SUMÁRIO
SUMÁRIO
I – Num contrato para prestação de um pacote de serviços de comunicações electrónicas, sem termo final, com um período de fidelização de 24 meses, a validade da cláusula que impõe esse período de fidelização depende da existência de contrapartidas para o consumidor, efectivamente compensadas – apenas e somente – pela manutenção do contrato por um período mínimo.
II – Aquela cláusula de fidelização pressupõe que o profissional vá amortizando os custos associados ao contrato ao longo do tempo de duração mínima, não sendo aceitável a “coação à longa duração contratual”.
III – Num tal contrato, é de considerar excluída de contrato singular, por não terem sido cumpridos pela Operadora, prestadora dos serviços de comunicações electrónicas, o dever de comunicação, bem como o dever de informação e de esclarecimento, da seguinte cláusula contratual geral: «(...) Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
IV – Mesmo que, porventura, aquela a cláusula tivesse sido objecto de adequada e devida comunicação, informação e esclarecimento ao consumidor, por parte da Operadora prestadora dos serviços de comunicações electrónicas – e, assim, pudesse considerar-se incluída no contrato singular –, a parte daquela cláusula que prevê que passe a ser aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, seria de considerar proibida, por contrária à boa fé, e, por isso, nula.
V – No âmbito das cláusulas contratuais gerais, a boa fé reside no não aproveitamento da apriorística desigualdade que existe entre a parte predisponente das cláusulas e a parte que a elas adere num contrato singular; agindo de má fé a parte predisponente que, valendo-se dessa vantajosa posição contratual, cria em seu favor um marcante desequilíbrio das prestações. Uma cláusula contratual geral será de considerar contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquela que a predispôs, for defraudada em virtude de, na análise comparativa dos interesses de
ambos os contraentes, à luz do quadro negocial padronizado do tipo de contrato utilizado, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável.
Proc. nº 42/2020 I - RELATÓRIO
O REQUERIMENTO INICIAL
I – XXXXXXX, identificado nos autos, intentou a presente acção contra “COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A.”, igualmente identificada nos autos, nos termos constantes do requerimento inicial, que se dá aqui por integralmente reproduzido.
II – Em síntese, diz o Requerente que:
i. Em Dezembro de 2019, o Requerente recebeu a factura mensal da Requerida com um aumento do valor do contrato, sem qualquer tipo de aviso.
ii. Após entrar em contacto com o apoio ao cliente, o Requerente foi informado que, para além do término do seu período de fidelização, o valor da fatura iria ser corrigido para o valor contratado (€ 59,90), ficando, assim, a situação resolvida.
iii. Contudo, e apesar de ter sido realizada aquela correcção, o mesmo não se registou nos meses seguintes, tendo o Requerente recepcionado facturas da Requerida com valores superiores ao contrato, voltando a não existir informação clara, nem no momento da assinatura do contrato, sobre as condições que levaram a esse aumento.
iv. Quando contactada novamente a Requerida, esta justificou aquela alteração com a perda de descontos, que se traduzia no aumento da factura.
v. Porém esses descontos não são do conhecimento do Requerente, que desconhece a política de obtenção de preços finais para cada um dos clientes.
vi. O que é do conhecimento do Requerente é que assinou com a Requerida um contrato mensal de € 59,90 e em momento algum foi esclarecido que o fim da fidelização corresponderia ao aumento de preços.
vii. O Requerente considera que a fidelização que o cliente se propõe fazer tem como único propósito a garantia de preços e se tal vier a ser alterado, da mesma forma que o cliente
deverá cumprir com os seus deveres, a operadora deverá informar por escrito com a respectiva justificação.
viii. Após várias tentativas de resolução deste assunto, a Requerida tem como objectivo o desgaste do Requerente nos sucessivos telefonemas, forçando quase e efectuar novo contrato com condições desvantajosas e sem qualquer melhoria do serviço que é prestado.
x. Como qualquer contrato é celebrado na base da boa-fé e das boas práticas, e sendo este um serviço público essencial, qualquer aumento do valor de contrato, para além de ter de ser comunicada, deverá traduzir-se em uma melhoria dos serviços.
xi. Por não concordar com esta alteração, o Requerente apresenta esta reclamação.
III – Em conclusão, o requerente pede a correcção de todos os valores cobrados indevidamente, quer das facturas em causa como das que possam surgir no decorrer deste processo, repondo-se o valor contratado de € 59,90 mensais.
IV – Com o requerimento inicial, o Requerente juntou os documentos de fls. 4 a 9, e não indicou prova testemunhal.
V – O Requerente subscreveu declaração de aceitação de que o presente conflito seja submetido à decisão deste Tribunal Arbitral (fls. 3).
A CONTESTAÇÃO
I – Regularmente citada, a Requerida apresentou contestação, alegando, no essencial, que:
1) Em dia 31/10/2017, o Requerente celebrou contrato para prestação de serviço TV- NET-VOZ e três serviços móveis.
2) Conforme resulta do contrato, pelo pacote de serviços contratados ficou acordada a
mensalidade de 59, 90€ durante 24 meses,
3) mais concretamente “VALOR FINAL DE 59,90€/MÊS DURANTE 24 MESES”.
4) Tendo em conta que a fidelização era de 24 meses e ocorreu a 04-11-2017, as condições contratadas vigorariam até 04-11-2019,
5) Nomeadamente, o valor mensal.
6) Encontra-se ainda previsto que o Demandante usufrui de um desconto durante os 24 meses.
7) Tendo ficado previsto no contrato, no campo de “VANTAGENS DE ADESÃO”, «€
68,30 Desconto mensal durante 24 meses».
8) Não sendo compreensíveis as alegações do Demandante sobre desconhecimento deste desconto.
9) Conforme previsto no ponto “J” das condições particulares, «3. O cliente poderá, a qualquer momento, obter informação sobre o valor os encargos devidos devida à Operadora em caso de cessação antecipada do Compromisso de Permanência ou da desativação de qualquer serviço por ele abrangido, através do serviço Apoio a Clientes 16912 (tarifa aplicável) ou na área “Apoio a Clientes” em www. pt. Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso».
10) Resulta daqui, de forma clara, que as condições relativas ao valor mensal vigoravam durante os 24 meses (Compromisso de permanência).
11) Mais, é referido que após o decurso deste período de compromisso, o mesmo converte-se em contrato sem termo, renovável por períodos de 1 mês, sendo aplicada a tarifa publica, sem fidelização, em vigor.
12) Em 26.12.2019, o Requerente entrou em contacto com a operadora, reclamando valor de fatura e solicitando o acerto do valor dos números adicionais.
13) O Requerente foi informado que já tinha terminado o período de fidelização, bem como os descontos associados.
14) Além disso, foi esclarecido que, tal como previsto no Contrato de Permanência assinado, as condições seriam válidas durante 24 meses, sujeitas a alterações após essa data.
15) Foi ainda, de forma excecional e atendendo à insatisfação demonstrada, efetuado crédito no valor de 8.78€ na fatura FT 001/066538593, correspondente ao aumento do valor praticado fora de fidelização.
16) O Demandante aceitou a informação, referindo que preferia manter o serviço como estava e se de futuro viesse alguma campanha que lhe agradasse entraria em contacto.
17) Contudo, o Demandante mantém a reclamação sobre valor mensal faturado, não aceitando que lhe seja cobrado valor diferente do acordado.
18) Embora já tenha sido informado que os valores acordados só vigoravam durante os 24 meses em que se encontrava fidelizado, e que esse período já terminou, conforme já foi referido.
19) Até porque consta das condições contratuais que findo o período de fidelização cessam os descontos, podendo ser aplicado valor mensal em vigor para contratos sem fidelização.
20) Foi proposto renegociar condições, mas o Requerente não aceitou.
21) Podendo o Demandante, a qualquer momento, aderir a ofertas em vigor e mediante nova fidelização usufruir de campanhas em vigor.
22) Não é possível à Operadora manter os preços praticados durante o período de fidelização, uma vez que esse período já terminou.
23) O Demandante poderá optar por desativar os serviços, tendo em conta que não tem vigor nenhuma fidelização a decorrer.
III – A Requerida conclui pugnando pela improcedência da acção.
IV – A Requerida juntou os documentos de fls. 18 a 27 e não indicou prova testemunhal.
TRAMITAÇÃO SUBSEQUENTE
O caso em apreciação é, quanto à Requerida, de arbitragem necessária, nos termos do disposto no nº 1 do art. 15º da Lei nº 23/96, de 26 Julho, segundo o qual «Os litígios de consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos utentes que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados».
Não tendo sido possível realizar a tentativa de conciliação, por não ter comparecido qualquer representante da Requerida, realizou-se a audiência de julgamento, como consta da respectiva acta (fls. 30-31).
No final daquela audiência foi proferido despacho para junção aos autos, pelo Requerente, dos documentos comprovativos de pagamento das facturas referentes a
Novembro de 2019 e aos meses subsequentes até à data daquela audiência, no âmbito do contrato discutido na presente acção.
Na sequência de tal despacho e dentro do prazo nele fixado, veio o Requerente juntar documentos.
Notificada de tais documentos, a Requerida não se pronunciou sobre os mesmos.
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, não sobrevindo quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
II - QUESTÕES A DECIDIR
Atento o pedido formulado e os factos alegados, o objecto do litígio que delimita a presente acção prende-se com a questão de saber se a fatura emitida em Janeiro de 2019 e faturas seguintes emitidas na pendência da presente acção, referentes aos serviços prestado no âmbito do contrato celebrado entre Requerente e Requerida em 31.10.2017, deverão ser corrigidas para o valor de €59,90 cada uma, para reposição do valor contratado de mensalidade €59,90.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A – DOS FACTOS
Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
a) No âmbito da actividade empresarial a que se dedica a Requerida, inclui-se a prestação de serviços de comunicações electrónicas,
b) Em 31.10.2017, o Requerente celebrou com a Requerida um contrato para a prestação, pela segunda à primeira, de serviços de comunicações eletrónicas na habitação do Requerente, sita em Ermesinde.
c) O contrato referido em b) foi reduzido à forma escrita, mediante formulário pré- elaborado pela Requerida, sem negociação com o Requerente, e com vista à celebração de uma pluralidade de contratos singulares, em número indeterminado –
documento intitulado “Contrato de adesão”, constante de fls. 4 e 9 (e novamente de fls. 26-27) – preenchido nos termos constantes de fls. 4 e 9, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
d) No documento referido em c) constam como serviços contratados um pacote de serviços, denominado “TV 180 CANAIS NET 200/100 VOZ”, abrangendo serviços fixos de Televisão (com TV Box), Internet e Telefone, e três serviços móveis, sob tarifário denominado “RED 5GB”, para os números de telemóvel.
e) No documento referido em c) consta assinalado 24 meses como período de fidelização dos serviços contratados.
f) No documento referido em c) consta, ainda, na secção intitulada “VANTAGENS DE ADESÃO”:
« € 68,30 I Desconto mensal durante 24 meses I VALOR FINAL DE 59,90€/MÊS
DURANTE 24 MESES
€ 0 I Desconto na Instalação I OFERTA DOIS MESES NO
VALOR DE 44,9€ CADA
€ 300 I Desconto na Ativação I ENVIO GRATUITO DE FATURA EM PAPEL DETALHADA DURANTE 24 MESES
€ 0 I Desconto na Portabilidade I 25€ EM VIDEOCLUBE DURANTE 3 MESES ».
g) No documento referido em c) consta, ainda, na secção intitulada “ACEITAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE CONTRATO”, «Assine na última página deste contrato e rubrique na primeira para confirmar a adesão ao(s) serviço(s)/pacote(s)».
h) Aquando do referido em b) e c), o Requerente concordou com a existência de período de fidelização, com a duração de 24 meses, dos serviços que estava a contratar com a Requerida.
i) Aquando do referido em b) e c), o Requerente apôs a sua assinatura no final da primeira página do contrato (logo abaixo da menção referida em g)) e na última página do contrato (na área identificada como destinada à assinatura).
j) Aquando do referido b), a Requerida entregou ao requerente, além de um exemplar do contrato escrito referido em c), as condições contratuais gerais (constantes de fls. 19v a 23) e as condições específicas da prestação dos vários serviços contratados (constantes de fls. 23 a 25), todas pré-elaboradas pela Requerida,
visando regular uma pluralidade de contratos singulares, em número indeterminado, e não negociadas com o Requerente, a que ficou sujeito o contrato celebrado com o Requerente.
k) No ponto “J” das condições contratuais gerais referidas em i), sob a epígrafe “Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato”, consta o seguinte:
«1. O presente contrato é celebrado por um período contratual mínimo de 24 (vinte e quatro meses) a contar da data de ativação do serviço (“Compromisso de Permanência”), salvo se outro prazo constar do formulário de adesão aos serviços fixo e/ou móvel. A duração do período contratual mínimo é escolhida pelo Cliente em função dos descontos pelos quais o Cliente optou no momento da adesão à respetiva campanha, disponíveis para consulta em xxx.xxxxxxxx.xx ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes (tarifa aplicável).
2. O Compromisso de Permanência é exigido como contrapartida pelos custos associados à ativação do serviço, à disponibilização dos equipamentos necessários à utilização do serviço, bem como pela concessão ao Cliente de condições especiais de preços ou descontos.
3. O cliente poderá, a qualquer momento, obter informação sobre o valor os encargos devidos devida à Operadora em caso de cessação antecipada do Compromisso de Permanência ou da desativação de qualquer serviço por ele abrangido, através do serviço Apoio a Clientes (tarifa aplicável) ou na área “Apoio a Clientes” em xxx.xx. Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
l) Aquando do referido em b), a Requerida já prestava ao Requerente serviços de comunicações electrónicas, no âmbito de contrato anteriormente celebrado entre ambos em data não concretamente apurada.
m) Para efeitos do contrato referido em b), os serviços prestados pela Requerida ao requerente e o período de fidelização dos mesmos, iniciaram-se em data não ulterior a 04.11.2017.
n) Com data de emissão de 05.11.2019, a Requerida emitiu e enviou ao Requerente, para pagamento, a factura nº FT 001/065221133 – constante do documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por reproduzido – referente ao período de 1 a 31 de Outubro de 2019, do contrato referido em b), no montante total de € 61,11, dos quais € 59,88 a título de mensalidade e € 1,23 a título de comunicações.
o) Com data de emissão de 05.11.2019, a Requerida emitiu e enviou ao Requerente, para pagamento, a factura nº FT 001/065221133 – constante do documento de fls. 7, cujo teor aqui se dá por reproduzido – referente ao período de 1 a 31 de Outubro de 2019, do contrato referido em b), no montante total de € 61,11, dos quais € 59,88 a título de mensalidade e € 1,23 a título de comunicações.
p) Com data de emissão de 05.12.2019, a Requerida emitiu e enviou ao Requerente, para pagamento, a factura nº FT 001/066538593 – constante do documento de fls. 6, cujo teor aqui se dá por reproduzido – referente ao período de 1 a 30 de Novembro de 2019, do contrato referido em b), no montante total de € 71,69, dos quais € 68,66 a título de mensalidade e € 3,03 a título de comunicações.
q) Na sequência da recepção da factura referida em p), o Requerente, em dia não concretamente apurado mas não ulterior a 26.12.2019, entrou em contacto com a Requerida, reclamando do valor daquela factura, por ultrapassar no valor debitado a título de mensalidade o valor contratado, e solicitando o acerto do valor adicional.
r) Aquando do referido em q), a explicação que a Requerente deu ao Requerente, quanto àquele aumento do valor debitado a título de mensalidade, foi que tinha terminado o período de fidelização, bem como os descontos associados.
s) Não obstante o referido em r), a Requerida aceitou corrigir o valor da factura referida em p), tendo efetuado crédito a favor do Requerente, no valor de 8.78€, correspondente ao aumento do valor praticado fora do período de fidelização, e o Requerente pagou à Requerida o remanescente valor de € 62,91 através de transferência bancária de 10.01.2020.
t) Com data de emissão de 05.01.2020, a Requerida emitiu e enviou ao Requerente, para pagamento, a factura nº FT 001/067833050 – constante do documento de fls. 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido – referente ao período de 1 a 31 de Dezembro de 2019, do contrato referido em b), no montante total de € 80,28, dos quais € 68,66 a título de mensalidade, € 10,12 a título de comunicações, e € 1,50 a título de taxa de atraso de pagamento.
u) Com data de emissão de 05.02.2020, a Requerida emitiu e enviou ao Requerente, para pagamento, a factura nº FT 001/069179273 – constante do documento de fls. 5, cujo teor aqui se dá por reproduzido – referente ao período de 1 a 31 de Janeiro de 2020, do contrato referido em b), no montante total de € 72,64, dos quais € 68,66 a título de mensalidade, € 2,48 a título de comunicações, e € 1,50 a título de taxa de atraso de pagamento.
v) Nas facturas que a Requerida foi emitindo ulteriormente à referida em u), no âmbito do contrato referido em b), os valores debitados a título de mensalidade continuaram a ser superiores a € 59,90.
w) Não obstante as reclamações do Requerente sobre o valor das facturas referidas em t), u) e v), por ultrapassar no valor debitado a título de mensalidade o valor de
€ 59,90, a Requerida recusou proceder ao acerto do valor adicional invocando que o período de fidelização tinha terminado e, por isso, o valor de mensalidade tinha sofrido alterações.
x) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 10.01.2020, o montante de € 62,91 relativamente à factura referida em t).
y) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 22.02.2020, o montante total de € 80,28 relativamente à factura referida em u).
z) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 24.03.2020, o montante total de € 72,64.
aa) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 09.04.2020, o montante total de € 69,71.
bb) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 28.04.2020, o montante total de € 71,92.
cc) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 27.05.2020, o montante total de € 71,42.
dd) Não obstante o referido em w), o Requerente pagou à Requerida, por transferência bancária de 29.06.2020, o montante total de € 71,88.
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se não provados os seguintes factos:
i. Aquando do referido em b) mas antes do referido em h), a Requerida comunicou, informou e esclareceu o Requerente acerca do referido em j), designadamente que
«Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
ii. Que, considerando o referido em k) dos factos provados, a Requerida tenha tido custos efectivos de activação do serviço prestado ao Requerente no âmbito do contrato referido em b).
iii. Que desde 04.11.2019, Requerente ou Requerida tenham denunciado o contrato ora discutido.
iv. Que desde 04.11.2019, tenha havido, com o consentimento do Requerente, alteração aos serviços prestados pela Requerida, ou alteração de equipamentos necessários para prestação do serviço ao requerente, ou a utilização de novos equipamentos subsidiados.
MOTIVAÇÃO:
Os factos considerados provados resultaram da apreciação conjugada dos documentos constantes dos autos, das declarações prestadas pelo Requerente em sede de audiência de julgamento, do depoimento testemunhal, e dos factos admitidos por acordo ou confissão.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos, e do funcionamento das regras sobre o ónus da prova.
B – DO DIREITO
Da matéria factual dada por provada resulta que, em 31.10.2017, o Requerente celebrou com a Requerida um contrato para fornecimento, por esta, na habitação do Requerente sita em Ermesinde, de um pacote de serviços, denominado “TV 180
CANAIS NET 200/100 VOZ”, abrangendo serviços fixos de Televisão (com TV Box), Internet e Telefone, e três serviços móveis, sob tarifário denominado “RED 5GB”.
Os serviços objecto do referido contrato entre Requerente e Requerida, integram-se na categoria dos chamados serviços públicos essenciais, cuja prestação está sujeita, em especial, às regras consagradas na Lei nº 23/96, de 26 de Julho, em ordem à protecção do utente daqueles serviços.
Efectivamente, entre os serviços públicos abrangidos pela referida Lei nº 23/96 estão os “serviços de comunicações electrónicas” – art. 1º, nº 2/d) – sendo que o conceito de comunicações electrónicas adoptado pelo legislador (na alínea ee) do art. 3º da Lei nº 5/2004) é o de «serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão (...)».
Acresce que, para efeitos da Lei nº 23/96, considera-se utente «(...) a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo» (art. 1º, nº 3); por outro lado, considera-se prestador dos serviços públicos essenciais «(...) toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no nº 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão». No caso em apreciação, o requerente e a requerida são de qualificar, respectivamente, como utente e prestador de serviços públicos essenciais.
Para além disso, no caso concreto, a relação jurídica estabelecida entre Requerente e Requerida – tendo em conta que o Requerente contratou os serviços para fins não profissionais - é uma relação de consumo, sendo a Requerente de qualificar como consumidor nos termos gerais do art. 1º, nº 2 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor – LDC) – cfr. b) dos factos provados.
Sobre a Requerida, enquanto prestador de serviço público essencial, impende especialmente o dever legal de «proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger» (cfr. art. 3º da Lei nº 23/96); e tratando-se, no caso em apreciação, de uma relação de consumo, deve ter-se em conta igualmente que «o consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo [...] a lealdade e a boa fé,
[...] na vigência dos contratos» (art. 9º, nº 1, LDC); e tem também, entre outros direitos que legalmente lhe são conferidos, direito à informação para o consumo (arts. 3º/d) e 8º LDC).
No caso em apreciação, através do contrato celebrado com a Requerida em 31.10.2017, o Requerente ficou vinculado a uma obrigação de cumprir um período mínimo de duração do contrato (in casu, de 24 meses), vulgarmente denominado “período de fidelização” ou “período contratual mínimo” (como é designado no art. 8º, nº1/h) LDC).
Sendo que, como é usual no modo de contratação dos serviços em causa, a Requerida utiliza contratos pré-elaborados, baseados em cláusulas contratuais gerais, para adesão por quem com ela contrata os respectivos serviços.
Nos termos da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004, de 10 Fevereiro, com alterações ulteriormente introduzidas), “Fidelização” é «o período durante o qual o consumidor se compromete a não cancelar um contrato ou a alterar as condições acordadas» (art. 3º, nº 1/m)), sendo que, para efeitos daquele diploma legal, considera- se “Consumidor” «a pessoa singular que utiliza ou solicita um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público para fins não profissionais» (art. 3º, nº 1/j)).
O período de fidelização tem (necessariamente) fonte contratual – e não legal –, produzindo efeitos se estiver inserido numa cláusula de um contrato, tratando-se, em regra – como no caso em apreciação – de uma cláusula contratual geral, que não pode ser negociada pelo aderente.
No caso em apreciação, para efeitos do referido contrato celebrado entre Requerente e Requerida em 31.10.2017, os serviços prestados pela Requerida ao requerente e o período de fidelização dos mesmos, iniciaram-se em data não ulterior a 04.11.2017, pelo que o período de fidelização terminaria, no máximo, em 04.11.2019.
No caso em apreciação não está em causa, como com frequência se coloca, a cessação antecipada do contrato antes de decorrido o período de fidelização, e os efeitos ou as consequências dessa cessação antecipada.
A questão central que se coloca no caso em apreciação é, outrossim, a de, uma vez decorrido o período de fidelização estipulado (in casu, 24 meses), o contrato ter continuado em vigor e a Requerida ter continuado a prestar os mesmos serviços, sem quaisquer alterações a esses serviços ou aos equipamentos para utilização, ou
equipamentos subsidiados, e, não obstante, a Requerida ter passado a debitar ao Requerente um valor de mensalidade (mais elevado) correspondente ao valor de mensalidade que a Requerida, naquela altura, praticava para clientes que, ab initio, optassem por contratar aqueles mesmos serviços mas sem fidelização.
Para tal, a Requerida invoca, e faz aplicação, do previsto num segmento do nº 3 do ponto “J” das suas condições contratuais gerais, sob a epígrafe “Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato”:
«(...) Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo- lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
Cabe, pois, analisar, no caso em apreciação, a aplicabilidade desta “cláusula” das condições contratuais gerais da Requerida, designadamente a eficácia e a validade da mesma.
A existência de “Fidelização” «depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais» (art. 48, nº 2/a) Lei nº 5/2004); de resto, nas próprias condições contratuais gerais da Requerida (no nº 3 do supra referido ponto “J”, sob a epígrafe “Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato”) consta que o “Compromisso de Permanência”
– que no nº 1 do mesmo ponto é definido como o período contratual mínimo a contar da data de ativação do serviço – «é exigido como contrapartida pelos custos associados à ativação do serviço, à disponibilização dos equipamentos necessários à utilização do serviço, bem como pela concessão ao Cliente de condições especiais de preços ou descontos».
A duração total de cada período de fidelização nos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados com consumidores não pode ser superior a 24 meses (art. 48º, nºs 5 e 6, Lei nº 5/2004 e art. 4º dec.-Lei nº 56/2010, de 1 de Junho).
Porém, «Excecionalmente, podem estabelecer-se períodos adicionais de fidelização, até ao limite de 24 meses, desde que, cumulativamente: a) As alterações contratuais impliquem a atualização de equipamentos ou da infraestrutura tecnológica; b) Haja uma
expressa aceitação por parte do consumidor» (art. 48º, nº 6 Lei nº 5/2004). Além de que, «No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode ser estabelecido novo período de fidelização, exceto se, por vontade do assinante validamente expressa (...), for contratada a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas e que, em caso algum, podem abranger vantagens cujos custos já foram recuperados em período de fidelização anterior» (art. 48º, nº 15, Lei nº 5/2004).
No caso em apreciação, o período de fidelização estabelecido, com a concordância do Requerente, foi de 24 meses, e, portanto, não foi excedido o período máximo.
Porém, decorrido aquele período de fidelização, e de acordo a prova produzida, não foi demonstrado que tenha havido, com o consentimento do Requerente, alteração aos serviços prestados pela Requerida, ou alteração de equipamentos necessários para prestação do serviço ao requerente, ou a utilização de novos equipamentos subsidiados, ou alteração da infraestrutura tecnológica.
Apesar disso – relembra-se –, não tendo, entretanto, o Requerente ou a Requerida denunciado o contrato, a Requerida continuou a prestar os mesmos serviços ao Requerente, mas passando a quer cobrar a este um valor de mensalidade mais elevado, correspondente ao valor de mensalidade que a Requerida, naquela altura, praticava para clientes que, ab initio, optassem por contratar aqueles mesmos serviços mas sem fidelização; isso com base na parte do nº 3 do ponto “J”, supra citado, das condições contratuais gerais da Requerida.
Sucede, porém, que da prova produzida não resultou provado que, aquando da celebração do contrato com o Requerente e antes da assinatura por este do contrato escrito, a Requerida tenha comunicado, informado e esclarecido o Requerente de que, nos termos do nº 3 do ponto “J” das condições contratuais gerais da Requerida, «Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
Ora, uma das materializações do supra referido direito do consumidor à informação para o consumo, consiste na exigência legal de que «O fornecedor de bens ou prestador
de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre: (...)», entre muitos outros items, o «Período de vigência do contrato, quando for o caso, ou, se o contrato for de duração indeterminada ou de renovação automática, as condições para a sua denúncia ou não renovação, bem como as respetivas consequências, incluindo, se for o caso, o regime de contrapartidas previstas para a cessação antecipada dos contratos que estabeleçam períodos contratuais mínimos» (art. 8º, nº 1/h) LDC).
Acresce que, «Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, (...)» entre outros «(...) os seguintes elementos: (…) A duração do contrato, as condições de renovação, de suspensão e de cessação dos serviços e do contrato» (art. 48º, nº 1,/c) Lei nº 5/2004); e «A informação relativa à duração dos contratos, incluindo as condições da sua renovação e cessação, deve ser clara, percetível, disponibilizada em suporte duradouro e incluir as seguintes indicações: a) Eventual período de fidelização (…); c) Eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato durante o período de fidelização, por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais» (art. 48º, nº 2/a) e c) Lei nº 5/2004).
Por seu lado, quanto ao referido direito do consumidor à protecção dos seus interesses económicos, uma das concretizações consiste na exigência legal de que «Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados: a) À redação clara e precisa, em caracteres facilmente legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares; b) À não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor» (art. 9º, nº 2, LDC); sendo que a inobservância de tais exigências legais «(...) fica sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais (art. 9º, nº 3, LDC).
Ora, não pode esquecer-se que tratando-se a cláusula ora discutida (também) uma cláusula contratual geral elaborada sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar, têm de ser cumpridas as regras do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 Outubro (com as alterações nele ulteriormente introduzidas) – cfr. art. 1º, nº 1.
Assim, nos termos dos arts. 4º a 9º do Dec.-Lei nº 446/85, a inserção da cláusula contratual geral num contrato singular implica a superação de três “obstáculos” sucessivos, bastando que algum deles não seja ultrapassado para se tornar desnecessário analisar os ulteriores.
O primeiro desses obstáculos é a conexão da(s) cláusula(s) com o contrato (art. 4º Dec.-Lei nº 446/85). Se a cláusula não tiver qualquer conexão com o contrato, no mínimo por remissão, fica, desde logo, e sem necessidade de mais análise, excluída do contrato singular. Igualmente excluídas do contrato ficarão as comummente designadas “cláusulas de surpresa” ou “cláusulas surpresa”. Trata-se das «cláusulas que, pelo contexto em que surgem, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contraente real», e, ainda, das «cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes»; em ambas está em causa um problema de conexão das cláusulas com o contrato.
O segundo obstáculo consiste em observar o dever de comunicação, nos termos previstos naquele diploma legal. Assim, as cláusulas «devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las» (art. 5º, nº 1, Dec.-Lei nº 446/85), tratando-se esta de uma necessidade básica para o cumprimento pontual dos contratos e para o estabelecimento da confiança dos contraentes na parte contrária1; acresce que aquela comunicação «deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo efectivo por quem use de comum diligência» (art. 5º, nº 2, Dec.-Lei nº 446/85). A não comunicação adequada e efectiva é sancionada com a exclusão da(s) cláusula(s) do contrato singular (art. 8º/a) Dec.-Lei nº 446/85), sendo que «o ónus da prova da
1 Ac. STJ (XXXXXX XXXXXXXXX), de 18.10.2012, proc. nº 1947/07.9TBAMT-A.PI.S1.
comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».
O terceiro obstáculo, ou crivo, a analisar é o da (in)observância do dever de informação e de esclarecimento, que existe em duas situações: quanto a todas as cláusulas que possam não ser claras e, portanto, cuja aclaração de justifique, devendo a análise da necessidade de explicação ser feita «de acordo com as circunstâncias» (art. 6º, nº 1, Dec.-Lei nº 446/85); e quanto a quem recorre a cláusulas contratuais gerais, ter o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam solicitados pela contraparte, com o limite da razoabilidade (art. 6º, nº 2, Dec.-Lei nº 446/85). As cláusulas em relação às quais não tenha sido cumprido o dever de informação e de esclarecimento, consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8º/b) Dec.-Lei nº 446/85).
Ultrapassados os três obstáculos supra referidos, a cláusula considera-se inserida no contrato singular, sem prejuízo do ulterior controlo do seu conteúdo. Caso contrário, a cláusula é excluída do contrato.
Quanto ao controlo ulterior da cláusula de fidelização, não deixam de se aplicar os arts. 15º e seguintes do Dec.-Lei nº 446/85, que impõem o controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais.
Importa, pois, analisar se, no caso em apreciação, foram observadas, ou não, as supra referidas exigências legais que impendiam sobre a Requerida tanto na fase de negociações como na fase de celebração do contrato, relativamente ao supra citado segmento do nº 3 do ponto “J” das suas condições contratuais gerais.
Ora, quanto à conexão com o contrato não se colocam dúvidas que ela existe, e que a cláusula em causa não se pode considerar – pela sua localização, epígrafe e apresentação gráfica – uma “cláusula surpresa”.
Já quanto ao dever de comunicação, bem como ao dever de informação e de esclarecimento, da prova produzida, impõe-se concluir que não foram cumpridos relativamente à parte da cláusula ora posta em crise. Com efeito, resultou não provado – e o ónus da prova impendia sobre a Requerida, enquanto predisponente da cláusula, bem como nos termos gerais do art. 342º Cód. Civil – que aquando da celebração do contrato e antes da assinatura do mesmo por parte do Requerente, a Requerida tenha comunicado, informado e esclarecido o Requerente de que «Após o decurso do
Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
Consequentemente no caso em apreciação, é de considerar excluída do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida, a supra citada cláusula (que, como já se referiu, é parte do nº 3 do ponto “J” das condições contratuais gerais da Requerida).
E, desse modo, considerando-se inexistente aquela cláusula, e, por conseguinte, não estando o Requerente vinculado a ela, não existe obrigação de a cumprir.
No entanto, diga-se a latere e a talho de foice, mesmo que, porventura, a dita cláusula tivesse sido objecto de adequada e devida comunicação, informação e esclarecimento ao Requerente, por parte da Requerida – e , assim, pudesse considerar- se incluída no contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida –, afigura-se- nos que uma parte daquela cláusula não passaria no crivo do controlo do respectivo conteúdo.
Enquanto prestador de serviço público essencial, impende sobre a Requerida especialmente o dever legal de «proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger» (cfr. art. 3º da Lei nº 23/96); e tratando-se, no caso em apreciação, de uma relação de consumo, deve ter-se em conta igualmente que «o consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos» (art. 9º, nº 1, LDC).
Uma das concretizações desse direito do consumidor à protecção dos seus interesses económicos consiste na exigência legal de que «Com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados, entre outros, à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor (art. 9º, nº 2, LDC); sendo que a inobservância de tais exigências legais fica sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais (art. 9º, nº 3, LDC).
Ora, nos termos do art. 15º do Dec.-Lei nº 446/85, «São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé»; sendo que, na aplicação dessa norma, «devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado» (art. 16º Dec.-Lei nº 446/85).
Assim, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, a boa fé reside no não aproveitamento da apriorística desigualdade que existe entre a parte predisponente das cláusulas e a parte que a elas adere num contrato singular; agindo de má fé a parte predisponente que, valendo-se dessa vantajosa posição contratual, cria em seu favor um marcante desequilíbrio das prestações. Uma cláusula contratual geral será de considerar contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquela que a predispôs, for defraudada em virtude de, na análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, à luz do quadro negocial padronizado do tipo de contrato utilizado, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável [neste sentido, cfr. XXXX XXXXXX XX XXXXXX XXXXXX, Cláusulas contratuais gerais (DL nº 446/85 – Anotado), Wolters Kluwer Portugal / Coimbra Editora, 2010, pp. 171-180 e 184-186]
No caso em apreciação, a parte da cláusula posta em crise estabelece que «Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
Ora, relembrando, conforme se disse supra, a existência de “Fidelização” «depende da atribuição de qualquer vantagem ao consumidor, identificada e quantificada, associada à subsidiação de equipamentos terminais, à instalação e ativação do serviço ou a outras condições promocionais» (art. 48, nº 2/a) Lei nº 5/2004); e de resto, nas próprias condições contratuais gerais da Requerida (no nº 3 do supra referido ponto “J”, sob a epígrafe “Duração, Renovação, Denúncia e Resolução do contrato”) consta que o “Compromisso de Permanência” – que no nº 1 do mesmo ponto é definido como o período contratual mínimo a contar da data de ativação do serviço –
«é exigido como contrapartida pelos custos associados à ativação do serviço, à disponibilização dos equipamentos necessários à utilização do serviço, bem como pela concessão ao Cliente de condições especiais de preços ou descontos».
Donde resulta que, tendo o cliente-consumidor (in casu, o Requerente) respeitado integralmente o período de fidelização, cumprindo a respectiva obrigação de pagar o preço dos serviços prestados pela Requerida durante todo aquele período de fidelização, a Requerida obteve, ao longo de todo aquele tempo, o retorno das vantagens que atribuiu ao consumidor como contrapartida daquele período de fidelização.
Efectivamente, a jurisprudência tem apontado – e bem – no sentido de que a validade da cláusula que impõe um período de fidelização depende da existência de contrapartidas para o consumidor, efectivamente compensadas – apenas e somente – pela manutenção do contrato por um período mínimo; a cláusula de fidelização pressupõe que o profissional vá amortizando os custos asociados ao contrato ao longo do tempo de duração mínima, não sendo aceitável a “coação à longa duração contratual” (cfr. XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Manual de direito do consumo, 6ª ed., Almedina, 2019, p. 173).
Por isso, se, por um lado, é compreensível e equilibrado que, depois de concluído o período de fidelização, o contrato se converta num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso, por outro lado, é completamente desproporcionado e desequilibrado que, passe a ser aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor. Mediante tal, o valor de mensalidade passaria a ser consideravelmente mais elevado, sem qualquer justificação em termos de “economia do contrato”, e, apesar de já ter cumprido todo o tempo do período de fidelização, o cliente (neste caso, o Requerente) ficaria numa posição mais desvantajosa e mais onerosa do que qualquer outro cliente dos mesmos serviços da Requerida que ainda estivesse a cumprir o período de fidelização..!
Ora, com isso, o cliente que já cumpriu o período de fidelização, e que tenha interesse em manter os serviços contratados – inclusivamente sem quaisquer alterações ou melhorias – acaba por, na prática, ver-se forçado (ou, no mínimo, condicionado) a, para novamente obter valores de mensalidade mais baixos e
razoáveis, voltar a celebrar outro contrato com a mesma operadora prestadora de serviços (no caso, a Requerida), com novo período de fidelização!
É importante relembrar que, por um lado, a duração total de cada período de fidelização nos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados com consumidores não pode ser superior a 24 meses (art. 48º, nºs 5 e 6, Lei nº 5/2004 e art. 4º Dec.-Lei nº 56/2010, de 1 de Junho); e, por outro,
«Excecionalmente, podem estabelecer-se períodos adicionais de fidelização, até ao limite de 24 meses, desde que, cumulativamente: a) As alterações contratuais impliquem a atualização de equipamentos ou da infraestrutura tecnológica; b) Haja uma expressa aceitação por parte do consumidor» (art. 48º, nº 6 Lei nº 5/2004). Além de que, «No decurso do período de fidelização ou no seu termo não pode ser estabelecido novo período de fidelização, exceto se, por vontade do assinante validamente expressa (...), for contratada a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas e que, em caso algum, podem abranger vantagens cujos custos já foram recuperados em período de fidelização anterior» (art. 48º, nº 15, Lei nº 5/2004).
Salvo melhor juízo, é nosso entendimento que o espírito destas normas, e a finalidade ou intenção do legislador (mens legis) – ao estabelecer 24 meses como prazo máximo do período de fidelização e que só pode, excepcionalmente, estabelecer-se períodos adicionais de fidelização, até ao idêntico limite de 24 meses cada um, desde que, cumulativamente, por um lado, haja alterações contratuais que impliquem a alteração de equipamentos ou da infraestrutura tecnológica, ou, ainda, a disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a oferta de novas condições promocionais devidamente identificadas e quantificadas, e, por outro, que haja uma expressa aceitação por parte do consumidor – é que, findo o período de fidelização, o contrato possa continuar a vigorar, com os mesmos serviços e equipamentos, ficando o consumidor livre para, daí em diante, poder, se e quando entender, mudar de operador prestador de serviços de comunicações electrónicas sem qualquer “penalização” relativamente a período de fidelização; e não, pelo contrário, que o consumidor esteja sucessiva e permanentemente, sujeito a períodos de fidelização..! Tanto mais que, enquanto serviços já reconhecidos pelo legislador como integrando os serviços públicos essenciais – dado o carácter essencial das necessidades que visa satisfazer, de acordo
com o padrão civilizacional em que vivemos –, os contratos de serviços de comunicações
electrónicas assumem o carácter de contratos duradouros essenciais à existência da pessoa (cfr., com particular interesse a este propósito, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Os contratos de prestação de serviços públicos essenciais como lifetime contracts, in XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX / XXXXXXXX XXX XXXXXX (Coord.), “Pessoa, direito e
direitos”, Direitos Humanos – Centro de Investigação Interdisciplinar, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2016, pp. 165ss).
Donde, pelo supra exposto, mesmo que, porventura, a cláusula ora em crise tivesse sido objecto de adequada e devida comunicação, informação e esclarecimento ao Requerente, por parte da Requerida – e, assim, pudesse considerar-se incluída no contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida –, a parte daquela cláusula que prevê que, após decorrido o período de fidelização, passe a ser aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, seria de considerar proibida, por contrária à boa fé (arts. 15º e 16º Dec.-Lei nº 446/85), e, por isso, nula (art. 12º Dec.-Lei nº 446/85).
Além disso, a inserção de uma tal cláusula (ou parte de cláusula) nas cláusulas contratuais gerais de um prestador de serviços de comunicações electrónicas – e que, como tal, o futuro cliente-consumidor não pode negociar ou discutir – poderá, porventura, constituir uma prática comercial desleal, definida, nos termos e para efeitos do Dec.-Lei nº 57/2008, de 26 Março, como «qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço» (art. 5º, nº 1, Dec.-Lei nº 57/2008).
Sendo que, para efeitos daquele diploma legal, entende-se por:
– «Prática comercial da empresa nas relações com os consumidores, ou, abreviadamente, prática comercial» qualquer acção, omissão, conduta ou afirmação de um profissional, incluindo a publicidade e a promoção comercial, em relação directa com a promoção, a venda ou o fornecimento de um bem ou serviço ao consumidor» (art. 3º/d) Dec.-Lei nº 57/2008);
– «Distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores» a realização de uma prática comercial que prejudique sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo-o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo (art. 3º/e) Dec.-Lei nº 57/2008);
– «Diligência profissional» o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional nas suas relações com os consumidores, avaliado de acordo com a prática honesta de mercado e ou com o princípio geral de boa fé no âmbito da actividade profissional (art. 3º/h) Dec.-Lei nº 57/2008).
Note-se que «O carácter leal ou desleal da prática comercial é aferido utilizando-se como referência o consumidor médio, ou o membro médio de um grupo, quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores» (art. 5º, nº 2, Dec.-Lei nº 57/2008).
Ora, as práticas comerciais desleais (das empresas nas relações com os consumidores) são proibidas (art. 4º Dec.-Lei nº 57/2008).
Quanto às consequências para o contrato celebrado sob a influência de alguma prática comercial desleal, estabelece o art. 14º Dec.-Lei nº 57/2008 que:
«1 - Os contratos celebrados sob a influência de alguma prática comercial desleal são anuláveis a pedido do consumidor, nos termos do artigo 287.º do Código Civil.
2 - Em vez da anulação, pode o consumidor requerer a modificação do contrato segundo juízos de equidade.
3 - Se a invalidade afectar apenas uma ou mais cláusulas do contrato, pode o consumidor optar pela manutenção deste, reduzido ao seu conteúdo válido».
Mas, retomemos agora a conclusão de que, atento o não cumprimento pela Requerida do dever de comunicação, bem como do dever de informação e de esclarecimento, da supra referida cláusula (que, como já se referiu, é parte do nº 3 do ponto “J” das condições contratuais gerais da Requerida), é de considerar tal cláusula excluída do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida, nos termos do art. 8º/a) e b) Dec.-Lei nº 446/85) .
Recorde-se que a parte da cláusula em causa é a seguinte:
«(...) Após o decurso do Compromisso de Permanência o mesmo converter-se-á num contrato sem termo, renovável por sucessivos períodos de 1 (um) mês, sendo-lhe aplicável a tarifa pública, sem fidelização, em vigor, salvo denúncia por qualquer uma das partes efetuada com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do período contratual em curso. (...)».
No caso de cláusulas contratuais gerais serem excluídas de contratos singulares, tais contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (art. 9º, nº 1, Dec.-Lei nº 446/85); só quando, não obstante a utilização daqueles elementos, ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé, é que os referidos contratos singulares serão nulos (art. 9º, nº 2, Dec.-Lei nº 446/85).
Acresce que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam (art. 10º Dec.-Lei nº 446/85).
Em suma, nos termos do art. 9º, nº 1, Dec.-Lei nº 446/85, em princípio, o contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida mantém-se, vigorando na parte afectada, prioritariamente, as normas supletivas aplicáveis, e, subsidiariamente, se necessário, as regras de integração dos negócios jurídicos (v.g. art. 239º Cód. Civil); e, em qualquer caso, tendo em conta o contexto daquele contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida (nos termos do art. 10º Dec.-Lei nº 446/85).
Ora, quanto a normas supletivas aplicáveis, para os aspectos contemplados na supra citada cláusula que fica excluída do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida, não encontramos resposta na Lei nº 23/96 (Lei dos Serviços Públicos Essenciais), nem na Lei nº 5/2004 (Lei das Comunicações Electrónicas), nem na Lei nº 24/96 (Lei de defesa do Consumidor); porém, estando em causa um contrato de prestação de serviço, de execução continuada, sem termo final, mas com uma duração estipulada pelo período mínimo de 24 meses, podemos recorrer supletivamente às normas previstas no Código Civil para o regime do contrato de prestação de serviço.
Nos termos do art. 1156º Cód. Civil, «as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente».
Nas normas do Código Civil que regulam o contrato de mandato, estabelece-se que
«o mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso» (art. 1158º, nº 1, Cód. Civil). No caso em apreciação, a Requerida dedica-se, no âmbito da sua actividade empresarial,
à prestação de serviços de comunicações electrónicas, pelo que é de considerar que tal actividade se presume onerosa.
Acresce que «Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e na falta de umas e outros, por juízos de equidade» (art. 1158º Cód. Civil). Ora, no caso em apreciação, houve ajuste entre as partes relativamente à mensalidade do contrato, durante todo o período de fidelização estipulado (no caso, 24 meses); e, como está em causa um contrato de prestação de serviço de execução continuada, sem termo final, pode considerar-se que o mesmo valor de mensalidade ajustado para o período de fidelização, continuará a aplicar-se depois de completado tal período de fidelização.
Finalmente, quanto à cessação do contrato, o regime do mandato prevê a cessação do contrato por revogação, determinando que «O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação» (art. 1170º). Com as devidas adaptações ao contrato de prestação de serviço, e tendo em conta o contexto do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida, aquela disposição corresponderá a considerar que, depois de decorrido o período de fidelização, o contrato ora discutido poderá cessar, por iniciativa de qualquer das partes, por denúncia; sendo que, por aplicação com as necessárias adaptações, do disposto no art. 1172º/c) e d) Cód. Civil, essa denúncia deve ser realizada com uma “antecedência conveniente”.
Uma vez que o regime do mandato não concretiza qual o período que constitui “antecedência conveniente”, para integração dessa lacuna podemos – nos termos e de acordo com a ordem de sequência do art. art. 9º, nº 1, Dec.-Lei nº 446/85 – recorrer às regras de integração dos negócios jurídicos (v.g. art. 239º Cód. Civil), mas sempre tendo em conta o contexto do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida (nos termos do art. 10º Dec.-Lei nº 446/85).
Ora, o art. 239º Cód. Civil determina que «Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta» (sublinhado nosso).
Não se vislumbrando disposição legal específica sobre tal ponto omisso, a integração deve ser integrada de harmonia com a vontade hipotética que as partes teriam tido se houvessem previsto aquele ponto omisso.
Considerando o contexto do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida (como impõe o art. 10º Dec.-Lei nº 446/85), é razoável considerar que, se ambas as partes tivessem previsto o prazo de antecedência para denúncia do contrato – depois de decorrido o período de fidelização estipulado – , teriam estipulado um prazo nem muito curto nem muito longo; e, mais concretamente, tendo em conta que a contra-prestação a cargo do Requerente é mensal e sucessiva, provavelmente teriam estipulado um período de 30 dias de antecedência para denúncia do contrato.
Atento o exposto supra, resulta que, por se considerar excluída do contrato singular celebrado entre Requerente e Requerida a supra citada cláusula, não estava o Requerente vinculado a ela, e não existia obrigação de a cumprir, designadamente quanto a, após o decurso do período de fidelização, passar a ser aplicável àquele contrato a tarifa pública, sem fidelização, em vigor.
Conforme se expôs supra, a propósito da integração da referida cláusula contratual geral excluída do contrato singular ora discutido, após completado o período de fidelização, deveria ter continuado a aplicar-se o mesmo valor de mensalidade que tinha sido estipulado para vigorar durante o período de fidelização.
Pelo que, é de considerar que, desde que se completou o período de fidelização (ou seja, desde 05.11.2019), os valores que foram sendo debitados ao Requerente pela Requerida, a título de mensalidade, acima de € 59,90 (valor de mensalidade que tinha sido estipulado para vigorar durante o período de fidelização), sem terem sido corrigidos para aquele valor, foram valores debitados em excesso e indevidos.
IV – DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção procedente, e, em consequência, condena-se a Requerida a, relativamente à factura com data de emissão de 05.01.2020 (factura nº FT 001/067833050), bem como à factura com data de emissão de 05.02.2020 (factura nº FT 001/069179273), e, ainda, às ulteriores facturas seguintes que a Requerida foi emitindo, incluindo na pendência da presente acção – todas facturas referentes aos serviços prestados no âmbito do contrato celebrado entre Requerente e Requerida em 31.10.2017 –, corrigir para o valor de
€59,90 cada uma quanto ao valor de mensalidade.
Notifique-se.
Porto, 12 de Abril de 2021, O juiz-árbitro,
(Xxx Xxxxxxxx)