A Perícia Contábil no Contexto de Disputas em Contratos de Venda e Compra de Empresas
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
A Perícia Contábil no Contexto de Disputas em Contratos de Venda e Compra de Empresas
Mestrado Profissional em Ciências Contábeis, Controladoria e Finanças
RA00296378
SÃO PAULO 2023
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Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
A Perícia Contábil no Contexto de Disputas em Contratos de Venda e Compra de Empresas
Mestrado Profissional em Ciências Contábeis, Controladoria e Finanças
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciências Contábeis, Controladoria e Finanças sob orientação do Prof. Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx.
SÃO PAULO 2023
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BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxxxx
Prof. Dr. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx
Prof. Dr. Xxxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxx
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Dedico esta dissertação ao meu filho Xxxxxxxxx, por tantas noites e finais de semana que deixamos de brincar juntos para que eu pudesse me dedicar aos estudos. Ao meu marido Xxxxxx, por ter sido compreensivo, entender as minhas ausências e sempre me apoiar na conquista de minhas realizações pessoais e profissionais. À minha família, em especial, minha mãe Xxxxxx, que sempre comemorou muito comigo as minhas conquistas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela minha vida, saúde, sabedoria e fé, por iluminar e proteger os meus dias e pelo discernimento que me ajuda a combater o bom combate. Sem Ele na minha vida, eu jamais teria sido capaz de realizar as conquistas já alcançadas. Deus está no controle de tudo, está no controle da minha vida.
Ao meu filho Xxxxxxxxx, que me mostrou o verdadeiro sentido da vida e do amor incondicional. A ele dedico a minha vida e espero que eu possa ensiná-lo os valores do trabalho, do estudo e das realizações, sempre trilhando o caminho do bem e do amor ao próximo.
Ao meu marido e companheiro de muitos anos, Xxxxxx, que me trouxe para São Paulo e sempre me apoiou para que eu buscasse as minhas realizações profissionais, abrindo mão, muitas vezes, das suas realizações, em detrimento das minhas. Muito obrigada mesmo.
Aos meus pais por me conceberem e me ensinarem, desde pequena, os valores do estudo, do trabalho, do respeito e da retidão, lições que levarei até o fim da minha vida.
Às minhas irmãs, irmão e toda a minha grande família que sempre comemorou todas as minhas conquistas, sempre apoiando e incentivando as minhas decisões de estudo.
A uma pessoa que se tornou muito especial na minha vida e que se tornou muito mais do que meu chefe no trabalho, sendo meu maior conselheiro e orientador para as decisões profissionais e também a quem busco para as orientações da vida pessoal. Xxxxxx Xxxxxxxxxx foi quem me ensinou tudo o que sei sobre a perícia e que acreditou em mim antes mesmo que eu acreditasse no meu potencial de realização na área.
Agradeço ao Prof. Xxxxxx pelo trabalho de orientação, ao Prof. Xxxxxxxx pelo ótimo trabalho que desempenha no curso de Mestrado da PUC-SP, e ao Prof. Xxxxxxx Xxxxx que prontamente aceitou o convite de participação na minha banca. Estou muito honrada de poder contar com esta banca tão qualificada.
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar.
Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças da minha alma.
Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome.
Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, pois estais comigo. Vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo.
Preparais para mim a mesa à vista dos meus inimigos.
Derramais o perfume sobre minha cabeça, e transborda minha taça.
A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida.
E habitarei na casa do Senhor por longos dias.”
(Salmos, 23:1)
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RESUMO
A celebração de um contrato de venda e compra de empresa tem como pressuposto o exame pelas partes de temas contábeis e econômicos da empresa-alvo que irão impactar a precificação e, por consequência, o fechamento do negócio. Se esses temas não tiverem sido bem examinados e todas as dúvidas exauridas antes da assinatura do contrato de venda e compra, pode haver desentendimentos entre as partes que resultam na instauração de procedimentos litigiosos para resolvê-los com a ajuda de terceiros. A perícia contábil é um dos recursos utilizado pelas partes para a solução do litígio. O objetivo da presente pesquisa é identificar e expor os temas que podem ser objeto de perícias contábeis realizadas após o processo de venda e compra de empresas, adentrando no estudo dos temas contábeis e sua vinculação com as discussões sobre Ajuste de Preço, Retificação de Preço e Indenizações por quebra de declarações e garantias. A pesquisa foi realizada por meio de estudos de caso que confirmou a necessidade de o perito contador - que atua em perícias contábeis de processos de venda e compra de empresas - conhecer profundamente os conceitos contábeis, sendo importante também o conhecimento de temas de naturezas econômica e jurídica.
Palavras-chave: Perícia Contábil. Venda e compra de empresas. Preço. Ajuste de Preço. Retificação de Preço. Indenizações.
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ABSTRACT
The conclusion of a contract for the sale and purchase of a company presupposes the examination by the parties of accounting and economic issues of the target company that will impact the pricing and, consequently, the closing of the deal. If these issues have not been thoroughly examined and all doubts exhausted before signing the contract of sale and purchase, there may be misunderstandings between the parties that result in the initiation of litigious procedures to resolve them with the help of third parties. Accounting expertise is one of the resources used by the parties to resolve the dispute. The objective of this research is to identify and expose the themes that can be the subject of accounting inspections carried out after the process of selling and buying companies, entering into the study of accounting themes and their connection with the discussions on Price Adjustment, Price Rectification and Indemnities for breach of representations and warranties. The research was carried out through case studies and confirmed the need for the expert accountant who works in accounting expertise in the processes of sale and purchase of companies to know deeply the accounting concepts, being also important the knowledge of themes of economic nature and legal.
Keywords: Accounting Expertise. Purchase and sale of companies. Price. Price Adjustment. Price Rectification. Indemnities.
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Figura 1 – Pirâmide de Xxxx Xxxxxx 15
Figura 2 - Processo usual de venda e compra de empresas 27
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Quadro 1 – Fórmula usual de definição do preço 32
Quadro 2 – Fluxo de Caixa Livre 35
Quadro 3 – Apuração do EBITDA 40
Quadro 4 – Fórmula do Ajuste de Preço 48
Quadro 5 – Artigos de Pesquisas sobre Avaliação de Empresas 74
Quadro 6 – Dados da pesquisa realizada 77
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1 INTRODUÇÃO 12
2 OS AMBIENTES DE SOLUÇÃO DE LITÍGIO E A UTILIZAÇÃO DA PERÍCIA CONTÁBIL COMO MEIO DE PROVA 14
2.1 Noções básicas – mas importantes – sobre o ambiente judicial e o ambiente arbitral de solução de litígios 14
2.1.1 Resolução de conflitos com a tutela do judiciário 15
2.1.2 Resolução de conflitos por meio da arbitragem 16
2.2 A perícia contábil e sua utilidade para a prova 18
2.2.1 Forma de produção de perícia contábil no judiciário brasileiro 20
2.2.2 Forma de produção de perícia contábil no ambiente arbitral 21
2.3 A importância da preparação técnica do perito contador 24
3 ADENTRANDO AO TEMA TÉCNICO ESPECÍFICO: VENDA E COMPRA DE EMPRESAS 25
4 VALOR DE ATIVO E PREÇO 30
4.1 Metodologias de avaliação 32
4.2 Avaliação por Fluxo de Caixa Descontado 33
4.2.1 Fluxo de Caixa Livre 34
4.2.2 Taxa de Crescimento dos Fluxos de Caixa 35
4.2.3 Período de Projeção 36
4.2.4 Taxa de Desconto 36
4.3 Método comparativo ou avaliação relativa: análise dos Múltiplos de EBITDA 37
4.3.1 O EBITDA e o EBITDA Ajustado 38
4.3.2 EBITDA ajustado por Não Recorrências pode se confundir com ajuste por Normalização ou Sinergias? 43
4.3.3 A definição do Múltiplo 44
4.4 Aspectos relevantes sobre o preço para a finalidade deste trabalho 46
5 AJUSTE DE PREÇO: POR CURSO NORMAL DOS NEGÓCIOS OU POR CONCRETIZAÇÃO DE ESTIMATIVA DE FUTURO 47
5.1 Ajuste de Preço por curso normal dos negócios 47
5.1.1 A fórmula do Ajuste de Preço 48
5.1.2 Aspectos relacionados ao Capital de Giro Líquido 49
5.1.3 Aspectos relacionados ao Endividamento líquido 53
5.1.4 Outros itens de ajustes por variação do curso normal dos negócios 55
5.2 Ajuste de Preço por desempenho futuro da empresa vendida (cláusulas de earn-out) 55 5.2.1 Temas técnicos de natureza contábil 56
5.3 Ajuste de Preço por passivos e contingências - holdback e escrow accounts 57
6 RETIFICAÇÃO DE PREÇO: A CONSEQUÊNCIA DA IDENTIFICAÇÃO DE ERROS 60
6.1 As declarações e garantias fornecidas pelo vendedor como porta de entrada para Indenizações decorrentes de Retificação de Preço 60
6.2 O conjunto das demonstrações contábeis como fonte de informação 63
6.2.1 Distinção entre impactos decorrentes da identificação de erros na escrituração contábil, mudança de estimativas contábeis e obscuridade na forma de apresentação da contabilidade 64
6.2.2 A existência de discricionariedade na elaboração das Demonstrações Contábeis e a possibilidade de afetação do Preço 70
7 O QUE SE TEM PESQUISADO SOBRE O TEMA 73
8 METODOLOGIA DA PESQUISA 75
8.1 Premissas da pesquisa de estudo de caso 75
8.2 Aspectos introdutórios e delimitação dos casos de estudo 76
8.2.1 O dever de sigilo em relação aos dados dos casos estudados 76
8.3 A apresentação dos casos estudados 77
9 ANÁLISE SOBRE O RESULTADO DA PESQUISA 79
9.1 Estudo de Caso nº 1 79
9.2 Estudo de Caso nº 2 86
9.3 Estudo de Caso nº 3 93
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97
REFERÊNCIAS 99
1 INTRODUÇÃO
A existência de litígios que decorram de processos de venda e compra de empresas conduz, muitas vezes, à realização de procedimentos de perícia contábil para discutir aspectos relacionados à insatisfação de uma ou mais partes acerca do preço pago em comparação com o bem transferido.
Surge, assim, a necessidade de se tratar de conceitos relacionados à avaliação de empresas, premissas de negócio e de mercado e possibilidades jurídicas de reparação de danos provocados por uma parte à outra.
A contabilidade contém o registro dos fatos econômicos ocorridos com a empresa vendida e, por isso, é fonte de informações utilizadas para as avaliações, como para a solução dos litígios.
Neste contexto, surge a perícia contábil como procedimento de esclarecimento dos fatos e quantificação dos danos, sendo, portanto, importante para a solução da controvérsia.
Frente a esse cenário, o objetivo da presente pesquisa é, com base na literatura e na experiência adquirida na área, identificar e expor os temas que podem ser objeto de perícias contábeis de processos de venda e compra de empresas, adentrando ao estudo de temas contábeis e sua vinculação com as discussões dos litígios decorrentes dessas operações.
O foco do estudo é direcionado aos temas contábeis, porém, para a adequada compreensão dos assuntos discutidos nos procedimentos litigiosos, há necessidade de se expor conceitos de natureza econômica e jurídica vinculados aos processos de compra e venda de empresas e também sobre a forma de realização dos procedimentos periciais.
Desta forma, a pergunta que se pretende responder neste trabalho é: quais conhecimentos específicos o perito contador precisa deter para realizar perícias contábeis de processos de compra e venda de empresas?
A contribuição que se espera é, por meio da exploração dos conceitos contábeis, econômicos e jurídicos que estão atrelados à formação e revisão do preço acordado entre as partes, não apenas melhorar a qualidade das perícias contábeis, oferecendo soluções técnicas eficazes às partes envolvidas e aos julgadores, mas também proporcionar uma reflexão sobre como melhorar a qualidade dos contratos de venda e compra no que diz respeito aos termos e conceitos contábeis.
Trata-se de tema relevante e atual no contexto de fomento da economia brasileira, uma vez que as aquisições de empresas continuam e continuarão a ocorrer em economias de livre concorrência e em mercados aquecidos.
Para que se alcance o objetivo pretendido, torna-se necessário, antes de realizar o estudo de casos, tratar de uma extensa base conceitual pois, sem ela, a compreensão dos temas aqui tratados estaria limitada. Serão destinados os próximos cinco capítulos deste trabalho para compor o conjunto das referências bibliográficas necessárias para que se tenha a adequada compreensão dos temas técnicos tratados nos capítulos seguintes, estruturados como segue.
Como os trabalhos de perícia contábil examinados nesta pesquisa foram realizados no curso de processos litigiosos, há que se qualificar, mesmo que rapidamente, os ambientes judicial e arbitral de solução de conflitos por sentença, pois as diferenças procedimentais entre um e outro impactam na forma como é realizada a perícia e na divulgação dos dados de cada caso.
Serão tratados também os conceitos vinculados aos procedimentos técnicos de perícia contábil, pois, constata-se que os temas técnicos discutidos nos litígios - que serão objeto de estudo nesta pesquisa - foram examinados em perícias de natureza contábil.
Uma vez tratado sobre os aspectos relacionados à ambiente e forma de execução dos trabalhos periciais, adentrar-se-á ao estudo dos aspectos teóricos relacionados ao Preço, Ajuste de Preço e Apuração de Indenizações por quebra de declarações e garantias que estejam vinculadas com o objeto deste trabalho.
A pesquisa será concluída com a apresentação de estudos de casos que discutiram temas contábeis em contratos de venda e compra de empresas, explorando quais os temas que resultaram em disputa e qual foi a decisão tomada em cada tema técnico enfrentado. Ainda serão examinados os resultados da pesquisa realizada, apresentando-se a análise dos problemas identificados e uma conclusão do presente estudo.
2 OS AMBIENTES DE SOLUÇÃO DE LITÍGIO E A UTILIZAÇÃO DA PERÍCIA CONTÁBIL COMO MEIO DE PROVA
O conflito entre duas ou mais partes nasce pela percepção de uma obrigação, muitas vezes contratual, não cumprida. Neste ambiente, surge a necessidade da prova em relação aos fatos alegados pelas partes, ocasião em que a perícia contábil mostra sua utilidade.
2.1 Noções básicas – mas importantes – sobre o ambiente judicial e o ambiente arbitral de solução de litígios
A primeira consideração que se faz é de que, quando surge um litígio entre partes, elas, sozinhas, podem resolver o conflito. Nesses casos, ocorre a autocomposição de solução de litígios, casos que podem ser resolvidos por meio de negociação, mediação e conciliação. Muitas vezes, as partes litigantes, por si só, não conseguem resolver o conflito e necessitam que um terceiro imponha sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes.
Nasce, neste ambiente, a preocupação sobre o acesso à justiça, cuja finalidade é de existência de um sistema efetivo pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e resolver seus litígios sob o patrocínio do Estado, cujo resultado deve ser individual e socialmente justo. Neste sentido, o acesso à justiça se dá, além do sistema judiciário, também por outros métodos adequados de solução de litígios, como é o caso da utilização do procedimento arbitral, para os casos de resolução de conflitos por sentença. (CAPPELLETTI, 1988)
Xxxxxxx (2018) entende que inexiste monopólio judiciário, não sendo razoável admitir que apenas o judiciário possa resolver os litígios comuns. Neste sentido, entende que a escolha do modelo de solução de conflitos não há de ser imposta pelo Estado, mas sim manifestada pelo interessado, pois, sua vontade, no particular, é soberana.
A exclusividade da atuação estatal deve dirigir-se ao controle dos vícios que violem os direitos fundamentais do cidadão e da coletividade, nomeadamente a ordem pública relevante. De resto, se o direito violado atinge o patrimônio jurídico do indivíduo, cabe a este a faculdade de optar pela forma e pela via que cursará o exercício de sua pretensão, mesmo que seja a renúncia ao exercício do direito de ação. (MARTINS, 2018, p. 11)
O Professor Xxxxx Xxxxxx, professor emérito da Faculdade de Direito de Harvard, idealizou o conceito de Tribunal Multiportas e o apresentou, pela primeira vez, em 1976 nos
Estados Unidos, onde o conceito foi desenvolvido. A proposta é de que os casos são encaminhados para o fórum mais adequado de resolução de acordo com as especificidades de cada disputa, havendo conflitos que podem ser resolvidos em fóruns nos quais as partes são mais ativamente participativas. (CRESPO, 2012)
A ideia é muito promissora e objeto de estudos no Brasil e no mundo, cujos desafios passam por questões de execução da proposta, uma vez que a decisão de que casos devem ir para qual porta não é uma tarefa simples.
O tema que parece relevante tratar, neste contexto, é a existência de diversas soluções para as partes resolverem seus litígios, sendo diversas oportunidades, também, para trabalhos de natureza pericial que possam ser necessários nos vários modelos de solução de conflitos.
2.1.1 Resolução de conflitos com a tutela do judiciário
O artigo 2º da Constituição Federal Brasileira prevê o judiciário como um dos poderes da União, sendo assegurado a todos os brasileiros, dentre os direitos e garantias fundamentais, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (item XXXV, art. 5º).
O ordenamento jurídico brasileiro segue o Princípio da Supremacia da Constituição, e diante disso, na hierarquia, a Constituição Federal, as Emendas Constitucionais e os Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos estão no topo da pirâmide, em que se encontram todas as diretrizes, princípios e fundamentos que devem ser seguidos pelas outras normas e adiante as leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, e, por fim, as normas infralegais.
Figura 1: Pirâmide de Xxxx Xxxxxx
No âmbito das leis, tem-se àquelas elevadas à qualidade de códigos, dada a relevância por conterem a disciplina fundamental do direito no ramo em que cada código trata. Neste patamar, encontra-se a Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional), Lei nº 8.078/1990 (Código do Consumidor), Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), Decreto-Lei nº 3.689/1941 (Código de Processo Penal), dentre outros.
As análises realizadas neste trabalho acadêmico, quando se referirem ao processo judicial, tratam de procedimentos e regras inflexíveis e previstas, em especial, no Código de Processo Civil - em que constam os procedimentos aplicáveis aos processos de natureza cível - e no Código Civil - em que constam as normas gerais aplicáveis às relações de natureza cível de pessoas físicas e jurídicas -, permanecendo, assim, abarcadas as relações comerciais não consumeristas firmadas por essas pessoas.
Neste contexto, o artigo 3º do Código de Processo Civil reafirma a disposição constitucional de que não será excluída da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, reconhecendo, nos § 1º a 3º, a permissão da arbitragem na forma da lei e a solução consensual de conflitos - a conciliação, mediação, dentre outros - como instituto a ser estimulado pelos agentes do poder judiciário.
2.1.2 Resolução de conflitos por meio da arbitragem
A permissão da arbitragem no Brasil deu-se por meio da promulgação da Lei nº 9.307 em 23 de setembro de 1996, passando a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, e passando a ser conhecida como “Lei da Arbitragem”.
Segundo Xxxxxxx (2009), trata-se de meio alternativo de solução de controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial.
A arbitragem é regida pelos princípios de i) autonomia da vontade das partes; ii) devido processo legal; e iii) competência-competência.
A autonomia da vontade das partes surge pelo fato de as partes escolherem a arbitragem como meio de resolução de conflitos, ou seja, quando, no momento da contratação, as partes escolhem inserir cláusula compromissória no contrato. A autonomia de vontade também é constatada na flexibilidade aplicável ao procedimento. De acordo com o art. 2º da Lei nº 9.307/1996, as partes têm a liberdade de escolher o direito aplicável à controvérsia, material e
processual, sendo possível decidir o litígio com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Ainda que, com maior flexibilidade, por se tratar de norma que não se sobrepõe às garantias dadas pela Constituição Federal, ou seja, norma infraconstitucional, o procedimento arbitral deve observar as garantias de um devido processo legal, sendo elas: a igualdade, o contraditório e a ampla defesa, a imparcialidade e a independência jurídica dos árbitros e o livre convencimento (§ 2º, art. 21 da Lei nº 9.307/1996).
Por fim, o princípio da competência-competência diz respeito à competência conferida ao árbitro para decidir sobre a existência, validade e eficácia da cláusula compromissória em que as partes decidiram pela arbitragem, ou seja, trata-se do árbitro decidir sobre sua própria competência (art. 8º da Lei nº 9.307/1996).
De acordo com o artigo 13 da Lei de Arbitragem, pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, sendo que as partes podem nomear um ou mais árbitros, sempre em número ímpar.
Em relação às vantagens da adoção da arbitragem como método de solução de conflitos por sentença, tem-se:
1. a celeridade na resolução do conflito em comparação com o processo judicial,
2. a informalidade com maior liberdade para as partes ajustarem os procedimentos que entendem mais aplicáveis para cada caso,
3. a confidencialidade que não é conferida pela lei, mas por se tratar de convenção privada, assim considerada desde a promulgação da lei,
4. a escolha do julgador e expertise deste na área do litígio e,
5. a existência de sentenças não recorríveis.
Sobre as matérias passíveis de submissão à apreciação arbitral, tem-se que a Lei da Arbitragem permitiu a adoção do procedimento arbitral para litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, como, por exemplo, matérias relacionadas a venda e compra de empresas, dissolução de sociedades, contratos de representação comercial, contratos de construção, dentre outros contratados entre particulares.
Xxxxxxx (2018) informa que o instituto da arbitragem é aplicável a temas do direito societário, inclusive no que tange aos aspectos relacionados à constituição das sociedades anônimas. Há, neste contexto, a existência de um interesse social, cuja prevalência afirma-se nos sócios ou na sociedade, mostrando a arbitragem eficiente também para a resolução deste tipo de conflito, pois, como instrumento de realização da justiça, o instituto arbitral agrega valores que coincidem com o interesse social das companhias.
Lemes (2022) nos mostra que, em pesquisa sobre a arbitragem em números e valores, a matéria societária esteve na liderança do ranking de áreas em número de demandas e valores envolvidos nos anos de 2020 e 2021, sendo a pesquisa mais recente publicada até o encerramento deste trabalho, o que mostra a relevância dos temas societários e a importância do aprofundamento dos temas que o cercam.
Em 2015 ocorreu a reforma da Lei da Arbitragem com as alterações trazidas pela Lei nº 13.129 de 26 de maio de 2015. Dentre as alterações, destaca-se a possibilidade da administração pública direta e indireta poder utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, desde que respeitado o princípio da publicidade.
De acordo com Xxxxxxxxxx (2015, p.17), houve tentativa de ampliação do uso da arbitragem para as relações trabalhistas e de consumo, tendo restado decidido que a eficácia da cláusula compromissória, nestes casos, só ocorre na hipótese de o trabalhador ou o consumidor “tomarem a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordarem expressamente com a sua instituição”.
Na realização do procedimento arbitral, o árbitro poderá se valer, de acordo com o artigo 22 da Lei nº 9.307/1996, do depoimento das partes, de testemunhas, da realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
Como se trata de procedimento mais flexível do que o judiciário, há diferença entre o modelo de realização das perícias em um e outro ambiente.
2.2 A perícia contábil e sua utilidade para a prova
A prova, em seu sentido amplo, se refere àquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa. Trata-se de uma demonstração evidente. (FERREIRA, 2010)
Xxxxxxx Xxxxxx (1983, p.25), a prova pode ser definida sob os aspectos objetivo e subjetivo, sendo o aspecto objetivo o “meio - pessoa, documento ou coisa - por que a verdade chega ao espírito de quem o aprecia” e o aspecto subjetivo, “é a própria convicção da verdade dos fatos alegados.”
Neste sentido, o referido autor nos ensina que o julgador (juiz ou árbitro) deve ter contato direto não só com as partes e seus advogados, mas, especialmente, deve ter contato com as provas, sejam elas pessoas, testemunhas, documentos ou coisas, cujas declarações ou atestações cabe ao julgador apreciar.
O principal destinatário da prova, sem dúvida, é o julgador, porém, não é o único. A prova também tem como finalidade o convencimento das partes litigantes, permitindo-lhes
decidir sobre as condutas que devem adotar até o final do processo, ou mesmo, fora dele. Assim, as partes também são destinatárias diretas da prova, já que o resultado da prova pode determinar o rumo de um processo já instaurado ou, até mesmo, evitar a judicialização de um conflito. (XXXXXX XX., 2022)
Em procedimentos de resolução de disputas por sentença, quando há necessidade de esclarecimentos que demandam conhecimento técnico específico, ainda que o julgador detenha considerável domínio da matéria em discussão, a nomeação de um especialista que examinará com profundidade questões que fogem da esfera de especialização dos julgadores, pode representar o caminho mais adequado para uma solução eficiente de controvérsia. (PUCCI, 2021)
A perícia, portanto, tem como objetivo perseguir a percepção de fatos, cuja tarefa “incumbem-se peritos, com a função de verificá-los, constatá-los, acertá-los.” (Santos, 1983, p.33)
De acordo com Xxxxxxx (2019), a perícia contábil é um dos gêneros de prova pericial e serve como meio de prova de determinados fatos ou questões patrimoniais controvertidas.
Simonaggio (2021) defende que a perícia contábil não se presta somente a servir de prova, mas existe de forma geral cuja utilidade extrapola o mercado de solução de conflitos com sentença – nos ambientes judicial e arbitral – e sem sentença – o que ocorre na mediação privada. Há outros mercados que se servem da informação investigativa objetiva que a perícia contábil oferece, como, por exemplo, para subsidiar temas tributários em procedimentos preventivos, para auxiliar decisões dos conselhos de gestores, conselhos fiscais, conselhos de administração, conselhos de avaliação de riscos e de gestão de crises.
Isso porque, a perícia contábil pode ser assim definida:
Um exame investigativo (não exploratório) integral (não por testes) de matéria que dependa de conhecimento da ciência contábil efetuado por contador com conhecida experiência sobre o tema a ser apresentado por xxxxxx, relatórios, ou oralmente, cujo resultado é destinado a esclarecer técnicos e leigos. (SIMONAGGIO, 2021, p.347)
Neste mesmo sentido, de acordo com a norma de contabilidade, NBC TP 01 (R1), trata- se de um processo investigativo que pode ser utilizado em ambiente de resolução de litígio ou apenas para constatação de fatos:
A perícia contábil é o conjunto de procedimentos técnico-científicos destinados a levar à instância decisória elementos de prova necessários a subsidiar a justa solução
do litígio ou constatação de fato, mediante laudo pericial contábil e/ou parecer pericial contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais e com a legislação específica no que for pertinente. (NBC TP 01 (R1), 2020, § 2)
A perícia contábil, quando utilizada no contexto de litígios, pode ser realizada tanto no ambiente judicial quanto no ambiente arbitral, este último objeto de descrição no item anterior deste trabalho.
2.2.1 Forma de produção de perícia contábil no judiciário brasileiro
Em relação às formas de produção pericial, tem-se que no ambiente judicial brasileiro há apenas uma forma permitida. A definição, em relação aos profissionais envolvidos, consta, dentre outros, no artigo 465 da Lei nº 13.105, que trata sobre a figura do perito judicial e do assistente técnico.
Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.
§ 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito: [...] II - indicar assistente técnico; [...] (g.n)
Neste modelo de prova adotado pelo judiciário brasileiro, o procedimento se inicia com a apresentação pelas partes de seus quesitos que, após deferimento pelo juiz, serão respondidos pelo perito judicial em documento denominado Laudo Pericial, o qual conterá, além da resposta aos quesitos, as conclusões periciais. Após, os assistentes técnicos das partes formulam Parecer Técnico com comentários concordantes ou críticos ao Laudo Pericial. Há, também, a possibilidade de realização de audiência para oitiva e obtenção de esclarecimentos verbais do perito.
Há uma distinção no tratamento e na relevância de cada uma dessas figuras, conforme definido no artigo 466 da mesma lei.
Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.
§ 1º Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição.
Em relação ao tratamento dado a estes profissionais, a rigor, todos contadores, o ambiente judicial criou, para o perito judicial, “o isolacionismo e a proteção que a toga dá para ele”, enquanto os assistentes técnicos, por definição prévia, “estariam comprometidos com as partes de forma a produzirem um trabalho parcial”. (SIMONAGGIO, 2021, p. 357-355) Observa-se, portanto, que, há uma diferenciação entre os profissionais e que pode ter alguma influência na qualidade dos trabalhos.
Xxxxxx Xx. (2022) informa que, o fato de o assistente técnico ser um auxiliar da parte não o torna, necessariamente, parcial, pois este profissional tem uma reputação a zelar e sua opinião técnica precisará ser posta nos autos para ser sopesada, podendo até ser adotada pelo juiz na formação de seu convencimento. Neste aspecto, o autor compara o assistente técnico como um parecerista contratado pela parte para emitir um parecer-jurídico sobre a tese discutida.
Porém, o autor ressalva este entendimento tratando-o “em tese”, já que, nas palavras deste “nem sempre a suposição teórica de imparcialidade técnica do assistente verifica-se na prática” (XXXXXX XX., 2022, p.370)
2.2.2 Forma de produção de perícia contábil no ambiente arbitral
No ambiente arbitral há uma flexibilidade maior na realização da prova pericial, podendo ser realizadas em diversos formatos, experimentados de forma internacional.
Essa maior flexibilidade tem por objetivo o prestígio à autonomia de vontade das partes e o reconhecimento da necessidade de adaptação do processo arbitral ao caso concreto, o que faz com que as leis nacionais e os regulamentos de arbitragem não determinem, logo no início do processo, como se dará todo o procedimento. (ABBUD, 2014)
De acordo com o mesmo autor, a produção das provas é um dos principais campos de aplicação de regras mais flexíveis, as soft law, porém, a criação de diretrizes e protocolos nesta matéria ajuda as partes e os árbitros a organizarem o procedimento de instrução, permitindo um melhor planejamento em relação à fase probatória.
Simonaggio (2021) elenca as diversas formas de realização de prova pericial no ambiente arbitral, conforme relação que é apresentada a seguir:
Peritos das Partes – no qual cada parte apresenta seu perito. Cada perito de cada parte apresenta seu Laudo Pericial, em seguida, apresenta Laudos Contrapostos e, após isso, esses peritos depõem em audiência.
Testemunho técnico – é utilizado quando há necessidade de informar o Tribunal Arbitral sobre determinados conceitos que emanam da contabilidade para ajudar a interpretar um
contrato. O adequado, neste caso, é contratar um luminar da contabilidade que irá apresentar trabalho escrito e, após, prestar esclarecimentos em audiência.
Peritos das Partes e Perito Desempatador – é um modelo de produção de prova pericial que consiste na utilização dos peritos das partes e, após, a utilização de perito desempatador para as questões técnicas controvertidas entre os peritos das Partes.
Perito do Tribunal e Assistentes Técnicos – é o modelo mais conhecido e com origem no Código de Processo Civil, por meio do qual as Partes acabam por delegar para um terceiro a produção da prova.
Protocolo Sachs – no qual cada parte apresenta uma lista de peritos, em ordem de preferência, e o Tribunal Arbitral escolhe um nome de cada lista. Estes dois peritos irão produzir um Laudo Pericial único e que fica submetido a todos os procedimentos de esclarecimentos como audiência e perguntas das partes.
Abbud (2014) informa que a nomeação de experts pelas partes quando julgam que há necessidade de prestar esclarecimentos técnicos sobre determinada questão ao órgão julgador, é tratada nos ordenamentos de origem anglo-saxônica, sendo a perícia tratada como mais uma peça da fase adversarial. Já nos ordenamentos de países de tradição romano-germânica, a regra geral é de que o órgão julgador nomeie o seu perito, em procedimento similar ao previsto nas perícias realizadas no ambiente judicial brasileiro.
Simonaggio (2021) orienta que, independentemente do formato de perícia escolhido, é essencial que a perícia contábil seja útil mantendo a obediência à casuística, o que se obtém com a prestação de informações completas dos fatos técnicos e do seu conteúdo econômico.
No ambiente arbitral é muito comum a realização de audiências arbitrais para exposição e maior aclaramento em relação aos pontos chave do litígio.
De acordo com Verçosa (2018), na audiência ocorrem o depoimento pessoal das partes (se for o caso), a oitiva de testemunhas fáticas e técnicas, e dos peritos, se tiver sido produzida a prova pericial.
Neste caso, as palavras-chave para uma boa audiência são preparação e oralidade.
O aumento da qualidade e eficiência nos procedimentos arbitrais é uma preocupação que motiva estudos para melhorias desta área.
O Internacional Bar Association (IBA) divulgou, em 2020, uma revisão das Regras da IBA sobre obtenção de provas em arbitragem internacional, com o objetivo de uniformizar procedimentos de realização de provas em diferentes culturas e fornecer um processo econômico, justo e eficiente para a obtenção de provas em arbitragens internacionais.
As Regras do IBA contêm previsão de realização de provas tanto pela indicação de peritos pelas partes, como também por procedimento de nomeação de um ou mais peritos pelo Tribunal Arbitral (artigos 5º e 6º das Regras do IBA sobre produção de provas). Há previsão de que ambos os experts produzam relatórios escritos e participem da audiência de provas para prestar esclarecimentos sobre a perícia realizada. No caso de perícia realizada, apenas com peritos das partes, caso haja negativa de comparecimento à audiência de instrução, para prestar esclarecimentos, a indicação é de que o relatório escrito por este perito seja desconsiderado do procedimento arbitral. No caso de perícia realizada por peritos nomeados pelo Tribunal Arbitral, esse deve estabelecer os termos de referência da perícia a ser realizada.
Há, também, as Regras de Praga que também tem por objetivo o aumento da eficiência do procedimento arbitral por meio do encorajamento dos tribunais arbitrais a adotar um papel mais ativo na gestão do caso. As Regras de Praga, no entanto, nasceram como uma crítica às IBA Rules, no sentido de que estas privilegiam partes oriundas da tradição jurídica do common law, ao passo que as Regras de Praga se apresentam como nova opção às partes que vêm do civil law.
Em relação à prova pericial, as Regras de Praga contêm previsão para indicação de peritos das partes, bem como a possibilidade de nomeação de perito do Tribunal sendo que, neste último caso, há a previsão para que o Tribunal Arbitral peça sugestão de nomes às partes antes da nomeação.
Há também a previsão de oitiva dos peritos em audiência e, se o Tribunal Arbitral entender necessário, adotar procedimento de instruir os peritos, sejam eles indicados pelas partes ou nomeados pelo Tribunal Arbitral, a se reunirem e elaborarem um relatório conjunto a fim de fornecer ao órgão julgador: i) uma lista de questões sobre as quais os peritos estão de acordo; ii) uma lista de questões sobre as quais os peritos não estão de acordo; e iii) as razões pelas quais os peritos discordam entre si em cada tema.
Estas medidas, mais flexíveis do que o rigor encontrado na perícia judicial, tem por objetivo, ao fim e ao cabo, que o resultado da perícia seja útil ao Tribunal Arbitral e às partes. Estes procedimentos, porém, exigem do perito contador, uma maior preparação do que estes estão acostumados no ambiente das perícias judiciais.
2.3 A importância da preparação técnica do perito contador
Tendo-se a noção adequada sobre o ambiente em que é realizado (judicial ou arbitral), e a forma de produção da prova pericial (elencadas no capítulo anterior), importa ao perito contador conhecer profundamente sobre a matéria técnica que será objeto da perícia.
O conhecimento técnico profundo da ciência – neste caso, a ciência contábil - é premissa fundamental para o reconhecimento deste profissional no mercado. Porém, não é o único. A adoção de procedimentos recomendados internacionalmente, como previsto nas Regras do IBA e Regras de Praga, exigem do perito contador uma preparação técnica aprofundada, sem dúvida, como também exige que este profissional adicione à sua competência outras habilidades, principalmente, relacionadas à comunicação, seja ela escrita ou oral, e resiliência.
Há relações negociais complexas, tais com as tratadas nesta pesquisa, que demandam ao perito contador não apenas o conhecimento da ciência contábil – este, essencial – mas também o conhecimento das premissas de realização dos negócios, abrangendo as práticas usuais de mercado e àquelas específicas adotadas para o caso concreto. Estes conhecimentos adicionais, em perícias contábeis por litígios decorrentes de venda e compra de empresas, se referem a temas de natureza econômica e jurídica.
Neste contexto, os próximos capítulos tratarão do aprofundamento teórico necessário ao perito contador para que, na sequência, possa ser realizado o estudo dos casos objeto do presente trabalho acadêmico.
3 ESTUDO DO TEMA TÉCNICO ESPECÍFICO: VENDA E COMPRA DE EMPRESAS
A venda e compra de empresa ocorre desde longa data em todo o mundo. No Brasil, as operações tornaram-se mais expressivas, tanto em quantidade de operações como em valores transacionados, após o surgimento do Plano Real em 1994, em virtude da maior estabilidade da moeda, da introdução no ordenamento jurídico de comandos permitindo a entrada de capital de risco e, em especial, da solução de conflitos por meio de arbitragem, o que também proporcionou ingressos de capital estrangeiro destinados a este tipo de operação.
A qualidade destas operações e a excelência no resultado alcançado são importantes, pois quanto mais seguras e adequadas forem as transações melhor é a resposta dos investidores locais e internacionais para novas operações. E, neste contexto, a contabilidade surge como um dos componentes para o atingimento deste patamar de eficácia do negócio realizado pelos agentes contratantes, vendedor e comprador.
Desde 2007, com a promulgação da Lei nº 11.638, foi iniciado processo de harmonização das normas contábeis brasileiras aos padrões internacionais, justamente com o objetivo de incluir o acesso das empresas brasileiras a mercados internacionais e, com isso, atrair capital estrangeiro para o país, o que inclui operações relevantes de venda e compra de empresas.
Neste contexto, a celebração de um contrato de venda e compra de empresa tem como pressuposto o exame pelas partes de temas contábeis e econômicos da empresa-alvo que irão impactar a precificação e, por consequência, o fechamento do negócio. Trata-se de discussões que envolvem os conceitos de avaliações de empresa e que tratam de aspectos relacionados à definição do seu valor econômico e de sua precificação para o negócio específico.
Se estes temas não tiverem sido bem examinados e todas as dúvidas exauridas antes da assinatura do contrato de venda e compra, pode haver desentendimentos entre as partes que resultam na instauração de procedimentos litigiosos para resolvê-los com a ajuda de terceiros.
A possibilidade de ocorrência de disputa entre as partes é recorrente neste ambiente, sendo que os contratos já são celebrados com garantias e perspectiva de indenização para tantos eventos quanto as partes possam antever quando de sua assinatura. Em relação aos temas de natureza contábil, essas previsões constam acostadas, em especial, nas cláusulas que tratam do Preço, Ajuste de Preço e Indenizações por quebra de declarações e garantias.
Tratando sobre o processo usual de venda e compra de empresas, a primeira consideração a ser feita diz respeito aos agentes de uma operação de venda e compra de empresas, estando estes divididos em três polos: i) o(s) comprador(es), ii) o(s) vendedor(es) e
iii) a(s) empresa(s) objeto da venda e compra, ou empresa(s)-alvo.
Os processos de venda e compra de empresas podem abranger muitas fases, de períodos longos ou períodos muito curtos, a depender de cada negócio realizado. Há casos em que a fase de negociação é precedida por cartas de intenções, passando pela assinatura de acordo de confidencialidade, memorandos de entendimento, acordo pré-investimentos (em inglês, os “term-sheets”), aproximando as partes para a negociação do contrato.
Após aproximadas as partes, é na fase da negociação que o comprador solicita e recebe informações sobre a empresa-alvo para que as partes possam chegar a um denominador comum de preço e realizarem o fechamento do negócio.
Nesta fase de negociação em que são – ou espera-se que sejam – reveladas as condições econômicas da empresa-alvo, sua real situação patrimonial e financeira, seus ativos e riscos existentes ou potenciais, tudo isso para avaliação da efetiva condição de geração de caixa futuro e definição do preço do negócio.
Uma vez ocorrido o fechamento do negócio, pode não ocorrer a tradição - “ato de transmitir ou entregar” (FERREIRA, 2010, p. 2.064) - no momento da assinatura do contrato de venda e compra, o que significa que o comprador não recebe a empresa adquirida e, assim, não assume a sua gestão de imediato.
Pode ocorrer, assim, um intervalo de tempo entre a assinatura do contrato (chamado no mercado de “signing”) e a data em que efetivamente ocorre a tradição (chamado no mercado de “closing”), sendo este período destinado à implementação de condições precedentes e necessárias ao efetivo fechamento do negócio.
Economicamente, constata-se que, neste intervalo, a empresa continua operando e em movimento. Há casos em que a gestão da empresa, neste período, permanece sendo realizada pelo vendedor, que deve garantir que a empresa está seguindo o curso normal dos negócios neste período, até o efetivo fechamento.
Graficamente, com base na literatura referenciada neste trabalho e com base na experiência adquirida em perícias de natureza contábil que trataram temas de venda e compra de empresas, o processo pode ser assim representado, ressalvado que pode haver outras fases antecessoras à negociação, como citado acima, a depender de cada caso:
Figura 2: Processo usual de venda e compra de empresas
Assinatura do
As Partes definem Preço,
Fase da Negociação
Comprador conhece a empresa e as Partes negociam Preço e Fechamento do Negócio
Contrato de Venda obrigações de Parte a
e Compra
"Signing"
Parte para fechamento efetivo do negócio, regras de Ajuste do Preço, situações de indenizações, dentre outros
Período de Implementação das Condições Precedentes
Processo de Fusões e Aquisições
Obtenção de autorizações para a transferência do negócio (ex.: XXXX), obtenção de financiamento, autorização de terceiros para exoneração de garantias de ativos
Empresa-Alvo em movimento
Atividade fim da Curso Normal dos empresa (compra e Negócios
Data do Fechamento efetivo do Negócio
venda de mercadorias,
prestação de serviços, "Closing"
etc) sendo desenvolvida normalmente
Efetiva transferência das quotas/ações e troca de gestão (vendedor/comprador)
Fonte: Elaborada pela autora.
Guedes (2022) informa que as operações em que a data do signing e o closing coincidem, ou operações com fechamento imediato, são minoria absoluta e se justificam em duas circunstâncias: a primeira, em operações que são muito pouco complexas em que perde o sentido as partes fazerem um fechamento diferido no tempo, e a segunda, na qual a parte compradora possui algum receio deste distanciamento temporal despertar a atenção de algum concorrente e ela prefere fechar de imediato a operação para não perder o negócio.
Isto porque, ainda que o contrato tenha sido assinado com a obrigação da venda e compra, apenas na data do fechamento (closing) é que efetivamente a participação societária é transferida e ocorre a exigência do Preço.
O intervalo temporal entre o signing e o closing, por sua vez, se justifica pela necessidade de realização de uma série de condições precedentes ao fechamento do negócio e à ocorrência da tradição.
Esse período também é marcado por uma incerteza se o fechamento vai efetivamente ocorrer, ou uma incerteza quanto à realização do resultado prático final, e ao mesmo tempo, as partes não têm à sua disposição todos os dados que elas precisam para uma plena eficácia do contrato. (GUEDES, 2022)
Silva (2022) apresenta a tipologia das condições precedentes que, se não observadas, podem ocasionar o desfazimento do negócio. No primeiro grupo, são relacionadas condições de entrada a serem observadas, tais como:
i) autorização de autoridade pública, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE,
ii) obtenção de financiamento,
iii) inclusão de um ativo chave em virtude da obtenção do consentimento de um terceiro que mantém uma relação contratual com a sociedade-alvo (sociedade objeto do negócio de venda e compra),
iv) autorização de órgãos societários,
v) autorização de terceiros para a exoneração da garantia prestada pelo vendedor, seus sócios ou subsidiárias, em relação a alguns contratos.
O segundo grupo de condições precedentes são as condições de manutenção da empresa, que decorrem da manutenção da base fático-jurídico-econômica que existia no momento do signing, seja mantida até a ocorrência do closing.
Trata-se da manutenção do curso normal dos negócios entre uma data e outra. Neste grupo estão incluídas:
i) a observância das declarações e garantias prestadas em contrato, como por exemplo a declaração no signing de que a empresa vendida não possuía nenhuma dívida fiscal, que todas as licenças de software estavam válidas, que não respondia a nenhum processo trabalhista, que as normas ambientais estavam sendo seguidas, etc. Estas declarações e garantias precisam se manter hígidas durante todo o período intercalar entre o signing e o closing,
ii) o adimplemento de obrigações de fazer e de não fazer que tenham sido previstas pelas Partes no contrato, e
iii) as proteções para o caso de eventos extraordinários que possam impactar fortemente o negócio entre o signing e o closing.
No terceiro grupo, estão incluídas as condições transacionais, comumente relacionadas em um checklist, como a documentação necessária para comprovar a legitimação da operação e a transferência das participações societárias e todas as comprovações do pagamento do preço.
Portanto, neste período entre o signing e o closing, e ainda que sob condições determinadas no contrato, o negócio pode até mesmo ser desfeito.
Neste contexto, os contratos podem conter cláusulas que protejam as partes em casos de onerosidade excessiva, caso fortuito e força maior, casos estes que podem levar a uma das partes
desistir do negócio antes da data do fechamento. Trata-se das cláusulas conhecidas pelas siglas MAC (Material Adversal Change) e MAE (Material Adversal Effect) que, para sua confirmação, pode haver a utilização da contabilidade como meio de prova da alteração de determinadas circunstâncias e seus efeitos.
Pires (2018) informa que são raros, ou muito raros, os casos em que o comprador pede a anulação do contrato de venda e compra, sendo mais comum a invocação dos mecanismos de tutela do comprador que permitem a manutenção do contrato.
Após o closing, esta possibilidade se torna mais remota ainda, recorrendo as partes aos mecanismos de revisão do contrato e obtenção de indenizações.
A seguir, serão discutidos os conceitos de valoração de empresas e dos mecanismos contratuais de Ajuste de Preço, Retificação de Preço e Indenizações, os quais são temas que podem resultar na instauração de procedimentos litigiosos e necessitar da realização de perícia contábil para a sua solução.
4 VALOR DE ATIVO E PREÇO
Segundo Xxxxxxxxx (2007), a filosofia que existe por trás da avaliação é de que o investidor não pague por um ativo mais do que ele vale.
Desta afirmativa, já se verifica que existe uma diferenciação entre os conceitos de valor e de preço, cuja relação pode estar mais ou menos próxima a depender tanto de aspectos objetivos, tais como endividamento ou necessidade imediata de capital de giro – o que será demonstrado adiante -, ou, até mesmo, de elementos subjetivos relacionados aos motivos que levaram o investidor a adquirir (comprador) ou se desfazer do negócio (vendedor).
Os motivos que levam as pessoas a investir podem ser os mais diversos: paixão em criar alguma coisa; sentir-se parte de algo maior que si; reconhecimento. Por outro lado, do ponto de vista econômico, o que motiva as pessoas a investir é a expectativa de ter um retorno satisfatório, que recompense o sacrifício dos seus recursos. Isto é, as pessoas investem porque esperam por um retorno que supere o custo de oportunidade de seus recursos não estarem sendo aplicados em outros projetos de investimento. Baseado nestes dois conceitos, custo de oportunidade e expectativa, os modelos mais complexos de avaliação de empresas foram desenvolvidos. (XXXXXX, 2019. p. 16)
Xxxxxxxxx (2018, p.1) afirma que “Todo ativo, seja financeiro ou real, tem valor.”, sendo que este valor pode ser calculado por meio da aplicação de métodos de avaliação, sobre os quais tratar-se-á de forma mais incrementada adiante.
Porém, nem sempre o comprador está disposto a pagar o mesmo valor pela aquisição daquele ativo. Conforme Martelanc (2010), o preço pelo qual um vendedor e um comprador aceitam realizar uma negociação não precisa necessariamente coincidir com o valor de empresa determinado por um método de avaliação, pois cada agente – comprador e vendedor – utiliza de suas próprias premissas e critérios de avaliação, ainda que possam se utilizar de métodos de avaliação que lhe forneçam parâmetros ou faixa de valores para a negociação.
Xxxxxx (2019) define valor, do ponto de vista teórico, como sendo o resultado de interações de critérios individuais e coletivos em que cada pessoa possui uma percepção diferente sobre a utilidade e o valor das coisas, o fazendo baseado na sua programação psicológica, histórica, moral e cultural.
Contudo, há uma necessidade de se determinar a dimensão qualitativa e quantitativa do valor e, neste contexto, é que são aplicados os métodos de avaliação com a apuração das variáveis explícitas do negócio envolvido.
Desta forma, é definido o valor de empresa (EV, sigla em inglês para Enterprise Value) que, de acordo com Xxxxxx (2019), é equivalente ao valor de mercado, em que estão embutidos os riscos do negócio, o custo de oportunidade, o valor dos ativos e passivos, bem como os intangíveis como práticas socioambientais, marca, goodwill, especialização tecnológica, capital humano e direitos autorais.
De acordo com o mesmo autor, neste valor de empresa considera-se que o comprador assume as dívidas da empresa adquirida, compostas pelos passivos onerosos como empréstimos e financiamentos, e desconta o caixa e as disponibilidades imediatas, pois esses são valores que serão diretamente abatidos das dívidas.
Porém, muitas vezes o que o comprador está disposto a pagar pela aquisição do negócio abarca apenas a expectativa de geração de rentabilidade futura, sem que se comprometa com as dívidas existentes. Neste caso, o valor de empresa pode sofrer reduções das dívidas, estas líquidas do caixa e disponibilidades imediatas.
Xxxxxxx (2012) diferencia os dois conceitos, definindo o valor de empresa como sendo o potencial de geração de riqueza que os ativos da empresa proporcionam, independentemente da forma como estes mesmos ativos foram financiados. Já o valor para os acionistas é representado pelo fluxo de caixa líquido, após terem sido computados os efeitos de todas as dívidas tomadas para o financiamento das operações da empresa.
Simonaggio (2020) informa que os negócios ocorrem tendo como premissa valor econômico (Enterprise Value) e que pode ser ajustado pelo endividamento líquido e pelo capital de giro existente na data do negócio, produzindo, neste caso, nova premissa correspondente ao preço (Equity Value).
Assim, tem-se a figura do Equity Value, que em português significa valor patrimonial, e que se refere aos valores devidamente pertencentes aos acionistas de uma empresa, resultante do ajuste, sobre o Enterprise Value, das Dívidas Líquidas e do Capital de Giro Líquido da empresa.
Quadro 1: Fórmula usual de definição do preço
Valor de Empresa (Enterprise Value) (-) Dívidas Líquidas
(+/-) Capital de Giro Líquido
(=) Valor pertencente ao acionista (Equity Value)
Fonte: Elaborado pela autora.
Observa-se que as dívidas tratadas se referem aos fluxos de caixa vinculados aos juros, amortizações e novos endividamentos, não sendo computados os valores das dívidas de funcionamento (fornecedores, contas, salários, impostos e outras dívidas operacionais a pagar), pois elas já tiveram seus reflexos computados no fluxo de caixa das operações. (MARTINS, 2012)
Portanto, o preço final acordado entre vendedor e comprador pode ser equivalente: i) ao Enterprise Value, ii) ao Equity Value, ou ainda, iii) ser influenciado por outros fatores de negociação.
Independentemente da forma adotada pelas partes, reputa-se como relevante para a finalidade deste estudo que as partes tenham registrado, de preferência no contrato e/ou nos seus anexos, a forma, os itens e os valores que utilizaram para a definição final do preço acordado, ou seja, que haja uma memória de cálculo do preço vinculada com os valores finais constantes no contrato de venda e compra.
4.1 Metodologias de avaliação
Segundo Xxxxxxxxx (2010, p. 2), “nenhum modelo oferece um valor preciso e único, mas sim uma estimativa de valor”. A definição da faixa de valores, entretanto, é de suma importância, pois:
Para o comprador, o que interessa é determinar o valor máximo que pode ser pago por uma empresa, ao passo que, para o vendedor, o que interessa é determinar o valor mínimo aceitável para negociá-la. Essas duas cifras são as que se confrontam em uma negociação na qual se acerta o preço, que está geralmente em algum ponto intermediário entre elas. (MARTELANC, 2010, p.2)
A análise inicia-se, normalmente, pelas Demonstrações Contábeis, as quais se mostram inadequadas, porque incompletas, para a identificação do valor econômico da empresa, uma vez que também são considerados no valor da empresa itens que não se encontram registrados na contabilidade. (MARTINS, 2012)
O que se busca na avaliação de uma empresa em continuidade é quanto de rentabilidade futura o conjunto dos ativos da empresa vai gerar, e esta é uma avaliação de natureza econômica e não contábil.
Porém e, neste contexto, a contabilidade contribui de forma relevante para a avaliação, uma vez que proporciona dados sobre o patrimônio da empresa e sobre a forma como ele foi constituído ao longo do tempo, oferecendo elementos que, em conjunto com as premissas macroeconômicas, permitem ao avaliador fazer as previsões de rentabilidade futura e concluir sobre o valor daquela empresa.
Iudícibus (2021) conceitua a contabilidade sob três ângulos: i) como ciência, ii) sob o ponto de vista do usuário da informação contábil e iii) na visão econômica. Sob este último aspecto, entende-se que a contabilidade permite a avaliação dos recursos escassos colocados à disposição da empresa, permitindo a inferência sobre a eficiência e a eficácia com que estes recursos foram manipulados.
Neste contexto, há a confirmação da importância da contabilidade para a avaliação, “tendo participação efetiva no processo de alocação de recursos, no sentido de que, quanto melhor a qualidade de informação, mais eficientes, em tese, as decisões de investimento, contribuindo para a eficiente alocação de recursos dentro da economia.” (IUDÍCIBUS, 2021, p.55)
O conhecimento razoável dos modelos mais aplicados no mercado de avaliação de empresas e dos elementos que compõem cada modelo é importante para que o perito contador possa identificar quais os itens da avaliação que sofrerão o impacto do Ajuste do Preço ou da necessidade de Retificação do Preço e ajustá-los em forma e dimensões adequadas.
4.2 Avaliação por Fluxo de Caixa Descontado
Conforme Damodaran (2007), as empresas são compradas porque espera-se que os seus ativos gerem fluxos de caixa no futuro. Assim, o valor a ser atribuído não decorre de uma percepção de valor, mas sim de uma função dos fluxos de caixa que aquele ativo pode vir a gerar futuramente.
Por óbvio, este princípio somente se aplica com a premissa de continuidade operacional da empresa avaliada.
O Fluxo de Caixa Descontado é a principal metodologia quando se trata de avaliação de empresas e é amplamente utilizada por bancos de investimento, consultorias e empresários quando querem calcular o valor de uma organização. (MARTELANC, 2010, p. 14). Segundo o mesmo autor, “As empresas não são entes acumuladores de bens ou ativos imobilizados, tampouco máquinas registradoras de lucros contábeis. Na verdade, são máquinas de gerar dinheiro. Somente a capacidade de gerar fluxo de caixa no futuro lhes confere valor.”
Para Xxxxxxx (2012), o método do Fluxo de Caixa Descontado “é tido como aquele que melhor revela a efetiva capacidade de geração de riqueza de determinado empreendimento.”
O método de avaliação é fundamentado na premissa de que o valor da empresa está diretamente relacionado aos montantes e à época em que os fluxos de caixa operacionais estão livres para a distribuição. Para tanto, as entradas e saídas são confrontadas no momento zero, onde se quer conhecer o valor da empresa e, por isso, são trazidos a valor presente por meio da aplicação de uma taxa de desconto que reflete o risco dos fluxos de caixa estimados.
Há, assim, algumas variáveis que precisam ser consideradas no cálculo e que são brevemente exploradas nos itens a seguir.
Primeiramente, há que se tratar da diferenciação entre o fluxo de caixa tradicional e o fluxo de caixa livre, sendo que a diferença decorre da inserção no fluxo de caixa livre dos investimentos necessários para o crescimento e evolução estimados para a empresa.
Damodaran (2018) informa que os fluxos de caixa devem ser apurados após os impostos, anteriores ao pagamento de dívidas e após as necessidades de reinvestimento.
O autor define três etapas para estimar os fluxos, sendo: i) a estimativa dos lucros gerados sobre os ativos e investimentos existentes, ii) estimar a parcela que será destinada aos impostos e iii) desenvolver uma medida de reinvestimento para crescimento futuro da empresa.
Esta mesma métrica foi detalhada por Xxxxxxx (2012), como segue no quadro:
Quadro 2: Fluxo de Caixa Livre
Receitas Líquidas de Vendas (-) Custo das Vendas
(-) Despesas Operacionais
(=) Xxxxx antes dos juros e tributos sobre o lucro (EBIT)
(+) Ajuste das despesas operacionais que não provocam a saída de caixa
(=) Xxxxx antes dos juros, tributos sobre o lucro, depreciação, amortização e exaustão (EBITDA)
(-) Imposto de renda/Contribuição social (=) Geração de caixa operacional
(-) Investimentos (ou desinvestimentos):
• Permanentes
• Circulantes (=) Fluxo de caixa livre
Fonte: Elaborado pela Autora.
Observa-se por esta estrutura apresentada no Quadro 2 que, ainda que se trate de dados estimados em relação a um período futuro, os dados iniciais advêm das Demonstrações Contábeis da empresa avaliada.
Assim, ainda que se esteja tratando de uma avaliação de natureza econômica, há contribuição importante da contabilidade, pois a utilização de dados iniciais incorretos ou inadequados pode gerar distorções no resultado que será apurado.
4.2.2 Taxa de Crescimento dos Fluxos de Caixa
Segundo Xxxxxxxxx (2007) a avaliação do ativo deve considerar a previsão de fluxos de caixa esperados por toda a sua vida, o que inclui a estimativa de fluxos de caixa por um determinado período, normalmente especificado para ser um período de crescimento extraordinário, e um valor terminal ao final do período.
Os grandes desafios para este item são estimar os percentuais e o período em que a empresa será capaz de sustentar o alto crescimento.
A taxa de crescimento do passado pode ser um bom indicador de crescimento futuro, mas não deve ser considerada de forma isolada, pois há outros fatores que impactam a taxa de crescimento como condições presentes de mercado e específicas da empresa. (XXXXXX, 2019) Para o mesmo autor, a taxa de crescimento está diretamente relacionada com os investimentos futuros e com a taxa de retorno desses investimentos. Por outro lado, em virtude da existência das demais variáveis, em especial as condições de mercado, tem-se que a
existência de investimentos não significa necessariamente que haverá crescimento.
Assim, a existência de capacidade produtiva e de investimentos não garantem os crescimentos futuros da empresa.
Desta forma, trata-se de uma análise de grande sensibilidade econômica, e que pode resultar em grande afetação na apuração do valor da empresa.
Xxxxxx (2019) informa que o período de projeção deve considerar duas variáveis de tempo importantes, sendo o primeiro período definido como previsível em que os fluxos de caixa operacionais podem ser estimados com razoável confiança.
O segundo período é definido como não previsível, ou perpetuidade, e que está totalmente fora do período confiavelmente previsível dos fluxos de caixa operacionais.
Conforme Damodaran (2007), as taxas de desconto devem refletir o grau de risco dos fluxos de caixa, ou seja, trata-se da probabilidade de obter-se um retorno do investimento diferente do que foi previsto.
Neste contexto, a premissa é de que o custo da dívida deve incorporar um prêmio por inadimplência ou um spread para o risco de inadimplência da dívida, e o custo do patrimônio líquido deve incluir um prêmio como risco do patrimônio líquido.
Assim, do quanto exposto acerca do modelo de avaliação por Fluxo de Xxxxx Xxxxxxxxxx, conclui-se que o modelo contempla muitas variáveis de expectativa de futuro, recheadas de estimativas que podem trazer imprecisão ou incerteza, as quais já estão embutidas na quantificação do risco que integra a taxa de desconto.
Trata-se de uma avaliação essencialmente de natureza econômica, sendo pouco provável que haja discussões posteriores acerca destes dados estimados uma vez que dependem mais da sensibilidade do avaliador do que de dados objetivos considerados no cálculo.
Além disso, praticamente como uma regra, as partes contratantes definem preço sem inserir no contrato a metodologia de avaliação. Esta falta de informações no contrato, porém, irá impactar a perícia no futuro, caso uma das partes venha a invocar mecanismos contratuais que demandem revisão do preço.
Há, porém, a utilização no cálculo de dados históricos advindos da contabilidade da empresa, bem como de premissas de receitas, custos e despesas que se fundam em declarações e garantias fornecidas pelo vendedor.
Estes últimos são os dados que podem demandar Ajuste ou Retificação de Preço.
4.3 Método comparativo ou avaliação relativa: análise dos Múltiplos de EBITDA
O método comparativo decorre do conceito de avaliação relativa da empresa que está sendo objeto da venda ou empresa-alvo. Segundo Xxxxxxxxx (2007), na avaliação relativa o objetivo é avaliar um ativo com base na forma como ativos similares estão sendo precificados no mercado.
Trata-se de método de avaliação em que há muita confiança nos dados de mercado, baseado na suposição de que o mercado faz mais avaliações acertadas, em média, sendo diferente do método do Fluxo de Caixa Descontado, no qual efetivamente se apura o valor intrínseco do ativo. (DAMODARAN, 2018)
Xxxxxx (2019) trata a avaliação por múltiplos como uma avaliação intuitiva, na qual se considera que os preços das empresas similares, ou comparáveis, refletem plenamente os valores intrínsecos ou justos do ativo, e que contemplam as três variáveis fundamentais da avaliação: potencial de geração de caixa, taxa de crescimento dos fluxos de caixa e risco.
A frequente utilização deste método de avaliação dá-se pela vantagem destes dados serem amplamente disponíveis.
Há, por fim, uma diferença estrutural entre a avaliação por Fluxo de Caixa Descontado e a avaliação relativa. Isto porque, na avaliação por Fluxo de Caixa Descontado o que se pretende é estimar o valor de um ativo com base na sua capacidade de geração de caixa no futuro. Na avaliação relativa, julga-se quanto vale um ativo examinando o que o mercado está pagando por ativos similares.
Ocorre que, se o mercado estiver, em média, correto na forma de precificação dos ativos, a avaliação por Fluxo de Caixa Descontado e a avaliação relativa tendem a convergir. Porém, se o mercado estiver sistematicamente superestimando ou subavaliando um grupo de ativos ou um segmento inteiro, haverá diferença significativa entre o resultado das duas avaliações. (DAMODARAN, 2007)
Segundo o mesmo autor, na avaliação relativa há dois componentes importantes que devem ser observados. O primeiro deles é que, para que os preços sejam padronizados, eles precisam ser convertidos em múltiplos de uma variável comum, no caso do presente capítulo, a variável comum é o EBITDA. O segundo componente é a definição do múltiplo a ser utilizado, cujo desafio é a identificação de ativos similares que possam ser utilizados sem gerar distorções na avaliação.
Observa-se, por fim, que a avaliação relativa abrange não apenas a avaliação por Múltiplos de EBITDA, tendo sido escolhida apenas esta forma de avaliação para o presente trabalho, pois, dentre as opções de avaliação relativa, ela é que foi utilizada para a precificação dos estudos de caso objeto deste trabalho.
A seguir, passa-se ao estudo dos dois componentes importantes para os Múltiplos de EBITDA.
4.3.1 O EBITDA e o EBITDA Ajustado
A definição do termo “EBITDA” foi tratada em Ofício emitido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2006) como sendo o Lucro Antes dos Juros, Impostos sobre Renda incluindo Contribuição Social sobre o Xxxxx Xxxxxxx, Depreciação e Amortização.
A sigla EBITDA, no inglês, equivale ao termo LAJIDA, em português, como demonstra Padoveze, (2020, p.39-40):
• Earnings: Lucro
• Before: Antes
• Interest: Juros
• Taxes: Imposto sobre os lucros (no Brasil, Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)
• Depreciation: Depreciação dos imobilizados
• Amortization: Amortização dos intangíveis do ativo não circulante (antigo ativo permanente ou ativo fixo)
Trata-se de uma variável econômica - e não contábil, mas que se serve da contabilidade para a obtenção de dados para o seu cálculo - que representa o lucro operacional gerado pela atividade específica de uma empresa, que mais se aproxima do conceito de geração de caixa da operação, como lecionou Martins (2012, p. 272):
[…] o que se quer, com o EBITDA, é o valor do caixa, ou melhor, do potencial de geração do caixa (portanto valores antes de se considerarem as depreciações) produzido pelos ativos genuinamente operacionais (excluindo-se então as receitas financeiras que, neste caso, não são o objetivo da empresa), sem os efeitos decorrentes da forma de financiamento da empresa (portanto, excluindo-se também as despesas financeiras) e antes dos efeitos dos tributos sobre o resultado (Imposto de Xxxxx e Contribuição Social sobre o lucro no caso brasileiro)
Portanto, o que se analisa é o potencial daquela empresa de gerar caixa, não se tratando de análise de fluxo de caixa já gerado no período, como também nos ensinou o mesmo doutrinador:
Não corresponde ao efetivo fluxo de caixa físico já ocorrido no período porque parte das vendas pode não estar recebida e parte das despesas pode não estar paga. Mas representa o potencial de geração genuinamente operacional de caixa; assim que recebidas todas as receitas e pagas todas as despesas, esse é o valor de caixa produzido pelos ativos, antes de computadas as receitas e as despesas financeiras e os itens não operacionais e extraordinários. (MARTINS, 1997, p. 01)
O lucro operacional é um indicador fundamental em finanças, sendo o resultado gerado pelas operações da empresa, sem o resultado financeiro. Trata-se do valor econômico gerado pelo processo operacional da empresa, sendo as despesas financeiras relacionadas com a forma de gestão de ativos e passivos da empresa, e não com o processo operacional em si (PADOVEZE, 2020).
O mesmo autor, porém, chama a atenção ao fato de que a Lei nº 6.404/76, em seu artigo 187, classifica as despesas financeiras como inseridas no grupo das despesas operacionais. Observa-se que a classificação das despesas financeiras como se operacionais fossem, confronta com o próprio conceito do EBITDA e com o conceito de potencial geração de caixa operacional definido por Xxxxxxx (2012).
Há, porém, empresas que possam ter a necessidade de considerar – ou desconsiderar - outros elementos na formação do EBITDA, que não apenas os itens do conceito puro, para que possa refletir adequadamente o potencial de geração de caixa daquela empresa específica.
A orientação em relação ao EBITDA contida no Ofício CVM de 2006 surgiu de uma necessária padronização para que as informações de diferentes empresas fossem comparáveis, porque o EBITDA estava sendo divulgado pelas Companhias Abertas sem uma padronização, tendo este Ofício o papel de uniformizar o entendimento acerca dos itens que deveriam compor o EBITDA, quais sejam:
Quadro 3: Apuração do EBITDA
Receitas
(-) Custo das Mercadorias Vendidas (=) Xxxxx Xxxxx
(-) Despesas de Vendas
(-) Despesas Administrativas
(=) Lucro Antes dos Juros, Impostos sobre Renda incluindo Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, Depreciação e Amortização (LAJIDA, em português; EBITDA, em inglês) (-) Depreciação e Amortização
(=) Lucro Antes dos Juros e Impostos sobre a Renda incluindo Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (LAJIR, em português; EBIT, em inglês)
(-) Despesas Financeiras (de juros)
(+/-) Receitas e Despesas não operacionais (=) Xxxxx antes dos impostos sobre a renda
(-) Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Xxxxx Xxxxxxx (=) Lucro Líquido do Exercício
Fonte: Elaborado pela Autora.
Em 04 de outubro de 2012 a CVM divulgou a Instrução CVM 527/2012, revogada em 2022 e cujo conteúdo consta, atualmente, na Resolução CVM nº 156, de 23 de junho de 2022.
A CVM, nestas normas, explicou que a instrução era necessária tendo em vista que se trata de informações com base em dados contábeis ajustados e que influenciam as decisões econômicas dos usuários daquelas informações.
Havia falta de comparabilidade entre EBITDAs divulgados por diferentes empresas, justamente pela falta de padronização das informações utilizadas em cada empresa sem que se tivesse a adequada e completa informação sendo divulgada com as Demonstrações Contábeis.
A divulgação dessas informações não contábeis, para que seja preservada a qualidade da informação dirigida ao público, deve merecer o mesmo tratamento e cuidado despendidos às informações contábeis. Nesse sentido, observou-se à época da emissão da Instrução CVM nº 527/12 que a informação do LAJIDA e do LAJIR estava sendo elaborada e divulgada de forma muito particular pelas companhias abertas e divergente entre elas.
Essa situação pode tornar difícil a compreensão tanto da formação do número apresentado quanto da sua integração ou conciliação com os outros números da demonstração do resultado. Em muitos casos, é relevante observar que os números informados não são comparáveis com as informações prestadas por outras companhias abertas.
Dessa forma, a preocupação da CVM, à época que motivou a emissão da Instrução CVM nº 527, hoje Resolução CVM nº 156/22, pautou-se na compreensibilidade e comparabilidade do indicador divulgado ao mercado, cujos principais comandos pretende-se esmiuçar nesta Nota Explicativa, para a sua melhor compreensão e aplicação.
A determinação contida na Resolução CVM 156/2022 é de que o EBITDA (ou LAJIDA) deve ser calculado sem exclusão de itens não recorrentes, não operacionais ou de operações descontinuadas.
E esta determinação da CVM de que o conceito puro de EBITDA não contempla ajustes de itens não recorrentes decorre não apenas pelo fato de que indicador não exclui, por si só, quaisquer itens não recorrentes, não operacionais e de operações descontinuadas, mas também o fato de que houve mudanças na forma de escrituração contábil por conta da adequação da contabilidade brasileira às normas internacionais.
É importante lembrar que a legislação brasileira não mais segrega, desde 2008, a partir da Lei nº 11.941/08, os anteriormente denominados “resultados não operacionais”, apenas se referindo a “outras receitas” e “outras despesas”, deixando essa caracterização por conta de normas contábeis específicas.
Contudo, a CVM também entendeu relevante a demonstração do índice econômico que reflita o potencial de geração de caixa futuro (excluindo, portanto, os itens não recorrentes), determinando, porém, que a empresa o faça - e informe - na forma de EBITDA Ajustado.
art. 4º A companhia pode optar por divulgar os valores do LAJIDA e do LAJIR excluindo os resultados líquidos vinculados às operações descontinuadas, como especificado no Pronunciamento Técnico CPC 31 – Ativo Não Circulante Mantido para Venda e Operação Descontinuada, e ajustado por outros itens que contribuam para a informação sobre o potencial de geração bruta de caixa.
art. 5 º A divulgação prevista no art. 4º desta Resolução deve ser sempre identificada pelo termo “ajustado”.
Neste contexto, a nota explicativa à Resolução CVM 156/2022 informa as razões pelas quais há a necessidade de se tratar do EBITDA Ajustado, denominando-o como tal nas informações divulgadas ao mercado.
Entretanto, é prática comum no mercado de capitais a divulgação, pelas companhias abertas, de um indicador que contempla ajustes adicionais ao resultado do período a fim de gerar informação quanto ao seu potencial de geração bruta futura de caixa. Esses ajustes, agregados àqueles previstos no item II acima, resultam na determinação do LAJIDA/LAJIR Ajustado e são provenientes do julgamento da administração quanto a sua representatividade na determinação do potencial de geração bruta futura de caixa específico da entidade.
Assim, sendo esses ajustes decorrentes do julgamento da administração quanto aos seus efeitos na determinação do potencial de geração bruta de caixa da entidade, nada mais relevante do que a divulgação das premissas consideradas em seu julgamento quando da elaboração do LAJIDA/LAJIR Ajustado. Adicionalmente deve ser descrita a motivação e a natureza dos ajustes efetuados, bem como uma conciliação entre o resultado do período e o LAJIDA/LAJIR Ajustado, tudo em prol da adequada compreensão do indicador e sua comparabilidade com aqueles provenientes dos demais pares, setoriais ou não.
Assim, a partir da divulgação da referida Resolução CVM, tem-se que EBITDA tem definição certa e não comporta ajustes informais. É evidente que pode ser ajustado, mas isso demanda informação expressa de que aquele EBITDA está sendo ajustado e quais são os ajustes que estão sendo realizados.
Neste contexto, entende-se como relevante tratar de três conceitos tecnicamente diferentes entre si, mas que podem causar alguma confusão quando se trata de ajustar o EBITDA.
Não recorrência tem conceito próprio e refere-se a despesas extraordinárias em relação a atividade econômica da empresa, isto é, gastos ou receitas que tendem a não se repetir em exercícios futuros. Tais itens são expurgados do EBITDA ajustado com o objetivo de fazê-lo retratar da forma mais fiel possível os resultados futuros da empresa.
Basso (2008) define transações recorrentes como aquelas que ocorrem repetidamente em uma empresa. Um evento único, cuja repercussão no resultado ocorra apenas em um momento específico, deve ser expurgado do resultado, mas avaliado e previsto separadamente do lucro recorrente.
No caso exemplificativo da demissão de funcionários, verifica-se que salários e encargos sociais continuam e continuarão sendo a essência da atividade industrial e comercial de uma determinada empresa, ou seja, são, foram e serão recorrentes. Contudo, os gastos com as demissões que excederem o turn over habitual da empresa são extraordinários e devem ser expurgados do EBITDA ajustado.
Normalização, por sua vez, é a estabilização do negócio em que as despesas de ajustes com as rescisões contratuais não deverão acontecer nos mesmos montantes que aconteceram em períodos anteriores. Ainda assim, não são todas as despesas que não serão recorrentes, mas apenas aquelas que excederam o turnover normal da empresa.
Portanto, não se pode confundir as medidas de normalização com a premissa de que a empresa nunca mais voltaria a contratar a mão de obra dispensada.
Não recorrência e normalização de EBITDA são fenômenos econômicos diferentes. Não recorrências estão compreendidas entre receitas, custos e despesas que, pela sua natureza, não ocorrerão nos exercícios subsequentes ao ano base do EBITDA. Normalização de EBITDA, tratada como sinergia, corresponde aos efeitos de atos da administração que poderão produzir impactos em exercícios subsequentes ao ano base do EBITDA.
Portanto, a não recorrência é fruto da certeza existente no ano base do EBITDA e a normalização é um prognóstico de exercícios futuros.
Sinergia é definida por Xxxxxxxxx (2007), como o valor adicional gerado a partir da combinação de duas empresas, criando oportunidades que não estariam disponíveis caso essas empresas operassem independentemente. As sinergias estariam divididas em dois grupos:
i) Sinergias operacionais: possibilitam o aumento da renda dos ativos existentes, gerando economias de escala, maior poder de mercado e maior potencial de crescimento; e
ii) Sinergias financeiras: incluem benefícios fiscais, maior capacidade de endividamento e utilização de excedente de caixa.
Sinergia é o valor potencial do futuro contido no presente, ou seja, a sinergia está na viabilidade futura de se realizar resultado econômico. Ocorre que esse futuro não decorre da mera possibilidade de ocorrer lucro (EBITDA), mas de “quantas vezes” e “por quanto tempo” esse lucro (EBITDA) se repetirá, evento esse que está medido pelo múltiplo, e não pelo EBITDA.
Para Xxxxxxxxx (2007), as sinergias raramente aparecem instantaneamente, os seus resultados tendem a aparecer com o tempo, de forma que se o valor da sinergia é o valor presente do fluxo de caixa por ela gerado, quanto maior o tempo necessário para surgirem seus resultados, menor será o seu valor.
Por fim, entende-se que a sinergia compõe um ganho de eficiência para as empresas combinadas. Por outro lado, os itens não recorrentes são gastos ou receitas extraordinárias que tendem a não se repetir nos exercícios seguintes e, que por esta razão, são expurgados do EBITDA ajustado, de forma a retratar de forma mais fiel possível o resultado dos exercícios seguintes.
Gastos não recorrentes não afetam a produtividade da empresa ou implicam ganho de eficiência. Nesse sentido, gastos e receitas não recorrentes em nada se comparam com sinergias.
Segundo Damodaran (2007, p. 165), “Uma das maneiras mais intuitivas de pensar no valor de qualquer ativo é como um múltiplo de lucros que o ativo gera.”
O uso dos multiplicadores apresenta indiretamente a ideia de períodos para o retorno do investimento, e é apurado a partir da comparação de dados de terceiros e não de uma avaliação objetiva da empresa-alvo, ou seja, é um método indireto de avaliação.
O critério de apuração do Múltiplo, nasce do conceito de que se pode obter o valor de empresa dividindo-se o preço apurável de empresas do mesmo setor – disponível em fontes públicas - pelo EBITDA da data correspondente ao preço. Desta forma, o método se baseia no conceito de que empresas semelhantes guardam uma relação comparável entre seu Enterprise Value (EV) e seu EBITDA.
Neste sentido, Damodaran (2007, p. 486), informa que, como os múltiplos são de fácil uso, também são de fácil abuso. Assim, definiu quatro passos básicos a serem seguidos para o uso dos múltiplos, como segue:
O primeiro passo é assegurar que o múltiplo esteja definido de forma consistente e seja mensurado com uniformidade entre as empresas objeto da comparação. O segundo passo é ter consciência da distribuição cross-sectional do múltiplo, não só entre empresas do segmento em análise, mas também de todo o mercado. O terceiro passo é analisar o múltiplo e compreender não só quais fundamentos determinam esse múltiplo, mas também como modificações nesses fundamentos impactam alterações no múltiplo. O último passo é identificar as empresas certas para comparação e controlar as diferenças que possam persistir entre elas.
Essas informações seguras, no Brasil, estão nas ações negociadas em Bolsa, pois os negócios com companhias fechadas não são divulgados no Brasil. Por exemplo, a Bovespa não tem empresas listadas no setor de terceirização de mão de obra, conforme se constata pelo exame do campo “Empresas Listadas; Setor de Atuação” no site.
Alguns avaliadores podem buscar parâmetros nas Bolsas de Nova Iorque e Londres, mas os dados exigiriam ajustes adicionais para adaptar as diferentes condições de mercado em que atuam as empresas paradigmas.
Portanto, diante da subjetividade de que se reveste a adoção do múltiplo, para estimativa do valor da empresa, a falta de definição da fonte de base de dados comparativa para efeitos da negociação pode conduzir a uma crença e não a uma avaliação técnica.
Em especial, quando o múltiplo é resultante de uma expectativa de preços de ações de empresas de um setor da economia e não uma vinculação direta com uma empresa isoladamente.
O fato técnico é que o método de múltiplo de EBITDA não avalia o futuro, apenas fixa um valor com base em informações atuais do resultado da empresa-alvo e do valor de mercado
– quando disponível – de empresas semelhantes.
Há uma expectativa de que os resultados apresentados no EBITDA se repitam no tempo, mas essa expectativa não é medida pelos eventos próprios da empresa avaliada ou alvo.
A expectativa é decorrente de uma perspectiva dos diversos agentes de mercado que afetam o preço de ações de outras companhias do mesmo setor, ou seja, nem mesmo essa expectativa geral quanto ao futuro decorre de métricas avaliatórias de geração de lucros futuros, mas de apostas de preço de mercado.
Portanto, embora não se tenha dúvida que as partes negociantes sempre tenham o futuro em vista quando de uma negociação de venda e compra de empresa, essa mera visão não vincula as partes quanto ao futuro no que diz respeito à fixação de Preço, se o método utilizado adotou premissas existentes na data da avaliação e não uma projeção de dados que tenham como origem os dados e eventos fornecidos e/ou obtidos junto à empresa-alvo.
A avaliação econômica que define e vincula as partes quanto aos eventos futuros e à perenidade da atividade econômica é o método do Fluxo de Caixa Descontado, em que todas as premissas da viabilidade futura são expressas abertamente, inclusive com a definição do tempo de projeção. Além disso, a projeção leva em conta dados de mercado segundo as possibilidades específicas da empresa avaliada.
Porém, uma vez definido e adotado pelas partes como método de avaliação o uso de múltiplos de EBITDA, este resta definitivo para fins da formação do Preço acordado.
4.4 Aspectos relevantes sobre o preço para a finalidade deste trabalho
Ao final deste item sobre metodologias de avaliação e definição do preço de venda e compra, observa-se que, como o preço final decorre de negociação, muitos contratos de venda e compra de empresa não são acompanhados de informação sobre a metodologia de avaliação utilizada, e da memória de cálculo que resultou no preço contratado.
Esta informação, porém, pode se mostrar relevante quando há discussões acerca do Preço acordado e necessidade posterior de Xxxxxx ou Retificação deste Preço, como se verá adiante.
5 AJUSTE DE PREÇO: POR CURSO NORMAL DOS NEGÓCIOS OU POR CONCRETIZAÇÃO DE ESTIMATIVA DE FUTURO
O Ajuste de Preço é um mecanismo contratual disponível às partes contratantes para ajuste futuro do Preço acordado em contrato. Contudo, ainda que sua utilização se dê apenas em data futura à assinatura do contrato, trata-se de regra que, para que produza eficácia jurídica, necessita que tenha sido definida previamente no contrato.
Em síntese, a sua origem remonta à data da celebração do negócio e sua eficácia se dá em período futuro, sendo que este futuro também é previamente definido no contrato.
Assim, não deveria haver razões para surpresa quando, no futuro, comprador e vendedor novamente se reunirem para a discussão sobre o Ajuste de Xxxxx, uma vez que as premissas de sua ocorrência já foram previamente definidas.
Trata-se de eventos previsíveis, porém, se as partes não previram adequadamente todas as variáveis econômicas, contábeis e de forma de gestão da empresa vendida envolvidas, e se não as reproduziram adequadamente no texto da cláusula contratual, podem vir a ocorrer litígios oriundos dos aspectos relacionados ao Ajuste de Preço.
No curso deste trabalho são demonstrados casos reais de litígios decorrentes de cláusulas de Ajuste de Preço com necessidade de realização de perícia contábil como um dos elementos disponíveis para sua resolução.
Para que se possa entendê-los, há necessidade, antes, que se trate sobre as formas de Ajuste de Preço que podem ser previstas no contrato.
5.1 Ajuste de Preço por curso normal dos negócios
A necessidade de realização do Ajuste de Preço por curso normal dos negócios entre o signing e o closing ocorre: i) por se tratar de período em que a empresa está em movimento, ii) ocorrendo variações patrimoniais neste intervalo, iii) que não podem afetar o comprador, iv) pois a conclusão efetiva do negócio acontece com a transferência das participações acionárias e v) para que o comprador pague o Preço pela aquisição da empresa em valor ajustado pelas variações patrimoniais ocorridas no período.
Em resumo, para que pague o Preço adequado àquilo que está recebendo na data em que se opera a tradição.
Simonaggio (2022) define o Ajuste de Preço como a necessidade de uma correção do bem entregue que foi diferente do bem que foi prometido, permitindo que se avalie a razoabilidade dos atos de gestão, os efeitos que eles produziram e a quem – comprador ou vendedor – o resultado destes atos de gestão favoreceu.
5.1.1 A fórmula do Ajuste de Preço
Com o advento do closing, e ocorrendo o evento Ajuste de Preço por curso normal dos negócios, há a medição de eventos acordados no Contrato, dentre eles a variação patrimonial da empresa vendida.
No curso normal dos negócios, as variações não se dão em decorrência de mutações nos ativos fixos, mas sim em contas patrimoniais que se alteram de forma natural em decorrência de uma empresa em movimento, de uma operação em continuidade. Assim, a variação é medida por alterações no Capital de Giro e no Endividamento Líquido, se tratando de fenômenos econômicos, cuja medição se dá por meio dos registros contábeis. (SIMONAGGIO, 2022)
Valor de Empresa (Enterprise Value)
(+) Variação do Capital de Giro Líquido entre o signing e o closing (-) Variação do Endividamento líquido entre o signing e o closing (=) Valor do Preço Ajustado (novo Equity Value)
(-) Preço acordado no contrato
(=) Ajuste do Preço por curso normal dos negócios
O Ajuste de Preço, neste contexto, pode ser expresso pela aplicação da seguinte fórmula: Quadro 4: Fórmula do Ajuste de Preço
Fonte: Elaborado pela Autora.
O resultado desta equação favorecerá vendedor ou comprador à medida que resulta em valor maior ou menor de Xxxxx a ser recebido pelo vendedor e pago pelo comprador.
Em alguns contratos de venda e compra de empresas, ocorre uma definição na data do signing de um Capital de Giro Líquido alvo, sem relação com o Capital de Giro Líquido efetivamente existente naquela data. Nestes casos, o que ocorre é um comprometimento do vendedor de que no fechamento a empresa terá um valor determinado, mínimo, de Capital de Giro Líquido, ou o vendedor pagará pela diferença entre a meta definida e o valor efetivo na data.
Para estes casos, no closing, é feita a apuração do Capital de Giro Líquido existente naquela data – e que deve estar de acordo com todos os conceitos técnicos que serão tratados adiante – sendo a comparação deste resultado feita não com o Capital de Giro Líquido que efetivamente existia na data do signing, mas a comparação é feita entre o Capital de Giro Líquido efetivo e o valor determinado acordado entre as partes no contrato de venda e compra.
5.1.2 Aspectos relacionados ao Capital de Giro Líquido
a) Conceitos técnicos
O Capital de Giro ou Capital Circulante representa a parcela de investimentos feitos na empresa que está disponível para aplicação imediata e se refere, na contabilidade, aos valores registrados no grupo de contas do Ativo Circulante.
Quando tratado pelo conceito de Capital de Giro Líquido, ou Capital Circulante Líquido, representa a parcela de recursos disponíveis a curto prazo, excedentes às obrigações de curto prazo. Portanto, quando acrescida do termo “líquido”, se refere, na contabilidade, aos valores resultantes da equação Ativo Circulante menos Passivo Circulante.
A seguir, as definições dos termos técnicos, conforme Xx (2009, p. 56-57):
Capital de Giro – Capital em circulação ou movimentação. [...]
Capital Circulante – Sistema de bens que se consomem em um só ato de produção e que giram nas empresas, renovando-se constantemente.
São exemplos: as matérias-primas (que, aplicadas, desaparecem, transformadas em produto), as mercadorias (que, vendidas, são transformadas em dinheiro ou em duplicatas a receber), os materiais de consumo (que, aplicados, passam a representar Despesas Gerais da empresa), o dinheiro em caixa e em bancos (que, aplicado, transforma-se logo em outro tipo de bem), as duplicatas a receber (que, pagas, transformam-se em dinheiro) etc.[...]
Capital de Giro Líquido – [...]. Por representar uma diferença entre os valores conversíveis em dinheiro e as obrigações a curto prazo, deu-se a tal confronto a enfática designação de “líquido”.
Capital Circulante Líquido – Diferença entre o valor das Origens e das Aplicações de Recursos na demonstração pertinente.
Segundo a norma de contabilidade NBC TG 26 (R5), os Ativos Circulantes são aqueles que se espera que sejam realizados dentro do ciclo operacional corrente e os Passivos Circulantes são as obrigações que devam ser liquidados dentro deste mesmo período, sendo os
demais ativos e passivos classificados como não circulante, os quais são utilizados nas operações de longo prazo da empresa.
De acordo com a mesma norma, para ser classificado como Ativo Circulante, é necessário que observe as seguintes condições:
66. O ativo deve ser classificado como circulante quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios:
(a) espera-se que seja realizado, ou pretende-se que seja vendido ou consumido no decurso normal do ciclo operacional da entidade;
(b) está mantido essencialmente com o propósito de ser negociado;
(c) espera-se que seja realizado até doze meses após a data do balanço; ou
(d) é caixa ou equivalente de caixa (conforme definido na NBC TG 03), a menos que sua troca ou uso para liquidação de passivo se encontre vedada durante pelo menos doze meses após a data do balanço.
Todos os demais ativos devem ser classificados como não circulante.
Da mesma forma, são classificadas como Passivo Circulante as obrigações que atendem aos requisitos a seguir:
69. O passivo deve ser classificado como circulante quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios:
(a) espera-se que seja liquidado durante o ciclo operacional normal da entidade;
(b) está mantido essencialmente para a finalidade de ser negociado;
(c) deve ser liquidado no período de até doze meses após a data do balanço; ou
(d) a entidade não tem direito incondicional de diferir a liquidação do passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço (ver item 73). Os termos de um passivo que podem, à opção da contraparte, resultar na sua liquidação por meio da emissão de instrumentos patrimoniais não devem afetar a sua classificação.
Todos os outros passivos devem ser classificados como não circulantes.
Dois outros conceitos técnicos são relevantes para o contexto: a correta definição de Ativo e de Passivo, ambos definidos na norma contábil NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL.
“Ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados”, sendo que “recurso econômico é um direito que tem o potencial de produzir benefícios econômicos”.
Assim, para que seja considerado um Ativo, é preciso que sejam observados os seguintes aspectos: a) direito, b) potencial de produzir benefícios econômicos; e c) controle.
Por sua vez, de acordo com a mesma norma, “passivo é uma obrigação presente da entidade de transferir um recurso econômico como resultado de eventos passados”. Para que exista Passivo, três critérios devem ser satisfeitos: a) a entidade tem uma obrigação; b) a obrigação é de transferir um recurso econômico; e c) a obrigação é uma obrigação presente que existe como resultado de eventos passados.
A representação efetiva do Capital de Giro Líquido para operações de venda e compra de empresas é importante pois, como ensina Simonaggio (2022), o Capital de Giro Líquido no closing representa que o vendedor está deixando recursos suficientes para o pagamento de suas obrigações de curto prazo, garantindo a continuidade operacional imediata da empresa.
Observa-se, neste contexto da conceituação técnica, que ainda que o conceito de Passivo Circulante, que integra a apuração do Capital de Giro Líquido, abarque todas as obrigações de curto prazo, as fórmulas de Ajuste de Preço normalmente segregam o endividamento com terceiros, tratando-o como um item à parte, mas integrante, da apuração.
A segregação é justificada, pois o endividamento não tem ligação direta com a atividade operacional da empresa, mas sim com a fonte de financiamento dos recursos para aplicação na atividade operacional e a forma de gestão financeira da empresa.
Este item será melhor detalhado adiante, porém, é importante que se informe da existência desta particularidade pois impacta a apuração do valor final do Capital de Giro Líquido para fins da fórmula do Ajuste de Preço por curso normal dos negócios.
b) Proteções contratuais para o comprador
Entre o signing e o closing, o vendedor está no controle da gestão da empresa e seu interesse legítimo é de que a apuração do Capital de Giro Líquido resulte em valor positivo que aumente o preço de venda da empresa-alvo.
O comprador, sabedor da situação descrita anteriormente, tem desconfiança natural sobre os números que lhe são apresentados.
Duas são as proteções comumente utilizadas: i) a realização de procedimentos de auditoria para assegurar a adequação das demonstrações contábeis de fechamento e ii) a declaração do vendedor em contrato de que as demonstrações contábeis apresentadas ao comprador estão adequadas às Normas Brasileiras de Contabilidade e que representem fielmente a posição patrimonial e financeira da empresa-alvo em cada data base.
c) Possibilidade de discussões no âmbito de operações de venda e compra de empresas
A observância das Normas Brasileiras de Contabilidade para considerar um bem/direito ou uma obrigação como Ativo ou Passivo de uma determinada empresa, e a correta definição destes ativos e passivos como Circulantes ou Não Circulantes é de extrema importância para que se apure um Capital de Giro Líquido que efetivamente corresponda à realidade da empresa- alvo.
A não observância dos conceitos e de sua correta aplicabilidade pode levar a discussões pós-venda e compra, e a existência de litígios que demandarão o auxílio de experts na área contábil para sua solução. Esses experts, por óbvio, precisam conhecer profundamente sobre os conceitos de contabilidade e sua aplicabilidade ao caso prático.
As discussões decorrem da constatação de Ativos inexistentes, Passivos não registrados na sua totalidade, classificação em grupo contábil incorreto – no caso de Ativo Não Circulante, classificado como Ativo Circulante -, dentre outros.
A existência de auditoria nas Demonstrações Contábeis, por certo, diminui a quantidade de pontos de litígios, mas não as anula uma vez que: a) a função da auditoria é de asseguração razoável de obediência às normas, não se tratando de um exame exaustivo da adequação dos registros contábeis e b) a contabilidade é influenciada por estimativas realizadas pela administração, no contexto de permissões concedidas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade.
Simonaggio (2022) identifica um item adicional de discussão: trata-se da auditoria das Demonstrações Contábeis da data do closing realizada na gestão do comprador. Esta é uma situação recorrente, uma vez que, ainda que se trate de registros contábeis do período de gestão do vendedor, a auditoria não pode ser realizada de forma instantânea no momento do closing, demandando período posterior para a sua realização.
Assim, o comprador conduz o processo de auditoria de Demonstrações Contábeis que refletem os atos de gestão do vendedor e seus reflexos patrimoniais.
Neste caso, o comprador poderia alterar práticas contábeis ou estimativas contábeis? Se o fizer, as Demonstrações Contábeis perdem a comparabilidade? Estas são questionamentos levantados por Xxxxxxxxxx (2022) e motivação de litígios relativos a venda e compra de empresas.
Observa-se que as indagações não se referem a casos de retificação de erro identificado nas Demonstrações Contábeis, mas apenas de alteração nas práticas e estimativas contábeis pelo comprador em relação à escrituração contábil anteriormente elaborada pelo vendedor.
As práticas contábeis se referem a todo o conjunto de regras aplicáveis à escrituração contábil, como definido na NBC TG 26 (R5):
Práticas contábeis brasileiras compreendem a legislação societária brasileira, as Normas Brasileiras de Contabilidade, emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade, os pronunciamentos, as interpretações e as orientações emitidos pelo CPC e homologados pelos órgãos reguladores, e práticas adotadas pelas entidades em assuntos não regulados, desde que atendam à NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro emitida pelo CFC e, por conseguinte, em consonância com as normas contábeis internacionais.
As mudanças de estimativas contábeis estão atreladas ao julgamento do administrador e à existência de informações que modifiquem as estimativas anteriores, como consta conceituado na NBC TG 23 (R2):
Mudança na estimativa contábil é um ajuste nos saldos contábeis de ativo ou de passivo, ou nos montantes relativos ao consumo periódico de ativo, que decorre da avaliação da situação atual e das obrigações e dos benefícios futuros esperados associados aos ativos e passivos. As alterações nas estimativas contábeis decorrem de nova informação ou inovações e, portanto, não são retificações de erros.
Assim, o que se observa é que, ainda que exista um conjunto normativo que regula e parametriza a escrituração contábil, as práticas e estimativas contábeis podem sofrer algumas variações de acordo com a visão de cada administrador, neste caso, as visões do vendedor e do comprador.
E como há conflito de interesses em relação a venda e compra e ao Ajuste de Preço, estas diferentes visões podem implicar alterações contábeis que tornam as Demonstrações Contábeis não comparáveis entre duas datas distintas, dificultando a apuração do Ajuste de Preço na forma acordada entre as partes e expressa no contrato.
5.1.3 Aspectos relacionados ao Endividamento líquido
Como já informado, o Endividamento está relacionado com a forma de gestão financeira da empresa, demonstrando como a empresa está alavancada financeiramente em capital de terceiros, e o custo deste capital.
Xx (2009, p.175) conceitua contabilmente “empréstimo”, demonstrando a abrangência do conceito, que se aplica não apenas para obtenção, mas também para concessão de empréstimos:
EMPRÉSTIMO – Fato patrimonial que se caracteriza por dois aspectos: concessão de empréstimos e obtenção de empréstimos; a concessão de empréstimos é a cessão de bens numerários a terceiros, durante um prazo e com garantias apoiadas em valores reais ou pessoais de quem os adquire. A obtenção de empréstimos é o fato patrimonial através do qual a azienda adquire um financiamento, ou seja, meios numerários para financiamento de suas operações.
Portanto, uma vez que se tem empréstimos obtidos e concedidos, os registros contábeis podem estar registrados em rubricas, tanto do Ativo como do Passivo e, por isso, é tratado no contexto de Endividamento líquido.
Os empréstimos devem ser reconhecidos na contabilidade da empresa na data em que foram originados, sendo posteriormente e periodicamente avaliados a valor justo. De acordo com a NBC TG 46 (R2), valor justo tem equivalência com valor de mercado:
2. O valor justo é uma mensuração baseada em mercado e não uma mensuração específica da entidade. Para alguns ativos e passivos, pode haver informações de mercado ou transações de mercado observáveis disponíveis e para outros pode não haver. Contudo, o objetivo da mensuração do valor justo em ambos os casos é o mesmo – estimar o preço pelo qual uma transação não forçada para vender o ativo ou para transferir o passivo ocorreria entre participantes do mercado na data de mensuração sob condições correntes de mercado (ou seja, um preço de saída na data de mensuração do ponto de vista de participante do mercado que detenha o ativo ou o passivo).
Neste contexto, tem-se que o valor de contabilização deve refletir o exato valor do direito ou da obrigação na data em que as Demonstrações Contábeis forem elaboradas.
Em relação ao Ajuste do Preço, o que ocorre é que, como o Endividamento se refere à forma de gestão do vendedor, que optou por esta fonte/aplicação de recursos em detrimento do capital próprio, na transferência da empresa, o saldo líquido desse Endividamento segue em benefício ou prejuízo do vendedor pela diminuição ou majoração do preço de venda.
A lógica é de que o Endividamento líquido não tem relação com a gestão operacional, mas sim a com a gestão financeira que não é transferida para ônus, e nem bônus, do comprador.
Desta forma, para a apuração do Endividamento líquido, tampouco importa se o valor se encontra registrado no grupo de Ativo e Passivo Circulante ou Não Circulante, pois são considerados todos os valores devidos ou a receber de empréstimos com terceiros, não estando incluídos neste grupo valores relativos ao capital social ou ao Patrimônio Líquido da empresa.
5.1.4 Outros itens de ajustes por variação do curso normal dos negócios
Importa ressalvar, ainda que sejam utilizados de forma menos recorrente nos contratos de venda e compra de empresas, há outros itens de Ajuste de Preço que podem ser considerados pelas partes para medição da variação do curso normal dos negócios entre o signing e o closing.
Como exemplo, cita-se a variação das contingências ou outros itens que se mostrem relevantes em virtude do tipo de negócio e mercado de atuação da empresa-alvo.
Obviamente que, para ser considerado, precisa haver uma previsão expressa no contrato de que a fórmula do Ajuste de Preço abarca a inclusão de variação do item específico.
5.2 Ajuste de Preço por desempenho futuro da empresa vendida (cláusulas de earn-out)
O sistema jurídico permite algumas formas de definição do preço, podendo na venda e compra da empresa ter-se preço determinado ou determinável, sendo que, em virtude da segunda hipótese, surgem no mundo jurídico as cláusulas de pagamento condicionado ou cláusulas de earn-out. Essas cláusulas condicionam parte do preço ao atingimento de certas premissas em intervalo temporal determinado. (GUERRERO, 2021)
Conforme Aragão (2022), o earn-out representa uma parcela variável do preço, ou um acréscimo ao valor fixo, devido apenas se, em determinado período após o fechamento da operação, certas metas econômicas/financeiras futuras e predefinidas forem atingidas.
Isso porque, há um tradicional conflito entre a visão otimista do vendedor e uma visão mais conservadora do comprador. Neste contexto, as cláusulas de earn-out são usadas como uma verdadeira “ponte” de entendimento entre comprador e vendedor (ZILVETI, 2020), à medida que o comprador aceita as premissas otimistas do vendedor, mas limita o pagamento de parte do preço à sua efetiva realização.
A descrição de forma expressa das métricas que serão medidas, incluindo a correta e completa definição dos termos técnicos a serem considerados, é providência adequada que minimiza a existência de litígios futuros acerca da apuração realizada.
Segundo Guerrero (2021), é fundamental que os contratos contenham metas de lucros, margens de lucro, crescimento e/ou retorno de modo a evitar o surgimento de discussões futuras.
Outro item, que segundo Xxxxxx (2022) é um dos causadores das discussões posteriores, é o fato de que, se não constou de forma expressa no contrato, não há nenhuma obrigatoriedade de o comprador observar o curso normal dos negócios e alterar a forma de gestão da empresa- alvo.
Porém, segundo o autor, o que o comprador não deve, nestes casos, é deixar de atender ao interesse social e à função social da empresa, pois esses se sobrepõem aos interesses particulares dos atuais ou antigos acionistas.
5.2.1 Temas técnicos de natureza contábil
O earn-out, repita-se, se refere à medição de certas metas econômicas/financeiras futuras e predefinidas, estando relacionado com o conceito de performance futura.
Trata-se da medição de itens como faturamento, margem bruta ou EBITDA auferidos em determinado período, o que se faz mediante dados extraídos da contabilidade da empresa vendida.
A análise do faturamento pode ser relacionada a toda a empresa, ou apenas a algumas e determinadas áreas de negócio; o faturamento pode se referir apenas a contratos em andamento ou abranger novos contratos.
Os custos a serem considerados para a apuração da margem bruta podem conter algumas limitações como, por exemplo, ter sido determinado pelas partes que apenas custos diretamente vinculados com as receitas serão considerados, estando excluídos custos que tenham sido objeto de rateio entre diversas áreas. Observa-se, ainda, que despesas gerais e administrativas estariam excluídas do conceito de custos diretamente atrelados à geração das receitas.
Quanto se trata de apuração do EBITDA, tem-se em pauta as discussões técnicas de não recorrências, sinergias e outras já tratadas em capítulo anterior.
Independente da métrica escolhida pelas partes, observa-se que, em todos os casos, a base de apuração é formada pelos registros contábeis e documentos que se encontram sob o controle e a gestão do comprador, o qual já recebeu a empresa e não terá nenhum benefício econômico em apurar valor de earn-out em favor do vendedor.
Novamente, campo fértil para discussões acerca dos termos técnicos contábeis e sua aplicabilidade, resultando na necessidade de análise de expert com conhecimento na área contábil para ajudar na solução do litígio entre as partes.
5.3 Ajuste de Preço por passivos e contingências - holdback e escrow accounts
Guerrero (2021) nos ensina que, nos contratos de venda e compra de empresas, são utilizadas cláusulas de responsabilidade por passivos e contingências, e que representam a definição de importante regra de transição no contexto da administração da empresa.
Significa que, a partir de um determinado corte temporal, as responsabilidades serão atribuídas para compradores ou vendedores.
Há duas formas principais de ressarcimento destes custos pelo Comprador: na forma de Ajuste de Preço ou de obtenção de indenizações por perdas incorridas pelo Comprador, sendo que, há casos, inclusive, em que estão presentes as duas situações. A intenção deste capítulo é tratar apenas do primeiro caso, em que os passivos e contingências materializados após a compra e venda são tratados como Ajuste de Preço.
Trata-se, neste caso, de definição de responsabilidade por passivos e contingências já identificados no processo de due diligence, mas que apenas se materializarão no futuro, ou novos passivos e contingências que possam surgir após a transição da administração da empresa e que tenham como fato gerador o período da administração do vendedor.
O mesmo autor (GUERREIRO, 2021, p.182), informa que, em geral, existem dois grandes modelos de cláusula de responsabilidade: “Um amplo, ou de responsabilidade total ou de exclusão de responsabilidade, e o modelo de responsabilidade limitada, normalmente a um valor mínimo, valor máximo, por prazo ou por contingência apurada em due diligence.”
Como garantias do comprador em relação ao cumprimento da obrigação, Guerrero (2021) cita a retenção de parcelas vincendas do preço (em inglês, o “holdback”), o depósito em garantia nas chamadas contas de custódia (em inglês, as “escrow accounts”), podendo também ser concedidas garantias reais e garantias fidejussórias.
Em relação às escrow accounts (PARO e XXXXX 2015, p. 145):
Em linhas gerais, as cláusulas de Escrow estabelecem retenção de parcela do preço de aquisição das companhias por um período para fazer frente às aludidas eventuais materializações de contingências identificadas no curso dos processos de due diligence ou decorrentes de atos praticados ainda durante a gestão dos antigos acionistas. Deste modo, os valores referentes ao escrow ficam depositados em uma
conta de movimentação restrita (e de titularidade de vendedores ou compradores, conforme acordado entre as partes), sendo que, caso as contingências em questão se materializem, os recursos são destinados à suportá-las.
A necessidade de análise técnica por expert surge quando há controvérsia sobre o valor, a responsabilidade ou a materialização de determinada contingência. Nestes casos, a contabilidade e os documentos de suporte dos registros contábeis são relevantes, pois dão lastro às comprovações demandadas pelas partes.
Observa-se que, para este trabalho, a contabilidade, apesar de importante fornecedora de dados, não é fonte exclusiva de informações, havendo necessidade de exame de documentos outros que auxiliarão no deslinde da controvérsia entre as partes.
Isto porque, em relação ao valor incorrido, vê-se como necessária a aferição do exato montante e da data em que os valores foram pagos e representaram uma redução patrimonial para a empresa vendida. Para essa comprovação, a fonte de dados é a contabilidade e os comprovantes dos pagamentos realizados.
A responsabilidade do vendedor em indenizar pela perda incorrida é aferida mediante o exame dos períodos relativos aos fatos geradores da perda. Por exemplo, em perdas com origem em processos trabalhistas, há a necessidade de exame dos valores pagos para cada verba objeto da condenação sofrida, uma vez que cada um deles pode se referir a diferentes períodos.
Esta análise resulta em identificação de: i) responsabilidade integral do vendedor, ii) responsabilidade integral do comprador ou iii) responsabilidade compartilhada, ocasião em que se torna importante atribuir um percentual de responsabilidade para cada parte.
Para essa comprovação, a fonte de dados é a cópia dos processos judiciais, informação extracontábil.
A confirmação da materialização das contingências também é importante pois, pode haver situações em que se tem uma perda incorrida mas ela ainda não é definitiva, como no caso de depósitos judiciais que irão garantir a interposição de recursos em determinado processo judicial, os quais podem ser destinados, ao final do processo, como pagamento ao autor da ação
– caso em que a perda da empresa se materializa – ou retornarem para a empresa no caso dela se sagrar exitosa na ação – caso em que não há a configuração da perda.
Para essa comprovação, a fonte de dados também é a cópia dos processos judiciais, informação extracontábil.
As partes podem definir outras regras no contrato e que podem dar ensejo a discussões posteriores, como no caso de obrigação do comprador notificar o vendedor sobre novas contingências em intervalo temporal determinado.
Para essa comprovação, a fonte de dados é a cópia das notificações trocadas entre as partes, novamente informação extracontábil.
Por fim, o resultado do trabalho técnico consiste na apuração dos valores que poderão consumir parcela do preço, sejam estas parcelas vinculadas ao formato holdback ou escrow accounts, a depender da decisão de mérito proferida pelo julgador.
6 RETIFICAÇÃO DE PREÇO: A CONSEQUÊNCIA DA IDENTIFICAÇÃO DE XXXXX
Retificar tem como significado corrigir algo. Segundo dicionário Xxxxxxxx (2010, p.1.834),
Retificar […] 2. Corrigir, emendar.
Retificado […] 1. Expurgado de erros ou defeitos; emendado, corrigido.
A retificação dos registros contábeis segue no mesmo sentido. Segundo Xx (2009, p. 432),
RETIFICAÇÃO DE REGISTROS – O mesmo que retificação de lançamento; correção de um fato escriturado. (g.n.)
RETIFICAÇÃO DE LANÇAMENTO – Correção de um lançamento; acerto de um lançamento; regularização dos registros contábeis em um lançamento.
No contexto de venda e compra de empresas, tem-se um fato não conhecido na data da venda que, se tivesse sido conhecido àquela data, teria condão de modificar o preço de venda do negócio celebrado entre as partes.
No contexto jurídico, surgem discussões relacionadas à existência de vícios, dolo e pressupostos de boa-fé objetiva.
Para o contexto contábil e econômico, remanescem as questões de quantificação da afetação patrimonial da empresa e do impacto no preço de venda.
6.1 As declarações e garantias fornecidas pelo vendedor como porta de entrada para Indenizações decorrentes de Retificação de Preço
As cláusulas de declarações e garantias (em inglês, as Representations & Warranties) prestadas pelo vendedor acerca da situação da empresa na data da venda assumem importante papel nos litígios e acabam atuando como uma porta de entrada para indenizações decorrentes de Retificação de Preço.
Segundo Xxxxxx (2014), se as declarações e garantias não estiverem condizentes com a realidade, pode haver a necessidade de revisão das condições contratuais, inclusive do Preço acordado, podendo levar até ao desfazimento do negócio celebrado.
De acordo com Xxxxx (2018), as garantias correspondem a promessas de que um estado de coisas existe, por meio da fixação de características ou qualidades de certo bem ou conjunto de bens, e visam, muitas vezes, assegurar uma determinada equivalência entre prestação e contraprestação.
As declarações e garantias são dadas, e aceitas, dentro de um contexto de boa-fé que, segundo nos ensina Xxxxxxx-Xxxxx (2018), quando adjetivado como boa-fé objetiva aponta para um modelo ou um instituto jurídico, que é examinado pelos Tribunais sob a ótica de violação de um standard comportamental.
O agir segundo a boa-fé objetiva caracteriza as exigências de probidade, correção e comportamento leal hábeis a viabilizar um adequado tráfico negocial, consideradas a finalidade e a utilidade do negócio em vista do qual se vinculam, vincularam, ou cogitam vincular-se, bem como o específico campo de atuação em que situada a relação obrigacional. (XXXXXXX-XXXXX, 2018, p.43)
A ausência das garantias, de forma expressa no contrato, não implica ausência de tutela jurídica cabendo, nestes casos, a verificação sobre o dever de informação do vendedor sobre fato que ele conhecia e que poderia ser modificativo do preço de venda e compra (PIRES, 2018). Dentre as garantias prestadas pelo vendedor há as garantias de balanço – o que se pode ampliar para o conceito de garantia das Demonstrações Contábeis – que, segundo Pires (2018,
p. 73), surgem quando
[…] em regra, o vendedor entrega ao comprador o balanço e aceita a garantia de que “esse balanço foi elaborado de acordo com os princípios e normas contábeis aplicáveis” ou de que “os balanços e demonstrações de resultado da sociedade a [data], foram organizados de acordo com as regras contábeis aplicáveis em Portugal e refletem, de forma adequada, a sua situação financeira, particularmente no que respeita aos seus ativos e passivos. (tradução livre para o português brasileiro).
Os contratos brasileiros tratam do mesmo princípio, ainda que, aqui, as regras aplicáveis sejam as Normas Brasileiras de Contabilidade ou também se usa o termo “BR GAAP”, que representa a aplicação do conjunto de regras, leis e normais que são, geralmente, aceitos no Brasil.
Ainda, Pires (2018) distingue a garantia de balanço das garantias patrimoniais adicionais e das situações sem previsão contratual de uma garantia. A distinção é feita, pois a garantia de
balanço não corresponde a uma garantia de descrição da empresa real na data do balanço, não garantindo, por si só, um certo estado ou qualidade do objeto que está sendo negociado.
Alguns exemplos são dados pela autora que explicam essa diferenciação:
Assim, por exemplo, se um crédito for inscrito de acordo com as regras aplicáveis e o crédito vier a revelar-se incobrável, não haverá desconformidade da garantia. Problemas com a “garantia de balanço” existirão no caso em que se inscreveu no imobilizado corpóreo o valor de um milhão de Euros para certa máquina que, afinal, é defeituosa, valendo apenas duzentos mil Euros, ou a inscrição de um crédito vincendo de certo valor o qual, afinal, já foi satisfeito. Se for inscrito um crédito que não existe, aí haverá em princípio violação da garantia do balanço. (tradução livre para o português brasileiro). (XXXXX, 2018, p. 75)
Pires (2018) define como “balanço falso” as situações em que o balanço viola as regras contábeis aplicáveis à sua data de elaboração, não representando, necessariamente, uma divergência ou falta de conformidade da garantia de balanço à existência do que consta no balanço e a realidade.
Trata-se, portanto, da verificação de existência de uma desconformidade normativa.
Há, porém, uma limitação da garantia que é citada pela autora: a ideia de que, só existirá violação desta garantia se a desconformidade normativa for perceptível por um comerciante diligente e ordenado, ou seja, se as regras contábeis tiverem sido violadas, mas os registros contábeis forem “defensáveis aos olhos de um comerciante diligente”, ainda que no futuro venham revelar existir uma desconformidade.
Isto porque, segundo Pires (2018)
A ideia central será, em cenários de incerteza, tutelar o comerciante, que não estará obrigado a uma verificação especializada, nem suportar na sua esfera os riscos de uma falha do auditor, salvo declaração em contrário. (tradução livre para o português brasileiro)
A autora, porém, traz uma referência introduzida por Tribunal de segunda instância em Francoforte, em sentença proferida em 7 de maio de 2016, sobre a distinção entre “garantia de balanço forte” e “garantia de balanço fraca”.
Naquele caso, a garantia dada fazia referência a balanço elaborado de acordo com o cuidado de um comerciante ordenado e de acordo com os princípios de contabilidade, mas mencionava também que o balanço refletia um retrato de fato da situação patrimonial e
financeira da sociedade. Assim, tratava-se de uma “garantia forte”, à medida que a expectativa do comprador quanto a estes aspectos teria sido relevante para a decisão de compra e quanto à formação do preço.
Segundo ela,
A contraposição entre “garantia forte” e “garantia fraca”, embora distinta, é vizinha, pelo menos conceitualmente, da contraposição entre “garantia objetiva” e “garantia subjetiva”, na medida em que a primeira corresponde a uma garantia do vendedor quanto a um balanço completo e objetivo e a segunda diz respeito a uma garantia de que o balanço foi elaborado com o cuidado de um comerciante ordenado e de acordo com as regras contábeis aplicáveis. (tradução livre para o português brasileiro)
Por fim, Pires (2018) conclui dizendo que, além da necessidade de se verificar o sentido da garantia, é necessário também verificar se, e em que medida, a determinação do valor de compra da empresa deu-se por expectativa de receita e em que medida se baseou nos valores do balanço, ou seja, necessário conhecer a formação do preço e como ele poderia ter sido influenciado pelos valores do balanço e pelas consequências da garantia de balanço.
Portanto, o que se constata é que há muitas discussões no contexto jurídico que gravitam em torno de temas contábeis, havendo necessidade de aprofundamento destes para a correta elucidação e caracterização de eventuais desconformidades normativas que possam resultar na necessidade de se revisitar a apuração inicial do preço.
6.2 O conjunto das demonstrações contábeis como fonte de informação
A função da contabilidade é fornecer informações úteis sobre a posição patrimonial e financeira da empresa para os usuários da informação.
Neste contexto, tem-se que, de acordo com a norma de contabilidade NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL, o objetivo das demonstrações contábeis é:
[...] fornecer informações financeiras sobre os ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas e despesas da entidade que reporta que sejam úteis aos usuários das demonstrações contábeis na avaliação das perspectivas para futuros fluxos de entrada de caixa líquidos para a entidade que reporta e na avaliação da gestão de recursos da administração sobre os recursos econômicos da entidade.
As informações são apresentadas por um conjunto de Demonstrações Contábeis que, segundo o item 3.3 da mesma norma, é composto pelos seguintes demonstrativos:
a) balanço patrimonial, que contém a posição dos ativos, passivos e patrimônio líquido;
b) demonstração do resultado e na demonstração do resultado abrangente, em que são apresentadas as receitas e despesas de determinado período; e
c) outras demonstrações e notas explicativas, que apresentam e divulgam informações
sobre:
i) ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas e despesas reconhecidos, incluindo informações sobre sua natureza e sobre os riscos resultantes desses ativos e passivos reconhecidos;
ii) ativos e passivos que não foram reconhecidos, incluindo informações sobre sua natureza e sobre os riscos resultantes deles;
iii) fluxos de caixa;
iv) contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio e distribuições a eles; e
v) os métodos, premissas e julgamentos utilizados na estimativa dos valores apresentados ou divulgados, e mudanças nesses métodos, premissas e julgamentos.
Conhecer a composição do conjunto das Demonstrações Contábeis é importante, uma
vez que a contabilidade é fonte de informações relevantes e que podem ter contribuído para a formação do preço de venda e compra da empresa.
6.2.1 Distinção entre impactos decorrentes da identificação de erros na escrituração contábil, mudança de estimativas contábeis e obscuridade na forma de apresentação da contabilidade
Conforme relatado por Xxxx (2021), até a aprovação em 2009 da Norma Brasileira de Contabilidade NBC TG 23 (R2), que trata sobre Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, o tratamento dado a erros, omissões e mudanças de políticas contábeis era de reconhecimento dos seus efeitos como ajustes de exercícios anteriores, no Patrimônio Líquido da empresa.
Com a implementação da norma, os erros e omissões de períodos anteriores passaram a ser ajustados no exercício corrente em que se identificou tal ocorrência, no Patrimônio Líquido, em Lucros e Prejuízos Acumulados.
Outra exigência foi a reapresentação retrospectiva, com a reelaboração das Demonstrações Contábeis.
Segundo consta na NBC TG 23 (R2), o objetivo é “melhorar a relevância e a confiabilidade das demonstrações contábeis da entidade, bem como permitir sua comparabilidade ao longo do tempo com as demonstrações contábeis de outras entidades”.
Portanto, tem-se esta norma como relevante para o contexto dos contratos de venda e compra de empresas, uma vez que, tendo sido detectados erros de exercícios anteriores, ou sendo necessárias alterações na política ou nas estimativas contábeis, elas devem ser informadas ao mercado mediante informações nas demonstrações contábeis da empresa.
Uma vez que se tenha esta informação, o ponto subsequente será identificar o impacto no preço acordado entre as partes.
Torna-se importante para a adequada compreensão desta norma de contabilidade, e de sua extensão, que se tenha claras as definições dos termos técnicos “erros de períodos anteriores” e “mudança nas estimativas contábeis”.
Estas definições constam no item 5 da norma, e dada sua relevância para o presente trabalho, são objeto de transcrição a seguir:
Erros de períodos anteriores são omissões e incorreções nas demonstrações contábeis da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou uso incorreto, de informação confiável que:
(a) estava disponível quando da autorização para divulgação das demonstrações contábeis desses períodos; e
(b) pudesse ter sido razoavelmente obtida e levada em consideração na elaboração e na apresentação dessas demonstrações contábeis.
Tais erros incluem os efeitos de erros matemáticos, erros na aplicação de políticas contábeis, descuidos ou interpretações incorretas de fatos e fraudes.
Mudança na estimativa contábil é um ajuste nos saldos contábeis de ativo ou de passivo, ou nos montantes relativos ao consumo periódico de ativo, que decorre da avaliação da situação atual e das obrigações e dos benefícios futuros esperados associados aos ativos e passivos. As alterações nas estimativas contábeis decorrem de nova informação ou inovações e, portanto, não são retificações de erros.
Observa-se, neste contexto, que há uma grande distinção entre os termos mudança na estimativa contábil e identificação de erros de exercícios anteriores.
Enquanto o primeiro se refere a alterações contábeis decorrentes de informações atuais da empresa e expectativas em relação ao futuro, o segundo se refere a alterações contábeis decorrentes de imperfeições de registro e mensuração de fatos passados.
Este aspecto temporal é importante, pois nos dois casos há uma mudança contábil e uma perda de comparabilidade com as demonstrações contábeis divulgadas anteriormente, mas nem sempre acarretará Retificação do Preço por imperfeição da informação contábil que deu base ao preço acordado entre as partes.
Rios (2021) informa que erros e omissões são constatáveis nos registros e nas mensurações que dão origem a Demonstrações Contábeis que não estão representadas fidedignamente, podendo ocorrer por efeitos de erros matemáticos, erros de aplicação de políticas contábeis, fraudes, dentre outros.
As estimativas contábeis são utilizadas para a avaliação de alguns ativos e passivos da empresa, para os quais não há informação existente impedindo a mensuração com precisão, sendo essa a condição essencial para a utilização de estimativas contábeis.
32. Como consequência das incertezas inerentes às atividades empresariais, muitos itens nas demonstrações contábeis não podem ser mensurados com precisão, podendo apenas ser estimados. A estimativa envolve julgamentos baseados na última informação disponível e confiável. Por exemplo, podem ser exigidas estimativas de:
(a) créditos de liquidação duvidosa;
(b) obsolescência de estoque;
(c) valor justo de ativos financeiros ou passivos financeiros;
(d) vida útil de ativos depreciáveis ou o padrão esperado de consumo dos futuros benefícios econômicos incorporados nesses ativos; e
(e) obrigações decorrentes de garantias. (NBC TG 23 (R2))
Observa-se, porém, que se trata de uma autorização condicionada apenas aos casos em que não é possível a mensuração com precisão e a empresa deve se certificar de que o seu julgamento se deu com base na última informação disponível e confiável.
Assim, a utilização de estimativas contábeis, desde que razoáveis e devidamente informadas, não diminuem a confiabilidade das demonstrações contábeis.
Na mesma linha, Rios (2021) conceitua estimativas contábeis como sendo julgamentos realizados acerca da mensuração de determinados itens das Demonstrações Contábeis, com base em informações e fatos disponíveis naquele momento para a entidade.
Diante de novos fatos, as estimativas podem ser ajustadas, apenas prospectivamente.
A aplicação de novas políticas contábeis às demonstrações contábeis correntes, denominada pela NBC TG 23 (R2) de “aplicação prospectiva”, está relacionada a uma visão de presente e futuro em relação à aplicação de nova política contábil adotada.
Aplicação prospectiva de mudança em política contábil e de reconhecimento do efeito de mudança em estimativa contábil representa, respectivamente:
(a) a aplicação da nova política contábil a transações, a outros eventos e a condições que ocorram após a data em que a política é alterada; e
(b) o reconhecimento do efeito da mudança na estimativa contábil nos períodos corrente e futuro afetados pela mudança.
Neste contexto, importante que se apresente também os conceitos de “aplicação retrospectiva” e “reapresentação retrospectiva”, sendo o objetivo de ambas permitir a comparabilidade das Demonstrações Contábeis atuais com as Demonstrações Contábeis de períodos anteriores, porém, havendo diferença entre a origem da informação do passado alterada.
Enquanto a aplicação retrospectiva tem relação com a mudança nas estimativas contábeis, a reapresentação retrospectiva se refere à consequência da identificação de erros de períodos anteriores.
Seguem as definições contidas na NBC TG 23 (R2):
Aplicação retrospectiva é a aplicação de nova política contábil a transações, a outros eventos e a condições, como se essa política tivesse sido sempre aplicada.
Reapresentação retrospectiva é a correção do reconhecimento, da mensuração e da divulgação de valores de elementos das demonstrações contábeis, como se um erro de períodos anteriores nunca tivesse ocorrido.
Rios (2021) informa que as informações sobre períodos anteriores devem ser retificadas para períodos tão antigos quanto for praticável.
Importante também a definição das políticas contábeis, que abrangem todo o conjunto normativo que a empresa deve seguir, bem como as práticas e estimativas adotadas pela administração, uma vez que as Demonstrações Contábeis são uma declaração do administrador em relação às modificações patrimoniais ocasionadas pelos fatos econômicos vivenciados pela empresa:
Políticas contábeis são os princípios, as bases, as convenções, as regras e as práticas específicas aplicados pela entidade na elaboração e na apresentação de demonstrações contábeis. (NBC TG 23 (R2))
Segundo Xxxx (2021), as políticas contábeis são escolhas contábeis.
Estas escolhas contábeis, porém, não são livres, podendo ser adotadas dentro da banda permitida pelas normas, princípios e convenções contábeis aplicáveis à data da escrituração contábil.
Ainda que aparentemente possam ser interpretadas como sinônimos, as políticas contábeis se referem à aplicação de todo o conjunto doutrinário e normativo, enquanto as práticas contábeis se referem às aplicações das políticas contábeis adotadas pela empresa.
Práticas contábeis brasileiras compreendem a legislação societária brasileira, as Normas Brasileiras de Contabilidade, emitidas pelo Conselho Federal de Contabilidade, os pronunciamentos, as interpretações e as orientações emitidos pelo CPC e homologados pelos órgãos reguladores, e práticas adotadas pelas entidades em assuntos não regulados, desde que atendam à NBC TG ESTRUTURA CONCEITUAL – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro emitida pelo CFC e, por conseguinte, em consonância com as normas contábeis internacionais. (NBC TG 26 (R5))
Por fim, há, ainda, que se tratar de informações contábeis que se apresentam com obscuridade e que podem levar os usuários da informação contábil, no caso do presente estudo, o comprador, a serem induzidos a uma interpretação sobre ativos, passivos e posição patrimonial que não correspondem efetivamente à realidade da empresa.
De acordo com a NBC TG 26 (R5), a obscuridade não se refere a uma omissão ou erro, mas sua consequência pode ser equivalente à existência de uma omissão ou erro.
A informação é obscura se for comunicada de forma que teria efeito semelhante, para os usuários primários das demonstrações contábeis, à omissão ou ao erro dessa informação.
Seguem-se exemplos de circunstâncias que podem resultar na ocultação de informações relevantes:
(a) as informações relativas ao item, transação ou outro evento relevante são divulgadas nas demonstrações contábeis, mas a linguagem utilizada é vaga ou pouco clara;
(b) as informações relativas ao item, transação ou outro evento relevante estão dispersas nas demonstrações contábeis;
(c) itens distintos, transações ou outros eventos são agregados de forma inadequada;
(d) itens similares, transações ou outros eventos são desagregados inadequadamente; e
(e) a compreensibilidade das demonstrações contábeis é reduzida como resultado de informações materiais ocultas por informações imateriais, na medida em que o usuário principal não consegue determinar quais informações são relevantes.
Assim, constata-se que a identificação das razões pelas quais houve a mudança de prática contábil pode ter influência significativa em relação à necessidade, ou não, de Retificação do Preço de venda e compra de uma determinada empresa.
Isto porque, algumas situações podem ocorrer, levando a consequências distintas:
i) Existência de erros decorrentes de omissão ou distorção na informação contábil: casos em que, se o preço foi influenciado pela contabilidade que continha erro, há a necessidade de Retificação de Preço;
ii) Mudança de estimativas contábeis: há duas situações distintas a serem consideradas:
a. trata-se de alteração no julgamento do administrador em relação aos fatos econômicos que resultam em impactos financeiros e patrimoniais presentes e futuros, não importando em erro no julgamento da informação passada se a informação disponível, à época, era confiável, de forma que não há Retificação de Preço a ser feita;
b. a informação utilizada, à época, como fundamento para o julgamento da administração anterior não era confiável e estava eivada de erros ou distorções, de forma que, se corrigido o erro ou distorção anterior, o resultado do julgamento nunca poderia ter sido aquele adotado à época; situação que se enquadra no item i) anterior;
iii) A contabilidade apresenta informações contaminadas por obscuridade: nestes casos, há necessidade de avaliação sobre o impacto na formação do preço, sobre as características do comprador diligente e sobre as responsabilidades do vendedor em relação a aspectos jurídicos de dolo e culpa.
Há uma dúvida que assola o mercado que se serve das Demonstrações Contábeis para fechamento dos negócios de venda e compra de empresas e que se refere a possibilidade de que operações sejam objeto de registros contábeis de uma ou outra forma sem que, nem uma e nem a outra forma, estejam incorretas.
Trata-se da utilização de discricionariedade/julgamentos/interpretação pelo administrador em relação aos registros contábeis e que, com a mudança da administração pela venda e compra da empresa, pode gerar conflitos na interpretação da nova administração sobre a forma como determinado ativo ou passivo deveria ter sido contabilizado, ou seus parâmetros de quantificação, cujo resultado poderia interferir na precificação daquela empresa.
A primeira consideração a ser feita sobre este assunto é de que o objetivo principal da contabilidade é fornecer informações para que cada usuário possa tomar decisões e realizar seus julgamentos com segurança (IUDÍCIBUS, 2021). Neste grupo de usuários da informação contábil, estando incluídos aqueles que utilizam as informações contábeis para processos de venda e compra de empresas.
Assim, o fornecimento de informações adequadas e completas pelo vendedor, e o levantamento de dúvidas e pedidos de informações pelo comprador, em data anterior à assinatura do contrato podem auxiliar nesse processo.
Aqui há um papel muito importante desempenhado nos processos de due dilligence realizados em data prévia ao fechamento do negócio, pois a due dilligence contábil é realizada por profissional com conhecimento na área que tem a missão de entender as políticas e práticas da empresa-alvo e transmiti-las em linguagem compreensível para quem não tem o conhecimento específico, mas que irá tomar decisões ou escrever os termos do contrato.
Portanto, uma participação ativa de profissional com conhecimento contábil na fase de negociações e fechamento do negócio, pode ajudar a resolver, previamente, muitas discussões que são travadas apenas após o fechamento do negócio, o que pode resultar em economia de tempo e recursos.
Há, algumas informações que são norteadoras dos registros contábeis que merecem ser observadas neste processo.
Além do objetivo da contabilidade, já tratado acima, tem-se que o objeto da contabilidade é o patrimônio e suas variações quantitativas e qualitativas. Iudícibus (2021, p. 52), nos ensina que “Sempre que houver discrepância entre a forma jurídica de uma operação
a ser contabilizada e sua essência econômica, a Contabilidade deverá privilegiar a essência sobre a forma.”
Há regras específicas para que ativos e passivos sejam mensurados a valor justo, ou seja, para que sejam quantificados de acordo com o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração (NBC TG 46 (R2)).
Contudo, o contador deve observar também o princípio do conservadorismo, pelo qual, “entre duas ou mais alternativas igualmente relevantes, o contador escolherá aquela que apresentar menor valor para o ativo ou para o lucro e/ou maior valor para o passivo.” (IUDICIBUS, 2021, p. 50)
Assim, há, sim, a possibilidade de utilização de julgamentos/discricionariedade, porém, esta decisão precisa estar inserida na banda permitida pelas Normas Brasileiras de Contabilidade, para que não se incorra em erro, o qual tem tratamento contábil específico e possibilidade de consequências jurídicas no âmbito de venda e compra de empresas.
Mas como alguém que não tem profundo conhecimento da área contábil pode identificar e distinguir uma situação da outra, apenas com o exame das Demonstrações Contábeis?
Entende-se, aqui, que a análise sobre as políticas adotadas pela empresa-alvo pode auxiliar muito nesse processo de conhecimento da contabilidade. Isto porque, por meio da descrição das políticas contábeis, se bem elaboradas, estará a informação de quais são os parâmetros e normas adotados, bem como as informações sobre as contas contábeis que utilizam estimativas e por qual critério elas foram calculadas, como no caso das provisões para perdas de estoque, provisões para créditos de liquidação duvidosa, entre outros.
Por meio da comparação das políticas contábeis de diferentes exercícios – como nos casos do balanço base e do balanço de fechamento – é que se identifica se houve mudança de prática contábil, que pode ter afetação no preço de venda e compra da empresa.
Em uma empresa em continuidade, a alteração de políticas contábeis e de estimativas contábeis não representam incorreção das Demonstrações Contábeis, tal como ocorre com a constatação de erro ou fraude.
A distinção entre estes eventos foi tratada no item anterior, mas ainda pode ser complementada pelas seguintes bibliografias:
Mudança na estimativa contábil:
uma estimativa envolve julgamento baseado na última informação disponível e confiável, que pode necessitar de revisão em virtude de alterações nas circunstâncias
em que tal estimativa se baseou, por estarem disponíveis novas informações ou por maior experiência adquirida posteriormente. Neste sentido, uma revisão de estimativa não se relaciona com anteriores e nem é retificação de erros. (CPC 23, apud XXXXXXXX, 0000, p. 518)
Nos casos em que há mudança na estimativa contábil, o ajuste é apenas prospectivo. Mudança na política contábil:
“A mudança de política contábil pode resultar de duas situações: (a) exigida por norma, pronunciamento, interpretação ou orientação; ou (b) mudança voluntária que resulte em informação mais confiável e mais relevante para melhor apresentação dos efeitos de transações ou de outros eventos na posição patrimonial e financeira da entidade, no seu desempenho e na sua movimentação financeira.” (GUELBCKE, 2021, p. 519)
Nos casos em que há mudança da política contábil, é necessário o ajuste retrospectivo de forma a se garantir a comparabilidade dos períodos.
Identificação de erros de períodos anteriores:
Erros de períodos anteriores são omissões e incorreções nas demonstrações contábeis da entidade de um ou mais períodos anteriores decorrentes da falta de uso, ou isso incorreto, de informação confiável que: (a) estava disponível quando da autorização para divulgação das demonstrações contábeis desses períodos; e (b) pudesse ter sido razoavelmente obtida e levada em consideração na elaboração e n apresentação dessas demonstrações contábeis. (CPC 23, apud GELBCKE, 2021, p. 518)
Nos casos em que há identificação dos erros de períodos anteriores, é necessário o ajuste retrospectivo para o período mais antigo possível. Ainda que o entendimento dos conceitos seja de grande valia, a existência e a forma de impacto sempre serão resolvidas pela análise do caso concreto.
Isto porque, há grande discussão acerca destes temas no contexto da venda e compra de empresas, pois, ainda que determinado evento possa não representar irregularidade ou incorreção contábil, uma mudança de política contábil ou de estimativa pode ter uma consequência jurídica de afetação do preço ou de necessidade de indenização.
Para estes casos, o estudo da casuística é mandatório, pois não haverá regra geral como no caso de erro ou fraude, situações em que, com maior facilidade, se identifica o impacto do exercício em análise e de exercícios anteriores.
7 O QUE SE TEM PESQUISADO SOBRE O TEMA
As pesquisas na área das Ciências Contábeis sobre perícias contábeis em avaliações de empresas não são específicas para tratar de Ajuste de Preço, Retificação de Preço e Indenizações.
Há pesquisas relacionadas a métodos de avaliação de empresas, com o objetivo de discutir a valoração de uma empresa, em que se busca discutir o valor justo das empresas com um espectro amplo de finalidade, como fusões/incorporações, processos de herança, venda e compra, dissolução de sociedades, etc.
No que tange às avaliações para a finalidade venda e compra, o que se tem pesquisado sobre o tema está direcionado ao fornecimento de parâmetros de valor justo para o acionista participar de processos de negociação, sendo este um estudo mais direcionado às matérias de finanças, denominados como processos de valuation.
Ainda que haja alguma ligação com o objeto da presente pesquisa, trata-se de objetivos diferentes, uma vez que o presente estudo trata dos métodos de avaliação apenas do sentido de conhecer a matriz de uma precificação já realizada e, em sendo necessária a realização de Retificação de Preço, seja realizada nas mesmas bases acordadas pelas partes, sem a realização de uma nova precificação em parâmetros livres da empresa.
O conhecimento dos métodos de avaliação existentes no mercado e suas características, sem dúvida, dá ao perito contador um Know How que pode auxiliar na realização da perícia contábil sobre Ajuste de Preço, Retificação de Preço ou apuração de Indenizações pós-venda e compra da empresa, porém, não é o foco principal deste trabalho.
Foram também localizadas pesquisas relacionadas a qual método de avaliação deve ser utilizado para casos de apuração de haveres de sócios em dissoluções de sociedades, tema este diferente do tratado nesta pesquisa.
A diferença se dá, nestes casos, em virtude da finalidade de cada avaliação. Enquanto na venda e compra de empresas, realizada entre entes privados negociando livremente, o que se compra é uma expectativa de geração de caixa futuro, na dissolução de sociedades há em evento coercitivo de retirada de um sócio que deve receber pelo que contribuiu para a sociedade até a data da saída, não envidando mais esforços para a geração de caixa futuro.
Portanto, ainda que se trate, nos dois casos, de temas relacionados à avaliação de sociedades, as diferenças na finalidade de um e de outro os distancia diametralmente.
Neste contexto, apresenta-se no quadro abaixo, algumas pesquisas recentes com a indicação dos temas e finalidades de cada pesquisa:
Quadro 5 – artigos de pesquisas sobre avaliação de empresas
Periódico | Título | Finalidade |
Revista Catarinense da Ciência Contábil - jan-abr/18 - XXXX 0000-0000 - eISSN 2237-7662 | Avaliação de Empresas: Aspectos Objetivos na Verificação de Valor Econômico de Ativos Intangíveis | O artigo teve como finalidade discutir aspectos objetivos na determinação de valor econômico para os elementos intangíveis criados pela empresa. Foi realizado estudo de caso envolvendo empresa de capital fechado, de médio porte, que atua na área de autopeças. |
TENDENCIAS Revista de la Facultad de Ciencias Económicas y Administrativas. Universidad de Nariño ISSN 0124-8693 ISSN-E 2539-0554 2º Semestre 2017 | Breves Consideraciones Acerca De Los Métodos de Valoración de Empresas | A finalidade foi estudar as vantagens e desvantagens dos métodos de avaliação, com estudo sobre métodos de avaliação contábil, como valor patrimonial, bem como métodos de avaliação denominados como mistos por tratarem de elementos contábeis e econômicos, tratando, em especial, das variações relacionadas ao Fluxo de Caixa Descontado |
REVISTA AMBIENTE CONTÁBIL Universidade Federal do Rio Grande do Norte ISSN 2176-9036 jul./dez. 2017 | Um Estudo Sobre As Práticas De Avaliação De Empresas Pelos Contadores Cadastrados Na Associação De Peritos Judiciais Do Estado De Pernambuco - APJEP | O estudo teve como objetivo analisar quais os métodos mais comuns utilizados pelos Contadores cadastrados na Associação de Peritos Judiciais do Estado de Pernambuco quando da avaliação de empresas. A pesquisa demonstrou que apenas 8,33% da pesquisa estaria voltada para venda de empresas, todas de médio porte, e cujo método de avaliação mais utilizado foi o Fluxo de Caixa Descontado. |
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 10, nº 4, p. 47-59, outubro/dezembro 2003 | Métodos de Avaliação de Empresas e o Balanço de Determinação | O estudo teve como objetivo examinar os métodos de avaliação de empresas, com ênfase no método do Fluxo de Caixa Descontado, e a comparação com o Balanço de Determinação, utililizado em processos de apuração de haveres. |
Sustainability 2020, 12, 2699; doi:10.3390/su12072699 | Modern Methods of Business Valuation—Case Study and New Concepts | O artigo apresenta os objetivos da avaliação da empresa e as fases características da vida da empresa em que tal avaliação é necessária. |
Redeca, v.6, n.1. Jan-Jun. 2019 p. 85-105 | Avaliações De Empresas Brasileiras De Tecnologia Da Informação Com Ações Na B3 | O artigo teve como objetivo apresentar os diversos métodos de avaliação de empresas utilizados afim de realizar uma comparação do valor do mercado em relação ao valor contábil, utiliznado a base de empresas de tecnologia da informação listadas na B3 no período de 2009 a 2014 |
Fonte: Elaborado pela Autora.
Ainda que se possa haver pesquisas relacionadas a métodos de avaliação de empresas, não se localizou estudos que tenham por finalidade a contribuição pretendida com o presente trabalho, que é de reunir conceitos contábeis, econômicos e jurídicos que são tratados em perícias contábeis que discutem Ajuste de Preço, Retificação de Preço e apuração de Indenizações, bem como demonstrar casuísticas que não estão acessíveis para consulta pública, disseminando e compartilhando conhecimento sobre esta área.
8 METODOLOGIA DA PESQUISA
Neste trabalho foi utilizada a abordagem qualitativa para estudo de casos relacionados aos temas tratados nos capítulos anteriores.
O estudo de casos será realizado com o estudo de três litígios que versaram sobre questões de Ajuste de Preço, Retificação de Preço ou pleito de Indenizações.
Trata-se de litígios complexos pela natureza dos temas discutidos e pelos valores envolvidos.
8.1 Premissas da pesquisa de estudo de caso
De acordo com Xxx (2015), a pesquisa de estudo de caso é numa das várias maneiras de realizar uma pesquisa no campo das ciências sociais, estando incluída o grupo de possibilidades de pesquisa com experimentos, levantamentos, histórias e análise de arquivos, como modelagens econômica e estatística.
A pesquisa de estudo de caso, como leciona o mesmo autor, se apresenta como melhor alternativa em situações em que:
1) As principais questões da pesquisa são “como?” Ou “por que?”;
2) Um pesquisador tem pouco ou nenhum controle sobre eventos comportamentais; e
3) O foco de estudo é um fenômeno contemporâneo (em vez de fenômeno completamente histórico).
Assim, tem-se uma investigação do fenômeno contemporâneo - o caso - em seu contexto no mundo real.
Neste contexto, os casos objeto do presente estudo tem a característica de serem casos reais e contemporâneos, cujo foco do estudo é examinar o tratamento dado aos temas técnicos de natureza contábil no cenário das compras e vendas de empresas.
Assim, entende-se que a pesquisa de estudo de casos é, de fato, a melhor alternativa para o exame destes fenômenos, tendo em vista tratar-se de estudo de eventos comportamentais e que atende aos três requisitos delimitados por Xxx (2015).
8.2 Aspectos introdutórios e delimitação dos casos de estudo
O acervo dos casos objeto deste estudo se encontra arquivado junto ao escritório de perícias Simonaggio Perícias Contábeis e em Economia S/S Ltda (Simonaggio Certeza Técnica), do qual a mestranda é sócia desde 2012.
Trata-se de casos em que a Simonaggio Certeza Técnica foi contratada por um dos polos litigantes, vendedor ou comprador, ou por ambos em caso de nomeação pelo Tribunal Arbitral, para atuação em perícia que discutiu com profundidade técnica os conceitos contábeis decorrentes da venda e compra entabulada entre as partes e objeto do litígio.
A escolha dos casos, objeto do presente estudo, obedeceu aos seguintes requisitos de pesquisa: i) trata-se de litígios que contaram com a atuação da Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Técnica nas perícias e, por isso, fazem parte do seu acervo técnico, ii) a pesquisadora teve participação ativa nestas perícias na qualidade de profissional integrante da equipe da Simonaggio Certeza Técnica, e iii) os temas técnicos discutidos nos respectivos procedimentos arbitrais tem relação com os conceitos tratados nos capítulos anteriores.
8.2.1 O dever de sigilo em relação aos dados dos casos estudados
Inicialmente, pensou-se em apenas omitir dados das partes, mantendo as informações analíticas sobre o negócio realizado, porém, ainda assim estaria sujeito à aplicação das penalidades por quebra de sigilo, uma vez que os dados do negócio, do setor, e outras informações que pudessem ser apresentadas, revelariam as partes que realizaram aquele negócio.
Chegou-se a repensar toda a base de pesquisa, cogitando-se a não utilização dos dados de arbitragens para o presente trabalho acadêmico. Contudo, considerando a contribuição proporcionada pela divulgação e, considerando que a confidencialidade aplicada ao procedimento arbitral alcança os dados das partes e do negócio envolvido, entende-se que se pode tratar apenas das premissas e conceitos técnicos que foram tratados no caso e, que para fins acadêmicos, como é o caso da presente dissertação, é a finalidade que se busca.
A não divulgação das informações das partes litigantes e dados específicos da negociação não prejudicará o objetivo desta pesquisa, que é descrever as premissas técnicas, como elas foram tratadas no âmbito das perícias contábeis e como o Tribunal Arbitral decidiu sobre elas. Tal modelo de trabalho também não diminui a confiabilidade dos dados, pois se trata de casos reais que são mantidos no acervo técnico dos casos trabalhados pela Simonaggio Certeza
Técnica, mas que não podem ser divulgados na íntegra.
8.3 A apresentação dos casos estudados
Foi realizado o estudo de três casos de procedimentos arbitrais que trataram sobre Ajuste de Preço e Retificação de Preço, cujos temas técnicos levados à perícia contábil demonstram a necessidade de o perito contador conhecer, de forma aprofundada, os conceitos contábeis e também ter um conhecimento razoável sobre metodologias de avaliação de empresas, tendo, assim, condições de oferecer a melhor solução técnica para cada caso.
Seguem os dados dos casos objeto do estudo:
Quadro 6 – Dados da pesquisa realizada
Caso | Tema | Base da precificação | Controvérsia | Temas técnicos examinado pela perícia contábil |
Caso nº 1 | Ajuste de Preço | Múltiplo de EBITDA | O Ajuste de Preço no fechamento deveria considerar itens adicionais àqueles previstos no contrato | O Vendedor pretendia a exclusão no cálculo do EBITDA de determinadas despesas, não relacionadas no contrato como itens de despesas não recorrentes, mas que segundo o entendimento do Vendedor, deveriam ser desconsideradas da apuração para que o EBITDA do ano base refletisse da forma mais fiel possível o resultado recorrente da Empresa-Alvo. |
Caso nº 2 | Retificação de Preço | Valor de Empresa ajustado pela variação do Capital de Giro, Endividamento e Contingências | As Demonstrações Contábeis na data do fechamento conteriam erros que levaram ao cálculo incorreto do Preço | Os erros nas Demonstrações Contábeis se referiam a (i)?Ativo não circulante registrado no grupo do ativo circulante; (ii)?Ativos inexistentes não baixados como perdas; (iii)?Postergação no registro contábil de obrigações vencíveis no curto prazo. |
Caso nº 3 | Retificação de Preço | Desconhecida | Ativos operacionais geradores de caixa futuro cuja inexistência foi omitida pelo Vendedor à época das negociações e, portanto, considerada indevidamente na precificação da empresa. Direito de indenização do Comprador reconhecido em decisão no curso do procedimento arbitral, sendo remetido à perícia para liquidação da sentença. | A liquidação da sentença arbitral demandava retificação do Preço sem que as Partes tivessem revelado informações sobre a metodologia e memória de cálculo do Preço. Assim, o temas técnicos tratados na perícia versaram sobre (i) a identificação da receita operacional que deixou de ser gerada pelos ativos inexistentes, (ii) reconstrução de um modelo adequado de precificação de acordo com os dados estáveis do caso disponíveis, e (iii) comparação entre o preço de cada contrato e o novo preço apurado pela perícia |
Fonte: Elaborado pela Autora.
Observa-se que os negócios de venda e compra de empresas envolvem estruturações complexas, tanto para se chegar ao denominador de preço base e preço ajustado, quanto na
tentativa de previsibilidade de todas as formas de ocorrências posteriores à transferência da empresa e que possam ocasionar prejuízos às partes.
Em consequência, as perícias realizadas nestes casos também se revestiram de complexidade e da necessidade de apresentação de alternativas técnicas para a solução dos litígios.
Desta forma, a partir da fundamentação teórica e dos casos estudados, tem-se condições de responder à pergunta da pesquisa, que foi formulada da seguinte forma:
Quais os conhecimentos específicos que o perito contador precisa deter para realizar perícias contábeis de processos de venda e compra de empresas?
A resposta que me parece mais adequada é a de que o perito contador que atua em perícias contábeis de processos de venda e compra de empresas precisa conhecer profundamente os conceitos contábeis, sendo importante também o estudo de temas econômicos e jurídicos para a realização de perícias contábeis que discutem Ajuste de Preço, Retificação de Preço e Indenizações por quebra de declarações e garantias.
Detidos estes conhecimentos de caráter geral, a aplicação se dá seguindo as características de cada casuística.
9 ANÁLISE SOBRE O RESULTADO DA PESQUISA
Este capítulo é reservado à apresentação de dados dos casos pesquisados e para apresentação das opiniões pessoais desta acadêmica em cada um dos estudos de caso.
9.1 Estudo de Caso nº 1
a) O caso
No caso em tela, o preço de venda da Empresa-Alvo foi definido por meio de Múltiplo de EBITDA, com previsão para Ajuste de Preço no fechamento para a confirmação do valor do EBITDA Ajustado.
Como anexo do contrato, constou a descrição dada pelas Partes em relação ao EBITDA Ajustado, tendo sido acordado que o EBITDA do ano base deveria ser calculado com base nas Demonstrações Financeiras Auditadas ao final daquele exercício, com ajustes de boa-fé para resultados, receitas, despesas e custos não recorrentes para que o EBITDA do ano base refletisse, da forma mais fiel possível, o resultado recorrente da Empresa-Alvo naquele exercício.
No anexo do contrato foram elencados os ajustes que desde o início foram acordados como não recorrentes para a definição do EBITDA Ajustado.
Após o fechamento, as Partes não chegaram a um consenso sobre os Ajustes de Preço para definição do EBITDA Ajustado.
Os ajustes de EBITDA que restaram controvertidos entre as Partes diziam respeito a temas de não recorrências, normalização e sinergia, e decorriam do entendimento de cada Parte acerca dos ajustes de despesas não recorrentes que haviam sido relacionados no anexo do contrato.
Estes temas tornaram-se relevantes no contexto daquele negócio pois houve uma fusão entre a Empresa-Alvo e a Empresa Investida, com uma consequência de readequação das despesas com impacto para os resultados futuros, o que atinge a precificação da Empresa-Alvo uma vez que o Preço foi definido com premissa de geração futura de caixa.
Outros itens foram objeto de controvérsia entre as Partes, porém, por não terem sido objeto de exame técnico pela perícia contábil, não estão sendo mencionados neste trabalho.
A perícia foi realizada por meio do modelo de Peritos das Partes, com a apresentação de Parecer Técnico pelo Perito contratado pelo Vendedor e, posteriormente, Parecer Técnico contraposto apresentado pelo Perito contratado pelo Comprador.
b) Os argumentos técnicos do Perito do Vendedor
O Perito do Vendedor examinou se as despesas decorrentes de alguns eventos se enquadrariam no conceito de despesas não recorrentes, relacionadas a:
i) Redução do quadro de colaboradores,
ii) Eliminação de uma unidade fabril,
iii) Descontinuidade de um centro de operações e uma filial,
iv) Redução de frota de veículos,
v) Redução de gastos com manutenção pela decisão de terceirização de serviço antes realizado com equipe interna, e
vi) Mudança de procedimento para representantes comerciais.
Tais rubricas e valores deveriam ser considerados como itens não recorrentes para que fosse atingido o determinado no anexo do contrato, ou seja, para que o EBITDA do ano base refletisse da forma mais fiel possível o resultado recorrente da empresa-alvo para o exercício utilizado como base da apuração do preço contratual.
O Perito conceituou item recorrente como aquele que volta a ocorrer, que costuma ocorrer frequentemente, que aparece praticamente em todas as demonstrações do resultado da mesma empresa ano após ano, que se refere a algo rotineiro, que se repete periodicamente (e com período, no máximo, anual).
Inversamente, tratou o item não recorrente como aquele que ocorre alguma vez, mas que não costuma ocorrer periodicamente, em todos os exercícios sociais, que não é frequente, que é esporádico, que pode, normalmente, até nunca mais vir a ocorrer.
Neste sentido, o Xxxxxx entendeu que a redução de funcionários e, consequente, redução de custos e despesas com pessoal e encargos não poderiam fazer parte de um EBITDA normalizado, tratando-se de gastos com reestruturação que precisariam ser extirpados para obter um valor de EBITDA que tivesse a característica de ser recorrente.
Em relação à interrupção de unidade fabril e de redução de determinados departamentos ou centros, ou mesmo redução de filiais, não faria qualquer sentido introduzir, no cálculo do EBITDA recorrente, valores de receitas e despesas de unidades ou centros, enquanto funcionaram num determinado período, se não mais existirão no futuro.
Entendeu, também, que precisariam ser extirpados os gastos com a implementação dessas interrupções, bem como resultados contábeis decorrentes de baixas de saldos residuais de ativos sendo desmobilizados ou de outra forma baixados.
Tratava-se de operações descontinuadas que a própria regulamentação contábil determina que sejam apresentadas de forma segregada nas Demonstrações Financeiras em relação às operações continuadas.
Sobre a reestruturação da frota de veículos da sociedade, com redução de quantidade e mudança na qualidade, o Perito entendeu que, apesar de se tratar de um item recorrente, a mudança no patamar de valor provocou uma mudança significativa da operação, equivalente a uma reestruturação.
Entendeu que a diferença de valor entre o incorrido e o que seria incorrido, caso toda essa modificação já tivesse provocado efeitos no ano base de apuração do EBITDA, deveria ser qualificado como não recorrente.
Sobre a redução de gastos com manutenção pela decisão de terceirização de serviço antes realizado com equipe interna, o Perito do Vendedor tratou como havendo uma mistura de reestruturação com operação descontinuada.
Neste caso, a operação interna foi descontinuada, substituída por outra com os mesmos objetivos, mas elaborada externamente e com custos diferenciados.
Dessa forma, entendeu que, para o cálculo de EBITDA normalizado, recorrente, tratava-se da mesma situação do item anterior e que deveria ser submetida ao mesmo tratamento de expurgar o valor “excedente”.
Por fim, sobre o tratamento a ser dado em relação a representantes comerciais, relacionados à mudança no critério de pagamento das comissões, entendeu que também é item que não deixou de ser recorrente, mas no seu comportamento sim, devendo ser expurgados os valores excedentes àqueles que se repetirão no futuro em virtude da nova política da empresa.
Todos estes ajustes propostos não se encontravam listados no anexo do contrato para fins de apuração do EBITDA Ajustado; porém, o Perito do Vendedor concluiu que, ainda que não listado como ajuste no anexo do contrato, deveriam ser considerados de boa-fé essas exclusões para a obtenção de um mais fiel resultado recorrente do ano-base.
c) Os argumentos técnicos do Perito do Comprador
O Perito do Comprador apresentou Parecer Técnico contraposto ao entendimento do Perito do Vendedor.
Discorreu sobre o múltiplo utilizado para a avaliação da empresa-alvo, no sentido de que sua utilização pressupõe que se esperava que o EBITDA do ano-base iria se repetir pela quantidade de períodos futuros correspondentes ao múltiplo utilizado, o que demonstraria que o múltiplo é o parâmetro utilizado para a mensuração da expectativa do futuro do negócio.
Apresentou crítica ao Parecer Técnico elaborado pelo Perito do Vendedor informando que o entendimento do Xxxxxx contratado pelo Vendedor teria sido de que os termos não recorrência, normalização e sinergia, seriam sinônimos para fins do Ajuste de Preço.
O Perito do Comprador entendeu que os referidos termos não correspondiam a sinônimos, cada um com uma consequência econômica diferente e uma afetação diferente em relação ao Ajuste de Preço.
Em relação à não recorrência, o Perito contratado pelo Comprador entendeu que se refere a despesas extraordinárias à atividade econômica da empresa, isto é, gastos ou receitas que tendem a não se repetir em exercícios futuros. Tais itens são expurgados do EBITDA ajustado com o objetivo de fazê-lo retratar da forma mais fiel possível os resultados futuros da empresa.
Citou neste item a demissão de funcionários, que era um dos ajustes pleiteados pelos Vendedores, verificando-se, neste caso, que salários e encargos sociais continuariam sendo a essência da atividade industrial e comercial da empresa-alvo, ou seja, são, foram e serão recorrentes. Contudo, os gastos com as demissões são extraordinários e deveriam ser expurgados do EBITDA Ajustado quando excedem ao turn over histórico da empresa.
Observou que o anexo do contrato tratou do conceito de não recorrência quando expôs os ajustes ao EBITDA do ano-base, contudo, não havia uma só referência a ajustes de normalização e/ou ajustes de sinergia.
O Perito contratado pelo Comprador apresentou seu entendimento de que a sinergia compõe um ganho de eficiência para as empresas combinadas. Por outro lado, os itens não recorrentes são gastos ou receitas extraordinárias que tendem a não se repetir nos exercícios seguintes, e que por esta razão são expurgados do EBITDA ajustado, não afetando a produtividade da empresa, ou implicando em ganho de eficiência. E que a normalização é a estabilização do negócio em que as despesas de ajustes com as rescisões contratuais não deverão acontecer nos mesmos montantes que aconteceram no ano-base. Ainda assim, não são todas as
despesas que não serão recorrentes, mas apenas aquelas que excederam o turn over normal da empresa-alvo.
Portanto, seguindo o exemplo do ajuste pleiteado pelos Vendedores devido à demissão de funcionários, entendeu que não se pode confundir as medidas de normalização com a premissa de que a empresa-alvo nunca mais voltaria a contratar a mão de obra dispensada, até porque tal fato demandaria ter sido provado, o que não ocorreu na casuística.
Por fim, concluiu que eventuais sinergias futuras e/ou ajustes de normalização não deveriam impactar o EBITDA do ano-base, o qual é calculado com base em fatos já conhecidos, mas sim o múltiplo, que é o fator na fórmula de preço que representa o futuro.
d) Decisão Arbitral sobre os temas técnicos examinados pela perícia
Em relação ao pleito de ajuste no EBITDA do ano-base, os Vendedores indicaram ajustes não explicitados no anexo do contrato que foram rejeitados pelo Comprador.
O Tribunal Arbitral entendeu que o anexo do Contrato continha rol de ajustes não exaustivo, permitindo a inclusão de ajustes não especificados, desde que preenchessem os requisitos de itens não recorrentes e boa-fé.
Entretanto, a despeito de não exaustivo, o Tribunal Arbitral entendeu que o anexo do Contrato não permitia qualquer ajuste, mas notou que as Partes deram grande atenção ao aludido anexo quando da assinatura do Contrato, entendendo também ser natural que alguns ajustes pudessem não ser eventualmente previstos no anexo do Contrato.
O Tribunal Arbitral, neste contexto, segregou os temas em dois grupos para fins da decisão: o primeiro englobou ajustes não associados à sinergia, enquanto o segundo abrangeu itens relativos à sinergia da fusão entre a empresa-alvo – empresa investida.
No que concerne aos ajustes tratados pelas Partes como ajustes de sinergia, o Tribunal Arbitral entendeu que já haviam sido discutidos entre as Partes na fase de negociação do Contrato e que a Compradora não havia concordado em incluir tais ajustes no anexo do Contrato. Portanto, o Tribunal Arbitral entendeu que devia prevalecer o avençado pelas Partes e não incluídas as sinergias.
Pelas mesmas razões, o Tribunal entendeu que os ajustes relativos à sinergia da fusão entre empresa-alvo e empresa investida não deveriam integrar o cálculo de EBTIDA ajustado.
e) Opinião técnica desta pesquisadora sobre o estudo de caso nº 1
A precificação de uma empresa por Múltiplos de EBITDA considera dois fatores na equação do preço: o EBITDA e o Múltiplo. Como tratado nos primeiros capítulos desse trabalho, o EBITDA é uma métrica de definição de potencial geração de caixa operacional e o Múltiplo é utilizado para a previsão de quantidade de exercícios futuros que aquele EBITDA vai se repetir.
Assim, com a utilização destes dois fatores, há a tentativa de prever e medir o resultado operacional futuro da empresa, sendo uma metodologia mais simplificada do que se utilizado o Fluxo de Caixa Descontado.
Discorre-se com frequência sobre o EBITDA e pouco sobre o Múltiplo. No Caso. objeto do estudo, não se constatou situação diversa da narrada.
Deu-se muita atenção aos itens de apuração do EBITDA, tecendo-se longas discussões acerca dos conceitos e do enquadramento de despesas específicas como recorrentes ou não recorrentes.
É certo que, se o que se busca é identificar o resultado que voltará a ocorrer no futuro, o que se busca é apenas a identificação dos itens recorrentes, devendo ser expurgados os itens de não recorrência; porém, o EBITDA no seu conceito puro, não exclui itens não recorrentes e esse entendimento já foi pacificado pela Instrução CVM 527/2012 e mantido na Resolução CVM 156/2022. Portanto, caso as Partes entendam que há necessidade de exclusão dos itens não recorrentes, eles precisam ser exaustivamente relacionados pelas Partes quando da contratação, ocasião em que se configura a aplicação do chamado EBITDA Ajustado.
Desta forma, o EBITDA Xxxxxxxx não pode ser presumido, devendo ser expresso e relacionado de forma exaustiva - aspecto relevante de ser observado antes da assinatura do contrato de venda e compra.
O adequado enquadramento de cada item como sendo relativo ao processo de normalização ou de sinergia também se mostra de extrema importância para a definição dos itens e parcelas de valor que serão ou não considerados recorrentes, pois tem potencial de se transformar ou consumir caixa no futuro.
Os modelos acadêmicos, por certo, colaboram muito para o entendimento de cada item, porém, o que se mostra mandatório é o exame da casuística. O entendimento adequado do negócio que foi objeto da venda e compra é que será definidor desta classificação.
Ainda assim, apenas o exame dos itens do EBITDA não se mostra suficiente, pois a equação do preço definido por Múltiplos de EBITDA considera dois fatores no cálculo: o EBITDA e também o Múltiplo.
A abertura do cálculo do Múltiplo, a fundamentação de sua origem - se obtido por comparativo de outras empresas do setor ou apurado por outro critério – e também o histórico do processo de negociação das Partes para a definição do fator Múltiplo são fatores relevantes para as discussões posteriores que possam advir da apuração do preço.
Normalmente, este detalhamento e este histórico não são documentados, até porque muitas vezes discutidos diretamente nas mesas de negociações sem muito trabalho de apuração precedente e, até mesmo, pode ter sido definido de forma meramente empírica.
No estudo de caso nº 1, o perito contratado pelo Comprador identificou a possibilidade de que o impacto de “[...]eventuais sinergias futuras e/ou ajustes de normalização não deveriam impactar o EBITDA do ano-base, o qual é calculado com base em fatos já conhecidos, mas sim o múltiplo, que é o fator na fórmula de preço que representa o futuro.”
O Tribunal Arbitral, ao decidir que apenas os itens que foram listados pelas Partes no anexo do Contrato deveriam ser considerados para a apuração do EBITDA Ajustado, ainda que indiretamente, reforça a possibilidade aventada pelo Perito do Comprador.
O respeito à autonomia de vontade das Partes a que o Tribunal Arbitral privilegia em sua decisão também é um indicativo que merece atenção. Isto porque, não se sabe, naquele caso, se as Partes consideraram os itens que foram reclamados pelo Vendedor como ajustes no fator Múltiplo.
A reflexão que esta acadêmica faz em virtude do estudo de caso nº 1 é de que, em casos em que a precificação da empresa se dá por Múltiplo de EBITDA, a documentação e o histórico de como as Partes chegaram no Múltiplo pode realmente se tornar um diferencial para a resolução de eventuais discussões futuras de Ajuste de Preço.
Este acervo documental sobre o Múltiplo não eximirá as Partes da definição completa e exaustiva dos itens de ajuste ao EBITDA necessários para que este reflita adequadamente o potencial de geração de caixa operacional, porém, poderá se tornar “o elemento chave” para resolver um determinado conflito como este que foi objeto do estudo de caso nº 1.
Dessa forma, além das informações sobre o Múltiplo, as Partes precisam dedicar tempo e atenção para definir adequadamente e exaustivamente o EBITDA Ajustado, cujos itens de ajustes devem levar em consideração o tipo de negócio e premissas específicas do negócio negociado.
Ou seja, a escolha deste método pela premissa de ser mais prático e rápido do que a elaboração do Fluxo de Caixa Descontado, pode não se revelar tão vantajosa como esperado.
9.2 Estudo de Caso nº 2
a) O caso
Neste segundo estudo de caso, as Partes definiram o Preço com base em Valor de Empresa ajustado pela variação do Capital de Giro, Endividamento e Contingências.
Não houve disputa e nem necessidade de se conhecer como as Partes definiram o montante do Valor da Empresa, tendo o litígio ocorrido por conta dos valores de variação de Capital de Giro e Contingências entre o signing e o closing.
As Partes definiram valores fixos, valores-alvo, para o montante de Capital de Giro e de Contingências na data-base, sendo que o Endividamento na data do fechamento deveria ser pago de forma integral pelos Vendedores.
A premissa desse negócio foi que, para que o Comprador pagasse o Valor de Empresa acordado, o Vendedor deveria: i) arcar integralmente com o endividamento por ele gerado, ii) a Empresa-Alvo deveria ser entregue com um Capital de Giro fixo e iii) as Contingências seriam avaliadas até a data do fechamento e não poderiam ser maiores do que aquelas declaradas pelo Vendedor e aceitas pelo Comprador.
As Partes acordaram que as Demonstrações Financeiras de fechamento deveriam ser elaboradas de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade (nos termos do Contrato, BR GAAP).
As Demonstrações Financeiras utilizadas para a apuração do preço no fechamento foram auditadas por renomada empresa de Auditoria Independente e, posteriormente, foram objeto de revisão por segunda empresa renomada de Auditoria Independente, as quais chegaram a resultados distintos levando à apuração de divergências em relação a apuração do Capital de Giro da Empresa-Alvo.
Os temas técnicos, objeto de divergência pela segunda empresa de Auditoria Independente, foram agrupados nos seguintes grandes grupos de discussões:
i) Ativo não circulante registrado no grupo do ativo circulante;
ii) Ativos inexistentes não baixados como perdas;
iii) Postergação no registro contábil de obrigações vencíveis no curto prazo.
Os assessores legais do Comprador também identificaram ajustes nos valores de Contingências declaradas, sendo este também fator de disputa no procedimento arbitral, mas que não integrou o exame pericial.
Ambas as Partes contaram com Peritos Contadores que as auxiliaram em relação aos temas técnicos, objeto da disputa.
Desta forma, a perícia foi realizada por meio do modelo de Peritos das Partes com a apresentação de Parecer Técnico pelo Perito contratado pelo Comprador e, posteriormente, Parecer Técnico contraposto apresentado pelo Perito contratado pelo Vendedor.
b) Os argumentos técnicos do Perito do Comprador
A análise técnica foi apresentada por temas, como segue:
b.1. Ativo não circulante registrado no grupo do ativo circulante
O tema relacionado ao Ativo Não Circulante registrado no grupo do Ativo Circulante foi um dos temas técnicos mais relevantes da perícia, em virtude do elevado valor envolvido nesta disputa. Integrou a equipe de prova por parte do Comprador, além de equipe de Peritos Contadores, renomados professores das Ciências Contábeis para tratar da correta interpretação das normas aplicadas ao caso concreto.
Primeiramente, houve a necessidade de aprofundamento na norma contábil que define as características de um ativo para que possa integrar o grupo do Ativo Circulante. A característica principal, neste caso, se referia à capacidade de liquidez deste ativo, se tinha condições se ser transformado em caixa ou equivalente de caixa dentro do período de 12 meses posteriores à data de fechamento das Demonstrações Contábeis.
Neste contexto, citou a Norma Brasileira de Contabilidade nº 26, a qual determina que “[...]a entidade deve divulgar o montante esperado a ser recuperado ou liquidado em até doze meses ou mais do que doze meses, [...]”.
Após, os Peritos do Comprador trataram da análise da casuística, com o exame das características do Ativo para identificar seu potencial de transformação em caixa ou equivalente de caixa em período de até 12 meses.
O Ativo em questão se referia a crédito de imposto que dependia de algumas variáveis para preencher o requisito necessário para ser enquadrado como Ativo Circulante.
Havia necessidade, primeiramente, de que a empresa-alvo tivesse operação suficiente para gerar imposto equivalente a ser compensado com aquele crédito fiscal; o Perito do Comprador constatou que apenas pequena parte do crédito fiscal atendia a este requisito.
Superada esta questão, o Perito do Comprador examinou os aspectos fiscais vinculados ao tema, para verificar se o crédito poderia ser livremente compensado pela empresa-alvo ou se ela demandava autorização do fisco para que procedesse à compensação. E a constatação foi de que era necessária a autorização que não foi solicitada na data do fechamento das Demonstrações Contábeis.
Considerando a morosidade do fisco brasileiro, o Xxxxxx informou que não havia segurança de tempo hábil, no período de 12 meses, para que se procedesse ao pedido de compensação, este pedido fosse deferido pelo fisco brasileiro e, ainda assim, tivesse operação na empresa-alvo suficiente para compensar todo o valor do crédito fiscal e o transformá-lo em caixa ou equivalente de caixa.
O Perito do Comprador entendeu, ainda, que havia um último agravante a ser considerado na análise: para que o Comprador pudesse realizar o pedido de compensação junto ao fisco, os documentos contábeis e fiscais que comprovavam a existência do crédito deviam estar completos para serem apresentados à fiscalização.
Tratava-se, porém, de documentos com origem no período de gestão do Vendedor e que este dizia tê-los entregado junto com a Empresa-Alvo, mas que o Comprador informava não ter recebido parte deles.
Considerando que todas essas condições teriam que ser cumpridas, necessariamente, para que se confirmasse o registro do Ativo no curto prazo, o Perito contratado pela Compradora assim concluiu:
i) uma parte dos créditos deveria ser levada a resultado como perda, porque não havia lastro de documentos comprobatórios da existência do crédito;
ii) uma pequena parte dos créditos poderia ser considerada como ativo circulante, porque embasada em estudo de recuperabilidade no curto prazo de acordo com a operação e a expectativa de deferimento do pedido e
iii) uma grande parte do valor deveria ser escriturada no ativo não circulante e sua recuperabilidade reavaliada ao final do próximo exercício.
b.2. Ativos inexistentes não baixados como perdas
O Perito do Comprador tratou, neste item, da prova documental de existência de ativos registrados pelo Vendedor no grupo de Ativos Circulantes. O Perito examinou créditos a receber e informou que não foram confirmados quando realizada a circularização dos clientes.
Também examinou a rubrica de seguros a receber por sinistros e informou que não foram confirmados pela seguradora que entendia já ter pagado a totalidade do valor devido pelo sinistro ocorrido.
Assim, o Perito do Comprador concluiu pela inexistência destes ativos e a necessidade de baixá-los para perdas de acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade.
Informou que considerava estes ajustes necessários uma vez que as Partes acordaram em contrato que as Demonstrações Financeiras de fechamento deveriam obedecer às Normas Brasileiras de Contabilidade e, neste contexto, a Norma NBC TG 01 estabeleceu procedimentos que a entidade deveria aplicar periodicamente para assegurar que seus ativos estejam registrados contabilmente por valor que não exceda seus valores de recuperação.
A avaliação foi de que, aplicada a disposição contida na referida norma, a existência dos ativos não se confirmou.
b.3. Postergação no registro contábil de obrigações vencíveis no curto prazo
O Perito do Comprador informou que realizou o exame de despesas registradas após a data de fechamento, e que, considerando seus respectivos fatos geradores e datas de emissão dos documentos fiscais, essas despesas deveriam estar registradas de acordo com o Regime de Competência.
Informou que se tratava de regime obrigatório com base no art. 177 da Lei nº 6.404/1976 e também justificada a sua utilização na NBC TG Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro.
c) Os argumentos técnicos do Perito do Vendedor
O Perito do Vendedor apresentou resposta de acordo com os mesmos grupos tratados pelo Perito do Comprador.
c.1. Ativo não circulante registrado no grupo do ativo circulante
Após exame do tema, o Perito do Vendedor entendeu que não havia irregularidade na contabilização integral dos créditos fiscais no Ativo Circulante, ou de curto prazo.
Fundamentou sua conclusão nas seguintes premissas:
i) A contabilização no curto prazo era feita pelo Vendedor desde antes da operação de
venda e compra, de forma que a mudança na forma de contabilização implicaria alteração nas práticas contábeis pelo Comprador;
ii) O crédito fiscal teria incorporado o Capital de Giro base, de acordo com informações que recebeu do Vendedor, de forma que, se modificado no fechamento, perderia a comparabilidade;
iii) O critério de 12 meses é apenas um dos vários critérios com base nos quais um Ativo pode ser considerado como curto prazo versus longo prazo;
iv) Para concluir se um Ativo deve ser reclassificado como curto prazo ou não, deve-se avaliar se o Ativo está circulando continuamente como capital de giro. Mesmo que parte dos créditos fiscais não possam ser realizados em doze meses após o período apurado ou sujeita à aprovação das autoridades fiscais, o caráter destes ativos permanece o mesmo; ou seja, fazer parte do ciclo operacional normal de uma empresa e, portanto, do Capital de Giro; e
v) A existência de pareceres sem ressalva nas Demonstrações Financeiras anteriores seriam prova de que estavam em conformidade com os princípios contábeis aceitos no Brasil (GAAP do Brasil) (IFRS) e com a Lei.
c.2. Ativos inexistentes não baixados como perdas
O Perito do Vendedor entendeu que a Compradora teria modificado a abordagem de mensuração e reconhecimento destes ativos, fato este que impactava na apuração do Ajuste de Preço.
Em relação aos créditos a receber, informou haver irregularidades e dúvidas que poderiam ser levantadas com o exame das cartas de circularização e que não foram investigadas pelo Comprador.
Sobre os seguros, entendeu que a baixa contábil foi realizada com base em avaliação da nova administração sem a negativa da seguradora que permitisse a realização da baixa contábil.
c.3. Postergação no registro contábil de obrigações vencíveis no curto prazo
O Perito do Vendedor examinou os documentos apresentados com o Parecer Técnico do Perito do Comprador e reputou que a documentação apresentada era insuficiente/incompleta, não permitindo a análise técnica para os alegados eventos de registro em desconformidade com o Regime de Competência.
d) Decisão Arbitral sobre os temas técnicos examinados pela perícia
Na opinião do Tribunal Arbitral, o entendimento divergente das Partes sobre a lógica por trás do mecanismo de Ajuste de Preço de fechamento acordado no contrato foi o cerne desta disputa e uma das causas que levaram a existência das disputas entre as Partes.
O Tribunal Arbitral entendeu que, na opinião do Comprador, o objetivo do mecanismo de ajuste do preço de fechamento era garantir o montante específico de Capital de Giro medido em relação a BR GAAP na data de fechamento e que o montante do Capital de Giro na data- base era um valor alvo ou indexador. Em sua opinião, era premissa do negócio que a empresa- alvo fosse entregue com um montante específico de Capital de Giro real na data de fechamento ou pagar a diferença em dinheiro.
Por outro lado, na visão do Vendedor, ao contrário, o mecanismo de ajuste do preço de compra de fechamento foi projetado para capturar apenas as oscilações no curso normal dos negócios da empresa-alvo entre duas datas específicas, e não para atender a um montante fixo pré-estabelecido de Capital de Giro na data de fechamento.
Após consideração dos respectivos argumentos das partes e das evidências constantes dos autos, a decisão do Tribunal Arbitral considerou que a interpretação do Vendedor refletia com precisão a justificativa do mecanismo de ajuste do preço de fechamento previsto no contrato.
Na opinião do Tribunal Arbitral, não havia evidências registradas que permitiriam concluir que o Capital de Giro base deveria operar como um montante fixo e que, ao aceitar o mecanismo de Ajuste de Preço no contrato, as artes concordaram pagar a diferença entre o Capital de Giro base e o nível real de Capital de Giro da empresa-alvo na data de fechamento. A partir deste entendimento, a discussão sobre os temas contábeis e a regularidade da escrituração frente às normas de contabilidade restou ineficaz para a finalidade do ajuste do
preço de compra.
e) Opinião técnica sobre o estudo de caso nº 2
O estudo de caso 2 proporciona uma reflexão importante relacionada à contabilidade no contexto dos negócios de venda e compra de empresas e levam às seguintes indagações:
a) As práticas contábeis anteriores da empresa se sobrepõem a irregularidades contábeis e registros em desacordo com as normas contábeis?
b) O Comprador – ou equipe por ele contratada - precisa ser profundo conhecedor das
normas contábeis e fazer uma “devassa” na contabilidade apresentada pelo Vendedor antes da assinatura do contrato?
c) Alguns negócios poderiam esperar pelo exame analítico e profundo da contabilidade ou as proteções contratuais, em tese, supririam eventuais lacunas de exame técnico em benefício da necessidade de celeridade no fechamento dos negócios?
A resposta a estes temas, ao que parece, sempre passará pelo exame da casuística, sem dúvida. Porém, a segurança jurídica parece ser fundamental para os casos em que não há possibilidade temporal de exame aprofundado da contabilidade, situação em que as cláusulas de proteção do Comprador ganham importante relevância no contexto da negociação.
Sem dúvida, a verificação e a prova factual sobre a garantia de balanço, forte ou fraca como denominada por XXXXX (2018), assume grande relevância neste contexto.
No caso do estudo de caso nº 2, a existência de cláusula contratual definindo que as Demonstrações Financeiras de fechamento deveriam seguir rigorosamente as Normas Brasileiras de Contabilidade, ou BR GAAP, ao que parece, só faz sentido se possa modificar práticas contábeis anteriores que estejam em desacordo com as normas.
Por outro lado, com a modificação da contabilidade, as Demonstrações Financeiras de fechamento perdem a comparabilidade com as Demonstrações Financeiras base da negociação. Neste ponto, aos olhos técnicos, parece importante que haja sempre uma distinção entre ajustes contábeis decorrentes estritamente do cumprimento das normas contábeis e ajustes
contábeis que decorram de julgamento do administrador.
A importância desta distinção se dá uma vez que há registros contábeis que, seguindo as disposições normativas contábeis, decorrem das melhores estimativas do administrador.
Mudando a administração da empresa, podem ocorrer mudanças nestas melhores estimativas, sem que nenhuma das duas posições possa implicar, necessariamente, uma infração à norma contábil (como é o caso de uma mudança na provisão de Perdas para Créditos de Liquidação Duvidosa, por exemplo).
Trata-se, assim, de um exame que, por óbvio, tem grande complexidade envolvida para manter essa “balança” do preço em equilíbrio e que passa, em grande parte, por uma análise jurídica sobre a real intenção das Partes e aplicação do princípio da boa-fé, mas que também decorre de um exame sobre a contabilidade e sua regularidade frente às Normas Brasileiras de Contabilidade vigentes à data dos fatos examinados e suas consequências sobre o preço acordado.
9.3 Estudo de Caso nº 3
a) O caso
Neste terceiro estudo de caso, a Compradora adquiriu a empresa-alvo por intermédio da assinatura de três Contratos de Compra e Venda com três grupos de Vendedores distintos. A integralidade das quotas foi adquirida pela Compradora mediante a aquisição de 1/3 da empresa-alvo de cada grupo de Vendedores.
Ponto relevante deste caso é a negociação e precificação de forma individualizada e distinta para grupo de Vendedores, ainda que se tratasse, ao fim, de uma parte da mesma empresa.
A Compradora ingressou com a arbitragem informando que, após o fechamento e pagamento do Preço de cada contrato, identificou a inexistência de ativos, geradores de receitas futuras, que teriam sido considerados na avaliação e precificação dos contratos, cuja inexistência teria sido omitida pelos Vendedores e que impactavam de forma significativa no Preço pago.
Foi proferida Sentença Arbitral Parcial que reconheceu o direito da Compradora de ser indenizada mediante a recomposição do Preço dos contratos, sem direito a apuração de lucros cessantes.
Foi deferida a realização de perícia contábil para liquidação da Sentença Arbitral Parcial, realizada no modelo de nomeação de Perito do Tribunal e indicação, pelas Partes, de seus Assistentes Técnicos.
b) Análise realizada pela Perícia do Tribunal
A dificuldade técnica enfrentada pela Perícia do Tribunal foi a não apresentação pelas partes da metodologia e memória de cálculo utilizada na precificação de cada contrato. Estes documentos não tinham sido anexos aos contratos, não foram apresentados pelas partes e nem tampouco foram apresentados outros documentos da fase de negociação que pudessem auxiliar a perícia no conhecimento da metodologia e da avaliação realizada para a empresa-alvo em cada um dos contratos.
De um lado tinha-se a determinação de que a perícia apresentasse o cálculo da indenização pela recomposição do preço dos contratos e, de outro lado, a inexistência de informações que permitissem à perícia a realização de tal cálculo.
A perícia quantificou receita que deixou de ser gerada pela inexistência dos ativos, porém, o desafio era como apurar como estas receitas haviam impactado o preço sem que se conhecesse a metodologia e a memória de cálculo. Havia, ainda, o agravante de que cada um dos três contratos teve negociação e precificação própria, ainda que se tratasse da avaliação da mesma empresa vendida para todos os contratos.
A solução adotada foi a utilização da fórmula de cálculo indicada no capítulo 4 desta dissertação, reproduzida abaixo, para o cálculo inverso da precificação.
Valor de Empresa (Enterprise Value) (-) Dívidas Líquidas
(+/-) Capital de Giro Líquido
(=) Valor pertencente ao acionista (Equity Value)
Isto porque, a perícia conhecia: i) o preço final de cada contrato, portanto, ali estava definido o Equity Value de cada contrato; ii) as Dívidas Líquidas contidas nas Demonstrações Financeiras na data da assinatura dos contratos; e iii) o Capital de Giro Líquido na data da assinatura dos contratos.
A partir da ciência dessas três variáveis e com a aplicação aritmética da fórmula acima, a perícia chegou ao Valor de Empresa (Enterprise Value) de cada contrato. A fórmula foi assim aplicada:
Valor de Empresa (Enterprise Value) = Preço (Equity Value) + Dívidas Líquidas +/- Capital de Giro Líquido
De conhecimento do Valor de Empresa, a perícia realizou a redução deste valor considerando o impacto dos ativos inexistentes. A seguir, reaplicou a fórmula para chegar ao novo preço de cada um dos contratos; considerando a comparação entre o preço de cada contrato e o novo preço apurado pela perícia, chegou-se ao valor de indenização determinado pela Sentença Arbitral Parcial.
c) A posição dos Assistentes Técnicos de cada Parte
O Assistente Técnico da Compradora concordou com a forma de apuração adotada pela Perícia do Tribunal, reconhecendo ser a melhor forma de apuração tendo em vista que nenhuma
das partes da arbitragem apresentou a metodologia e a forma de cálculo da precificação de cada um dos contratos.
O Assistente Técnico dos Vendedores entendeu que, uma vez que as partes não haviam apresentado os documentos necessários, o cálculo realizado pela Perícia do Tribunal tratava-se apenas de um mero arbitramento, não permitido pela Sentença Arbitral Parcial e sem nenhuma base factual. Assim, entendia que o valor da indenização deveria ser considerado como zero pela impossibilidade de a perícia realizar o cálculo determinado pelo Tribunal Arbitral.
d) Decisão do Tribunal Arbitral
Até o encerramento desta dissertação não se obteve informações de que o caso teria sido julgado e qual a decisão do Tribunal Arbitral sobre o resultado da perícia contábil.
e) Opinião técnica sobre o estudo de caso nº 3
A premissa, de natureza jurídica, tratada no caso foi de existência de comportamento doloso capaz de causar mazela definitiva no juízo da parte para a formação do valor da empresa e, consequentemente, do preço, impondo-se a reparação o dano pela readequação do preço.
Observa-se que não se está aqui tratando de ajustar o preço por um evento futuro, mas de readequar o preço por conta do acometimento de uma mazela ocorrida no passado, capaz de confundir a parte que estava trabalhado na precificação.
É evidente que se conceituar o tema tem relativa facilidade, ou baixa complexidade, apurar o quantum, já não tem essa simplicidade, para casos como esse em que a informação sobre a metodologia e a memória de cálculo do preço não estão disponíveis.
Para apurar o quantum, ressalvado aqui o qual se deve observar a casuística, o desafio é como se chega no modelo do preço a ser readequado e no preço readequado.
A primeira premissa é de que o melhor método de fixação do preço é aquele que está apontado no capítulo 4 desta dissertação. No presente caso, há três dados estáveis – Capital de Giro, Dívida Líquida e Equity Value – e apenas um dado variável, o Enterprise Value.
Esse dado variável é que pode ter sido afetado, porque se fosse afetação do Capital de Giro ou da Dívida Líquida, estar-se-ia no capítulo do Ajuste de Preço, mas não no capítulo da Retificação do Preço. Assim, o que se precisa chegar é no montante do Enterprise Value.
E, no Enterprise Value se chega hoje, legitimamente, por um método: o Fluxo de Caixa Descontado. Fazer um Fluxo de Caixa Descontado seria de todo razoável, porém, esse novo
Fluxo de Caixa Descontado só seria aplicável se a casuística fosse de revisão do preço parcial.
Se a regra é de revisão do preço total, aplica-se a regra do refazimento do preço. Observe que o perito, ou apurador, não está criando um modelo da sua escolha. Ele está definindo o Enterprise Value que se pode dizer escolhido pelas partes nas circunstâncias da operação. Este é um modelo e um caminho seguro para que não se tenha, seja do perito, seja do avaliador, seja do julgador, a intromissão em algo que as partes próprias decidiram por sua mão.
Se, porém, se estiver tratando de uma revisão parcial de preço, por exemplo, pela incapacidade de determinada atividade vendida não poder realizar a venda de um modelo de produto previsto inicialmente. Neste caso, à toda evidência, o modelo adequado é fazer-se o Fluxo de Caixa daquela operação isolada, voltando-se para a data da teórica da avaliação e, a partir daquela data, se fazer o caminho para a frente com as estimativas de futuro necessárias.
O que se observa é que o perito contador precisa ser um bom investigador dos fatos ocorridos na casuística, mas também, ter capacidade técnica para sugerir alternativas técnicas seguras para situações em que todos os dados necessários não estão disponíveis.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Resta claro para esta acadêmica e profissional que há algumas questões relevantes a serem sopesadas para quem quiser atuar auxiliando tecnicamente em operações de venda e compra de empresas.
O contador, neste contexto, precisa, primeiramente, ter o exato domínio da ciência contábil para que possa auxiliar neste processo complexo, fornecendo informações acerca dos dados e performance histórica da empresa, fornecendo explicações adequadas e completas sobre as terminologias contábeis e sobre as determinações das Normas Brasileiras de Contabilidade.
Ter um entendimento profundo da contabilidade é tarefa indissociável e esperada da profissão de xxxxxxxx, e quem atende a este requisito é bem reconhecido pelo mercado galgando posições de destaque em qualquer área que atue, não sendo diferente na atuação como perito contador.
Para a atuação em perícia contábil de litígios advindos de contratos de venda e compra de empresas, o profundo conhecimento da contabilidade é requisito mínimo de entrada, porém, há necessidade de outros requisitos além deste.
Os estudos de casos relatados demonstram que o perito contador também precisa conhecer a atividade desenvolvida pela empresa-alvo para que consiga ter um adequado entendimento de suas operações e, por consequência, de suas práticas de contabilização e normas a ela aplicáveis.
Temas de natureza econômica e jurídica permeiam as análises e com os quais o contador precisa entender sua influência nos aspectos contábeis.
Realizar um estudo sobre o contrato de venda e compra para adquirir conhecimento sobre as regras acordadas pelas partes para o negócio realizado, e conhecer os fatos tratados na casuística serão trabalhos mandatórios para o desenvolvimento de um bom trabalho pericial.
Além disso, capacidade de boa comunicação escrita e verbal são diferenciais importantes para que os temas contábeis possam ser bem compreendidos por técnicos e por leigos.
Por fim, a prática na área é que vai consolidando e aperfeiçoando a aplicação de todos as habilidades e conhecimentos descritos acima.
Entende-se relevante, também, nesta conclusão, tratar sobre os aspectos de contribuição deste estudo para o contexto das perícias contábeis em litígios que decorram de contratos de venda e compra de empresas.
A primeira contribuição relevante que se identifica por meio desse trabalho é a oportunidade de melhoria na redação dos conceitos e terminologias contábeis nos contratos de venda e compra de empresas, diminuindo as chances de entendimentos equivocados ou oportunistas e que demandem tempo e dinheiro para sua resolução.
O estudo das modalidades, conceitos e práticas adotadas para definição de Xxxxx, Ajuste de Preço e Retificação de Preço, somados com a demonstração das regras contábeis aplicadas aos conceitos de contabilidade tratados em cada grupo é visto por esta acadêmica como sendo uma oportunidade de demonstração da real importância da contabilidade para os negócios de venda e compra de empresas, o que leva à valorização da contabilidade como ciência e do profissional contador como agente colaborador no processo de descrição e orientação sobre a utilização adequada dos conceitos e, principalmente, suas consequências.
A possibilidade de compartilhar temas técnicos e estudar como eles foram tratados em situações reais de litígios, ainda que não se possa informar os dados do caso, é contribuição tanto para fins acadêmicos quanto para fins profissionais em casos que possam tratar de temas similares a estes dos estudos de casos apresentados.
Como oportunidade de trabalhos futuros, tem-se que um estudo mais amplo demonstrando quantidade maior de contratos de venda e compra de empresas que tenham resultado em litígio pode tanto ampliar o leque de temas contábeis a serem estudados no contexto deste tipo de negócio, quanto apresentar maiores tendências em relação à forma de decisão adotada pelo julgador.
Processos de venda e compra de empresas ocorrem desde longa data e continuarão ocorrendo, de forma que sempre se tratará de tema atual e de interesse para o mundo dos negócios.
De igual forma, com a existência de litígios decorrentes de contratos de venda e compra de empresas, haverá a necessidade de realização de perícias contábeis, sendo que o mercado sempre saberá reconhecer os profissionais mais preparados, os profissionais que trabalham com a certeza técnica.