THE SUBSTANTIAL PERFORMANCE THEORY IN THE FIDUCIARY ALIENATION AGREEMENT OF MOVABLE GOODS
A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS
THE SUBSTANTIAL PERFORMANCE THEORY IN THE FIDUCIARY ALIENATION AGREEMENT OF MOVABLE GOODS
Xxxxx Xxxxx
Resumo
Este artigo busca compreender, por meio do estudo da relação contractual e da compreensão da Teoria do Adimplemento Substancial, fundamentado nas anteriores e atuais decisões do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, se há ou não espaço no Direito Brasileiro para discutir a aplicação da referida teoria no contrato de alienação fiduciária de bens móveis. Em decisões ultrapassadas, entendia o STJ por aplicá-la nessa espécie de negócio jurídico, contudo, em recente acórdão, reformulou esse entendimento. Após a análise doutrinária e jurisprudencial, este artigo conclui que diante dos argumentos apresentados a favor e contra a aplicação desta teoria, ainda é cabível o estudo e discussão sobre esse assunto para melhor pacificá-lo.
Palavras chave: Adimplemento Substancial. Alienação Fiduciária. Aplicabilidade. Contrato.
Abstract
This article seeks to understand, through the study of the contractual relationship and the understanding of the Substantial Performance Theory, based on the previous and current decisions of the Superior Court of Justice on the subject, whether or not there is space in Brazilian Law to discuss the application of the aforementioned theory in the fiduciary alienation agreement of movable goods. In outdated decisions, the STJ understood to apply it in this kind of legal business, however, in recent Judgment, reformulated this understanding. After the doctrinal and jurisprudential analysis, this article concludes that in view of the arguments presented for and against the application of this theory, it is still appropriate to study and discuss this subject to better pacify it.
Key-words: Agreement. Applicability. Fiduciary Alienation. Substantial Performance.
1. INTRODUÇÃO
O negócio jurídico existe há milhares de anos a partir do advento das primeiras sociedades e, ainda que não existisse uma legislação para regrar estes contratos, foi por meio dessas relações que houve a possibilidade de trocas e maior contato entre os povos e culturas cujos costumes não se conheciam.
Atualmente, o Direito delimitou inúmeras regras a fim de consolidar os negócios formados entre as partes, de modo que ficam os sujeitos contratuais protegidos por seus direitos e obrigados a cumprir os seus deveres de forma lícita, respeitando os princípios inerentes a todas as relações e observando a necessidade de não prejudicar os envolvidos.
Há, também, diversos institutos do Direito criados para facilitar e permitir o surgimento de uma relação jurídica eficiente para ambos os sujeitos, entre eles a alienação fiduciária em garantia se destaca pela sua capacidade de facilitar a aquisição de bens por parte do devedor em troca da garantia que é cedida ao credor. Ainda, merece destaque o surgimento de teorias doutrinárias e mesmo jurisprudenciais no Direito de diversos Estados, tendo o objetivo de dar suporte e delinear as ações cabíveis quando do descumprimento ou da não cooperação entre
os sujeitos, sendo uma delas a Teoria do Adimplemento Substancial.
Essa referida tese oriunda do Direito Britânico foi recepcionada pela doutrina e jurisprudência brasileira ao fim do século XX e início do século XXI, embora não explicitamente regulada pela legislação pátria, para o Superior Tribunal de Justiça estava claro quanto à possibilidade de aplicação do Adimplemento Substancial nos contratos de alienação fiduciária de bens móveis.
Contudo, em acórdão de 2017, optou o Superior Tribunal por reformular essa pacificação e decidir por não conhecer o Adimplemento Substancial nessas relações específicas, ocasionando uma mudança de posição por parte da jurisprudência brasileira, de modo que é necessário compreender quais foram os argumentos utilizados pelos Ministros do STJ para a reformulação desse entendimento.
Além disso, torna-se salutar verificar as alegações apresentadas pelos atores jurídicos que discordam dessa reformulação, pois alguns autores e juristas do Direito Pátrio acenam contrariamente diante da fundamentação elencada pelos Ministros e,
portanto, há a necessidade de se compreender se é ou não factível uma nova análise por parte do Superior Tribunal de Justiça acerca deste tema.
No presente artigo, aplica-se o método dedutivo de pesquisa, pois parte-se da premissa da não aplicação da Teoria em análise, de modo que se estudará o conceito de contrato e os seus princípios norteados seguido do instituto da alienação fiduciária em garantia.
À continuação, analisar-se-á a Teoria do Adimplemento Substancial do seu surgimento à sua recepção no Direito Brasileiro, além das anteriores decisões do STJ e o novo entendimento do Superior Tribunal para, por fim, estudar os argumentos contrários a essa decisão e concluir se há espaço ou não para novos debates relacionados à aplicação ou não desta supracitada teoria.
2. CONCEITOS DOUTRINÁRIOS
2.1. Conceito de contrato
Os contratos são institutos históricos presentes nas relações sociais há centenas de anos, nesse sentido, ele norteia um negócio jurídico envolvendo duas ou mais partes e se ramifica em diversas áreas.
Aprofundando neste tema, o Tartuce (2020, p. 1) bem conceitua o contrato por meio de suas principais características intrínsecas às relações jurídicas como sendo um ato jurídico bilateral, cuja existência necessita de, minimamente, duas partes declarando a sua vontade de formar parte, com o objetivo de criar, alterar ou mesmo extinguir direitos e deveres de conteúdo patrimonial.
Salienta, ainda, o Tartuce que o contrato é uma espécie de convenção e estipulação criadas por acordo de vontades entre as partes envolvidas e, portanto, é um ato negocial jurídico proveniente da vontade humana almejando um objetivo patrimonial, devendo, em caráter obrigatório para existir, ser lícito, não contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, a função social e econômica e os bons costumes.
Ou seja, entende-se o contrato como sendo um negócio jurídico entre dois polos, devendo ser lícito, fundamentado na vontade humana e obedecendo aos princípios inerentes a todos os contratos.
Na mesma direção, Xxxxxxx (2020, p. 6), em suas palavras, busca definir o contrato voltando-se, principalmente, à caracterização de um acordo de vontades entre as partes:
É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direito para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.
Portanto, em ambas as doutrinas, presencia-se, fortemente, a bilateralidade da relação contratual e o consentimento entre ambas as partes para que o acordo jurídico seja válido e produza os efeitos esperados entre as partes.
2.2. O princípio da função social do contrato e da boa-fé objetiva
À sequência do estudo das relações contratualistas, é imprescindível compreender os princípios vinculados aos contratos. Nesse sentido, um dos principais institutos norteadores dessas relações no Direito Brasileiro é o princípio da função social do contrato.
O Código Civil brasileiro de 2002 trouxe, por meio do art. 421, caput, a necessidade de se atender a este princípio, pois ele terá por objetivo delimitar o contrato que se está formando e permitir que este seja capaz de agregar valor socialmente: “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)”. (BRASIL, 2002)
Sob esse aspecto, esse princípio encontra-se resistente na tentativa de defini- lo em poucas palavras, fala-se, sendo assim, num princípio abstrato. Lôbo (2021, p. 27) discorre a respeito da necessidade de uma tutela econômica e social em conformidade à Constituição Federal de 1988 e o sintetiza como um princípio pelo qual se determina que os interesses individuais pactuados pelas partes envolvidas no negócio jurídico deverão estar conforme e de acordo aos interesses sociais que apresentam.
Acrescenta, ademais, ser, a função exclusivamente individual do contrato objetivando unicamente cumprir com os interesses exclusivos das partes, incompatível diante da ordem econômica e social, conforme determina o art. 170 da
Constituição Federal, pelo qual se estabelece a necessidade de toda atividade econômica, com o contrato sendo instrumento dessas atividades, ser submetida aos princípios previstos.
Sob este aspecto, Nalin citado por Xxxxxxxx Xxxxxx (2014, p. 45) confere à Função Social do Contrato dois distintos aspectos, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos e preocupa-se em explorá-los para melhor compreensão. Dessa forma:
“A função social manifestar-se-ia em dois níveis: no intrínseco e no extrínseco. Ou seja: seu perfil extrínseco (o contrato em face da coletividade) rompe com o princípio clássico da relatividade dos efeitos do contrato. Passa a teoria contratual a preocupar-se, também, com as repercussões do negócio jurídico bilateral no largo campo das relações sociais. Já no aspecto intrínseco (o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais), a função social estaria ligada à observância dos princípios da igualdade material, equidade e boa-fé objetiva, por parte dos contratantes, “todos decorrentes da grande cláusula constitucional de solidariedade, sem que haja um imediato questionamento acerca do princípio da relatividade dos contratos.”
Portanto, por meio das definições acima, é razoável compreender o princípio da Função Social do Contrato como sendo uma forma de garantir que os interesses individuais pactuados entre as partes contratantes não se sobreponham aos elementos extrínsecos, tais quais as relações sociais e os direitos e deveres fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
Não se pode, todavia, falar em formar uma relação contratual e não a vincular a estes princípios inerentes a cada negócio jurídico pactuado, sob este aspecto, um dos mais importantes deles é o princípio da boa-fé objetiva. Um instituto essencial ao negócio jurídico e, sob certa perspectiva, autoexplicativo.
A respeito desse entendimento, conceitua Pereira (2020, p. 20) incidir a boa-fé em todas as relações jurídicas na sociedade, ainda que seja consagrada como norma infraconstitucional. O autor explica ser este princípio uma cláusula geral de observância obrigatória cujo conceito jurídico deverá concretizar-se conforme às peculiaridades individual do negócio e do contrato.
O autor salienta que a boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas impõe comportamentos em conformidade aos parâmetros da cooperação mútua, honestidade e lealdade afim de tecer padrões de conduta que serão variáveis e caminharão de acordo à relação existente entre as partes.
Ou seja, de acordo ao conceito supracitado formalizado por Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, cada negócio jurídico será analisado pelas suas particularidades, contudo, em todos eles incidirá o princípio da boa-fé objetiva e aos agentes jurídicos envolvidos. Logo, por este princípio, não se lhes analisará o comportamento mental, mas institutos inerentes nas relações contratuais, sejam eles a cooperação, honestidade e lealdade. Na mesma linha, Xxxxx (2019, p. 34), salienta a respeito da concepção deste importante princípio e para ele é necessária a colaboração entre credor e devedor, ajudando-se mutuamente na execução do contrato, pois a conduta de ambas as partes está subordinada às regras cujo objetivo seja impedir ou dificultar uma parte a
ação da outra.
Este referido princípio traz consigo, portanto, a expectativa de cooperação entre as partes, visando sempre o bom cumprimento do pacto constituído por meio de atitudes ética e corretas, de modo a não deixar em desvantagem nenhuma das partes. Espera-se, contudo, que esse comportamento seja efetivo no período pré, durante e pós contratual, pois Lôbo (2021, p. 30) argumenta que a boa-fé se aplica aos comportamentos adotados mesmo antes da celebração contratual ou após o seu
fim e não somente durante a execução das obrigações entre credor e devedor.
Quanto à legislação brasileira, à luz do Código Civil, a Boa-Fé Objetiva está disposta em alguns dispositivos, mais especificamente no art. 422, pelo qual se entende que o princípio da boa-fé é inerente a todos os negócios contratuais:
Conforme o art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. (BRASIL, 2002)
Sob este aspecto, explica Xxxxxx Xxxxxx que o artigo referido se trata de uma cláusula aberta que deverá ser moldada e adaptada a cada caso concreto: (2020, p. 19)
“A denominação ‘cláusulas abertas’ tem sido mais utilizada para essas hipóteses, dando ideia de um dispositivo que deve ser amoldado ao caso concreto, sob uma compreensão social e histórica. A ideia central é no sentido de que, em princípio, contratante algum ingressa em um conteúdo contratual sem a necessária boa-fé. A má-fé inicial ou interlocutória em um contrato pertence à patologia do negócio jurídico e como tal deve ser examinada e punida. Toda cláusula geral remete o intérprete para um padrão de conduta geralmente aceito no tempo e no espaço. Em cada caso o juiz ou árbitro deverá definir quais as situações nas quais os partícipes de um contrato se desviaram da boa-fé.”
Contudo, esta não é a única aparição do princípio da boa-fé objetiva na Lei Civil de 2002, pois ela, outrossim, insere-se também no artigo 113 do Código Civil Brasileiro e, por este, entende-se que a interpretação dos negócios jurídicos deverá ser conforme este princípio: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. (BRASIL, 2002)
Sob este dispositivo, bem pontua Duarte (2020, p. 94) que esta norma busca elevar a segurança das relações jurídicas e na manifestação da vontade entre as partes se agregam as consequências jurídicas decorrentes, mesmo quando as partes se afastem dela.
Continua Xxxxxx corroborando com a ideia da colaboração entre ambos os lados do negócio, visando a produção dos efeitos esperados do negócio jurídico e, assim sendo, uma das partes não pode impedir ou dificultar a ação da outra no cumprimento das suas obrigações, agindo, portanto, com lealdade e confiança.
Portanto, a boa-fé objetiva repreende as atividades ilícitas entre as partes e determina a cooperação mútua para o melhor cumprimento do contrato. Da mesma maneira, este princípio é mandatório e vincula-se a todas as relações jurídicas, uma vez que por meio dele, espera-se a melhor conduta das partes.
3. A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
Partindo para a análise do instituto da alienação fiduciária em garantia de bens móveis, é importante, em um primeiro momento, fazer uma distinção de extrema validade para a compreensão do que seja uma propriedade alienada fiduciariamente em garantia.
Nesse sentido, aclarar os contrapontos entre uma propriedade resolúvel e propriedade ad tempus é fundamental para evitar essa problemática. Xxxxx (2008, p 235-236) salienta esses conceitos e explicita como diferenciá-los: (apud GAGLIANO e XXXXXXXX XXXXX, 0000, p. 55)
“A ordem jurídica admite situações nas quais a propriedade torna-se temporária. Quando sua duração se subordina a uma condição resolutiva, ou termo final, previsto no título constitutivo do direito, diz-se que há propriedade resolúvel. Quando não é adquirida para durar certo tempo, mas se apresenta potencialmente temporária, podendo seu titular perdê-la por força de certos acontecimentos, diz-se que há propriedade ad tempus.”
Também aclara Gagliano e Pamplona Filho (2021, p. 55) que ao se falar de propriedade resolúvel, é necessário um termo ou uma condição implícita ao negócio jurídico que constitui o direito à propriedade; ao passo que em se tratando de uma propriedade ad tempus, não há essa condição.
Feita essa consideração, parte-se para o conceito de alienação fiduciária em garantia, um aspecto fundamental para o presente artigo. Nesse sentido, Lôbo (2021,
p. 152) bem define esse instituto como uma transferência da propriedade com condição resolutiva mediante financiamento total ou parcial de coisa móvel ou imóvel por parte do adquirente.
O autor aclara que o devedor adquire a propriedade e a posse da coisa e ao mesmo momento transfere para o credor a propriedade fiduciária resolúvel e sua posse indireta.
Na mesma direção, Xxxxxxxx e Pamplona Filho (2021, p. 56) conceituam esse salutar instituto do ordenamento jurídico bem como as partes envolvidas no negócio jurídico e, para os autores, “a alienação fiduciária em garantia é um negócio jurídico bilateral, no qual ocorre a transferência da propriedade de uma coisa ao credor, com destaque para o caráter resolúvel do negócio, objetivando garantir uma determinada obrigação.”
Salientam, ademais, os autores, que a propriedade poderá ser tanto de bens móveis como de bens imóveis e destacam, ainda, que o alienante será o vendedor da coisa (objeto da garantia); o devedor fiduciante será a parte que alienará fiduciariamente a coisa adquirida ao credor, mas permanecendo na posse dela e, por fim, o credor fiduciário sendo aquele a quem será transmitida a propriedade resolúvel da coisa.
3.1. A alienação fiduciária em garantia no ordenamento brasileiro
Para compreender historicamente a alienação fiduciária no sistema jurídico brasileiro, deve-se voltar ao ano de 1965, quando surge no ordenamento pátrio a Lei 4.728/65, disciplinadora do mercado de capitais.
Nesse sentido, Tartuce (2021, p. 800) comenta que o art. 66 da referida legislação regulava a alienação fiduciária, acrescenta o autor que o Decreto-Lei 911
de 1969 trouxe alterações a esse dispositivo no tocante à busca e apreensão dos bens alienados.
Dessa forma, cumpre destacar alguns aspectos do Decreto-Lei 911/69 regulamentador da alienação fiduciária em garantia de bens móveis, nesse sentido, de pronto no primeiro artigo do referido decreto altera-se o conceito de alienação alcançado pela lei 4.728/65: (BRASIL, 1969)
“Art 1º O artigo 66, da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, passa a ter a seguinte redação: (Vide Lei nº 10.931, de 2004) “Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal [...]”.
Importante ressaltar, ainda, o art. 3º também do Decreto de 1969 cujo teor possibilita ao proprietário fiduciário ou credor requerer a busca e apreensão do bem: (BRASIL, 1969)
“Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014).”
De acordo a Tartuce (2021, p. 800): “o objetivo da alienação fiduciária em garantia era estimular o consumo de bens de capital móveis e duráveis, tais como eletrodomésticos e veículos, dentre outros.”
Acrescenta o referido doutrinador a respeito da pacificação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 28, nesse sentido, salienta que nas décadas de 1990 a 2000, a alienação tornou-se muito eficiente e passou a ser utilizada como forma de garantia real pelos agentes financeiros, dessa forma o devedor transferia a propriedade de um bem ao credor.
Tartuce ainda transcreve a Súmula 28 do Superior Tribunal de Justiça de 1991 na qual se dispõe que o contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor. (TARTUCE, 2021, p. 801)
Com o advento do Código Civil brasileiro de 2002, a alienação fiduciária de bens móveis recebeu especial atenção e passou a ser regulamentada, de acordo a Venosa (2021, p. 377), pelo novíssimo Código em detrimento da antiga legislação. Ressalta Venosa, ainda, que os princípios gerais se mantiveram os mesmos da legislação anterior, portanto, houve uma absorção pelo ordenamento civil.
4. A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
4.1. O Conceito de Adimplemento Substancial
Superado o entendimento acerca dos conceitos contratuais, seus princípios mais intrínsecos bem como o instituto da alienação fiduciária em garantia, a partir deste momento, analisar-se-á a Tese do Adimplemento Substancial.
Nesse sentido, Xxxxxxxx (2019, p. 40) descreve essa teoria como uma forma de impedir a resolução do contrato em quando seja possível. Dessa forma, bem salienta que diante de inadimplemento que não finde o interesse útil do credor em receber a prestação do crédito que lhe é devido em atraso, não lhe resta o direito de resolver o contrato, apenas de ver-se indenizado pelo descumprimento da outra parte.
Continua, ainda, citando o princípio da boa-fé objetiva como um instrumento cujo objetivo seja vedar o exercício abusivo do direito à resolução, haja visto esse direito sequer ter nascido para o credor.
Também conceitua o Adimplemento Substancial, Lôbo (2013, p. 196) citado por Xxxxxxx (2020, p. 117) e para ele “considera-se substancial o adimplemento parcial em nível suficiente a satisfazer o crédito, não se lhe aplicando as consequências da mora, principalmente a da resolução do negócio jurídico.”
4.2. A origem da teoria no Direito inglês
A teoria do adimplemento substancial teve origem na segunda metade do século XVIII no Direito inglês com o nome de substancial performance.
Conforme Amaral (2019, p. 87), houve em um julgamento datado de 1779 entre Xxxxx vs Eyre uma importante distinção no Direito inglês diferenciando entre diferentes modalidades as obrigações pactuadas nos contratos:
“Ao longo desse julgamento foi definida a diferenciação entre duas espécies de cláusulas contratuais. A primeira delas foi denominada conditions e a segunda warranties. A distinção entre ambas se deve ao fato de as conditions demonstrarem relação de interdependência – verificada na comutatividade do contrato – e as warranties revelarem independência e a condição secundária em relação às anteriormente afirmadas.”
Xxxxxxx Xxxxxx (XXXXXX, 1993, p. 61-62, apud, AMARAL, 2019, p. 87) discorre sobre o caso em tela tratar-se de um contrato firmado entre as partes pelo qual Xxxxx
estava obrigado a transferir para Eyre a propriedade de uma plantação nas Antilhas e, incluídos nessa transferência, todos os escravos que ali viviam, por sua vez, Xxxx deveria pagar a Xxxxx a quantia de 500 Libras e uma renda anual de 160 Libras.
Este contrato chegou à corte de Xxxx Xxxxxxxxx pois Xxxx deixara de cumprir a sua parte da obrigação alegando em defesa que Xxxxx não executou a garantia sobre os bens pactuados, pois os escravos já não lhe pertenciam. Entretanto, Xxxxxxxxx julgou procedente a ação argumentando que a inexecução não dispensava o comprador da obrigação de pagar o preço.
Nesse sentido, Xxxxxxxx (2019, p. 9-10) pontua a respeito de outra importante decisão fundamental para o surgimento da tese do Adimplemento Substancial: o caso Cutter vs. Powell. Segundo a autora, no julgado citado havia um conflito entre a viúva de Xxxxxx que almejava receber o pagamento pelo serviço prestado pelo falecido à empresa Xxxxxx durante uma viagem em um navio com destino à Jamaica.
A autora salienta que o caso chegou às cortes inglesas, pois houve o falecimento a bordo da embarcação restando ainda 20 dias para o fim do tempo pactuado entre as partes e, dessa forma, a Corte decidiu em favor da companhia por não conceder nenhuma indenização ou valor pelo serviço interrompido à viúva de Xxxxxx.
Fundamentados nas recentes decisões, as cortes inglesas, de acordo a Amaral (2019, p. 87), passaram a compreender que ao se redigir o contrato, as partes deveriam estabelecer todas as obrigações e quais delas seriam conditions e warranties.
Em havendo inadimplemento de uma condition, essa sendo uma obrigação principal do pacto, a resolução contratual era plenamente possível, entretanto, o inadimplemento sendo de warranty, a opção por resolver o contrato seria afastada e em seu lugar haveria uma reparação por perdas e danos.
Estava então constituída a substancial performance, futuramente conhecida no Direito Brasileiro como Teoria do Adimplemento Substancial.
4.3. Recepção no direito de outros países europeus
Nesse sentido, a substancial performance não restou vinculada apenas ao Direito Inglês, mas foi recepcionada por diversos sistemas jurídicos, inclusive em países adeptos ao civil law, como Itália e Portugal.
Sob esse aspecto, essa tese é localizada como parte da lei e não apenas teoria doutrinária ou jurisprudencial, exemplifica-se o ordenamento italiano: (AMARAL, 2019, p. 89)
“O Código Civil Italiano de 1942 aparece como um dos marcos da recepção da teoria do adimplemento substancial no continente europeu. O art. 1455 do referido diploma conta com a seguinte redação: ‘Il contratto non si può risolvere se l’inadempimento di una dele parti há scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’altra’. O legislador italiano previu expressamente a vedação ao direito de resolver um contrato caso o inadimplemento se dê em relação à parte que revele pequena importância em face dos interesses da parte credora. É evidente o intento de criar restrição ao direito de resolução dos contratos pelo inadimplemento.”
A continuação, outros países como Portugal, a exemplo da Itália, possui dispositivos legais a fim de recepcionar a Teoria do Adimplemento Substancial. Sob este respeito, Amaral (2019, p. 91) destaca o art. 802 do Código Civil português que trata da impossibilidade parcial da prestação, pois, conforme redação do referido artigo, sendo a parte inadimplida de pequena importância, o credor não poderá resolver o negócio.
Ou seja, esta teoria está presente também no civil law europeu e, assim, ameniza os conflitos contratuais provenientes do mínimo adimplemento.
4.4. Recepção no Direito Brasileiro
Sobre a aplicabilidade desta teoria no ordenamento jurídico brasileiro, Xxxxxxxx (2019, p. 19) discorre acerca do parecido cenário que se vê no Direito do Brasil com outros que determinam, legalmente, essa teoria.
Nesse sentido, a autora comenta que apesar de sua não positividade no diploma legal, o Adimplemento Substancial tem por fundamento a boa-fé objetiva, conforme exposto nos tópicos anteriores, e a doutrina já defendia a aplicação anteriormente ao Código Civil de 2002, principalmente no período pós promulgação da Constituição Federal de 1988.
Ademais, Amaral (2019, p. 95) demonstra de que modo a resolução contratual estava pactuada à vigência do antigo Código Civil de 1916 no Brasil, por meio do art. 1.092, parágrafo único: “Parágrafo único. A parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos”.
Contudo, em 2002 surge o novo Código Civil Brasileiro trazendo inovações, após 86 anos da antiga Lei Civil. Essas modernizações, impactaram, seguramente, também o campo do direito contratual e das resoluções existentes.
Desse modo, é salutar analisar o conteúdo do art. 475 do Código Civil brasileiro de 2002: “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” (BRASIL, 2002)
Sob o aspecto da recepção da teoria, Xxxxx et al. (2020, p. 521) destaca que o referido artigo concede ao contratante duas opções, sendo elas o desfazimento da relação contratual por meio da ação resolutória ou insistir na tutela específica para o cumprimento da obrigação. Complementa, ainda, não haver hierarquia entre as opções e ter a parte lesada o direito de escolha segundo seus interesses.
Ou seja, conforme argumenta o autor, a parte lesada deverá avaliar e julgar se o inadimplemento gerou a inutilidade da prestação ou se o cumprimento ainda lhe é interessante. Sendo viável o cumprimento, se justifica a mora e a manutenção contratual, se não for mais útil o crédito, resta apenas a demanda resolutória.
Outra análise importante corresponde a Xxxxxx Xxxxxxx, o qual em suas obras doutrinárias analisa o art. 475 do Código Civil e faz ponderações consideráveis para o estudo do tema: (2020, p. 289)
Especificamente, enuncia o art. 475 do CC/2002 que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato. Mas, se não preferir essa resolução, a parte poderá exigir da outra o cumprimento do contrato, de forma forçada, cabendo em qualquer uma das hipóteses, indenização por perdas e danos. [...] Em outras palavras, pela teoria do adimplemento substancial (substancial performance), em hipóteses em que o contrato tiver sido quase todo cumprido, não caberá a sua extinção, mas apenas outros efeitos jurídicos, visando sempre a manutenção da avença. [...] De qualquer forma, estando amparada na função social dos contratos ou na boa-fé objetiva, a teoria do adimplemento substancial traz uma nova maneira de visualizar o contrato, mais justa e efetiva, conforme vem reconhecendo a jurisprudência brasileira.
Portanto, percebe-se que a Teoria do Adimplemento Substancial recebeu acolhimento doutrinário e jurisprudencial no ordenamento jurídico brasileiro e, pelo art.
475 do Código Civil, facultou-se ao credor escolher pela resolução do contrato ou exigir o cumprimento da obrigação cumulada de perdas e danos.
5. O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Após o entendimento desta teoria, urge compreender mais profundamente de quais formas os Tribunais de Justiça Brasileiros, em especial o Superior Tribunal de Justiça julga a aplicação da Tese estudada diante do contrato de alienação fiduciária em garantia.
5.1. As anteriores decisões do Superior Tribunal de Justiça
Cumpre destacar, inicialmente, duas decisões colhidas do início da década de 2000. Vale recordar o atual Código Civil brasileiro ser datado do ano de 2002, ou seja, os acórdãos abaixo, já se encontram sob uma perspectiva de mudanças no Direito Civil pátrio.
Nesse sentido, a primeira jurisprudência se refere ao REsp 272.739/MG (BRASIL, 2001) pelo qual uma instituição financeira procurou, em sede recursal, lograr a busca e apreensão do veículo automóvel, objeto da ação em face de credor inadimplente apenas da última parcela.
Sob essa ótica, proferiu o seu voto o Ministro-Relator Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, sendo acompanhado pelo demais, decidindo por aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial neste contrato de alienação fiduciária em garantia e não reconhecendo o recurso.
Do voto do Ministro-Relator (BRASIL, 2001) extrai-se que “a extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada”.
Além disso, salienta o julgador que restando apenas a última prestação de um contrato de financiamento de alienação fiduciária, o contrato está substancialmente cumprido e o credor deverá executar o débito.
Conclui, ademais, que “usar do inadimplemento parcial e de importância reduzida na economia do contrato para resolver o negócio significa ofensa ao princípio
do adimplemento substancial, admitido no Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio internacional”.
Na sequência da análise argumentativa, há outro acórdão em Recurso Especial n° 469.577/SC (BRASIL, 2003) também de relatoria do Ministro Xxxxxx, contudo, com data de março de 2003, no qual é confirmado esse entendimento pela Quarta Turma do STJ.
Trata-se de novo pedido de busca e apreensão de bem por parte de instituição bancária em face da empresa em mora alegando o inadimplemento. Entretanto, utilizando-se da argumentação do Recurso Especial previamente citado, também de sua relatoria, o Ministro confirma a decisão fazendo-se valer do valor inadimplido e da essencialidade do bem em questão para a continuidade da empresa, parte devedora. As decisões do STJ comentadas previamente foram utilizadas como argumentos para futuras decisões nos Tribunais de instâncias inferiores, tal qual no
acórdão abaixo do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nesse sentido, ainda em 2011, a 35ª Câmara de Direito Privado do TJSP analisando a Apelação Cível 0004453-13.2011.8.26.0597 (BRASIL, 2011), ao deparar-se diante de inadimplemento à quantia de 16% do total pactuado entre as partes, julgou pela aplicabilidade do adimplemento substancial ao caso em tela e não provendo o recurso tendo por fundamento o REsp 469.577/SC supracitado do Superior Tribunal de Justiça.
Ou seja, compreende-se que no início do século XXI, período no qual ocorreu a transição do anterior para o atual Código Civil a jurisprudência brasileira já concebia a Teoria do Adimplemento Substancial nos contratos de alienação fiduciária em garantia.
Com o avanço do tema, os tribunais de instâncias inferiores seguiram esta mesma linha e percebia-se, dessa maneira, uma pacificação do tema quanto à aplicabilidade da referida tese.
5.2. O Atual Entendimento do Superior Tribunal de Justiça
Todavia, houve uma mudança de rumo quanto à essa pacificação, pois no ano de 2017, o Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento diante desse tema. Trata-se do julgamento do REsp 1.622.555/MG (BRASIL, 2017) de inicial
relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxx, cujo voto foi vencido e será analisado em posterior e oportuno momento. Dessa forma, o Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx converteu-se no relator do acórdão.
No caso em tela, uma instituição financeira conhecida no cenário nacional moveu ação em fação de seu devedor fiduciário, pois inadimplidas estavam as últimas 4 (quatro) parcelas de um total de 48 do contrato de alienação fiduciária em garantia, cujo objetivo era um veículo automotor.
As quotas tinham valor fixo de R$ 439,86 (quatrocentos e trinta e nova e oitenta e seis centavos) e somadas chegavam ao valor total estabelecido no negócio jurídico de R$ 21.113,28 (vinte e um mil, cento e treze reais e vinte e oito centavos).
Em primeiro piso, pleiteou a parte autora liminarmente o deferimento do pedido de busca e apreensão do veículo, considerando o disposto no art. 2, §2º do Decreto- Lei 911/69.
Contudo, o magistrado a quo extinguiu o processo sem a resolução do mérito fundamentando a sua decisão na falta de interesse da autora, pois não era aquela a via adequada para a satisfação do crédito uma vez que o contrato estava adimplido substancialmente, com cerca de 91,66% do valor total pago.
Em segunda instância, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais por negar provimento ao Agravo Interno da instituição financeira, contudo, em sede de Recurso Especial, a Segunda Seção do STJ deu provimento ao recurso e julgou inaplicável a Teoria do Adimplemento Substancial neste contrato.
Em um primeiro momento, o Ministro Xxxxxxxx salienta que os dispositivos encontrados no Código Civil de 2002 somente serão procurados caso a lei específica apresente lacunas e, neste caso, o Decreto 911/69 dispõe quanto à aplicabilidade desta teoria.
Extrai-se do voto que pelo Decreto-Lei 911/1969 já se previa ser possível do credor fiduciário valer-se de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente em caráter liminar. Ademais, adiciona o Ministro que este preceito foi mantido pela Lei n. 13.043/14 e que havendo comprovação da mora ou do inadimplemento, é possível ao credor ingressar com pedido de busca e apreensão. (BRASIL, 2017, p. 25-26)
À continuação da linha de raciocínio, o Relator argumenta que a nova redação do art. 3º e seguintes parágrafos do Decreto 911/69 são claros quanto a necessidade do pagamento integral da dívida pendente: (BRASIL, 2017, p. 27)
“Respeitada compreensão diversa, tem-se que a lei não poderia ser mais xxxxx quanto à exigência de quitação integral do débito, como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja emancipado. Ou seja, nos termos da lei, para que o bem possa ser restituído ao devedor, livre de ônus, não basta que ele quite quase toda a dívida; é insuficiente que pague substancialmente o débito; é necessário, para esse efeito, que quite integralmente a dívida pendente.”
Destoando para o instituto da busca e apreensão diante da Teoria do Adimplemento Substancial, em seu voto o Ministro Belizze salienta que ao momento em que o credor faz uso desta ação, ele não busca resolver ou extinguir o contrato, mas, vai em via contrária a esse caminho, posto que quando promove ação de busca e apreensão, o credor fiduciário não pretende extinguir a relação contratual, mas sim ao utilizar-se da garantia fiduciária ajustada apenas quer dar cumprimento aos termos do contrato compelindo o devedor fiduciantes a cumprir as suas obrigações faltantes assumidas. (BRASIL, 2017, p. 30)
Arremata, ainda, o julgador, ao analisar se pela ótica do princípio da boa-fé objetiva, sobre a constatação de que este princípio permanece ao lado do devedor cujo inadimplemento é de sua integral ciência ou se a boa-fé exaure ao credor buscar o cumprimento da obrigação de parte adversa, haja vista a sua obrigação estar cumprida.
Neste aspecto, explana o Ministro Belizze que supor estar a boa-fé contratual ao lado do devedor fiduciante que deixa de realizar o cumprimento integral de sua obrigação é questionável, pois sendo ínfima a parcela ao devedor, certamente não assim considera o credor fiduciário que já cumprira sua obrigação.
Aduz, ainda, que sendo a parcela ínfima e o devedor tendo ciência da possibilidade de perda do bem, a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial torna-se um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais ao obstar a utilização da ação de busca e apreensão. (BRASIL, 2017, p. 31)
Ao finalizar o voto, o Ministro salienta a respeito da possível elevação das taxas de juros diante de maiores riscos que o contrato de alienação fiduciária em garantia carregará, e, de acordo ao voto, prejudicará o devedor adimplente: (BRASIL, 2017, p. 33)
“Por fim, não se pode deixar de reconhecer que a aplicação da tese do adimplemento substancial na hipótese em comento, a pretexto de proteger o consumidor, parte vulnerável da relação contratual, acaba, em última análise e na realidade dos fatos, a prejudicar o consumidor adimplente, que, doravante, terá que assumir o ônus pelo inarredável enfraquecimento do
instituto da garantia fiduciária, naturalmente com o pagamento de juros mais elevados.”
Seguindo o voto acima, o Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, também dá provimento ao recurso. O seu primeiro argumento refere-se ao percentual do inadimplemento existente, pois para o Ministro Xxxxxxxx o valor total da obrigação é relevante: “com efeito, penso ser relevante o descumprimento de parcelas que representam mais de 8% (oito por cento) do valor total da obrigação assumida pelo devedor de contrato de mútuo.” (BRASIL, 2017, p. 40)
O Ministro também cita um Recurso Especial de 2014 em sua argumentação. Vale destacar a importância deste julgado citado, pois este tornou-se um Recurso Repetitivo e, por meio dele, declarou-se a impossibilidade da purgação da mora nos casos de alienação fiduciária, fundamentando esta decisão nas alterações do Decreto-Lei 911/69 através da Lei 10.931-04.
A esse respeito, tem-se a Ementa do respectivo julgado: (BRASIL, 2014)
"ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DADÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO
DA LIMINAR.1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: 'Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária'. 2. Recurso especial provido."(REsp 1418593/MS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 27/05/2014)”
A Ministra Xxxxxxxx prolatou o seu voto também no sentido de não aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial neste julgamento em análise e decidiu por permitir a ação de busca e apreensão. A julgadora em seu voto salienta que não se pode impedir o processamento da ação de busca e apreensão pelo contrato estar adimplido substancialmente.
Nota-se que a Ministra se preocupa pela manutenção da boa-fé objetiva como ponto norteador das relações negociais firmadas entre as partes e que deveria o credor buscar o pagamento do que lhe é devido pela forma menos onerosa ao devedor. Entretanto, entende como não sendo admissível que se impeça o processamento da ação de busca e apreensão ajuizada pela instituição financeira tendo por justificativa o cumprimento substancial do contrato. (BRASIL, 2017, p. 47)
Também no ano de 2017, em decisão monocrática do REsp.1.684.993-SP, a Ministra Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx decidiu por reformar sentença em ação de reintegração de posse de veículo automotor, provendo recurso de Instituição Financeira em face de devedor inadimplente.
No caso analisado, a parte ré quitou 21 das 29 quotas do negócio jurídico, representando aproximadamente 79,9% da dívida assumida, em segundo grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu por aplicar a teoria do adimplemento substancial para manter hígido o contrato firmado entre as partes.
Para reformar o acórdão do TJSP, a Ministra Gallotti, citou o REsp 1.622.555- MG acima referenciado e, ademais, o REsp 1.418.593-MS que cuidou de contrato de alienação fiduciária em ação de busca e apreensão e a impossibilidade da purgação da mora.
Segue trecho essencial da decisão monocromática da Ministra no REsp 0.000.000-XX: (XXXXXX, 2017, p. 2-3)
“Após alguns precedentes firmados nesta Corte privarem o credor do direito à busca e apreensão em razão do pequeno resíduo de prestações, a Segunda Seção, no recente julgamento do REsp 1.622.555/MG, de relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxx, publicado em 16.3.2017, abordou a questão do adimplemento substancial nas ações de busca e apreensão, mormente ante o entendimento firmado em sede de recurso repetitivo acerca da impossibilidade de purgação da mora, concluindo que há contradição entre a aplicação da teoria do adimplemento substancial com a disposição da lei e com o próprio posicionamento adotado no REsp repetitivo 1.418.593/MS. Diante do precedente citado e do saldo de cerca de 20% do total da crédito concedido, não há como afastar o exercício regular do direito do credor na busca e apreensão do bem.”
Ou seja, denota-se uma mudança analítica por parte do entendimento do Superior Tribunal de Justiça relacionado à (in)aplicabilidade do adimplemento substancial nos contratos de alienação fiduciária.
Mudança intensamente relacionada às introduções e modificações feitas no Decreto-Lei 911/69, especialmente em seu artigo 3º, pelo qual, sob a ótica mais recente, o credor tem direito de optar por qual via cobrará a quitação da obrigação inadimplente do devedor.
6. ARGUMENTAÇÃO CONTRÁRIA AO ATUAL ENTENDIMENTO DO STJ
Contudo, existem divergências, majoritariamente na doutrina jurídica, diante desse novo entendimento do STJ pelo não cabimento do Adimplemento Substancial no contrato de alienação fiduciária em garantia.
Nesse sentido, Xxxxxxx (2020, p. 152-153) endossa algumas críticas, pois de acordo ao autor “o adimplemento substancial é de extrema relevância para a operacionalização da justiça e do equilíbrio contratual” e ressalta que “em termos de direito material (adimplemento parcial), temos que unir os vértices com o Direito Processual Civil, buscando o real acesso à justiça”.
O autor salienta que se faz necessária a análise da essencialidade do bem em questão. Nesse sentido, é muito comum no mundo dos contratos fiduciários o bem tutelado ser um veículo e quanto a isso discorre acerca da essencialidade do bem, ou seja, das hipóteses em que o inadimplente utiliza o bem para trabalhar e prover o sustento ou o utiliza para se deslocar até suas atividades. (ALMEIDA, 2020, p. 160)
Xxxxxx afirma que diante de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça ocorre a vitalidade do bem e a dispensa da busca e apreensão do bem neste contrato de alienação fiduciária, pois o veículo objeto da ação é essencial à atividade empresarial. (ALMEIDA, 2020, p. 160-161)
De sua obra, colhe-se a citada ementa deste julgado de relatoria da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx: (ALMEIDA, 2020, p. 161)
“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULOS. BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE EMPRESARIAL. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. 1. Conflito de
competência suscitado em 04/05/2016. Atribuído ao Gabinete em 14/11/2016.2. Apesar de o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeter aos efeitos da recuperação judicial, o juízo universal é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da recuperanda. Nessas hipóteses, não se permite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial (art. 49, §3º, da Lei 11.101/05). Precedentes. 2. Na espécie a constrição dos veículos alienados fiduciariamente implicaria a retirada de bens essenciais à atividade da recuperanda, que atua no ramo de transportes.3. Conflito conhecido. Estabelecida a competência do juízo em que se processa a recuperação judicial.”
Avançando em sustento ao autor supracitado, traz-se, novamente, o REsp 1.622.555-MG previamente analisado pelo qual por maioria restou decidida a
inaplicabilidade da teoria do adimplemento substancial no contrato de alienação fiduciária em garantia, todavia, agora em relação ao voto vencido do Ministro Xxxxx Xxxxx.
Em suas ponderações, o Ministro preocupa-se em não deixar desvantagem à parte devedora e se ocupa em explicar que se apreendido o bem, liquidado, adimplido o valor à financiadora e devolvido o saldo ao devedor, haveria um desequilíbrio contratual e somente a credora estaria completamente satisfeita
Nesse sentido, para o julgador é evidente que com a venda do bem, a quitação do inadimplemento e o saldo remanescente devidamente creditado à parte inadimplente qualificaria um desequilíbrio contratual.
Constata, ainda, o Relator que o adimplemento já implementado é próximo ao valor do contrato e por isso se deveria determinar o adimplemento substancial e inviabilizar a demanda da instituição credora em forma de busca e apreensão, pois o bem já está em propriedade consolidada do devedor. (BRASIL, 2017, p. 10)
Seguindo o voto, o Ministro Buzzi volta-se ao contexto dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato nestas relações jurídicas e transcreve que a Teoria do Adimplemento Substancial é fundamentada nestes institutos supracitados do Direito Civil, pois não há no ordenamento jurídico pátrio uma formalização própria. Além disso, explana o Ministro que a boa-fé objetiva é um princípio fundamental regulamentador das relações contratuais e a função social atua como uma preocupação e forma de satisfazer não apenas o interesse das partes do negócio, mas o interesse social de modo a avançar a circulação de riquezas e o
desenvolvimento econômico/social do país. (BRASIL, 2017, p. 10-11)
Explicita, ademais, que a financiadora, parte credora da ação, possui um título extrajudicial que pode ser executado para melhor satisfazer a quitação do crédito em detrimento da quebra do liame contratual existente entre as partes, o Ministro sustenta que a parte autora, por possuir a faculdade de escolher a medida cabível que melhor lhe satisfaça, optou por eleger o meio mais grave de modo a impor um ônus excessivo e perfeitamente dispensável ao devedor: (BRASIL, 2017, p. 13)
Xxxx Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx citado pelo Ministro Xxxxx arremata que havendo a possibilidade da aplicação da teoria do adimplemento substancial, ao credor lhe faltaria o interesse de postular a busca e apreensão. Compreende-se: (BRASIL, 2017, p. 13)
“Porém, se o caso concreto agasalhar a hipótese conhecida por adimplemento substancial da dívida (v.g. pendendo apenas a última ou últimas e poucas parcelas), carece o credor fiduciário de interesse para postular a busca e apreensão do bem alienado, podendo lançar mão da ação de cobrança ou execução do saldo devedor. Em outras palavras, o adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, o que é incomum. Ademais, não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar. (Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 85/86).”
Para continuar a argumentação, o Ministro Xxxxx transcreve parte do voto do Relator Xxx. Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx em REsp. 1.200.105/AM de 2012 no qual a Teoria do Adimplemento Substancial não cessa o direito do credor ou mesmo põe fim à obrigação do devedor, apenas impede o credor de eleger a maneira mais gravosa de cobrar a quitação da obrigação.
Confere-se: (BRASIL, 2017, p. 16)
“Ocorrendo o inadimplemento da obrigação pelo devedor, pode o credor optar por exigir seu cumprimento coercitivo ou pedir a resolução do contrato (art. 475 do CC). Entretanto, tendo ocorrido um adimplemento parcial da dívida muito próximo do resultado final, e daí a expressão “adimplemento substancial”, limita-se esse direito do credor, pois a resolução direta do contrato mostrar-se-ia um exagero, uma iniquidade. Naturalmente, fica preservado o direito de crédito, limitando-se apenas a forma como pode ser exigido pelo credor, que não pode escolher diretamente o modo mais gravoso para o devedor, que é a resolução do contrato. Poderá o credor optar pela exigência do seu crédito (ações de cumprimento da obrigação) ou postular o pagamento de uma indenização (perdas e danos), mas não a extinção do contrato.”
Finalizando o voto, o relator Ministro Xxxxx discorre que o adimplemento substancial necessita ser analisado caso a caso e o julgador deve considerar a razoabilidade, a proporcionalidade e o senso comum ao decidir pela aplicabilidade ou não da referida teoria, assim como nas demais demandas submetidas ao judiciário.
Explica, à continuação, que a dívida inadimplente não desaparece ao optar-se por aderir ao Adimplemento Substancial, mas a boa-fé e o princípio da conservação dos contratos mostram que a via escolhida pela credora para o caso em tela não foi a ideal, haja vista a necessidade de cooperação e lealdade entre as partes. (BRASIL, 2017, p. 21)
Em adicional aos argumentos do Ministro, no âmbito doutrinário este tema realça discussões e para alguns juristas o Superior Tribunal de Justiça erroneamente
reanalisou a impossibilidade do adimplemento substancial no contrato de alienação fiduciária.
Neste sentido, comenta Xxxxxx Xxxxxxx a respeito da caracterização desta tese, substancialmente os seus fatores qualitativos e quantitativos, conforme definido pelo Enunciado n. 586 da VII Jornada de Direito Civil em 2015, pois ainda que haja um cumprimento relevante de um direito, se há clara prática do abuso de direito de nada adianta o cumprimento. (TARTUCE, 2021, p. 812)
O autor posiciona-se contrário ao atual entendimento do STJ em afastar a tese dos negócios alienados fiduciariamente, valendo-se fortemente da função social do contrato e da boa-fé objetiva, pois conforme Tartuce bem recorda, a boa-fé se presume ao passo em que a má-fé se prova.
Sob este tema, Xxxxxxx argumenta ser um retrocesso jurídico a nova decisão do STJ, pois a boa-fé objetiva incide em todos os negócios jurídicos e não se sustenta o argumento o qual preza pela inaplicabilidade dos princípios expostos no Código Civil nos negócios mediante alienação fiduciária.
Adiciona que a Teoria do Adimplemento Substancial se relacione com a conservação do negócio jurídico e que não incentiva o inadimplemento, pois a boa-fé se presume ao passo em que a má-fé se prova, ainda salienta que a busca e apreensão poderá gerar custos exagerados já que os credores obterão uma elevada quantidade de bens. (TARTUCE, 2021, p. 814)
Para corroborar a sua posição, Xxxxxx Xxxxxxx traz à discussão os fundamentos de Xxxx Xxxxx, pois de acordo a este, independente de lei geral ou especial, ambas se submetem aos princípios inerentes a todos os contratos.
Desta forma, analisa-se a crítica construída abaixo: (TARTUCE, 2021, p. 814-
815)
“Valem também os argumentos desenvolvidos por Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx em crítico artigo sobre o citado julgamento. Conforme escreveu o jurista: “O ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx abriu a divergência no julgamento ao acolher a tese recursal do banco Volkswagen, de que a teoria do adimplemento substancial não é prevista expressamente em lei e decorre de interpretação extensiva de dispositivos do Código Civil. Por isso, a tese não pode se sobrepor à lei especial que rege a alienação fiduciária, por violação à regra de que lei especial prevalece sobre lei geral’. O argumento é pueril e não é técnico. A construção do princípio da boa-fé pela doutrina alemã (desde Larenz), passando em Portugal pela obra de Xxxxxxx Xxxxxxxx e no Brasil por Judith Martins-Costa aponta em sentido oposto. O princípio permite nova leitura do texto de lei de maneira a promover sua adequação. Afirmar que a Lei Especial, por ser especial, não sofre os efeitos do princípio da boa-fé, é tese sem fundamento técnico. Lei geral e lei especial se submetem aos
princípios dos contratos, ainda que estes não estivessem presentes no texto da lei geral. O princípio é a base do ordenamento e não se submete ao critério da especialidade. Se o argumento for expandido, a boa-fé não se aplica à Lei de Locação que é especial? A boa-fé não se aplica ao Estatuto da Terra que é lei especial? A alienação fiduciária não é menos contrato, nem mais. A decisão é tecnicamente constrangedora. Simples assim” (XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Adimplemento..., acesso em: 18 set. 2017).”
Para concluir, Xxxxxxx (2020, p. 166) entende que replicar ao pé da letra o que diz a lei pode significar a aplicação do Direito, mas não a realização do Direito.
Portanto, percebe-se que há uma discussão ainda em aberto diante da aplicabilidade da Teoria do Adimplemento Substancial perante os contratos de alienação fiduciária em garantia.
Ademais, ainda que entenda o Superior Tribunal de Justiça em decisões mais recentes por afastar essa tese do referido contrato, a doutrina brasileira e o próprio STJ possuem argumentos que vão ao encontro dessa decisão.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo ao analisar o contrato como sendo uma forma de relação jurídica, percebe-se que este é constituído e regrado por meio das Leis Civis, bem como dos princípios do Direitos inerentes a todos os negócios envolvendo duas ou mais partes. A alienação fiduciária em garantia de bens móveis é compreendida como uma importante forma negocial, possibilitando ao devedor obter de maneira mais fácil o crédito buscado, de mesmo modo ao credor lhe é fornecido uma garantia do
cumprimento do objeto da relação e sanar o eventual inadimplemento.
Nos casos de inadimplemento por parte do devedor em alienações fiduciárias de bens móveis, o Superior Tribunal de Justiça no início do século XXI passara a decidir pela aplicabilidade da Teoria do Adimplemento Substancial objetivando ao cumprimento da obrigação pelo devedor e o recebimento do objeto relacional por parte do credor.
Dessa forma, aplicando a referida teoria, o entendimento era que ao credor, com o intuito de não usar os métodos mais nocivos ao devedor, lhe seria direito receber o restante do crédito aberto e não a apreensão do bem, uma vez que grande parte da dívida estava quitada, logo, o dano causado ao devedor seria desproporcional e este teria a chance de adimplir todo o valor e manter o bem consigo.
Entretanto, em recentes decisões, optou o STJ por reformular essa decisão e não mais considerando aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial na alienação fiduciária em garantia de bens móveis, facultando, dessa forma, a possibilidade de busca e apreensão do bem alienado, satisfazendo o crédito devido à parte autora do pedido.
Como foi analisado anteriormente no acórdão supracitado de 2017, cujo resultado foi a mudança de posição por parte dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, ainda assim pode-se perceber uma divergência nos votos, ou seja, não houve unanimidade entre os julgadores.
Optou o STJ por decidir pela inaplicabilidade da teoria por entender que, dentre outras razões, o pedido de busca e apreensão do objeto pelo credor quer cumprir os termos contratuais e o Adimplemento Substancial pode tornar-se um incentivo ao inadimplemento, devido ao seu uso em detrimento da busca e apreensão.
Contrariamente, os argumentos favoráveis à aplicação da teoria neste negócio jurídico, entre os demais, fundamentam-se no desequilíbrio contratual e a consequente satisfação contratual exclusivamente pela parte credora, ademais, pelo princípio da boa-fé objetiva argumenta-se que a busca e apreensão do bem vai impor um ônus excessivo e dispensável ao credor.
Outrossim, doutrinariamente há discordância por alguns autores quanto a essa nova orientação do STJ, por se entender que ela traz uma disparidade na relação jurídica e fere os princípios inerentes a todos os negócios contratuais do Direito Pátrio.
Portanto, conclui-se sobre a existência de uma dualidade quanto à aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial diante da alienação fiduciária em garantia de bens móveis, pois o acórdão reformador de posicionamento do STJ deixou explícito os argumentos vencedores, mas, de forma não unanime entre os julgadores.
Ademais, esse novo posicionamento é contestado por doutrinadores e juristas brasileiros conforme os argumentos expostos previamente, entende-se, dessa forma, que a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial no contrato de alienação fiduciária em garantia de bens móveis merece permanecer em debate e há a necessidade de ampliar as suas discussões para sua melhor pacificação, ou seja, para que o Direito Brasileiro possa decidir pela forma menos danosa a ambas partes e conforme preconizam os seus princípios norteadores, haja vista ainda não haver uniformidade no meio jurídico quanto a esse tema.
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