
Em vista disso, objetiva-se com este trabalho analisar o contrato de representação comercial em si, compreendendo-se sua estrutura geral, apontar e discutir as principais questões lacunosas e controvertidas desse contrato e perquirir pela necessidade ou não de se promover alterações na Lei nº 4.886/65.
Na presente monografia aborda-se, primeiramente, o contrato de representação comercial em si, apresentando seu histórico, definição, caracterização, regulação, natureza jurídica, classificação, distinção de outras espécies contratuais, direito comparado, direitos e obrigações das partes, cláusulas obrigatórias e extinção do contrato. A seguir, são indicadas as principais questões consideradas lacunosas e controvertidas da Lei nº 4.886/65, demonstrando-se os tratamentos dados a elas pelos Tribunais pátrios, apontando-se os que seriam mais consentâneos com o espírito da Lei e indicando-se a necessidade ou não de se adequar a Lei em comento, a fim de sanar a insegurança jurídica que paira sobre essa espécie contratual.
2 DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL
Antes de se enfrentar a problemática do presente trabalho, ou seja, as principais questões controvertidas inerentes ao contrato de representação comercial e o tratamento que o Poder Judiciário brasileiro lhes dispensa, faz-se imprescindível expor e analisar aspectos gerais a respeito dessa espécie contratual.
Desta forma, ao longo deste capítulo, serão abordadas as mais variadas características atinentes ao contrato em estudo, desde um breve escorço histórico acerca do surgimento desse instituto até sua extinção.
Ao longo do iter ora proposto, serão explanados assuntos como definições, caracterização, regulação, natureza jurídica, classificação, distinção entre a representação comercial e outras espécies contratuais congêneres ou semelhantes, direito comparado, as partes do contrato e respectivos direitos e obrigações e cláusulas obrigatórias.
2.1 Escorço histórico
É cediço (e dito à exaustão ao estudante brasileiro, desde as séries iniciais, na disciplina de História) que o comércio, na concepção atualmente difundida e amplamente utilizada (prática mercantil que se fundamenta na compra e venda de produtos), não se faz presente desde o início da sociedade humana.
No princípio da história da humanidade, as sociedades, ainda estruturadas de forma mais rudimentar, como clãs e tribos, viviam da caça, pesca e coleta, com a produção unicamente de utensílios para auxílio em tais atividades e para utilização no cotidiano doméstico.
Ainda na Pré-história, já com a descoberta da agricultura, e com maior intensidade, no início da Antiguidade, o homem passou a trocar as produções excedentes (se existentes) de seu grupo social com os produtos excedentes de outros grupos, em sistema de escambo, originando o embrião do que viria a ser reconhecido como “comércio”.
Diversos povos da Antiguidade, sobretudo os fenícios, intensificaram o processo evolutivo do comércio, a ponto de passarem a produzir bens especificamente voltados para a sua troca (e até venda) a outros povos, impulsionando tal atividade no mundo desde então (COELHO, 2014, p. 25-26).
Tal atividade se avolumou ao longo da história, ganhando aspectos e contornos próprios em cada período histórico. Assim, na Idade Média, o comércio já havia se disseminado por toda a civilização, deixando de ser uma prerrogativa de poucas sociedades.
No Renascimento Comercial, na Europa, comerciantes se agrupavam em corporações que ganhavam poder e prestígio junto aos governantes, gozando de privilégios políticos e sociais, como a criação de normas próprias, aplicáveis a esses grupos. Tais regras, na Idade Moderna, passaram a ser chamadas de Direito Comercial (COELHO, 2014, p. 26-27).
Mais adiante, mais precisamente a partir da metade do século XVIII, com a chamada Revolução Industrial, o comércio atingiu patamar nunca dantes visto na história da humanidade. Com a inovação dos processos de manufatura, sobretudo por meio da criação da máquina a vapor, a indústria em geral alcançava amiúde velocidades recordes na fabricação dos mais variados produtos, inundando as nações com mercadorias de todos os gêneros e fazendo o comércio ganhar uma escala inimaginável.
Sobre a referida evolução histórica do comércio e sua importância na história da humanidade, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2002, p. 71) assevera que:
No curso dessa fenomenal história evolutiva, o comércio foi, ao mesmo tempo, instrumento de guerra e de integração entre os povos, estando o seu desenvolvimento intimamente ligado ao próprio desenvolvimento da raça humana. Na verdade, muitos são os que afirmam que essa atividade foi a mola-mestra que impulsionou o desenvolvimento tecnológico, cultural, político, econômico, social etc., do homem moderno. A atividade comercial sempre exerceu, portanto, um papel determinante sobre a formação e a organização dos povos e das sociedades.
Entretanto, ao mesmo tempo em que a atividade comercial crescia e ganhava proporções consideráveis, uma preocupação exsurgia àqueles que se dedicavam ao comércio: como dar vazão ao número cada vez maior de produtos fabricados? Como se dedicar adequadamente à venda das mercadorias sem se descuidar de sua produção?
A essa altura do quadro de expansão do comércio, já não se fazia mais viável ao próprio fabricante se dedicar à comercialização de seus produtos pessoal e diretamente com o mercado consumidor. E para que fosse possível que cada vez mais mercadorias chegassem a lugares cada vez mais distantes do centro produtor e
atingissem o público consumidor, foi necessário o surgimento de grupos que intermediariam tal atividade, como armazenadores, transportadores, comissários, viajantes comerciais, entre outros (REQUIÃO, 1950, p. 6).
Sobre o desenvolvimento do comércio e o surgimento da necessidade desses intermediários, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx (2007, p. 317) registra que:
El desarrollo del comercio exige la actuación de intermediarios y otras figuras que podemos considerar como auxiliares. El antecedente más remoto se refiere a los proxenetas, así llamados quienes se ocupaban de acercar a vendedores y compradores.
Como indicado, inicialmente, as figuras de intermediários mais utilizadas pelos produtores foram os comissários mercantis e os caixeiros viajantes (ou viajantes comerciais, vendedores viajantes ou mascates).
Em momento histórico posterior, em decorrência tanto da maior complexidade da organização empresarial como um todo, quanto do incremento dos direitos sociais e da evolução da percepção da responsabilidade do proponente pelos atos praticados por seus prepostos, surgiu uma nova figura de intermediário, que não se amoldava nem à figura de empregado, nem à figura de comissário: o representante comercial ou agente, como preferem alguns (WALD, 2012, p. 717-718).
Por óbvio, assim como ocorre com todo novo instituto jurídico surgido em uma sociedade, o ofício de representante comercial em sua fase inicial não encontrava qualquer amparo ou previsão nos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, embora desde seu nascedouro (tanto no Brasil, quanto em outros países) já possuísse características bem definidas que a distinguiam das figuras do vendedor viajante e do comissário: a autonomia e a habitualidade (ou não-eventualidade).
No Brasil, como bem lembra Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx (2003, p. 24-25), o pleito de regulamentação do ofício de representante comercial começou a ganhar força em 1949, durante a II Conferência Nacional das Classes Produtoras, em Araxá (Minas Gerais), com o envio ao Ministério da Justiça de uma reivindicação lá aprovada para que o Projeto do Novo Código Comercial previsse a figura do representante comercial.
Após longo período de existência fática sem qualquer previsão legal e depois de apresentados, reapresentados e arquivados inúmeros projetos de lei para a regulamentação da profissão no país (Projeto de Lei nº 1.171/49, Projeto de Lei nº
2.794/61, Substitutivo nº 38/63), a figura do representante comercial, finalmente, passou a ter amparo legal, por meio da promulgação da Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965 (XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p. 25-26).
Em arremate ao escorço histórico do arcabouço legal da representação comercial no país, válido frisar que a Lei nº 4.886/65 passou por duas alterações ao longo do tempo, sendo uma em 8 de maio de 1992 e outra em 27 de maio de 2010. Além disso, em 10 de janeiro de 2002, com a sanção do então novo Código Civil, surgiu a figura do “agente”, que, para alguns, seria a nova denominação do “representante comercial” (questão que será melhor abordada mais a frente).
2.2 Definições, caracterização e regulação
Colacionar as definições de um instituto, mais do que confrontar diversos enunciados doutrinários a ele inerentes, possui a importante função de expor as principais características do objeto do estudo, ou seja, serve para que o pesquisador extraia os elementos essenciais que caracterizam o instituto estudado, razão pela qual se pretende, no presente tópico, definir e, consequentemente, caracterizar o contrato de representação comercial.
Antes, porém, de se definir o contrato de representação comercial em si, faz- se importante relembrar, ainda que en passant, o que vem a ser o contrato.
Nesse sentido, perquirindo-se na doutrina civilista nacional clássica o que vem a ser contrato, pode ser lembrado o magistério de Washington de Xxxxxx Xxxxxxxx, para quem contrato pode ser definido simplesmente como “[...] o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito” (2007, p. 5).
Ainda de forma objetiva, mas trazendo outros importantes elementos do que vem a ser contrato, Xxxxxxx Xxxxx assevera que “[...] contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral” (2008, p. 4).
Para Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, que acrescenta importantes elementos às definições mais concisas dos doutrinadores anteriormente mencionados, contrato se consubstancia em “[...] um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos” (2008, p. 7).
Adentrando na doutrina internacional, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx (2016, p. 21), indo praticamente na mesma direção de Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (mas lhe acrescentando alguns elementos) e se aproveitando da definição de contrato estampada no art. 1.101, do Código Civil francês (e lhe complementando), assevera que:
L’article 1101 du Code civil énonce: « Le contrat est un accord de volontés entre deux ou plusieurs personnes destiné à créer, modifier, transmettre ou éteindre des obligations ». Le contrat est défini par sa formation et par ses effets. La formation du contrat s’opère en principe par le simple accord de volontés, que l’on appele le consentement, sans qu’aucune condition de forme ne soit requise. Les contrats sont par principe consensuels. Les effets du contrat sont, selon l’article 1101 du Code civil, « créer, modifier, transmettre ou éteindre des obligations ». Cette présentation est incomplète. Le contrat produit d’autres effets : il produit un effet de contrainte (il est par essence irrévocable et intangible unilatéralement), et il peut opérer la constitution d’un droit réel ou la transmission d’un droit réel ou personnel .
Em síntese, pode-se entender o contrato como um acordo de vontades entre duas ou mais pessoas, dotado de obrigatoriedade, celebrado em conformidade com a lei e que visa criar, modificar, resguardar, conservar, transmitir e extinguir direitos, sejam reais ou pessoais.
Pois bem. Compreendido o que vem a ser o contrato lato sensu, passa-se à definição e caracterização do contrato de representação comercial propriamente dito, objeto do presente estudo.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ensina que “o contrato de representação comercial autônoma é aquele em que uma das partes (representante) obriga-se a obter pedidos de compra dos produtos fabricados ou comercializados pela outra parte (representado)” (2015, p.130).
Impensável não trazer também à baila a clássica definição cunhada por Xxxx Xxxxxxx, tantas vezes repetidas pela doutrina nacional.
Com alguns elementos adicionais à definição de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (e, portanto, trazendo outras importantes características dessa espécie contratual), o comercialista Xxxx Xxxxxxx pontua que “entende-se por contrato de representação comercial aquele em que uma parte se obriga, mediante remuneração, a realizar negócios mercantis, em caráter não eventual, em favor de uma outra” (2001, p. 269).
Por seu turno, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, ao tratar do contrato em estudo, afirma que “trata-se, pois, de uma atividade de intermediação a exercida pelo representante
comercial autônomo, em caráter profissional, sem dependência hierárquica, mas, de acordo com as instruções do representado” (2000, p. 512).
Também merece registro a contribuição dada por Xxxxxx Xxxxxxx à questão, sendo certo que ele traz ainda mais alguns elementos do contrato em estudo. Para ele, que equipara o contrato de representação comercial ao contrato de agência (equiparação que será explanada mais adiante), “pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outrem e mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada [...]” (TARTUCE, 2015, p. 583). Essa, aliás, é exatamente a definição trazida por Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 18).
A fim de enriquecer as já aclaradoras definições colacionadas acima, buscaram-se acepções do contrato de representação comercial também na doutrina estrangeira, lembrando-se que parte dela se refere a esse tipo de contrato como “agência”.
Para o argentino Xxxx X. Xxxxxx, “[...] en el contrato de agencia, un empresario (agente de comercio) se vincula con una o con varias empresas para promover en determinada región o plaza, los negocios de aquéllas mediante las ofertas o invitaciones a ofrecer que formulare” (2005a, p. 505).
Seu compatriota Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx afirma que “[…] el contrato de agencia constituye una relación contractual considerada estable por la cual una parte, llamada agente, y sin declinar su autonomía, brinda clientela y contratos al cocontratante, el que se da en llamar proponente o principal” (2007, p. 317).
Por seu turno, a Lei nº 4.886/65, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, não obstante não defina diretamente o contrato de representação comercial, fá-lo de forma reflexa, em seu art. 1º, ao conceituar representante comercial, nos seguintes termos:
Art. 1º. Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Se quem desempenha o ofício indicado no art. 1º, da Lei nº 4.886/65, é o representante comercial, logo, poder-se-ia definir o contrato de representação
comercial como o acordo de vontades pelo qual o representante comercial, pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego, desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas (representados), a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Do cotejo entre as definições doutrinárias nacionais e estrangeiras de contrato de representação comercial e sua definição trazida indiretamente pelo dispositivo legal colacionado, pode-se notar enorme congruência entre elas.
Tal confluência de definições acaba resultando em uma maior facilidade para a extração dos principais elementos caracterizadores do contrato em estudo, que podem ser assim elencados: (a) autonomia do representante comercial; (b) habitualidade na prestação do serviço; (c) desenvolvimento de atividade de angariação de negócios; (d) delimitação de uma área de atuação; e (e) retribuição dos serviços, sob a forma de comissão, em conformidade com os negócios agenciados.
É bem verdade que esse rol de elementos caracterizadores pode variar, com a inclusão ou exclusão de alguns itens, a depender do prisma pelo qual o respectivo estudioso do assunto analisa o instituto.
A título exemplificativo, em relação às características elencadas acima, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx não prevê a autonomia do representante comercial como um “elemento essencial” desse tipo de contrato (2003, p. 32-33), o que parece, data venia, tratar-se de certo lapso, vez que se trata de componente da essência da representação comercial.
É bem verdade que Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, mais à frente em seu artigo, menciona que o contrato de representação comercial “envolve” relação dotada de autonomia. Entretanto, ele não a trata como um “elemento essencial” dessa espécie contratual.
Por outro lado, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2002, p. 75), ao tratar dos “traços distintivos [...] que modernamente têm caracterizado esta atividade”, além dos supra indicados, cita ainda a qualidade de “comerciante” do representante comercial, a promoção de redução de custos para o representado e a grande abrangência dos negócios que intermedeia (não se restringindo à comercialização apenas de mercadorias).
Outros ainda, como Xxxx Xxxxxxx (2001, p. 274), entendem se tratar de característica que configura o contrato de representação comercial a “exclusividade”
da representação, sendo vedada a representação de dois ou mais representados para produtos do mesmo gênero.
Já Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx acrescenta ao citado rol o elemento da “profissionalidade” (1994, p. 83). Entretanto, conforme será abordado adiante, a profissionalidade, em certo termo, acaba se confundindo com a habitualidade.
De qualquer modo, confrontados os diversos entendimentos doutrinários acerca dos elementos caracterizadores do contrato de representação comercial, chegou-se ao rol de (a) a (e) mencionado acima, com os quais se trabalhará a seguir. Diferentemente do vendedor empregado, o representante comercial goza de ampla autonomia para a condução de sua atividade profissional, não estando sujeito ao poder diretivo do qual o empregador goza no trato das relações com seus
empregados.
Qualquer sinal de supressão de tal autonomia, ou seja, qualquer demonstração de subordinação e dependência hierárquica por parte do representante comercial ao representado poderá indicar a existência não de um vínculo de representação comercial, mas de verdadeira relação de emprego.
A segunda característica fundamental do contrato sub examine é a habitualidade na prestação do serviço por parte do representante comercial, ou seja, deve o serviço em causa ser prestado de forma permanente, de modo não eventual.
Em decorrência disso, a realização de atos isolados e esporádicos de captação de negócios não torna seu praticante um representante comercial. Em outras palavras, para que determinada atividade possa vir a se enquadrar como de representação comercial efetivamente, faz-se necessário que ela seja duradoura e se protraia no tempo.
Alguns doutrinadores se referem à “habitualidade” como “profissionalidade” ou “profissionalismo”, vez que a prática reiterada de uma atividade mercantil a torna a profissão de seu praticante. Por essa razão, optou-se por tratá-las não como características distintas, mas como sinônimas.
O terceiro elemento essencial se consubstancia no gênero ao qual o contrato se enquadra, qual seja de colaboração, sendo certo que a atividade em estudo visa a aproximação de representado e cliente, a promoção de negócios e a angariação de pedidos.
Esse elemento também será abordado de forma mais aprofundada, ao se tratar da natureza jurídica deste contrato, razão pela qual não serão feitas maiores considerações a esse respeito nesta seção.
O quarto item caracterizador da representação comercial é a delimitação de uma área ou zona de atuação. Pode tal zona se tratar de um bairro, uma cidade, uma região, uma unidade da federação ou até mesmo um país ou continente.
Inexistindo a delimitação expressa em contrato de uma área ou zona específica de atuação, a aferição da zona se dará conforme os fatos, ou seja, será considerada sua área de atuação o território em que o representante, efetivamente, atuar e angariar negócios, sem a oposição do representado (MAMEDE, 2009, p. 405).
Poderá ser pactuada a exclusividade de zona, hipótese em que o representante terá direito ao recebimento da comissão por todo e qualquer negócio aí realizado, independentemente de ter havido sua participação (art. 31, da Lei nº 4.886/65).
Ainda conforme os elementos listados alhures, o quinto e último ponto caracterizador do contrato de representação comercial é a remuneração do representante.
Via de regra, a remuneração do representante comercial se dá por meio de comissões, calculadas com base nos negócios efetivamente por ele agenciados. Por essa modalidade de remuneração (mais comum no mercado), incide-se determinado percentual pactuado entre as partes sobre o “valor total das mercadorias” vendidas, resultantes de sua atividade.
Por fim, no que diz respeito a sua regulação, sua principal matriz legal é a já citada Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, alterada pelas Leis nº 8.420/92 e nº 12.246/10.
Dúvida surgiu quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que passou a regular em seu art. 710 a 721 o contrato de agência, assim considerado aquele pelo qual “[...] uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada [...]” (art. 710, CC).
Pela leitura do art. 710, do Código Civil, e seu cotejo com o art. 1º, da Lei nº 4.886/65, nota-se haver gigantesca similitude entre a descrição de uma espécie contratual (“agência”) e de outra (“representação comercial”).
Seriam a agência e a representação comercial a mesmíssima espécie de contrato, tratando-se, portanto, de expressões sinônimas? Ou seriam contratos
absolutamente diversos, cada qual sendo adotado em uma atividade distinta da outra? Ou seria ainda a representação comercial uma das espécies do gênero contratual “agência”?
A exata compreensão da real posição de um contrato e de outro é indispensável para se concluir se a regulação do contrato em estudo se restringe à Lei nº 4.886/65 (e suas posteriores alterações) ou se ela também açambarca o art. 710 e seguintes do Código Civil.
Se o entendimento for no sentido de que se tratam de contratos definitivamente distintos ou ainda de que a representação comercial é apenas uma das espécies de contratos de agência, a regulação da representação comercial se exaure na Lei nº 4.886/65. Por outro lado, se o entendimento for no sentido de que se tratam de contratos idênticos, também comporá o arcabouço jurídico da representação comercial os artigos 710 a 721, do Código Civil.
Também quanto à equiparação (ou não) do contrato de representação comercial ao contrato de agência será destinado tópico próprio, razão pela qual se encerra a presente seção com a reiteração à advertência há pouco feita: a completude da compreensão do real arcabouço jurídico da representação comercial (se apenas a Lei nº 4.886/65 ou se ela e os artigos de 710 a 721, do Código Civil) dependerá do entendimento quanto a serem os referidos contratos uma mesma espécie ou não.
2.3 Natureza jurídica e classificação
No presente trabalho, optou-se por abordar a natureza jurídica e a classificação do contrato de representação comercial conjuntamente, em uma mesma seção, vez estarem tais questões umbilicalmente ligadas.
Como explica Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, a natureza jurídica é a “afinidade que um instituto jurídico tem em diversos pontos, com uma grande categoria jurídica, podendo nela ser incluído a título de classificação” (1998, p. 337).
Tratando da classificação do negócio jurídico lato sensu e conduzindo a questão praticamente no mesmo sentido de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx assevera que “a classificação do negócio jurídico tem como objetivo enquadrar um determinado instituto jurídico, bem como demonstrar a natureza jurídica deste (categorização jurídica)” (2011, p. 173).
Pois bem. Qual seria, então, a natureza jurídica do contrato de representação comercial e como tal espécie contratual poderia ser classificada?
Em uma primeira grande abordagem da natureza jurídica do contrato de representação comercial, embora decorrência lógica de seu próprio nomen iuris, pode-se afirmar se tratar de uma espécie de contrato mercantil, comercial, empresarial ou ainda “interempresarial”, como prefere Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2015, p. 131).
Parece não haver qualquer dúvida na doutrina quanto a se tratar de um contrato interempresarial (mercantil, comercial ou, simplesmente, empresarial). Tanto é assim, que Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx trata dessa espécie contratual em sua obra “Contratos Mercantis” (2000, p. 511-528), Xxxx Xxxxxxx o aborda em seu clássico “Contratos e Obrigações Comerciais” (2001, p. 269-275), Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Verçosa sobre ele versa em seu livro “Direito Comercial: Os Contratos Empresariais em Espécie” (2014b, p. 161-170) e assim por diante.
Mas o que seria, afinal, um contrato mercantil, comercial, empresarial ou interempresarial? Para responder a essa questão, válido transcrever as palavras de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (1994, p. 3), que assim o define:
São comerciais os contratos que se celebram nas atividades mercantis, reunindo, de um lado, empresários entre si, em relações de cunho institucional ou associativo (criação de sociedades, formação de associações ou de grupos econômicos ou jurídicos), ou organizacional (definição da estrutura da empresa, de participações contratuais ou societárias e outras) e, de outro, os empresários com os fornecedores ou os utentes dos bens ou dos serviços oferecidos, em relações de caráter operacional (venda de bens, prestação de serviços, financiamentos, locações e outros negócios jurídicos cabíveis, em razão do gênero de atividade).
No mesmo sentido, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx (2012, p. 256) afirma que:
[...] os contratos mercantis - que, por questões didáticas, podemos modernamente denominar contratos empresariais - são aqueles que envolvem relação de natureza mercantil ou empresarial, quando celebrados exclusivamente entre empresários, empresas individuais de responsabilidade limitada e sociedades empresárias [...].
Em outras palavras, contratos empresariais ou mercantis são acordos de vontades pactuados entre duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) que exercem atividade econômica organizada, voltada à produção e circulação de bens e serviços. E assim se enquadram os contratos de representação comercial, pois tanto o representado, quanto o representante comercial são, em maior ou menor grau,
empresários lato sensu, quer atuem coletivamente, por meio de sociedade empresária, quer atuem singularmente, como empresário individual ou como Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) (COELHO, 2015, p. 131; XXXXX, 2008, p. 455; XXXXXXX, 2001, p. 269; REQUIÃO, 2002, p. 22-31; VERÇOSA, 2014b,
p. 163-164). Há, entretanto, pequena divergência doutrinária acerca da qualidade de empresário do representante, como será visto adiante.
Passando-se a frente, sabe-se que os contratos empresariais ou mercantis, entretanto, comportam algumas subcategorias, que, embora estejam ligadas entre si por uma característica que lhes é comum (ser celebrado por empresários, que, por sua vez, compartilham o mesmo objetivo: a busca pelo lucro), diferenciam-se entre si pelo grau de convergência de seus interesses econômicos, traduzido na maior ou menor cooperação entre as partes.
Nesse sentido, originariamente, os contratos empresariais admitiam duas subcategorias próprias e bem delimitadas: os “contratos de intercâmbio” (ou contratos spot) e os “contratos de sociedade” (FORGIONI, 2010, p. 152-153).
Os contratos de intercâmbio seriam aqueles em que, com a celebração do negócio, haverá o acréscimo patrimonial de uma das partes em detrimento da outra, ou seja, o contrato representará uma vantagem econômica a uma das partes e a consequente diminuição patrimonial da outra.
Nesse tipo de contrato, há clara contraposição de interesses entre as partes, sendo que, para a celebração do pacto, será necessária uma verdadeira composição desses interesses.
Contrato empresarial tipicamente de intercâmbio é a compra e venda mercantil, em que o vendedor tem o interesse de obter o maior valor possível em sua mercadoria e o comprador intenta pagar o menor preço possível no negócio.
Por outro lado, os contratos de sociedade são aqueles em que há a associação de esforços e recursos para a prática de uma atividade econômica em comum. Nesses contratos, há a formação de uma sociedade em que seus integrantes cooperarão entre si, tendo em vista a existência de solidariedade de interesses entre eles. É o caso do contrato social para criação de uma sociedade empresária.
Entretanto, com o passar do tempo, visualizou-se a existência de uma terceira subcategoria de contratos, situada entre essas extremidades, ora pendendo para um lado, ora pendendo para o outro, razão pela qual possuem uma natureza híbrida
(FORGIONI, 2010, 153). Tal subcategoria contempla os chamados “contratos de colaboração” ou “de cooperação” ou, ainda, “de mediação”.
Nessa subcategoria de contrato (“de colaboração”), há, por um lado, a inexistência da formação de uma sociedade, atuando as partes de forma autônoma (como ocorre com os contratos de intercâmbio), e há, por outro, significativo grau de cooperação mútua, visando o atingimento de um objetivo comum (como ocorre com os contratos de sociedade).
Para Xxxx X. Xxxxxx (2005b, p. 412), citando Xxxxxxx X. Spota, “[...] son contratos de colaboración aquellos em los cuales media una función de cooperación de una parte hacia otra o, recíprocamente, para alcanzar el fin que ha determinado el advenimiento del contrato”.
Voltando as vistas para o contrato em estudo, pode-se notar que, por um lado, não se trata de um contrato de sociedade, pois sua celebração claramente não origina uma sociedade empresária.
Por outro lado, também se pode perceber que ele não contém a típica contraposição de interesses que caracteriza os contratos de intercâmbio, sendo certo, por exemplo, que quanto mais negócios o representante comercial celebrar, maior será o proveito econômico do representado. E quanto maior o proveito econômico do representado, maior será o implemento econômico do representante comercial (e não menor, como ocorreria em um contrato de intercâmbio típico).
Portanto, conclui-se que o contrato de representação comercial se situa na referida posição de entremeio dessas duas extremidades, podendo ser qualificado, assim, como um contrato de colaboração, de cooperação ou de mediação (COELHO, 2015, p. 110-111; REQUIÃO, 2011, p. 524-525; XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p. 33).
Refinando ainda mais essa subcategorização, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx entende se tratar de um contrato de colaboração por “intermediação” (2013, p. 230). Já Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2014, p. 484-485) entende se tratar de um contrato de colaboração por “aproximação” e não por intermediação, vez que o representante não promove a clássica intermediação, que se dá por compra e revenda, mas apenas aproxima as partes, o que parece estar correto, motivo pelo qual se entende ter ele razão.
Compreendido o fato de o contrato de representação comercial se tratar de um contrato mercantil, comercial, empresarial ou interempresarial e de, mais que isso, enquadrar-se na subcategoria de contratos de colaboração, mediação ou cooperação, faz-se necessário classificá-lo.
Neste ponto, pode-se questionar: qual a necessidade de se classificar o contrato de representação comercial? Ou melhor, qual a necessidade de se classificar um contrato qualquer? A melhor resposta talvez seja a dada por Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2006, p. 111), que afirma que:
Como os contratos se agrupam em várias categorias que, de modo isolado, se submetem à regulamentação de normas idênticas ou afins, haverá necessidade de classifica-los, a fim de se verificar não só as particularidades de cada contrato, mas também os ônus e as vantagens de cada contratante, bem como os efeitos jurídicos que produz.
Como se sabe, há uma infinidade de classificações possíveis acerca de uma espécie contratual, conforme o prisma pelo qual o mesmo é analisado. Sua classificação obedecerá a inúmeros critérios distintivos, que dirão respeito, por exemplo, ao seu modo de formação, à existência de disciplina legal, ao tempo de execução, à forma, ao fluxo patrimonial, a elementos subjetivos, à relação entre as prestações, à sua função socioeconômica, entre outros (MARINO, 2006, p. 22).
Primeiramente, é o contrato de representação comercial bilateral ou sinalagmático, uma vez que ambas as partes (representante e representado) contraem direitos e obrigações recíprocas, ou seja, eles são, simultaneamente, credores e devedores uns dos outros.
A título exemplificativo, por um lado, o representante tem o dever de prestar contas acerca do andamento de seu trabalho, e, por outro, o representado tem o dever de pagar as comissões devidas. Será visto adiante quais são os principais direitos e obrigações de cada parte desse contrato.
Em consequência à bilateralidade, trata-se a presente espécie contratual de um contrato oneroso, uma vez que, havendo a assunção de deveres obrigacionais por ambas as partes, exsurge às duas o direito subjetivo de exigi-los. Há uma prestação e uma contraprestação, de parte a parte; há vantagens e sacrifícios patrimoniais por ambas as partes.
Nesse sentido, o representante investe no exercício de seu ofício, arcando com os custos de locomoção e divulgação. Porém, recebe a devida remuneração em forma de comissionamento. Já o representado, por um lado, faz o pagamento da comissão devida, e, por outro, aufere lucro com as vendas agenciadas pelo representante.
O contrato de representação comercial também é consensual, ou seja, aperfeiçoa-se pela simples manifestação de vontade das partes, inexistindo a
obrigação de entrega de alguma coisa para que seja entendido perfeito. Assim, uma vez pactuadas as condições da representação comercial (zona, remuneração, exclusividade etc.), aperfeiçoado está o contrato, independentemente da tradição do que quer que seja.
Praticamente todas as obras que tratam do tema em análise e que se debruçam sobre a classificação desse contrato trazem os três critérios abordados até o momento, inexistindo qualquer divergência doutrinária acerca da bilateralidade, onerosidade e consensualidade do contrato de representação comercial (XXXXXXXX; XXXXXXX, 2013, p. 800; BULGARELLI, 2000, p. 513; XXXXXXX, 2001, p. 275;
VÍTOLO, 2007, p. 319-320).
Com relação a se tratar tanto de contrato típico, quanto nominado, embora não haja discordância quanto a esses dois pontos no que tange ao contrato de representação comercial em si, há divergência doutrinária acerca da distinção entre um critério e outro.
Parte da doutrina utiliza o termo “típico” como sinônimo de “nominado” e o termo “atípico” como sinônimo de “inominado”. Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx, ao claramente adotar tal equiparação, explica que “a idéia de distinção entre contratos nominados e inominados é originário do Direito Romano, enquanto modernamente se fala em contratos típicos e contratos atípicos” (1996, p. 61).
No mesmo sentido entende Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (2016, p. 40), ao explicar que o contrato nominado (“nommés”) é especialmente identificado e regulamentado por lei, a qual lhe dá um nome e organiza seu regime, ao passo que o contrato inominado (“innommé”) é aquele que é criado pelas partes e que não está sujeito a quaisquer regulamentos específicos. No mesmo sentido ensinam Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Verçosa (2014a, p. 132-133) e Xxxxxxxxxx Xxxxx (2016, p. 14), para quem “un contrat nommé fait l’obet d’une réglementation particulière, à la différence des contrats innommés”.
Entretanto, para outra gama de doutrinadores, por um lado, “nominado” seria o contrato cujo nomen iuris foi previsto em lei (mas não necessariamente por ela regulamentado) e “inominado” o contrato que não teve seu nomen iuris citado em lei, ao passo que “típico” seria, aí sim, o contrato devidamente regulamentado por lei (com previsão de direitos e obrigações das partes) e “atípico” aquele que não teve seus regramentos dispostos em lei. Autor que chama a atenção para essa importante distinção, explicando-a, é Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (2006, p. 405-410).
Faz-se importante registrar tal distinção, vez que pode haver situações em que um contrato terá seu nomen iuris registrado em lei, mas não será por ela regulamentado. É o caso do “contrato de franquia”, que teve seu nomen iuris mencionado na Lei nº 8.955/94, mas não teve sua estruturação por ela regrada.
No que diz respeito ao contrato de representação comercial, além de ter seu nomen iuris descrito na Lei nº 4.886/65, sendo, assim, um contrato nominado, também teve a sua estruturação disposta na mesma Lei, tratando-se, portanto, de um contrato típico.
Quanto ao momento de seu cumprimento, o contrato de representação comercial se perfaz em um contrato de “execução continuada” (de execução sucessiva, de trato sucessivo ou de duração), vez que ele tem seu cumprimento previsto de forma sucessiva ou periódica.
Tal periodicidade ou continuidade do contrato se consubstancia nos sucessivos negócios agenciados pelo representante e nos sucessivos pagamentos de comissão realizados pelo representado. Mês após mês são enviadas propostas ou pedidos pelo representante ao representado e mês após mês o representado efetua o pagamento da remuneração ao representante.
Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx (2011, p. 50-51) o classifica como um contrato de “execução diferida”. Entretanto, data venia, equivoca-se, vez que, na lição de Xxxxxx Xxxxxxx (2015, p. 39), contrato de execução diferida é aquele que tem o cumprimento previsto de uma vez só no futuro, o que não ocorre com a representação comercial.
Em continuidade, o contrato em análise é também comutativo, pois tanto representante, quanto representado podem antever quais serão suas obrigações, devidamente prescritas na Lei e em contrato, e também principal, pois existe por si só, independendo de outros (o que não ocorre, por exemplo, com o contrato de fiança, que só existe em razão de outro contrato – v.g. locação).
Entende-se também que o contrato de representação comercial é impessoal, em contraposição ao contrato intuitu personae, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que dará cumprimento ao contrato, importando tão somente o resultado final. Aliás, é justamente a impessoalidade uma das importantes notas que distinguem tal contrato de uma relação de emprego, que é marcada pela pessoalidade
do empregado prestador do serviço.
Se houvesse pessoalidade na prestação da representação comercial, um mínimo de subordinação que essa relação ostentasse, facilmente poderia ser
caracterizado o vínculo empregatício. Entretanto, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx (2000, p. 513), Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx X. Mendonça (2013, p. 669) e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (2011, p. 693) discordam desse ponto, registrando que o contrato sub examine é, sim, intuitu personae.
Trata-se, ainda, de um contrato não-solene ou informal, vez que não depende de ato público, tão pouco de uma forma especial apontada em lei. Deste ponto diverge Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx, que o classifica como um contrato formal, sob o argumento de que a Lei nº 4.886/65 fixa para ele alguns elementos e cláusulas essenciais, além de estipular a forma escrita como obrigatória (2011, p. 49).
Discorda-se, uma vez mais do autor, vez que a tão só fixação de alguns elementos e cláusulas essenciais não é suficiente para torná-lo solene ou formal, pois, se fosse assim, todos os contratos típicos (como compra e venda, locação etc.) seriam solenes ou formais, uma vez que a lei os regulamenta, prevendo elementos essenciais.
Ademais, a Lei nº 4.886/65 também não exige que o contrato de representação comercial seja celebrado por escrito, sendo pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça1 quanto à possibilidade de contratação verbal de representação comercial, razão pela qual se discorda do entendimento esposado por Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx.
No que diz respeito à negociabilidade das cláusulas e condições da representação comercial, na prática e em regra, trata-se de contrato por adesão (em contraposição ao contrato paritário), uma vez que, na maioria dos casos, o representante comercial simplesmente adere às condições impostas pelo representado.
Por fim, trata-se também de um contrato empresarial, mais especificamente de colaboração por aproximação, questões já melhor abordadas anteriormente, sendo despiciendos outros comentários a respeito.
Como alerta Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2015, p. 64-70), seria possível até mesmo subclassificar os contratos empresariais segundo diversos critérios, como, por exemplo, conforme a significância ou insignificância de suas externalidades, entre
1 REsp nº 1.274.569/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Julg. 08.05.2014; AgRg no AREsp nº 688.747/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx, Julg. 16.06.2016; EDcl no REsp 1.292.775 / RS, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Julg. 02.06.2015. REsp 846543 / RS, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Julg. 05.04.2011.
outros. Entretanto, opta-se por se restringir às categorias tradicionais de classificação, vistas acima.
Desta forma, em resumo, pode-se classificar o contrato de representação comercial como bilateral (ou sinalagmático), oneroso, consensual, típico, nominado, de execução continuada (de execução sucessiva, de trato sucessivo ou de duração), comutativo, principal, impessoal, não solene, por adesão (em regra), e, ainda, empresarial e de colaboração.
2.4 Distinção de outras espécies contratuais
Ainda no intento de se identificar com a maior clareza possível o instituto em estudo, faz-se oportuno distinguir o contrato de representação comercial de outras espécies contratuais que com ele guardam alguma similitude, ora em maior, ora em menor escala.
A primeira distinção a ser feita diz respeito ao contrato de mandato. Em uma análise perfunctória, poder-se-ia identificar o contrato de representação comercial com o contrato de mandato, vez parecer que naquele alguém (representante) receberia poderes de outrem (representado) para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses, exatamente como se dá no mandato, conforme art. 653, do Código Civil.
Primeiro se distinguem vez que, geralmente, o mandato é outorgado para a prática de atos específicos e determinados, ao passo que a relação de representação comercial se forma para a prática de negócios indeterminadamente, destinando-se a ser uma relação contínua e duradoura.
Outra importante diferença diz respeito aos limites dos poderes recebidos pelo mandatário e pelo representante comercial. Enquanto este, via de regra, recebe poderes apenas para aproximar representado e clientes, coletando e repassando pedidos (sem conclui-los), aquele recebe poderes, inclusive, para a conclusão e fechamento do negócio.
Além dessas importantes diferenças, Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx (2014,
p. 36) lembra outras duas diferenças acessórias: (i) em regra, o representante não é remunerado pelas despesas do exercício normal de sua atividade, ao passo que o mandatário o é; e (ii) o mandatário, geralmente, é remunerado independentemente do resultado de seu trabalho, ao passo que o representante só recebe as comissões em razão dos negócios concluídos.
Outra distinção a ser feita diz respeito ao contrato de comissão, prescrito no art. 693 e seguintes do Código Civil. Por este contrato, o comissário visa à aquisição ou à venda de bens, em seu próprio nome, à conta do comitente.
Também, a princípio, seria possível confundir ambos os institutos, vez que na comissão mercantil uma das partes (comissário) pratica atos no interesse e por conta da outra (comitente).
Entretanto, a principal diferença entre eles reside no fato de que, na comissão, o comissário atua em seu próprio nome, ficando diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar (art. 694, CC), responsabilizando-se, por exemplo, por vícios na mercadoria, o que nitidamente não ocorre com o representante na representação comercial.
Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxxx (2002, p. 38) registra que:
O representante comercial, agindo em nome e no interesse do representado, não é atingido pelos atos que pratica, dentro dos poderes que recebeu. Na comissão mercantil o comissário age em seu próprio nome, sendo em face do terceiro o responsável pelo ato praticado, muito embora o tenha realizado por conta e no interesse do comitente.
Ademais, assim como ocorre no “mandato”, em regra, no contrato de comissão mercantil, o comissário possui poderes para concluir o negócio e se vincula ao comitente de forma ocasional, episódica, o que não ocorre no contrato de representação comercial (MELLO, 2014, p. 37).
Outra distinção que merece comento é a feita em relação aos contratos de concessão e de franquia (para alguns, contratos sinônimos; para outros, a franquia como um tipo especial de concessão; para outros, ainda, espécies distintas de contratos). Entretanto, dadas as inegáveis similaridades entre a concessão e a franquia, ambas serão tratadas conjuntamente neste ponto, em contraposição à representação comercial.
São diversas as diferenças entre essas espécies contratuais. A primeira grande diferença está no próprio âmago dos contratos, vez que, enquanto na concessão comercial e na franquia a distribuição (escoamento) da mercadoria se dá por intermediação, ou seja, mediante compra e revenda pelo concessionário ou pelo franqueado, na representação comercial se dá por aproximação, inexistindo compra e revenda, mas sim venda direta pelo representado ao cliente.
Em decorrência disso, enquanto na concessão e na franquia a remuneração se dá pela diferença entre o preço de compra e o preço de revenda do produto (margem de lucro), na representação se dá por comissionamento (percentual aplicado sobre o valor da mercadoria).
Ademais, o concessionário e o franqueado, ao contrário do representante comercial, como já visto, agem em seus nomes e por conta própria. Além disso, o contrato de concessão e o de franquia envolveriam outros aspectos não versados na representação comercial, como o uso de marca, a prestação de assistência técnica ou administrativa, entre outros.
Entre o contrato de representação comercial e o de distribuição, disposto na parte final do art. 710, do Código Civil, a diferença reside precipuamente na forma como se dá a venda dos produtos em um caso e em outro. Nesse sentido, Xxxxx X. Forgioni (2008, p. 97) ensina que:
A distinção entre as vendas efetuadas por um sujeito enquanto representante e distribuidor é patente: como distribuidor, adquire bens em nome próprio, que são em seu nome faturados. Com a revenda posterior, seu proveito econômico é a diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda ao adquirente.
[...].
Na representação comercial, a venda é diretamente realizada pelo fornecedor aos adquirentes. A remuneração consiste na comissão previamente ajustada.
Em decorrência disso, pode-se afirmar que, enquanto o representante comercial exerce seu mister sem ter a disponibilidade dos produtos negociados (vez que não os adquire e age em nome e por conta do representado), o distribuidor dispõe das mercadorias (haja vista tê-las adquirido para revenda).
Mais uma distinção que merece discussão é a entre o contrato de representação comercial e o contrato de trabalho (com vínculo empregatício), celebrado com vendedores, pracistas ou viajantes, ofícios estes regulados pela Lei nº 3.207/57, bem como pela Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/43).
É inegável o fato de haver algumas similitudes entre os contratos em questão, como a estabilidade do vínculo, a defesa dos interesses do contratante pelo contratado, bem como o tipo de atividade desenvolvida pelo contratado, qual seja a promoção dos negócios do contratante (XXXXX, 2014, p. 39).
Além dessas semelhanças, Vólia Bomfim Cassar (2012, p. 302-305), a fim de demonstrar a proximidade entre ambos os institutos, elenca diversas outras afinidades entre esses contratos, podendo ser citadas, a título exemplificativo: (i) possibilidade de ambos os contratados firmarem contratos por prazo certo ou indeterminado; (ii) impossibilidade de o contratado conceder descontos ou abatimentos sem a anuência do contratante; (iii) possibilidade de estorno das comissões em caso de inadimplência do cliente; (iv) impossibilidade de pactuação da cláusula del credere; (v) obrigatoriedade de concessão de aviso prévio em caso de denúncia do contrato por prazo indeterminado; (vi) incidência de multa equivalente à média mensal da retribuição auferida multiplicada pela metade do número de meses resultantes do prazo contratual em caso de rescisão do contrato celebrado por prazo determinado; entre outras.
Não obstante tais semelhanças entre ambos os contratos, tratam-se de figuras que não podem ser confundidas, vez que apresentam importantes distinções, o que se pode notar já nas definições legais de “representante comercial” e de “empregado”, prescritas na Lei nº 4.886/65 e no Decreto-Lei nº 5.452/43, respectivamente.
Nesse ínterim, o representante comercial é a pessoa física ou jurídica que desempenha, sem relação de emprego, em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados (art. 1º, da Lei nº 4.886/65). Já o empregado é toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário (art. 3º, do Decreto-Lei nº 5.452/43). Note-se as diferenças entre ambos.
Como bem observam Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (2016,
p. 62-63), a distinção entre a relação de representação comercial e a relação empregatícia reside, sobretudo, na análise de três elementos: a pessoalidade, a subordinação e a remuneração.
Quanto ao primeiro elemento, tem-se que o representante comercial pode ser tanto pessoa física, quanto jurídica; já o empregado, apenas pessoa física. Em vista disso, a relação de representação comercial é, via de regra, dotada de impessoalidade (sobretudo se praticada por pessoa jurídica), ao passo que a relação de emprego possui nítido caráter intuitu personae.
A impessoalidade em questão também se faz presente no contrato de representação comercial na possibilidade que o representante comercial tem de atuar
mediante funcionários próprios, prepostos ou sub-representantes, o que não se faz possível ao empregado.
Em relação ao segundo elemento, entre representante e representado não há subordinação jurídica e hierárquica, ostentando o representante grande autonomia funcional; já na relação de emprego, o empregado se subordina ao empregador, que possui sobre ele o chamado poder diretivo.
Quanto a essa importante nota distintiva, Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx (2014, p.
22-23) assevera que:
Por estes motivos, é concedido ao agente uma carga de independência em virtude da qual se permite afirmar ser ele autônomo em relação ao agenciado
– ao contrário do trabalhador que, através do contrato de trabalho, se encontra juridicamente subordinado à entidade patronal. O agente não é subordinado às ordens do principal, o que não significa que ele seja absolutamente autônomo, pois, ao menos, caber-lhe-á seguir as instruções do agenciado, conformando-se com as orientações recebidas, adequando-se à política económica da empresa e, ainda, prestando regularmente contas da sua atividade.
Como indicado nas lições de Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, não se trata de autonomia irrestrita do representante comercial, mas sim da ausência da subordinação hierárquica característica da relação de emprego, em que o empregado deve prestar satisfação de todas as suas atividades, comparecer periodicamente no estabelecimento do empregador, obedecer às políticas de vendas a ele repassadas, obedecer às agendas e aos cronogramas de visitas a clientes estabelecidas pelo empregador etc.
O representante comercial deve prestar minimamente contas ao representado, enviando relatório de atividades, por exemplo, mas tem liberdade de definir seu itinerário de visitas a clientes, liberdade para escolher os horários dessas visitas, entre outros, de modo que sua situação não caracteriza a subordinação típica da relação de emprego. Trata-se de outro tipo de subordinação, denominada por Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2014, p. 483) de “subordinação empresarial”.
Outros autores entendem que a subordinação encontrada na representação comercial se subsume à figura da chamada “parassubordinação”, instituto criado pela doutrina italiana para o enquadramento de uma parcela de contratados que se encontraria em posição intermediária em termos de subordinação, situando-se entre a subordinação típica, característica dos empregados, e a plena autonomia, peculiar de prestadores de serviços diversos (OLIVEIRA, 2007, p. 118-122).
Por fim, ao passo que o empregado é remunerado por meio de um salário, que, em regra, independe dos resultados produzidos, o representante comercial aufere sua remuneração mediante o recebimento de comissões, calculadas com base nos negócios por ele agenciados.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (2008, p. 39) acrescenta outros dois elementos diferenciadores dessas espécies contratuais, a saber:
[...]. O representante destina o resultado econômico de seu trabalho ao seu proveito próprio, enquanto no contrato de trabalho o empregado o destina a favor exclusivo do empregador.
[...]. O representante assume os riscos da atividade econômica, ao passo que o empregado não se vincula ao resultado econômico do seu trabalho.
Portanto, ao menos em tese, sem embargos dos pontos de convergência entre esses contratos, a distinção entre um e outro é clara, devendo ser perquiridas a existência ou não de pessoalidade na prestação do serviço, a presença ou não de subordinação do prestador em relação ao tomador, a forma de remuneração empregada, a destinação do resultado econômico da atividade e a assunção de riscos da atividade econômica.
Entretanto, no plano fático, a dificuldade de diferenciação entre uma figura e outra se sobreleva. A aproximação, na prática, entre esses contratos se dá, primeiramente, pela própria origem do representante comercial, que se consubstancia em uma evolução justamente de figuras como o pracista e o viajante (empregados).
Além de se originar de um mesmo tronco, o contrato de representação comercial compartilha, necessariamente, de importantes características do contrato de emprego, como já dito, além de também poder compartilhar, em certos casos, de outras características da relação empregatícia, como a pessoalidade (se pactuada com pessoa física) e a exclusividade (se avençada contratualmente) (XXXXXXX, 2007, p. 151).
Como se o compartilhamento de uma mesma origem e a comunhão de algumas importantes características não fossem o suficiente para demonstrar a proximidade entre um contrato e outro, há outra que pode ser invocada para tanto: a equiparação dos créditos decorrentes da representação comercial aos créditos trabalhistas para fins de habilitação no processo de falência do representado, consoante disposto no art. 44, da Lei nº 4.886/65.
Ou seja, a própria legislação antevê alguma similitude entre os institutos, equiparando o crédito de ambos (representante e empregado) para fins de habilitação na falência do representado.
A despeito da ausência de previsão legal expressa, nossos Tribunais também vêm paulatinamente equiparando os créditos dos representantes comerciais aos trabalhistas para fins de habilitação em processo de recuperação judicial do representado, ao menos quando o representante se consubstanciar em empresário individual (pessoa física),2 não obstante haja doutrinadores que sejam contrários a tal equiparação (XXXXXXXXX, C., 2011, p. 51-52).
A proximidade entre ambos os institutos é global. Tanto é assim que, a título exemplificativo, na Itália, as normas processuais trabalhistas são aplicadas às relações de representação comercial (BULGUERONI, 2011, p. 62-63).
Já na Alemanha, quando se tratar de um representante comercial de uma única empresa, ou seja, de um representante que, por alguma razão, não possa atuar para outros representados, poderão lhe ser aplicadas algumas normas trabalhistas, a fim de garantir suas necessidades sociais e econômicas (XXXXXXX, 1997, p. 779-780).
Não são raras as situações em que sociedades empresárias e empresários mal-intencionados se utilizam da figura da representação comercial para mascararem uma verdadeira relação de emprego, fraudando a legislação trabalhista. Tratam-se de verdadeiras relações de emprego travestidas de relação de representação comercial, com o fito de se esquivar dos direitos trabalhistas.
Tais situações devem ser evitadas e combatidas, a fim de se coibir condutas ilegais e lesivas aos empregados cujos direitos são tolhidos, mediante a simulação de relações jurídicas interempresariais.
Por fim, mas não por isso menos importante, a distinção mais complexa de ser feita é a entre a representação comercial e a agência, dadas as gigantescas semelhanças entre ambos os contratos. Aliás, questiona-se até se seria possível (e até mesmo correto) fazer tal diferenciação. Agência e representação comercial seriam exatamente a mesma espécie contratual, sendo tais expressões sinônimas? Ou seriam, mesmo, contratos distintos? Ou um seria uma espécie do outro?
2 TJSP: AI nº 2009670-38.2017.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada ao Direito Empresarial, Rel. Des. Hamid Bdine, Julg. 11.07.2017; AI nº 2117234-13.2016.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada ao Direito Empresarial, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxxx; TJRS: AI nº 0081926-03.2017.8.21.7000, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxx Xxxxxxxxx Xxxx, Julg. 29.06.2017.
Essa, certamente, é a distinção mais polêmica da doutrina nacional, opondo doutrinadores de renome em ambos os posicionamentos, sendo que alguns entendem se tratar de uma mesma espécie contratual (apenas com nomenclaturas diferentes), ao passo que outros entendem se tratar de espécies distintas. E tal discórdia se dá por diversas causas.
Primeiramente, porque a representação comercial em alguns países é tratada com o nome de agência, seja na Europa, como ocorre na Itália, na Suíça e na França, seja na América, como ocorre na Colômbia, na Bolívia, entre outros.
Maior dúvida ainda desabrochou no país a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que passou a prever o contrato de agência em seu art. 710 e seguintes, com definição bastante próxima do contrato de representação comercial, regulado pela Lei nº 4.886/65, passando a coexistir no ordenamento jurídico brasileiro duas legislações distintas, regulando contratos com nomen iuris distintos, mas com definições equivalentes.
A ala da doutrina que defende que o contrato de agência e o contrato de representação comercial se tratam de uma mesma espécie contratual encontra substancialmente mais adeptos que aquela que entende se tratarem de espécies distintas, sendo capitaneada por nomes de relevo do Direito brasileiro.
O primeiro autor que prega a identidade entre os contratos em questão é Xxxxxx Xxxxxxx, que talvez tenha sido o maior estudioso da representação comercial no Brasil.
Já na introdução de sua clássica obra “Do Representante Comercial”, ao comentar o instituto em face do então projeto que originaria o Código Civil de 2002, afirma que “a representação comercial, denominada na legislação continental europeia de agência e assim usada pelo Projeto de Código Civil Brasileiro, constitui uma atividade relativamente recente, surgida tardiamente no Direito Comercial” (REQUIÃO, 2002, p. 1).
Em outra de suas obras sobre esse tema, Xxxxxx Xxxxxxx deixa ainda mais clara a equivalência ao comentar a ocorrência de mera alteração do nomen iuris do contrato, ao asseverar que “[e]m que pese a mudança do nome do contrato, no contrato de agência estão previstos todos os elementos do contrato de representação comercial” (2005, p. 210-211).
Ainda na “velha guarda” do Direito Comercial e também em comento ao então projeto de Código Civil, no capítulo de sua obra que trata da representação comercial,
Xxxx Xxxxxxx afirma que “[o] Projeto do Código Civil de 1975 regula, igualmente, esse contrato com o mesmo nome de Agência e distribuição nos arts. 719 a 730” (2001, p. 270).
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx (2000, p. 511-512) e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (1994, p. 83-86) também seguem o mesmo entendimento de agência se tratar simplesmente de uma nova denominação do contrato de representação comercial ao mencionarem que o então projeto de Código Civil regula a representação comercial sob a denominação de agência.
Também na mesma linha dos autores anteriores parecem estar Washington de Xxxxxx Xxxxxxxx (2007, p. 311), Xxxxxxx Xxxx (2012, p. 719-720) e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2013, p. 229), vez que todos eles, ao conceituarem ou caracterizarem o contrato de representação comercial, acrescentam a essa denominação contratual a conjunção alternativa “ou”, seguida do termo “agência”.
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx (2003, p. 23) é ainda mais claro e expresso acerca da sinonímia entre os contratos, afirmando que “[o] novo Código Civil (LGL\2002\400), a exemplo do direito europeu, atribui à atividade tradicional da representação comercial o nomen iuris de agência”.
Até mesmo autores contemporâneos, que já tiveram tempo e oportunidade de acompanhar a maturação e a depuração do dilema em comento, fazem coro aos tradicionais autores mencionados. Nesse sentido, Xxxxxxx X. Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 799) implicitamente fazem tal equiparação ao mencionarem que o contrato de agência é mais conhecido no país como contrato de representação comercial.
Comentando o Código Civil de 2002, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2010, p. 119) é mais claro ao afirmar que:
Em nosso país, após tramitar por muitos anos no Congresso Nacional, foi aprovada e sancionada no dia 10.01.2002, a Lei 10.406, que instituiu o novo Código Civil, que deverá vigorar no dia 10.01.2003. Este novo Código modifica a denominação do Contrato de Representação Comercial para Contrato de Agência Comercial, além de aumentar o prazo do aviso prévio, pela rescisão imotivada de trinta, para noventa dias.
Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 16) e Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx (2006, p. 472) também são claros quanto à equiparação, afirmando este último que “[o] confronto dos dispositivos legais que disciplinam a definição dos contratos de agência e aquela
do contrato de representação comercial basta para conclusão de que se trata do mesmo fenômeno jurídico”.
Na mesma linha exposta até o momento, Xxxxxxxx Xxxxxx (2016, p. 37) entende que, embora a lei especial se refira à “representação comercial” e o Código Civil faça menção à “agência”, regulam tais diplomas legais um mesmo instituto contratual, de modo que se distinguem apenas na nomenclatura. No mesmíssimo sentido é a preleção de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (2008, p. 54).
Em contraposição a essa verdadeira constelação de autores do direito contratual e comercial brasileiros que defendem a correspondência entre esses contratos, apresentam-se outros autores de escol, ainda que em menor número, com convincentes argumentos.
O civilista Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (2007, p. 505) é enfático na distinção desses contratos ao afirmar que:
Algumas legislações adotaram a denominação de agência para o contrato de representação, estabelecendo certa confusão. O contrato tratado pela lei mencionada é de representação. O contrato de agência situa-se, qualitativamente, em plano inferior ao de representação, razão pela qual não podem ser tomados como expressões sinônimas, embora parte da doutrina o faça.
Continua ele, mencionando que o representante possui poderes mais extensos que o agente, devendo concluir o negócio, ao passo que o agente apenas prepara o negócio (VENOSA, 2007, p. 505-507), não obstante haja autores que entendem que o representante comercial também depende de prévia autorização do representado para concluir o negócio (XXXXXX, 2009, p. 11). Ademais, o representante é necessariamente empresário, ao passo que o agente, não (VENOSA, 2007, p. 507).
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (2011, p. 693) justificam a distinção invocando a natureza estritamente mercantil do contrato de representação comercial, contrapondo-se ao contrato de agência, que pode ser utilizado em quaisquer relações puramente civis, como no agenciamento de escritores, artistas etc. No sentido de se tratarem apenas de contratos “aparentados” ou “assemelhados”, mas não de uma mesma espécie contratual, vão Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Duclerc Verçosa (2014b, p. 163) e Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2015, p. 131).
Também pregam a disparidade Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx (2012, p. 272) e Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx (2011, p. 445-446), que elencam como razões o fato de a agência
possuir um espectro amplo (“promoção da realização de negócios”) e a representação um espectro mais reduzido (“obtenção de pedidos ou propostas de venda dos produtos”) e as inúmeras divergências entre uma lei e outra.
Fechando o rol de autores que não equiparam os contratos em testilha, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx (2011, p. 144) faz um simples, porém interessante exercício lógico em defesa de seu entendimento: “Em primeiro lugar há duas leis, portanto, dois contratos; se houvesse um só contrato, não haveria necessidade de duas leis”.
Acrescenta a essa razão, outras: (i) o contrato de representação exige de seu partícipe o registro em órgão regulador, ao passo que o de agência, não; (ii) o contrato de agência prevê um subcontrato (distribuição), o que não ocorre com a representação; e (iii) o representante promove “negócios mercantis”, enquanto os agentes promovem “certos negócios” (ROQUE, 2011, p. 144).
Por fim, uma terceira e minúscula (porém muito lúcida e lógica) corrente surgiu para explicar a relação entre os contratos de representação comercial e de agência: a de que agência seria um gênero contratual e representação comercial uma de suas espécies.
Tal linha é defendida de forma expressa, porém timidamente, por Gladston Xxxxxx (2009, p. 401), que leciona que “[...] o contrato de representação comercial é uma espécie apenas do gênero contrato de agência, não do contrato de distribuição [...]”.
Na mesma linha, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2002, p. 88) afirma que:
Segunda este entendimento pessoal, o contrato de representação comercial autônoma passa, então, a partir da vigência da norma, a constituir uma espécie do gênero contrato de agência. Assim, a norma genérica seria aplicada de forma supletiva à lei especial (v.g. arts. 716 e 717 do Código).
Talvez o predecessor dessa teoria tenha sido Xxxxxxx Xxxxx (2008, p. 450), que, embora registre em sua obra parecer não restar dúvida de que representação comercial e agência se tratem de um mesmo tipo contratual, explica que a agência regulada pela Lei nº 4.886/65 tem por objeto a promoção de negócios mercantis, “[...] de modo a constituir um subtipo do contrato de agência”. Talvez sem perceber, lançou as bases para a corrente de relação “gênero vs. espécie”.
Também no mesmo sentido de Xxxxxxx Xxxxx, ou seja, afirmando que o contrato de representação comercial não é uma espécie contratual diversa do contrato
de agência, mas uma espécie desse gênero, Xxxxxxx Xxxxxx (2017, p. 293) diz que o contrato de representação comercial “[t]rata-se de modalidade específica, contida no gênero ‘agência-distribuição’ aplicável a negócios empresariais específicos [...]”.
De fato, por um lado, agência e representação comercial possuem diferenças significativas que impedem a total e completa equiparação entre ambos, como, legislação de regência (art. 710 e seguintes, do Código Civil vs. Lei nº 4.886/65), qualidade do exercente do ofício (empresário ou não vs. empresário), natureza do contrato (civil em geral vs. mercantil), amplitude do escopo do contrato (promoção da realização de negócios vs. obtenção de propostas de venda dos produtos) etc.
Entretanto, por outro, é inegável possuírem infindáveis semelhanças, que são tantas, já demonstradas acima, que não serão repetidas para não tornar o presente trabalho maçante.
Em vista da inequívoca existência tanto de semelhanças, quanto de diferenças entre tais contratos e levando-se em conta que agência parece ter um espectro mais amplo que a representação comercial (não apenas mercantil), parece plausível a corrente que defende que esta é espécie e aquela, gênero.
Embora bastante coerente e crível e não obstante pareça ser o posicionamento mais correto, prepondera na doutrina pátria atualmente o que propala a equivalência entre representação comercial e agência.
2.5 Direito comparado
A espécie contratual ora em estudo é largamente utilizada mundo afora, desempenhando importante papel na cadeia produtivo-distributiva de mercadorias nos países. Registra-se sua presença, ora como contrato tipificado, ora como contrato atípico, ora com a denominação de agência, ora com a denominação de representação comercial, em praticamente todos os continentes, embora o presente trabalho se limite a abordar alguns países da Europa e da América do Sul.
Na Europa, predomina a denominação de “agência” para esse contrato (e “agente” para o seu exercente), com raras exceções, como na Alemanha, onde a lei adota o nome de “representação comercial” e, consequentemente, “representante comercial” (Handelsvertreter) para o seu exercente.
Nesse sentido, o Código Comercial Alemão, de 1897 (Handelsgesetzbuch ou, simplesmente, HGB), em seu art. 84, define como representante comercial a pessoa
que, de forma permanente e independente, recebe a tarefa de intermediar negócios para outro empresário ou celebrá-los em nome daquele. O regramento da representação comercial no HGB se dá ao longo de 23 artigos, seguindo até o art. 00- X.
Xx Xxxxxx, o Código Civil (Codice Civile), instituído pelo Decreto Real nº 262, de 16.03.1942, em seu art. 1.742, traz as primeiras noções do contratto di agenzia, estipulando que, com o contrato de agência, uma parte assume, de forma permanente, o encargo de promover, por conta de outra, mediante retribuição, a conclusão de contratos em uma zona determinada.
Na França, o contrat d'agence commerciale é regulado pelo Decreto nº 58- 1345, de 23 de dezembro de 1958. Em sua versão original, o art. 1º previa que:
Est agent commercial le mandataire qui, à titre de profession habituelle et indépendant, sans être lié par un contrat de louage de services, négocie et, eventuellement, conclut des achats, des ventes, de locations ou de prestations de service, au nom et pour le compte de producteurs, d'industriels ou de commerçants.
Não obstante tal legislação tenha sido reformada ao longo do tempo e tal dispositivo não esteja mais assim redigido, as caracterísitcas essenciais do instituto se mantêm na França.
Na Áustria, o instituto (também denominado de representação comercial, como na Alemanha) é regulado pela Lei Federal sobre as Relações Jurídicas de Representantes de Vendas Independentes, de 1º de março de 1993 (Bundesgesetz über die Rechtsverhältnisse der selbständigen Handelsvertreter ou apenas HvertrG 1993), que substituiu em sua maior parte a Lei dos Representantes de Vendas de 24 de junho de 1921.
O artigo 1º da HvertrG define como representante comercial aquele a quem é confiado permanentemente a intermediação ou a conclusão de negócios, exceto relativo a bens imóveis, em nome ou por conta de outrem, com independência e profissionalismo.
Já na Suíça, o contrat d’agence é regulado a partir do art. 418 do Livre Cinquième: Droit des Obligations, parte integrante do Code Civil Suisse. Esse artigo foi introduzido no referido livro por lei de 4 de fevereiro de 1949 e prevê que “L’agent est celui qui prend à titre permanent l’engagement de négocier la conclusion d’affaires
pour un ou plusieurs mandants ou d’en conclure en leur nom et pour leur compte, sans être lié envers eux par un contrat de travail”.
Em Portugal, o Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de julho, regulamenta o “contrato de agência ou representação comercial”, deixando clara a equiparação entre um instituto e outro.
Seu art. 1º, item 1, alterado pelo Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de abril, possui redação cujos elementos em muito se assemelham à definição de representante comercial estipulada na Lei nº 4.886/65. In verbis: “Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”.
Esse dispositivo contém os principais elementos da representação comercial no Brasil, quais sejam a autonomia do representante, a habitualidade na prestação do serviço, o desenvolvimento de atividade de angariação de negócios, a delimitação de uma área de atuação e a retribuição dos serviços.
Na América do Sul, talvez a previsão legal mais recente acerca do contrato de representação comercial seja a encontrada na Argentina, onde, em 1º de agosto de 2015, passou a vigorar o Código Civil y Comercial de la Nación, com expressa previsão desse contrato (chamado de contrato de agencia), a partir do art. 1.479.
Até a referida data, o país platino carecia de uma legislação que previsse e regulasse, adequadamente e de forma apartada de outros institutos semelhantes, o contrato em estudo, tratando-se, até então, de um contrato atípico (CALÁBRIA, 2002,
p. 80; VÍTOLO, 2007, p. 318), não obstante fosse largamente utilizado na prática. O referido dispositivo legal dispõe que:
Articulo 1479. Definición y forma. Hay contrato de agencia cuando una parte, denominada agente, se obliga a promover negocios por cuenta de otra denominada preponente o empresario, de manera estable, continuada e independiente, sin que medie relación laboral alguna, mediante una retribución.
A Argentina possuía, entretanto, uma legislação (Lei nº 14.546/58) um tanto quanto ampla, que açambarcava indevidamente em um mesmo tratamento jurídico institutos distintos, como viajantes, viajantes de plaza, placistas, corredores, viajantes o corredores de industria, corredores de plaza o interior, agentes, representantes e corredores domiciliarios.
Embora alguns autores preguem que tal lei regularia a representação comercial nesse país (REQUIÃO, 2002, p. 8), predomina o entendimento de que assim não o era, vez que o referido comando legal se destinava à figura do viajante, vinculado ao contratante por uma modalidade de contrato de trabalho (MASNATTA, 1961, p. 111 apud SAITOVITCH, 1999, p. 30) e com subordinação hierárquica (CALÁBRIA, 2002,
p. 80), características muito distintas do contrato em estudo.
Já no Uruguai, trata-se de contrato inominado, vez que inexiste legislação que regule essa espécie contratual, havendo, apenas, a Lei nº 16.497/94 que regula especificamente as atividades dos representantes de firmas estrangeiras no país.
No Paraguai, parece se tratar de matéria regulada (ainda que de forma um pouco confusa e de modo reflexo) pela Lei nº 194, de 6 de julho de 1993, que estabelece o regime legal das relações contratuais entre fabricantes e empresas estrangeiras e pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no Paraguai.
O art. 2º da mencionada lei distingue a representação da agência. Para a Lei, representação seria a autorização outorgada por contrato para que uma pessoa física ou jurídica, domiciliada no Paraguai, gerencie ou realize transações comerciais para a promoção, venda ou colocação, no país ou em outras áreas, de produtos e serviços fornecidos pela empresa estrangeira.
Tal instituto não parece se tratar do representante comercial propriamente dito, mas sim do mandatário, que atua em nome do representado, sobre quem recairiam eventuais consequências jurídicas dos atos praticados pelo representante.
Já a agência seria a relação contratual por meio da qual uma empresa estrangeira autoriza uma pessoa física ou jurídica, domiciliada no Paraguai, a intermediar na gestão, realização ou conclusão de negócios ou contratos com clientes, dentro do país ou em outras áreas, para a promoção, venda ou colocação de produtos e serviços, mediante o pagamento de uma comissão. Este, sim, parece se tratar da figura do representante comercial.
Na Colômbia, o instituto é regulado de forma clara no Código de Comercio, no art. 1.317, que, ao tratar do contrato de agencia comercial, estipula:
Por medio del contrato de agencia, un comerciante asume en forma independiente y de manera estable el encargo de promover o explotar negocios en un determinado ramo y dentro de una zona prefijada en el territorio nacional, como representante o agente de un empresario nacional o extranjero o como fabricante o distribuidor de uno o varios productos del mismo.
Por fim, no Peru, consubstancia-se em contrato atípico, que, entretanto, diferencia-se de outras espécies contratuais (típicos ou atípicos) lá existentes, caracterizando-se como um contrato pelo qual o agente, de forma independente e mediante remuneração, promove os negócios do agenciado, de maneira permanente e com seus próprios recursos (AGUILAR; RÍOS, 2010, p. 179-180).
2.6 Partes
O contrato de representação comercial possui em seus polos partes com características e papeis bem definidos, sendo constituído, de um lado, pelo representante comercial, que exercerá o ofício de intermediação e angariação de negócios, e, de outro, o representado, para quem tal serviço será prestado e quem efetuará o pagamento da remuneração.
Diz o art. 1º da Lei nº 4.886/65 que:
Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Em vista do conceito legal, Xxxxxx Xxxxxxx (1950, p. 36) define o representante comercial como “a pessoa que, de maneira permanente, em carater profissional, realiza, numa determinada zona, os atos de comércio peculiares à promoção e conclusão de negócios por conta e em nome de uma ou mais empresas”. Pode o representante comercial ser pessoa natural, assim entendido o empresário individual, ou pessoa jurídica, seja uma sociedade empresária, seja uma
EIRELI.
Não tem o representante comercial vínculo de emprego junto ao representado, vez que deve ele exercer suas funções com autonomia. Aliás, despicienda a menção à inexistência de relação de emprego na Lei, uma vez que se trata de representação comercial “autônoma”. Além disso, deve o representante exercer sua atividade em caráter não eventual, ou seja, com habitualidade e profissionalismo, questões já abordadas acima.
Questão polêmica na doutrina diz respeito à natureza empresarial do representante comercial. Já se afirmou acima que o representante comercial é, necessariamente, um empresário (COELHO, 2015, p. 131; XXXXX, 2008, p. 455;
XXXXXXX, 2001, p. 269; REQUIÃO, 2002, p. 22-31; XXXXXXXX XXXXXX, 2003, p.
35; VERÇOSA, 2014b, p. 163-164).
Entretanto, na doutrina nacional, há quem pense de forma distinta, ou seja, que o representante comercial não será sempre e necessariamente um empresário. Entretanto, não parece ter razão tal corrente. E assim se afirma por diversas razões.
Primeiro, porque, pela leitura do art. 1º, da Lei nº 4.886/65, que define o representante comercial autônomo, extraem-se características e condições que se subsumem à figura do empresário, conceituado no art. 966, do Código Civil. Ou seja, se para ser representante comercial o sujeito deve preencher as características do art. 1º da Lei em estudo, ao preenchê-las, terá preenchido, também, as qualidades de um empresário.
Estatui o art. 966, do Código Civil, que: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Pois bem. Para que a pessoa física ou jurídica seja considerada representante comercial, deve exercer o ofício em questão em caráter não eventual, ou seja, com habitualidade, com profissionalismo, como já se disse neste trabalho. Eis a primeira subsunção da figura do representante à figura do empresário.
Além disso, para que se considere representação, deve o sujeito promover negócios em benefício do representado, mediante remuneração, ou seja, deve ele gerar riqueza para o representado e, consequentemente, para si mesmo. Isso se traduz em uma atividade econômica, outro requisito do conceito de empresário.
O mister precípuo do representante comercial é a coleta de pedidos ou propostas de vendas de produtos fabricados pelo representado, de modo que sua atividade visa, indubitavelmente, a circulação de bens, a circulação de mercadorias, o que também é visado pelo empresário.
Por fim, deve o sujeito, para que se considere representante, agir com autonomia, arranjando seu próprio estabelecimento, bem como coordenando todos os fatores de produção, como capital, know how etc. Em outras palavras, deve o representante desempenhar uma atividade de forma organizada, consoante art. 966, do Código Civil.
E que nem se cogite que o representante comercial que atua singularmente, sem o auxílio de empregados, não poderia ser considerado empresário por faltar um dos elementos dos fatores de produção (mão-de-obra), esvaziando o item “organização” do conceito de empresário, pois já se entende que a utilização de mão- de-obra não é condição sine qua non para a caracterização de uma atividade organizada e, consequentemente, de empresário (XXXXXXXX, 2013, p. 45).
A segunda razão é porque não se pode vislumbrar a possibilidade de uma pessoa que intermedeia exclusivamente “negócios mercantis” praticar atividade não- mercantil. Sobre essa lógica, Xxxxxx Xxxxxxx (2002, p. 31) assevera que:
Coloca, assim, a norma legal, a representação comercial a serviço somente dos negócios mercantis, excluindo, por conseguinte, da atividade os negócios civis. Absurdo seria que a doutrina, numa impossível assimetria, fosse considerar a representação comercial uma atividade civil, porém destinada exclusivamente à realização de negócios mercantis...
Ademais, argumenta-se que o art. 4º, alínea “a”, da Lei nº 4.886/65, estabelece que não pode ser representante comercial “o que não pode ser comerciante”. Ora, a contrario sensu, só pode ser representante comercial aquele que pode ser empresário.
Portanto, não se deve (ou não se deveria) admitir a possibilidade de um representante comercial não ser tratado como empresário.
No que diz respeito à figura do representado, nenhuma controvérsia há. Nem mesmo à sua natureza empresarial, que não é questionada na doutrina pátria. Via de regra, trata-se de um fabricante de produtos, um industrial etc.
2.6.1 Direitos e obrigações do representante comercial
Como todo e qualquer contrato bilateral, a espécie contratual em estudo outorga a seus partícipes direitos e obrigações recíprocas, previstos todos na legislação de regência do instituo (Lei nº 4.886/65), razão pela qual todas as referências a artigos de Lei a seguir se referirão a ela.
No que diz respeito aos representantes comerciais, em ampla e minudente análise da legislação aplicável, podem-se elencar os seguintes direitos a eles outorgados:
a) Xxxxxxx a remuneração pactuada no contrato: certamente se trata do mais importante direito do representante comercial, estando previsto, sobretudo, nos artigos 27, alínea “f”, e 32. A remuneração é paga mediante comissionamento, ou seja, apura-se a comissão devida conforme os negócios agenciados e efetivados, aplicando-se o percentual ajustado sobre o valor total das mercadorias.
As comissões são devidas na liquidação da fatura, ou seja, após o pagamento da mercadoria pelo cliente (art. 32), e devem ser pagas até o dia 15 do mês subsequente ao da liquidação (art. 32, § 1º). Se pagas em atraso, devem ser monetariamente corrigidas (art. 32, § 2º). Devem as comissões ser calculadas pelo valor total das mercadorias, questão que será explicada adiante (art. 32, § 4º).
b) Receber as notas fiscais: perfaz-se em direito do representante receber as notas fiscais dos produtos vendidos mediante sua intermediação, para fins de conferência das comissões (art. 32, § 1º).
c) Emitir títulos de crédito: pode o representante emitir títulos de crédito (como duplicata, por exemplo), para a realização da cobrança das comissões (art. 32, § 3º).
d) Exclusividade de zona: se for pactuada pelas partes, deverá o representado respeitá-la, estando impedido de nomear outra(s) pessoa(s) para a mesma área de atuação do representante (art. 27, alínea “e”). Se for estipulada a exclusividade de zona, fará jus o representante ao recebimento de comissão sobre todos os negócios aí realizados, independentemente de tê-los intermediado (art. 31). Se desrespeitada, poderá o representante pleitear a rescisão do contrato por justo motivo (art. 36, alínea “b”).
e) Não ter alterações no contrato que impliquem a diminuição da média da remuneração: o art. 32, § 7º, veda que sejam feitas modificações no contrato (restrição de zona, exclusão de clientes, diminuição de percentual de comissão etc.) que impliquem, direta ou indiretamente, uma redução da média da remuneração do representante nos últimos seis meses de vigência do contrato.
f) Contratar prepostos ou sub-representantes: o art. 42 permite ao representante que subcontrate a representação ou que contrate auxiliares para a execução dos serviços por ele prestados.
g) Não responder pela insolvência dos clientes: o art. 43 veda a inserção no contrato da chamada cláusula del credere, pela qual se responsabilizaria pelo pagamento dos produtos agenciados, caso o cliente não os pagasse. Em outras
palavras, o representante não pode ser responsabilizado pelo não pagamento do título pelo comprador do produto.
h) Receber a indenização por ocasião da rescisão imotivada do contrato: nos termos do art. 27, alínea “j”, tem o representante direito ao recebimento de uma indenização devida pela rescisão imotivada do contrato em montante não inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação (nos casos de contratos por prazo indeterminado) ou a média mensal da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual (nos casos de contratos por prazo determinado).
i) Aviso-prévio: em caso de rescisão do contrato pelo representado, deverá ele conceder aviso-prévio de, no mínimo, 30 (trinta) dias, ou indenizá-lo na importância igual a 1/3 (um terço) das comissões auferidas pelo representante, nos três meses anteriores.
j) Habilitar seu crédito decorrente de comissões na categoria de créditos trabalhistas em caso de falência e recuperação judicial: o art. 44 alça o crédito do representante junto ao representado falido à categoria de créditos trabalhistas. A jurisprudência tem outorgado tal privilégio também nos casos de recuperação judicial.
Por seu turno, podem ser elencadas como as principais obrigações do representante:
a) Fornecer informações sobre os negócios: o art. 28 dispõe que o representante deve fornecer ao representado informações detalhadas sobre o andamento dos negócios por ele conduzidos, devendo se dedicar à representação, de modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos. Também se relaciona a essa obrigação o dever de levar ao conhecimento do representado todas as reclamações atinentes aos negócios, sugerindo-lhe as providências cabíveis (art. 30).
b) Não conceder descontos sem autorização do representado: o art. 29 estabelece, indiretamente, a obrigação de o representante seguir fielmente as determinações do representado quanto a preços, prazos e condições de pagamento dos produtos, vedando a concessão de abatimentos, descontos ou dilações sem a anuência dele.
c) Responder pelos atos que praticar: o parágrafo único do art. 30 estipula que o representante responde pelos atos que praticar, devendo reparar eventuais prejuízos a que der causa.
d) Não cometer atos que desacreditem o representado, não ser desidioso e não descumprir obrigações contratuais, não ser condenado por crimes considerados infamantes: o art. 35 elege tais hipóteses, entre outras, como justos motivos para a rescisão do contrato pelo representado.
e) Registrar-se no Conselho Regional dos Representantes Comerciais (art. 2º): o não cumprimento desta obrigação, embora não impeça o pagamento das comissões devidas ao representante, importa no cometimento de falta ética e funcional perante o órgão.
2.6.2 Direitos e obrigações do representado
A tarefa de elencar e explicar os principais direitos e obrigações do representado é consideravelmente mais simples. Não porque tal partícipe do contrato os tenha em menor quantidade, mas simplesmente porque, para tanto, serão aproveitados todos os direitos e deveres do representante comercial já discutidos.
Por razões óbvias, a cada um dos direitos do representante comercial equivalerá um dever contraposto do representado. E a cada uma das obrigações do representante corresponderá a um direito oposto.
Assim, se o representante comercial tem direito à remuneração pelos negócios agenciados, nos termos e condições já expostos acima, por corolário lógico, tem o representado o dever de pagá-la nesses mesmos termos e condições.
A contrario sensu, se possui o representante o dever de fornecer ao representado todas as informações sobre o andamento dos negócios, tem o representado o direito de exigi-las. E assim por diante.
Em apertada síntese, assim indica Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 28) os direitos do representado:
Exigir do representante o cumprimento das cláusulas contratuais, além da obtenção de informações sobre os negócios realizados na zona do representante, tem ainda o representado o direito de rescindir o contrato quando o representante descumpri-lo e de sustar a entrega de mercadorias em razão da situação comercial do comprador, se for capaz de comprometer ou tornar duvidosa a liquidação.
Pode ainda o representado reter comissões do representante para garantir ressarcimento de prejuízos causados por este.
Sobre as obrigações do representado, certamente podem ser eleitas como as principais delas, a de pagar ao representante comercial a retribuição devida pelos serviços prestados, a de respeitar a exclusividade de zona pactuada e a de não reduzir a esfera de atividade do representante.
2.7 Cláusulas obrigatórias e extinção do contrato
No que diz respeito às cláusulas do contrato de representação comercial, traz a Lei nº 4.886/65, em seu art. 27, um rol com dez disposições que, obrigatoriamente, dele deverão constar:
a) condições e requisitos gerais da representação: não obstante se possa entender que se trata de disposição despicienda, vez que é ululante a necessidade de um contrato conter suas condições gerais (SAAD, 2008, p. 55), trata-se de previsão geral, atinente a questões como qualificação das partes, descrição das atividades a serem desenvolvidas, operacionalização da representação em si, peculiaridades do negócio etc.
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação: deve o contrato especificar quais produtos serão agenciados pelo representante, indicando-se, por exemplo, se são todos os produtos fabricados ou comercializados pelo representado, se são os produtos de apenas uma determinada linha ou ainda se é apenas um produto específico.
Deve-se ter bastante cautela na redação desta cláusula nos casos em que as partes quiserem especificar com exatidão o produto versado no contrato. Se a descrição for por demais detalhada, corre-se o risco de o contrato restar obsoleto quando do lançamento de variações ou novas versões desse mesmo produto. Para se evitar esse problema, via de regra, opta-se por mencionar, genericamente, que são objeto do contrato todos os produtos fabricados ou comercializados pelo representado.
c) prazo certo ou indeterminado da representação: deve-se determinar, na celebração do contrato, primeiramente, se se trata de um contrato celebrado por determinado prazo (um ano, dois anos etc.) ou se é um contrato sem prazo, ou seja, por tempo indeterminado. Essa escolha impactará sobremaneira na questão referente à indenização do representante quando do término do contrato.
Caso se opte por um contrato por prazo determinado, deve-se prever se ele é prorrogável ou não e se tal prorrogação se dá de forma tácita ou se só pode ser feita expressamente. Se o contrato por prazo certo for rescindido pelo representado antes de seu termo final, deverá ele pagar ao representante uma indenização equivalente à média mensal da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual, ou seja, pela metade dos meses que faltam para acabar o prazo contratual (art. 27, § 1º).
Em se tratando de contrato celebrado por tempo indeterminado, a indenização devida não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante todo o tempo em que o representante comercial exerceu a representação (art. 27, alínea “j”).
Válido mencionar, por fim, que, por previsão do art. 27, § 2º, o contrato celebrado por prazo determinado, uma vez prorrogado, tácita ou expressamente, tornar-se-á um contrato por prazo indeterminado. E pelo § 3º desse artigo, considera- se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo.
d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação: por zona deve ser entendida toda a área em que o representante está autorizado a agenciar pedidos e propostas de vendas dos produtos do representado, podendo ser um bairro, uma cidade, uma região, um estado e assim por diante.
Outra possibilidade é a de se compreender o termo zona como um conjunto determinado de clientes ou mediante a conjugação desses dois critérios – territorial e de clientes (MEDEIROS, 2010, p. 27).
e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona: o contrato deve deixar claro se o representante possui o direito de explorar aquela zona com exclusividade e, em caso positivo, se ela é total (todos os produtos agenciados) ou parcial (alguns dos produtos agenciados) e se por prazo certo ou por tempo indeterminado.
Tal estipulação impacta diretamente a remuneração do representante comercial, posto que, uma vez pactuada a exclusividade de zona, terá ele direito ao recebimento da comissão de todos os negócios celebrados nessa zona, tenha ele participado ou não da negociação (art. 31).
f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo
representado, dos valores respectivos: a retribuição do representante é um ponto bastante sensível do contrato, devendo ser cuidadosamente tratada. Via de regra, a remuneração se dá por meio de comissionamento, aplicando-se um percentual estipulado pelas partes sobre o valor total das mercadorias (art. 32, § 4º).
Uma importante consideração a ser repisada sobre a remuneração do representante é a de que ele só faz jus à comissão sobre os negócios que, efetivamente, forem fechados (ou seja, sobre os pedidos aceitos pelo representado) e só terá ele direito ao seu recebimento quando do pagamento da fatura pelo cliente (art. 32).
g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com exclusividade: o contrato deve prever as hipóteses e justos motivos para a exclusão ou limitação da exclusividade de zona concedida ao representante. Note-se que não se trata de hipóteses justificadoras da redução da zona do representante, mas de situações que possibilitam a restrição da exclusividade de zona concedida.
h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes: por meio desta cláusula se materializam os direitos e obrigações de ambas as partes, muitas delas, inclusive, previstas na própria Lei nº 4.886/65. Sobre os deveres e direitos do representante e do representado nesta espécie contratual já se tratou nas seções 2.6.1 e 2.6.2.
i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado: trata- se, neste caso, não de exclusividade de zona, já disposta na alínea “e”, do art. 27, mas sim de exclusividade de representação, ou seja, se o representante atuará apenas e tão somente para o representado, vedando-lhe a representação para outras empresas.
A pactuação de exclusividade de representação, entretanto, deve ser muito bem avaliada, pois pode ela implicar em certa mitigação da autonomia do representante comercial, o que pode, por consequência, dar ensejo a pleitos de reconhecimento de vínculo empregatício, pois fulmina ou mitiga um elemento essencial da representação comercial.
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante todo o tempo em que exerceu a representação. Acerca da natureza, função e características desta indenização se discorrerá em seção própria.
O contrato de representação comercial pode ser extinto por diversas formas, assim como ocorre com qualquer outra espécie contratual. Seja por iniciativa de uma das partes, haja ou não justo motivo, seja por decisão de ambas as partes de porem fim ao pactuado, seja, ainda, pelo decurso do prazo ajustado, no caso de contrato por tempo determinado.
Os pontos diferenciadores atinentes à extinção do contrato de representação comercial dizem respeito à previsão legal de uma indenização em caso de rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, da Lei nº 4.886/65, e ao elenco do que seriam motivos justos para a rescisão do contrato por uma parte ou por outra.
Quanto à indenização, já se disse acima como ela se dá tanto no caso de contrato celebrado por prazo certo, quanto no caso de contrato celebrado sem prazo. Também já se informou acima que a indenização de 1/12 (um doze avos) por rescisão fora dos casos previstos no art. 35, da Lei nº 4.886/65, será discutida à frente.
Quanto aos justos motivos para a rescisão do contrato de parte a parte, dispõe o art. 35, que constituem justos motivos para a rescisão do contrato, pelo representado (o que o dispensa do pagamento da indenização de 1/12), a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado, a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial, a condenação definitiva por crime considerado infamante e casos de força maior.
Por fim, o art. 36, da Lei, estatui que constituem motivos justos para rescisão do contrato, pelo representante, a redução de esfera de atividade do representante em desacordo com as cláusulas do contrato, a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no contrato, a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular, o não- pagamento de sua retribuição na época devida e casos de força maior.
3 DAS PRINCIPAIS QUESTÕES CONTROVERTIDAS
Após expostos e analisados aspectos gerais a respeito da espécie contratual em estudo, desde sua origem histórica até sua extinção, entende-se estar praticamente pavimentado o caminho para a apresentação e debate das principais questões controvertidas desse instituto.
Faz-se necessário antes, porém, promover mais uma importante discussão, para uma melhor compreensão desses pontos polêmicos. Tal debate diz respeito a um atributo peculiar do contrato de representação comercial, que o distingue das outras espécies de contratos interempresariais, qual seja a limitação da autonomia da vontade das partes, em razão do viés social e protetivo (em prol dos representantes comerciais) de que é dotada a Lei nº 4.886/65.
3.1 Da limitação da autonomia da vontade das partes
É cediço que, de todos os regimes jurídicos contratuais (direito mercantil, direito trabalhista, direito administrativo, direito consumerista, direito civil etc.), os contratos pertencentes ao regime jurídico do direito mercantil são os tradicionalmente dotados de maior liberdade das partes.
Nas palavras de Xxxxx X. Forgioni (2010, p. 87), “[n]o direito mercantil, mostram-se evidentes os princípios do pacta sunt servanda e da liberdade de contratar na orientação dos vínculos jurídicos”.
Discorrendo acerca dessa característica dos contratos empresariais em geral, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2009, p. 69) asseveram que:
Diferentemente dos contratos de consumo e de trabalho, os contratos empresariais de relações externas da empresa são, em tese, firmados entre partes interessadas que dispõem de recursos e condições para conhecer da extensão de suas expectativas e potencialidades do negócio. Partes que negociam, num jogo de perdas e ganhos que sob seu juízo pode conduzir ao resultado pretendido e que motivou a contratação. Essa situação de equilíbrio entre as partes é que cria um ambiente de isonomia indispensável ao efetivo exercício das liberdades individuais, o que nas relações interempresariais é mais evidente que em outras relações jurídicas.
Entretanto, de todos os contratos interempresariais conhecidos, sejam típicos ou atípicos, nominados ou inominados, o de representação comercial talvez seja o
que contemple uma maior relativização da autonomia da vontade dos contratantes, uma maior limitação à liberdade contratual, em vista de sua nítida carga social.
Já se disse que, via de regra, o contrato de representação comercial é imposto pelo representado, o que, na prática, implica em se tratar de um contrato por adesão, possuindo o representante pouquíssima ou nenhuma margem de negociação quanto às suas estipulações.
É evidente que grandes indústrias, nacionais e internacionais, cujos faturamentos chegam à casa dos bilhões de reais, tenham ascendência sobre as dezenas ou centenas de representantes que comercializarão seus produtos em uma fatia do território nacional.
Tal superioridade dos representados se materializa, por exemplo, em casos em que as sociedades de representação são ajustadas (muitas vezes até constituídas) para atender aos padrões previamente estabelecidos pelas empresas representadas (BOTREL, 2005, p. 42).
Também já se comentou alhures que o representante comercial decorreu da evolução do vendedor viajante, do pracista etc., figuras claramente marcadas pela vulnerabilidade e hipossuficiência, geralmente ligadas às empresas por vínculo empregatício ou a elas fortemente subordinadas de alguma forma.
A vulnerabilidade do vendedor viajante e do pracista, em certa medida, acabou sendo herdada pelo representante comercial, assim como pelos empresários colaboradores nos contratos de colaboração em geral, sobretudo nos de execução continuada (XXXXXX, 2008, p. 35).
Isso culminou na edição de uma legislação deveras protetiva, de ordem pública e dotada de clara função social, que atribui inúmeros direitos e prerrogativas aos representantes comerciais, como indenização a seu favor em alguns casos de rescisão do contrato, equiparação de seus créditos ao de empregados na falência, competência do foro de seu domicílio para julgamento de ações decorrentes da execução do contrato etc.
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, em julgado de 1975, já reconheceu ser “inegável” o “caráter social” da Lei nº 4.886/65, dizendo, inclusive, que ela “inspirou-se” no contrato de trabalho e no Direito do Trabalho.3
3 STF: Recurso Extraordinário nº 81.128/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, Julg.: 12.08.1975.
Tratando do viés social da Lei nº 4.886/65, Xxxxxx Xxxxxxx (2010a, p. 373) leciona que:
Embora aquele diploma se inscreva entre as leis de Direito comum, imprimiu- se nela também um nítido sentido de tutela social, na proteção do trabalho autônomo desempenhado pelos representantes comerciais. A atividade desses agentes tem, com efeito e em certos pontos, a mesma proteção social que a lei confere aos contratos de trabalho.
Válido esclarecer que o viés protetivo e o caráter social da legislação de regência da representação comercial poderiam ter sido ainda maiores. O projeto que originou a referida Lei foi apresentado pelo Executivo Federal em substituição a outro, que já havia sido aprovado pelo Congresso Nacional e que foi integralmente vetado pelo Presidente Xxxxxxx Xxxxxx justamente sob o argumento de que ele equiparava indevidamente o representante comercial ao empregado, outorgando àquele direitos e vantagens característicos deste (REQUIÃO, 2002, p. 10-11).
E como resultado último dessa série de circunstâncias (origem do representante comercial da figura do empregado viajante, superioridade econômica do representado, vulnerabilidade do representante comercial, legislação com caráter social e de ordem pública etc.), exsurge uma grande limitação da autonomia da vontade das partes, presente tanto na celebração do contrato (com cláusulas obrigatórias e previsões legais rígidas), quanto em sua aplicação e interpretação (mediante grande intervenção do Poder Judiciário, com anulação de cláusulas entendidas como ilegais).
Sobre o baixo grau de autonomia das partes decorrente da Lei em comento, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2002, p. 84) observa que “[e]quivale a dizer que, por se tratar de um contrato típico, com extensa regulamentação legal e de ordem pública, muito pouco foi deixado à liberdade de contratação das partes”.
A esse respeito, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (2008, p. 37) assevera que:
Referida lei, com a nova redação determinada em 1992, estabeleceu novas limitações à liberdade das partes na contratação com a finalidade de melhor proteger os interesses do representante, diante da sua condição de “parte mais fraca nessa relação jurídica” [...].
Justo ou não, certo ou errado, acaba por haver verdadeiro assincronismo entre a natureza jurídica do contrato de representação comercial (contrato interempresarial)
e o tratamento que lhe é dado pelo Poder Judiciário (elevado grau de dirigismo contratual e alto nível de protecionismo ao representante comercial).
Com os olhos voltados a tal peculiaridade do contrato de representação comercial é que se deve analisar cada uma das questões polêmicas e controvertidas que serão apresentadas a seguir neste trabalho.
3.2 Da indenização devida em razão da rescisão contratual
A primeira questão que merece discussão diz respeito a um ponto de inquestionável relevo nas relações havidas entre representantes comerciais e representados, qual seja a da indenização de 1/12 (um doze avos) disposta no art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, devida nos casos de ruptura de contratos celebrados por prazo indeterminado.
Não obstante a rescisão contratual antecipada de contratos de representação comercial celebrados por prazo determinado também provoque a incidência de uma indenização, prescrita no art. 27, § 1º, da Lei nº 4.886/65, o foco do presente trabalho é a indenização da alínea “j”, do mencionado art. 27, pois se perfaz em assunto que apresenta mais controvérsias.
Aliás, a temática referente à indenização em comento não se mostra controvertida e polêmica apenas em um único ponto, mas em diversos, de modo que serão abordados neste trabalho três deles.
O primeiro se refere à possibilidade (ou não) de renúncia ao direito à indenização sub examine. Seria possível o representante comercial renunciar contratualmente ao direito à indenização de 1/12 (um doze avos) nos casos em que faria jus ao seu recebimento? Seria possível aos contratantes pactuarem que, em hipóteses alguma, será devida a indenização do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65?
O segundo assunto referente à indenização que também suscita controvérsias na doutrina e nos Tribunais diz respeito à possibilidade (ou não) de pagamento antecipado dessa indenização. Poderiam as partes pactuarem que o representado pagará ao representante, juntamente com as comissões devidas, a indenização em debate?
Por fim, serão discutidas outras hipóteses de incidência da indenização de 1/12 (um doze avos). Seria devida essa indenização apenas quando da rescisão imotivada pleiteada pelo representado? Ou também ela seria devida quando da rescisão
imotivada pleiteada pelo representante? E quando da rescisão motivada pleiteada pelo representante?
3.2.1 Da possibilidade de renúncia ao direito à indenização
Conforme indicado acima, o primeiro ponto a ser discutido no que concerne à indenização do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, é quanto à possibilidade ou impossibilidade de renúncia ao direito ao seu recebimento.
Apenas a título comparativo, válido mencionar que o Código Comercial alemão (HGB), em seu art. 89b, IV, 1, prevê, de forma expressa, que o direito à indenização não pode ser excluído antecipadamente. Entretanto, a legislação brasileira de regência do contrato de representação comercial nada prevê quanto à possibilidade ou impossibilidade de as partes pactuarem a respeito.
Para que se possa melhor discutir essa problemática e se concluir pela possibilidade ou não de sua previsão em contrato, faz-se imprescindível compreender tanto a motivação, quanto a natureza jurídica dessa indenização que está prevista no art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, que dispõe ipsis litteris:
Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:
[...].
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
Por seu turno, o citado art. 35 estatui que:
Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representado:
a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato;
b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado;
c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial;
d) a condenação definitiva por crime considerado infamante;
e) fôrça maior.
Pelos dispositivos legais supratranscritos, nos casos de rescisão do contrato de representação comercial fora dos casos previstos no art. 35, ou seja, nas hipóteses em que não houver justo motivo para sua conclusão pelo representado, é devida ao representante comercial indenização não inferior a 1/12 (um doze avos) sobre toda a comissão por ele recebida ao longo do contrato.
Após apresentar e confrontar as diversas teorias que explicariam a motivação da indenização em comento, Xxxxxx Xxxxxxx (2002, p. 186) conclui que ela “[...] tem, evidentemente, seu fundamento na indenização compensatória dos prejuízos causados pela rescisão abusiva, sem causa, do contrato de representação comercial. É, pois, de natureza compensatória, tarifada pela lei”.
Portanto, para Xxxxxx Xxxxxxx a indenização teria unicamente um viés prospectivo, ou seja, visaria compensar o representante comercial pelos prejuízos causados pela rescisão imotivada do contrato, prejuízos esses que se consubstanciam, certamente, na impossibilidade de recebimento de comissões em novos negócios.
Dessa visão compartilha Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2015, p. 137), para quem a indenização em causa “[...] não é uma compensação pelo trabalho desenvolvido [...], mas pela perda da clientela conquistada juntamente com o representado”. Assim também entende Xxxxxxxx Xxxxxx (2016, p. 73), para quem “[t]al indenização compensa a perda da oportunidade de explorar determinado mercado [...]”.
Data maxima venia, não parece acertada a posição que atribui à indenização de 1/12 (um doze avos) viés unicamente prospectivo, negando-lhe seu caráter retrospectivo. Assim se afirma, pois o próprio Xxxxxx Xxxxxxx já reconheceu (2010b,
p. 363-365) que a criação da indenização em comento (juntamente com a indenização do aviso prévio prescrito no art. 34) aproximou o contrato de representação comercial do contrato de trabalho.
E as legislações trabalhista e previdenciária, aplicadas aos contratos de trabalho, preveem multas e indenizações nos casos de rescisão imotivada do contrato de trabalho pelo empregador. E todas elas, ou ao menos parte delas, claramente possuem natureza retrospectiva, ou seja, tem a finalidade de indenizar o empregado pelos serviços que prestou ao longo de todo o contrato.
Assim ocorre, pelo menos, na multa do art. 478, da Consolidação das Leis do Trabalho (enquanto aplicável), e na multa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), disciplinado pela Lei nº 8.036/90.
Sobre o viés retrospectivo dessa indenização e em sua defesa, Xxxxxxx Xxxx (2012, p. 721-722) a equipara a uma espécie de recompensa ao representante pelos anos a fio de trabalho que dedicou ao representado.
Em posição híbrida, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2010, p. 73) entende que a indenização em comento contemplaria tanto uma compensação pelos serviços desenvolvidos pelo representante comercial, quanto uma reparação pela remuneração que ele deixará de auferir com o fim do contrato.
Em outras palavras, para este autor, a indenização em estudo possuiria tanto um viés prospectivo (reparação pela perda de remuneração futura), quanto um viés retrospectivo (compensação pelos serviços já prestados). Parece ser essa posição, que atribui à indenização um dúplice viés, a mais acertada, pois parece evidente que ambas as situações (serviços prestados e perda de negócios futuros) são indenizáveis.
Já quanto à natureza, independentemente de a indenização em estudo possuir ou não dúplice motivação, não há como se negar seu substrato social. Ou seja, vise ela tanto a compensação pelos serviços já prestados, quanto a reparação pela perda de remuneração futura, ou vise apenas uma delas, parece restar evidente que a intenção do legislador para sua criação deita raízes no aspecto social, na necessidade de proteção, pelo Estado, do contratante mais vulnerável da relação. É esse o entendimento de Xxxxxx Xxxxxxx (2010b, p. 363-364).
E é justamente com os olhos voltados para esse fundo social que a indenização de 1/12 (um doze avos) possui é que se deve investigar a possibilidade ou a impossibilidade de renúncia ao direito de recebê-la.
Nessa linha de raciocínio, Xxxxxxx Xxxxxxxx (2011, p. 181-182), ao exarar parece para caso concreto em que se discutia justamente essa questão, entendeu que cláusulas que exonerem o representado da obrigação de indenizar, por se consubstanciarem em clara tentativa de fraudar a lei, seriam inválidas. Para ele:
Essas cláusulas de não indenizar, em outras palavras, afastam a tutela legal imperativa atinente à indenização pela extinção imotivada dos contratos por prazo indeterminado, que a lei assegura aos agentes, distribuidores e representantes comerciais.
Deste modo, considerando as circunstâncias contratuais, a natureza e a duração da atividade desenvolvida, admitir a validade destas cláusulas de não indenizar representaria fraude à lei e acarretaria desequilíbrio injustificado da relação contratual, impondo a X a assunção de risco não autorizada pelo direito brasileiro.
É exatamente a mesma opinião esposada por Xxxxxxx Xxxx (2012, p. 730-731), para quem, por ser a norma que estipula a indenização de 1/12 (um doze avos) de ordem pública, tal direito não seria passível de renúncia pelo representante comercial. Xxxxxxxx Xxxxxx (2016, p. 64) defende a irrenunciabilidade da indenização em discussão, também em vista do fato de algumas das normas da Lei nº 4.886/65, como
a do art. 27, alínea “j”, serem imperativas e de ordem pública.
Os Tribunais de Justiça do país tendem a seguir o entendimento de Xxxxxxx Xxxxxxxx, de Xxxxxxx Xxxx e de Xxxxxxxx Xxxxxx, no sentido de se declarar a invalidade e a nulidade de cláusula de renúncia ao direito à indenização. Nesse sentido, segue ementa extraída dos anais do Tribunal de Justiça de São Paulo:
AGRAVO RETIDO - Retratação do MM. Juiz a quo – Perda do objeto recursal
- Recurso prejudicado. RECURSO - Apelação - Representação comercial - Insurgência contra a r. sentença que julgou procedente a ação de indenização
– Inadmissibilidade [...]. Contrato de adesão - Nulidade da cláusula que estabelece renúncia ao direito de indenização - Inteligência do artigo 424 do Código Civil – Recurso improvido. [...].
Referida cláusula é inaplicável, uma vez que nos contratos de adesão (como o de representação comercial) são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente (no caso representante) a direito resultante da natureza do negócio (artigo 424 do CC). (SÃO PAULO, 2011).
Veja que o relator desse acórdão invocou outra razão para negar validade à cláusula de renúncia, qual seja o art. 424, do Código Civil. Entendendo que o contrato de representação comercial seria de adesão, é nula cláusula que estipula a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Também no sentido da invalidade e da nulidade de cláusula de renúncia ao direito à indenização, assim tem julgado o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Apelação Cível. Representação Comercial. Ação de indenização. Preliminar de carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Denúncia do contrato sem justa causa. Direito a indenização. Renúncia. Xxxxx cogente que não admite a renúncia. A norma que impõe, de forma obrigatória, ser devida indenização em caso de denuncia imotivada do contrato de parte do representado é cogente, sendo inadmissível qualquer cláusula prevendo a renúncia. Por unanimidade, negaram provimento ao recurso. (RIO GRANDE DO SUL, 2008).
Tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo,4 quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul5 possuem outros julgados indicando a invalidade e a nulidade de cláusula de renúncia ao direito ora estudado.
O que parece ser possível, entretanto, é a renúncia a posteriori ao direito à indenização, ou seja, uma transação realizada após ou concomitantemente à rescisão contratual, entre representado e representante, em que este, a despeito do direito previsto no contrato ao recebimento da indenização, dele abdica. Tal solução é permitida pela legislação alemão, como aponta Xxxxxxx Xxxxxxx (1997, p. 775-776).
Parece ser esse o entendimento adotado no julgamento da Apelação nº 0001184-78.2006.8.26.0196, do Tribunal de Justiça de São Paulo, vez que o Desembargador Relator Jacob Valente, ao negar ao Representante Comercial seu pleito de recebimento da indenização, faz referência a instrumento de transação celebrado após o término do contrato em que as partes transacionaram e o representante renunciou ao direito à indenização e outorgou quitação ao representado. Nesse sentido, seguem fragmentos do acórdão em comento:
CONTRATO REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – Cobrança – Pleito ao
recebimento de indenização pela rescisão imotivada do contrato, (Art. 27, 'j', da Lei nº 4.886/65). [...].
E depois de detida análise dos documentos coligidos aos autos, especialmente a prova documental (contratos), vez que a prova pericial e prova oral nada acrescentaram de útil ao deslinde do feito, conclui-se que os autores não fazem jus ao recebimento dos valores pretendidos à título de indenização e que se referiam ao período de 01/08/1999 até 01/08/2002, já que o período posterior a este, ou seja, de 01/08/2002 a 27/02/2004 (data da última rescisão de que se tem notícias) foi quitado pelas rés.
Ou seja, as partes, de comum acordo, conduziam a relação existente entre si da forma que lhes era mais adequada, ora mudando a base territorial, ou alterando o representante etc., mas sempre juntas, o que pressupõe acordo de vontades em livre expressão da autonomia que a rege.
Também não há como crer que os autores não sabiam o que estavam assinando quando renunciavam à indenização prevista na alínea J, do art. 27, da Lei nº 4.886/65 nos momentos de rescisão, adendo ou nova contratação de representação, considerando que não são leigos; que a atividade de representação comercial, principalmente pela pessoa jurídica, pressupõe o conhecimento da lei que a rege, o que é inescusável pelo princípio da legalidade; além do fato de que a relação mantida entre eles somente chegou ao fim em 2004, o que confirma que tais acordos decorreram de concessões mútuas havidas em detrimento da manutenção do ajuste por prazo indeterminado.
4 Apelação nº 0063345-43.2000.8.26.0000, Rel. Des. Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 10.09.2002; Apelação nº 1024436-57.2016.8.26.0224, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx, julg. 27.07.2017.
5 Apelação nº 70001373703, Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxxx Faccenda, julg. 29.08.2001.
Por tudo isso, considerando as transações efetivadas entre as partes, as renúncias ao direito de indenização, as quitações outorgadas e o fato de que à exceção dos dois últimos contratos, um que não era de representação comercial e sim de prestação de serviço e outro porque as verbas dele decorrentes já foram devidamente quitadas aos autores, todas as demais rescisões decorreram de ato de vontade dos representantes (autores), o que afasta ainda mais o direito a qualquer indenização, a teor do contido no art. 27, J c/c art. 35, da Lei nº 4.886/65. (SÃO PAULO, 2015b).
Válido comentar que existem casos isolados de julgados que consideram válida a renúncia a priori, ou seja, no próprio contrato, ao direito à indenização, em homenagem à autonomia das partes e à liberdade contratual, como ocorreu na Apelação nº 7.341.171-3, julgada em 13 de maio de 2009, com o voto de lavra do Xxxxxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx, relator da 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em vista do posicionamento quase unânime da doutrina e dos Tribunais no sentido de se condenar a renúncia prévia à indenização, recomenda-se que cláusula nesse sentido não seja inserida no contrato, sob pena de ser declarada inválida. Deve- se, por outro lado, dar preferência a eventual renúncia a posteriori, em sede de transação celebrada concomitantemente ou após a rescisão do contrato.
3.2.2 Da possibilidade de pagamento antecipado da indenização
Considerando, por um lado, a impossibilidade de se prever se, futuramente, ocorrerá hipótese ensejadora do pagamento da indenização do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, mas, por outro, a certeza da necessidade de seu pagamento quando ocorrida a situação que desencadeia seu pagamento (vez que, como visto, não se faz possível a renúncia antecipada a tal direito), surge uma importante questão por parte dos representados: o que fazer para evitar o crescimento incontrolável e, às vezes, incalculável do passivo que tal instituto representa?
Seria possível as partes pactuarem o pagamento antecipado e periódico da indenização em estudo? Seria válida disposição contratual que preveja, por exemplo, que o representado pagará, juntamente com a comissão mensal a que fizer jus o representante comercial, um adicional no importe de 1/12 (um doze avos) a título de antecipação da indenização em discussão?
Em um primeiro instante, o pagamento antecipado e periódico da indenização poderia não parecer algo vantajoso, nem para o representante comercial, nem para o
representado, de modo que as partes sequer cogitariam tal hipótese por ocasião da celebração do contrato.
Para o representado, não seria vantajoso, pois ele arcaria com um ônus sem que houvesse certeza de que com ele teria que arcar (se a rescisão se desse a pedido do representado por justa causa, não seria ele obrigado a pagar a indenização, de modo que, neste caso, ele já teria despendido tal montante desnecessariamente).
Já para o representante comercial, não seria vantajoso, pois a indenização, como visto, tem um viés prospectivo, compensando-o pelo fato de deixar de auferir renda no período após a rescisão (e, neste caso, o representante já terá recebido praticamente toda a indenização antecipadamente).
Entretanto, tal procedimento pode, na verdade, representar a melhor solução para ambas as partes.
Pode significar a não descapitalização do representado, pois não são raras as relações de representação comercial que perduram por dez, vinte ou até trinta anos, de modo que sua rescisão em hipótese ensejadora do pagamento da indenização poderia desfalcar sobremaneira o caixa do representado, vez que ela incide sobre toda a comissão recebida ao longo da relação contratual em sua integralidade.
Por seu turno, para o representante comercial, pode significar a certeza de recebimento da indenização, vez que, quanto mais duradoura a relação, fatalmente maior a indenização a ser paga e, consequentemente, maior a chance de haver um inadimplemento por parte do representado, vez que o montante não lhe seria factível. Uma vez demonstrada a utilidade do pagamento antecipado e parcelado da indenização de 1/12 (um doze avos), em vista das vantagens propiciadas, questiona-
se uma vez mais: seria válida cláusula contratual que preveja tal procedimento?
Um dos poucos a se debruçar sobre o tema é Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Para ele, “[...] a cláusula que antecipa o pagamento da indenização, ainda no curso do contrato, deve ser considerada abusiva e por isto inválida” (2010, p. 41).
Para validar seu entendimento, cita acórdão de lavra do Desembargador Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, prolatado na Apelação Cível nº 599247889, em 12 de abril de 2000.
Ocorre que o referido autor, entretanto, funda sua opinião na pressuposição de que a cláusula em questão seria inserida no contrato de representação comercial pelo representado com a finalidade de este se isentar do pagamento da indenização, burlando a legislação de regência.
Fica evidente que o jurista assim opina sob esse pressuposto quando cita a hipótese exemplificativa de que a comissão total ajustada pelas partes seria de 6% (seis por cento), mas, no contrato, consta que 5,5% (cinco e meio por cento) seria de comissão efetivamente e 0,5% (meio por cento) seria pago a título de antecipação da indenização.
Aliás, no julgado por ele mencionado ocorreu exatamente a situação simulada: a soma do percentual pago a título de “antecipação de indenização” com o percentual estabelecido como comissão atingia o percentual que já vinha sendo pago ao representante.
De fato, sendo essa a intenção do representado e sendo o suposto adiantamento de indenização extraído do valor total da comissão ajustado pelas partes, seria inválida a cláusula nesse sentido.
Entretanto, a hipótese versada neste trabalho não é a conjecturada pelo autor (com intento de fraude), mas sim a legítima e verdadeira antecipação da indenização. Ou seja, primeiramente, ajusta-se determinada comissão (ex.: 5%); em seguida, pactua-se o pagamento da indenização de 1/12 (um doze avos) de forma antecipada e periódica (ex.: juntamente com a comissão); depois, apura-se a comissão sobre o valor dos produtos agenciados (ex.: 5% de R$ 100.000,00 = R$ 5.000,00); a seguir, calcula-se a indenização antecipada sobre o valor da comissão (ex.: 1/12 de R$ 5.000,00 = R$ 416,67); por fim, paga-se a comissão e a antecipação de indenização (ex.: R$ 5.000,00 + R$ 416,67 = R$ 5.416,67).
Outro argumento suscitado por quem defende a ilegalidade da prática é a de que, como a indenização é devida apenas no caso de rescisão imotivada do contrato pelo representado, poder-se-ia ocorrer situação esdrúxula em que, se o contrato fosse rescindido pelo representado por xxxxx causa, o representante comercial teria que devolver a verba paga a esse título. Ou seja, uma verba criada em benefício do representante seria contra ele utilizada (NUNES, 2016).
Ora, para isso, basta disposição contratual que vede a repetição desse montante pago antecipada e periodicamente, caso a rescisão ocorra a pedido do representado, mediante justa causa.
Feita essas importante distinção entre a antecipação simulada e fraudulenta da antecipação legítima e autêntica e feita a ressalva quanto à impossibilidade de repetição da indenização paga antecipadamente, não deve haver razões para se negar tal possibilidade às partes.
Primeiro, porque, conforme já dito, será tal prática benéfica a ambas as partes. O representante comercial garante o efetivo recebimento da indenização (vez que não pode ter certeza da solvabilidade do representado cinco, dez, quinze, vinte anos após a celebração do contrato) e o representado evita um desfalque significativo de caixa quando da rescisão do contrato (sobretudo em relações muito duradouras).
Como se essas vantagens não bastassem para justificar a viabilidade e a possibilidade da prática ora discutida, outra exsurge para o representante comercial, parte mais vulnerável da relação: ele pode investir as indenizações recebidas antecipadamente tanto em seu próprio negócio (gerando valor para sua atividade econômica e, consequentemente, aumentando suas chances de ganho), quanto em aplicações financeiras (percebendo renda alternativa gerada pelo rendimento dessas aplicações).
Além das vantagens e benefícios de cunho econômico-financeiro da prática, que justificariam a viabilidade e a possibilidade de sua pactuação no contrato, pode ser elencada uma série de razões jurídicas para tanto.
A primeira é a de que ela expressaria a autonomia da vontade das partes. Em última instância, o contrato de representação comercial se consubstancia em contrato interempresarial e, ainda que relativizada, contempla certa liberdade contratual. Se as partes pactuaram livremente tal disposição, deve ela ser considerada válida, sobretudo em vista das vantagens que propicia.
Inexiste qualquer vedação, expressa ou implícita, na legislação de regência da matéria. E, em se tratando de relação privada, o que a Lei não veda, ela permite.
Não há qualquer prejuízo econômico ao representante comercial que aceite tal dispositivo, vez que não receberá um centavo a menos do que dispõe a Lei lhe ser de direito. A única diferença é que receberá a indenização de 1/12 (um doze avos) antecipadamente, possibilitando-lhe o reinvestimento no negócio ou sua aplicação, como já dito.
Portanto, parece não haver qualquer razão que ilida a estipulação do pagamento antecipado e periódico da indenização ora tratada, além de haver boas razões jurídicas e econômicas para sua adoção.
Os Tribunais pátrios já validaram estipulações contratuais semelhantes à ora proposta. Nesse sentido, veja posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
1) Representação comercial - Pessoa jurídica – Intermediação na venda própria ou por terceiros habilitados de bilhetes e ordens de passagens, conhecimentos aéreos e fretamento relacionado às aeronaves da ré ou às de suas congêneres - Ação de indenização e cobrança de comissões e diferenças de comissões não pagas, bem como a obtenção de indenização e aviso prévio com base na Lei n° 8.420/92 devidos pela rescisão do contrato de representação comercial celebrado entre as partes, porque, além de não pagar de forma correta as comissões devidas pelos serviços prestados, a ré foi a culpada pela rescisão contratual - Ação julgada parcialmente procedente. 2) Reconvenção para compensação de valores referentes à indenização que a ré adiantou à autora julgada improcedente. 3) Recurso da autora provido em parte, para afastar por ser indevida a compensação a favor da ré de valores referentes à parte da indenização que a representada já teria adiantado à representante e improvido o da ré.
[...].
A previsão contratual de antecipação da indenização de 1/12 (um doze avós) que seria devida à autora no caso de rescisão do contrato por culpa da ré não é mesmo ilegal, como decidiu a r. sentença, pois se trata de contrato de representação comercial, em que impera a autonomia da vontade na composição dos interesses de cada empresário, como ensina autorizada doutrina citada também no julgado, garantindo-se à autora com a aludida prática o recebimento da indenização a que tiver direito, revelando-se vantajosa para a representante pela antecipação de seu pagamento. (SÃO PAULO, 2008).
Apelação Cível. Representação Comercial. Caso concreto. Indenização prevista no artigo 27, j, da Lei de Representação Comercial. Aviso prévio. Validade da disposição contratual que possibilita a antecipação da indenização. Art. 940 do Código Civil. Impossibilidade. Para se aplicar o disposto no art. 940 do CCB, com a repetição do indébito, exige-se pedido na forma de reconvenção ou em ação própria, e não em mera contestação. Por unanimidade, deram parcial provimento ao recurso. (RIO GRANDE DO SUL, 2012b).
No Tribunal de Justiça gaúcho há outras decisões nesse mesmo sentido.6 Não se pode deixar de registrar, entretanto, que esse mesmo Tribunal já produziu, no passado, julgados contrários à prática ora discutida.7
Não obstante se defenda a possibilidade de as partes pactuarem o pagamento antecipado e parcelado da indenização do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, e se tenha sólidos argumentos jurídicos e econômicos que sustentem tal prática, caso não queira o empresário representado, por um lado, correr qualquer risco de ver tal cláusula invalidada pela Justiça, e, por outro, descapitalizar-se com o desembolso de montante considerável por ocasião do término do contrato, recomenda-se que ele vá
6 Apelação Cível nº 0064645-10.2012.8.21.7000, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxx, Julg. 31.10.2013; Apelação Cível nº 70035731694, 15ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Julg. 06.07.2011.
7 Apelação Cível nº 70032473969, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Julg. 25.03.2010
provisionando e, melhor ainda, aplicando mensalmente os valores devidos a título de indenização: se for devida a indenização, não haverá desfalque brusco de caixa, vez que o valor todo já está provisionado e aplicado; se não for devida a indenização, poderá reinvestir o montante em seu próprio negócio.
3.2.3 Das hipóteses ensejadoras do direito à indenização
A última questão controvertida atinente à indenização de 1/12 (um doze avos) diz respeito às hipóteses que podem ou devem ensejar seu pagamento. Não obstante se possa pensar que inexiste qualquer dúvida quanto a essa questão, vez que o art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, parece ser claro a esse respeito, na prática, não é bem assim.
Veja, uma vez mais, o que dispõem o referido dispositivo legal, bem como o art. 35, a que ele faz referência:
Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:
[...].
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
[...].
Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representado:
a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato;
b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado;
c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial;
d) a condenação definitiva por crime considerado infamante;
e) fôrça maior.
Ao prever que a indenização é devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, da Lei nº 4.886/65, o que esse dispositivo está, efetivamente, estabelecendo? Quais seriam os casos que ensejariam o pagamento da indenização? Se o art. 35 faz referência às hipóteses em que o representado rescinde o contrato por motivo justo (circunstância em que a indenização
não será devida), seria devida indenização em quaisquer outras hipóteses em que o contrato é rescindido?
Para responder a esse questionamento, faz-se importante mapear todas as circunstâncias em que o contrato de representação comercial pode ser rescindido pelas partes.
Note-se, primeiramente, que o art. 27, alínea “j”, da Lei em estudo estipula o cabimento da indenização nos casos de “rescisão” do contrato por uma das partes e não nas hipóteses de celebração de um distrato.
Deixando-se de lado a discussão acerca de eventual impropriedade terminológica da expressão “rescisão” e das grandes divergências doutrinárias existentes acerca dos termos “rescisão”, “resilição” e “resolução” às quais o doutrinador argentino Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx (1999, p. 499) chama atenção, salienta-se que o dispositivo em causa indica a necessidade de pagamento da indenização nos casos em que há uma ruptura do contrato por iniciativa de apenas uma das partes, ou, como prefere Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (2007, p. 511), nos casos de “resilição unilateral” do contrato, afastando-se essa obrigação nos casos em que as partes, mutuamente, chegam a um acordo para colocarem fim ao contrato.
Esse entendimento é corroborado pelas lições de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx (2015,
p. 136), que ressalta que, queira a intenção de pôr fim ao contrato tenha partido do representante comercial, queira tenha ela partido do representado, se foi celebrado um distrato, não é devida qualquer indenização. Ou seja, se a conclusão do contrato se deu por manifestação de vontade de ambas as partes, não se faz presente hipótese autorizadora do pagamento/recebimento da indenização do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65.
Pois bem. Sabendo-se que o direito ao recebimento da indenização em apreço só exsurgirá nos casos em que o vínculo contratual, estabelecido por prazo indeterminado, for rompido por vontade de apenas uma das partes, quais seriam, então, as hipóteses ou circunstâncias que fariam nascer tal direito ao representante?
Por lógica e levando em conta as disposições da Lei nº 4.886/65, seriam quatro as circunstâncias em que o contrato poderia ser interrompido por vontade de apenas uma das partes: (1) rompimento pelo representado, com justo motivo; (2) rompimento pelo representado, sem justo motivo; (3) rompimento pelo representante, com justo motivo; (4) rompimento pelo representante, sem justo motivo.
Quanto à primeira hipótese, ou seja, rescisão do contrato pelo representado, com justo motivo (um dos elencados no art. 35), resta evidente, pela disposição do art. 27, alínea “j”, que a indenização não é devida, questão essa amplamente ratificada pelos Tribunais. Ou seja, se o representado pleitear a rescisão do contrato em vista
(1) da desídia do representante no cumprimento das obrigações contratuais,8 (2) da prática de atos que importem em descrédito comercial do representado,9 (3) da falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial,10 (4) da condenação definitiva por crime considerado infamante ou (5) de força maior,11 nenhuma indenização será devida.
Válido mencionar que o rol presente no art. 35, da Lei nº 4.886/65, de justas causas para o rompimento do vínculo contratual pelo representado, é taxativo, não comportando outras causas que não essas expressamente previstas nesse dispositivo legal (XXXXXXXX; XXXXXXX, 2013, p. 803; VERÇOSA, 2014, p. 169).
Ainda quanto a essa primeira hipótese, também não se pode deixar de trazer à baila o fato de uma parcela extremamente ínfima da doutrina entender que, mesmo nos casos em que o representante comercial tenha dado causa ao rompimento do contrato pelo representado, teria ele direito ao recebimento de uma indenização.
Trata-se de posicionamento capitaneado por Xxxxxxx Xxxxxxxxxx (1999, p. 108- 109), para quem a indenização deve ser paga ao representante, mesmo sendo sua a culpa pelo rompimento do vínculo contratual, tendo em vista a necessidade de repará- lo pela perda da clientela que ele angariou.
Entretanto, tal posicionamento não merece prosperar nos Tribunais pátrios. Primeiro, porque contraria expressamente a própria disposição legal aplicável. E segundo porque, a rigor, a clientela angariada, como propriedade imaterial, não pertence propriamente ao representante comercial, mas sim ao representado, vez que a atuação em sua captação se dá em nome e por conta do representado e não em nome e por conta do representante (REQUIÃO, 2002, p. 186).
8 TJSP, Apelação nº 0078613-11.2012.8.26.0100, 13ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cauduro Padin, Julg. 12.08.2016.
9 TJSP, Apelação nº 9239950-74.2003.8.26.0000, 3ª Câmara do Extinto 1º Tribunal de Alçada Cível, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxxx, Julg. 29.06.2004.
10 TJSP, Apelação nº 0001131-45.2010.8.26.0071, 38ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des.
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Julg. 08.08.2012.
11 TJSP, Apelação nº 9123210-96.2004.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Reynaldo, Julg. 12.03.2008.
No que se refere à segunda circunstância, quando o contrato é encerrado por iniciativa apenas do representado e sem que haja justo motivo para tanto, também não resta qualquer dúvida: a indenização é claramente devida pelo representado.
Aliás, a indenização foi instituída visando, sobretudo, à hipótese em que o contrato é encerrado unilateralmente pelo representado e sem que o representante tivesse dado causa à rescisão.
Em muitos casos, após anos de dedicação por parte de um representante comercial, o representado, já com uma carteira de clientes estabelecida, dispensava o representante, substituindo-o por um funcionário ou por uma filial, sem que lhe assistisse direito a qualquer reparação.
Trata-se essa segunda hipótese da circunstância ensejadora do pagamento de indenização por excelência. Para a maior parte da doutrina, ora essa é a única ocasião em que a indenização de 1/12 (um doze avos) é devida, ora essa é a principal situação em que ela se faz devida.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou, há mais de vinte anos, o entendimento de que, sendo o contrato rescindido pelo representado e sem que o representante tenha dado causa a esse rompimento, faz-se indubitavelmente devida a indenização legal de 1/12 (um doze avos). Nesse sentido:
Representação Comercial. - A rescisão do contrato de representação comercial, sem justo motivo e por iniciativa do representado, implica em indenização legal a quem o representa. Precedentes do STJ. - Recurso Especial atendido. (BRASIL, 1997).
Portanto, quanto às duas primeiras hipóteses ventiladas, quais sejam a rescisão pleiteada pelo representado com justa causa e a rescisão pleiteada pelo representado sem justa causa, não há qualquer dúvida de que a indenização é indevida no primeiro caso e devida no segundo.
A terceira situação a ser analisada é a do rompimento do vínculo contratual pelo representante, ante a existência de uma das justas causas elencadas no art. 36, da Lei nº 4.886/65, que assim dispõe:
Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representante:
a) redução de esfera de atividade do representante em desacôrdo com as cláusulas do contrato;
b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no contrato;
c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular;
d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida;
e) fôrça maior.
Quanto a essa hipótese, a doutrina parece ser uníssona em defender o pagamento de uma indenização. Entretanto, os autores divergem quanto ao tipo de indenização a ser paga, havendo os que afirmam que a indenização é a de 1/12 (um doze avos), do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, e os que afirmam que se trata de indenização não tarifada, ou seja, em montante a ser apurado judicialmente.
Na defesa do pagamento da indenização tarifada de 1/12 (um doze avos), Fábio Xxxxx Xxxxxx (2015, p. 139) prega que, sendo o contrato por prazo indeterminado e vigorando há mais de seis meses, se o rompimento do vínculo é calcado em culpa do representado, o patamar mínimo para a indenização é de 1/12 (um doze avos) do total das comissões recebidas. Esse é o mesmo entendimento esposado por Xxxxxxx X. Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 803-804).
Nessa linha, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 35) é ainda mais claro, afirmando que a rescisão do contrato pelo representante por justo motivo ensejará o direito ao recebimento da indenização como se o representado tivesse rescindido o contrato sem justa causa.
Assim também entende Vantuil Xxxxxx (1976, p. 58), asseverando que:
Em conclusão, pois, a indenização prevista no art. 27, j, ou no seu parágrafo único, será sempre devida ao representante, quando o representado rescindir o contrato sem que, para isto, haja justo motivo.
Naturalmente, da mesma maneira a indenização será devida ao representante quando este der por rescindido o contrato por culpa do representado, na forma do art. 36. Ou seja, quando o representado, por exemplo, reduz indevidamente a esfera de atividade do representante, ou não lhe paga as comissões na época própria, propícia, indiretamente, a rescisão contratual, pelo que se obriga à indenização.
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx (2004, p. 280) faz coro aos doutrinadores supra, asseverando que:
Além disso, pode o representante denunciar por sua vez o contrato, e reclamar a indenização quando o representado praticar um dos atos enumerados no art. 36 da Lei: redução de esfera de atividade do representante; a quebra, direta ou indireta, da exclusividade prevista no contrato; a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular; o não-pagamento de sua retribuição na época devida, além de ocorrência de força maior
Por outro lado, há uma pequena parcela da doutrina que entende que, embora seja devida uma indenização ao representante comercial nos casos em que este põe fim ao contrato por culpa do representado (por uma das hipóteses do art. 36), não se trataria da indenização de 1/12 (um doze avos) a que se refere a alínea “j”, do art. 27, da Lei nº 4.886/65.
Essa ala da doutrina é representada por Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx (2011, p. 72), que defende que:
Se o representante for obrigado a romper o contrato em vista de lesão contratual, ou seja, se o representado tiver praticado atos causadores de rompimento, como os previstos no art. 36, incisos a, b, c, d, não haverá propriamente multa pelo rompimento, mas indenização pelas perdas causadas pela infração por parte do representado.
Entretanto, não é este o entendimento que prevalece em nossas Cortes, mas o de que a indenização devida é o de 1/12 (um doze avos) do art. 27, alínea “j”. Nesse sentido, assim têm julgado os Tribunais paulista e gaúcho:
Representação comercial – Rescisão imotivada – Artigos 36 e 27, "j", da Lei nº 4.886/65, alterada pela Lei nº 8.420/92 – Prescrição – Diferenças de comissões. 1. A Lei nº 4.886/65, alterada pela Lei nº 8.420/92, é aplicável também aos contratos verbais, nela não havendo distinção de direitos quanto à forma de contratação. 2. Restando demonstrada a prática de redução da esfera de atividade do representante, a ensejar a rescisão contratual, este faz "jus" à indenização correspondente a 1/12 avos sobre as comissões recebidas durante o período laborado, nos termos do art. 27, "j", da Lei de Representação Comercial. 3. A prescrição quinquenal do art. 44, § único, da Lei n. 4.886/65, não atinge a base de cálculo da indenização de 1/12, correspondente à remuneração auferida durante todo o período do contrato.
4. Era ônus do representante comercial, demonstrar que a representada infringiu o contrato, efetuando o pagamento de comissões em percentuais menores ao contratado, sem o seu consentimento, nos termos do art. 333, I, do CPC de 1973. Ação parcialmente procedente. Preliminar rejeitada. Recurso parcialmente provido. (SÃO PAULO, 2017b).
[...]. INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 27, “J”, DA LEI Nº 4.886/65. O art.
27, ”j” faz referência às situações em que a indenização é devida quando o contrato é rompido por iniciativa da representada e sem justo motivo, ou pelo representante com justo motivo. Hipótese em que incontroverso o rompimento indireto da avença, por justa causa, diante da redução de esfera de atividade do representante após a sucessão empresarial, quando alterada a política comercial, com a negociação direta pela representada na área de atuação das autoras, em desacordo com as cláusulas do contrato. Exegese do artigo 36, “a”, da Lei nº 4.886/65. [...] (RIO GRANDE DO SUL, 2017).
E esses não são os únicos julgados nesse sentido. O Tribunal de Justiça de São Paulo12 e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul13 já produziram diversos outros nesse mesmo sentido.
O próprio Superior Tribunal de Justiça assim já julgou, conforme segue:
PROCESSUAL CIVIL. EMPRESARIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. DESCUMPRIMENTO PELOS REPRESENTADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. ILEGITIMIDADE ATIVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. AVISO PRÉVIO (LEI 4.886/65, ART. 34) E INDENIZAÇÃO (LEI 4.886/65, ART. 27, "J"). CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. INCIDE SOBRE O CONTRATO A LEI SOB A QUAL FOI FIRMADO. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. PRECEDENTES. [...]. 3.
Nas hipóteses em que a rescisão do contrato de representação se dá por culpa do representado, sem que, por outro lado, se configure qualquer das hipóteses do art. 35 da Lei 4.886/65, é devido o aviso prévio do art. 34 da Lei 4.886/65, bem como a indenização do art. 27, "j", do mesmo diploma legal. [...]. (BRASIL, 2014b).
Não obstante se tratarem de questões praticamente pacificadas (tanto o fato de ser devida indenização no caso de rescisão pelo representante por justo motivo, quanto o fato de ser aplicável a indenização de 1/12 avos), não se pode deixar de mencionar a existência de julgados no sentido de que nenhuma indenização é devida no caso de rescisão do contrato pelo representante, mesmo quando presente uma das justas causas do art. 36, da Lei nº 4.886/65.14
Entretanto, trata-se de posicionamento praticamente inexistente na doutrina e pouquíssimo adotado nos Tribunais brasileiros, em vista, sobretudo, da carga social de que é dotada a Lei em comento.
A quarta e última hipótese a ser tratada é a de rescisão do contrato pelo representante comercial e sem que haja justo motivo para tanto. Tal situação, em um primeiro momento, pareceria não demonstrar muitos motivos para discussão, havendo diversos doutrinadores e julgados que rechaçam a possibilidade de ser devida a indenização nesse caso.
12 Apelação nº 0159144-55.2010.8.26.0100, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Julg. 21.06.2016; Apelação nº 1000198-81.2014.8.26.0114, 23ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx, Julg. 22.06.2016; Apelação nº 0003730-94.2013.8.26.0347, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxx xx Xxxx, Julg. 27.11.2015.
13 Apelação Cível nº 0449192-02.2015.8.21.7000, 15ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Julg. 09.03.2016; Apelação Cível nº 0149489-82.2015.8.21.7000, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Julg. 17.09.2015.
14 TJRS, Apelação Cível nº 0006718-47.2016.8.21.7000, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Julg. 28.01.2016.
Nesse sentido, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx (2011, p. 71) é enfático ao afirmar que “[s]e o representante rompeu o contrato, não terá direito a nenhuma indenização, porquanto foi sua a iniciativa e ele sabe o que lhe convém”.
E nesse sentido têm amplamente julgado nossos Tribunais:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Relação
jurídica estabelecida entre as partes que é de representação comercial, regida pela Lei nº 4.886/65. Rescisão unilateral do contrato por iniciativa da representante, ora Apelada, com pretensão de recebimento da indenização prevista no art. 27, alínea 'j', da lei. Rescisão por justa causa não caracterizada, conforme hipóteses legais previstas no art. 36 da lei. Apelante que não provou o fato constitutivo do seu direito (art. 333, inc. I, CPC/73). Sentença reformada, para julgar improcedente o pedido de indenização. Recurso provido. (SÃO PAULO, 2017c).
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RESCISÃO. INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO PERCENTUAIS COMISSÃO. POSSIBILIDADE.
CONCORDÂNCIA TÁCITA. Preliminar de ilegitimidade ativa. Afastada. Firma individual é uma ficção jurídica, de modo que a pessoa física se confunde com a própria pessoa da empresária. Redução do percentual de comissões. Ausência de insurgimento da representante com tal situação, o que faz presumir que a mesma aceitou, ao menos tacitamente, a redução das comissões. Rescisão contratual. Ausência de justo motivo. Tratando-se de contrato de representação comercial, é ônus da representada provar que o rompimento da relação contratual ocorreu em face de uma das hipóteses de justa causa previstas no art. 35 da Lei 4.886/65. Contexto probatório não permite concluir que houve qualquer ato desidioso ou qualquer outra infração contratual por parte da representante na consecução da atividade contratada. Indenização Rescisão. A indenização é devida somente quando o contrato for rompido por iniciativa da representada e sem justo motivo, ou pelo representante com justo motivo. No caso concreto, A rescisão se deu por iniciativa do representante e o suposto motivo alegado não constitui justo motivo expresso no art. 36 da lei da lei 4886/65 a amparar a pretensão de indenização. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL, 2012c).
Entretanto, ainda assim, há margem para discutir o cabimento da indenização no caso de rescisão do contrato pelo representante comercial e sem justo motivo para tanto. E, para isso, podem ser elencadas duas razões.
A primeira razão que justificaria o cabimento do pleito de indenização na hipótese ora tratada é a interpretação literal do art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65. O referido dispositivo legal dispõe ser devida a indenização ao representante “pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35”.
Ora, se, como já dito, são quatro as hipóteses de rescisão do contrato (pelo representado, com e sem justo motivo, e pelo representante, com e sem justo motivo) e se os casos previstos no art. 35 se referem a apenas uma dessas quatro hipóteses
(rescisão pelo representado, com justo motivo), logo, caberia a indenização em todas as outras três hipóteses de rescisão (pelo representado, sem justo motivo, e pelo representante, com e sem justo motivo).
Mas não é apenas a interpretação literal do dispositivo legal em comento que demonstraria o cabimento da indenização nessa quarta hipótese. Se admitida a natureza jurídica retrospectiva da indenização do art. 27, alínea “j”, ou seja, acolhido o entendimento de que tal indenização visa (também ou unicamente) recompensar o representante comercial pelos anos a fio de trabalho dedicado ao representado, seria justo e lógico seu pagamento mesmo no caso de rescisão imotivada pelo representante comercial.
Se a indenização tem por escopo, unicamente ou em conjunto com outra razão, recompensar o trabalho desenvolvido pelo representante comercial, deve ele ser indenizado mesmo que rescinda unilateral e imotivadamente o contrato, afinal, o trabalho foi desenvolvido, o serviço foi prestado.
Entretanto, se tal indenização possuir unicamente o caráter prospectivo, ou seja, se ela visa tão comente reparar o representante comercial pela perda de remuneração futura, esta razão para pagamento da indenização cai por terra, remanescendo, de qualquer modo, a interpretação literal do artigo em questão.
O entendimento ora esposado, que, claramente, não encontra muito amparo na doutrina e na jurisprudência, já foi adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme segue:
AÇÃO DE COBRANÇA C.C. INDENIZAÇÃO – Representação comercial - Indenização devida, com fulcro no artigo 27 “j” da Lei nº 4.886/65, com as alterações da Lei nº 8.420/92 - Rescisão que se deu por iniciativa do representante que não afasta a incidência do comando do artigo 27, “j” - Demais pretensões do representante que não encontram respaldo, diante da falta de prova - Inteligência do artigo 333, incisos I e II do CPC – Sentença mantida - Recursos de ambas as partes não providos, com observação.
[...].
Ressalta-se que, em havendo resolução do contrato por iniciativa do próprio representante, ainda assim, a indenização do art. 27, alínea “j” da Lei nº 4.886/65, é devida, haja vista que o referido comando legal somente afasta esse direito, se a rescisão se operar, por parte do representado e mediante justo motivo, ressaltando que as causas são definidas pelo próprio legislador. (SÃO PAULO, 2014).
Não obstante haja fundadas razões para o pagamento da indenização nos casos de rompimento imotivado do contrato pelo representante comercial, como
demonstrado acima, não é esse o entendimento que predomina na doutrina e nos Tribunais.
Por fim, em vista da divergência jurisprudencial (ainda que pequena, mas existente) quanto ao cabimento da indenização tanto no caso de rompimento motivado do contrato pelo representante, quanto no caso de rompimento imotivado do contrato, far-se-ia imprescindível a atuação do poder legislativo pátrio a fim de sanar tal lacuna legal.
3.3 Do significado de “valor total das mercadorias”
Outra questão de grande relevância prática que vem sendo bastante discutida na doutrina e nos Tribunais brasileiros é a referente à base de cálculo para apuração das comissões devidas ao representante comercial.
Pela dicção do art. 32, § 4º, da Lei nº 4.886/65, “[a]s comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias”. Entretanto, a Lei nada mais dispõe acerca dessa base de cálculo das comissões.
Em vista dessa vaga previsão legal, surge uma primeira dúvida: o que deve ser entendido como “valor total das mercadorias”? Seria o valor final constante na Nota Fiscal, incluídos tributos, frete, seguro, embalagem, entre outros? Ou seria seu valor líquido, correspondente apenas às mercadorias em si, descontados tributos, frete, seguro, embalagem etc.? Ou o valor da mercadoria acrescido apenas dos tributos incidentes? Ou seria ainda algum outro valor?
Além desse primeiro questionamento, outro surge: a despeito da disposição legal de que a comissão incide sobre o “valor total das mercadorias”, seria possível estipular contratualmente a base de cálculo das comissões?
E quando se questiona a possibilidade de estipulação contratual da base de cálculo das comissões, argui-se em sentido amplo, isto é, seja definindo contratualmente que “valor total das mercadorias” inclui os valores “A”, “B” ou “C” e exclui os valores “X”, “Y” e “Z”, seja determinando outra base de cálculo completamente diversa do “valor total das mercadorias”.
Como dito, trata-se de questão de grande relevância prática, tanto para o representante comercial (vez que a exclusão indevida de numerários da base de cálculo pode reduzir significativamente sua remuneração), quanto para o
representado (vez que a exclusão de determinados valores da base de cálculo pode lhe gerar um enorme passivo a longo prazo).
Uma primeira proposição, situada em um dos extremos da “linha de possibilidades” que será apresentada neste trabalho, seria entender o termo “valor total das mercadorias” como o valor bruto da operação, incluindo-se todos os tributos incidentes, frete, seguro, embalagem e demais valores acessórios.
Tal corrente é calcada, sobretudo, na interpretação de que “valor total das mercadorias” equivale a “preço total das mercadorias”, bem como na suposta impossibilidade de as partes disporem contratualmente a base de cálculo e a sistemática que querem adotar para apuração das comissões, com supedâneo na já abordada limitação da autonomia privada nesta espécie contratual.
Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx (2006, p. 108) leciona que:
O fato é que a Lei 4.886 estabelece uma série de regras impositivas que, por isso mesmo, não podem ser afastadas pela vontade das partes. Convém pôr em realce algumas delas:
[...].
(ii) a base de cálculo das comissões deve necessariamente ser o “valor total das mercadorias” (art. 32, § 4º), o que restringe a possibilidade de as partes preverem a melhor sistemática para a justa remuneração, impedindo, p. ex., que se deduzam da base de cálculo despesas determinadas, tais como alguns tributos, frete, embalagem, mesmo que haja suficiente justificativa econômica para tal;
Antes dele, assim também já entendia Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (1993, p. 79):
Veda-se a prática antiga de descontar uma série variada de custos do valor da fatura, tais como despesas financeiras, impostos, despesas de embalagem, etc. Tal dispositivo talvez venha a causar uma redução, em novos contratos, dos percentuais de comissão, para compensar a sua incidência sobre o ICMS e IPI, impostos que integram o preço. Por valor total das mercadorias entendemos o seu preço consignado na nota fiscal [...]. O preço constante da nota fiscal é o que melhor reflete o resultado obtido pelas partes (representante e representado) sendo justo que sobre ele se apóie o cálculo da comissão.
No mesmo sentido parece ser o entendimento de Xxxxxxxx Xxxxxx (2009, p. 409), para quem “[v]alor total é o valor bruto, aquele que consta da respectiva nota fiscal”.
Adotando, clara e expressamente, tal entendimento, assim já julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Representação comercial – Contrato por prazo certo e determinado. [...]. Comissões - Cálculo do percentual, vigente na data do negócio, incidente sobre o valor total das mercadorias discriminadas na nota fiscal fatura, incluindo os tributos, encargos sociais, custos com fretes e despesas acessórias afins – Norma de ordem pública, art. 32, § 4.º, da Lei 4.886/65 – Ineficácia da cláusula contratual dispondo em contrário [...] (SÃO PAULO, 2014a).
Embora não de forma muito clara, o Superior Tribunal de Justiça parece seguir esse mesmo entendimento. Diz-se “parecer” que esse Tribunal adota o entendimento de inclusão de todos os valores à base de cálculo das comissões, posto que, até o presente momento, ele não se manifestou de forma expressa e específica quanto a cada um dos valores passíveis de serem acrescidos à base de cálculo, tendo-o feito apenas no que diz respeito aos tributos incidentes na operação.
Entretanto, em vista da ementa e da fundamentação das decisões prolatadas pelo Superior Tribunal de Justiça até o presente momento, pode-se deduzir que ele provavelmente entenderá, quando for provocado, pela impossibilidade de exclusão de qualquer valor da base de cálculo, devendo ser adotado o valor total constante na nota fiscal (que inclui tributos, frete, seguro etc.). Nesse sentido:
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. REDUÇÃO PERCENTUAL. ANUÊNCIA TÁCITA DO REPRESENTANTE. COMISSÃO. INCIDÊNCIA. BASE DE CÁLCULO.
TRIBUTOS. PREÇO DA MERCADORIA. [...]. 4. Discussão acerca da inclusão do valor dos tributos na base de cálculo da comissão do representante comercial. 5. A lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria - excluídos os tributos -, e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida e que consta na nota fiscal. 6. O preço constante na nota fiscal é o que melhor reflete o resultado obtido pelas partes (representante e representado), sendo justo que sobre ele se apoie o cálculo da comissão. Precedentes. [...].
Ademais, depreende-se da leitura do referido art. 32, §4º, que a lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria - excluídos os tributos -, e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida e que consta na nota fiscal, razão pela qual, entendo que a interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal é a de que a comissão do representante comercial deve incidir sobre o preço final, pelo qual a mercadoria é vendida [...]. (BRASIL, 2013).
O Superior Tribunal de Justiça já julgou nesse mesmo sentido em diversos outros casos, a saber: AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.208.487/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julg. 02.12.2010; AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 269.483/SP, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 29.09.2016; entre outros.
Em sentido diametralmente oposto, situando-se, assim, na outra extremidade das possibilidades de definição da base de cálculo das comissões, há corrente que defenda que o termo “valor total das mercadorias” deve ser entendido como o valor líquido, correspondente apenas às mercadorias em si, descontados todos e quaisquer valores que não digam respeito diretamente à mercadoria propriamente dita, como tributos, frete, seguro, embalagem etc.
Embora tal corrente encontre algum suporte doutrinário, não é ela prevalente, sendo, certamente, a que encontra menor número de adeptos e defensores. Aliás, a corrente que defende a exclusão de todos os tributos, frete, seguro e demais acessórios da base de cálculo das comissões é tão reduzida que praticamente não ressoa nos Tribunais brasileiros. Praticamente não se encontra decisão que tenha aceitado a exclusão de todos os referidos numerários da base de cálculo.
Um dos poucos autores adeptos a tal corrente é Xxxxxxx Xxxxx Xxxx (2008, p.
68-69), para quem:
O § 4º diz que as comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias. E o que vem a ser valor das mercadorias? O seu custo de produção ou aquisição, acrescido do lucro do vendedor.
[...].
De fato, da nota fiscal de venda, além do valor da mercadoria, que representa apenas um dos itens, constam os tributos incidentes sobre a operação (IPI e ICMS), além de frete e seguro, estes quando de responsabilidade do representado. Quer isto dizer que o preço pago pelo comprador é o somatório de todos os valores constantes do documento fiscal, do qual resulta que o valor total das mercadorias e o preço do produto vendido são coisas distintas, tanto que tributos, frete e seguro são repassados pelo representado à Fazenda Pública, ao transportador e à Companhia de Seguros.
Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx Xxxx, também adepto da corrente ora tratada, acrescenta outro argumento à possibilidade de exclusão de todos os demais numerários da base de cálculo das comissões: a autonomia da vontade das partes, quando constar no contrato previsão expressa nesse sentido.
Para o autor, se as partes, por ocasião da emissão de suas respectivas declarações de vontade receptícias, acordaram plenamente com o modo de cálculo das comissões pelas vendas intermediadas pelo representante comercial e este nunca se opôs a esse modo durante a vigência do contrato, é justa a aplicação da fórmula de cálculo da comissão, não havendo que se falar em ilegalidade da exclusão
de tributos, frete ou de outros acessórios da base de cálculo (XXXXX XXXX, 2011, p. 1.013).
Entre esses dois extremos (inclusão de todos os valores constantes na nota fiscal e exclusão de todos os valores que não sejam o da mercadoria propriamente dita), há diversas possibilidades, umas mais, outras menos adotadas no Judiciário brasileiro.
A exclusão que parece encontrar maior aceitação nos Tribunais do país é a referente ao frete, componente do preço total pago pelo comprador que mais claramente se afasta da noção de componente do “valor total da mercadoria” referido em lei.
Assim têm majoritariamente entendido dois dos principais Tribunais de Justiça do país: o de São Paulo e o do Rio Grande do Sul. Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Inexistindo justa
causa para rescisão e não se tendo procedido a aviso prévio com antecedência de trinta dias, são devidas pela representada à representante, as quantias indenizatórias a que se referem os artigos 27, ‘j’ e 34 da Lei nº 4.886/1965. Descabe a inclusão do valor do frete para o cálculo das comissões devidas à representada, porque não se trata de mercadoria produzida ou comercializada pela representada, mas sim de acessória dessa, e porque se encontra discriminado na nota fiscal de venda. Erro material corrigido. Verba honorária sucumbencial que deve ser compensada, diante do decaimento parcial, nos termos do disposto no artigo 21 do Código de Processo Civil e da Súmula nº 306 do Superior Tribunal de Justiça. (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL - A exclusão dos valores de frete da base de cálculo utilizada para apurar das comissões auferidas pelo representante comercial não ofende o disposto no art. 32, § 4º, da LF 4.886/65, porque o frete configura serviço autônomo e, diversamente dos tributos, as importâncias pagas a título de frete não integram o preço da mercadoria. [...]. (SÃO PAULO, 2013).
Outros votos no sentido ora indicado são encontrados tanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,15 quanto no Tribunal de Justiça de São Paulo.16
Embora a questão referente ao seguro seja pouco enfrentada, pode-se deduzir que sua exclusão teria a mesma aceitação que a do frete, pois a lógica jurídica e financeira é a mesma: trata-se de despesa acessória, destinada a um terceiro,
15 Apelação Cível nº 70044835957, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Julg.
10.11.2011; Apelação Cível nº 70040251688, 15ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx, Julg. 10.08.2011; Apelação Cível nº 70036054138, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Julg. 13.05.2010
16 Apelação Cível nº 0223718-24.2009.8.26.0100, 22ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxx, Julg. 20.10.2016
destacada na Nota Fiscal. O Tribunal de Justiça de São Paulo assim entendeu na Apelação nº 0223718-24.2009.8.26.0100, Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxxx, julg. 20.10.2016. No que diz respeito à exclusão de tributos da base de cálculo das comissões,
tem-se que a doutrina e os Tribunais brasileiros são majoritariamente contrários à exclusão de qualquer tributo do montante sobre o qual incidirá a comissão.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2010, p. 42) afirma categoricamente que:
[o] valor que deve servir de base para as comissões é preço final do produto, nele já embutidos os impostos como ICM, PIS, PASEP e outro. Portanto, nenhum valor tem a cláusula que estipula serem descontados do valor sobre o qual incidirá a comissão, qualquer imposto ou taxa.
No mesmo sentido é o magistério de Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (2013, p. 30), para quem “[...] não se justifica a retirada de parcelas do valor da mercadoria a título de tributos (ICMS, PIS, COFINS etc.) no momento do cálculo das comissões do representante”.
Ao explicar a razão da ilegalidade do desconto de tributos da base de cálculo de comissões, sobretudo do ICMS, Ghedale Saitovitch (1999, p. 125-126) leciona que:
Quanto ao desconto do ICMS, é uma irregularidade que beneficia dupla e até triplamente a representada, provocando um enriquecimento ilícito [...].
Ora, o empresário representado, ao adquirir a matéria-prima ou o produto já acabado (como nos casos das importadoras), credita-se de sua parcela do ICMS. Ao fazer o preço da mercadoria, igualmente, inclui o valor correspondente ao ICMS no preço final do produto. [...]. Ao receber o pagamento do cliente, parte desse valor será referente ao cálculo já incluso do montante do ICM. Desta forma, debitar da comissão do representante o valor correspondente ao ICM é exemplo vivo de enriquecimento ilícito, prejudicando, sem causa justa, o trabalho e o ganho desse profissional.
Assim já entenderam o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMISSÃO. BASE DE CÁLCULO. PREÇO TOTAL DO PRODUTO, INCLUÍDOS OS IMPOSTOS. 1. A
jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que, nos casos de representação comercial, a comissão contratada deverá incidir sobre o valor total das mercadorias, sem os descontos de impostos e encargos financeiros, nos termos do art. 32, § 4°, da Lei n. 4.886/1965, com as modificações da Lei n. 8.420/1992. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (BRASIL, 2016).
APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÕES SOBRE O VALOR TOTAL DO PRODUTO.
Diferença de comissões. Nulidade da cláusula que prevê o desconto de tributos sobre as vendas. Termo que vai de encontro a expressa disposição legal (art. 32, § 4º, da Lei n. 4.886/65). Precedentes do STJ e desta Corte. Pagamento que deverá ser realizado com a incidência de juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pelo IGP-M. Sucumbência invertida. Deram provimento ao recurso. Unânime. (RIO GRANDE DO SUL, 2012a).
CONTRATO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. INSERÇÃO DE CLÁUSULA AUTORIZANDO A DEDUÇÃO DE IMPOSTOS PARA OBTENÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS COMISSÕES. PRESCRIÇÃO. DIFERENÇAS DE COMISSÕES E DE VERBAS INDENIZATÓRIAS. 1. Elegendo a lei
expressamente o “valor total das mercadorias” como base de cálculo para o pagamento das comissões derivadas do serviço de representação comercial, é nula a cláusula contratual que permite a dedução de impostos, por resultar em prejuízo a parte mais fraca na relação contratual e em ofensa a lei de caráter social, de acordo com entendimento preconizado pelas Cortes Superiores. Pedido declaratório procedente. (SÃO PAULO, 2012).
No mesmo sentido indicado acima, é farta (quase infinda) a jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça,17 no Tribunal de Justiça de São Paulo18 e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.19
Das escassas decisões que permitem tal exclusão, uma parte permite a supressão apenas do IPI, ao passo que outra parte aceita o desconto de outros tributos além do IPI (como o ICMS, por exemplo).
No sentido da possibilidade de exclusão de diversos tributos da base de cálculo das comissões que não apenas o IPI (ou seja, do IPI juntamente com outros tributos ou de outros tributos, como o ICMS), desde que prevista no contrato, assim já julgou tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Nesse sentido:
AÇÃO DE COBRANÇA. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. PRETENSÃO DE INCLUIR NA COMISSÃO O VALOR DO IPI E ICMS. EXEGESE DO ART.
32, §4º, DA LEI Nº 4.886/65. O que a autora descreve no item 5º da exordial não confere com as notas fiscais anexadas, onde consta o valor da
17 EDcl no Recurso Especial nº 998.591/SC, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 21.08.2012; AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.208.487/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julg. 02.12.2010
18 Apelação nº 0044747-11.2012.8.26.0068, Rel. Des. Xxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, julg. 19.04.2017; Apelação nº 0029702-69.2009.8.26.0068, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 15.02.2017; Apelação nº 0118290-53.2009.8.26.0100, Rel. Des. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, julg. 30.08.2016; Agravo de Instrumento nº 2129430-15.2016.8.26.0000, Rel. Des. Cerqueira Leite, julg. 28.09.2016; Embargos de Declaração nº 0130284-44.2010.8.26.0100/50000, Rel. Des. Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 30.08.2011
19 Apelação Cível nº 0387286-16.2012.8.21.7000, Rel. Des. Otávio Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, julg.
30.10.2013; Apelação Cível nº 0323290-05.2016.8.21.7000, Rel. Des. Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, julg. 14.12.2016; Apelação Cível nº 0057633-71.2014.8.21.7000, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, julg. 26.02.2015; Apelação Cível nº 0076987-48.2015.8.21.7000, Rel. Des. Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, julg. 17.09.2015
mercadoria vendida, e, à parte, o valor dos impostos. Tampouco o art. 32,
§4º, da Lei nº 4.886/65, dá a interpretação que a demandante alega, pois o que dispõe tal dispositivo é que “as comissões deverão ser calculadas sobre o valor total das mercadorias”. E mercadoria não se confunde com impostos, tanto é verdade que em todas as notas fiscais consta o valor da mercadoria em separado do valor do imposto, somando-se, ao final, o valor da nota, e não o valor da mercadoria. (RIO GRANDE DO SUL, 2006).
EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRETENSÃO DA AUTORA QUE, NESTE PONTO, REVELA INADMISSÍVEL COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA. PRECEDENTE DESTA CÂMARA. A
legislação reguladora do contrato de representação comercial previu que as comissões deveriam ser calculadas pelo valor total das mercadorias (Lei nº 4.886/65, art. 32, §4º), sem fazer qualquer menção à inclusão ou exclusão do ICMS. Não havia óbice, portanto, a que as partes contratassem a exclusão do valor do imposto para efeito de pagamento das comissões, utilizando o valor da mercadoria, em sentido estrito, como base de cálculo. [...]. (SÃO PAULO, 2016a).
Por seu turno, já no sentido da possibilidade de exclusão apenas do IPI (e desde que expressamente previsto em contrato tal desconto), impedindo-se a exclusão de outros tributos, como ICMS, PIS, COFINS, IR, entre outros, assim já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Representação comercial. Comissão. Interpretação do disposto no artigo 32,
§ 4º, da Lei nº 4.886/1965 com redação determinada pela Lei nº 8.420 de
8.5.92. Norma jurídica supletiva da vontade das partes. Por valor líquido deve-se entender o preço das mercadorias sem acréscimo do IPI, frete, seguro e despesas com embalagem. Sobre a base de cálculo para incidência das comissões há que se entender como incluídos os impostos, tais como ICMS, PIS, COFINS, IR e contribuições. Provimento parcial do recurso. (SÃO PAULO, 2016b).
Expostos todos os posicionamentos possíveis, de um extremo a outro, pode-se afirmar que as exclusões mais comumente aceitas da base de cálculo (acolhidas, em regra, nos Tribunais de Justiça e ainda não apreciadas direta e expressamente pelo Superior Tribunal de Justiça) são as referentes aos valores do frete, do seguro e de outros acessórios congêneres. Por seu turno, a exclusão de tributos (quaisquer deles) encontra grande resistência por parte da doutrina e dos Tribunais brasileiros.
É duvidosa, por outro lado, a possibilidade de as partes ajustarem contratualmente a sistemática do cálculo das comissões, prevendo base de cálculo que se afaste da essência do dispositivo legal em comento e da noção de “valor total das mercadorias”, correndo-se grande risco de tal cláusula ser declara nula.
Resta evidente que a generalidade e imprecisão da expressão “valor total das mercadorias” é bastante prejudicial, causando controvérsias e litígios que poderiam ser evitados se a Lei tivesse sido mais clara e específica.
Em vista disso, pode-se concluir que se faz extremamente recomendável e prudente que a legislação seja alterada nesse ponto a fim tanto de esclarecer o que se entende por “valor total das mercadorias” e o que nele está incluído ou excluído, quanto de definir se as partes podem ou não ajustar contratualmente base de cálculo diversa da prescrita em Lei.
Com a finalidade de se evitar controvérsias e a criação de um passivo latente para o representado, o recomendável é que as partes, desde a celebração do contrato, estipulem como base de cálculo das comissões o valor bruto da nota fiscal, ajustando um percentual a essa base de cálculo ampliada.
Melhor explicando, se o representado pretenderia pagar uma comissão (ex.: X%) sobre o valor líquido da nota fiscal (descontados tributos, frete, seguro etc.), é preferível que se apure o impacto médio dessas despesas (tributos, frete, seguro etc.), que se calcule o percentual que ele representa no preço final do produto (ex.: Y%), que se reduza o percentual da comissão inicialmente pretendido nessa mesma proporção (ex.: X% – Y% = Z%) e se chegue a um novo percentual de comissão a ser inserido no contrato (ex.: Z%).
3.4 Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgamento de lides
Outra questão bastante discutida pela doutrina e pelos Tribunais brasileiros diz respeito à competência ou incompetência da Justiça do Trabalho para julgar os litígios decorrentes das relações travadas entre representado e representante comercial.
Tal questão poderia parecer absurda, em uma análise mais superficial e desatenta, uma vez que (1) já se deixou claro no presente trabalho que a figura do representante comercial não se confunde com a figura do empregado e (2) o art. 39, da Lei nº 4.886/65, dispõe expressamente que a Justiça Comum é competente para o julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado. Qual seria, então, o motivo para tal questionamento?
A discussão surgiu com a Emenda Constitucional (EC) nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que alterou a redação do art. 114, da Constituição Federal, que dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho.
Inicialmente, o referido artigo previa que competia à Justiça do Trabalho julgar os dissídios individuais entre trabalhadores e empregadores, o que repelia, indubitavelmente, qualquer discussão sobre a possibilidade de se julgar questões inerentes ao contrato de representação comercial.
Entretanto, com a Emenda Constitucional em questão, passou a Justiça do Trabalho a ter competência para processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho”. Note-se que a expressão “relações de trabalho” é muito mais abrangente que “dissídios individuais entre trabalhadores e empregadores”, abrindo-se a possibilidade de a “relação de trabalho” estabelecida entre representante e representado vir a ser submetida à Justiça do Trabalho.
Em vista disso, questiona-se: continua sendo a Justiça Comum a competente para julgar os litígios entre representante e representado, tal qual previsto na Lei nº 4.886/65, ou passou a Justiça do Trabalho a ser competente para tanto? Caso a competência tenha se alterado para a “Justiça Laboral”, tal competência é total? Ou seja, é ela competente para julgar toda e qualquer relação entre representado e representante? Mesmo quando este se consubstancia em uma sociedade empresária ou uma EIRELI?
A dúvida se avoluma ainda mais ao se tomar conhecimento de que não são raras as previsões legais ao redor do mundo que remetem as controvérsias oriundas do contrato de representação comercial à Justiça do Trabalho. Assim é na Itália (OLIVEIRA, 2007, p. 119) e assim pode ser na Alemanha, em se tratando de um representante comercial de uma só empresa (SCHMIDT, 1997, p. 780).
Pois bem. Enquanto o Supremo Tribunal Federal não julga o Recurso Extraordinário nº 606.003/RS,20 que teve sua repercussão geral reconhecida e que visa determinar, em caráter definitivo, se é a Justiça Comum ou a Justiça do Trabalho quem tem competência para julgar as controvérsias resultantes da relação de representação comercial, pululam decisões contraditórias nos Tribunais do país, criando-se uma gigantesca insegurança jurídica a esse respeito.
A Justiça do Trabalho, sobretudo após a promulgação da EC nº 45/04, no claro afã de açambarcar o maior número de naturezas de ações submetidas ao seu jugo, avoca para si, de forma peremptória, a competência para o julgamento das
20 Em 17.03.2017, o Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx havia liberado o processo para inserção na pauta dirigida do Pleno do Supremo Tribunal Federal. A procuradoria-Geral da República se manifestou pela incompetência da Justiça do Trabalho para julgar essa natureza de relação contratual.
controvérsias oriundas de contratos de representação comercial celebrados por representantes pessoas físicas. E mesmo que inexista qualquer pedido no sentido de reconhecimento de vínculo empregatício.
Argui-se que a competência da Justiça do Trabalho, após a alteração promovida no art. 114, da Constituição Federal, não se limita mais às lides decorrentes de “relações de emprego”, ou seja, entre empregados e empregadores, mas compreende também as controvérsias oriundas de todos os tipos de “relações de trabalho” humano lato sensu, como é o caso da relação entre representante e representado.
E, ainda em defesa da competência da Justiça do Trabalho, argumenta-se que a previsão mais abrangente da Constituição Federal deve prevalecer frente à previsão da Lei nº 4.886/65, seja pelo fato de a Emenda Constitucional ser posterior à Lei de regência da representação comercial, seja pelo fato de a norma constitucional ser hierarquicamente superior à lei ordinária.
Portanto, como consequência da promulgação da EC nº 45/04, estendeu-se a competência material da Justiça do Trabalho, a ela passando a ser atribuídas demandas referentes a inúmeras relações de trabalho, incluindo-se demandas propostas por trabalhadores autônomos, eventuais, representantes comerciais e outros tipos de prestadores de serviços não subordinados, desde que prestados diretamente por pessoa física.
Nesse sentido, quase de forma uníssona, tem julgado o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região:
Pedido Sucessivo - Análise do Contrato de Representação Comercial. [...].
Com relação à competência da Justiça do Trabalho para apreciá-los, ouso divergir da r. decisão de primeiro grau.
Conquanto o artigo 39 da Lei 4.886/65, alterado pela Lei 8.420/92, estabeleça a competência da Justiça Comum para demandas que versem sobre representação comercial, o mencionado dispositivo legal não afasta a competência desta Especializada firmada pelo artigo 114 da CR/88, com a redação alterada pela EC 45/04.
Isso porque, além de o citado artigo ser anterior à EC 45/04, devendo, doravante, ser interpretado em conformidade com o novo texto constitucional que estabeleceu nova regra de competência para as relações de trabalho em sentido amplo, sob pena de reconhecimento de não ter sido recepcionado por ele, não se olvida, ainda, que pela regra da hierarquia das normas a competência instituída pela Constituição da República sobrepõe-se àquela estabelecida pela lei ordinária.
A doutrina e jurisprudência trabalhista firmaram o entendimento de que, quando se trata de lides envolvendo contratos de representação comercial entre pessoas jurídicas, a competência permanece com a Justiça Comum, sendo ampliada a desta Especializada para abranger apenas aquelas relativas aos representantes comerciais pessoa física.
Como já mencionado, com a alteração do art. 114 da CR/88 pela EC 45/04, a competência da Justiça do Trabalho não se limita mais apenas às lides calcadas na relação de emprego, mas abrange todas as que são decorrentes da relação de trabalho humano no seu sentido amplo, aí incluídos os representantes comerciais autônomos, conforme hipótese dos autos.
Dou provimento ao recurso, no particular, e passo a analisar os pedidos sucessivos formulados na petição inicial. (SÃO PAULO, 2017a).
O julgado acima colacionado reflete a firme orientação do Tribunal Superior do Trabalho, que, reiteradamente, vem reafirmando ser da Justiça do Trabalho a competência para julgar as lides decorrentes do contrato de representação comercial, conforme segue:
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. REPRESENTANTE COMERCIAL AUTÔNOMO. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004. O
artigo 114, I e IX, da Constituição da República, alterado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, estabelece ser a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar questões oriundas da relação de trabalho e outras controvérsias dela decorrentes. Sendo a representação comercial modalidade de relação de trabalho, resulta inequívoca a competência desta Justiça Especial para dirimir litígio envolvendo relação de trabalho do representante comercial. Precedentes desta Corte superior. Recurso de revista não conhecido. (BRASIL, 2014a).
Entretanto, com a devida vênia, não deve ser esse o entendimento a prevalecer, sob pena de estar a Justiça do Trabalho ampliando de forma indevida o que vem a ser “relação de trabalho”, nos termos do art. 114, da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a EC nº 45/04, e, consequentemente, usurpando competência da Justiça Comum.
Para que se compreenda o que ora se suscita, importante relembrar o que já foi dito em diversas ocasiões neste trabalho acerca da natureza do contrato de representação comercial. É ele um contrato empresarial, mercantil ou interempresarial, pertencente ao grupo de contratos de colaboração por aproximação. E como tal, é caracterizado pela autonomia das partes (embora um tanto quanto reduzida, como já se viu), pela consequente ausência da subordinação (ao menos da subordinação característica da relação de emprego, que é uma espécie de relação de trabalho), pela regência de uma legislação própria (a Lei nº 4.886/65) e
pela ausência de um salário (vez que a remuneração se dá sob a forma de comissão em caso de efetivo resultado gerado pelo representante).
Toda e qualquer demanda oriunda de um contrato como esse possuirá índole empresarial e não laboral (a não ser em hipóteses de contrato simulado, em que as figuras de empregado e empregador estão falsamente travestidas de representante e representado, respectivamente, circunstância em que se tratará, em verdade, de uma relação de emprego, que atrai a competência da Justiça do Trabalho).
Essa é a opinião de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (2016, p. 14-16), que, em artigo dedicado exclusivamente à análise da competência ou incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado, concluem que:
[...] em que pese os entendimentos contrários, a relação jurídica legítima entre representante e representado trata-se de mera relação comercial/mercantil, tendo como objetivo resultado útil do trabalho realizado, relação jurídica definida em lei como não empregatícia e que também não pode ser considerada relação de trabalho, diante da ausência de subordinação, salário e comumente da pessoalidade.
[...].
Portanto, não sendo verificada a pretensão de ser reconhecido um vínculo empregatício, ou seja, quando o autor objetiva apenas direitos sonegados decorrentes do contrato de representação comercial, a competência para conhecer a causa é da Justiça comum e não da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004, já que as demandas não seriam de índole laboral, e sim, de natureza eminentemente civil/mercantil.
Em diversas ocasiões, divergindo do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, o Tribunal Regional da 2ª Região tem julgado conforme o entendimento ora exposto. Nesse sentido:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELA RUPTURA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMPETÊNCIA. Lei 4.886/65. Relação
contratual regida pela legislação civil, sem pedido de índole trabalhista. Incompetência da Justiça do Trabalho. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
[...].
Deve ser destacado que nestes autos não se pretende o reconhecimento do vínculo de emprego ou qualquer verba de índole trabalhista, mas, exclusivamente, parcelas atinentes ao contrato de representação comercial.
Portanto, a causa de pedir e os pedidos estão limitados à alegada relação obrigacional havida entre as partes, fundada exclusivamente em liame sob a
égide do Direito Civil e da Lei nº 4.886/65, não se revestindo de índole trabalhista para atrair a competência da Justiça do Trabalho.
O art. 114, I, da CF, com a redação dada pela EC nº 45, não abrange a competência para o julgamento do presente feito, pois a expressão “relação de trabalho” não possui abrangência suficiente para englobar as ações em que estão ausentes pedidos de índole trabalhista, fulcradas apenas em relações contratuais regidas pela legislação civil. (SÃO PAULO, 2015a).
O posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região está amparado no entendimento assente no Superior Tribunal de Justiça, que, em diversos procedimentos de conflito de competência, julgou pela competência da Justiça Comum, mesmo após a EC nº 45/04.21
Dúvida não paira quando se trata de representação comercial exercida por sociedade empresária ou por EIRELI, vez que lides em que o contratado ou o prestador de serviços se consubstancia em pessoa jurídica não são passíveis de apreciação pela Justiça do Trabalho.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não resolver a questão de forma definitiva, pairará sobre os contratos de representação comercial grande insegurança jurídica no tocante à justiça competente para julgar eventuais litígios deles decorrentes, ao menos quando se tratar de relação encetada com representante comercial pessoa física.
3.5 Da possibilidade de adoção de foro de eleição
A última questão controvertida a ser discutida neste trabalho diz respeito à possibilidade de as partes elegerem o foro competente para dirimirem eventuais litígios decorrentes da execução do contrato de representação comercial.
Em se tratando de um contrato interempresarial, seria intuitiva uma resposta afirmativa à questão ora suscitada. Entretanto, como dito alhures, o contrato de representação comercial encerra peculiaridades que o distinguem dos demais contratos mercantis, quais sejam sua carga social e sua limitação à autonomia privada das partes.
Soma-se a isso o fato de o já discutido e polêmico art. 39, da Lei nº 4.886/65, dispor expressamente que o foro do domicílio do representante comercial é o
21 STJ: Conflito de Competência nº 130.392/MG, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx, julg. 26.03.2014; Conflito de Competência nº 96.851/SC, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, julg. 11.02.2009; Conflito de Competência nº 60.814/MG, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 27.09.2006.
competente para o julgamento das controvérsias que surgirem entre as partes. Assim o referido dispositivo legal estatui ipsis litteris:
Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas.
Em vista das peculiaridades do contrato em estudo e considerando o disposto no art. 39 da legislação de regência desse contrato, questiona-se: podem as partes adotar um foro de eleição no contrato que seja diferente do elencado em Lei? Ou se trataria de caso de competência absoluta e inderrogável pela vontade das partes?
A doutrina parece majoritariamente inclinada a entender que se trata de competência inderrogável, que não pode ser alterada pela vontade das partes. São raros os doutrinadores que entendem se tratar de matéria contida no órbita da autonomia das partes.
Sem opinar de forma expressa pela impossibilidade de estipulação diversa, mas indicando implicitamente nessa direção, Xxxxxx Xxxxxxx (2002, p. 236) lembra que essa é uma das previsões legais de maior importância para o representante comercial, vez que, no regime anterior, praticamente sempre se definia o foro do representado como competente, de modo que o representante acabava tendo que se deslocar consideravelmente no país para demandar.
No mesmo sentido, mas agora de forma expressa, opina Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (2010, p. 41), para quem eventuais cláusulas de eleição de foro devem ser invalidadas pelo Poder Judiciário. Do mesmo modo pensa Xxxxxxx Xxxxxxxxxx (1999, p. 150).
De forma ainda mais enfática, ao comentar o art. 39, da Lei em discussão, Xxxxxxxx Xxxxxx (2016, p. 67) leciona que:
Trata-se de norma imperativa e de ordem pública que não pode ser derrogada pelas partes mediante uma cláusula de escolha de foro, pois além de proteger a parte mais vulnerável contra abusos do agenciado, esta regra corresponde ao local de conexão mais estreita com o contrato. De fato, será geralmente no domicílio do agente o local onde a atividade objeto do contrato será executada, sendo, também, geralmente o local da sede dos clientes.
Com a devida vênia, discorda-se do autor supratranscrito no tocante à alegação de que o domicílio do representante é o local de conexão mais estreita do contrato.
Embora se possa admitir que, via de regra, é no domicílio do representante o local onde a representação é exercida e onde estão sediados os clientes, tem-se que a maior parte das discussões levadas ao Judiciário não diz respeito à relação com o cliente em si, mas sim à interpretação das cláusulas do contrato, a correção do pagamento das comissões, do aviso prévio ou da indenização ou ainda a existência ou não de justo motivo para a rescisão do contrato. E para a discussão de tais questões em nada ou em quase nada importa o local onde a representação comercial era exercida ou a sede dos clientes.
Até mesmo os que, timidamente, entendem ser a regra contida no art. 39, da Lei nº 4.886/65, flexível, acabam por sugerir que o ideal é que a escolha recaia justamente sobre o foro de domicílio do representante. Nesse sentido, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxx (2011, p. 79-80) adverte que:
A verdade é que a lei não é tão rígida neste problema, sendo permitido às partes elegerem o foro de conveniência delas, de mútuo acordo. [...]. Xxxxxxx, porém, que nesse acordo deve prevalecer a vontade do representante. [...]. Nessas condições, apesar do que diz a lei, é conveniente que o representante faça constar no contrato que o foro competente será o de seu domicílio.
Por outro lado, quase isolado na doutrina brasileira, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx entende pela possibilidade de as partes elegerem o foro competente para que sejam dirimidas as controvérsias oriundas do contrato. Ao justificar seu posicionamento, apela justamente à natureza interempresarial do contrato de representação comercial, arguindo que o protecionismo da parte mais vulnerável transbordado pela Lei não se mostra absoluto frente à questão de eleição de foro (TADDEI, 2008, p. 61). Xxxxxxx Xxxxx Xxxx (2008, p. 86), embora de forma mais sucinta, assim também entende.
Já nos Tribunais pátrios, embora haja inúmeros julgados no sentido da impossibilidade de eleição de foro nesse tipo de contrato, com a decretação da nulidade da cláusula, ora em vista da taxatividade da Lei, ora em vista da suposta natureza absoluta da competência,22 são bastante numerosos os julgados que reconhecem a validade da cláusula, desde que ausentes a hipossuficiência da parte e o obstáculo ao acesso à Justiça.
22 Tribunal de Justiça de São Paulo: Agravo de Instrumento nº 2076029-04.2016.8.26.0000, Rel. Des. Xxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, julg. 27.06.2016; Agravo de Instrumento nº 2120537- 35.2016.8.26.0000, Rel. Des. Xxxxxxxx xxx Xxxxxx, julg. 04.08.2016; Agravo de Instrumento nº 2207507-72.2015.8.26.0000, Rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx, julg. 30.11.2015.
Assim têm decidido várias Câmaras do Tribunal de Justiça de São Paulo, bem como o próprio Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido:
Agravo de instrumento interposto contra r. decisão pela qual foi rejeitada exceção de incompetência apresentada pela Agravante. Alegação de incorreção. Pedido de reforma. Contrato de representação comercial. Foro de eleição. Art. 39 da lei 4.886/65. Competência relativa. Possibilidade de eleição, desde que não se verifique hipossuficiência do representante, ou haja obstrução ao acesso à justiça. Precedentes nesse sentido. (SÃO PAULO, 2016c).
DIREITO COMERCIAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. ART. 39 DA LEI Nº 4.886/65. COMPETÊNCIA RELATIVA. ELEIÇÃO DE FORO. POSSIBILIDADE, MESMO EM CONTRATO DE ADESÃO, DESDE QUE AUSENTE A HIPOSSUFICIÊNCIA E OBSTÁCULO AO ACESSO À
JUSTIÇA. A Lei nº 4.886/65 tem nítido caráter protetivo do representante comercial. Na hipótese específica do art. 39 da Lei nº 4.886/95, o objetivo é assegurar ao representante comercial o acesso à justiça. A competência prevista no art. 39 da Lei nº 4.886/65 é relativa, podendo ser livremente alterada pelas partes, mesmo via contrato de adesão, desde que não haja hipossuficiência entre elas e que a mudança de foro não obstaculize o acesso à justiça do representante comercial. Embora a Lei nº 4.886/65 tenha sido editada tendo em vista a realidade vivenciada pela grande maioria dos representantes comerciais, não se pode ignorar a existência de exceções. Em tais circunstâncias, ainda que a relação entre as partes continue a ser regulada pela Lei nº 4.886/65, esta deve ser interpretada e aplicada como temperança e mitigação, sob pena da norma se transformar em instrumento de beneficiamento indevido do representante em detrimento do representado. Embargos conhecidos, mas não providos. (BRASIL, 2008).
O entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça tem se replicado tanto na própria corte,23 quanto nos Tribunais estaduais, como, por exemplo, no gaúcho,24 no mineiro25 e no paulista.26
Essa decisão parece ser a que melhor acomoda e harmoniza a natureza mercantil do contrato (ao entender se tratar de competência relativa e ao permitir a eleição de foro) e a carga protetiva e social que ele ostenta (ao condicionar a validade da eleição de foro à ausência de hipossuficiência do representante e à não obstaculização do acesso à Justiça). O ideal é que seja alterada a legislação vigente, a fim de se deixar clara tal possibilidade, condicionada a esses fatores.
23 STJ: Recurso Especial nº 579.324/SC, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx, julg. 15.02.2005; AgRg no Recurso Especial nº 992.528/RS, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, julg. 04.05.2010.
24 TJRS: Agravo de Instrumento nº 0181773-12.2016.8.21.7000, Rel. Des. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, julg.
13.10.2016.
25 TJMG: Agravo de Instrumento nº 0089785-77.2016.8.13.0000, Rel. Des. Manoel dos Reis Morais, julg. 17.05.2016; Agravo de Instrumento nº 0171187-83.2016.8.13.0000, Rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, julg. 25.05.2016.
26 TJSP: Agravo de Instrumento nº 2044152-12.2017.8.26.0000, Rel. Des. Xxxxxxx Xxx Xxxxxxx, julg.
27.07.2017; Agravo de Instrumento nº 2085185-16.2016.8.26.0000, Rel. Des. Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxx, julg. 30.08.2016.
4 CONCLUSÃO
O contrato de representação comercial, objeto do presente estudo, perfaz-se em importante ferramenta utilizada pelo setor produtivo nacional e internacional para a captação de clientela, ampliação de mercado e, consequentemente, otimização da cadeia produtivo-distributiva em geral, propiciando o crescimento dos negócios e o aquecimento da economia.
Em vista de sua inegável importância para o desenvolvimento econômico dos países e considerando a existência de diversos pontos controvertidos inerentes a essa espécie contratual, situação essa que propicia grande insegurança jurídica para seus partícipes, propôs-se a estudar diversos aspectos do contrato de representação comercial, em especial tais questões controversas e o tratamento que a doutrina e os Tribunais pátrios a elas dispensam, a fim de se perquirir pela eventual necessidade (ou não) de alteração da legislação de regência do instituto.
Desta forma, a primeira conclusão a que se chegou foi de que, embora se trate de um contrato interempresarial, gênero contratual que se submete a um regime jurídico historicamente dotado de significativa liberdade negocial, o contrato de representação comercial é caracterizado por certa relativização dessa liberdade, em vista do viés social e protetivo da Lei nº 4.886/65, que possui previsões consideradas de ordem pública e de interesse social, características essas que o distinguem de todas as outras espécies de contratos mercantis que claramente privilegiam sobremaneira a autonomia privada, como o de compra e venda mercantil, por exemplo.
Quanto às questões controvertidas em si, uma delas (que, na verdade, ramifica- se em três pontos controvertidos) está situada no plano da indenização de 1/12 (um doze avos) prevista no art. 27, alínea “j”, da Lei nº 4.886/65, devida ao representante comercial nos casos de rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, da mesma Lei.
Constatou-se, primeiramente, que tanto a doutrina quanto a jurisprudência, em sua maioria, consideram inválida cláusula de renúncia prévia ao direito ao recebimento da indenização em comento, em vista de tal disposição se tratar de ordem pública.
Entende-se ser equivocado o entendimento predominante, vez que a indenização se trata de direito contido na órbita dos direitos patrimoniais disponíveis
do representante comercial, razão pela qual comportaria renúncia ou transação. Além disso, em um contrato interempresarial como esse, deveria prevalecer a autonomia da vontade das partes.
Outra conclusão a que se chegou neste trabalho concerne à possibilidade de pagamento antecipado e periódico dessa indenização. Não obstante a doutrina seja escassa e incipiente a esse respeito, parece haver certa aquiescência dos Tribunais nacionais acerca dessa prática.
Nesse ponto, embora haja algumas poucas decisões contrárias, parece andar bem a maior parte do Judiciário ao aceitar tal prática, uma vez que a adoção do pagamento antecipado e periódico da indenização representa um ganho financeiro para o próprio representante comercial, vez que ele pode reinvestir imediatamente o montante recebido em seu próprio negócio.
A terceira e última conclusão a que se chegou quanto à temática da indenização de 1/12 (um doze avos) diz respeito ao entendimento predominante na doutrina e nos Tribunais de seu cabimento tanto no caso de rescisão do contrato pelo representado, sem justa causa, quanto no caso de rescisão do contrato pelo representante comercial, com justa causa, e de seu descabimento nos casos de rescisão contratual pelo representado, com justa causa, e de rescisão contratual pelo representante, sem justa causa.
Apenas quanto ao descabimento da indenização no caso de rescisão pelo representante, sem justa causa, parece não estar correto o entendimento dominante, entendendo-se ser razoável sua incidência nesse caso, seja pela interpretação literal do art. 27, alínea “j”, da Lei em comento, seja pela natureza retrospectiva da indenização (ou seja, por seu intuito de recompensar o representante comercial pelos anos de trabalho dedicados ao representado).
Em vista disso, entendeu-se que se faz primordial que a Lei nº 4.886/65 passe por nova reforma, a fim de preencher esses pontos lacunosos atinentes à indenização de 1/12 (um doze avos), seja para estipular de forma clara em quais das hipóteses ela é cabível, seja para estabelecer a possibilidade ou impossibilidade tanto de sua renúncia prévia, quanto de seu pagamento antecipado e periódico, regulando expressamente tais questões.
Também se pôde concluir com este trabalho monográfico que, sem embargos de posicionamentos em sentido contrário, predomina na academia e no meio forense o entendimento de que a expressão “valor total das mercadorias”, como base de
cálculo das comissões, deve possuir sentido abrangente, não sendo possível a pactuação da exclusão de tributos desse conceito. Por outro lado, far-se-ia possível a exclusão de despesas a título de frete e seguro, desde que tais exclusões estejam previstas no contrato.
Quanto a esse ponto, também se pôde concluir que representaria grande avanço e significativa redução da insegurança jurídica acerca desse instituto uma alteração legislativa que estabelecesse, com precisão, tanto a exata base de cálculo das comissões (se inclui ou não tributos, frete, seguros, entre outros), quanto a possibilidade ou impossibilidade de sua alteração por vontade das partes materializada em previsão contratual.
Constatou-se também que, embora alguns Tribunais Regionais do Trabalho e o próprio Tribunal Superior do Trabalho avoquem para si a competência para julgar ações envolvendo representação comercial exercida por pessoa natural, não se deve reconhecer a competência da Justiça Laboral para julgar causas dessa natureza, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça e de alguns Tribunais Regionais do Trabalho.
Assim se entendeu, pois os pedidos deduzidos em ações dessa natureza se reduzem à relação obrigacional havida entre as partes, sendo calcada exclusivamente em vínculo sob a égide do Direito Civil e da Lei nº 4.886/65, não se revestindo de qualquer índole trabalhista.
Como essa questão não se resolveria por simples alteração infralegal, pois mesmo com previsão expressa na Lei nº 4.886/65, certamente o Tribunal Superior do Trabalho continuaria avocando para si a competência para julgar esses casos por sua interpretação do texto constitucional, far-se-ia imprescindível a uniformização de entendimento a esse respeito pelo Supremo Tribunal Federal, o que ocorrerá por meio do julgamento do Recurso Extraordinário nº 606.003/RS, que trata desse conflito de competência.
Por fim, também se concluiu com este trabalho que, mesmo em detrimento de previsão legal que determina ser competente o foro do domicílio do representante comercial para julgar as ações atinentes a contratos de representação comercial, têm os Tribunais pátrios decidido pela possibilidade de inserção de cláusula de eleição de foro nesses contrato, desde que tal pactuação não represente dificuldade de acesso ao Poder Judiciário pelo representante comercial e desde que este não seja hipossuficiente.
De qualquer modo, ainda que pacificado tal entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça, constatou-se que seria de bom alvitre que a legislação de regência fosse alterada a fim de estabelecer de forma expressa a possibilidade ou a impossibilidade de pactuação de foro de eleição e, no caso de possibilidade, as condições para tanto.