André Rodrigues Parente
Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
O Encerramento do Contrato de Distribuição Comercial: aviso prévio e indenização de clientela. Contributos do Direito Português e Europeu para a compreensão do Direito Brasileiro.
Tese de doutoramento apresentada por Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx para obtenção de grau de Doutor em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, sob a orientação do Professor Doutor Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx e com a coorientação da Professora Doutora e Livre Docente Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
PORTO 2022
DEDICATORIA
Dedico essa tese à minha esposa Xxxxxxx e aos meus amados filhos Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx, meu porto seguro, pelo amor incondicional e apoio irrestrito que sempre me ofertaram.
RESUMO
O contrato de distribuição comercial (concessão comercial), embora relativamente recente no formato atualmente aplicado, possui inquestionável importância econômica como método de distribuição e escoamento da produção do fabricante, como também em sua estratégia de promover os seus produtos em novos mercados e públicos consumidores. Através de uma relação estável e colaborativa, produtor e distribuidor se unem em um pacto contratual, com viés mutualístico, em que o distribuidor, em seu nome e por sua conta, é integrado na rede de distribuição do fabricante e, como tal recebe deste orientação e alguma intervenção, em tese, moderada, e assim, instrumentalizado através de compras para posterior revenda, atua no sentido de alargar o mercado consumidor do fabricante, em áreas não ou poucos exploradas, recebendo, nesse processo, lucro
por meio da revenda dos produtos que adquire. Dado o caráter colaborativo e duradouro dos pactos de distribuição, bem como os investimentos realizados, é vurgar a verificação de contratos com forte dependência econômica e, assim, com nítida assimetria entre os contratantes durante toda a vigência da relação pactuada; desde, muitas vezes, o momento pré-contratual, de negociação, à assinatura do contrato normalmente de adesão, até o seu desenlace. Cumpre analisar se, ao distribuidor comercial, assiste o direito a uma tutela, tal qual o agente, ao final do contrato, pesando, em tal abordagem, as similitudes e as diferenças fisiológicas entre os tipos contratuais. Especificamente, é de verificar, sob a ótica do presente trabalho, questões atinentes, fundamentalmente, ao pré-aviso decorrente da denúncia imotivada, bem como à aplicação da indenização de clientela, ao distribuidor, por extensão analógica do regime da agência. A abordagem focará no direito brasileiro, cuja temática da indenização de clientela ainda é muito pouco difundida, utilizando-se, contudo, como baliza de avaliação, a experiência normativa, doutrinária e jurisprudencial de Portugal quanto à vexata quaestio.
Palavras Chave: Distribuição Comercial. Dependência econômica. Denúncia. Xxxxx Xxxxxx. Indenização de Clientela
ABSTRACT
The commercial distribution contract (commercial concession), although relatively recent in the format currently applied, has unquestionable economic importance as a method of distribution and product flow for the manufacturer, and in his strategy to promote his products in new markets and consumer audiences. Through a stable and collaborative relationship, producer and distributor are united in a contract, with a mutual bias, in which the distributor, in his name and on his behalf, is integrated in the manufacturer's distribution network and, as such, receives guidance and some intervention, in theory moderate, from the manufacturer. Thus, through purchases for subsequent resale, he acts to expand the manufacturer's consumer market in areas that are not or little explored, receiving, in this process, profit through the resale of the products he purchases. Given the collaborative and lasting nature of distribution agreements, as well as the investments made, it is possible to conclude contracts with strong economic dependence and, therefore, with clear asymmetry between the contracting parties during the entire period of the agreed relation; from the pre-contractual moment of negotiation, through the signature of the contract, until its termination. It is necessary to analyse whether a commercial distributor is entitled to the same protection as is an agent at the end of the contract, bearing in mind the similarities and differences between the types of contract. Specifically, it is important to verify, in the present work, the issues raised by the prior notice of termination without cause, as well as the applicability of the client indemnity for a distributor, by analogy with the agency system. The approach will focus on the Brazilian law, where the subject of customer indemnity is still very little discussed, using, however, as a benchmark for evaluation, the normative, doctrinal and jurisprudential experience of Portugal regarding the vexata quaestio.
Key words: Commercial Distribution. Economic dependence. Termination. Prior Notice. Client Compensation.
SUMÁRIO
Introdução 11
CAPITULO 1 Distribuição Comercial: Evolução Histórica, Conceitos 19 Gerais, Características e distinção de figuras afins 19
1.1 Origem e Evolução Histórica 19
1.2 Da Dubiedade Terminológica 22
1.3 Conceituação 25
1.4 Características 28
1.5 Regime Jurídico 33
1.5.1 Contrato legalmente atípico 34
1.5.2 Contrato misto 36
1.5.3 Contrato quadro 38
1.5.4 Contrato de colaboração 39
1.6 Distinção face figuras semelhantes 42
1.6.1 Distribuição x Mandato 43
1.6.2 Distribuição x Fornecimento 44
1.6.3 Distribuição x Agência 45
1.6.4 Distribuição x Franquia 49
1.6.5 Distribuição x Contrato de Emprego 50
CAPITULO 2 Os Fundamentos Econômicos dos Contratos de 52
Distribuição Comercial
2.1 Das Estruturas de Governança 54
2.2 Teoria dos Custos de Transação (TCT) 56
2.2.1 Custos de coordenação, motivação e custos idiossincráticos 59
2.3 Racionalidade Limitada 61
2.4 Oportunismo 63
2.4.1 Hold Up 65
2.4.2 Free Riding 66
2.5 Da aplicação temática à casuística dos contratos de distribuição 67
2.6 Da explicação econômica do sucesso da Distribuição Comercial 70
CAPITULO 3 Dependência Econômica e Abuso de tal Condição nos 76
Contrartos de Distribuição Comercial
3.1 Dependência Econômica 76
3.1.1 Marcas de prestígio e fama 84
3.1.2 Poder de compra (buyer power) 86
3.1.3 Situação de Crise e dificuldade de abastecimento 88
3.1.4 Vínculos duradouros e exigência de investimentos específicos 89
3.2 Do Abuso de Direito: Exploração da Condição de Dependência Econômica 90 e a necessária coibição
3.2.1 Do abuso de “direito”: conceito, história e incidência 90
3.2.2 Da aplicação casuística do abuso nos contratos de distribuição 92
3.3 Do combate ao abuso 96
3.3.1 O instituto dos contratos dentro do contexto histórico-econômico dos 96 séculos XIX e XX
3.3.2 Autonomia de vontade 102
3.3.3 Função social do contrato 109
3.3.4 Força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) 115
3.3.5 Boa-fé objetiva 118
3.4 Do sistema de proteção ao abuso no direito comparado 120
3.5 Das consequências do abuso 123
CAPÍTULO 4 Denúncia contratual imotivada e pré-aviso mínimo 126
4.1 Denúncia contratual. Direito Potestativo. Exercício abusivo 126
4.1.1 Formas de encerramento contratual 126
4.2 Maiores considerações acerca da denúncia imotivada: Direito Potestativo. Pressupostos, Limitações e Consequências
4.3 Análise do art. 473 do Código Civil brasileiro. Resilição Contratual. Extensão compulsória do ajuste em caso de abuso.
4.4 Denúncia Contratual. Aviso prévio. Impactos do art. 473 do CCB. Prazo Eestabilizador. Indenização por gastos de confiança
133
143
148
4.4.1 Legítima e fundada expectativa 155
4.4.2 Natureza e vulto dos investimentos 158
4.4.3 Indenização pelos gastos de confiança 159
4.4.4 Extensão compulsória do vínculo com base no art. 473 do CC brasileiro e Solução Alternativa em Perdas e Danos - Incompatibilidade
4.5 Extenção compulsória do vínculo: privilégios dos instrumentos com investimentos significativos ou incidências em situações de mero aviso prévio
163
168
4.6 Ausência de aviso prévio e previsão de cláusulas de não indenizar 171
4.7 Prazo do Aviso Prévio. Enquadramento legal, elementos e critérios 173
4.7.1 Xxxxx Xxxxxx e seu contexto histórico 173
4.7.2 Enquadramento legal no Brasil 175
4.7.3 Aviso prévio nos Contratos de concessão comercial em Portugal 177
4.7.4 Elementos e critérios da definição do prazo do aviso 181
4.8 Posicionamento da jurisprudência brasileira sobre a temárica do aviso prévio e prazo estabilizador
190
4.8.1
4.9
Sugestão de prazo
Ausência de aviso prévio nos Contratos de Distribuição Comercial
193
198
CAPITULO 5 - Da Indenização de Clientela do agente comercial 202
5.1 Conceito da Indenização de Clientela. Evolução Histórica. Modelos alemão e francês
202
5.2 Da Indenização de Clientela no Brasil 210
5.3 Da Indenização de Clientela em Portugal 213
5.3.1 Características Gerais 213
5.3.2 Pressupostos Constitutivos 214
5.3.2.1 A angariação de novos clientes para a outra parte ou o aumento substancial do volume de negócios com a clientela já existente
5.3.2.2 Benefício considerável à outra parte, após o encerramento contratual, da atividade desenvolvida pelo agente
5.3.2.3 O agente deixar de receber retribuição por contratos angariados após a cessação da agência
214
218
219
5.3.3 Fatos Impeditivos à Atribuição de Indenização de Clientela 220
5.3.3.1 Extinção contratual por razões imputáveis ao agente 220
5.3.3.2 Cessão da Posição Contratual 221
5.4 O fenômeno da clientela e sua abordagem jurídica 222
5.5 Fundamentos da Indenização de Clientela 226
5.5.1 Enriquecimento sem causa do principal 227
5.5.2 Reparação de danos 232
5.5.3 Ativo comum (clientela) 234
5.5.4 Retribuição diferida 235
5.5.5 Teoria assistencial 236
5.5.6 Posição adotada 238
5.6 Do caráter imperativo da Indenização de Clientela 241
5.7 Da antecipação do pagamento da Indenização de Clientela no curso do contrato
CAPITULO 6 Da aplicação do instituto da Indenização de Clientela ao Distribuidor Comercial
248
254
6.1 Da necessidade de tutela do Distribuidor Comercial 254
6.2 Da agência como paradigma legal ideal ao contrato de Distribuição Comercial – aplicação analógica
6.3 Da lei brasileira de Concessão Comercial e sua inaptidão para regular, por analogia, as demais relações de Distribuição Comercial
256
271
6.4 Da norma paradigma no Brasil 276
6.5 Da Indenização de Clientela do Distribuidor – abordagem no direito comparado
282
6.6 Da Indenização de Clientela do Distribuidor – aplicação no Brasil 295
6.7 Critérios para aplicação da Indenização de Clientela ao Distribuidor 303
6.8 Cálculo da Indenização de Clientela 311
6.9 Da conclusão. Resposta à problemática enfrentada 318
Bibliografia 324
SIGLAS E ABREVIATURAS
- Ac : Xxxxxxx
- Al(s).: alínea
- Art(s).: Artigo(s)
- BGB: Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão)
- CC: Código Civil
- CCB:Código Civil Brasileiro
- CEE – Comunidade Econômica Europeia
- Dec.-Lei – Decreto-lei
- GWB : Gesetz gegen Wettbewerbsbeschankungen
- HGB – Handelsgesetzbuch (Código Comercial alemão)
- LCA – Lei do Contrato de Agência
- n.– número
- NCPC: Novo Código de Processo Civil brasileiro
- op. cit. – obra citada
- p. – página
- pp – páginas
- proc – processo
- RESP: Recurso Especial
- ss. – seguintes
- STJ: Superior Tribunal de Justiça
- TCT: Teoria dos Custos de Transação
- TJRS: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
- TJSP: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
- TJRJ: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
- vol. – volume
Introdução
Os contratos de distribuição, embora relativamente recentes no mundo jurídico, e, ainda, via de regra, legalmente atípicos na maioria dos ordenamentos, possuem consagrada tipicidade social1, sendo, de forma inconteste, figura fundamental para o processo de promoção do negócio do fabricante, escoamento da sua produção e, na mesma toada, para o desbravamento de novas áreas de exploração comercial, permitindo, através de complexidade e heterogeneidade2 de suas operações fisiológicas3, o acesso de produtos a novos mercados consumidores.
Agindo sobre seu círculo de xxxxxxxx0, o distribuidor assume, pelo contrato de distribuição, obrigações referentes à criação e/ou desenvolvimento de clientela sobre os produtos do fabricante, utilizando seus conhecimentos e prestígio local, associados à implantação de medidas e atividades promocionais, com cunho publicitário, com o fim de inserir o produto, ou mesmo desenvolvê-lo, em dado mercado5.
A distribuição comercial, por caractéristica natural, é tipo contratual estável, encetando relações longevas. As partes contratuais, numa típica relação mutualista6, ao se doarem pela consecução dos seus objetivos contratuais, culminam por colaborar com o sucesso da parte contrária e, assim, por consequência, do pacto firmado.
1 Para Xxxxx Xxxxxx Xxxxx “(...) tipicidade social supõe a consciência de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua difusão e à função econômico-social que desempenham.”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx - O Contrato de concessão comercial, p. 168.
2 Que o caracteriza como contrato misto. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 45.
3 XXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxxxx – Contratos de distribuição: da tutela do distribuidor integrado em face da cassação do vínculo, p. 62.
4 Conforme será destacado ao longo da investigação, o distribuidor atua, comercialmente, sobre seu ciclo de clientela, o que, nesse particular, diferencia a distribuição da agência, na medida em que nesta, o agente atua para o principal, intermediando relações diretamente com o cliente do principal. Há, contudo, com pertinente sentido, quem defenda que a clientela não é integralmente do distribuidor (na verdade, o é apenas juridicamente), mas, na verdade (fática e economicamente), tanto do distribuidor quanto do principal. Muitas vezes, até, quando em voga marcas com notoriedade, mais do próprio fabricante do que do distribuidor. Vide, nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxx, para quem: “Pese a que, jurídicamente, los clientes sean del concesionario – quien actúa em nombre e por cuenta propia -, resulta indiscuto que, factica y economicamente, también lo son del fabricante. Se estaria, em realidad, ante um dato em buena medida ambivalente o neutro (...)” XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – La indemnización por clientela en los contratos de agencia y concesión, p. 344.
5 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx - O contrato de concessão comercial, p. 125.
6 Cientes, contudo, que as partes de um contrato nunca possuem interesses integralmente convergentes. Naturalmente, em certa altura, embora o trabalho de uma parte, no caso da distribuição, colabore para o sucesso da outra, as partes contratantes possuem interesses antagônicos.
Se durante a vigência dos contratos de distribuição as tensões entre distribuidores e fornecedores permanecem mais atenuadas, seja pela necessidade de foco na atividade fim da distribuição, seja pelo fato de estar sendo remunerado pelo seu suor durante o caminhar do contrato, seja pelo próprio receio do distribuidor, via de regra, economicamente mais frágil7 em relação ao fornecedor, é, quando da sua finalização8 que se ganham relevo os principais pontos de conflito surgidos ao longo da vida contratual9.
Especialmente, nesse sentido, porque, para o distribuidor, quando do encerramento do vínculo decorre, muito das vezes, a considerar o volume de investimentos realizados e, eventualmente, a dificuldade de adequação de tais despesas em outros negócios, a sua quebra e, assim, a extinção da empresa do distribuidor e, com isso, de todos os esforços e energias que se voltaram ao desenvolvimento da atividade comercial.
Mais ainda A própria estabilidade dos pactos de distribuição e sua vigência por prazos normalmente bem longos retiram, com frequência, a mobilidade e a motivação do distribuidor, verdadeiramente “acostumado” àquela relação, suas características e até vícios, a buscar novas parcerias.
A natureza dos investimentos realizados pelo distribuidor, bem como sua baixa comutatividade, no sentido de poderem ser aproveitados em outras relações contratuais, motivam o distribuidor a, na medida do seu limite, manter vigente sua relação contratual e desencorajam, por sua parte, que promovam o encerramento dos pactos firmados.
E é exatamente quanto ao encerramento do vínculo da distribuição, ou, mais precisamente, do ato volitivo de denunciar o contrato – ou a sua falta - e das consequências que daí decorrem, num cotejo permanente entre a liberdade contratual das partes e, porque não, sua pontual limitação, em função da assimetria econômica e negocial das partes, que se pretende atentar as considerações, estudos e pesquisas desta tese de doutorado.
7 Na maioria das vezes, embora possa haver, em tese, dependência econômica ao contrário, ou seja, do fornecedor frente ao distribuidor.
8 Interessante, nesse diapasão, a lição de Xxxxxx, para quem: “Tem-se, assim, a possibilidade de um conflito muito particular no momento da extinção do contrato de distribuição por ato do fornecedor, seja por causa de sua natureza de contrato de execução alongada no tempo, seja por causa de sua incompletude, com possibilidade de se exigir adaptações das partes no decorrer do tempo”. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx – Extinção do contrato de distribuição: fundamentos da responsabilidade contratual, p. 149.
9 Nesse sentido, feliz a colocação de Xxxxxx, para quem, sobre o contrato de concessão comercial: “(...) o ponto nevrálgico do contrato de concessão comercial: a extinção.” E destaca, mais à frente: “Na constância do contrato, o esforço despendido pelo concessionário no incremento da clientela beneficia-o também. (...) O pior vem depois, com a cessação da relação contratual.” XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 107.
Importante, desde logo, destacar que a perspectiva sob a qual será analisada a relação entre distribuidor e fornecedor será a estritamente privada, particular, fixada exclusivamente entre estes, sem se lançar sobre as questões externas, embora valiosas, envolvendo, por exemplo, os impactos do encerramento da distribuição comercial sobre o direito concorrencial10.
A ausência legislativa de uma norma que regule a distribuição comercial - via de regra-, se, por um lado, dificulta a atuação do respectivo intérprete, pela falta de uma escora na lei para a solução das situações postas11, por outro potencializa as contribuições teoréticas e jurisprudenciais, que, na medida do surgimento de problemas cotidianos, moldam a solução sob a ótica jurídica.
Numa outra perspectiva, outrossim, a ausência de um tipo normatizado em lei autoriza que as partes, dentro do enorme quadrante de autonomia de liberdade que possuem, desenhem e definam o contexto contratual que lhes melhor aprouver, dentro da dinâmica da realidade econômica que estão inseridas, colaborando para rejuvenescer o sistema12.
A falta de norma específica exige, ainda com maior frequência, o cotejamento prático casuístico da aplicação principiológica, especialmente, entre eles, do princípio da autonomia contratual, mesmo ciente da natural dependência econômica existente entre distribuidor e fabricante, capaz de afetar a justa definição do instrumento contratual, e o da boa-fé objetiva, princípio esse potente para infirmar cláusulas e previsões ajustadas que enfrentem a solidariedade que deve reger a relação entre as partes de um contrato.
10Quando, nos dizeres de Forgioni “(...) o negócio é inserido no contexto do mercado e analisados os efeitos que ali produzirá (...)”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 21.
11Nesse sentido, interessante a ótica apresentada por Xxxxx, para quem: “(...) na verdade, sendo certo que mesmo no âmbito dos contratos típicos são frequentes as questões suscitadas em torno destas operações de interpretação e qualificação contratual e da respectiva subsunção jurídica, é sem dúvida no domínio da atipicidade que as mesmas colocam especiais dificuldades. Desde logo, porque, neste domínio, o intérprete não encontra para o efeito qualquer apoio na lei, seja através de uma descrição do acervo normativo que há de limitar a liberdade negocial das partes no negócio em apreço, seja através de uma descrição dos seus traços essenciais (essentialia). XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx - A aplicação analógica do regime jurídico da cessação do contrato de agência aos contratos de concessão comercial: tradição ou verdadeira analogia?, p. 890.” No mesmo sentido, vide Xxxxx, para quem: “Como antes se viu, tanto entre nós como na generalidade dos ordenamentos jurídicos europeus, os negócios que sempre de suporte à distribuição integrada permanecem legalmente atípicos, pelo que faltam, em geral, regras que resolvam, de modo taxativo, o problema.”. XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Contratos de Distribuição, p. 691.
12Vide, nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxx, para quem: “A possibilidade de as partes celebrarem contratos atípicos faculta-lhes, assim, sintonizarem-se com as renovadas necessidades práticas, antecipando-se, muitas vezes, nessa tarefa, ao legislador.”. XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx – Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência,
p. 9.
Ademais disso, à mingua de um regime normativo próprio, capaz de tutelar o direito dos distribuidores, verifica-se, no ordenamento jurídico brasileiro, hesitação, na contramão do desenvolvimento europeu sobre a matéria, na indicação do paradigma que irá regular a tutela do distribuidor, notadamente quanto à figura da Indenização da Clientela que angariou e, por conta do encerramento contratual, permanecerá unicamente com o fornecedor.
O objetivo, pois, nuclear, das investigações apresentadas nesta tese será apreciar, de forma crítica, postos os preceitos referentes à distribuição comercial, seu aspecto econômico e, mais ainda, questões envolvendo a dependência econômica e os princípios das relações contratuais, os paradigmas e fundamentos utilizados pela jurisprudência brasileira para tutelar o encerramento da relação contratual de distribuição. Especificamente, quanto ao aviso prévio decorrente da denúncia imotivada dos vínculos, e, ainda, quanto à indenização de clientela, pontos nucleares da abordagem que se pretende realizar nessa persecução investigativa.
Serão utilizados, durante o processo de investigação, a doutrina, a jurisprudência e as referências legislativas comparadas de outros países sobre o tema, especialmente as de Portugal. Contudo, registre-se desde já, que, na medida em que a questão, na grande maioria dos países europeus, já é mais disseminada, os olhos do presente estudo se focam na temática no Brasil, cujo desenvolvimento do tema julga-se ser mais embrionário.
O foco será, assim, no apontamento da realidade brasileira, para, a partir da experiência europeia e, mais principalmente, portuguesa, sugerir-se, humildemente, caminhos e soluções para as grandes angústias que envolvem a questão. Mais notadamente, para as aspirações do presente estudo, consonte suso anunciado, as discussões envolvendo a denúncia contratual e seu consequente aviso prévio, bem como a Indenização de Clientela do distribuidor comercial.
Com a denúncia do vínculo de distribuição comercial, a primeira discussão que normalmente emerge é se o aviso prévio previsto no contrato, quando por escrito, ou mesmo sua renúncia prévia, é soberano, ou se os princípios da boa-fé objetiva, da lealdade e solidariedade entre as partes exigem que, casuisticamente, seja avaliado, dependendo de diversos elementos, entre os quais o vulto dos investimentos realizados e a duração do negócio, o justo pré-aviso que deverá incidir na situação concreta.
A partir de estudos realizados, bem como tendo em conta critérios como a idade dos contratos de distribuição, além dos investimentos realizados pela parte, é objetivo deste estudo sugerir determinados prazos de aviso prévio, quando, eventualmente, os alinhados pelas partes não reflitam a realidade do contrato denunciado, colaborando, de algum modo, no sentido de uniformizar a jursprudencia nacional brasileira.
Noutros termos, será analisado se, pelo critério da ponderação e proporcionalidade, há um mínimo de duração imperativa aos contratos que, ainda que imposto, não infirme, mas a ela restrinja, a liberdade da parte de não permanecer vinculada a um contrato que não intente fazê-lo, tendo em vista a justa expectativa da contraparte, que, ao realizar investimentos, imaginou um lapso contratual que permitisse o retorno ou amortização de tais custos.
Comumente, os distribuidores reclamam indenização, ou medida acautelatória, alegando abuso de direito pela quebra abrupta do contrato. Respaldada por forte corrente doutrinária e jurisprudencial13, argumentam que a dispensa abrupta é abusiva, e, como tal, gera perdas e danos14.
Nem a jurisprudência brasileira, todavia, nem mesmo a doutrina, ainda convergiram na definição de como se determina a razoabilidade, ciente de tal dificuldade objetiva, fora do contexto casuístico da vida contratual, do tempo de pré-aviso.
O fundamento que lastreia a estipulação do justo prazo de pré-aviso é que referido aviso prévio deve permitir ao distribuidor a chance de se reorganizar, de reestruturar seu negócio, de buscar novos rumos, dando sobrevivência à sua atividade empresarial.
Faltam, ainda, critérios mais sólidos e claros para a definição do tempo de pré- aviso, objetivamente analisado, evitando soluções extremamente díspares para fatos similares15. Muitas vezes, o prazo definido ao pré-aviso, antes do início da vigência
13 Vide Agravo Regimental no Recurso Especial 1.224.400-PR, julgado pelo STJ brasileiro em 04.09.2012, de relatoria da Ministra Xxxxxx Xxxxxxxx.
14 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 299-300.
15 Se Forgioni dá notícia que a jurisprudencia brasileira parece estar se inclinando à adoção de um parâmetro de um mês de pré-aviso para cada ano de contrato, é ainda possível encontrar vários julgamentos com parametrização diversa. Nesse sentido, a Apelação Civil nº 2006.001.44800, Julgamento 21/11/2006, TJ/RJ, expressa que o aviso prévio de 90 (noventa) dias para a resilição do contrato de distribuição stricto sensu trata- se de prazo razoável para contrato de 4 (quatro) anos de vigência. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 315.
contratual, não se afigura o mais justo para aplicação ao final do contrato, considerando as diversas situações, quais sejam investimentos, tempo de contrato, entre outros pontos, ocorridos durante sua vida do pacto, inimaginadas quando de sua estipulação.
Os fornecedores, por sua vez, defendem-se com a tese do exercício regular de um direito seu assegurado pelo sistema, ou, noutros termos, do direito potestativo de qualquer das partes pôr fim ao contrato, na medida em que “(...) a imposição de obrigações eternas ou vitalícias, sem fundamento na lei ou na vontade declarada, fere o senso de liberdade humano e se aproxima da noção de escravidão, tão repudiada pelo Direito e pela Justiça (...)”.16
Questão ainda mais complexa é a da aplicação da Indenização de Clientela no Brasil, especificamente para os distribuidores comerciais. Referido instituto, se de uso e conhecimento comum em Portugal e União Europeia, inclusive em virtude da Directiva 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 1986, embora, sem dúvidas, com divergências entre os países, é figura raramente tratada no Brasil. Inclusive o próprio nomen juris quase não é visto na doutrina brasileira e em arestos jurisprudenciais.
Sua extensão, por analogia, ao campo da distribuição comercial ainda é uma temática repleta de espinhos, contradições e, até, de preconceitos17. Como muito bem critica Martinez Sanz18, o que se percebe é a falta de um tratamento técnico e criterioso sobre a problemática da extensão analógica ao caso concreto, preferindo-se, ao revés, precipitar análises mais superficiais, paralelas ao núcleo do instituto, decidindo-se de acordo com concepções preformatadas e sem profundidade dogmática.
Ainda há, claramente, uma interferência dos demais tipos indenizatórios sobre a Indenização de Clientela. Não existe, como, em sua ontologia deveria existir, de forma plena,
16 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – Apontamentos sobre a responsabilidade civil na denuncia dos contratos de distribuição, franquia e concessào comercial, p. 20.
17 E esse preconceito, conforme valiosa contribuição de Xxxxxx, citado por Xxxxxxxx Xxxx: “Entendida esta noción, aqui, em sentido negativo, como barreras al conocimiento que provienen del entorno social del que juzga, de su origen y formación.” XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – La indemnización por clientela en los contratos de agencia y concesión, p. 315.
18 Xxxxxxxx Xxxx, senão vejamos: “Puede afirmarse que la cuestión, sencillamente, no ha sido objeto de verdadero estudio, siendo fruto las opiniones vertidas, con demasiada frecuencia, más de las próprias preconcepciones y deseos de los autores, que de um verdadeiro examen de si: a) cabe realmente aplicar el procedimento de la analogia en este caso; b) si se cumplen los presupuestos dicho procedimento de extensión de normas; c) xxxx xx xx xxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxx xx xxxxxxxxxx, x x) xxxx xx la verdadeira naturaliza de la compensación por clientela y si tendría sentido em sede de concesión.” E arremata o autor espanhol: “Em buen número de casos se percibe que el discurso invierte el procedimiento lógico: em lugar de desembocar em una consecuencia producto de argumentos dogmáticos, se parte de la idea a la que se quiere llegar, y solo luego se suministran los argumentos necesarios para justificarla.”. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 309/316.
na jurisprudência brasileira, a independência e autonomia da indenização de clientela frente a qualquer outra.
Se novel e ainda esparsa a compreensão, pela doutrina e jurisprudência brasileira, ao instituto da Indenização de Clientela, menos sedimentada ainda é a definição do critério, normativo ou não, a balizar a quantificação de tal indenização19.
É nesse universo de disparidades que pretendo concentrar minhas investigações, visando, assim, colaborar, de algum modo, a se conferir maior maturidade jurídica a tão relevante questão.
Se a mira das nossas análises será o direito brasileiro, utilizaremos, como dito, o direito positivo eurupeu e, mais notadamente, do direito português, bem como sua doutrina e jurisprudência, como elementos de estudo balizador comparado.
Definidos o propósito e os nortes da investigação que empreenderemos, percorremos, durante a travessia investigativa, um sedutor e necessário estudo da própria caracterização da distribuição comercial, sua análise histórica, fisiológica e seu regime jurídico.
Importantíssimo será, ainda, o aprofundamento de temas relacionados às formas de extinção do vinculo contratual, além das constantes visitas que se farão necessárias ao direito civil para investigações relacionadas ao enriquecimento sem causa e à temática do dano.
A Indenização de Clientela merecerá, por óbvio, alguma atenção, especialmente no que tange à sua compreensão ontológica e seu regime jurídico, embora seja matéria já bastante debatida em toda a geografia europeia. Uma abordagem mais visceral do instituto mostra-se determinante para a avaliação acerca da possibilidade de sua extensão ao campo da distribuição comercial e, se sim, sob que e quais aspectos.
Esperamos, assim, de forma inovadora, após o palmilhar da trilha suso anunciada, poder contribuir, por nossas investigações e pesquisas, ainda que somando um pequeno grão de areia, especialmente a partir de uma análise comparada ao modelo português e europeu, com a estruturação do instituto da Indenização de Clientela e sua aplicação aos contratos de
19 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 321-322
distribuição no Brasil, ciente das dificuldades e espinhos20 que repousam sobre a vexata quaestio.
Sabe-se que, se de um lado, agência e distribuição comercial possuem escopo econômico similar, de colaborar na promoção dos negócios do fabricante e principal, por outro, possuem distinções fisiológicas que impõem sensatos questionamentos à possibilidade de extensão analógica de um regramento ao outro tipo contratual.
O distribuidor, como sabido, possui muito mais estrutura do que, em tese, o agente e atua por sua conta e em nome próprio, revendendo diretamente os produtos à sua própria clientela.
Referidas questões, embora confiram interessantes temperos à análise do tema, não permitem, necessariamente, concluir-se que, por tais motivos, o distribuidor, especialmente ao término do contrato de distribuição, tal qual o agente, não necessite de tutela similar à garantida ao agente.
Nesse viés, a maturidade, quanto ao tema, do sistema jurídico, legal, doutrinário e jurisprudencial português, embora não imune a críticas, orientará21, como dito, uma análise comparada, permitindo olhares reflexivos e, porque não, inspirando o desenvolvimento da discussão no Brasil.
20 Sobre o tema, acosto-me novamente na doutrina do espanhol Xxxxxxxx Xxxxx, para quem: “Se há dicho, probablemente com razón, que la extensión analógica de la compensación por clientela es una de las cuestiones más polemicas y que mayor trascendencia econômica encierra de todo el dereho de la distribuición.” XXXXXXXX XXXXX – Op. Cit., p. 310.
21Sem contudo, perder de vista o encaminhamento dado ao tema em países como Alemanha, França, Itália e Espanha.
CAPITULO 1 Distribuição Comercial: Evolução histórica, conceitos gerais, características e distinção de figuras afins
1.1 Origem e evolução histórica
A despeito de datar do século XII22 a origem e base dos contratos colaborativos da distribuição comercial, foi, efetivamente, com a Revolução Industrial23 e, em sua decorrência, com o crescimento maciço da produção, a qual ultrapassou a mera necessidade do auto- consumo, que passou-se a exigir24 o desenvolvimento de formas e meios profissionais de fazer inserir estes produtos em novos mercados consumidores.
Principalmente, entre tais formas, a utilização mais frequente de intermediários, capazes de ultrapassar os muros e barreiras geográficas do fabricante e, assim, promover o escoamento de tal produção, criando novos mercados consumidores25 e capilarizando o acesso novos bens e produtos.
Xxxxx, nesse sentido, a descrição de Xxxxx Xxxxx-Xxxxxxxxx, para quem a
“distribuição é filha da abundância”26.
De fato, foi com a necessidade de expansão dos acessos a novos mercados consumidores, bem como com a necessidade de incremento dos já existentes, diante do aumento de produção ocasionado pela Revolução Industrial, que se assistiu ao desenvolvimento da distribuição comercial, esta como canal mais organizado e efetivo de distribuição da produção do fabricante.
Contudo, de forma mais precisa, tem-se, de fato, que apenas a partir da segunda metade do século XX27 a distribuição comercial passou a ser entendida no formato similar ao
22 Cfr. já tivemos oportunidade de destacar em nosso PARENTE, Xxxxx Xxxxxxxxx – O contrato de Agência Brasileiro e a indenização de clientela: uma análise crítica, reflexiva e comparativa com o sistema português, pp.1-2.
23 XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia – Op. Cit., p. 435.
24 Para Xxxxx Xxxxxxxx “A produção orientada pela o auto-consumo ou canalizada através de um comerciante incipiente, exercido, via de regra, pelo próprio fabricante, deu lugar, a partir da revolução industrial, a uma produção excedentária, em série ou em massa, e fez avultar a necessidade de escoamento dos bens.” XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 37.
25 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit, p. 44.
26 In Les Contrats de la Grande Distribuition, 1, Litec, Paris, 1995, apud ANTUNES, Xxxx X. Engrácia – Op.cit. p. 436.
atualmente verificado28. Contratos de venda exclusiva e de fornecimento de cerveja29, respectivamente na Itália e Alemanha30, sinalizavam a chegada da distribuição comercial como instrumento contratual a regular tais situações.
Certamente, colaborou para a consolidação da distribuição comercial, o fato de ser realizada de forma terceirizada à atividade do fabricante, com valorização da especialização, do outsourcing31 e valendo-se do conhecimento cultural da região pelo distribuidor, que ainda empresta sua credibilidade e boa reputação local ao processo de desbravamento do novo mercado.
Sem precisar assumir os custos e riscos de explorar atividade periférica à sua principal, e, sem dúvidas, de algum modo, transferindo parte do seu risco negocial ao distribuidor, que prometia comprar volumes habituais de produtos, o fornecedor passou a confiar32 tal atividade à pessoa ou empresa focada no tema, estabelecida, via de regra, na própria região da distribuição, utilizando-se, fundamentalmente, de sua credibilidade na área, para, assim, criar um público consumidor dos produtos que fabricava.
27 Mais precisamente, Xxxx menciona a Segunda Guerra Mundial como marco para a evolução desse tipo contratual, vejamos: “A origem dessa espécie contratual decorre da impotência do empresariado atuar diretamente no ampliado mercado consumidor após a Segunda Guerra Mundial. A produção em massa e a necessidade de pulverizar produtos propiciaram um campo fértil para a inventividade humana nas relações comerciais, culminando com o chamado contrato de concessão comercial, mais tarde rebatizado de contrato de distribuição.”. XXXX, Claudineu de – Contrato de distribuição, p. 2. No mesmo sentido é o registro de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx para quem: “O desenvolvimento da concessão comercial é um fenômeno relativamente recente, que corresponde ao interesse da empresa industrial em impor aos distribuidores a execução de sua política comercial.” XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 21.
28 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 51.
29 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribução comercial, p. 108.
30 Para Azevedo “Os contratos de concessão comercial têm proveniência, segundo pesquisas efetuadas por CHULIÁ VICENT e BELTRÁN ALANDETE, na Alemanha, com a venda e distribuição de cervejas, consistindo a relação contratual na venda do fabricante das mesmas a um distribuidor e, deste a um revendedor, que vende ao consumidor final. Nos Estados Unidos estes contratos tiveram o seu apogeu nos anos vinte, com o setor dos concessionários de automóveis. Com efeito, o comércio dos automóveis constituía uma indústria em grande expansão, com a produção em massa a funcionar na sua plenitude.”. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx – O contrato de concessão comercial a cessação e a indenização de clientela.
31 Nesse aspecto, interessante o entendimento de Xxxxxxx, para quem “Considerando que este tipo de contratação está cada vez mais divulgada, permite concluir que os grandes produtores já destrinçaram que as vantagens do contrato de concessão comercial, são muito superiores aos obstáculos que dele resultam, e além disso, permite-lhes facilidades na gestão dos negócios de maior dimensão.” XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx – O contrato de concessão comercial a cessação e a indemnização de clientela.
32 Confiar e, de certo modo, colaborar com o distribuidor, orientando sua atuação. A inclusão do distribuidor na rede de distribuição do fabricante autoriza e, porque não, até exige, uma colaboração das partes, a bem do resultado comum favorável. O excesso, contudo, é nefasto e não harmoniza com a autonomia e com a independência do distribuidor que, assumindo os riscos do seu negócio, opta por atuar em uma relação estável, habitual e de colaboração ao fabricante.
O fornecedor passou, cada vez mais, a compreender e aceitar sua parcial incompetência, ou mesmo a desnecessidade de dispêndio de tais esforços e custos para atingir áreas que o faria, de forma mais efetiva, e, talvez, menos custosa, recorrendo à figura de terceiros, autônomos e especialistas nisso33.
Se ainda possível realizar a distribuição direta34, internalizada, nas proximidades de sua sede, de sua região fabril, mais fácil seria utilizar-se da distribuição indireta, por meio do apoio de distribuidores, para regiões mais distantes. Até porque, com a globalização das atividades comerciais, o sucesso da distribuição passou a exigir o conhecimento cada vez maior de cada região e do respectivo segmento comercial objeto da atividade do fornededor35.
Importa ainda destacar que, firmada e estabelecida sua proeminência36 e seu protagonismo no desenvolver da atividade comercial, a distribuição comercial continua em constante evolução e, nos tempos atuais, questões como a distribuição seletiva e a distribuição autorizada, entre outras várias, mostram essa atualização do tipo contratual.
Socialmente típica, a via da distribuição comercial é cada vez mais utilizada com o fim de instrumentalizar, através de contratos bilaterais, relações colaborativas e duradouras, mutualistas, envolvendo, fundamentalmente, a atração de clientela aos produtos que comercializa, o que o faz por meio de compra para posterior revenda.
Se inquestionavelmente típica em sua perspectiva social, no ponto de vista legal a distribuição permanece atípica na grande maioria dos ordenamentos jurídicos mundiais37.
33 Sobre o tema, Xxxxx Xxxxxxxx arremata que “Cada vez mais se tornou indispensável a intervenção de especialistas: estes não só se concentram na atividade da distribuição, desenvolvendo-a e aperfeiçoando-a, como libertam dessa preocupação o produtor, autonomatizando-a.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribução comercial, p. 37.
34 Marzorati ao tratar da distribuição direta, explifica que “(...) nada hay de ilícito en que el panadero distribuya por sí mismo el pan que amassa”. XXXXXXXXX, Xxxxxxx X. – Sistemas de distribución comercial, p.116
35 Nesse sentido, vide XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 885-908.
36 Nesse sentido, destaque-se o arremate de Xxxxx, quando afirma que ”l’analisi econômica (egiuridica) há evidenziato uma tendenza oposta ala politica di integrazione verticale, sussistendo diversi motivi, lalora congiunturali, chi hanno sinpo imprese di grandi e media dimensione a dare corso ad una attività di decentramento, ivvero di ‘diverticalizzazione’(...) della poepeia attivitá, verso altre imprese (spesso di dimensione minori) relativamente a quelle fasi della produzione ritenute non piú convenienti ad uma gestione da compiersi all’interno dell’azienda.”. XXXXX, Xxxxxx – Subcontrato, subfornitura e decentramento produtivo tra imprese, p. 57.
37 Exceção feita aos regimes jurídicos da Bélgica (lei de 27 de Julho de 1961, alterada por lei de 13 de Abril de 1971), do Brasil – especificamente para concessionários de veículos - (lei n. 6729, de 28 de Novembro de 1979), e Macau (Código Comercial, art. 657o – 678o).
O sucesso da distribuição comercial, indubitável na organização econômica mundial, não é a ponto de afastar a existência de gargalos e desafios próprios da relação entre fabricante e distribuidor. Até por suas características fisiológicas, os pactos envolvidos numa relação contratual distributiva têm viés e aptidão para a dependência econômica de uma parte a outra do contrato.
E dependência econômica, apesar de não passar de uma mera característica de relação entre as partes, sem revelar, por si, qualquer irregularidade e vício, é ambiente fertilíssimo à verificação do abuso; esse sim, proibido e objeto de combate.
A distribuição comercial moderna convive com nós górdios, entre os quais, dentre outros, destacam-se a avaliação do grau de autonomia das partes contratantes, inclusive para os fins de renúncia antecipada de direitos indenizatórios e, ainda, a questão da possibilidade de extensão analógica dos regramentos da agência, especialmente os que aduzem ao encerramento do pacto contratual, para o ambiente da distribuição comercial.
O desafio da distribuição comercial é o de continuar protagonizando sua eficiência no cotidiano econômico do mundo, e, ao mesmo tempo, buscar e encontrar soluções aos seus gargalos, com base na equidade e boa-fé contratual, sem, contudo, fugir da sua essência, do seu tipo, e nem rumar em sentido contrário ao seu desenvolvimento.
1.2 Da dubiedade terminológica
Importante, ainda no lançar das bases da presente investigação, expor a diferença terminológica sobre o contrato de distribuição no Brasil e em Portugal, uma vez que, em relação aos seus nomen juris, tais países qualificam de forma diferente alguns tipos contratuais.
No âmbito português, além de em diversos outros países, notadamente da Europa, a distribuição comercial é compreendida como gênero38, como categoria da qual são espécies,
38Pinto Xxxxxxxx destaca, sobre o tema, que “(...) os contratos de distribuição comercial, pese embora o fim, de que compartilham, se mostre susceptível de ser prosseguido por meios diferentes, mas comungando de um
fundamentalmente39,40, a agência, a franquia e a concessão comercial, as quais, embora com individualidades próprias, que lhes dão sentido e singularidade, relacionam-se à atividade fim, colaborativa, de difundir, escoar e promover os produtos e serviços da sua contraparte em determinado mercado geográfico e consumidor.
Sobre o tema, inclusive, Xxxxxxxx Xxxx qualifica a Distribuição Comercial como uma categoria de direito com substantividade própria, mais ampla que o mero contrato de distribuição comercial. Para o autor, a categoria de Contratos de Distribuição Comercial, a quem chama de Direito da Intermediação Distributiva41, seria “(...) aquel conjunto de relaciones a través de las cuales los intermediarios profesionalies colaboran de manera estable con l productor en orden a la difusión de sus bienes, constituyendo el eslabón entre aquél y los consumidores (…)”42.
A doutora, e livre docente, Forgioni43, no mesmo sentido, aponta a diferença entre as expressões contratos da distribuição e contrato de distribuição. Destaca que:
A primeira, como anota a doutrina italiana, identifica determinada categoria de contratos cuja função econômica é aquela de ‘organizzare e curare lo smercio dei prodotti di um fabricante in um dado territorio’ (...) Por sua vez, contrato de distribuição, (...), coincide com a concessão comercial sendo, portanto, um dos contratos da distribuição.44
conjunto essencial de notas comuns que permitem enquadra-los numa mesma categoria.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribução comercial, p. 27.
39Para Xxxxx Xxxxxxxx, além dos habituais contratos de franquia, agência e concessão comercial, enquadram-se na categoria de contrato de distribuição os contratos de mediação e comissão. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 27.
40CUNHA, Carolina – O contrato de fornecimento no sector da grande distribuição a retalho.
41 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribução comercial, p. 35.
42 XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 28-29.
43 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 35.
44No mesmo sentido, vide Xxxxxx, para quem: “É assim que se fala na existência de um gênero contratual denominado ‘contratos da distribuição’, no bojo do qual estão inseridos (i) a comissão, (ii) a agência, (iii) a concessão comercial e (iv) o franchising. Todos se enquadram no gênero dos contratos da distribuição. Cada um deles apresenta suas peculiaridades, implicando posições jurídicas diferentes, no recorte das vinculações contratuais, para cada uma das partes, sendo certo que a escolha de um deles não é indiferente do ponto de vista econômico.”. XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Da aplicabilidade da indenização de clientela no contrato de concessão comercial: a compensação do concessionário pela angariação de clientela
Embora valiosa a relação com o consumidor, objeto de estudo específico, é na intermediação, nas relações com o produtor, que se centra o direito da distribuição45. A distribuição comercial que ora se cogita é aquela objeto da relação entre o fabricante e o empresário com quem comercialmente se relaciona, a titulo colaborativo. O acesso do produto ao consumidor final é palco de outra ambiência jurídica, de extrema importância, necessária tutela e murada por princípios próprios.
No Brasil, por sua vez, o uso do contrato de distribuição é usualmente utilizado como espécie, inclusive dissociada da figura da concessão comercial. Esta, na legislação brasileira, é espécie de contrato comercial específico para veículos automotores terrestres, objeto, inclusive, de lei própria – Xxx Xxxxxx Xxxxxxx, n. 6729/79. A distribuição comercial seria, por exclusão, a concessão para todos os demais bens e produtos que não veículos automotivos terrestres46.
Escapa do tradicional conceito de distribuição comercial, no Brasil, a franquia e a agência, institutos, ao contrário do contrato de distribuição, legalmente típicos, e objeto, respectivamente, de regulação pelas Leis 8.955/94 e 4.886/65.
A análise da presente tese será exclusivamente voltada ao contrato de distribuição comercial como espécie, sem considerar os tipos da agência e da franquia, apenas, em bem verdade, paralelamente e na indicação de paradigma.
Não abordaremos – senão num ou outro ponto de contato ou justificando a própria falta de contato -, outrossim, a distribuição de veículos automotores, a tal concessão comercial brasileira, que por sua individualidade e singularidade, possuem normas e regras próprias, inaplicáveis às demais modalidades de distribuição comercial
45 Destaca o notável professor português, Monteiro: “(...) a actividade desenvolvida a montante, de intermediação, instrumental e preparatória daquela transmissão (...)”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribução comercial, p. 35. No mesmo sentido, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 43. No mesmo sentido é a doutrina de Xxxxxxx, para quem os: “(...) contratos de distribuição comercial, que têm por objectivo fundamental regular as relações entre os produtores e distribuidores em sentido amplo.”. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 435.
46 Sobre o tema, valiosa a doutora de Xxxxxxxx, para quem “A Lei 6.729/1979 esclarece que a distribuição de veículos automotores efetivar-se-á por meio de concessão comercial entre produtores e distribuidores. Talvez, por essa razão, a praxe comercial refira como contratos de concessão aqueles sobre a égide do citado diploma legal, guardando a expressão contratos de distribuição para abarcar os que tratam de outros produtos.” XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 39.
1.3 Conceituação
É sabido que a razão de ser do contrato de distribuição, sua função ontológica, é permitir, viabilizar, fora da estrutura internalizada do fabricante, mas a ela integrada, a promoção dos produtos e marcas do fabricante, a exploração e a conquista de novos mercados; a angariação de nova clientela, fora dos limites geográficos do produtor, através da ajuda, apoio e prestígio do distribuidor, que, para tal, utiliza, como instrumento típico para o cumprimento dos seus objetivos contratuais, a compra para revenda dos produtos da sua contraparte, o fabricante.
A distribuição comercial permite que, sem arcar, diretamente, com os custos e riscos de uma operação internalizada, o fabricante descentralize a atividade de distribuição de sua produção, assim como garanta o desenvolvimento de canais de venda e exploração de novos mercados, mantendo, contudo, através do contrato firmado com o distribuidor, uma integração que lhe garante alguma orientação, instrução e controle de tal atividade.
Essa, como espécime contratual, lança seu olhar à relação fornecedor47 e distribuidor, e não entre esses e o consumidor final, como dito alhures, que, por seu valor e importância, é objeto de trato específico pela legislação consumerista48.
Através de uma relação habitual, profissional, colaborativa e essencialmente duradoura49, assumindo algumas obrigações, o distribuidor adquire produtos do fornecedor para revendê-los, autonomamente, com busca e finalidade lucrativas, através de sua estrutura, equipe e gestão próprias, nas áreas definidas contratualmente.
Estimulando o seu círculo próprio (pelo menos juridicamente seu) de clientes50, o concessionário fomenta o número de compradores e o volume de compra de produtos do
47Nesse contexto, as figuras do fornecedor ou do produtor, como bem destacado por Xxxxx, compreendem “(...) o titular de bens imateriais (marcas, patentes, know-how) que, conquanto não os utilize diretamente, licencia o seu uso a terceiros, de forma que estes, como veremos, não apenas comercializem, mas também produzam o bem a ser comercializado, ou, no caso de serviços, sejam os responsáveis diretos pela sua prestação.”. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Contratos de Distribuição: vida e morte da relação contratual, p. 15.
48 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 35.
49 O que caracteriza tal tipo contratual como contrato relacional.
50 Vide, sobre o tema, quanto à clientela, nota de rodapé indicada na introdução, bem como tópico específico do Capítulo 5 desse trabalho.
concedente, atuando, assim, seja na criação, seja na promoção e no desenvolvimento do mercado e da clientela daquele, em sua área de atuação51.
Integrado à rede de distribuidores do fabricante, o distribuidor aceita que o fabricante oriente sua atividade de distribuição, intervindo, de uma forma admissível, em sua operação, ao exigir o cumprimento de obrigações e a satisfação de exigências, uma vez que aquela integração, se realizada com a devida boa-fé e dentro nos estritos limites que a ela se impõe, tende a trazer resultados econômicos favoráveis ao mesmo.
A ausência de regra, de tipificações legais acerca da distribuição comercial, o que não lhe retira sua tipicidade social52, entrega, como dito alhures, a cargo da doutrina e jurisprudência53,54, o espinho de definir e conceituar o que seria o contrato de distribuição comercial.
Nesse sentido, para os fins dessa investigação, valho-me da definição55 da Professora Doutora e Livre Docente Xxxxx X. Forgioni, para quem o contrato de distribuição é
51 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 125.
52 Conforme Xxxxxxxx, para quem: “O contrato de distribuição comercial não beneficia de um regime jurídico próprio. É, nessa medida, um contrato legalmente atípico, pese embora a tipicidade social de que goza.” No mesmo sentido, vide Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denuncia de um contrato de concessão comercial, p. 49. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – O regime do contrato (típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial, pp. 41/42.
53 Nesse sentido, destaco a definição trazida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão 2287/06.6 XXXXX.XX, com relatoria de Xxxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 18.02/2014. Nos termos do julgamento unânime, a “O contrato de concessão comercial é aquele em que o concessionário, actuando em seu nome e por conta própria, compra ao fabricante ou ao fornecedor mercadorias para revender a terceiros, assumindo os riscos da comercialização, comprometendo-se a satisfazer certas obrigações (como adquirir uma quota mínima de bens e prestar assistência pós-venda aos clientes) e a observar determinadas regras, que visam definir e executar a política comercial e que corporizam a integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente, beneficiando do monopólio da venda de tais bens. Trata-se de um contrato atípico misto (...)”.
54 No mesmo sentido, vide Xxxxxxx do STJ Português, julgado em 20/6/2013 (proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Rel. Xxxxx Xxxxxxxx): “O contrato de concessão comercial, contrato consensual (art. 219.o do CC) e assim assente na autonomia privada, oneroso, atípico e inominado, modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente de contratos de distribuição, pode ser entendido como um contrato-quadro, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender á outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações — mor- mente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes — sujeitando-se, ainda, a um certo controlo e fiscalização do concedente. / Sendo, pois, os seguintes os traços caracterizadores de tal contrato: (i) estabilidade do vínculo; (ii) dever de venda dos produtos a cargo do concedente; (iii) dever de aquisição impendente sobre o concessionário; (iv) dever de revenda; (v) actuação do concessionário, em nome e por conta própria; (vi) autonomia; (vii) exclusividade; (viii) zona de actuação”.
55No mesmo sentido, Xxxxxxxx, define o contrato de distribuição como: “(...) contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando
(...) contrato bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração e de caráter estável, que acarreta um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens e serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que esse os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e de revenda e assumindo obrigações voltadas à satisfação das exigências do sistema de distribuição do qual participa.56
Em sentido similar, o Supremo Tribunal de Justiça português, por ocasião do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n. 06/2019, de 4 de novembro, enfrentou temática relativa à concessão comercial e, no bojo do julgado, definiu o referido tipo contratual:
A concessão comercial constitui um método de organização das relações entre produtor e distribuidor, a par duma técnica de distribuição de produtos no mercado. A operação económica que subjaz a este contrato, intermediando a produção e o consumo, visa precisamente a comercialização de um produto ou gama de produtos. (...) este contrato se apresenta como um contrato juridicamente inominado que, em traços gerais, se pode descrever como aquele pelo qual um empresário - o concedente - se obriga a vender a outro - o concessionário - ficando este último, em contrapartida, obrigado a comprar ao primeiro, certos produtos para revenda, em nome e por conta própria, bem como a observar determinados
certas obrigações — mormente no tocante à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes — e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente (...)” e que funda “(...) uma relação de colaboração estável, duradoura, de con- teúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebra- ção de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir.” Xxxxxxxx Xxxx, por sua vez, enfatiza, sobre a distribuição comercial, que: “(...) la concesión non se agota en una simple relación de cambio (...). Antes, ao contrario, ese elemento – certamente existente – perde protagonismo en beneficio de datos como la integración del concesionario en la red del concedente, la función económica de distribuición, el dato de la colaboración entre as partes, o la representacion económica de los intereses del concedente por el distribuidor.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denúncia de um contrato de concessão comercial, p. 39-40. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 321.
56 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 81-82.
deveres emergentes da sua integração na rede de distribuição do concedente, tendo por finalidade criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes, cuja execução se traduz na celebração futura entre as partes, de sucessivos contratos de compra e venda.
1.4 Características
Os contratos de distribuição são dotados de características essenciais que os distinguem de outros tipos contratuais, conferindo-lhe traços próprios e singulares. São elas57,58, fundamentalmente:
a) Atividade habitual, exercida de forma não eventual. A distribuição exige a constância na relação; uma habitualidade na atividade de compra e venda. A ausência de perenidade e constância na relação entre fabricante e distribuidor desnatura a distribuição comercial, equiparando-a à mera compra e venda mercantil. O tempo faz parte, na distribuição, da própria função do contrato; de sua causa59. De fato, nos contratos duradouros,
57 XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia – Op. Cit., p. 448-449.
58 O Supremo Tribunal de Justiça português (processo 391/06.0TBBNV.E1.S1-A, j. em 19/09/2019, pela 1a Secção, com relatoria de Xxxxxxxx Xxxxxx), acerca do tema, apresentou os seguintes elementos caracterizadores da concessão comercial: “(...) o contrato de concessão comercial tem como elementos caracterizadores: o carácter duradouro; a actuação autónoma do concessionário, em nome próprio e por conta própria, assim se transferindo o risco de comercialização do produtor para o distribuidor; o objecto mediato é constituído por bens produzidos ou distribuídos pelo concedente; a obrigação do concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda (dever de venda dos produtos a cargo do concedente); a obrigação do concessionário de celebrar - no futuro - sucessivos contratos de compra (dever de aquisição impendente sobre o concessionário); o dever de revenda por parte do concessionário dos produtos que constituem o objecto do contrato, não sendo necessária a delimitação de uma zona geográfica ou humana a que o mesmo se refere; a obrigação do concessionário orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato e do concedente fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade - obrigação de promoção; a exclusividade (na maioria dos casos).”. Em sentido idêntico, vide o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n. 06/2019, de 4 de novembro, do mesmo STJ português.
59 Nesse sentido, vide Xxxxxxx, para quem: “Nos contratos de duração em sentido restrito, ou seja, nos de trato sucessivo, como no de distribuição, o alongar-se o adimplemento por uma certa duração é exigência para que o contrato satisfaça os interesses que levaram as partes a contratar, atingindo a sua finalidade, ou seja, é um essentialia negotii. O tempo faz parte, nesses contratos, de sua causa final, ou de sua função, ou de sua causa”. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de – Contrato de distribuição, p. 124.
como os de distribuição comercial, só com o decurso do tempo, e daí sua essencialidade, que há a correta “conformação global da prestação”60.
O tempo – na verdade, o decurso dele -, e, com isso, o caráter duradouro do contrato é fundamental para que sua função seja atingida. É só assim que o distribuidor cumprirá seu escopo de, integrado à rede de distribuição do fabricante, colaborar na promoção dos seus produtos em determinado mercado consumidor. A revenda não é objeto da distribuição; é o instrumento utilizado pelo distribuidor para realizar seu objetivo pactual de atuar na promoção dos produtos do fabricante.61
b) Revenda com finalidade lucrativa. É na revenda e na consequente busca pelo lucro62 que o distribuidor é remunerado por sua atuação empresarial6364. O lucro é a tal ponto relevante na distribuição, como em todos os contratos empresariais, que é por e em busca dele que toda a atividade empresarial é direcionada, sendo, sem dúvidas, a função econômica do negócio65. O contrato de distribuição irá reger exatamente o conjunto de tratativas para a viabilização de tais vendas e compras para a revenda posterior, o que exigirá, pelo distribuidor, a realização de todos os seus esforços para revender os produtos adquiridos e, assim, colaborando com o fabricante, ter sucesso em sua operação econômica. O faturamento
60 É o que, com habitual propriedade, destaca Ferreira Pinto, para quem: “O que singulariza as relações obrigacionais duradouras(...) em sentido estrito – e, concomitantementre, os contratos duradouros (...) – é a circunstância de, nelas, o tempo assumir uma função essencial, a que o direito reconhece uma específica relevância jurídica: a duração, a persistência temporal da obrigação é decisiva para a conformação global da prestação, na medida em que o seu objeto é exclusivamente determinável ou quantificável em função do período de tempo em que deva ser realizada.”. XXXXX, Xxxxxxxx X. Xxxxxxxx – Resolução dos Contratos Duradouros, p. 465.
61 Vide, nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxx, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 318.
62 A busca pelo lucro é uma característica comum a todos os contratos empresariais, o que os difere, entre outros, dos contratos de natureza consumerista, em que apenas uma das partes busca auferir lucro, e dos contratos civis, em que é possível verificar situações, como no caso da doação, em que não há lucro por qualquer dos contratantes. Vide, nesse sentido, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais – Teoria Geral e Aplicação, p. 39.
63 Há quem entenda, posição, de antemão, que discordamos, pois o instrumento utilizado pelo distribuidor para atingir os objetivos do contrato (compra para posterior revenda) não infirma sua condição de promotor e colaborador do fabricante, que não existe remuneração na distribuição, mas apenas uma diferença entre preço de compra e venda. Nesse sentido, destaca Xxxxxxxx Xxxx que: “No estaríamos, em este ultimo caso, ante uma verdadeira remuneración por el trabajo de promoción realizado, sino ante la simple diferencia entre el precio decompra y el precio de venta.”. Pensamos que a remuneração do distribuidor existe e está contida dentro dessa margem de revenda do produto adquirido para esse fim. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 340-341.
64 Vide, nesse aspecto, trecho do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ português n. 6/20019, publ. em 04/11, nos termos do qual, “A Ré Recorrente não "continua a pagar" o que quer que seja à Autora Recorrida, porquanto nunca pagou, mesmo na pendência da relação comercial, qualquer remuneração pela implementação, desenvolvimento e consolidação das marcas Tena e Libero no mercado, sendo a Autora Recorrida remunerada apenas através do lucro obtido com a revenda de tais produtos, assumindo, portanto, o risco do negócio, como é elemento característico do contrato de concessão comercial,(...)”
65Vide, sobre o tema, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, p. 38-39.
do distribuidor, diferente do que ocorre na agência, não é comissionado, mas resultado da revenda e eventuais assistências técnicas que realiza sobre os produtos do fabricante. E é dentro da margem entre o valor de compra e de venda que, certamente, está o lucro do distribuidor66;
c) Atuação em nome e por conta própria. Diferente, por exemplo, da agência, em que o agente atua por conta própria, mas em nome de terceiros, o distribuidor atua em nome próprio, perseguindo o lucro e assumindo, autonomamente, os riscos que entender por correr. Ademais, a atuação dos distribuidor, por ser em nome e risco próprios, exige investimentos maiores da sua parte do que normalmente são exigidos a uma atividade de mera intermediação. Entre outros, o distribuidor tem de possuir espaço físico estruturado para manter os produtos do fabricante, deve possuir o estoque necessário para não deixar faltar produto do fabricante no mercado em que atua67, deve possuir toda a estrutura logística para encaminhar o produto até o seu destino, com a revenda, além, entre outros, de toda a estrutura operacional e de pessoal na retaguarda disso tudo;
d) O distribuidor é autônomo. Age fora da estrutura do fornecedor e por sua conta e risco, auxiliando no processo de escoamento da produção do fabricante e na exploração, para aquele, de novos mercados, emprestando sua credibilidade e conhecimento da região. Sua autonomia não impede a previsão, e nem é desidratada pela sujeição contratualmente prevista, de obrigações relacionadas a orientar a atividade de revenda. Ao distribuidor compete, entre outras, a missão de penetrar a marca do fabricante em determinada região e, nesse sentido, integra sua rede distributiva. Nada mais natural que o contrato preveja obrigações de zelo, de direcionamento das atividades e práticas específicas68.
A integração do distribuidor na rede do fornecedor, é, inclusive, característica fundamental, para Xxxxx Xxxxxxxx, do conceito de distribuidor. Sem integrar a rede de
66Nesse sentido também é lição de Xxxxxxxx Xxxx, para quem: “ Como es sabido, los concesionarios operan revendiendo mercancías adquiridas previamente, por cuenta y en nombre proprio, siendo su ganancia el margen o beneficio comercial. El agente, por contra, atua siempre por cuenta ajena, consistiendo su ganancia, per regra general, en una comisión.” XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 340.
67 Situação que, inclusive, afronta reputacionalmente contra a própria marca do fabricante.
68 Dutra destaca, sobre a questão, que o “Controle Externo sobre o distribuidor e suas atividades, diante do fato de que, em última análise, é o distribuidor responsável pela imagem da marca do fabricante, junto aos consumidores, uma vez que o distribuidor é a última linha que liga o consumidor ao produto, torna-se fundamental o fabricante precaver-se para que a imagem do seu produto não seja deturpada pelo distribuidor, zelando com relação ao transporte da mercadoria, ao preço de revenda, entre outros fatores.”. XXXXX, Xxxxxx – Contrato de distribuição.
distribuidores e, outrossim, sem partilharem de uma mesma política comercial, que autoriza a imposição de algum controle na atividade do distribuidor pelo fornecedor, aquele não passaria de um “comerciante tradicional”69.
A rede de distribuição pode ser caracterizada, conforme bem colocado por
Sperb70,
(...) como um grupamento de sociedades e também como uma superorganização empresarial que, sob o controle do fornecedor, engloba as organizações semi-autônomas dos diversos distribuidores.” Ao final, arremata o doutor que “(...) a função econômica de distribuição reclama uma atividade empresarial que conjuga atores econômicos formalmente autônomos.
Ao fabricante não interessa, unicamente, realizar a venda ao distribuidor para posterior revenda. A distribuição não se subsume a meramente isso. É ínsito à distribuição, através de integração do distribuidor em sua rede, o acompanhamento da revenda ao consumidor final.71
De fato, até pelo caráter colaborativo da distribuição comercial, seria fadar o pacto ao insucesso caso o fabricante se limitasse a tratar o distribuidor como consumidor final e, assim, não se preocupasse e, de algum modo, colaborasse com o processo de revenda. O fornecedor, aliado aos esforços do distribuidor, deve agir para inserir e promover seus produtos no mercado72. Essa interação entres os contratantes, que, em sua margem,
69Salienta ainda o aclamado autor português que é exatamente por integrar a rede de distribuidores do fornecedor, e, assim, partilhar do escopo colaborativo da distribuição e, ainda, submeter-me a controles, em níveis variados, que a agência se afigura como regime jurídico vocacionado a equacionar questões relativas à distribuição. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 41-44.
70 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 223.
71 Vide, nesse sentido, Xxxxx, para quem: “O concedente vende os produtos ao concessionário, mas não deixa por exclusiva conta deste a revenda no mercado consumidor: quer “seguir” seus produtos até o consumidor. A concessão justamente lhe propicia essa possibilidade de controle sobre o processo distributivo e imposição ao concessionário de sua política comercial, sem assunção dos ônus e riscos da distribuição direta.”. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição: vida e morte da relação contratual, p. 34.
72Vide, nesse sentido, XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 61.
inevitavelmente, pode revelar interesses contrapostos, é própria da distribuição e parte do seu sucesso.
É a partir da integração do distribuidor à rede do fabricante que este acompanha o caminho do seu produto até o consumidor final e, por conta disso, que há, de algum modo, a solidariedade de interesses econômicos entre as partes. É fundamental ao fabricante obter a informação do seu produto junto ao consumidor, e tal acesso é obtido via participação do distribuidor e do retalhista para quem seu produto é revendido. Sem integração, o produtor não teria o acesso, efetivo, da resposta do consumidor em relação ao seu produto. 73
Xxxxx, no mesmo sentido, enfatiza que “Il contratto, inserindo il concessionario nella rete distributiva del concedente, pone inoltre a carico del primo obblighi concernenti la vendita, pubblicità, mínimo di forniture, ecc (...)” 74.
Importa, sobre o tema, destacar que, apesar de comumente prevista, entende-se que a exclusividade não é, pesem valorosas opinões em contrário75, característica essencial da distribuição comercial76.
A exclusividade decorre, em cada caso concreto, de estipulação bilateral das partes77. Sua ausência, nesse sentido, não desnatura o tipo contratual78. É o caso, cada vez mais presente na dinâmica econômica hodierna, da distribuição seletiva, em que, sem qualquer garantia de exclusividade, é garantido, por contrato, ao distribuidor que cumpra determinados requisitos e que se amoldem no perfil estabelecido pelo fabricante, o direito de distribuir seus produtos, convivendo, em tais casos, com outros distribuidores.
No mesmo sentido, a compreensão quanto a figura da dependência econômica como característica comum, porém não obrigatória. É sabido, e essa é, inclusive, base para as
73 Vide, nesse sentido, Brito, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 23.
74BALDI, Xxxxxxx – Il diritto della distribuizione commerciale nell’Europa Comunitaria’, p. 75.
75 Vide, por todos, XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxx – Notas para el estudio del contrato de concesión mercantil, p. 255.
76Eis o entendimento do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, ex vi do RESP 1799627/SP, julgado em 23/04/2019, pela 3a turma do STJ, sob a rel. do Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, para quem “A exclusividade, compreendida como o direito do distribuidor de ser o único a comercializar o produto distribuído em determinado território ou em relação a determinados consumidores, não é elemento indispensável do contrato de concessão comercial.”
77Nesse sentido é o vaticínio de Xxxxx, ao enfatizar que: “Si osserva que l’esclusiva, (...) nel rapporto di concessione di vendita é sempre l’effetto di uma pattuizione.”. XXXXX, Xxxxxxx – Op. Cit., p. 77.
78BRITO, Maria Helena – Op. Cit., p. 170/174. No mesmo sentido, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denúncia de um contrato de concessão comercial, p. 47.
investigações que se materializam no presente trabalho, que os contratos de distribuição encetam, muitas vezes, relações de dependência econômica. O, normalmente, poderio econômico do fornecedor, aliado à integração do distribuir na rede de distribuição, bem como a presença de marcas fortes, com alto poder de venda, são, sem dúvidas, campos extremamente férteis à proliferação de dependência econômica.
Não se pode daí, contudo, generalizar a dependência econômica como uma constante, como algo que caracteriza todos os pactos de distribuição comercial. Os distribuidores são empresários, na maioria das vezes, estruturados; o negócio da distribuição requer investimentos vultosos e, sem dúvidas, a credibilidade e a reputação do distribuidor, aliado aos casos em que os mesmos possuem poder de negociação e compra, esvaziam a figura da dependência. Sem contar que, quanto menor for o selling power do produto distribuído, menor tende a ser chance de dependência do distribuidor ao fornecedor.
De modo que, ciente que a dependência econômica é um situação frequente nas relações de distribuição comercial, tal condição não é absoluta, e, assim, não pode ser considerada para fins de conceituação do citado tipo contratual79.
1.5 Regime Jurídico
Apontam da definição indicada supra, o regime jurídico do contrato de distribuição, quais sejam sua atipicidade, seu caráter misto, colaborativo, relacional, e, ainda, sua concepção como contrato-quadro.
79 Em sentido contrário, vide Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx, para quem: “Apontam-se para os contratos de distribuição, no plano da revenda ou concessão mercantil, as seguintes características: (...) c) contratos com controle e dependência econômica.”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – O regime do contrato (típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial, p. 45.
1.5.1 Contrato legalmente atípico
Em quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo80, os contratos de distribuição comercial não são objeto de tipificação legal81, o que não lhes retira a tipicidade social82,83,84.
Conforme anunciado algures, a atividade econômica moderna, com a globalização e inexistência de barreiras geográficas, exige e fundamenta, cada vez mais, a relação de distribuição comercial, que se tornou uma forma contratual amplamente difundida e reconhecida, por sua função e eficiência econômica, tanto pela sociedade, quanto pela ordem
80 Vide, nesse aspecto, nota de rodapé 14 de XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit, p. 28-29, quando destaca, como exceção à atipicidade legal da Distribuição Comercial, os exemplos da Bélgica (lei de 27 de Julho de 1961, alterada por lei de 13 de Abril de 1971), o Brasil (lei n. 6729, de 28 de Novembro de 1979), e Macau (Código Comercial, art. 657o – 678o).
81 Sobre o tema, vide decisão do Supremo Tribunal de Justiça português (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (Processo n.º 2368/07.9TBVCD.P1.S1), in, xxx.xxxx.xx.), ao destacar que: “O contrato de concessão comercial é um contrato atípico, uma modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente dos contratos de distribuição, pelo qual um comerciante independente, o concessionário, se obriga a comprar a outro, o concedente Ac 2409 da 5a Câmara Cível TJ-PR, j, em 20.04.1988, de relatoria do Des. Xxxxxx Xxxxxxxxx, determinados bens de marca, para os revender em determinada área territorial, normalmente, mas nem sempre, com direito de exclusividade.”
82 Tipicidade social, no vaticínio de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, “(...) supõe a consciência de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua difusão e função económico-social que desempenham.”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 168. Ainda sobre noção de tipicidade social, vide VASCONCELOS, P. Pais – Contratos atípicos, p. 59.
83 Xxxxx Xxxxx destaca que: “... negócios cuja tipicidade social é reconhecida e valorada mais ainda claramente juridicamente atípicos (contrato de concessão e o de franquia)”. Adiante, arremata que: “Efectivamente, sendo reconhecida a importância dos contratos de concessão e de franquia, no quadro geral de relações comerciais do dia de hoje, e atenta a ausência dos competentes e respectivos enquadramentos jurídicos, (...)”. XXXXX, Xxxxx Xxxx – A aplicação analógica da indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial e de franquia (Franchising), p. 02-06. Em sentido idêntico, Engrácia Antunes vaticina que “Apesar e sua aticipidade legal, trata-se indubitavelmente de um contrato socialmente típico, perfeitamente sedimentado na prática dos negócios, correspondendo mesmo a uma das modalidades mais difundidas da distribuição comercial de bens ou serviços de marca ou grande qualidade (...)”. XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia
– Op. Cit., p. 446.
84 Valioso o vaticício de Xxx Xxxxx Xxxxxx, que, sobre a questão, destaca que: “Esclarecendo que julgamos que a palavra ‘tipo’ se deve reservar para os modelos socialmente reconhecíveis dá-se a chave da resposta. Para que de ‘tipo legal’ se possa falar há de poder encontrar na lei elementos que nos permitam delimitar um modelo que seja reconhecível fora (e, por via de regra, antes) do mundo do Direito.” E continua: “Naturalmente que qualquer conceito jurídico que seja utilizado na descrição de facto a que a lei se quer aplicar há-de poder ser identificado com uma abstracção da realidade social; o que atribuímos de particular aos tipos é identificarem-se com abstracções da realidade social prévias às normas que lhes dão relevância jurídica.” XXXXXX, Xxx Xxxxx – Tipicidade e atipicidade dos contratos, p. 55-56.
jurídica. Esse reconhecimento pelo tráfico jurídico é que caracteriza a distribuição como modelo contratual com nítida tipicidade social85.
Importante ser destacado que, apesar da previsão contida nos art. 710 a 721 do Código Civil Brasileiro86 e, ainda, da Lei Xxxxxx Xxxxxxx (Lei n. 6729, de 28 de Novembro de 1979), o contrato de distribuição no Brasil ainda é materialmente atípico87.
A Lei Xxxxxx Xxxxxxx dispõe, como anuncia sua ementa, apenas sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre, possuindo, pois, até em função de sua especificidade, abrangência restrita a tais operações88,89.
Já a previsão contida nos artigos 710 e seguintes do Código Civil brasileiro, embora atecnicamente mencione, em seu Capítulo XII, o termo Da Agência e Distribuição, o texto legal não traz relação com a concessão de vendas, mas, em verdade, trata o que a doutrina e jurisprudência chamam de agência qualificada, modalidade em que o agente tem, em sua disposição, a coisa a ser negociada. Não se trata, como dito, de legiferação acerca da
85 Vide, nesse sentido, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 52-54.
86 Vide, nesse sentido, o artigo da Professora Doutora Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx, nominado “Distinção entre o contrato de agência e de distribuição”.
87 Acerca da questão, vide Dutra, “O fato é que o Contrato de Distribuição conhecido no meio empresarial, cuja característica é a aquisição do produto, com o compromisso de revendê-lo, em um determinado território, permanece atípico, ainda que a Lei Ferrari tenha disciplinado o instituto no segmento de veículos automotores e terrestres, isto porque, a Lei Ferrari não pode ser aplicada a todos os contratos de concessão de forma indistinta, posto que a Lei é específica e trata apenas de um determinado segmento (‘distribuição de veículos automotores e terrestres’), com peculiaridades que salvo melhor juízo, muitas das vezes não podem ser estendidas a outros seguimentos, por essa razão o Professor Xxxxx Xxxxx Xxxxxx diz que o Contrato de Concessão em geral é atípico (...)”. XXXXX, Xxxxxx – Op. Cit.
88Sobre o tema, Forgioni arremata “Em se tratando de um diploma legal específico, talhado para determinado setor da economia, a Lei 6.729, de 1979, não admite interpretação extensiva, sob pena de, artificialmente, causar marcadas distorções, fazendo incidir sobre mercados com outras peculiaridades, regras concebidas exclusivamente para a distribuição de veículos automotores.”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de Distribuição, p. 66.
89No mesmo sentido, vide Ac 2409 da 5a Câmara Cível TJ-PR, j, em 20.04.1988, de relatoria do Des. Xxxxxx Xxxxxxxxx, cuja ementa se transcreve: “CONTRATO. DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS COM EXCLUSIVIDADE. CLÁUSULA QUE PREVÊ A RESOLUÇÃO MEDIANTE DENUNCIA VAZIA DE QUALQUER DAS PARTES MEDIANTE PRÉ AVISO DE SEIS MESES. VALIDADE. ART. 115, DO CÓDIGO CIVIL. LEI 6.729/79. INAPLICABILIDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. APELO
IMPROVIDO. Havendo o contrato de distribuição e revenda exclusiva de bebidas previsto expressamente a possibilidade de resolução por denúncia vazia de qualquer das partes, não está obrigada a indenizar a concessionária a concedente que a notifica com antecedência de seis meses, prevista na convenção. Trata-se de avença atípica onde tem plena validade a referida cláusula que não é contrária a lei ou aos costumes comerciais. A lei 6.729/79, porque destinada a regular concessão mercantil especialíssima, não se aplica a esses contratos, ainda em seus pontos omissos que, em tal hipótese, reclama observância das normas gerais das obrigações e dos contratos.” (grifo nosso)
Distribuição Comercial, mas de uma atecnia já exaustivamente criticada pelos doutrinadores90, capaz de gerar dúvidas e equívocos na aplicação das normas legais.
Inclusive, a matéria foi objeto de análise da I Jornada de Direito Comercial organizada pelo Conselho da Justiça Federal, que, sobre o tema, emitiu o Enunciado de n. 31, nos termos do qual:
O contrato de distribuição previsto no art. 710 do Código Civil é uma modalidade de agência em que o agente atua como mediador ou mandatário do proponente e faz jus à remuneração devida por este, correspondente aos negócios concluídos em sua zona. No contrato de distribuição autêntico, o distribuidor comercializa diretamente o produto recebido do fabricante ou fornecedor, e seu lucro resulta das vendas que faz por sua conta e risco.91
1.5.2 Contrato misto
O contrato de distribuição é misto por envolver elementos de outros tipos contratuais, que se aglutinam, formando, porém, um todo distinto dos seus paradigmas.92,93 De fato, trata-se de um instrumento complexo, para o qual contribuem elementos de vários moldes contratuais94, alguns até previstos em lei, mas que com ele não se confundem95, uma
90 Xxxxx, acerca da questão, dispara: “O Códgo Civil de 2002 não contribuiu para dirimir a confusão, por vezes feita, entre agência e distribuição. Ao contrário, designou como distribuição a modalidade do contrato de agência em que o agente tem à sua disposição a coisa a ser negociada. (...) Conclui-se que o contrato de distribuição previsto no Código Civil não se identifica com o tipo social do contrato de distribuição.”. XXXXX, Xxxxxxx – Contratos, p. 402.
91 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL - Jornada de Direito Comercial, p. 53.
92 Xxxxxxxx Xxxxx, nesse aspecto, conceitua o contrato misto como uma “(...) verdadeira fusão de tipos: as prestações estão ‘entre si unidas numa causa-função comum (mista) diversa dos factores típicos concorrentes mas resultante deles como um produto”. CUNHA, Carolina – O contrato de fornecimento no sector da grande distribuição a retalho.
93 Ferreira Pinto utiliza, por sua vez, o termo “mistura de tipos”. XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Contratos de distribuição, p. 62.
94Sobre o caráter misto da distribuição comercial, Gibran destaca que: “Entende-se, portanto, que o contrato em análise é oriundo da mescla de vários outros, tais como de agência, de venda e compra e de fornecimento, mas com ele não mais se identificam dada a especialidade para o qual é utilizado atualmente.”. XXXXXX, Xxxxxx
vez que o amalga dos tipos que colaboram ao contrato de distribuição forma uma modalidade nova, autônoma em sua fisiologia, a despeito das colaborações dos contratos que formam sua gênese.
Os elementos característicos da distribuição sugerem variações e acréscimos de outros tipos contratuais, reunindo, no mesmo pacto, regras de mais de um negócio96. A principal delas, sem dúvidas, é a compra e venda. Contudo, para fundamentar a distribuição comercial, tais vendas devem ser a base de uma operação continuada, não estanque, e, por premissa, em condições mais favoráveis e vantajosas ao distribuidor do que a um mero comprador pontual.
O Código Civil de Portugal97 prevê, em seu art. 405, n. 2, que contratos mistos são os que reúnem, “(...) no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei (...)”.
Da caracterização de contrato misto decorre a possibilidade deste ser regulado, em caso de vazio legal, pelas normas dos tipos contratuais que ao mesmo contribuem, cabendo à doutrina e a jurisprudência o socorro para a solução de possíveis e eventuais conflitos.
Relevante comentar ainda que normalmente à distribuição propriamente dita, com compras e vendas regulares e sucessivas, em uma relação habitual e contínua, os ditos contratos costumam envolver a prestação de serviços correlatos, que se acoplam como acessórios da atividade primordial.
É comum verificar obrigações ao distribuidor relativas ao fornecimento de garantia dos produtos negociados, à assistência técnica do produto do principal, manutenção e reparação, previsão de compras mínimas, exigências de estoque e peças de reposição, entre outros. 98
Xxxxxx – Os efeitos do contrato de distribuição ao consumidor e a atuação do free rider como elemento de redução do preço final dos bens de consumo, p. 87.
95 Nesse aspecto, valiosa a análise do inteiro teor do Recurso Extraordinário 78.051, proferido pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro, de relatoria do Ministro Xxxxxxxx Xxxxxx, em 27.08.1974, tendo como recorrente a Shell Brasil S.A e como recorrido Auto Posto Diadema Ltda.
96 Ver, nesse sentido, XXXXXX, Xxx Xxxxx – Tipicidade e atipicidade dos contratos, p. 59-60.
97 PORTUGAL – Código Civil.
98Para uma maior abordagem sobre o tema, vide FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de Distribuição, p. 44. No mesmo sentido, vide XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – O regime
1.5.3 Contrato quadro
Considera-se contrato-quadro aquele tipo contratual que visa definir as principais regras às quais serão submetidos os acordos a celebrar rapidamente no futuro, os quais funcionam, por isso, como contratos de aplicação ou de execução do primeiro.99
Contrato-quadro no sentido de que o contrato inicial fornece um quadro de cláusulas e, assim, normas convencionais, que regularão os contratos futuros a serem firmados pelas mesmas partes100.
Há, em tais contratos, o traço característico comum de haver um contrato inicial contendo as bases e premissas para todos os demais contratos que daí se sucedem. Por tal razão, o contrato inicial possui uma posição fundamental101, pois lá estão previstas as regras que regularão todos os pactos futuros entre os contraentes.
Os contratos-quadros fazem sentido quando em voga relações estáveis, longevas, tal qual as típicas de distribuição comercial, na medida em que o contrato inicial lança a matriz e o regramento de vários outros futuros contratos, de execução, ressaltando, assim, sua visão de longevidade.
É, em bem verdade, uma espécie de contrato guarda-chuva102, que ampara e envolve diversas operações posteriores, lastreadas na sua regulamentação geral.
Como contrato-quadro, como bem enfatiza Pinto Monteiro103,
do contrato (típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial, p. 44.
99GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx – O contrato-quadro no âmbito da utilização de meios de pagamento electrónicos, p. 62.
100Vide, nesse sentido, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 56.
101Segundo Brito, “(...) um papel que se aproxima de lei:”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 21.
102O contrato-quadro, na Inglaterra, é conhecido como umbrela agrément. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 58. Na Alemanha, por sua vez, chamam-no Rahmenvertrag, e, na França, contrat-cadre.
103 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denúncia de um contrato de concessão comercial, p. 17.
(...) o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração, de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente fixados, os bens que este se obrigou a distribuir (...).
De fato, o contrato de distribuição é tipicamente um contrato-quadro104. Através do ajustamento de regras gerais, diversas operações futuras, típicas da realização habitual de compras e vendas constantes entre fabricante e distribuidor, são realizadas ao amparo do pacto entabulado, desburocratizando a relação, conferindo ainda rapidez e dinâmica ao cotidiano das partes contratantes e evitando instrumentalizações repetitivas.
1.5.4 Contrato de colaboração
Os contratos de distribuição comercial, e, como gênero, os contratos da distribuição, são considerados contratos de colaboração105. Como tal, por meio de um pacto relacional, que se estende no tempo, as partes fixam as bases para uma relação futura, amaparada em um conceito colaborativo, de interdependência entre os atores, “(...) uma vez que o sucesso de uma parte (e do negócio) reverterá em benefício da outra.”106
104 Vide, nesse sentido, a doutrina do notável português XXXXXXX, Xxxx X. Engrácia – Op. Cit., p. 447, para quem: "Antes do mais, o contrato de concessão comercial constitui um contrato-quadro ("Rahmenvertrag", "contrat-quadre") no sentido em que visa criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes, cuja execução se traduz na celebração futura entre estas de sucessivos contratos de compra e venda";
105O Supremo Tribunal de Justiça português, no Acórdão 06B2110, de Relatoria de Xxxxxxxx xx Xxxxx, j. em 29.06.2006, ao caracterizar a concessão, definiu que essa “É essencialmente uma das espécies dos contratos de cooperação comercial derivante de uma relação jurídica complexa, em que algumas das obrigações dele decorrentes se reportam à constituição de futuras relações jurídicas entre as partes, concretizadas pelos respectivos actos constitutivos, implicando novas manifestações de vontade, como ocorre em relação à transferência do direito de propriedade sobre os bens em causa por via de sucessivos contratos de compra e venda com função de execução do primeiro.
106FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 65.
O distribuidor colabora, através do seu conhecimento e credibilidade, para a exploração econômica em região geográfica que supostamente o fornecedor não alcançaria sem o seu apoio, inserindo ou fortificando ali, não só sua produção, mas sua marca e reputação e, doutra banda, o fornecedor orienta e organiza a sua atuação, lhe confere melhores preços para revenda e investe no mercado a ser explorado. Trata-se de nítida relação mutualista.
Os contratos de colaboração, como sabido, são figuras relativamente recentes na prática contratual. Se, atualmente, sua importância e valor são reconhecidos, no passado, a utilização dos mesmos era escassa. Seu incremento ocorreu a partir da segunda metade do século XX, quando os empresários perceberam – com o aumento pujante da produção - que, mesmo mantendo a independência e autonomia entre as partes, sem a necessidade de estabelecer sociedades, realizar grandes investimentos e correr maiores riscos, era possível desenvolver uma relação buscando um fim comum, através de esforços conjugados.
Como muito bem vaticina Forgioni107,
(...) os empresários, em sua prática diária, trazem à luz contratos que pressupõem esforços conjugados, mas em que as partes, patrimonialmente autônomas, mantém áleas distintas, embora interdependentes. Nem sociedade, nem intercâmbio, mas uma categoria que se situa entre os dois polos.
É característica dos pactos de colaboração, e, entre os quais, os contratos de distribuição, a interdepedência entre os pactuantes, e, nesse sentido, a convergência, embora nunca absoluta, de interesses entre os mesmos. Há um fim maior, comum às partes, que os unem, em colaboração, com o objetivo de atingi-lo.
E no caso da distribuição comercial, é muito nítido108 o seu viés colaborativo. O fabricante insere o distribuidor em sua rede de distribuidores, auxiliando-o, orientando-o e
107FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 193.
controlando-o no exercício do seu mister, bem como facilitando a compra de seus produtos e investindo no merdado em que atua, e o distribuidor, por sua vez, em uma relação concertada com o fabricante, irá realizar os investimentos que o negócio e mercado exigirem, customizar as atividades de sua empresa, admitir as orientações da contraparte para, assim, revender os produtos do fabricante no mercado em que atua; ambos os contraentes imbuídos do propósito comum de angeriar clientes e, assim, aumentar o volume de vendas e a imagem da marca naquele dito mercado.109
Em tais vínculos, a performance de uma das partes afeta, necessariamente, os resultados da contraparte, de forma que tais relações, interdependentes, para sua melhor fruição, e até como condição do seu sucesso, exigem a presença de confiança e, porque não, de affectio contractus110 entre as partes.
O próprio projeto do Novo Código Comercial Brasileiro, no seu art. 385, embora ainda não seja lei em vigor, já antecipa, na própria definição do contrato de distribuição, seu viés colaborativo, ao dispor que “(...) a distribuição é contrato de colaboração empresarial por intermediação, em que o colaborador (distribuidor) comercializa produtos fabricados pelo fornecedor (distribuído) (...)”.
Essa vinculação excessiva do distribuidor ao fabricante, muitas vezes exercida com exigências de exclusividade, considerada ainda o caráter relacional, duradouro de tais pactos, culmina por gerar uma relação de dependência.
E é exatamente em função desse caráter contributivo, envolvido em instrumentos normalmente duradouros, com laços de fidelidade e até dependência111, do ponto de vista
108Cfr. entendimento, pacificado pelo STJ português, nos termos do qual "O contrato de distribuição comercial é um negócio jurídico bilateral (contrato) mediante o qual uma das partes, o distribuidor, se vincula a adquirir à outra parte, o principal (produtor ou importador-fornecedor), uma quantidade de bens comerciais para posterior colocação no mercado numa certa área e por sua conta e risco. A concessão comercial é um dos contratos da distribuição comercial, ao lado da agência e do franchising, pelo qual o concessionário se obriga a comprar certa quantidade de produto e a revendê-lo durante certo período de tempo." - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2018 (Processo n.º 1212/12.0TBSTS.P1.S1), in, xxx.xxxx.xx.
109 Vide, nesse sentido BRITO, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 203/212.
110Vide, quanto aos pactos colaborativos, VIÉGAS, Xxxxxxxxx xx Xxxxx – Denúncia contratual e dever de pré- aviso, p. 209. No que toca a affectio contractus, vide XXXXXXXXX, Xxxxxxxx – Equilíbrio contratual e dever de renegociar, p. 295.
111 Nessa linha de ideias, valho-me dos ensinamentos postos no voto proferido pela Egrégia 3.a Turma do STJ brasileiro, no REsp 1403272/RS, da relatoria do Min. Xxxxx Xxxxxxxx segundo o qual o contrato de distribuição é: “(...) contrato celebrado entre empresários, a fim de dar consecução a operações comerciais de compra e venda, para posterior revenda, a viabilizar o desenvolvimento da atividade econômica empreendida por cada contratante. Deve-se, pois, peremptoriamente, afastar a ideia de hipossuficiência do distribuidor
econômico, que atinge os distribuidores que, especialmente nas situações de denuncia contratual, reforça a exigência de garantias de pré-aviso112, que permitam uma reorganização, um reordenamento da atividade econômica do distribuidor, em caso de encerramento imotivado do vínculo pelo concedente.
A colaboração do distribuidor ao fabricante não autoriza o abuso de direito dessa para com aquele. Nem, por óbvio, do distribuidor ao fabricante. A interdependência, fluida e sadia, entre as partes, é salutar para o cotidiano da vida contratual, na medida em que o esforço do distribuidor, além de viabilizar seu lucro, atua em igual sentido aos interesses do fabricante.
Há, todavia, uma linha tênue, que precisa ser respeitada, garantindo que a colaboração não se transforme em uma amarra da qual o distribuidor não consiga sair sem que daí resulte sua bancarrota.
1.6 Distinção face a figuras semelhantes
Definida a distribuição comercial, cumpre, para uma melhor compreensão do instituto, diferenciá-la de institutos afins.
Importa, para tal, termos em conta que a análise a ser realizada aqui é a da distribuição comercial113 como espécie, e não como grupamento de contratos relacionados à distribuição da produção do fabricante, envolvendo a agência e a franquia.
(concessionário), ou mesmo de dependência jurídica deste em relação ao fabricante (concedente). O que há, nessa relação contratual, na verdade, é um justificado e, portanto, legítimo poder de controle exercido pela fornecedora quanto à atividade desempenhada pelo distribuidor, a considerar o seu envolvimento direto com a clientela, a imagem e a marca daquela, com repercussão no próprio êxito de seu negócio. Tampouco a existência de dependência econômica, inegavelmente ocorrente em ajustes dessa natureza, própria das inter- relações empresariais, encerra desequilíbrio contratual (...)”.
112 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 49-50.
113 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 27.
1.6.1 Distribuição x Mandato
No mandato, assim como na agência, a atuação se dá em nome de terceiro. Na distribuição comercial, por sua vez, o distribuidor atua em nome próprio; não há intermediação por conta de outrem.
O distribuidor adquire mercadorias para revendê-las, agindo, assim, por sua própria conta e risco. Já o mandatário, por sua vez, é investido de poderes por outrem para, em seu nome, realizar atos jurídicos, dentro, por óbvio, dos limites dos poderes conferidos.
Ademais o mandatário, ao contrário do distribuidor, tem direito ao ressarcimento pelas despesas que contrair no exercício de suas atividades114, bem como, no caso do mandato comercial, sua remuneração não possui vinculação direta com os resultados do seu trabalho115.
Outrossim, é sabido a distribuição tem como traço constitutivo ser uma relação estável, ou seja, duradoura116, cujos objetivos só são plenamente atingidos com o avançar de, pelo menos, determinado período. Não se trata de contrato de efetivação estanque, imediata, sob pena de, nesse viés, equivaler a uma mera compra e venda117.
O mandato, por sua vez, não tem o viés relacional, próprios dos contratos duradouros. Tende, em bem verdade, a ser aplicação pontual118, de utilização ocasional, para determinado ato jurídico. Como muito bem vaticina Xxxxxxx Xxxxx, “Se o interessado na realização de um negócio jurídico não pode, ou não quer, praticá-lo, tem a possibilidade de efetuá-lo por intermédio de outra pessoa.”119 Nada impede, contudo, que o contrato de mandado possa conter alguma duração na extensão temporal dos poderes transmitidos. Não necessita, contudo, da extensão temporal como elemento à consecução dos seus objetivos.
114 Vide arts. 1167, alínea c do Código Civil Português. PORTUGAL – Código Civil.
115 Vide art. 232 do Código Comercial Português. PORTUGAL – Op. Cit.
116 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx – Tratado de direito privado, p. 31.
117 A compra e venda para revenda é o instrumento, o meio utilizado pela distribuição comercial para o atingimento dos seus objetivos colaborativos, de desbramento de novos mercados para o fabricante e escoamento de sua produção. Tais escopos não se materializam é um ato unitário, necessitando de estratégias, projetos e, fundamentalmente, de algum tempo para a ocorrência.
118 XXXXXXXX, Xxxxxxx – Op. Cit., p. 680.
119 XXXXX, Xxxxxxx. Op. cit., p. 387.
Ademais disso, embora a fidúcia esteja presente em ambos os tipos contratuais, no mandato é seu elemento mais caro e seu núcleo duro. Não se pode cogitar, sob qualquer aspecto, a continuidade do pacto, ainda que pontualmente, sem a vontade de um dos contraentes.
Já na distribuição, apesar de, inexoravelmente, estar em causa a affectio contratcus que, como cimento unificador, liga os contraentes em um objetivo convergente em pactos relacionais e colaborativos, é de cogitar, em nome da metanorma da boa-fé e sua vertente da solidariedade entre os contratantes, a possibilidade de, temporariamente, haver continuidade do contrato ser vontade de uma das partes. É o que vaticina o art. 473 do Código Civil Brasileiro120, conforme será adiante melhor abordado.
1.6.2 Distribuição x Fornecimento
A maior diferença entre tais tipos reside na questão de que, enquanto na distribuição o fornecedor acaba por possuir algum controle, direção sobre a atuação do distribuidor, que integra sua rede, no fornecimento, esse controle inexiste, limitando-se o fornecedor a vender as quantidades estabelecidas no instrumento avençado121.
O distribuidor difere do mero fornecedor pois, diferente desse, compõe uma rede integrada do fabricante e, como tal, adere a uma política de preços e a um determinado nível de controle.
O contrato de fornecimento cinge-se à realização de compras e vendas, sucessivas ou não, que as partes realizam entre si, carecendo, contudo, em tais pactos, duas das principais características identificadoras do contrato de distribuição: a) o caráter colaborativo entre os contratantes, de interdependência e de relativa convergência de interesses, e; b) a integração do distribuidor no canal e de rede de distribuidores do produtor, o que, com isso, acarreta um sinalagma entre as partes, uma coordenação orientada pelo fabricante no sentido de auxiliar a realização das atividades do distribuidor e, assim, garantir sua melhor eficiência.
120 XXXX XXXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Código Civil comentado e legislação extravagante.
121 No mesmo senido, XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 40.
Não há, na distribuição, a impessoalidade e a descontinuidade próprias do contrato de fornecimento. Em um pacto relacional como o da distribuição o elemento tempo, simbolizando aqui a repetitividade de relações entre as partes, é traço marcante, diferente do que ocorre, ou pode ocorrer, no fornecimento.
Sem contar ainda que, pela própria fisiologia da distribuição, a compra realizada deve ser objeto de revenda, o que, ontologicamente, não é necessário para a caracterização do fornecimento122. Basta, nesse sentido, que se forneça ao comprador, em negócio definitivo, o objeto do que se adquiriu.
1.6.3 Distribuição x Agência
A legislação brasileira, com a chegada do seu Código Civil de 2002, foi objeto, como dito alhures, de várias críticas123, especialmente pelo fato de indicar, no título do seu Capitulo XII, a referência “Da Agência e Distribuição”, passando a falsa inicial impressão de que a distribuição comercial passou a ser contrato com tipicidade legal no Brasil, quando, na verdade, conforme pacificado, a Agência e Distribuição é contrato único, mas ramificável em mais de uma espécie.
O termo distribuição, nos moldes previstos nos art. 710 a 721 do Codigo Civil Brasileiro relaciona-se à forma de agência qualificada, em que o agente detém o produto que intermedia. O art. 710 do CCB é expresso nesse sentido, ao estabelecer que “Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.”
De toda forma, indubitalvelmente, há, certamente, similitudes entre os contratos de agência e distribuição comercial que a aproximam a ponto de serem, ambos, espécies do mesmo gênero: os contratos da distribuição comercial.
122 Vide, nesse sentido, BRITO, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 134-135.
123 Ver, por todos, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 76.
Tanto o agente quanto o distribuidor atuam à jusante da relação comercial124, visando escoar produção, fazer penetrar, através de sua credibilidade local, os produtos, serviços e a reputação da marca para qual atuam em áreas respectivas, assumindo, para tal, um conjunto de obrigações e admitindo algum controle sobre sua atividade.
Muito importante, quanto ao tema, ressaltar essa aproximação fisiológica entre os dois tipos, o da agência e o da distribuição, no sentido de que ambos possuem escopo comum, qual seja o de promover a distribuição dos produtos do fornecedor/principal em determinado mercado, ou, noutros termos, de atuar para colocar tais produtos em contato com seu público consumidor125. Ambos, ainda, são tipos contratuais marcados por uma vertente comum de dependência dos concessionários e agentes aos produtores126.
A principal diferença entre a agência e a distribuição está no fato de que o agente não atua em nome próprio, mas em nome do principal, diversamente da distribuição, em que o distribuidor age por conta própria127 e em seu próprio nome e responsabilidade128.
A compra e revenda, ressalte-se, é meio, o instrumento129 utilizado pelo distribuidor para atingir seu escopo contratual, de promover o produto e a marca do fabricante no mercado em que explora.
124 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 885-908.
125 Vide, nesse sentido, a lição de Xxxxxxxx Xxxx, para quem: “(...) ese deber de promoción, absolutamente básico en el esquema contractual de la concesión (...). En efecto, es el dato de la promoción de la distribuición – y no la exclusiva -, el elemento que verdaderamente cualifica al contrato de concesión. El distribuidor compra para promover xx xxxxxxxxxxxxx xx xxx xxxxxxxx xxx xxxxxxxxxx xxxxx xx xxxxxxx.”. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 318
126 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 118.
127 Xxxxxxx destaca que “Ao contrário do agente, o concessionário atua em seu nome e por conta própria, adquire (em princípio) a propriedade da mercadoria, compra para revenda e assume os riscos da comercialização”. XXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxx – Denúncia e indemnização de clientela nos contratos de distribuição: resenha de jurisprudência recente do STJ. No mesmo viés, Xxxxx, ao definir o “concessionario de vendita”, enaltece a diferença entre esse e o agente, ao destacar que: “Il concessionario, come ogni commerciante, tratta in nome e per conto próprio, in proprio acquista la merce e la revende a terzi: in ciò sta essenzialmente la differenza com l‘agente di commercio, che tratta per conto del proponente, ed in nome di questi, quando há il potere de concludere contratti.”. XXXXX, Xxxxxxx – Op. Cit., p. 75.
128 Xxxxxxxx, acerca da temática, destaca que “(...) o concessionário, apesar de ser também colaborador do concedente e de reunir um conjunto de notas comuns com o agente, surge, no entanto, como um comerciante independente que compra para revenda, negociando em seu nome e por conta própria.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 39-40.
129 No mesmo sentido, de Xxxxxxxx Xxxx, para quem: “En consecuencia, el papel que pueda cumplir la compraventa em el contrato de concesión es tan sólo instrumental: constituye el médio a través del cual el concessionário procede a cumplir su obligación básica, que no es outra que la de promover la distribuición de los produtos del concedente el mercado, (...)”. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 318-319.
O distribuidor não é remunerado via comissionamento, tal qual ocorre na agência. Até pelo fato de atuar em nome de terceiro, o agente é mero intermediário, recebendo uma comissão pelos negócios que media. O distribuidor comercial, a seu turno, aufere remuneração a partir da margem aplicada no preço de revenda dos produtos que distribui.
Não há qualquer pagamento do fabricante ao distribuidor, que, como dito, é remunerado em suas atividades diretamente pela clientela. Aliás, que tem de pagar valores é o distribuidor ao fabricante, decorrente das compras que deste realiza para fins de revenda.
O agente, muito mais que distribuidor, apesar de ser, também, autônomo, aproxima-se da figura de um prestador de serviços. Não por outra razão, não raro relações envolvendo agentes comerciais são enfrentadas pela Justiça do Trabalho que, verificando, no caso levado a exame, a presença de subordinação do mesmo ao principal, qualifica a relação como empregatícia.
Na distribuição comercial, apesar de presente, via de regra, uma relação de dependência, merecedora da devida tutela, quando abusiva, do distribuidor ao fabricante, não se vislumbra, comumente, subordinação entre a pessoa física do distribuidor, até porque, normalmente é constituída uma empresa para esse fim, e a contraparte.
A própria figura da revenda, núcleo e objeto da distribuição comercial, termina por exigir do distribuidor investimentos mais expressivos do que normalmente é feito pelo agente comercial. Esse, como, na essência, apenas intermedia os negócios, entre clientela e principal, não precisa de grandes estruturas para a efetivação do seu mister130. Enquanto, normalmente, na agência, é a força pessoal de trabalho do agente que se coloca à disposição do principal, na distribuição comercial, o distribuidor oferta ao fabricante, para somar em uma relação colaborativa, sua estrutura empresarial.131
Como, em regra, o distribuidor necessita realizar mais investimentos que o agente para o exercício da atividade que se propõe, e, ainda, pelo fato do distribuidor ser remunerado
130 Xxxx XXXXX, Xxxxx Xxxx – Op. Cit. p. 24.
131 Vide, nesse sentido, XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 615.
pelo lucro, se obtiver, a sua atividade o expõe a um risco132 maior que aquele a que está inserido o agente comercial.
E, também por tal exposição ao risco, seu ganho, em termos de margem, é normalmente mais elevado do que os experimentados pelos agentes. Para contraprestar todos os investimentos que realiza, e os riscos e áleas que incorre, é natural que os resultados que receba o distribuidor superem as recebidas pelos agentes.133
Para o exercício de suas funções, integrada à rede de distribuição do produtor, o
distribuidor
(...) é obrigado a possuir instalações adequadas à actividade de revenda e assistência pós-venda, a especializar o seu pessoal de manutenção e reparação de produtos, a dirigir sua actividade ao incremento da clientela da marca, a criar um stock de peças sobressalentes, etc. (...) tudo isto implica, forçosamente, um considerável investimento financeiro (...)134.
Pelo fato de concretizar o negócio e não apenas de mediar a relação, os laços entre o cliente e o distribuidor são mais fortes que a mantida pelo agente135. Efetivamente, o distribuidor interage, embora integrado na rede de distribuição do fornecedor, com o seu cliente, diversamente do agente, que, embora também autônomo, relaciona-se com a clientela do principal.
132 Xxxxx Xxxxxxxx, para quem: “(...) em princípio, o concessionário terá de fazer investimentos de muito maior vulto do que o agente e corre riscos de que esse último está livre.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denúncia de um contrato de concessão comercial, p. 67.
133 Nesse sentido, destaca Xxxxxxxx Xxxx, que: “La cuestión se conduce, em definitiva, a la función que cumple el margen de reventa xx xx xxxxxxxx xx xxxxxxxxx, x xxxxxx x xxxxxxxxxxx xxx xxx xx superior, efetivamente, a la comisión del agente. La respuesta há de hallarse sin duda alguna em la diversa distribuiciónde riesgos operada por uno y otro contrato. El concessionário, em efeto, assume riesgos con los que non ha de pechar el agente.”. XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx – Op. Cit., p. 342.
134 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 16.
135 Nesse sentido, vide XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Contrato de Concessão Comercial, Reimpressão, Coimbra, 2006, p. 127
1.6.4 Distribuição x Franquia
A franquia, tal qual a distribuição comercial, são, ambas, espécies de estratégia distributiva, com viés relacional e colaborativo, como forma de desbravamento de novas áreas comerciais às contrapartes com quem pactuam, ou ainda como incremento às áreas que já exploram, embora com suas nuanças particulares, na medida em que, na franquia, há a transferência da tecnológica e conhecimento para a execução do produto ou serviço.
Pela franquia, o franqueador, por uma lado, possui uma fórmula bem sucedida, que será, do outro lado, transmitida para execução pelo franqueado, de molde controlado e fiscalizado, nessa atividade, pelo franqueador, que o faz, nessa migração de know-how136, para que o produto e/ou serviço franqueado não perca qualidade e eficiência.
Embora, tanto na distribuição quanto na franquia, o distribuidor e o franqueado atuem em nome próprio e por sua própria conta, o distribuidor, com seu lucro e resultado da sua atividade comercial, não precisa remunerar o fabricante, ao contrário do que ocorre na franquia137.
Ademais disso, enquanto a franquia dissemina não só o produto ou o serviço do franqueador, mas, antes disso, seu próprio conceito de negócio138, na distribuição comercial o foco é o escoamento mais diretamente do produto em si, o que não impede que não se possa exigir do distribuidor condutas condizentes com os valores do fabricante.
E nesse aspecto, segue outra diferença entre os tipos contratuais: a distribuição comercial não é o formato indicado para a distribuição de serviços, mas tão somente de produtos. Já na franquia, além de haver tal aptidão, é, na prática comercial, muito aplicada. Por óbvio que não há como o franqueador realizar o serviço ao franqueado, mas transfere-lhe
136 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx – O contrato de franquia (franchising), p. 78.
137 VASCONCELOS, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx de. – O contrato de franquia (franchising), p. 55. Segundo o autor, “(...) cremos que o critério decisivo para destrinçar um contrato do outro, além da existência de uma prestação pecuniária ligada à entrada ou pertença à cadeia e das prestações periódicas, passa essencialmente pelo grau de integração da empresa do distribuidor na organização do produto.”
138 Xxxxxxx para quem: “Então, a franquia não é, essencialmente, uma operação de distribuição de mercadorias mas antes, sem dúvida, uma operação de difusão de serviços adaptável a uma finalidade suplementare – a distribuição de produtos. Pode até afirmar-se que a franquia ‘já não é mais um sistema de distribuição’, para se concluir que se tornou um sistema muito mais universal.” XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx – Op. Cit., p. 82-83.
o conhecimento e o modus operandi, com o seu devido controle, para que esse consiga realizá-lo com o nível de excelência que conferiu ao franqueador o sucesso da sua marca.
Tanto a franquia quanto a distribuição exigem, como elemento essencial ao seu funcionamento, a integração do franquiado e do distribuidor à uma rede integrada, sob orientação, razoável, da contraparte139.
Na franquia, a tal ponto que, “A imagem da homogeneidade da rede torna-se, então, mais importante do que a do produto.”140. Tal integração costuma causar forte dependência econômica dos distribuidores e franqueados em relação aos fabricantes e franqueadores141.
1.6.5 Distribuição x Contrato de Emprego
Embora ambos, distribuidores e empregados, em última ratio, possuam relações de potencial dependência142 com os fornecedores e empregadores, o distribuidor é autônomo, assumindo os riscos da sua atividade empresarial, diferente do empregado que atua em nome e por conta do empregador.
Nas relações de emprego, a ausência de risco do empregado é elevado a princípio, qual seja, o princípio da alteridade, o qual determina que o contrato de trabalho transfere a uma das partes, no caso, ao empregador, “(...) todos os riscos a ele inerentes e sobre ele
139 Xxxxxxx destaca que, na franquia, esse controle é bem mais rigoroso do que na distribuição comercial, sendo, então, mais estreita a colaboração entre as partes nos contratos de franchising. É, pois, fator presente com forte intensidade, nos contratos de franquia, a dependência econômica do franqueado em relação ao franqueador. Idem – Op. Cit., p. 86. No mesmo sentido, Xxxxxxxxxxx, “(...) dado o grau de integração da empresa franqueada na rede, muito mais forte do que na concessão (...)”.XXXXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx de – Op. Cit., p. 54.
140 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx – Op. Cit., p. 83.
141 É o que ressalta Brito, para quem: “Essas circunstâncias determinam uma situação de forte dependência económica do franchisse em relação ao franchisor. Embora a empresa do franchisse seja juridicamente autónoma, do franchising resulta a integração na empresa do franchisor das empresas do vários franchisses.”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 18.
142 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contraste de distribuição comercial, p. 49.
incidentes: os riscos do empreendimento empresarial e os derivados do próprio trabalho prestado (...)”143.
Já para o distribuidor, a autonomia lhe é característica fisiológica, e o seu esvaziamento pode tirar-lhe a essência. O distribuidor não pode transferir ao fabricante, com quem voluntariamente aderiu em um pacto, com obrigações conjuntas e perspectivas de lucro também, os riscos do seu eventual insucesso.
O que não significa que referida autonomia impeça a adoção de casuísticas tutelas144 ao distribuidor, na linha do que se verifica com os contratos de emprego e também de agência, especialmente quando do desenlace dos contratos firmados, em que, muitas vezes, toda a atividade empresarial do distribuidor fica sujeita a um risco de inanição completa145.
A autonomia do distribuidor é plenamente harmonizável com medidas de tutela que, em bem verdade, promovam a equidade da relação contratual e até, em certa medida, evitem a ocorrência de abuso do poder econômico pelo fabricante.
143 TRIBUNAL Regional do Trabalho Brasileiro da 3ª Região - Acordão da 1ª Turma do TRT brasileiro da 3ª região, no Recurso Ordinário RO 0000889-58.2014.5.03.0129, julgado em 23 de setembro de 2015. Relator. Des. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Renault.
144 Nesse sentido, vale destacar a comparação, “a grosso modo”, feita por Xxxxxxxx, senão vejamos: “Grosso modo, poderia afirmar que o direito constante no artigo 27, “j”, da Lei 4.886/65 pode ser comparado aos equivalentes direitos trabalhistas, no caso de afastamento do empregado sem justa causa.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Indenização antecipada do representante e a fidelidade canina às leis”
145 Nesse sentido, apontou o STJ português, no corpo do AUJ 06/2019, de 04/11, quando, ao tratar da analogia no que toca à indenização de clientela do agente, arrematou que: “A este propósito, Doutrina e Jurisprudência têm vindo a fazer sentir a questão da aplicação analógica ao contrato de concessão comercial, do regime de indemnização de clientela no contrato de agência, quer porque a concessão comercial se assume como contrato atípico, outrossim, porque a necessidade de protecção do concessionário, uma vez confrontado com a denúncia do respectivo negócio jurídico, não difere em termos substantivos, daqueloutra que enfrenta o agente, uma vez colocado em idêntica situação, qual seja, a extinção da relação jurídica estabelecida.”
CAPITULO 2 Os Fundamentos Econômicos dos Contratos de Distribuição Comercial
Uma vez realizado o enquadramento da distribuição comercial sob a perspectiva conceitual, com a apresentação das suas características fundamentais, regime jurídico e comparação com contratos afins, cumpre-nos agora elastecer o tecido da abordagem e, assim, trazer à baila, sem a pretensão de esgotar o tema ou mesmo invadir áreas das ciências exatas, até por fugir do escopo desse humilde estudo, uma análise da perspectiva econômica da distribuição146.
A Distribuição Comercial, conforme destacado no tópico referente à sua perspectiva histórica, advém da mercância, do mundo econômico, da necessidade humana de fazer comércio, antes e independente de possuir uma importância jurídica. Como função econômica, trata-se de uma estratégia comercial e visa coordenar e estruturar a distribuição dos produtos do fabricante, sob a orientação e controle deste, de acordo com sua política comercial, transferindo, contudo, ao distribuidor, autônomo, os riscos da atividade que empreende147.
É com a compreensão da base econômica que move e justifica a distribuição comercial que melhor se entenderá todo o seu panorama e, assim, os motivos e razões de sua adoção, os riscos que normalmente se devem ter em conta quando do uso da modalidade contratual, e o próprio comportamento que as partes tendem a adotar quando da vigência de referidos pactos.
O estudo do fundamento econômico da distribuição revela-se importante, efetivamente, para que se compreenda, para além do mero olhar jurídico-discursivo do tema, o efetivo escopo da via contratual escolhida, evitando a própria desnaturação do tipo do contrato, e, dessa forma, correndo “(...) o risco de as soluções preconizadas produzirem efeitos contrários aos pretendidos, prejudicando aqueles que justamente se procuravam proteger e ameaçando o bem-estar de toda a colectividade (...)”148.
146 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X., op. cit, p. 170, ressalta a importância de tal análise sobre a ótica econômica, especialmente em áreas férteis e “...permeáveis à consideração dessa índole como a de direito mercantil.”
147 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 197.
148 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X., op. cit, p. 171
Nessa perspectiva, referida abordagem intenta discutir, para ao final compreender, o porquê do sucesso do uso da figura da distribuição comercial. Por qual razão, economicamente, o agente econômico prefere realizar transações de mercado, interagindo com outros agentes, com as negociações e riscos que tais decisões envolvem, a internalizar dentro da sua própria firma tal atividade de distribuição, em que “(...) uma transação de mercado é substituída por uma decisão administrativa (...)”149.
Embora mais rápida e menos burocrática a alocação de recursos dentro do universo da própria firma, a análise busca definir que elementos são avaliados e qual a lógica econômica que subjaz ao empresário para que decida por alocar os recursos numa transação de mercado, rediga pelo preço150, com fricções maiores das que haveria caso internalizasse a atividade.
Com certeza, cabe ao produtor, entre as opções que possui, escolher a melhor forma de gerir a distribuição dos seus produtos, analisando, para além dos custos que incorrerá, os riscos que assumirá terceirizando parte de sua operação. Ao fim e ao cabo, todavia, o fabricante buscará encontrar a melhor relação entre o custo e o benefício daí resultante, esse compreendido como a potencialização de suas vendas e o acesso a mercados antes não explorados151.
Nessa toada, importante a verificação, para os limitados fins da presente investigação, das formas de arranjos organizacionais, ou seja, as estruturas de governança, como também dos pilares da Teoria dos Custos de Transação, da racionalidade limitada do homus economicus e dos oportunismos dai decorrentes.
149 Coase: “Within the firm individual bargains between the various cooperating factors of production are eliminated and for a market transaction is substituted an administrative decision.”. XXXXX, Xxxxxx X. – The problem of social cost, p. 16.
150 Para Coase, firma e mercado são formas distintas de governo das transações. No ambiente da firma, o método de funcionamento é a hierarquia, em que as decisões são todas de forma administrativa, direta e pela direção e riscos centralizados do empresário. Já no ambiente de mercado, é o preço quem regula o funcionamento, e as trocas cabem por ser anônimas e descentralizadas. Será o cotejo, das circunstâncias postas a análise no caso concreto, com avaliação dos riscos, benefícios e custos de cada uma das formas de governo das transações, que decidirá, ao empresário, que via utilizar; se a de preços ou a hierárquica. O foco da decisão, ao final, deverá ser sempre a menor valor de produção. XXXXX, Xxxxxx X. – The problem of social cost.
151 Vide, nesse sentido, a lição de Brito, para quem: “Ao produtos compete determinar qual das vias será a mais eficiente, isto é, qual será capaz de assegurar o máximo de vendas, om os menores custos de distribuição e com a possibilidade de fortalecimento e desenvolvimento progressivo”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 22.
2.1 Das Estruturas de Governança
A organização da atividade econômica pode ser realizada através de mais de uma forma estrutural, a depender da eficiência com que cada um desses arranjos apresente para organizar uma transação.
O foco, pois, está na transação, e as formas organizacionais seriam, de acordo com a Teoria das Organizações, as diferentes estruturas de governança capazes de organizar as transações a partir da interação e do relacionamento entre os agentes econômicos152.
Há, tradicionalmente, duas matrizes institucionais caracterizadas como arranjos organizacionais: o mercado, regido pelo sistema de preços, e a firma153, em que as decisões são tomadas de forma hierárquica. Há, ainda, a par dos dois arranjos, a formatação híbrida de mercado e preço, podendo ser considerada uma terceira forma de estrutura governamental.
O mercado é regido pelo preço e a firma é ditada pela hierarquia. As decisões realizadas no ambiente interno de uma firma são mais rápidas, ágeis, bastando, para tal, via de regra, comandos administrativos. Exigem, contudo, uma coordenação dos agentes que devem estar alinhados com os objetivos da firma. Já dentro do mercado, as transações envolvem negociações, contratos e análises de riscos.
Nesse sentido, valioso o estudo de Coase, em 1937, em seu trabalho intitulado The nature of the firm, que demonstrou que o sistema de preços não funcionava sem a existência de custos154, os custos de transação, o que levaria à preterição desse arranjo frente à estrutura integrada da firma.
Pelo trabalho científico, Coase põe em xeque a quase que induvidosa, até então, acepção da organização econômica pelo mercado – sistema de preços – sugerindo que o
152 XXXXXX, Xxxxxx [et al.] – Economia das organizações: formas plúrimas e desafios, p. 16-17.
153 Ao definir firma, Ménard destaca que: “A firma é uma entidade que produz algo (vendido no mercado) a partir de algo (adquirido no mercado).” E arremata indicando que: “O objetivo da firma é a maximização dos lucros, a diferença entre receitas e despesas.”. Idem – Op. Cit., p. 14.
154 Sobre o tema, Coase enfatiza: “A principal razão pela qual é lucrativo estabelecer uma firma pareceria ser que existe um custo na utilização do mecanismo de preços. (...) Tal custo pode até ser reduzido, mas não será eliminado,(...). Também devem ser levados em consideração os custos de negociar e celebrar um contrato individual para cada transação de troca que ocorre em um mercado (...)”. XXXXX, Xxxxxx X. – A firma, o mercado e o direito, p. 38-39.
sistema de preço não ocorre sem custos e, ainda, que dentro do ambiente da firma, essas transações ocorreriam pelo direcionamento do empresário-coordenador. E destaca que
Fora da firma o movimento de preços direciona a produção, que é coordenada por uma série de operações de troca efetuadas no mercado. Dentro de uma firma, essas transações de mercado são eliminadas e, em lugar da complexa estrutura do mercado com operações de troca, entra o empresário-coordenador, que direciona a produção (...).155.
A estrutura governamental híbrida possui, como o nome sugere, genes tanto do arranjo de mercado quanto da forma organizacional da firma, embora possua autonomia fisiológica própria que a permita sua autonomização. É o caso das organizações baseadas em parceria, como os contratos de franquia e joint venture.
Ao mesmo tempo em que tais arranjos exigem a coordenação dos objetivos entre os agentes, faz-o sem integração, adotando, através de acordos formais com parceiros, mecanismos de incentivo para que estes, autonomamente, executem parte das atividades do processo econômico envolvido156. Sem dúvidas, tais relações são campos férteis para a configuração de dependência econômica entre os agentes envolvidos e, ainda, para a ineficiente e combatida prática de condutas oportunistas.
A decisão pela descentralização de partes ou de etapas do processo produtivo necessariamente enfrenta um juízo prévio de avaliação conjuntural e da conveniência na
155 XXXXX, Xxxxxx X. – A firma, o mercado e o direito, p. 36. No mesmo sentido, vide Xxxxxx et al., para quem a firma, “(...) em comparação com os mercados, (...) pode ser definida como um arranjo deliberadamente construído pelos agentes (ou por um subconjunto de agentes) para coordenar suas ações com objetivos específicos, valendo-se de um conjunto de acordos explícitos de comando e de cooperação.”. XXXXXX, Xxxxxx [et al.] – Op. Cit., p. 18.
156 Xxxxxx et al., destaca que “Híbridos são os arranjos institucionais, sejam de longo ou curto prazo, entre os parceiros que, valendo-se de um acordo formal, mantêm a sua autonomia sobre as decisões, preservando ainda a separação dos seus direitos de propriedade, bem como sua independência (mantendo-se concorrentes no que diz respeito a outros segmentos de suas atividades) (...)”. Idem – Op. Cit., p. 20.
gestão dos custos de transação157.
É o que Xxxxxxxxxx define como princípio do alinhamento discriminante, de acordo com o qual a estrutura de governança que apresentar o menor custo para gerir as transações é a que governará a escolha de se produzir o bem, adquiri-lo ou de optar pelo arranjo híbrido158.
2.2 TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO (TCT)
A Teoria dos Custos de Transação159, de gênese puramente econômica, visa analisar os custos decorrentes das transações, ou seja, qual o dispêndio de recursos econômicos para planejar, realizar e fiscalizar as interações entre os agentes, os quais variam de acordo com o tipo com a forma da operação realizada, cotejando-os com os custos de produção (make or buy decision)160.
Tal teoria centra-se no pressuposto que o funcionamento e desenvolvimento de uma economia se dá a partir da interação dos agentes econômicos, de suas transações, as quais se desenvolvem de forma dinâmica, constante, com previsões intertemporais e, ainda, num
157 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Abuso de dependência econômica nos contratos interempresariais de distribuição, p. 81.
158 XXXXXX, Xxxxxx [et al] – Op. Cit., p. 25.
159 Para Stjan consideram-se custos de transação “(...) aqueles incorridos nas transações ainda quando não representados por dispêndios financeiros (isto é, movimentação de caixa), derivados ou impostos pelo conjunto de medidas tomadas para realizar uma determinada operação ou transação. Incluem-se no conceito de custo de transação o esforço com a procura de bens ou serviços em mercados; a análise comparativa de preço e qualidade entre os bens ofertados; a segurança quanto ao adimplemento da operação pelas partes; a certeza de que o adimplemento será perfeito e a tempo; eventuais garantias que sejam requeridas na hipótese de eventual inadimplemento ou adimplemento imperfeito; a redação de instrumentos contratuais que reflitam todas as tratativas e eventos possíveis que possam afetar as prestações respectivas, que desenhem com clareza os direitos, deveres e obrigações das partes. Compreende, portanto, todos os esforços, cuidados e o tempo gasto entre o início da busca pelo bem, a decisão de efetuar a operação e o cumprimento satisfatório de todas as obrigações assumidas pelos contratantes. Também devem ser incluídos movimentos que se sigam à operação que uma das partes deva fazer para a completa satisfação de seu crédito.”. XXXXX, Xxxxxx – A incompletude do contrato de sociedade, p. 8.
160 Forgioni destaca, sobre o tema, que: “A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens do que desvantagens. As contratações são também resultado dos custos de suas escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de sua necessidade, opta por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos de deverá incorrer para a contratação de terceiros [custos de transação]. Quanto menores os custos de transação, maior a fluência das relações econômicas e o desenvolvimento.”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 142.
contexto econômico sempre mutante e, finalmente, regido por agentes que, entre si, sempre possuem interesses com algum grau de divergência.
Em suma, essa análise decorre do questionamento, não respondido, até então, pela Teoria Neoclássica, de entender o porquê a empresa internalizava atividades que poderia obter a um custo inferior no mercado, supondo a existência de ganhos de eficiência provenientes da divisão do trabalho161.
A Teoria dos Custos de Transação (TCT) veio trazer a percepção de que a relação com os agentes do mercado demanda custos, os custos de transação. E, quanto maiores tais os custos envolvidos no uso do mercado, mais vezes o processo de produção ocorrerá dentro da firma, verticalizado162.
A TCT busca explicar o desempenho da empresa por meio da eficiência nos custos de transação. Mostra que um dos principais objetivos das organizações é minimizar os custos envolvidos nas trocas de recursos com o meio ambiente e com as outras organizações, economizando tempo e recursos163.
Referida teoria é originária de estudos seminais de Coase, em 1937, em seu trabalho intitulado The nature of the firm, que lhe rendeu um Prêmio Nobel de Economia. A abordagem da Coase, a época, focou na figura da empresa, da firma, justificando o porquê de sua existência e até o seu elastecimento, em contraponto ao sistema de preços, decorrente as interações do próprio mercado.
A questão dos custos de transação foi retomada pelo mesmo autor mais posteriormente, no trabalho intitulado The problem of the social cost, em 1960, o qual serviu de base à formulação do Teorema de Coase164. Coase inaugurou uma perspectiva da economia com base no mundo real, em que não existem mercados sem fricções165,166.
161 Vide, sobre o tema, XXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de – A teoria dos custos de transação: uma análise a partir das críticas evolucionistas.
162 Coase, sobre o tema, destaca: “Uma vez que se levam em conta os custos de realização de transações de mercado, é claro que essa realocação dos direitos só ocorrerá se o aumento do valor da produção como consequência do rearranjo for maior do que os custos incorridos para implementa-lo.”. XXXXX, Xxxxxx X. – A firma, o mercado e o direito, p. 115.
163 XXXXXXX Xxxxxx – A teoria dos custos de transação e neo-institucionalismo, n. p.
164 Segundo o qual, “(...) na ausência de custos de transacção, a alocação dos recursos sempre será efectuada da forma socialmente mais eficiente.” XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X. – Op. Cit., p. 173.
165 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X., op. cit, p. 172
Utilizando-se das contribuições de Xxxxx, Xxxxxxxxxx colaborou no desenvolvimento, já nos anos 70, da TCT, principal contribuição da Nova Economia Institucional, corrente essa de estudos com “(...) enfoque institucionalista, preocupada, fundamentalmente, com aspectos microeconômicos (...)”167.
De acordo com Xxxxxxxxxx, “(...) a TCT enfatiza o sistema produtivo essencialmente como um tecido de arranjos contratuais, entendendo, portanto, o problema da organização econômica como um problema contratual (...)”168.
Os custos de transação169 seriam todos os custos incorridos num processo de troca, incorridos tanto antes (custos ex ante) e mesmo após (ex post) a realização do negócio e, abrangendo, desde custos informacionais acerca dos parceiros a negociar, sobre os bens a permutar, mas também, os custos de negociação, da redação de um contrato, monitoramento e até da reação frente ao incumprimento contratual170.
São, ainda, na mesma perspectiva, as tais fricções que colaboram, negativamente, mais ou menos, a depender da sua intensidade, para o funcionamento mais eficiente do mercado.
166 Sobre o tema, Coase enfatiza: “Até esse ponto, o argumento se baseou no pressuposto (...) de que não há custos envolvidos na realização de transações de mercado. Este é, naturalmente, um pressuposto muito pouco realista. A fim de efetuar uma transação no mercado, é necessário descobrir com quem se deseja fazer a transação e em que termos, conduzir negociações que levam a um acordo, redigir o contrato, realizar a inspeção necessária para assegurar que os termos do contrato estão sendo cumpridos, e assim por diante. Com frequência, essas operações são extremamente dispendiosas, ou, de qualquer modo, custosas o suficiente para inviabilizar muitas operações que seriam realizadas em um mundo no qual o sistema de determinação de preços funcionasse sem custos.”. XXXXX, Xxxxxx X. – A firma, o mercado e o direito, p. 114.
167 XXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de – Op. Cit., n. p.
168 Idem – Op. Cit., n. p.
169 Forgioni define, com lastro nas lições de Xxxxx e Xxxxxxxxxx, custos de transação “(...) como aqueles em que a empresa incorre mesmo antes de realizar o negócio (ex ante costs) para encontrar o parceiro, conceber, negociar, minutar e blindar o acordo, bem assim os custos posteriores, (ex post costs) relacionados a problemas e ajustes que vem à tona durante a vida do contrato por conta de inevitáveis lacunas, erros, omissões e fatos que não foram antecipadamente previstos pelas partes.”. XXXXXXXX, Xxxxx X. – Contrato de distribuição, p. 205.
170 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X. – Op. Cit., p. 175.
2.2.1 Custos de coordenação, motivação e custos idiossincráticos
Os custos de transação são tradicionalmente identificados pela melhor doutrina e organização industrial entre custos de coordenação e custos de motivação. Há ainda, os custos relacionados a ativos específicos, ou custos idiossincráticos.
Os custos de coordenação171 são os realizados para o estabelecimento da transação, do negócio, e são os afeitos à colheita informativa sobre o mercado, suas preferências e características, à escolha do melhor parceiro e à, entre outros, publicidade e propaganda da operação negocial172. São, com efeito, o monitoramento do ambiente, com o planejamento e a barganha nas tratativas para o estabelecimento do negócio.
Já os custos de motivação, por sua vez, são os relacionados à incompletude de informação sobre a parte contrária e pelo risco de ser prejudicada pelo comportamento alheio, do outro contratante. Estão mais relacionados com a execução do contrato.
Se, normalmente, os custos e investimentos são úteis para várias destinações, podendo, genericamente, serem alocados em situações envolvendo uma gama elástica de clientes e negócios, os custos idiossincráticos são os que possuem aptidão específica, especializada, voltada para uma determinada contratação, ficando total ou parcialmente173 “afundados”174 após a sua efetivação.
Os custos podem ser considerados como específicos e, assim, idiossincráticos, sob vários aspectos: seja o físico, na medida em que seja um produto ou equipamento relevante apenas para o desenvolvimento de determinado fim; o temporal, que seria exatamente o desgaste decorrente da ociosidade ou da perecibilidade diante da árdua e complexa necessidade de realocação dos ativos em outro local; humana, em razão dos treinamentos
171Vide, FORGIONI. Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 205.
172 Xxxxxx, sobre os custos de coordenação, resume que: “Esta espécie seria representada pelo custo da descoberta de quais seriam os preços relevantes de equilíbrio em cada transação, prazos, publicidade, etc., enfim, os custos relacionados com o estabelecimento do negócio e suas condições.”. XXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxx – As restrições verticais e a análise econômica do direito, p 17.
173 Os sunk costs são os custos irrecuperáveis, que podem compor a gama dos custos idiossincráticos. Vide, nesse sentido, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 70-71.
174 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx X., op. cit, p. 181
necessários e capacitações e, por fim, o dedicado, que considera que o investimento foi realizado para atender uma necessidade customizada para parte contrária.175
Tais custos envolvem, normalmente, relações contratuais perenes e potencializam a sedimentação da pactuação entre as partes, “(...) transformando a relação entre comprador e fornecedor em um verdadeiro monopólio bilateral (...)”176.
Efetivamente, quanto maior o investimento de uma das partes em custos idiossincráticos, ou seja, em investimentos específicos para aquela relação, maior será a dependência do investidor àquele contrato. Os custos e perdas com o fim do ajuste podem ser superiores e, assim influenciarem o contratante investidor a, mesmo em prejuízo, submeter-se e a aderir a cláusulas e condições contra si desfavoráveis.177
A decisão entre fazer e comprar, dentro do processo produtivo, é diretamente proporcional aos custos de transação incorridos no negócio. As firmas, pelo mais puro conceito coasiano, em resumo, se justificam com o objetivo de reduzir os custos relacionados com a alocação dos recursos pelo sistema de preço, através de transações de mercado, o que só tem sentido, em tese, se os custos da integração forem até iguais havidos em transações de mercado178,179.
175 AZEVEDO, Xxxxx Xxxxxxx de – Economia dos contratos, p. 112-136.
176 FORGIONI. Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 232.
177 Vide, nesse viés, Forgioni, para quem: “Custos idiossincráticos poder trazer o estado de dependência unilateral ou recíproca porque, regra geral, quanto maiores os investimentos específicos, mais elevadas as perdas decorrentes do aborto da operação. E ainda: quanto menor sua probabilidade de recuperação, maior o grau de dependência.”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 71.
178 XXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 18.
179 Coase enfatiza, acerca da temática: “(...) não surpreenderia se o surgimento de uma firma, ou a ampliação de suas atividades existentes, fosse a solução adotada em muitas ocasiões para lidar com o problema dos efeitos nocivos. Esta solução será adotada sempre que os custos administrativos da firma forem inferiores aos custos das transações de mercado que suplanta, e os ganhos que resultariam da reorganização das atividades fossem superiores aos custos da firma para organiza-los.”. XXXXX, Xxxxxx X. – A firma, o mercado e o direito, p. 114.
2.3 Racionalidade Limitada
Nesse sentido, é importante ter em consideração que o ser humano, o homus economicus, é, em sua essência, um decisor egoísta, racional, tendente a adotar, sempre que possível, comportamentos oportunistas e que valorizem seus ganhos individuais, olvidando os parâmetros de boa-fé e solidariedade que se espera de uma relação bilateral.
O economista e psicólogo norte americano Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx (1926 – 2001) apresentou uma pesquisa sobre o processo decisório em organizações econômicas que rendeu a ele o Prêmio Nobel de 1978. Uma das constatações dessa pesquisa foi a Racionalidade Limitada180 do ser humano. Para o mesmo, os indivíduos possuem limitações no processo de decisão racional, uma vez que incapazes de não fazer inserir elementos de alto teor subjetivo na tomada de decisão.181
Os indivíduos, agentes econômicos, têm, efetivamente, uma limitação natural de sua racionalidade, o que restringe sua capacidade de processar o conjunto informativo que lhe é apresentado182. Diante de tal racionalidade, limitada, as decisões tomadas são satisfatórias e não ótimas. Sem a existência de limites à racionalidade, em hipótese, todas as transações poderiam ser holisticamente antevistas, com a análise prévia de todas as suas variáveis, permitindo a elaboração de contratos prevendo todos os acontecimentos possíveis, o que eliminaria incertezas183 e, assim, sem os custos relacionados a tais inseguranças.
180 Vide, sobre o tema, Xxxxxxx, para quem “No modelo da racionalidade limitada, a variante subjetiva da utilidade esperada da escolha racional é integrada ao risco e à incerteza, associando uma distribuição de probabilidade, estimada pelo tomador de decisão por meio dos resultados. Dessa forma, o tomador de decisão maximiza a utilidade esperada.”. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx – A influência da racionalidade limitada e do oportunismo em um jogo de empresas, p. 36.
181 Nesse sentido, vide Xxxx e Xxxxxxx, para quem “As informações utilizadas pelo agente para a tomada de decisão são baseadas em fatos muito subjetivos, como as percepções que os indivíduos têm acerca do ambiente em que vivem. A racionalidade dos agentes depende de suas crenças, e estas crenças dependem das informações disponíveis no momento de suas ações. Neste sentido, um conjunto de informações completamente deturpadas pode gerar comportamento racional, desde que as ações de um grupo de indivíduos sejam amparadas por estas informações.”. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx – Racionalidade limitada e a tomada de decisão em sistemas complexos, p. 625.
182 Forgioni destaca, sobre o tema, que: “Ao contratar, a parte não possui todas as informações existentes sobre a outra, sobre o futuro e sobre a própria contratação; diz-se que sua racionalidade é limitada.” E continua: “No mundo real, as partes simplesmente não conseguem prever todas as contingências futuras no momento em que se vinculam ao contrato. Sempre faltarão dados sobre a outra contraparte, sobre os possíveis desdobramentos do ambiente institucional, sobre o porvir.”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 151-152.
183 XXXXX, Xxx Xxxxxxxx de; XXXXXX, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx; DI SERIO, Xxxx Xxxxxx, XXXXXXX, Xxxxxx
E são essas tais limitações que levam à necessidade de um contrato, o qual, pela própria natureza do vínculo de distribuição, perene, é naturalmente incompleto, sem a possibilidade de se antecipar, ex ante, todas as contingências que podem aparecer durante a execução da avença184.
Seria extremamente custoso, além de difícil execução, a redação de contratos com a previsão de todas as contingências que, da relação a se iniciar, podem surgir. Um juízo de prognose fadado, inclusive, além do custo, à ineficácia. De modo que a existência de lacunas nos instrumentos contratuais é a regra e a praxe185, florescendo, daí, soluções a tais lacunas com amparo nos princípios constitucionais e, ainda, no direitos dos contratos.
A natural incompletude dos contratos, somada à racionalidade limitada dos agentes envolvidos, favorecem o florescimento de práticas oportunistas186, acarretando diversos custos e, assim, desfavorecendo o regime de mercado. Some-se a isso o fato de que, na distribuição comercial, apesar do vínculo nitidamente colaborativo, as partes sempre possuirão alguns interesses contrapostos, egoístas, facilitando a adoção de práticas vis e ardis.
Especialmente quanto aos contratos empresariais, a característica que fundamenta todos os ajustes é a finalidade do lucro, o escopo lucrativo187. Todos os pólos são movidos pela possibilidade de angariar mais resultado financeiro.
Sem dúvidas, tal situação, aliada à racionalidade limitada do homem econômico, coopera, embora sem autorização, para a ocorrência de práticas oportunistas. O intuito lucrativo não autoriza práticas predatórias e disformes os preceitos da boa-fé contratual. No tocante à distribuição comercial, somam-se a isso o caráter duradouro e perene das relações estabelecidas, além da exigência de investimentos em ativos específicos188.
Xxxxx Xxxxxx – Ensaio sobre a Teoria dos Custos de Transação (TCT): foco na mensuração.
184 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 86.
185 E não um defeito, já que a incompletude é da essência da pactuação. No mesmo sentido, vide FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 63-64.
186 De acordo com Xxxxxxxxxx apud Xxxxx, o oportunismo “(...) corresponde à busca do interesse próprio com perfídia ou astúcia, recobrindo um amplo leque de situações, que podem ir desde comportamentos patentemente ilícitos a formas mais subtis de conduta desleal ou enganosa.”. XXXXX, Xxxxxxxx X. – Op. Cit., p. 176
187 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 108.
188 Nesse sentido, vide Xxxxx, para quem: “A existência de investimentos em ativos específicos restringe a mobilidade do agente econômico dependente, aumentando o risco de condutas oportunistas do principal. Sua possibilidade de escolha é substancialmente afetada. Muitas vezes, a ausência de alternativas equivalentes ou razoáveis obriga-o a aceitar condições gravosas unicamente em razão da perspectiva de continuidade do
2.4 Oportunismo
Antes de adentrar à análise dos oportunismos relacionados à TCT, é preciso especificar seu coneito. E, destaque-se, desde logo, que o conceito de oportunismo na Teoria dos Custos de Transação é diverso daquele utilizado na linguagem cotidiana, corrente, que pode ser identificado como uma habilidade, uma qualidade de se identificar ganhos diante de situações apresentadas. No âmbito do TCT, o termo tem acepção diversa e, alías, quase que inversa, não se apresentando como habilidade, mas como uma postura indesejada por parte do agente econômico que a pratica.
Trata-se, o oportunismo, pela TCT, do aproveitamento, através de uma ação ou omissão189, ilícito ou apenas desleal, para aquilo que se espera de um contraente em benefício próprio. Não necessariamente a prática oportunista é, em si, ilícita; pode ser, como dito, apenas socialmente indesejada, como o aproveitamento de situação desvantajosa da outra parte.190
Voltando-se o olhar aos contratos de distribuição, como dito outrora, ainda que estes sejam contratos colaborativos, em que há um verdadeiro mutualismo entre os contraentes, e o esforço de uma das partes atua no sucesso da contraparte, fato é que os interesses das partes contratantes nunca são inteiramente convergentes, dando azo à implementação de práticas oportunistas e, assim, consequentemente, aumentando o custo de transação do negócio191.
O ato oportunista, ou apenas o seu risco, além de atingir um dos grandes valores de uma relação negocial, qual seja a confiança, culmina por exigir a alocação de recursos e energias em áreas paralelas à atividade negocial, com desperdício de tempo e dinheiro.
negócio, pois o rompimento da relação poderá significar perdas ainda maiores.”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 90.
189 Oportunismo ativo ou passivo, respectivamente.
190 Pinto classifica os oportunismos em forte, clamoroso ou flagrante (blatant opportunism) se o mesmo traduz atos ilícios, dolosos, e, noutro sentido, oportunismo fraco, que abrange formas mais sutis de comportamentos desleais. XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 178
191 Vide, nesse viés, Xxxxxxxxxx, Saes e Xxxxxxxxx para quem: “O comportamento oportunista nas relações contratuais que demandam investimentos específicos, denominado hold-up, é tido na literatura como uma das explicações para a existência de firmas integradas verticalmente”. XXXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx; SAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx – Comportamento oportunista em negociações envolvendo investimentos específicos: um estudo com metodologia experimental, p. 393-404.
Mais ainda, a verificação do risco de se haver a prática oportunista, a partir de históricos e, ainda, de uma verificação preliminar de qualquer das partes, termina por desincentivar192 e até, contribuir para que negócios vultosos, capazes de gerar divisas e, assim, dar maior fluidez ao mercado, não se materializem. 193
A outra face da prática oportunista, diante do consequente aumento do custo da transação que o oportunismo causa, é a tendência, pelo empresário, de escolher fazer ao invés de comprar (make ou buy decision), passando a integrar verticalmente sua operação, com prejuízos, em tese, decorrentes da falta de especialização e divisão do trabalho. Ilustra essa proposição o clássico caso da General Motors e da fabricante de carrocerias Fisher Body.194
Objeto futuro de análise desse trabalho, o instituto da indenização de clientela é, sem dúvidas, um antídoto, ou mesmo desestímulo, à pratica, pelo principal, de ato oportunista. A indenização de clientela é figura típica da agência que, de regra, carrega vínculos eivados de dependência econômica e alto poder de comando por parte do principal.
Como o agente age por conta do principal, como fito principal de prospectar negócios àquele, carrega, consigo, algum risco em sua relação contratual, sendo relativamente fácil a sua comutação por vontade do fabricante. Situações casuísticas evidenciam uma completa dominação do principal junto ao agente, influenciando, quando não impondo, suas tomadas de decisões no âmbito do contrato. Mais vale ao agente, em uma análise marginal, submeter-se a uma regra convencional desfavorável do que perder o contrato.
192 Nesse sentido, vide Xxxxx e Xxxxxxx: “Todavia, a busca do agente pelo crescimento de seu desempenho econômico é permanentemente condicionada pela incerteza decorrente de sua não onisciência presente e futura sobre o conjunto de elementos que permeiam as transações econômicas, sejam eles relativos às condições do ambiente econômico ou ao comportamento das partes envolvidas. Por conseguinte, os contratos, na medida em que envolvem expectativas e promessas de conduta sem um contexto previamente desconhecido, mostram-se necessariamente incompletos e munidos de riscos.” XXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de – Op. Cit. n. p.
193 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx A – Op. Cit., p. 180
194 Xxxxxxxxxx, Saes e Xxxxxxxxx, sobre o hold up, “(...) ilustram essa proposição com um caso que se tornou bastante conhecido: o contrato firmado em 1919 entre a General Motors (GM) e seu então supridor de carrocerias, a Fisher Body. Por meio desse contrato, a GM comprometeu-se a adquirir carrocerias exclusivamente da Xxxxxx nos dez anos seguintes, por um preço atrelado aos custos variáveis de produção. De acordo com os autores, ocorreu o hold-up, pois a Xxxxxx agiu oportunisticamente ao empregar uma tecnologia ineficiente de forma a aumentar sua margem na transação. A Xxxxxx também se recusou a instalar uma planta de suprimento próxima à da GM, com receio de que houvesse redução no seu ganho por unidade de carroceria entregue. Supostamente em razão do fracasso desse arranjo institucional, o contrato foi descontinuado em 1926, quando a GM se integrou verticalmente com a aquisição da Fisher Body.” XXXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx; SAES, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx – Op. Cit., p. 393-404.
Se o principal quiser se apropriar do mercado angariado pelo agente, ou mesmo substituí-lo, pode fazer de forma muito ágil, na medida em que a clientela firmada a partir dos esforços do terceiro é toda estabelecida consigo.
A indenização de clientela, nesse viés, visa compensar tal vulnerabilidade e exposição que atinge o agente contra ato oportunista daquele com quem possui relação contratual firmada195, incentivando, assim, a perenidade de um pacto que não apresenta justo motivo para o seu encerramento.
2.4.1 Hold Up
Um dos mais conhecidos exemplos de ato oportunista é o hold up.196,197Assim como sugere a tradução literal da língua inglesa, o holp up está associado a fazer a parte contrária refém, à chantagem, por uma das partes, em situação pontual de poderio à contraparte débil.
195 No mesmo sentido, vide Xxxxx, para quem a indenização de clientela “... constitui um contra-estímulo adeuqado à detenção do oportunismo do principal ...” e que a mesma “... constitui mecanismo de realização de justiça contratual (...) e de prevenção do abuso.”. XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 732.
196 Veloso e Xxxxx, sobre o tema, destacou que: “Em sentido literal, a tradução para o termo hold up é a equivalente a expressão “tomar como refém”, o que designa com fidelidade o contexto do que ocorre com uma das partes do contrato em face do inadimplemento injustificado do outro contratante”. Os autores arrematam exemplificando o caso do canal de TV paga HBO e do ator, Xxxxx Xxxxxxxxxx, famoso pelo seriado The Sopranos, que “(...) ameaçou interromper as gravações e abandonar seu papel na série caso seu contrato, que previa o pagamento de quatrocentos dólares por episódio não fosse revisto pelo canal contratante. Sem possibilidade de negociação, e sob o risco iminente de ver um de seus principais programas fracassar, a HBO aumentou o valor em questão para oitocentos dólares por episódio. Este exemplo expressa a coerência do termo tomar como refém, pois é evidente que o hold up ocorre justamente quando o contratante não possui outra alternativa que não seja ceder, sob pena de desfazimento completo do negócio jurídico e as perdas e danos, sobretudo de investimentos e expectativas frustradas dele decorrentes.”. XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx – Análise econômica do inadimplemento contratual oportunista versus o inadimplemento eficiente (efficient breach), n. p.
197 No mesmo sentido, vide VELOSO, Xxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx – Hold Up: lesão contratual por premente necessidade, n. p. Referido artigo destaca o trabalho de Xxxxxx Xxxxxxx, Contractual Holdup and Legal Intervention, que apresenta a questão com o exemplo do caso do eletricista que, no último dia do ano, impõe preço extremamente elevado para realizar o serviço sem o qual o jantar de ano-novo do principal restaurante da cidade. Vê-se aqui o mesmo desequilíbrio econômico que impossibilitaria qualquer indenização substanciosa o suficiente para responder pelos prejuízos materiais e morais sofridos pelo restaurante. Nestes exemplos, resta à vítima ceder ao detentor do alto poder de barganha.
Normalmente, a figura oportunista do hold up é verificada em casos em que é exigido investimentos específicos198 de uma das partes, de baixa comutatividade (switching costs), ou seja, investimentos que dificilmente seriam aproveitados pela parte investidora em outras operações negociais.
Específico pois, na medida em que uma grande fração do seu retorno depende da continuidade, por período compatível com seu vulto, da transação para o qual o investimento foi realizado199, o que culmina por representar um alto custo de saída do contrato, gerando uma dependência facilitadora da manifestação do ato oportunista.
Uma vez tendo realizado tais investimentos, a parte fica refém de mandos, chantagens e propostas muito desvantajosas feitas pelo outro contratante, detentor de poder de barganha, na medida em que, para si, ainda é mais vantajoso aceder a tais exigências do que correr o risco de ter o contrato cancelado, diante dos investimentos realizados.200
2.4.2 Free Riding
Um outro famoso exemplo de ato oportunista são as atuações dos free riders201. O
free rider é “(...) o agente econômico que se aproveita de externalidades positivas de
198 Xxxxxxxxx enfatiza que: os investimentos específicos, dada a sua característica de sunk costs, representam uma “barriera all‘uscita dal contrato (...)”. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx – ‘L’abuso di dipendenza economica tra disciplina della concorrenza e diritto dei contratii, p. 45.
199 AZEVEDO, Xxxxx Xxxxxxx – Economia dos Contratos, p. 112-136.
200 Mussi, sobre o tema, destaca que “(...) hipóteses em que a estrutura contratual exige investimentos próprios à execução da avença (relation-specific investiment), assim compreendidos os investimentos que, uma vez realizados em função de um contrato interpempresarial em curso, terão valor inferior em usos alternativos se comparados com o uso ao qual são destinados originalmente.” E complementa: “O agente que realiza os investimentos específicos, (...), encontra-se em posição vulnerável. Diante do temor de perder os recursos já empregados e, assim, de manter a relação em curso, a contraparte passa a ter poder econômico representado da simples ameaça de por fim ao contrato. Essa possibilidade outorga ao empresário dominante privilégios na renegociação da avença incompleta, inclusive com apropriação doe quase-rents.”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 91-92.
201 Cite-se, por todos, para fins de evidenciação prática do ato oportunista, o fácil exemplo trazido por Forgioni: “Suponhamos a seguinte situação: uma senhora paulistana que está reformando sua casa precisa trocar o carpete de algum dos seus cômodos. Dirige-se então a um dos endereços mais sofisticados da cidade para escolher seu produto. Na loja, situada em um ponto comercial bastante conveniente, deixa seu carro com um manobrista gratuito, notando que eventuais avarias estarão seguradas. Entra no estabelecimento, decorado por um dos profissionais mais famosos da cidade, sentindo-se à vontade e confortável no ambiente arejado e luxuoso. É atendida, então, por um vendedor extremamente treinado, que lhe dá toda a assessoria na escolha da altura das fibras, número de nós por centímetro etc. (...) Por uma copeira bastante solícita, é-lhe servido
determinadas ações por terceiros que desejam seus benefícios, mas não está disposto a participar em seus custos. Como tal, falseia as condições de concorrência.”202.
Uma das formas de se combater, na distribuição comercial, a atuação do free rider é, por exemplo, fixar preços de vendas final do distribuidor (“price restraints”, como chamam os americanos), preços mínimos de venda, ou mesmo exigir a exclusividade na atuação do distribuidor, evitando que investimentos feitos pelo fabricante, seja na infraestrutura do distribuidor, seja referente à propaganda institucional, ou mesmo informações como a lista de clientes encaminhada por aquele, seja aproveitada por eventual distribuidor free rider.
2.5 Da aplicação temática à casuística dos contratos de distribuição
Situando no campo do governo das transações, é possível dizer que os contratos de distribuição nem são completamente regidos pelo sistema de preço (mercado), nem, tampouco, são regulados pela hierarquia e comando centralizado do empresário no interior da firma. Trata-se, entendemos, de uma modalidade híbrida, no bojo da qual é possível perceber, com nitidez, traços marcantes de ambas formas de governo.
Economicamente, contudo, a distribuição comercial, apesar de ser um contrato colaborativo, exige um amplo controle de fiscalização e previsões sancionatórias, uma vez que é ambiência a favorecer a prática de atos considerados oportunistas.
Uma vez inserto em uma rede de distribuição, junto com diversos outros distribuidores, é natural, e isso não lhe retira a validade, que os contratos firmados sejam de adesão. De fato, como destaca Forgioni203, “(...) sem a padronização contratual seria quase
café expresso com biscoitinhos. Não há qualquer possibilidade de venda de produtos sem a correspondente emissão de nota fiscal. Escolhido o produto exato, que custava R$ 50,00 o metro quadrado instalado, a senhora anota a referência do fabricante. Dirige-se então, a uma loja situada na periferia da cidade, sem qualquer estrutura, onde os produtos estão amontoados. Nem se cogita a emissão de nota fiscal. Com a referência obtida na outra loja, compra exatamente o mesmo produto por um preço de R$ 30,00 o metro quadrado instalado. (...) Esse comerciante situado na periferia da cidade seria o aproveitador: o free rider, que se vale do aviamento do outro para angariar clientes para si.”. FORGIONI. Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 210-211.
202 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx – Clausulas de exclusividade nos contratos de representação comercial, p.455- 456.
203 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 69.
impossível organizar uma rede de distribuição uniforme aos olhos do distribuidor. Os contratos de adesão possuem ainda a inegável vantagem de diminuir os custos de transação.”204.
Como contrato colaborativo, há um interesse comum partilhado, convergente e alinhado, que impõe práticas solidárias entre os agentes econômicos e, com isso, permite, sem duvidas, a junção de forças de fabricante e distribuidor para o sucesso da operação. Nessa esteira, ainda que cada uma das partes vise seu próprio desenvolvimento, a característica colaborativa e solidária da relação converge a atuação de forças de modo que o negócio floresça e se desenvolva a partir de tais esforços mútuos, já que os bons resultados culminam por serem proporcionalmente partilhados entre as partes205.
Inexoravelmente, contudo, e para isso pesa o fato do distribuidor ser um agente autônomo, fora do ambiente interno da firma, a convergência de interesses nunca será plena e induvidosa. Ao longo de uma relação longeva, como típico nos pactos de distribuição, muitas vezes os interesses individuais dos agentes polarizam, divergindo e, assim, cada um agirá do modo que acredita que poderá potencializar seus resultados.
Como empresários independentes, a solidariedade entre si só ocorrerá até o limite de ambos acreditarem que está sendo o melhor para o seu negócio. Caso, por alguma razão, enxerguem diferente disso, atuarão de forma a obter o maior ganho a si, muitas vezes competindo com a contraparte206.
Nesse sentido, a formulação do contrato entre os agentes, no âmbito da distribuição comercial, contém um papel fundamental de, além de incentivar e coordenar a prática de atos que potencializem os ganhos conjuntos, partilhados, ou seja, que, fomentem a convergência de interesses, exige a previsão sistematizada, de um conjunto de medidas que
204 A falta de negociação entre as partes, se não revela ilícito em si, colaborando, inclusive, para a redução dos custos de transação e, assim, florescimento da distribuição como estratégia econômico-jurídica de escoamento de produção e angariação de mercados, reforça a necessidade de uma reflexão sobre os termos incluídos no contratos; se presentes ou não abusos a justificar proteções e tutelas.
205 Como muito bem colocado por Xxxxx, ao tratar da função econômica da concessão comercial, “(...) o esforço desenvolvido pelo distribuidor para aumentar os próprios lucros contribui para aumentar os do produtor (...)”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 23.
206 Xxxxx destaca, nessa temática, que “A confluência de elementos de cooperação e de competição, - que se agregam na fórmula sintética ‘coopetição’ (‘coopetition’) – é, aliás, uma das características que mais regularmente se observa nas formas híbridas de governo das transações (...)”. XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 192
evitem a prática de condutas oportunistas e, ademais, que protejam e sancionem a parte que optou por agir em desconformidade com o interesse comum do ajuste.
Não se figura desarrazoada, pois, na prática, a exigência de algumas limitações à autonomia plena de gestão da atividade do distribuidor pelo fornecedor – o que, alías, é uma decorrência natural da sua qualidade de distribuidor integrado à rede -, sem, contudo, engessá- lo a ponto de tomar para si a própria decisão sobre o rumo dos seus negócios.
Visando o fomento do interesse comum, do sucesso partilhado do negócio, é aceita previsões contratuais que estabeleçam, verbi gratia, a aquisição, pelo distribuidor, dos seus produtos exclusivamente junto ao fornecedor – tie contract –, já que este último realiza investimentos no negócio daquele, evitando a prática de free ride, além de colaborar com o zelo pela marca e produto distribuídos; e a previsão de limitação da área de atuação do distribuidor.
De fato, a:
(...) repartição assimétrica dos direitos entre as duas partes é, desse modo, determinada por razões de eficiência – na medida em que pode reduzir os custos de transacção, incentivar a cooperação entre o fornecedor, o distribuidor e os demais distribuidores pertencentes à mesma rede, e facilitar a maximização dos proveitos agregados -, obedecendo a um trade-off, entre o risco de oportunismo pós- contratual que uma e outra apresentam: os aludidos poderes decisórios são atribuídos à parte que tem menores incentivos para se comportar de forma oportunista e maior propensão para maximizar o proveito conjunto.207
Por outro lado, ao fornecedor, naturalmente maior que o distribuidor, é esperada concessões de crédito e demais políticas que evitem o caro endividamento do distribuidor, cercando-se, por óbvio, das garantias necessárias para o caso de incumprimento do seu
207 XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 198-199.
pagamento. Tais medidas revelam seu intuito colaborativo e desincentivos à prática de atos oportunistas pelo grossista.
Para além da adoção de medidas que prestigiem o caráter solidário e colaborativo da distribuição comercial, frente ao riscos fisiologicamente presentes, decorrentes da parcial divergência de interesses entre os contraentes, também do ponto de vista econômico, é importante que o contrato firmado entre as partes, conforme anunciado algures, estabeleça regras próprias de auto-execução e suficiência, com o estabelecimento de medidas regulatórias e disciplinadoras que sejam espontaneamente aceitas pelas partes.
A adesão espontânea das partes às regras e previsões claras do instrumento contrato certamente colabora para a redução dos custos de transação, eis que evita o uso de mecanismos de heterodisciplina, sejam os tribunais judiciais, a via arbitral ou outra solução alternativa com o mesmo propósito, muitas vezes caras, exigindo o desembolso de valiosas e vultosas cifras financeiras, e demoradas, colaborando para a sedimentação da assimetria e instabilidade da convergência e do ânimo colaborativo que se espera das partes.
Cabe ao contrato, outrossim, fruto da previsão das partes, estabelecer gatilhos e proteções que desincentivem a prática oportunista, ou até mesmo, de certa forma, garantam o cumprimento do ajuste208, seja pelas perdas que daí decorrerão, estrategicamente indicadas no regulamento contratual, seja pelo fato de que o ganho decorrente do cumprimento e lealdade ao ajuste, pela parte, será maior do que o mesmo experimentaria caso optasse pela realização do oportunismo combatido.
2.6 Da explicação econômica do sucesso da Distribuição Comercial
O sucesso da via da distribuição comercial para instrumentalizar a relação de escoamento da produção do fabricante, ou mesmo para fazê-lo penetrar ou intensificar sua
208Pinto destaca que “Integram o elenco de tais medidas o pagamento de ‘direito de entrada’ não reembolsáveis, a realização de investimentos específicos por parte do distribuidor, ou a instalação do estabelecimento desse último em espaços arrendados ou subarrendados pelo fornecedor (lease control). XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 199-200.
participação em determinado é comprovado, facilmente, por sua consolidação na mercância cotidiana.209
Desde a Revolução Industrial, quando o contexto econômico passou a exigir o desenvolvimento de arranjos contratuais que regulassem esse escopo, o contrato de distribuição tem cumprido tal mister e colaborado com o crescimento dos mais diversos ramos de negócios, envolvendo, inclusive, indústrias de grande potencial econômico, como o ramo de bebidas, combustíveis, alimentos e moda.
Fato, outrossim, é que a distribuição comercial vivencia um momento muito propício ao seu desenvolvimento. As últimas décadas foram anos em que, fruto da globalização e dos avanços tecnológicos, as distâncias geográficas foram bastante reduzidas, seja virtualmente, com a proliferação de novas e céleres vias de comunicação entre as pessoas, seja mesmo territorialmente, na medida em que os acessos terrestre, aéreo e marítimo estão cada vez mais explorados210.
Tudo isso, entre outros fatores exógenos, facilitou o desenvolvimento de uma cultura quase universalizada de consumo. As marcas, principalmente, mas não exclusivamente, as de alto renome, conseguem espaço e penetração em quase todos os mercados, e, com isso, a atividade de distribuição ganha crescente relevo.
Como fenômeno econômico, o uso da distribuição comercial terceirizada só será a adotada, frente à possibilidade de integração vertical, se os custos com a terceirização da atividade compensarem e, assim, o resultado econômico for superior, ao fabricante, ou, pelo menos, igual daquele que experimentaria se optasse por realizar a atividade dentro do ambiente da firma.
E, sem dúvidas, quanto menores forem os custos de transação nesse processo de troca pelo sistema de preços, maior a chance da adoção da via terceirização da atividade distributiva.
209 Sucesso esse, a ponto tal, que há quem reconheça na distribuição não mais uma opção, para o fabricante, com análise dos custos envolvidos, mas, na verdade, uma etapa do processo fabril, senão vejamos: “Daí porque hoje a distribuição é encarada mais como uma etapa da produção de bens e prestação de serviços que como mero custo que se agrega ao produto final.”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – O regime do contrato (típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial, p. 40.
210 Vide, sobre o tema, XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit., p. 188.
Além disso, certamente a especialização da atividade soma no processo decisório. Por mais que o fabricante seja capaz de realizar a distribuição dos seus produtos, sendo esse o cuore do negócio do distribuidor, tende o mesmo a fazê-la com mais expertise e eficiência211 que o primeiro.
Sem contar, ainda, que o fabricante terá de dissipar parte de sua atenção, energia e recursos para dirigir um negócio paralelo ao seu, embora a ele relacionado, podendo afetar o nível de qualidade e eficiência da sua atividade principal.
Há, ainda, alguma partição de riscos com o uso do distribuidor. Ao tempo em que o fabricante deixa de assumir riscos financeiros e laborais ao contratar um distribuidor terceirizado, confia na expertise e na credibilidade local do mesmo para que esse, assumindo os seus próprios riscos para realizar, a contento, sua atividade empresarial.
Numa análise meramente teórica, é de se admitir que o caminho natural e ideal ao fabricante seria verticalizar sua operação, realizando a distribuição. Desse modo, alcançaria, diretamente, sem ruídos e intermediações, uma relação mais direta com o seu consumidor, melhor conhecendo suas ânsias e necessidades.
Xxxxx, contudo, dois pontos favoravelmente a favor do desuso da via da distribuição direta: a especialização do distribuidor terceirizado, conhecedor do mercado e com reputação no mercado que explora, e os custos e riscos envolvidos, dissipados com a terceirização.212
CAROLINA CUNHA213, ao destacar a notável expansão que os sistemas de concessão e a da fraquia conheceram nas últimas décadas, destaca, entre os principais
211 Sobre o tema, interessante o parecer de Pego, para quem: “Permitindo que o fabricante se furte a determinados custos e riscos, a concessão assegura-lhe intervenção na distribuição, garantindo assim certo grau de diligência e eficácia, sem o qual não haverá uma razoável penetração no mercado, cada vez mais difícil devido à concorrência entre produtores, tão característica da economia capitalista (...)”. XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – A posição dominante relativa no direito da concorrência, p. 103.
212 Vide, no mesmo viés, Brito, para quem: “Existe, por parte do produtor, um interesse em estabelecer uma relação próxima com os utilizadores para melhor adaptar a produção às necessidades do consumo. Sob esse aspecto, a solução óptima seria a distribuição directa, que acarreta, contudo, consideráveis inconvenientes: a distribuição directa é dispendiosa e rígida.”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – O contrato de concessão comercial, p. 23.
213 Cunha, sobre o tema, destaca: “Saliente-se, todavia, que não está excluída a hipótese de, para o empresário, se revelar mais conveniente e reditício substituir a sua rede de agentes por uma rede de concessionários, ou até de franquiados, sistemas que conheceram, xxxxx, nas últimas décadas, uma notável expansão: pense-se no caso do empresário não dispor de (ou não lhe ser conveniente disponibilizar) os fundos necessários para implantar no mercado em causa uma estrutura própria; ou na hipótese de incertezas sobre a evolução da
elementos de sucesso de referidos programas contratuais, a desnecessidade de investimentos pelo fabricante para o desenvolvimento da atividade de exploração comercial no dado local, bem como pela relativização do risco do fabricante, na medida em que o concessionário e o fabricante arcam com os custos da implantação do seu negócio e são, como sabido, empresários autônomos, assumindo os riscos de sua atividade empresarial.
Numa outra perspectiva, nada impede, contudo, que, dentro da estrutura empresarial do próprio fabricante, este realize parte da sua distribuição de forma direta, verticalmente integrada, e, ainda, o faça de forma terceirizada, conjugando ambas as estruturas do governo das transações – make and buy decision.214
O uso da via mista permite que o fabricante possa, empiricamente, mensurar os resultados da atividade, competir com o distribuidor terceirizado, estipulando metas e premiações, e, ainda, vivenciar e adotar situações que possam evitar ou coibir a realização das práticas de oportunismo.
Outrossim, quanto mais os fabricantes utilizam da distribuição terceirizada, mais a relação com o distribuidor evolui, e menos recursos precisam ser empregados no monitoramento e na repressão de oportunismos.
Os contratos, nesse viés, a partir de experiências já vividas em outras pactuações, estão cada vez mais completos – apesar de sua natural incompletude –, além de auto- executáveis, conferindo mais segurança e celeridade na solução de conflitos, sejam estes reais ou ainda potenciais.
Isso porque os anos de maturação da distribuição têm produzido literatura farta, à qual os atores desse mercado têm pleno acesso, e, com isso, refletido nos textos dos novos instrumentos contratuais entabulados, evitando que tais contigências se materializem naquela relação concreta.
A facilidade informativa da era atual permite que novas operações se valham, sem ter de passar pelos mesmos ônus e danos, das experiências vividas por outros agentes
economia, num futuro mais ou menos próximo, desaconselharem o risco sempre inerente a atividade de instalação.” XXXXX, Carolina – A indemnização de clientela do agente comercial, p. 250.
214 XXXXX, Xxxxxxxx X. Ferreira – Op. Cit, p. 204.
ecconômicos, permitindo o enriquecimento dos instrumentos pactuais e a fortificação do tipo contratual.
Especialmente pela profissionalização da temática que, embora relativamente recente, pela repetição e uso, tem se adquirido bastante conhecimento e, assim, evolução, o que se assiste atualmente é uma verdadeira adoção do uso da distribuição comercial, por óbvio, naquilo que comercialmente faz sentido sua escolha215, cabendo ao fabricante, por sua relação com o distribuidor integrado, tentar “(...) impor as suas concepções a operadores independentes a fim de que a atividade de distribuição se aproxime o mais possível daquela que seria desenvolvida por uma sua operação de venda.”216.
Ao utilizar da via terceirada de distribuição, o produtor, apesar da necessidade de maior controle e fiscalização, avança em questões nodais na dinâmica da atividade empresarial. Primeiro porque pode, na relação com o distribuidor, obter informações precisas sobre o mercado que pretende explorar, sem a necessidade de investir em sucursais, com necessário investimento, outrossim, em tempo e experiência para conhecer tido mercado. Segundo porque pode organizar até a sua produção, especialmente se impuser compras mínimas – cláusula de quotas – aos distribuidores.
Pode, ainda, intervir na comercialização, impondo preços de revenda e, assim, protegendo o posicionamento dos seus produtos no mercado. E, por fim, como dito acima, orientando e intervindo, sem abusos, na atividade de distribuição indireta, o produtor consegue acessar seu consumidor final, sem incorrer em grandes riscos e nos custos de investimento, que são transferidas ao distribuidor. 217
Postas tais considerações, especialmente de cunho econômico, conclui-se pela presença de um ciclo virtuoso nos contratos de distribuição. Seu desenvolvimento no mundo comercial econômico, pelas razões suso expostas, especialmente de especialidade e dissipação de risco, estão gerando literatura e experiências que culminam por afetar os custos de transação dessas relações, reduzindo-os e, dessa forma, impulsionando o crescimento do tipo
215 Isso porque, apesar de juridicamente possível, a distribuição não tem sentido prático para alguns produtos. Como técnica de distribuição, a melhor resposta da distribuição ocorre para alguns segmentos, especialmente bebidas, produtos de beleza, vestuários com marca agregada, entre outros. Veja, por todos, destaca XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 27.
216 Como muito bem destaca Idem – Op. Cit., p. 23.
217 Vide, nesse sentido, Idem – Op. Cit., p. 25-26.
contratual da distribuição comercial como estratégia econômica ideal à distribuição dos produtos do fabricantes juntos aos mercados consumidores.
CAPITULO 3 Dependência econômica e abuso de tal condição nos contratos de Distribuição Comercial
3.1 Dependência Econômica
Embora não conste da configuração de sua definição, é assente que a dependência econômica é uma condição tipicamente verificada nas relações contratuais de distribuição comercial218,219, desde, inclusive, seus primórdios e suas fórmulas precursoras, as quais deram o fundamento ao modelo atual220.
Se, sob a ótica meramente jurídica, o distribuidor é um empresário autônomo, atuando por sua conta e risco, visando o lucro em sua atividade de revenda dos produtos do fabricante e, nesse contexto, independente, do ponto de vista econômico, da contraparte contratual, a praxe evidencia, com frequência, a verificação de uma posição de verticalidade e de forte assimetria entre os contraentes, ou seja, uma condição de dependência do distribuidor ao produtor221, que, inserido na cadeia de distribuição, passa a depender do contrato como forma de sobrevivência empresarial.
218 Mussi ressalta, sobre o tema: “Os contratos interempresariais de distribuição encerram operações econômicas complexas. Há entre as partes um conflito de interesses potencial, o contrato se caracteriza pela incompletude do vinculo duradouro (onde não é possível prever todas as contingências) e cria-se, apesar do intuito colaborativo, relação de dependência para uma das partes.”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit.,
p. 110. Pego, em igual teor, vaticina que: “Num plano geral, pode dizer-se que há dependência do concessionário em relação ao concedente(...).”. XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 104.
219 No mesmo sentido, Xxxxxxxxx, ao refletir sobre a problemática jurídica que envolve os contratos de distribuição e indicar a agência, por sua normatização, como paradigma dos demais contratuais distribuitivos, revela a dependência econômica de tais ajustes, nos seguintes termos: “Anche il problema della subordinazione economica acquista, in quest‘ordine di idee, il sapore del déjá vu; e, quel che piú conta, si arricchisce di tutta uma serie di esperienze paradigmatiche”. PARDOLESI, Xxxxxxx – I contratti di distribuizione, p. 84-92.
220 Vide, nesse sentido, a referência de Brito ao tratar dos “contratos de cerveja” como fórmula precursora dos contratos de concessão comercial, senão vejamos: “Pensa-se que, desde o seu aparecimento, no decurso do século XVIII, os Bierverlagsverträge determinaram uma situação de dependência dos comerciantes em relação aos fabricantes de cerveja. Na verdade eram normalmente oas fabricantes que colocavam à disposição dos comerciantes os meios necessários para dar início ao negócio.”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 36.
221 Vide, nesse sentido, Xxxxxx, para quem: “Do ponto de vista estritamente jurídico, concedente e concessionário conservam a autonomia um em razão do outro. A autonomia do concessionário é eminentemente jurídica, bem como, é certo, gerencial. Sob o ponto de vista econômico, contudo, o concessionário, em regra, encontra-se em posição desfavorável, dependendo do concedente”. XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Op. Cit.
A dependência econômica, decorrente de relação contratual, pode ser definida ou identificada como a situação em que uma das partes se encontra em situação potencial de sujeição a outra, pois necessita, sem que possua alternativa equivalente, da continuidade contratual para que não incorra em severos prejuízos, incontornáveis em curto prazo, ou mesmo para que apenas sobreviva.222
Em Portugal, a compreensão sobre a dependência econômica é objeto de regramento específico, qual seja o art. 7o da Lei 18/2003, de 11 de Junho, que, como bem destaca XXXXX XX XXXXXX XXXXXXX, “(...) visa proibir a exploração abusiva do estado em que se encontra a empresa, fornecedora ou clientel, que não dispõe de alternativa equivalente.”223
Trata-se de particularidade de alguns tipos contratuais, embora haja quem já a caracterize como uma categoria específica224, notadamente se em voga vínculos longevos, colaborativos225, relacionais e que envolvam, de algum modo, interesses não integralmente convergentes226.
222 Sobre o tema, Xxxxxxxxx destaca que: “Il est possible de les definir comme les contrats régissant une activité professionnelle dans laquelle l’um des contractans, l’assujetti, se trouve tributaire pour son existence o as survie, de la relacion régulière, privilégiée ou exclusive qu’il a établie avec son cocontractant, le partenaire privilégié, ce qui a pour effet de la placer dans as dépendance économique et sous as domination (...)”. VIRASSAMY, Xxxxxxx X – Les contrats de dépendance: essai sur les activités professionneles exercées dans une dépendance économique, p. 10.
223 XXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxxx – Op. Cit., 98-99.
224 Virassamy defende o enquadramento de tais pactos numa categoria específica, que ele chama de contratos de dependência. Para o autor, a parte dependente encontra-se, para manter-se viva, refém, exposta a uma relação contratual que estabeleceu com a contraparte. XXXXXXXXX, Xxxxxxx X. – Op. Cit., p. 10.
225 Xxxxxxxx, para quem: “(...) é essa mesma colaboração entre as parte, os laços que entre si estabelecem e a fidelidade que cultivam, numa relação durodoura e estável, que cria uma forte interdependência entre os contraentes.”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 50.
226 Xxxxx, como dito no Capítulo 2, é da própria essência contratual a heterogenia de interesses. Há sempre, ainda que na margem, interesses que se contrapõem. A solidariedade entre os contraentes e o dever colaborativo, decorre de maturação do contrato, que, com o desenvolvimento e complexidade das atividades negociais, passou a assumir esse papel. Nesse sentido, vide Xxxxxxx Xxxxx, para quem: “Na verdade, a aplicação do objetivo cooperativo através da disciplina do contrato é bastante complexa, pois exige uma aparente reviravolta no paradigma contratual.”. A concepção clássica do contrato sempre viu nele representados interesses contrapostos. E arremata: “(...) o contrato só tem sentido lógico e teleológico enquanto disciplina criadora de convergência de interesses entre as partes(...)”. XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx – Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos, p. 210. No mesmo sentido, vide Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxx, para quem, ao tratar da distribuição comercial: "(...) que se marcam por características comuns, tal como a união em torno de um objetivo comum: o lucro de ambos na comercialização de bens e serviços, mas antagônicos, na medida em que se repartem os ganhos.”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx – O regime do contrato (típico) de agência e distribuição (representação comercial) no novo Código Civil em cotejo com a situação jurídica do contrato (atípico) de concessão comercial, p. 40.
Acerca da dependência econômica, Virassamy227, didaticamente, aponta como características principais à configuração da dependência a coexistência de três situações que indica como elementos principais da sua definição, senão vejamos: “(...) l’existence d’une relation contractuelle entre les parties (I), de l’importance de cette relation quant à l’existence de l’assujetti (II), et de la régularité et la permanence de ces liens contractuels (III).”.
De fato, para a configuração do estado de sujeição econômica de uma parte à outra, é preciso que ambos convivam em uma relação contratual ativa, e permanente, e que aquela relação, se encerrada, atinja a própria sobrevivência, numa análise extrema e mais dramática, da atividade econômica de um dos contraentes.
Efetivamente, a dependência econômica, embora em si, isoladamente, não diagnostique qualquer ilicitude, sem dúvidas afeta a simetria de forças entre as partes contratantes e, como consequência, pode alterar, no sentido de influenciar, numa verdadeira coação tácita, a própria autonomia privada do ente dependente228.
Como muito bem adverte Forgioni229, a supremacia que decorre da dependência econômica de uma parte à outra do contrato, “(...) implica a possibilidade/capacidade de um sujeito impor condições contratuais a outro, que deve aceita-las.”.
Sem dúvidas, diante de um quadro de dependência econômica e da necessidade de manter-se vinculado ao ajuste, o agente dependente se submete a situações que, por se encontrar na margem, não aceitaria se sua autonomia de vontade fosse pura e verdadeira. Contudo, sua análise é marginal: ou aceita ou pode-se ver sem o contrato. De fato, “(...) qualquer ruptura provocará dificuldades de toda a ordem, muito especialmente para encontrar um novo parceiro comercial ou uma alternativa à atividade até então desenvolvida (...)”230.
227 XXXXXXXXX, Xxxxxxx X. – Op. Cit., p. 135.
228 Nessa linha, merece destaque a doutrina de Xxxxx, para quem: “(...) tem de reconhecer-se que, na generalidade dos casos, da diferença de poder econômico entre concedente e concessionário resulta uma disparidade de poder contratual. O contratante “débil”, o concessionário, não tem a possibilidade de negociar o conteúdo do contrato, ainda quando antevê seus resultados, e sente-se forçado a subscrever clausulas fixadas exclusivamente em benefício do contraente ‘forte’, geralmente o concedente (...)”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Op. Cit., p. 236.
229 XXXXXXXX, Xxxxx X. – Contratos empresariais, p. 69.
230 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 50.
A dependência econômica é potente para impactar desde a fase pré-contratual, de negociação entre as partes, bem como a própria celebração do contrato, além, por óbvio, de agir durante toda a vida da relação contratual, influenciando “(...) seja no sentido de alterar os termos do contrato inicialmente celebrado, seja no sentido de uma ingerência maior do que a conceitualmente autorizada pelo esquema legal do contrato (...)”231.
Considerando os efeitos que decorrem da verificação de situação de dependência, a doutrina italiana232 passou a classificar, inclusive, tais contratos como uma categoria autônoma contratual, em que nem se verifica a bilateralidade de forças negociais equilibrada entre os contratantes – contrato clássico – e, por sua vez, nem vai ao extremo das relações de consumo, nas quais carece o consumidor de poder negocial e sua vulnerabilidade é presumida, exigindo, por tal razão, maior tutela e proteção jurídica233.
Il terzo contratto, nessa perspectiva, ficaria entre os dois pólos do modelo contratual dualista, reclamando intervenções judiciais na medida necessária ao combate dos eventuais abusos que surjam dessa relação.
De fato, o agente econômico dependente não é e não pode ser equiparado a um consumidor, e nem sobre o mesmo há de ser aplicada qualquer condição ou ainda presunção de hipossuficiência234. Seria, pensamos, nefasta essa equiparação, do ponto de vista econômico e até para a sobrevivência da distribuição comercial terceirizada como via de escoamento de produção. A proteção demasiada do distribuidor certamente afetaria os custos de transação envolvido nessa interação entre os agentes econômicos e potencializaria o desestímulo, pelo fabricante, do recurso ao distribuidor comercial terceirizado235.
Não se, pode, contudo, desconsiderar a condição de dependência econômica e os impactos que essa situação pode causar ao ajuste. Em tais vínculos, é de ser admitida a
231 CUNHA, Carolina – A indemnização de clientela do agente comercial, p. 373.
232 Sobre o tema, vide PARDOLESI, Xxxxxxx – Una postilla sul terzo contratto, n. . Vide, outrossim, XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx – ll terzo contrato: surge uma nova categoria de contratos empresariais?
233 No mesmo sentido, vide Xxxxx, para quem, em relação aos contratos de distribuição: “Sopesados os prós e contras à estabilização do vínculo contratual, conclui-se que seria despropositado qualificar o distribuidor como um hipossuficiente, pelo menos como um hipossuficiente na mesma categoria dos empregados e consumidores. Acresce que não estão em jogo certos bens jurídicos que, pela sua estatura constitucional, exigem uma maior refreamento da autornomia privada. Mas, por outro lado, a depender do grau de integração do distribuidor na rede controlada pelo fornecedor, não se pode, pura e simplesmente, remeter o trato da matéria ao regime geral de terminação das relações contratuais duradouras, em especial, daquelas por tempo indeterminado.”. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 149.
234 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 268.
235 Do mesmo modo, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 273-274.
intervenção estatal, sempre que se verificar que a dependência descambou ao campo do abuso, com afetação ao princípio da autonomia de vontade, em nome da justiça contratual e da sua função social.
A dependência econômica, conforme prefaciado supra, não necessariamente traduz prejuízos à parte dependente e nem é, na sua forma pura, elemento de ilicitude ou de antijuridicidade de reclame coibição.
Em bem verdade até, noutro sentido, no caso da distribuição comercial, o contratante débil é beneficiário de uma relação muitas vezes exclusiva, de marcas famosas236, que possuem alto poder de aceitação por parte do público consumidor, auferindo resultados e lucros decorrentes de tal relação237.
Esclareça-se, novamente, que o direito não combate e, per se, não há qualquer ilicitude na dependência econômica238. O que se reprime e não se permite, exigindo a tutela do direito, são os xxxxxx000 da condição de dependência econômica.
Quando uma das partes utiliza da situação de dependência econômica para explorar240 a parte débil, impõe-se a proteção do direito e até a rescisão motivada do contrato. E o motivo nos parece claro. A manutenção do abuso leva ao “(...) indesejável
236 Vide, nesse sentido, a doutrina de Xxxxx, para quem: “Só que esta constatação tem um efeito reverso: a ideia de que, afinal, ao ingressar naquela relação contratual, o agente alcança uma posição privilegiada, previsível fonte de réditos que de outro modo nào lograria obter. Por outras palavras, a ‘imposição’de um conteúdo contratual modelado para servir os interesses do principal seria adequadamente compensada pelas ‘chances’de ganho que o mesmo contrato é apto a proporcionar ao agente.”. XXXXX, Carolina – A indemnização de clientela do agente comercial, p. 369-370.
237 Sobre o tema, Xxxxxxxx destaca: “(...) não deixa de haver quem sublinhe a dependência do distribuidor, constrangido a acatar obrigações várias a fim de harmonizar a sua actuação com a rede em que se integra (...). Mas também não pode esquecer-se que o distribuidor retira benefícios vários do facto de passar a pertencer a uma rede organizada (...)”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Denúncia de um contrato de concessão comercial, p. 42.
238 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 52.
239 Garbi destaca: “Diversamente das relações de consumo, a assimetria de forças (entre partes empresárias) nos contratos não é necessariamente um problema jurídico se ao empresário havia alternativa e liberdade de contratação. O desequilíbrio se revela patológico para o direito somente quando decorre do abuso decorrente da dependência econômica.”. XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., n. p.
240 Mussi muito bem destaca: “É evidente que a repressão ao abuso do poder econômico não se opõe aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, mas os integra. Não se concebe livre acesso aos bens de produção e consumo (e, portanto, não há liberdade de iniciativa e concorrência) quando é facultado ao empresário que detém o poder econômico dele abusar (...)”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 45.
estrangulamento do fluxo das relações de mercado, em evidente ofensa aos princípios da livre concorrência e da livre iniciativa (...)”241.
Há, efetivamente, dependência econômica nas relações contratuais quando presentes quaisquer situações fáticas que, de algum modo, condicionem a sobrevivência da atividade econômica de uma das partes à manutenção da relação mercantil mantida com a outra.242 Está-se, desde modo, diante de uma relação bilateral verticalizada, e, de fato, a dependência pode ocorrer tanto para o fabricante quanto para o distribuidor.
Importante ressaltar que dependência econômica não pode ser confundida com posição dominante de mercado, embora ambas, em última análise, sejam campos fertilíssimos para a ocorrência de oportunismos e abusos. Pode-se claramente haver uma situação de dependência econômica a um agente que não possui qualquer situação de dominância no mercado que atua.
A dependência econômica é avaliada a partir de uma relação contratual sinalagmática, privada e exclusiva às partes que pactuaram. A posição de dominância faz referência ao agente em relação ao mercado concorrencial que está inserto.243 Para que se cogite abuso de posição dominante é preciso que aquela situação produza efeitos em todo o mercado, não relevando, de tal arte, as condutas, ainda que eventualmente abusivas, incapazes de provocar tal afetação, mesmo que potencialmente.
A dependência econômica exige, via de regra, a falta de alternativas similares, equivalentes a que possa se valer o agente vulnerável244. É exatamente esse isolamento, a falta de saída, que cria a dependência de uma parte à contraparte.
241 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 105.
242 GRANZOTI, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx – O abuso do estado de dependência econômica nos contratos de distribuição, p. 63.
243 XXXXX, Xxxxx xx Xxxx – Responsabilidade especial dos agentes econômicos dominantes, p. 144. O autor, todavia, lança a “(...) semente de uma tese de abuso de posição dominante coletiva, ao se verificar paralelismo nas ações das grandes redes que criam dificuldades ao funcionamento dos fornecedores quando promovem, de forma disseminada no mercado, estreitamento de suas margens (...)”.
244 Vaticina Mussi que: “Se há fontes alternativas de abastecimento, de fornecimento ou mesmo opção de utilização de ativos específicos em outra atividade, não se tem situação de dependência econômica.”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 97. No mesmo sentido, Granzoti: “Outro critério relacionado ao poder de mercado refere-se à substituibilidade dos bens fornecidos. Com efeito, na hipótese do distribuidor poder recorrer a espécies permutáveis de bens, que o consumidor admita substituir na falta de determinados produtos, sem importar em perda relevante da competitividade, não se pode advogar a existência de um estado de dependência econômica. Nesse caso, mostra-se útil a referência à técnica de talhar de forma abrangente o mercado relevante, de maneira a contemplar os produtos permutáveis, como alternativas suficientes ao distribuidor.”. XXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 64-65.
Falta de alternativa equivalente seria, em suma, a impossibilidade da parte dependente obter, doutra forma, em tempo razoável, condições idênticas ou mesmo similares de negociação.
Têm-se, nessa previsão condicional, tanto um elemento objetivo quanto um elemento subjetivo. Inicialmente, é preciso que inexista uma alternativa – aspecto objetivo. E, ainda, que tal alternativa atenda satisfatoriamente os interesses do contraente vulnerável – elemento subjetivo –245. Ao fim e ao cabo, é preciso que a opção alternativa permita alcançar- se o mesmo resultado que se alcançava na via original246.
Normalmente, tais situações estão relacionadas a casos em que o fornecimento é restrito a um número limitado de fornecedores ou, ainda, em virtude da realização de investimentos vultosos.247 Não raro, é o próprio contrato que estabelecerá, através de clausulas específicas, como exclusividade de atuação da parte e a limitação de comercialização em determinada área geográfica, a ausência de alternativas equivalentes248.
Parece-nos óbvio que quanto maior for o nível de integração vertical do fornecedor sobre a atividade do distribuidor, com direcionamentos e dirigismos sobre sua atuação, maior será o nível de dependência econômica do distribuidor. A própria relação contratual, quando o nível de integração do distribuidor na rede do fornecedor é intensa, acaba por desenvolver uma condição de dependência, caso, quando da formação do contrato, a dependência inexistisse.
Outrossim, a condição de exclusividade na relação contratual de distribuição é um fator que, quando presente, atua no sentido de potencializar a situação de dependência econômica. Em relações monofirmas249, ou seja, exclusivas, o temor quanto ao terrível efeito de um inesperado encerramento do vínculo intensifica o grau de dependência econômica entre os agentes econômicos.
245 Vide, nesse mesmo sentido, PEGO, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 89.
246 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 94.
247 NEVES, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx – Compatibilidade dos contratos de concessão com as regras de defesa da concorrência, p. 79.
248 Pego, ao tratar sobre o tema reconhece a dificuldade, de aplicação prática da matéria, entendendo ser “(...) difícil precisar o que se entende por estado de dependência econômica e por existência de alternativa equivalente, assim como delicada se tem mostrado a distinção entre abuso e prática comercial normal e salutar.”. XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 87.
249 CUNHA, Carolina – A indemnização de clientela do agente comercial, p. 374.
Mesmo sem haver previsão de exclusividade, mas se determinado fornecedor possui bastante representatividade no volume de produtos comercializados pelo distribuidor, há, sem dúvida, vulnerabilidade deste para com aquele. Em proporção relativamente similar à dos distribuidores exclusivos, o impacto que o fim do contrato demasiadamente representativo ao distribuidor por causar ao seu negócio é, naturalmente, elemento que age em prol da caracterização de dependência econômica.
Diversos são os fatores, como se verá adiante, que fazem surgir e proliferar tal condição de dependência econômica na relação comercial distributiva, atingindo, a depender da situação casuística, tanto uma parte quanto a outra da relação negocial. O cenário, indubitavelmente, mais comum é a dependência do distribuidor em relação ao fornecedor.
O poder relacional, muitas vezes decorrentes de relações perenes, com maciços investimentos exigidos e realizados pelo distribuidor; as marcas famosas, dotadas de verdadeiro selling power e de notório poder de penetração no mercado; o poder de compra dos grandes compradores, que colocam o fornecedor em situação dependente. Há, ainda, os momentos de crise que, a depender, podem colocar tanto a parte a montante quanto a jusante do processo produtivo em condição de dependência250.
Situações de dependência econômica, indubitavelmente, restringem a mobilidade e a própria autonomia de vontade do contraente débil – na sua vertente pura, legítima –, que, nessa condição, fica refém do receio de ter seu contrato extinto e enfrentar todos os riscos e custos daí decorrentes.
Advirta-se que a configuração de dependência econômica exige uma avaliação integrada de todos os fatos expostos como potenciais à sua verificação. Uma análise isolada, dissociada de toda a conjuntura que circunda a relação contratual privada mantida entre parte e contraparte pode levar a falsas conclusões.
Não se trata de um mero recorte fotográfico das partes envolvidas ou de uma natural tradução lógica e automática. É preciso algum esvisceramento da relação contratual em si para verificar se a dependência econômica é verificada concretamente.
250 Vide, sobre o tema, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 348-352.
3.1.1 Marcas de prestígio e fama
No caso de marcas famosas, existe um público consumidor fiel, específico, e a falta desse determinado produto certamente afetará a posição do distribuidor. Nesses casos, não há possibilidade de substituição do gênero em menção, gerando a situação de dependência econômica em face de sua notoriedade, do peso da marca251 do fabricante.
Normalmente, ainda, tais marcas possuem uma relação de extrema interação com o distribuidor, com acentuada margem de dirigismo pelo fornecedor, orientando toda a atividade de distribuição, exigindo exclusividade e o desenvolvimento de investimentos específicos consideráveis, muitas vezes não recuperáveis – custos idiossincráticos –252 em caso de encerramento do pacto contratual. Valem-se do poder da sua marca e do seu selling power.
O mero dirigismo da atividade econômica do distribuidor, pelo fabricante, não retira a autonomia daquele e se apresenta, desde que sem exacerbos, como prática salutar ao desenvolvimento da atividade entre os empresários253. É uma decorrência obrigatória da integração do distribuidor à rede do fabricante. Não fosse assim, não se estaria em trato um pacto de distribuição comercial, mas, talvez, mero contrato de compra e venda.
Importante ter-se em destaque que, em se tratando de marca de prestígio, ainda que a representatividade negocial dessa relação com o distribuidor não seja minimamente relevante, mesmo assim é possível se cogitar a dependência econômica. Isso porque o aspecto econômico dessa dependência advém do impacto reputacional que o empresário possui com a marca de alto renome.
251 Xxxxxxx cita o caso o exemplo da United Brands, no qual a Corte de Justiça afirmou: “empresa que detém posição dominante na distribuição de determinado produto - que goza de notório prestígio de marca apreciada pelos consumidores – não tem a faculdade de suspender o fornecimento a um velho cliente, fiel aos usos comerciais, se as ordens deste não apresentam anormalidade”. XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx – Abuso di dipendenza economica e autonomia privata, p. 105.
252 Granzoti destaca que: “Os custos idiossincráticos, portanto, qualificam-se pela condição de risco proveniente de sua destinação única, sendo que quanto maiores os investimentos realizados em função do contrato, maior será o grau de dependência. Xxxxxx, a parte que neles incorrer permanecerá economicamente vinculada à outra, pelo menos enquanto não houver a recuperação do investimento.”. XXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx
– Op. Cit., p. 69-70.
253 Nesse sentido é o entendimento do STJ, ex vi do (REsp no 1.403.272/RS, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/3/2015, DJe de 18/3/2015 “
Repise-se que ainda que a representatividade financeira da relação entre os agentes econômicos não seja de muita relevância, o fim da relação daquele empresário com a marca lhe atingiria o branding, a reputação, e poderia afetar outros negócios seus.
Nesse sentido, valiosa a jurisprudência do caso Xxxxxxxxx, abordado por Pego254, que, sobre o tema, menciona:
O acórdão Rossignol (de 20-11-1975) é emblemático, permitindo entender a configuração desse tipo de dependência. O BGH reconheceu existir dependência de um distribuidor especializado relativamente à filial alemã da Rossignol quando esta, na sequência da proibição de fixar preços de revenda, recusou a venda de esquis a certo comerciante de artigos desportivos; a Rossignol apenas detinha uma participação de 8% no mercado alemão e estava exposta a uma concorrência substancial, mas entendeu-se que, devido à reputação do sinal, o distribuidor não podia deixar de oferecer ao público esquis daquela marca sem ver alterada, de forma considerável, a sua posição perante os concorrentes, estritamente ligada ao renome da marca em questão.
A necessidade de comercializar a marca de alto renome como elemento de posicionamento do distribuidor no mercado em que está situado provoca, nesse viés, uma relação de dependência junto ao fabricante, conduzindo, por vezes, a um estado de sujeição até abusivo.
É importante àquele distribuidor possuir, dentro do seu sortimento de produtos, aquela marca em específico, e, sua falta, pode impactar a todo o negócio, por atingir seu posicionamento reputacional no dito mercado255.
254 PEGO, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 96.
255 Pego arremata: “O crédito, reputação e estima de que goza o artigo de marca determinam a dependência em função do sortimento, atendendo-se ao preço, qualidade e publicidade para avaliar o quanto significa, em
Muito do sucesso econômico do distribuidor comercial advém, de fato, de sua reputação pessoal, atrelada a valores como honradez, decência e honestidade, mas, sem dúvidas, ao seu portfólio de parceiros. A aliança contratual do distribuidor local a uma marca notável agrega e impacta, completamente, a reputação do empresário local, que transmite ao seu público consumidor, além de valores subjetivos, outros valores como estrutura e organização.
E, por óbvio que essas circunstâncias são de conhecimento do empresário detentor de uma marca forte, gerando uma natural dependência econômica e eventual assimetria nas relações contratuais de distribuição comercial firmadas nesse sentido.
3.1.2 Poder de compra (buyer power)
O mais comum, de fato, na grande maioria das relações de distribuição, é que o distribuidor possua elevado nível de dependência econômica do fabricante. Eis o mais usual, pelas razões e motivos já apontados ao longo do presente trabalho.
Com o passar dos anos, contudo, a dinâmica do mercado permitiu a ocorrência, pouco vulgar, a depender do poder de compra do distribuidor (buyer power), de situação inversa: do fornecedor encontrando-se em uma situação de dependência econômica256 perante o distribuidor.
Gigantes varejistas, com, invariavelmente, grande poder de venda junto ao consumidor final, conseguem estressar, pressionar o fabricante por condições especiais de preço e pagamento se comparado com seus concorrentes, de porte pequeno e médio.
termos de capacidade de concorrência, esse bem (o a falta dele...) no sortido do comerciante.”. XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 91.
256 De fato, nem sempre, embora seja o mais comum, é o distribuidor o economicamente dependente na relação. Há situações em que o fabricante é o contraente débil da relação. Sobre o tema, vide X. Xxxxxxxxx, Der Handelsvertretervertrag, para quem: “Pense-se na hipótese de uma pequena empresa produtora, em início de actividade, confiar a promoção do escoamento dos seus produtos, numa determinada área ou país, a uma grande empresa de distribuição.”. Apud CUNHA, Carolina – A indemnização de clientela do agente comercial, p. 367.
Para garantir o escoamento de sua produção, muitas vezes o fabricante sujeita-se às condições impostas pelo distribuidor, comprometendo seus resultados e até investimentos.
Tais casos de inversão na tradicional distribuição de forças entre comércio e indústria foram verificados após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento da grande distribuição257.
Espelha bem a presente temática a situação atual das grandes redes de supermercados258 e “atacarejos”259 que se instalaram no Brasil. Dispondo de altíssimo poder de compra, os mesmos passaram a atuar, com muita força, sobre os fabricantes, com o estrangulamento dos seus resultados, gerando condições diversas de preços em relação aos próprios distribuidores e, assim, atingindo e ameaçando a continuidade das relações contratuais de distribuição firmadas.
A força de compra de tais agentes é grande a um ponto e, de tal modo impactam no preço final de venda, que não é raro se encontrar produtos em prateleira, disponíveis ao consumidor, com valor inferior ao montante pelo qual o distribuidor, nessa condição, consegue adquirir o mesmo produto.
Nesses casos, “(...) são os distritribuidores que têm a chave do mercado, são eles que passam a condicionar, em grande medida, produtores e fornecedores (...)”260.
Na origem, referida dependência era costumeiramente verificada em mercados com pouca competição, em que um só comprador detinha o market share necessário para impor ao fabricante condições peculiares de negociação, como único modo do produto alcançar o consumidor final.
Atualmente, conforme indicado, mesmo em mercados com competitividade acentuada, alguns grandes compradores têm poder de compra suficiente para pressionar o fabricante, reduzindo esmagadoramente suas margens, sob pena, inclusive, de, caso não adira à pressão, fazer entrar no mercado um alto fluxo de produto concorrente daquele fabricante dependente.
257 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 51.
258 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Os fundamentos do antitruste, p. 389. No mesmo sentido, vide FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 285.
259 Nome dado pelo mercado aos estabelecimentos que atuam de forma híbrida, tanto atendendo às ânsias do atacado, de compras com maior volume, como também alcançando os consumidores finais.
260 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx – Contratos de distribuição comercial, p. 51.
Ressalte-se, novamente, que tais casos de dependência econômica, dessa feita do fornecedor em relação ao distribuidor, são minoria dentro do contexto global dos contratos de distribuição comercial. Os casos práticos, pelo contrário, revelam, maciçamente, uma dependência do distribuidor perante o fabricante.
3.1.3 Situação de Crise e dificuldade de abastecimento
Em situações de crise, com escassez de produtos261 e impossibilidade de atendimento de toda a cadeia pelo fornecedor, o distribuidor, muitas vezes, para poder ver garantida sua necessidade de abastamento, sujeita-se a condições abusivas262.
Há, nesses casos, uma clara dependência econômica do distribuidor, que necessitando ser abastecido dos produtos que precisa, submete-se a eventuais abusos e exageros do fabricante. Em um microecossistema em que há mais interessados do que produtos disposíveis, é comum que o fabricante tente, a partir daí, obter vantagens do comprador para além das contratualmente previstas. Inclusive, a esse respeito, qualquer exigência feita que supere as naturalmente constantes em situações de equilíbrio, evidencia abuso, devendo ser coibida.
Comum, nesse sentido, a ocorrência de alteração da sistemática contratual anterior, com modificações, via aditivos, aos contratos, no sentido de estressar direitos e aumentar obrigações da parte dependente.
A condição de dependência impõe ao agente que se encontra nessa condição a necessidade de admitir a alteração lesiva, sob pena de ficar sem o abastecimento do seu produto e, por consequência, não possuir artigos para a revenda, falindo, ao final.
261 Pego estende tal situação também aos casos de embargos de Estados estrangeiros. XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 90.
262 O exemplo mais conhecido foi a crise de petróleo que se abateu sobre o mercado mundial na década de 80, na qual os distribuidores independentes viram-se sistematicamente sujeitos à recusa de venda, em favor do abastecimento dos concessionários exclusivos dos fornecedores, a não ser que se submetessem a cláusulas contratuais excessivamente abusivas, conforme Granzoti. XXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 67.
3.1.4 Vínculos duradouros e exigência de investimentos específicos
A própria condição de perenidade contratual, com vínculos longos, relacionais263, duradouros e, ainda, com exigência de investimentos específicos elevados, é, por si, causa de dependência econômica. O temor do distribuidor em perder a integralidade, ou, pelo menos, a grande parte da liquidez dos investimentos que realizou, culmina por gerar um poder relacional ao fabricante, tornando-o, distribuidor, dependente do produtor.
Ademais disso, outro elemento a ser considerado são os custos de troca. A especialidade dos investimentos impede-os de serem facilmente aproveitados em outros contratos, criando uma verdadeira barreira velada à saída do distribuidor264.
Em tais situações, o fornecedor, ciente dessa condição, termina por se apropriar dos quasi rents values, ou seja, da diferença entre o valor nominal do ativo e aquele para sua recuperação (salvage value) 265.
Não raro é possível verificar casos de abuso em que o avanço da relação temporal e a presença de investimentos específicos sejam campo para o esmagamento dos resultados do distribuidor e para a imposição de regras contratuais contra os mesmos, mais árduas e que, muitas vezes, sequer constavam na origem da contratação.
263Pego enfatiza, sobre o tema, que esse “(...) seria o domínio natural dos relational contracts (...), das relações contratuais do tipo ‘relacional’, em que se sobressai a frequência das transacções e a especificidade dos investimentos, estritamente ligados aos laças estabelecidos pelas partes (que, na feliz expressão de XXXXXX, tratam os seus contratos mais como casamentos do que como encontros de uma noite).” XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 101.
264 Xxxxx, sobre o tema, arremata: “Também a ruptura de uma relação contratual vincada nesses pressupostos faz com que o agente econômico dependente veja-se obrigado a suportar custos de troca elevados, uma vez que a atividade por ele estruturada foi concebida para a execução de um contrato específico e os ativos não podem, via de regra, ser aproveitados em estabelecimento destinado à outra empresa.”. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx
– Op. Cit., p. 61.
265 Sobre o tema, “La caratteristica degli investimenti specifici resiede nella capacitá di determinare línsorgenza, in capo ala sostenuti, la quale si viene a trovare letteralmente locked-in, e de determinare línsorgenza, in capo alla contraparte, di uma appropriable specialized quasi rent dellámmontare del costo di conversione, ossia pari all’eccesso di valore del bene rispetto al suo miglior uso alternativo (salvage value).”. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx
– Op. Cit., p 44.
3.2 Do Abuso de Direito: Exploração da Condição de Dependência Econômica e a necessária coibição
3.2.1 Do abuso de “direito”: conceito, história e incidência
Se a dependência econômica não é, isoladamente, em si, um mal, não exigindo, pela mera verificação, qualquer tipo de tutela por parte do direito, sua extrapolação, ou seja, seu avanço ao campo oportunista, do abuso, é sim combatido e merece coação através da intervenção estatal, no sentido de proteger o contraente lesado.
O abuso de um direito é exatamente o seu uso de forma anormal, reprovável, excedendo aos “(...) limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (...)”, conforme preceitua o art. 187 do Código Civil Brasileiro.266
No mesmo sentido é o texto do art. 334 do Código Civil Português, com sob a epígrafe Abuso de Direito, estabelece que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (...)”267.
Ainda que, formalmente, o comportamento seja lícito268, enquadrando-se no esquema abstrato da norma que o fundamenta, se, na aplicação concreta, o mesmo se
266 XXXX XXXXXX, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx – Código Civil comentado e legislação extravagante. Como bem destaca Xxxxx “A teoria do abuso do direito foi expressamernte consagrada no art.
187 do CC/2004 em razão da necessidade de impor limites ao exercício dos direitos, em razão da solidariedade social (entendida através das limitações impostas pela boa-fé e pelos bons costumesm como a necessidade de consideração e respeito pelos interesses de outrem no exercício dos direitos subjetivos) e da funcionalização ou soccialização do direito (no sentido de os direitos não serem absolutos, mas terem função social).”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx – Função social do contrato, p. 3.
267 Independentemente das prescrições positivadas, que dão ainda mais eficácia ao abuso do direito, Xxxxx entende que sua validade dispensa qualquer prescrição legal, na medida em que vem a ser um princípio normativo e, como tais, “(...) postulados axiológico-normativos do direito positivo (...)”, prescindem de tradução legal para vigorarem. XXXXX, Xxxxxxxxxxx – Lições de introdução ao estudo do direito, p. 531.
268 É essa a lição de Limongi França, para quem: “O abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito.”. LIMONGI FRANÇA, R. – Instituições de direito privado, p. 883.
apresentar ofensivo ao fim da instituição, será abusivo. Leva-se em conta, pois, para a evidenciação do abuso de direito, os critérios social e finalístico da norma269.
Se, independente de objetivamente legal e correto, o exercício de um direito, que tanto pode ser uma ação ou omissão, revelar-se imoral ou mesmo anti-social, será tido como abusivo.
O ideal coletivo do momento ou, noutros termos, o sentimento jurídico socialmente dominante, passa a constituir uma espécie de limite normativo daquele direito, expressando a intenção normativa conformadora do seu conteúdo. Há pois, um fundamento normativo teleológico, com estreita relação com a solidariedade social.
Ao ultrapassar tal direito, “(...) a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual.”270.
O abuso, pois, consiste justamente quando se utiliza o direito para além desse limite, desse poder de autodeterminação, ferindo a solidariedade que se espera entre os agentes contratuais e, no mesmo viés, os ideais de boa-fé defendidos, como dogma, pelos ordenamentos jurídicos.
Neves271 sintetiza o que juridicamente se entende por exercício abusivo de um direito como sendo
(...) um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica – por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto-materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício (...)
269 Vide, sobre o tema, ABREU, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de – Do abuso de direito, p.13-23.
270 ABREU, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de – Do abuso de direito, p. 20-22.
271 In ‘Lições de Introdução ao Estudo do Direito’. Ed. Copiograf.: Coimbra, 1968-1969, pp. 523/524
Sua base histórica – da doutrina acerca do abuso de direito - está estritamente relacionada ao desenvolvimento do capitalismo e do Estado Liberal, especialmente a partir do início do século XX, momento em que se evidenciou, a partir dos excessos verificados na realidade contratual prática, a necessidade de se admitir a relativização dos direitos, coordenando-os a um ideal de solidariedade272.
Direito, importante registrar, que para os fins de aplicação do princípio do abuso de direito e dos seus efeitos, deve ser compreendido em seu tecido mais elástico, amplo, absorvendo as mais diversas formas de prerrogativas jurídicas, além de faculdades, liberdades e poderes.
Incidem, entendemos, inclusive sobre alguns direitos potestativos. Cláusulas puramente potestativas, ou seja, que retiram de uma das partes todo o direito de manifestação de vontade, garantindo à outra, ao seu livre e único arbítrio, a faculdade de criar obrigações e condições vinculativas, ao seu alvedrio e sem a necessidade prévia de qualquer ocorrência objetivamente prevista anteriormente, são consideradas abusivas e, como tal, nulas. Essa é, inclusive, a lição do art. 122 do Código Civil Brasileiro, que textualmente veda a cláusula potestativa pura.
Todavia, ainda que a cláusula não seja puramente potestativa, mas se seu exercício for reprovável, ilegítimo, a obrigação tem de ser afastada273.
3.2.2 Da aplicação casuística do abuso nos contratos de distribuição
A dependência econômica, como plaralmente mencionado ao longo do presente trabalho, é um fenômeno vulgarmente presente em contratos de distribuição, máxime quando em trato marcas famosas, exclusividadade do distribuidor em relação ao fornecedor, grande
272 ABREU, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de – Do abuso de direito, p. 13-14. No mesmo sentido, vide Xxxxxxxx Xxxx apud Peres, para quem “(...) a atual doutrina do abuso de direito e resultado do desenvolvimento da doutrina medieval da emulação e da modifiaçào da visão acerca da natureza dos direitos subjetivos, que deixaram de ser vistos como absolutos, passando a serem considerados como desempenhando função social: ‘A doutrina medieval da ilicitude dos atos de emulação é o precedente da teoria do abuso de direito.’”. Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 3.
273 Sobre o tema, vide ABREU, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx de – Do abuso de direito, p. 71-75.
poder de compra, momentos de crise e escassez de fornecimento e, ainda, diante da presença de vínculos duradouros com presença de custos idiossincráticos.
O abuso atenta contra o princípio da boa-fé contratual, e culmina por desequilibrar o natural fluxo do mercado. A coibição ao abuso, então, afirma e confirma o princípio da autonomia da vontade de contratar, em sua acepção negativa, na medida em que ninguém pode ser coagido a cumprir obrigação em benefício de quem quer se seja, se aquilo não exprimir sua manifestação livre de vontade274.
Dentro do panorama contratual, o abuso pode ser materializado de diversas formas, alocando-se, inclusive, na fase pré ou pós contratual, além, evidentemente, durante a vigência do pacto275.
Especialmente em pactos firmados por prazo indeterminado, sob o aspecto da dependência econômica, o fornecedor é ciente de uma das formas mais fáceis de controlar o distribuidor é, ter, facilmente ao seu alcance, o direito potestativo da denúncia contratual. O distribuidor, por sua vez, temente que o encerramento contratual lhe acarrete prejuízos de difícil superação, ou, quiçá, insuperáveis, acarretando o fechamento do seu negócio276, acaba por admitir a imposição de convencionamentos assimétricos, distantes dos preceitos que a solidariedade contratual impões aos contraentes.
O abuso de dependência econômica, nesse conexto, é muitas vezes materializado com cláusulas que atribuam vantagens excessivas a uma das partes, e, por consequência, uma onerosidade excessiva à outra, causando um “(...) injusto desequilíbrio contratual (...)”277.
Os contratos de distribuição, em sua realidade prática, são instrumentalizados por pactos quase que integralmente impostos, por contratos de adesão, estruturados por cláusulas uniformes estabelecidas pela fabricante para toda a sua rede de distribuidores278.
274 XXXXXXX, Xxxxxxxxx – Il negozio giuridico: Trattado di Dirrito Civile e Comerciale, p. 45-46.
275 No corpo do Código Civil Brasileiro, o abuso de dependência econômica pode ser combatido a partir dos fundamentos trazidos pelos arts. 000, 000, 000 e, ainda, pelo art. 884.
276 Vide, nesse sentido, XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx – Op. Cit., p. 148.
277 LÔBO, Xxxxx Xxxx Xxxx – Condições gerais do contrato e clausulas abusivas, p. 155. E arremata, sobre o tema, o autor: “O predisponente aproveita-se do seu poder contratual dominante para exonerar-se de responsabilidades ou limita-las, para atenuar obrigações ou facilitar a execução a seu cargo, ou – na perspectiva do aderente – para agravar ônus e deveres, estabelecer prazos injustos, inverter ônus da prova, enfim, desequilibrar a seu favor o regulamento contratual.”.
A cláusula abusiva é, nesse sentido, aquela imposta por uma das partes, marcada pela preponderância do exercício de força e poder de um dos contraentes frente ao outro, acarretando a inequitatividade do contrato e o seu desequilíbrio, ferindo, assim, a justiça contratual que a concepção moderna e constitucional exige dos pactos contratuais.
Não há, para a evidenciação da cláusula abusiva279, a necessidade do elemento subjetivo, do dolo. Não importa que tenha havido malícia por uma das partes, bastando, para sua configuração, a ocorrência de previsão que se revele substancialmente desigual. 280
Vê-se, comumente, especialmente em vínculos com existência de vultosos sunk costs e switching costs, que as renovações contratuais passam a prever cláusulas mais gravosas, não cogitadas e contempladas no estabelecimento do pacto. Entre elas, a redução do prazo de vigência contratual aliada à paradoxal exigência de novos investimentos idiossincráticos, maiores exigências de estoque mínimo, contratações de sistemas de alto valor financeiro, além do agravamento de obrigações contratuais não originalmente previstas no pacto, num claro aproveitamento do quasi rent value do distribuidor.
Na mesma toada, deve ser considerada abusiva a venda casada. Muitas vezes, o produtor condiciona a venda de produtos com maior aceitação de mercado – produtos subordinantes – à compra de quantidades de produtos subordinados –.
278 Xxxxx, sobre o tema, enfatiza que: “A concessão de venda formaliza-se mediante contrato de adesão. Para todos os distribuidores da rede, o fabricante estabelece condições gerais, isto é, cláusulas uniformes, aceitas sem discussão.”. XXXXX, Xxxxxxx – Op. Cit., p. 402. No mesmo sentido, vide Xxxxxxxx, que, sobre o tema, defende a utilização da via contratual por adesão, sem que isso, por si só, revele qualquer abuso, sendo, inclusive, necessário a uma melhor gestão por parte do fabricante que, doutro modo, teria de administrar pactos contratuais diferentes, com regras distintas, para cada um dos distribuidores integrante da sua rede de distribuição. Seria, de fato, temos de concordar, um caos. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 69.
279 É sabido que alguns autores não veem na cláusula abusiva qualquer relação de conexão com o abuso de direito e, dessa feita, esse em nada contribuiria à melhor compreensão daquela É o caso de Xxxx Xxxxxx, a quem “O instituto das clausulas abusivas não se confunde com o abuso de direito. Outros, porém, cientes que não são institutos idênticos, enxergam inequívoca relação.”. XXXX XXXXXX, Xxxxxx [et al.] – Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 489. É o caso de XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx – A proteção contra as cláusulas abusivas no Código Civil, p. 185/189. De fato, ambos os institutos tutelam a boa-fé e, porque não, possuem ali seu fundamento.
280 Sobre o tema, eis a distinção entre lesão e abuso. Embora em ambas se busque evitar e corrigir situações desequilibradas, as cláusulas abusivas são de previsão unicamente objetivas, enquanto a lesão o elemento subjetivo é pressuposto. Nesse sentido, XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de – Função social do contrato: os novos princípios contratuais, p. 41/53. Na mesma toada, Xxxx, arremata: “A clausula abusiva é, de certa maneira, lesiva. Mas a lesão funda-se em componente subjetivo (intenção de tirar proveito da situação da outra parte), constituindo vício de vontade, defeito do negócio jurídico; enquanto a cláusula abusiva tem natureza objetiva (o desequilíbrio das posições contratuais, provocado por uma das partes), sendo irrelevante a intenção. XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxx – Condiçoes gerais do contrato e clausulas abusivas, p. 157.
Percebe-se a configuração de exigências discriminatórias por parte do agente que detém o poder de mercado, relacional, em face da contraparte débil. É comum a verificação de situações em que há uma repentina e imotivada alteração de politicas de compra, créditos, bonificações, absolutamente de forma subjetiva e impositiva.
Em muitos casos, tais práticas, se não visam um incremento no resultado financeiro pelo detentor do poder de mercado, escondem uma estratégica subliminar de sufocar o distribuidor para que o mesmo incorra de situação de inadimplência e, dessa forma, tenha seu contrato rescindido por “justo motivo”.281
Normalmente, a parte economicamente dependente, até por não possuir alternativas282, envida todos os seus esforços para atender as alterações gravosas ou discriminatórias impostas pela contraparte. A manutenção do contrato é, para si, principal objetivo, ainda que seja até a recuperação dos investimentos específicos que teve de realizar.
Quando, todavia, o distribuidor se nega a cumpri-los, vê-se a prática de uma série de abusos, por parte do fornecedor, na tentativa de minar o contrato, seu desenvolvimento e, assim, não atingimento de métricas, todos com o objetivo de mascarar uma rescisão motivada. Na verdade, a finalidade precípua é afastar, sem maiores custos, o distribuidor.
A verificação do abuso deve ser analisada casuisticamente. Não existe fórmula estabelecida para a sua constatação. Ainda que a cláusula, em si, seja razoável para o escopo da contratação, mas se seu exercício, ou seja, se a aplicação daquela previsão contratual for abusiva, o convencionamento tem de ser afastado. É o caso, por exemplo, da exigência de estoques mínimos despropositados e superiores à necessidade da operação do distribuidor. Possuir estoque mínimo, em si, é previsão lidima e até salutar ao êxito da relação contratual. Demonstra organização e capacidade de atendimento do respetivo mercado consumidor. A existência de estoque tem relação direta com a aderência do produto no mercado. Sem dúvidas. Utilizar, todavia, tal previsão para, a partir daí, estrangular a parte economicamente débil, é medida considerada abusiva.283
281 Sobre o tema, XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxx – Op. Cit., p. 108.
282 Até como condição para a caracterização da dependência.
283 Vide, sobre o tema, FORGIONI, Xxxxx Xxxxxx – Contrato de distribuição, p. 269-272/274.
3.3 Do combate ao abuso
O combate ao abuso da dependência econômica deve ser compreendido a partir dos princípios que regem a teoria geral dos contratos. Vários são os princípios que dão vetor ao funcionamento contratual, entre os quais ressaltam o da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), o da liberdade de contratar, a função social do contrato284 e, ainda, a boa-fé objetiva.
Importante, antes, contudo, situar a figura do contrato no tempo, sob o prima de sua historicidade. Os instrumentos contratuais, especialmente diante de mudanças históricas ocorridas, e da transformação do então Estado Liberal para o Estado Social, transmudaram-se, assumindo uma perspectiva moderna, com novos princípios norteadores, afastando-se do seu modelo clássico.
3.3.1 O instituto dos contratos dentro do contexto histórico-econômico dos séculos XIX e XX
Como meio instrumental de materialização de operações e trocas econômicas, o instituto dos contratos foi, com o passar dos anos, crescendo e ganhando importância e estrutura à medida em que o volume quantitativo de trocas no mercado foi evoluindo.
O desenvolvimento da figura dos contratos e de um direito que lhe conforma e lhe confere sustentação está insitamente relacionado ao protagonismo do instrumento como via de facilitação das trocas que, por sua vez, tem conexão direta com uma maior pujança da produção industrial.
A importância e as funções do contrato em um quadro econômico e social como o sistema feudal é imensuravelmente inferior à que passou a ter na realidade histórica
284Gomes classifica os princípios dos direitos dos contratos em clássicos, indicando como tais a autonomia de vontade, o consensualismo e a força obrigatória, e os “novos princípios”, os quais assumiram papéis de destaque na nova codificação civil brasileira, sendo eles a boa-fé, a função social do contrato e e o equilíbrio econômico. XXXXX, Xxxxxxx – Op. Cit., p. 21.
capitalista, especialmente a partir da Revolução Industrial, em que o volume produtivo intensificou a utilidade do contrato e o uso dos instrumentos pactuais.
Dentro dessa linha evolutiva, o contrato sempre espelhará o contexto histórico- econômico-social que, naquele momento, está inserido, assumindo papéis e funções diversas, de acordo com o momento econômico prevalecente. Essa mutabilidade orgânica do contrato, conformadora das suas funções, regras e até estrutura, lhe confere essa característica de relatividade.
Tal conexão com momento histórico refletido pelos contratos é tão forte que, sobre o tema, Roppo285 assevera que “(...) o contrato não é encarado na acepção estrita de instrumento técnico-jurídico da circulação de bens, mas com um significado bem mais geral, como símbolo de uma determinada ordem social, como modelo de uma certa orgânica da sociedade na sua complexidade (...)”.
Dentro dessa perspectiva, o Liberalismo, influenciado pela Revolução Industrial de 1789286, com a consagração ao enaltecimento da liberdade, bem como a exacerbação da igualdade formal, provocou alterações estruturais na dinâmica dos contratos e do direito contratual.
Com bases extremamente liberais, e, até por isso, com a mínima intervenção estatal287, senão primordialmente para impor o cumprimento da vontade livremente pactuada, fruto do desenvolvimento do capitalismo, na época, a autonomia contratual era praticamente plena, salvo se atentasse contra normas legais imperativas ou proibitivas, e, ainda, se atingissem os bons costumes e a ordem pública. O quadrante dentro do qual as partes poderiam estabelecer as próprias regras das relações que estavam pactuando era gigante e bastante elástico.
Vigorava, até então, a compreensão de que todos os seres humanos são iguais entre si, e, como tal, poderiam livremente aderir a contratos, o que supostamente só fariam
285 XXXXX, Xxxx – O contrato, p. 28.
286 Nesse sentido, vide Xxxxxxxx, ao destacar que: “No final do século XVIII, haviam se solidificado os princípios liberais enformadores da generalidade dos contratos: individualismo, liberdade de contratar e presunção de igualdade entreas partes. O mercado se faz possível porque o sistema jurídico presume a igualdade dos contratante que, no exercício de sua liberdade, estabelecem trocas entre si.”. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx – Contratos empresariais, p. 40-41.
287 Em sua versão original, a autonomia de vontade representava, no campo jurídico-privatista, a concepção econômica de Estado Liberal.
após discutir pormenorizadamente suas cláusulas e por entender que a adesão ao instrumento contratual lhes seria benéfica, trazendo melhorias e avanços.
Por esse sistema, cujos pilares eram a liberdade de contratar e a igualdade formal entre as partes, não cabia a análise pontual e customizada da relação sob o ponto de vista da justiça substancial e da igualdade material. A compreensão social sobre o tema espelhava a máxima “quid it contractuel dir juste”288, ou seja, se está no contrato é justo.
Como muito destacado por Ribeiro289,
A concepção clássica do contrato caracterizava-se por um radical monismo axiológico, alimentado por uma racionalidade estritramente auto-referencial, fechada de si própria. Sendo a liberdade individual reconhecida, no campo do contrato, como valor único e absoluto, era ela pespectivada em termos puramente formais e jurídicos, com quase total irrelevância normativa das condições materiais e das consequências do seu exercício. A conjugação destas duas linhas de pensamento conduziu ao isolamento do contrato do ‘mundo da vida’, ao corte com todas as suas conexões ‘externas’ (...).
Qualquer proibição que ultrapassasse os limites supra indicados, era compreendida como uma restrição, um atentado ao direito de liberdade, aqui materializado na possibilidade de se vincular e, assim, contrair obrigações e direitos por vontade própria290.
Referido modelo do contrato sob a ideologia liberal influenciou, sem dúvidas, as codificações ali contemporâneas. Nesse viés, primordialmente, o Código Napoleônico (Código Civil francês de 1804), além do Código Civil Italiano de 1865 e, ainda, o BGB alemão de 1896, positivaram os anseios da classe burguesa.
288 XXXXX, Xxxx – Op. Cit., p. 35.
289 XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx – Direito dos contratos: estudos, p. 35.
290 Nesse sentido, vide XXXXX, Orlando – Op. Cit., p. 25.
Nitidamente, essa era a lógica contida no Código Civil Brasileiro de 1916, que erigia o homem ao status de elemento central e sua vontade tinha, salvo excepcionalíssimas hipóteses, a plena força e o poder de criar, modificar e extinguir no âmbito do direito291.
Especialmente com eventos como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917, esse valor frio da liberdade, essa dissociada da realidade materialidade no contrato, passou a ser repensada e mostrou vulnerabilidades. Percebeu-se que a igualdade formal plena, muito mais que uma garantia de liberdade, tinha se revelado uma medida de restrição, urgindo uma maior intervenção estatal.
Embora aparentemente paradoxal, a valorização exacerbada da igualdade292 entre todos, entendendo-os, assim, livres para contrair as obrigações que julgassem pertinentes por contrato, gerava, na verdade, uma situação de desigualdade, em que os interesses dos economicamente mais fortes impunham-se293 sobre os dos economicamente mais fracos, maculando a verdadeira vontade contratual294.
291 Vide, sobre o tema, XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxx – Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão, p. 16. No mesmo sentido, Xxxxxx, que, sobre o tema, destaca: “Xxxxx e inequivocadamente influenciado pelo Liberalismo, (...) o Código Civil de 1916, com sua característica marcadamente individualista, consagrou a liberdade, a igualdade (formal), bem como o primado da vontade, abraçando, com grande vigor, na seara da teoria geral dos contratos, o princípio da autonomia de vontade, da força obrigatória dos contratos e da relatividade das convenções”. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxx – Op. Cit., p. 1. No mesmo sentido, Peres, para quem: “O Código Civil anterior foi elaborado em uma época em que vigorava o absolutismo dos direitos, isto é, a idéia de inexistência de limites para o seu exercício. O referido diploma legal adotava de forma preponderante o método casuístico, isto é, pretendia regrar a vida dos membros da sociedade de modo exaustivo, de modo as ser pretensamente completo e sem lacunas. Tal sistema foi, ao longo dos anos, revelando-se falho e acolhedor de situações injustas praticadas com fundamento de terem amparo no direito positivo.”. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx – Op. Cit., p. 2.
292 Como muito bem exposto por Xxxxxxx “A própria práxis negocial foi pondo a nu, em certas áreas da contratação e em certas situações relacionais, que a autonimia privada, deixada a si própria, não mediava satisfatoriamente determinados conflitos de interesses entre os agentes do trágefo jurídico-económico. E não apenas, saliente-se, pela produção, nas novas condições, de consequências socialmente indesejáveis. Também porque, e desde logo, uma incondicionada liberdade contratual, em todos os domínios, não se mostrou capaz de organizar eficientemente as relações de troca e de cooperação de mercado. XXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx – Op. Cit., p. 40.
293 Vide, nesse contexto, a lição de Xxxxxx, senão vejamos: “Se ha llegado a convicción que la liderdad contractual no puede erigirse em um instrumento de dominación en aras de ello. E arremata a seguir: “...el liberalismo económico ha ido dejando su lugar a uma socialización del derecho privado a fin de alcanzar uma armonía entre las partes y justicia em el intercambio.”. XXXXXX, Xxxx X. Xxxxxxx – Solidariedad contractual, p. 39.
294 Nesse viés,interessante a lição de Xxxx, para quem: “O dogma da liberdade de contratar, prevalecente no Estado liberal recente, tornou a ordem jurídica insuficiente à proteção dos interesses sociais, solapando-lhe a oportunidade de melhor realizar a felicidade humana. A preocupação excessiva em considerar todos iguais perante a lei gerava, na verdade, uma situação de absoluta desigualdade, em que os interesses dos ecnonomicamente fortes predominavam sobre os interesses dos economicamente fracos. E, em consequência, legitimavam a inversão axiológica em que os interesses da minoria prevaleciam sobre os da maioria, ou, na