Parecer técnico sobre as propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos”
Parecer técnico sobre as propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos”
22004-ATV2-P2.0-00-00
Contratação de Assessoria Especializada para Formação de Banco de Horas para Capacitação Técnica, Elaboração de Pareceres Técnicos e Assessoria, em apoio ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF
PARECER TÉCNICO 22004-ATV2-P2.0-00-00
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Parecer técnico sobre as propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos”
22004-ATV2-P2.0-00-00
Contratação de Assessoria Especializada para Formação de Banco de Horas para Capacitação Técnica, Elaboração de Pareceres Técnicos e Assessoria, em apoio ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF
Contrato de gestão Nº 028/ANA/2020 – Rio São Francisco Ato Convocatório Nº 020/2022
Contrato Nº 041/2022 Maio/2023
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Contratante: Agência de Bacia Hidrográfica Peixe Vivo Contratada: Água & Solo Estudos e Projetos Ltda
FOLHA DE APROVAÇÃO
Revisão | Data | Nome | Descrição | Assi. autor | Assi. supervisor | Assi. aprovação |
00 | 09/05/2023 | Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx | PARECER TÉCNICO |
Contratação de Assessoria Especializada para Formação de Banco de Horas para Capacitação Técnica, Elaboração de Pareceres Técnicos e Assessoria, em apoio ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF | |||
Produto | 22004-ATV2-P2.0-00-00 – Parecer técnico sobre as propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos” | ||
Elaborado por: Água & Solo | Supervisionado por: APV Peixe Vivo | ||
Aprovado por: Xxxxxx Xxxxxxxx | Revisão | Finalidade | Data |
00 | 03 | 09/05/2023 | |
Legenda da Finalidade: (1) Para informação (2) Para Comentário (3) Para Revisão | |||
Água & Solo Estudos e Projetos LTDA | |||
Xxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx, 000 – Xxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx/XX | |||
Telefone: (00) 0000-0000 |
EQUIPE DA CONTRATANTE
DIRETORA GERAL
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx
GERENTE DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS
Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx xxx Xxxxxx
GERENTE DE INTEGRAÇÃO
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
GERENTE DE GESTÃO ESTRATÉGICA
Xxxxxx xxx Xxxxxx Xxxx
GERENTE DE PROJETOS
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
COORDENADORA TÉCNICA
Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxx
EQUIPE DA ÁGUA E SOLO ESTUDOS E PROJETOS
EQUIPE CHAVE
ADVOGADOS
Sênior – Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx – Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx – Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
ENGENHEIROS
Sênior – Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx Xxxxx – Xxxxx Xxxxx
Xxxxxx – Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx
GEÓLOGOS / HIDROGEÓLOGOS
Sênior – Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx – Xxxxxxxx Xxxx X’Xxxxxxxxx Xxxxxx – Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
BIÓLOGOS
Sênior – Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx – Xxxxx Xxxxxxx Xxxx
Xxxxxx – Nádia Fumaco Caldeira
HIDRÓLOGOS
Sênior – Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx – Xxxxx xx Xxxx Xxxx
Xxxxxx – Xxxxxx Xxxxxxx Fagundes
ECOMONISTAS / ADMINISTRADORES
Sênior – Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx – Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx – Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx
SOCIÓLOGOS
Sênior – Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx – Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Xxxxxx – Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx
GEÓGRAFOS
Sênior – Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx – Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxx
Júnior – Xxx Xxxxxxxx Sanches de Angelo
GERENTE DO CONTRATO
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx – Eng. Ambiental
RESPONSÁVEL TÉCNICO
Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx – Eng. Agrônomo – CREA RS010020
EQUIPE DE APOIO
Xxxxxxx Xxxxxx – Eng. Ambiental
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx – Advogada, Geógrafa
SUMÁRIO
2 Considerações gerais sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos 10
3 Propostas apresentadas pela CNI 13
3.1 Regulamentação da cobrança 13
3.2 Revisão dos aspectos institucionais estabelecidos no SINGREH 13
3.3 Revisão dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos 13
3.3.1 Plano de Recursos Hídricos 14
3.3.2 Outorga de direito de uso dos recursos hídricos 14
3.3.3 Cobrança pelo uso da água 15
3.4 Outros mecanismos gerenciais 15
4 Análise do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados: PL Nº 4.546/2021 17
4.2 Análise da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica proposta pelo PL nº 4.546/2021 17
4.2.2 Alterações propostas para a Lei nº 9.433/97 19
4.2.3 Alterações propostas para a Lei nº 9.984/2000 21
5 Comentários gerais sobre o estudo da CNI 24
5.1 Regulamentação da cobrança por Lei 24
5.2 Revisão dos aspectos institucionais estabelecidos no SINGREH 25
5.3 Revisão dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos 26
5.4 Outros mecanismos gerenciais 29
APRESENTAÇÃO
O presente documento visa atender aos preceitos estipulados pelo Contrato Nº 041/2022, firmado entre a empresa Água e Solo Estudos e Projetos LTDA (CNPJ: 02.563.448/0001-49) e a Contratante AGÊNCIA DE BACIA HIDROGRÁFICA PEIXE VIVO – AGÊNCIA PEIXE VIVO (CNPJ: 09.226.288/0001-91), referente ao projeto “CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA ESPECIALIZADA PARA FORMAÇÃO DE BANCO DE HORAS PARA CAPACITAÇÃO TÉCNICA, ELABORAÇÃO DE PARECERES TÉCNICOS E ASSESSORIA, EM APOIO AO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO – CBHSF”.
O presente documento, intitulado “Parecer técnico sobre as propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos””, contempla detalhadamente o relato do assessoramento técnico da Advogada Sênior Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx a fim de verificar as pertinências à luz da Lei Federal nº 9.433/1997 e possíveis imperfeições no âmbito jurídico das propostas existentes no “Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso de recursos hídricos” elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2022.
1 INTRODUÇÃO
O Estudo sobre a cobrança pelo direito de uso dos recursos hídricos é apresentado com 150 páginas e com seu respectivo Sumário Executivo, de 28 páginas. Ele objetiva fornecer elementos para respostas mais ágeis e efetivas ao problema de segurança hídrica, que tem sido evidenciado nos últimos tempos. O estudo tem foco no instrumento da cobrança de direito de uso dos recursos hídricos e encontra-se estruturado nos seguintes tópicos:
• Gerenciamento dos Recursos Hídricos;
• Análise da situação: Cobrança pelo uso da água;
• Dos recursos financeiros advindos da cobrança pelo uso da água. Qualificação Jurídica;
• Dos caminhos. Aperfeiçoamento da cobrança pelo uso da água e aplicação dos recursos arrecadados;
• Dos caminhos. Experiências em destaque: (i) Apêndice A – Avaliação dos recursos arrecadados com a cobrança. Indicadores a serem seguidos em contratos de Gestão; (ii) Apêndice B – Proposição de Instrumentos Alternativos de Gestão da Bacia e incentivos à participação dos usuários.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS
A Política Nacional de Recursos Hídricos foi instituída pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que estabeleceu a dupla dominialidade sobre as águas: da União e dos Estados/Distrito Federal.
Os fundamentos dessa política encontram-se estabelecidos no art. 1º dessa Lei, são:
“I - a água é um bem de domínio público;
II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades”.
Esses pressupostos da política hídrica nacional decorrem das ideias debatidas nos sucessivos eventos internacionais que tiveram como foco a crise mundial da água1. Durante os mencionados eventos, a experiência da França era lembrada como um exemplo bem-sucedido de gestão das águas, razão pela qual, serviu de referência para muitos países, dentre os quais, o Brasil.
Contudo, no caso da França, a legislação que disciplina essa matéria, provêm da normativa nacional. Os distintos níveis da Administração Pública desse país gerenciam as águas com base em parâmetros estabelecidos nesse nível governamental. Ocorre que, no caso do Brasil, mesmo com a competência privativa da União para legislar sobre águas, os demais entes federados (26 estados, 1 Distrito
1 Podem ser citadas as Declarações de Mar Del Plata (1977), de Dublin (1992) e de Paris (1998).
Federal e 5.568 municípios) também legislam alguns aspectos relacionado a esse bem (seja ao disciplinar a defesa ambiental, seja para tratar como se tem acesso a esse bem). Nesse contexto, a cooperação entre os entes federados na gestão das águas é essencial.
A bacia hidrográfica foi adotada como unidade territorial sobre a qual se realiza a gestão das águas superficiais. Contudo, do ponto de vista legal, deixou de ser mencionada outra importante unidade de gestão no caso das águas subterrâneas: o aquífero. Essas águas foram constitucionalmente atribuídas aos Estados e ao Distrito Federal2.
Devido ao fato de a Lei nº 9.433/97 ter definido entre seus fundamentos que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas, esse instrumento legal estabeleceu processos participativos que contemplam a atuação do Poder Público, dos usuários e da comunidade, determinando que o consumo humano e a dessedentação de animais são os usos prioritários, em situações de xxxxxxxx0.
De modo a estabelecer responsabilidades institucionais, a Lei mencionada instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), criando órgão colegiados deliberativos (Conselho Nacional de Recursos Hídricos/CNRH, Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacia Hidrográfica/CBH), órgãos executores outorgantes nas esferas federal e estadual/distrital, bem como a administração, no nível da bacia hidrográfica, por meio das Agências de Água4.
Como forma de implementar essa política hídrica foram criados instrumentos de planejamento (Planos de Recursos Hídricos e o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água), de controle (outorga dos direitos de uso de recursos hídricos), econômico (cobrança pelo uso de recursos hídricos) e de apoio técnico (Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos).
Em razão da água ser um bem de uso comum do povo, conforme define o Código Civil, o Poder Público que detém a sua dominialidade pode dar acesso a esse bem,
2 Foram extintas as dominialidades municipal e privada sobre as águas, que anteriormente eram disciplinadas pelo Código de Águas, de 1934.
3 Conforme estabelece a Lei nº 9.433/97, art. 1º, III.
4 Ver o disposto no art. 33 dessa Lei.
de forma gratuita ou retribuída5. Diante do ordenamento jurídico do país, essa cobrança se faz mediante a definição de Preço Público, por se tratar de uma relação contratual entre o detentor do bem e de quem o utiliza. O fato de outorgar e cobrar pelo uso da água não significa que ocorre a alienação desse bem, pois as águas são inalienáveis6.
É sobre esse arcabouço jurídico, político e institucional que devem ser discutidas as contribuições apresentadas no estudo que ora se comenta.
5 Ver os arts. 99, I e 103 do Código Civil.
6 Conforme declara o art. 18 da Lei nº 9.433/97.
3 PROPOSTAS APRESENTADAS PELA CNI
Decorridos 26 anos da edição da Lei nº 9.433/97, é possível fazer uma avaliação de como vem funcionando a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos. Nesse sentido, o estudo da CNI apresenta sugestões referentes à segurança hídrica, com foco na cobrança, que considera necessárias ao desenvolvimento das atividades econômicas.
Do ponto de vista jurídico, essas contribuições apontam os seguintes temas: (i) Regulamentação da cobrança; (ii) Revisão dos aspectos institucionais estabelecidos no SINGREH; (iii) Revisão dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos; (iv) Outros mecanismos gerenciais.
3.1 Regulamentação da cobrança
Mediante Lei, deve contemplar elementos para a determinação do valor, incentivos à boa prática, facilitação na aplicação dos recursos arrecadados e simplificação dos controles.
3.2 Revisão dos aspectos institucionais estabelecidos no SINGREH
Estabelecidos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), os aspectos institucionais objetivam esclarecer o papel dos entes envolvidos na gestão das águas. Considera que há uma lacuna de ordem legal quanto aos mecanismos de cooperação entre a União, os Estados/Distrito Federal e os Municípios. A falta de mecanismos de cooperação é visível no caso de bacias que têm cursos de rios com distintas dominialidades.
Quanto aos colegiados do SINGREH, a exemplo dos Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH), o estudo prescreve que deveriam ser consultivos e fiscalizatórios. No que se refere às Entidades Delegatárias, indica a necessidade da adoção de métodos simplificados de controle. Dentre essas modalidades de simplificação, o estudo sugere:
3.3 Revisão dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos
Apresentam-se propostas de ordem técnica e legal para a revisão dos instrumentos Planos de Recursos Hídricos, Outorga de direito de uso e Cobrança pelo uso da água,
além de propor um novo instrumento: a Cessão Onerosa de direito de uso dos recursos hídricos.
3.3.1 Plano de Recursos Hídricos
O estudo propõe a revisão dos atuais Termos de Referência desses Planos com foco na definição de prioridade das ações e nas atividades que geram investimentos. Outra alternativa proposta é a edição de uma lei que altere o conteúdo mínimo desses planos e a definição de responsabilidades para a execução de medidas indicadas, com um cronograma e programação orçamentário-financeira dos programas e projetos7.
3.3.2 Outorga de direito de uso dos recursos hídricos
Menciona a necessidade de instituir normativa que possibilite reverter o quadro existente em relação ao grande percentual de usos irregulares, a universalização da outorga para efluentes e a revisão dos usos insignificantes, com a possibilidade de aprimoramento ou desenvolvimento de outorgas coletivas.
Considera a possibilidade de realização da outorga por contrato, como ocorre com outros bens públicos, a exemplo do petróleo e gás, com critérios claramente estabelecidos em Lei. Como forma alternativa foi proposto o Contrato de Outorga (uma espécie de Termo de Compromisso) firmado pelo outorgante e o usuário, que poderia ser instituído por lei ou por resolução dos conselhos de recursos hídricos. Esse Termo ou Contrato, conforme o estudo, deveria prever os seguintes tópicos:
• Definição objetiva da fórmula da cobrança, com possíveis incentivos para a adoção de boas práticas;
• Definição de metas de curto, médio e longo prazos de gestão do poder concedente em relação à disponibilidade hídrica;
• Acesso aos instrumentos de solução de conflitos, a exemplo da mediação e arbitragem.
7 Trata-se da revisão do conteúdo apresentado no art. 7º da Lei nº 9.433/97.
3.3.3 Cobrança pelo uso da água
O estudo menciona que a cobrança vem sendo implementada no país mais como fonte de captação de recursos para o financiamento de intervenções e programas na bacia hidrográfica do que estímulo à racionalização do seu uso. Para isso defende que sejam definidos, por lei, os seguintes aspectos:
• instituição de critérios e parâmetros objetivos para a cobrança, a exemplo de: detalhamento da hipótese de incidência e desoneração, elementos de apuração da base de cálculo e definição de alíquotas, indicação de fórmula de mensuração e demais elementos que qualifiquem o valor a pagar pelo usuário;
• definição do arranjo interfederativo aplicável na articulação dos gestores de bacias distintas;
• destinação dos recursos financeiros vinculados à bacia onde eles foram originários;
• majoração do valor da cobrança atrelado ao aumento de custos, ao invés de ser atualizado, periodicamente, pelos índices inflacionários;
• aperfeiçoamento da forma e dos procedimentos para a propositura e aprovação do Preço Público a ser cobrado, ao invés de serem definidos no âmbito dos colegiados deliberativos de recursos hídricos;
• definição dos procedimentos e parâmetros de arrecadação, controle de fluxo financeiro dos recursos arrecadados;
• ratificação da obrigatoriedade dos entes federados instituírem normativas próprias para a cobrança dos recursos hídricos de suas respectivas dominialidades;
• majoração da destinação dos recursos para a manutenção dos órgãos do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), dentre os quais, das Agências de Bacia ou Entidades Delegatárias;
• necessidade de estabelecer, por contrato, os direitos e obrigações entre as partes que o firmam, como é adotado nos contratos de concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
3.4 Outros mecanismos gerenciais
Sugestões de outros mecanismos gerenciais apresentados pela CNI:
• Transferência de outorga ou de alocação de água entre os usuários por meio de cessão onerosa de direito de uso dos recursos hídricos;
• Criação de créditos para investimentos privados no Plano de Bacia;
• Criação do Fundo de Recursos Hídricos, por lei, em que parte dos recursos da cobrança seria alocada em subconta específica da bacia hidrográfica;
• Concessão da gestão de bacias hidrográficas para um ente privado que assumiria os riscos da realização de investimentos para garantir a segurança hídrica8;
• Adoção de fontes alternativas de captação de recursos: (i) Fundos Patrimoniais9; (ii) Compensações Ambientais, com a possibilidade de acessar parte dos recursos advindos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)10; (iii) Pagamento por Serviços Ambientais (PSA); (iv) Empréstimos de bancos nacionais de desenvolvimento e de agências multilaterais de financiamento para implementar os planos de bacia, dentre outras modalidades de acesso aos recursos.
Como se vê, muitas das propostas apresentadas pelo estudo da CNI implicam na edição de Lei, em razão do estabelecimento de novos direitos e deveres aos diversos atores envolvidos na gestão e no uso dos recursos hídricos.
8 Conforme estabelece a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplina o art. 175 da CF/88.
9 Nos termos da Lei nº 13.800, de 4 de janeiro de 2019.
10 Conforme Lei nº 9.885, de 18 de julho de 2000.
4 ANÁLISE DO PROJETO DE LEI DA CÂMARA DOS DEPUTADOS: PL Nº 4.546/2021
4.1 Tramitação do PL
A maior parte das propostas apresentadas no estudo da CNI encontra-se contemplada no PL nº 4.546/2021, que se propõe a instituir a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica. Esse PL dispõe sobre a organização da exploração e da prestação dos serviços hídricos. Ele propõe alterações nas Leis nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e nº 9.984, de 17 de julho de 2000, que se encontram identificadas no item 4.2.2 deste Parecer. O referido PL foi encaminhado pelo Chefe do Poder Executivo Federal por meio da Mensagem nº 701/2021, apresentada ao Plenário da Câmara de Deputados em 16 de dezembro de 2021.
Quanto à tramitação processual desse PL, até o momento constatou-se que:
• Em 02 de fevereiro de 2022, esse PL foi apensado ao PL nº 1.907/2015 por proposta da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados;
• Em 11 de abril de 2022, o Deputado Xxxxx Xxxxxx xx Xxxx (PP/ES) apresentou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados o requerimento de desapensação do PL nº 4.546/2021 por entender que o assunto é específico e que não se confunde com o PL nº 1.907/2015, ao qual havia sido apensado;
• Em 18 de maio de 2022, foi indeferido pela Mesa Diretora o requerimento do Deputado Xxxxx Xxxxxx xx Xxxx (PP/ES) referente à desapensação do PL.
4.2 Análise da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica proposta pelo PL nº 4.546/2021
O referido Projeto de Lei, conforme estabelece o seu art. 4º, tem os seguintes objetivos:
“I - promover a suficiência, a sustentabilidade, a segurança e a eficiência das infraestruturas hídricas no atendimento às demandas sociais, econômicas e ecossistêmicas; e
II - ampliar a resiliência dos sistemas hídricos às variações hidrológicas naturais para manutenção das atividades usuárias
da água, sustentação do desenvolvimento econômico e social e proteção da vida, do ambiente e do patrimônio”.
Ao instituir essa nova política, o Poder Executivo Federal acredita que os mencionados objetivos serão atingidos mediante a ampliação dos investimentos, mediante a atração da participação privada, com a consequente contribuição da expansão de ativos de infraestrutura hídrica, fazendo frente às demandas nacionais de segurança hídrica.
O Projeto de Lei da Câmara nº 4.546/2021encontra-se estruturado com base em seis capítulos:
• Capítulo I – Disposições Preliminares da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica. Nesse Capítulo são trazidos os conceitos de infraestrutura hídrica, serviço hídrico, segurança hídrica e receitas extraordinárias11.
• Capítulo II – Política Nacional de Infraestrutura Hídrica. Trata dos princípios, objetivos, diretrizes dessa política nacional e dos seus quatro instrumentos, nos termos do seu art. 7º: (i) Plano Integrado de Infraestruturas e Serviços Hídricos;
(ii) Sistema Nacional de Informações sobre Infraestruturas e Serviços; (iii) Plano de Gestão de Infraestruturas Hídricas; (iv) Programa Nacional de Eficiência Hídrica”;
• Capítulo III – Prestação e exploração dos serviços hídricos públicos. Trata da titularidade da gestão desses serviços, dos direitos do titular, dos deveres da entidade reguladora dos serviços, dos direitos e obrigações do prestador dos serviços e dos usuários, da política tarifária, dos contratos de concessão e da permissão de exploração dos serviços hídricos;
11 O art. 2º do PL traz as seguintes definições para esses termos: 1) Infraestrutura hídrica: ...”empreendimento de interesse coletivo para disponibilização, acumulação, armazenamento, contenção, infiltração, captação, tratamento, transporte, adução, elevação e rebaixamento, manejo, entrega ou retirada de água em benefício de seus usuários”; 2) serviço hídrico: ”serviço resultante do conjunto de atividades realizadas por meio de infraestruturas hídricas, destinadas ao controle e ao gerenciamento de quantidade, qualidade, nível ou pressão, além da regularização, da condução e da distribuição espacial e temporal de água em benefício de seus usuários”; 3) segurança hídrica: “condição de disponibilidade de água, em quantidade e qualidade suficientes para o atendimento às necessidades humanas, à prática das atividades econômicas e à conservação dos ecossistemas, associada a um nível de risco relacionado a secas e cheia” e 4) receitas extraordinárias: “receitas alternativas, complementares, acessórias ou decorrentes de projetos associados, previstas em edital, obtidas pelo prestador do serviço hídrico em decorrência da realização de atividades econômicas nas áreas objeto da concessão que não sejam remuneradas por tarifas ou contraprestação pública”.
• Capítulo IV – Prestação e exploração dos serviços hídricos privados. Refere- se à prestação de serviços hídricos decorrentes de infraestrutura hídrica de propriedade privada, bem como das obrigações e responsabilidades do prestador de serviços;
• Capítulo V – Sanções;
• Capítulo VI – Disposições Finais e Transitórias. Esse Capítulo identifica os dispositivos das Leis nº 9.984/2000 (que tratam das competências da ANA) e nº 9.433/97 (que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos).
4.2.2 Alterações propostas para a Lei nº 9.433/97
Com a edição da Lei da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos continuará vigente com as seguintes modificações apresentadas pelo mencionado PL:
• Art. 5º: inclui a Cessão Onerosa de Direito de Recursos Hídricos no rol de instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos;
• Art. 13º: acrescenta um parágrafo que estabelece a necessidade de a entidade outorgante de recursos hídricos encaminhar ao prestador de serviços hídricos a relação de usuários detentores de outorgas que englobem benefícios decorrentes da prestação do serviço hídrico;
• Art. 15º: acrescenta dois dispositivos no rol das hipóteses de suspensão da outorga, nos casos de: (i) necessidade de se manter a navegabilidade do corpo de água e (ii) inadimplência do outorgado junto ao prestador dos serviços hídricos;
• Art. 18º, Parágrafo único: dispõe sobre a possibilidade de cessão do direito outorgado, parcial ou totalmente, de forma onerosa e temporária, entre usuários de recursos hídricos;
• Art. 20º: acrescenta três parágrafos a esse artigo, que tratam da cobrança pelo uso de recursos hídricos sujeitos a outorga. Disciplina a cobrança nos casos em que não haja comitês de bacias hidrográficas e agências de bacia instituídos, propondo que sejam feitos estudos pelo órgão outorgante, para estabelecer mecanismos e limites mínimos de valores transitórios de cobrança a serem aprovados pelo respectivo colegiado de recursos hídricos;
• Art. 27º-A a 27º-F: incluí seis artigos referentes à Cessão Onerosa de Direito de Uso dos Recursos Hídricos. Essa cessão dar-se-á mediante Contrato de Cessão firmado entre o detentor da outorga e o interessado no uso das águas, cujas regras serão estabelecidas por meio de resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, em relação às bacias hidrográficas, sub-bacia ou sistema de reservatório e seu vale perenizado;
• Art. 35º: inclui três novas competências para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos:
“XIII - apreciar o Relatório de Segurança de Barragens, fazer, se necessário, recomendações para melhoria da segurança das obras, e encaminhá-lo ao Congresso Nacional;
XIV - analisar e referendar os Planos de Recursos Hídricos de Bacias de rios de domínio da União;
XV - estabelecer critérios gerais para a implementação do instrumento de cessão onerosa de direito de uso de recursos hídricos”.
• Art. 38º: prevê a dupla aprovação do Plano da Xxxxx. Depois de aprovado no Comitê, ele segue para a aprovação do respectivo Conselho de Recursos Hídricos. Trata-se da aprovação do referido Plano em duas instâncias colegiadas;
• Art. 44º-A: acrescenta artigo que estabelece as modalidades de prestação de serviço público de gerenciamento de recursos hídricos, por Agência de Bacia:
a) diretamente, por meio dos órgãos ou das entidades da Administração Pública Federal; b) ou por delegação a terceiros, por meio de Concessão Administrativa12 ou por celebração de Contrato de Gestão13, podendo contemplar serviços e obras de engenharia previstos nos Plano de Recursos Hídricos de sua área de atuação;
• Art. 44º-B: acrescenta artigo para tratar da prestação do serviço público de gerenciamento de recursos hídricos por meio de Concessão Administrativa. As
12 Nos termos da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004.
13 Conforme a Lei nº 10.881, de 9 de julho de 2004.
obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública Federal poderão ser garantidas pela vinculação de receitas obtidas com a cobrança pelo uso de recursos hídricos, sem prejuízo da possibilidade de utilização de outras espécies de garantia14;
• Art. 44º-C: acrescenta artigo que trata da prestação do serviço público de gerenciamento de recursos hídricos por meio de Concessão Administrativa podendo a concessionária realizar a cobrança pelo uso de recursos hídricos, em favor da União, em sua área de atuação.
• Art. 44º-C Parágrafo único: acrescenta dispositivos que estabelece a não aplicação dos 7,5% aos contratos de Concessão Administrativa do serviço público de gerenciamento de recursos hídricos para o pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo15. Essa remuneração da concessionária deverá estar prevista no Contrato de Concessão Administrativa, da mesma forma como está previsto no art. 5º da Lei nº 11.079, de 2004 (Lei de Licitação e Contratação de Parceria Público-Privada).
4.2.3 Alterações propostas para a Lei nº 9.984/2000
As alterações do PL à Lei nº 9.884/2000 pretendem ajustar as competências da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) no sentido de fazê-la atuar como entidade reguladora dos serviços hídricos de titularidade federal. Essas são as alterações do art. 4º da Lei nº 9.984/2000:
• Elaboração dos estudos técnicos, pela ANA, para subsidiar a definição dos valores, pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos de domínio da União. O CNRH estabelecerá os mecanismos e os quantitativos da cobrança ao invés dos Comitês de Bacia Hidrográfica de rios de dominialidade da União (inciso VI);
• Estende o apoio da ANA às iniciativas voltadas para a criação de comissões de usuários de água e de outros arranjos alternativos locais (em articulação com os órgãos gestores de recursos hídricos estaduais e distritais) para a
14 Conforme a Lei nº 11.079, de 2004, art. 8º, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública.
15 Exigência da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, art. 22, § 1º.
resolução e o acompanhamento de problemas hídricos específicos. A ANA apoiará outros arranjos alternativos de usuários da água, ao invés de dar esse apoio apenas à criação de Comitês de Bacias Hidrográficas (inciso VII);
• Estabelece a possibilidade de a ANA realizar diretamente a cobrança nos casos em que haja omissão ou inexistência de comitês (CBH), nos termos que se seguem: “implementar, diretamente ou em articulação com os Comitês de Bacia Hidrográfica, a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, nas hipóteses de omissão ou de inexistência desses comitês” (inciso VIII);
• Ratifica a “...responsabilidade de regular e fiscalizar, quando envolverem corpos d’água de domínio da União, a prestação do serviço público de irrigação, se em regime de concessão, hipótese em que lhe caberá́ disciplinar a prestação desses serviços, em caráter normativo, e o estabelecimento de padrões de eficiência e de tarifas, quando cabíveis, e a gestão e a auditagem de todos os aspectos dos contratos de concessão, quando existentes” (inciso XIX). Em relação ao texto ora vigente, a proposta do PL foi focada na prestação do serviço de irrigação, tendo sido excluída a expressão “água bruta”, pois sua disponibilização não constitui serviço hídrico, nos termos do PL;
• Acrescenta três novas competências à ANA, ao final do art. 4º da Lei nº 9.984/2000 (incisos XXV a XXVII:
- “delegar a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União existentes em áreas inseridas em unidades estaduais de gerenciamento de recursos hídricos cuja cobrança em âmbito estadual ou distrital tenha sido implementada e realizar a descentralização das receitas na forma prevista no § 6º”16;
- “regular e fiscalizar os serviços hídricos de titularidade da União”;
16 O § 6o do art. 4º dessa Lei nº 9884/2000 trata da aplicação das receitas mencionadas no inciso IX desse artigo, que será feita de forma descentralizada, por meio das agências e, na ausência ou impedimento destas, por outras entidades pertencentes ao Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
- “celebrar, regular e fiscalizar os contratos de concessão administrativa do serviço público de gerenciamento de recursos hídricos de domínio da União”.
• Acrescenta o artigo 4º-C e seu Parágrafo único com o objetivo de atribuir à ANA a regulação dos serviços hídricos de titularidade da União, podendo ser delegada a outra entidade a regulação desses serviços, mediante justificativa fundamentada.
Em resumo, a instituição da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica proposta pelo PL nº 4.546/2021 não revoga a Política Nacional de Recursos Hídricos, mas altera os dispositivos das Leis nº 9.433/97 e nº 9.984/2000. Constata-se, também, que o conteúdo do referido PL se encontra alinhado com as propostas apresentadas no estudo da CNI.
Ressalta-se, que esse PL foi apresentado em um momento político distinto do atual. Contudo, o interesse na sua tramitação dependerá das forças políticas relacionadas à Região Nordeste, que têm maior interesse no acesso aos serviços hídricos mencionados no referido PL.
5 COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE O ESTUDO DA CNI
O estudo defende os temas que se seguem, sobre os quais podem ser feitos os seguintes comentários.
5.1 Regulamentação da cobrança por Xxx
Propõe que devem ser contemplados os elementos da cobrança que possam determinar seu valor, incentivos à boa prática, facilitação na aplicação dos recursos arrecadados e simplificação dos controles.
Comentários:
O fato de a Lei nº 9.433/97 não ter estabelecido diretamente os critérios da cobrança não significa que há lacuna nessa Lei. Esse instrumento legal estabelece quais são os entes ou instituições que deverão fazê-lo. Assim, ela delegou essa tarefa aos colegiados do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), nos seguintes termos:
• Ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) compete estabelecer critérios gerais para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança por seu uso (art. 35, X);
• Aos Comitês de Bacias Hidrográficas cabe estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados (art. 38, VI);
Essa Lei poderia ter trazido os critérios e mecanismos da cobrança, mas optou por não fazê-lo. Ao descentralizar a decisão de estabelecer esses critérios estaria atendendo a uma das diretrizes da Lei nº 9.433/97: “a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País” (art. 3º, II). Além disso, vale ressaltar que, caso essas normas sejam instituídas por lei como menciona o estudo da CNI, deixará de existir a celeridade na edição de instrumentos legais que dão suporte à gestão de recursos hídricos, pois, desde a apresentação de um projeto de lei até a sua promulgação, na maioria das vezes leva muitos anos de tramitação. Vale lembrar que os conflitos que envolvem o uso da água não conseguem aguardar muito tempo para serem resolvidos.
5.2 Revisão dos aspectos institucionais estabelecidos no SINGREH
Objetivam esclarecer o papel dos entes envolvidos na gestão das águas, especialmente nos casos de bacias que têm rios com distintas dominialidades. Quanto aos colegiados do SINGREH, a exemplo dos Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH), o estudo prescreve que deveriam ser consultivos e fiscalizatórios. Destaca a importância das Entidades Delegatárias como gestoras das bacias hidrográficas e indica a necessidade da adoção de métodos simplificados de controle das entidades sob regime de Contrato de Gestão.
Comentários:
• Existem dificuldades de integração entre os órgãos federados na gestão dos recursos hídricos, como o estudo aponta. Isso decorre do modelo federativo adotado no país baseado nas diversas instâncias de poder, todas autônomas e com capacidade legislativa (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Esse modelo é produto de um processo histórico que buscou a coesão territorial do país, fato esse que lhe dá vantagem competitiva no mundo globalizado. A integração dos entes federados se constitui um dos maiores desafios para que as políticas públicas, em geral, possam ser implementadas. Avanços existem, mas há a necessidade de buscar mecanismos de cooperação entre os entes da federação para assegurar as bases da segurança hídrica. Além disso, cabe pontuar que há distorções no Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH), na medida em que relega os Municípios à condição de usuário ao invés de tratá-lo como gestores de bens públicos;
• Ao atribuir aos Comitês de Bacias a função meramente consultiva, como defende o estudo em análise, perder-se-ia a possibilidade de adequar a gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País, por meio de uma gestão descentralizada e participativa, que são dois importantes fundamentos da política hídrica nacional;
• Não há dúvida de que é necessária a desburocratização da Administração Pública, pois seus entraves impactam na sua eficiência, que é um valor
constitucional explicitado no caput do art. 37 da Constituição Federal (CF/88)17. As Agências de Bacias e/ou as Entidades Delegatárias, sob regime de Contrato de Gestão, são entes do setor privado que ao lidar com recursos públicos devem adotar os rigores administrativos da prestação de contas, mas que precisam trabalhar com métodos simplificados de controle para que possam ter mais agilidade na gestão.
5.3 Revisão dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos
O estudo aponta propostas de ordem técnica e legal de revisão dos seguintes instrumentos: Planos de Recursos Hídricos, Outorga de direito de uso e Cobrança pelo uso da água. Além disso defende a criação de outro instrumento: a Cessão Onerosa de Direito de Uso dos Recursos Hídricos.
• Quanto aos Plano de Recursos Hídricos o estudo propõe a revisão dos atuais Termos de Referência com foco na definição de prioridade das ações e nas atividades que geram investimentos. Como alternativa, propõe a edição de uma lei que altere o conteúdo mínimo desses Planos e a responsabilização na execução de medidas indicadas, com um cronograma e programação orçamentário- financeiro dos programas e projetos.
Comentários:
Essas alterações atualmente podem ser viabilizadas no âmbito das resoluções de colegiados ou mesmo quando da elaboração dos Termos de Referência, não se justificando essas alterações por meio de lei. A Política Nacional de Recursos Hídricos escolheu atribuir aos colegiados as deliberações dessa natureza, justamente para dar agilidade na edição de normas e nos demais ajustes que se fizerem necessários.
17 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ”
• Em relação à Outorga de direito de uso dos recursos hídricos, o estudo menciona a necessidade de se instituir normativa que possibilite reverter o quadro existente em relação ao grande percentual de usos irregulares, a universalização da outorga para efluentes e a revisão dos usos insignificantes, com a possibilidade de aprimoramento ou desenvolvimento de outorgas coletivas. Considera a possibilidade de realização da outorga por contrato, como ocorre com outros bens públicos, a exemplo do petróleo e gás, com critérios claramente estabelecidos em Lei.
Comentários:
O estudo pretende que seja eliminada a precariedade que existe, do ponto de vista administrativo, no ato da outorga. É importante destacar que a Constituição Federal/88 estabeleceu que esse é o tipo de ato administrativo que o detentor dos recursos hídricos deve expedir para permitir o acesso a esse bem, como se depreende do texto do inciso XIX do art. 21, que atribui à União ...” instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso” (grifo nosso). Assim, a CF/88 não escolheu a concessão, o contrato de gestão e nem outra tipologia de ato governamental para se ter acesso à água. Esse é o tipo de relação “contratual” entre o detentor da água e o usuário do bem constitucionalmente estabelecido18.
Ressalta-se que, além da outorga, nos casos de crise, vem sendo estabelecidas mesas de negociação, a exemplo da alocação negociada da água que busca minimizar os riscos, de modo compartilhado. Trata-se de uma espécie de outorga negociada em termos coletivos, que se aplica aos usuários da água, como forma de prevenir e mediar conflitos.
De qualquer modo, não resta dúvida de que o instrumento da outorga deve ser constantemente aprimorado em busca de maior segurança hídrica, de modo a garantir o acesso aos múltiplos usuários da água.
18 Para dar acesso a bens da propriedade da União, a Constituição Federal de 1988 determinou outras modalidades. No caso de recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica, seja a pesquisa como a lavra, esse acesso pode se dar mediante autorização ou concessão da União (art. 176, § 1º). Para os serviços públicos foi estabelecido o sob regime de concessão ou permissão (art. 30 e 175).
• Quanto à Cobrança pelo uso da água, o estudo defende que sejam estabelecidos mediante lei os critérios e parâmetros objetivos, a exemplo das hipóteses de incidência e desoneração da cobrança, elementos de apuração da base de cálculo e definição de alíquotas, indicação de fórmula de mensuração e demais elementos que qualifiquem o valor a pagar por parte do usuário, definição do arranjo federativo aplicável à articulação de gestores de bacias distintas e destinação dos recursos financeiros vinculados à bacia onde eles foram originários.
Comentários:
Atualmente esses assuntos vêm sendo tratados no âmbito dos colegiados de recursos hídricos, em razão do modelo descentralizado e participativo que o país adotou para fazer essa gestão. Por essa razão, esses critérios podem continuar a ser estabelecidos com base nos colegiados, pois suas determinações são de cumprimento obrigatório, além de serem modificados com mais celeridade, caso haja a necessidade de alteração desses critérios.
• Quanto à inclusão do instrumento da Cessão Onerosa de Recursos Hídricos, o estudo aponta a possibilidade de o ordenamento jurídico do país incorporar a transferência de outorga ou de alocação de água entre os usuários por meio desse instrumento.
Comentários:
A Cessão Onerosa defendida no estudo da CNI encontra-se contemplada em um capítulo específico do mencionado PL nº 4.546/2021. Trata-se de um instrumento que pode apresentar alguma contribuição à gestão dos recursos hídricos, mas que merece toda a cautela, pois ele vem sendo aplicado em países que adotam outro tipo de modelo gerencial para buscar a segurança hídrica.
Para verificar se a Cessão Onerosa é compatível com o modelo adotado pela Lei
nº 9.433/97, poderiam ser feitos os seguintes questionamentos:
•
A doção da Cessão Onerosa seria capaz garantir o uso múltiplo da água? Essa questão se justifica na medida em que, quem tem dinheiro terá
acesso à outorga de alguém que ao invés de produzir qualquer bem
primário ou industrializado, deixará de fazê-lo. Assim, os setores mais rentáveis poderiam monopolizar as outorgar expedidas para diversos usos, pois seria mais rentável disponibilizar sua outorga do que assumir os riscos e as incertezas do processo produtivo. Não se pode esquecer que um dos fundamentos do PNRH é ...”a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas” (Lei nº 9.433/97, art. 1º, III);
• Como seria garantido o acesso da água aos usos prioritários (abastecimento humano e dessedentação animal) em momentos de crise? A empresa de saneamento irá negociar, um a um, com os detentores da outorga para que as pessoas possam ter acesso ao bem vital? Esses usos prioritários são estabelecidos como fundamentos da política hídrica nacional (Lei nº 9.433/97, art. 1º, III);
• Como seria a articulação dos entes do SINGERH em momentos de crise, no controle da Cessão Onerosa, uma vez que tem sido recorrente a falta de integração dos órgãos governamentais e das diversas políticas públicas?
Com esses questionamentos, não se quer dizer que esse instrumento não possa ser útil em algum momento. Caso venha a ser instituído, deverão ser estabelecidas todas as restrições que impeçam ou dificultem o atingimento dos objetivos, dos fundamentos e das diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos. Talvez, pode ser algo a ser adotado em momento de crise, em circunstâncias bem delimitadas e reguladas, com aplicação em prazo restrito, para que não sejam desestimulados os diversos usos do solo e da água, merecendo atenção especial a questão da sua interferência em relação aos usos prioritários.
5.4 Outros mecanismos gerenciais
Além desses quatro grandes tópicos, o estudo da CNI menciona a necessidade de:
• Majorar o valor da cobrança com base no aumento de custos, ao invés de ser atualizado periodicamente pelos índices inflacionários;
• Aperfeiçoar os procedimentos para a propositura e aprovação do Preço Público a ser cobrado pelo uso da água;
• Definir os procedimentos e parâmetros de arrecadação, controle de fluxo financeiro e arrecadação dos recursos;
• Ratificar a obrigatoriedade de entes federados instituírem normativa própria para a cobrança dos recursos hídricos de suas respectivas dominialidades.
Comentários:
As propostas apresentadas pela CNI referem-se ao aperfeiçoamento de procedimentos operacionais ou de exigências legais já existentes, como é o caso instituição do aparato jurídico necessário à cobrança pelo uso da água no nível estadual.
Sugere, ainda, o estudo da CNI, a instituição de novos mecanismos gerenciais:
• Criação de créditos para investimentos privados no Plano de Bacia;
• Criação do Fundo de Recursos Hídricos, por lei, em que parte dos recursos da cobrança ficaria alocada em subconta específica da bacia hidrográfica;
• Concessão da gestão de bacias hidrográficas para ente privado que fará investimentos para garantir a segurança hídrica e assumir os riscos daí advindos;
• Adoção de fontes alternativas de captação de recursos: (i) Fundos Patrimoniais; (ii) Compensações Ambientais (instituir uma norma de caráter hídrico, segregando parte dos recursos advindos do SNUC); (iii) Pagamento por Serviços Ambientais (PSA); (iv) Empréstimos em bancos nacionais de desenvolvimento e agências multilaterais de financiamento para implementar os planos de bacia, dentre outras modalidades.
Comentários:
Os mecanismos gerenciais elencados são de cunho econômico e buscam o reforço na obtenção de recursos financeiros para a ampliação da disponibilidade hídrica. As propostas contemplam a criação de créditos para investimentos privados, a instituição de fundo nacional de recursos hídricos, a concessão da
gestão de bacias hidrográficas por ente privado para viabilização de investimentos e a ampliação de fontes de captação de recursos (por meio do mecanismo de Pagamento por Serviços Ambientais, Fundos Patrimoniais e empréstimos bancários).
Dentre todas as propostas citadas, a concessão da gestão de bacias hidrográficas por ente privado gera controvérsia. Além disso, o texto da CNI não está claro, pois faz analogias com áreas distintas, com natureza de serviços diversos que não se aplicam à gestão das águas, a exemplo de concessão de rodovias, hospitais, manutenção predial e lavanderias. O que se tem hoje é a gestão da bacia por delegação, como ocorre com as Entidades Delegatárias, que são entes privados sem ânimo de lucro. O texto da CNI remete a um desdobramento forçado de conceitos de serviços públicos urbanos (Parceria Público Privada – PPP) para o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, que opera com base em outros conceitos e fundamentos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A promulgação da Lei nº 9.433/97 se deu no bojo da Reforma do Estado Brasileiro, de 1995, que defendia a descentralização da gestão pública mediante processos participativos, com o compartilhamento da gestão pública com o Terceiro Setor (organizações não governamentais). Da forma como foi concebida, a Política Nacional de Recursos Hídricos se apoia nas decisões de instâncias colegiadas, mostrando que se trata de uma política pública “não exclusivamente estatal”. Isso significa que, para ser viabilizada, depende dos atores qualificados que se sentam à mesa de negociação para tomarem decisões, cujos efeitos repercutem em toda a coletividade.
Ocorre, contudo, que essa política não tem conseguido se viabilizar em todo o território nacional. Muitas são as bacias que se encontram à margem dessa política, por não apresentarem viabilidade econômica e, consequentemente, não contarem com recursos financeiros. Assim, não se instala a Agência de Bacia, ou a Entidade Delegatária, a quem caberia efetivar a pretendida gestão das águas, não se podendo falar em segurança hídrica nessas circunstâncias.
Mesmo assim, muitos avanços podem ser atribuídos à implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, cujos rumos vêm sendo ajustados ao longo do tempo, tanto do ponto de vista técnico como legal. Em outras palavras, o caminho vem sendo construído, ao caminhar, com muitos tropeços. Os avanços obtidos, mesmo que de forma gradual, não podem ser desconsiderados. Trata-se de um novo paradigma de Administração Pública onde o Poder Público precisa da efetiva participação dos usuários para ter eficácia na gestão de um bem vital, que é a água, de modo descentralizado e participativo, e tudo vem caminhando no sentido de aprimorar esse novo modelo negocial, que é a base da gestão das águas.
Nessa perspectiva, o estudo da CNI deve ser entendido como um conjunto de contribuições que apontam alguns caminhos para a obtenção de recursos financeiros que apoiem essa política hídrica nacional. Contudo, a implementação das ideias apresentadas não poderá trazer prejuízos ao que se conquistou e nem a descaracterização dos processos participativos.
Há que se ponderar, ainda, que a gestão das águas não depende somente de recursos financeiros e da promulgação de leis. Depende também de uma ampla
revisão do papel do Estado na economia moderna, visto que, depois de 1995, quando se realizou a mencionada Reforma do Estado Brasileiro, o país sofreu grandes alterações, tendo passado por um amplo processo de privatização, com alterações no processo de regulação e fiscalização quanto ao uso de bens públicos e concessões de serviços.
Enfim, muitas providências devem ser tomadas, simultaneamente, pois não é somente a gestão dos recursos hídricos que vem sendo afetada, mas as políticas públicas, em geral, que têm seus avanços limitados pela falta de definição precisa do papel do Estado na economia.
Adv Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx
OAB/BA 11831