SUBTEMAS
IMPEDIMENTOS NA CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS DE PROPRIEDADE DE PARENTES DE AGENTES PÚBLICOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
SUBTEMAS
1) No caso de parentesco entre o integrante do quadro societário da empresa com algum membro da comissão de licitação;
2) No caso de parentesco entre o integrante do quadro societário da empresa com Vereador do Município que efetue a contratação;
3) No caso de parentesco entre o integrante do quadro societário da empresa com o Prefeito do Município que efetue a contratação;
4) No caso de parentesco entre o integrante do quadro societário da empresa com algum servidor (efetivo ou comissionado) do órgão que efetue a contratação;
INTRODUÇÃO
A Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/93), em seu artigo 9º, evidencia quais são os casos de impedimentos em procedimentos licitatórios, seja com atuação direta ou indireta no certame.
Colaciona-se, pois o referido dispositivo:
Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5%
(cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;
III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou
responsável pela licitação.
§1º É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.
§2º O disposto neste artigo não impede a licitação ou contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.
§3º Considera-se participação INDIRETA, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.
§4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.
Verifica-se que não há proibição expressa que parentes de servidores públicos participem de licitação ou contratem com a Administração Pública. Existe vedação explícita apenas em relação a participação do autor do projeto básico/executivo e empresas envolvidas, de servidores responsáveis ou de dirigentes do órgão contratante.
Os impedimentos contidos neste artigo referem-se a proteção da ampla competitividade, coibindo situações de fraude a licitação. O dispositivo, outrossim, trata da impossibilidade de se contratar empresas pertencentes a pessoas que possuam grau de parentesco com agentes públicos, ao dispor que está vedada a participação direta e INDIRETA em procedimentos licitatórios, das pessoas indicadas.
É de bom alvitre consignar o disposto no § 3º do mesmo artigo 9º da Lei nº 8.666/93, o qual define o que é participação INDIRETA:
§ 3º Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.
Isto é, a Administração Pública não possui liberdade ilimitada nas contratações de pessoas que guardem grau de parentesco com servidores, dirigentes e agentes políticos que integram a entidade contratante.
É imperioso lembrar que todo gestor público tem o dever de demonstrar na licitação que promoveu a maior competitividade possível, sendo que nesses casos envolvendo parentes e pessoas com ligação íntima com membros do ente que promove o certame, torna-se razoável demandar que o procedimento transcorra com cautela extra, buscando impecável lisura e probidade.
Destarte, entende-se que o impedimento de participação nas licitações de parentes de servidor público integrante do órgão promotor do certame é de ordem relativa e não absoluta, de modo que a infração aos princípios da moralidade e da isonomia (bens jurídicos tutelados pela norma) restará efetivamente configurada quando as circunstâncias do caso concreto evidenciarem o favoritismo espúrio ou a influência indevida do agente público em favor de seu parente.
Entende-se que, apesar de tratar-se de impedimento relativo, a referida hipótese exige a observância dos princípios da administração pública, que podem restar dilacerados, quando o gestor não lograr êxito em demonstrar, de maneira inconteste, o respeito a tais mandamentos, possibilitando possível ocorrência de influências nocivas ao certame.
Mesmo porque violar princípios revela-se tão – ou até mais – grave quanto desconsiderar dispositivo de regra. Esse é, aliás, o entendimento do jurista Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx0, para quem “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”.
Nessa mesma linha de intelecção, é o magistério do jurista Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, que, citando Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, afirma que:
O direito condena condutas dissociadas dos valores jurídicos e morais. Por isso, mesmo quando não há disciplina legal, é vedado ao administrador conduzir-se de modo ofensivo à ética e à moral. A moralidade está associada à legalidade: se uma conduta é imoral,
1 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo.17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 842.
deve ser invalidada.2
Assim, a simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele, em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar anormalidade da conduta do agente.
1) NO CASO DE PARENTESCO ENTRE O INTEGRANTE DO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA COM O AUTOR DO PROJETO BÁSICO/EXECUTIVO OU COM MEMBRO DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO
É ilegal a participação em licitação de empresa cujos sócios sejam associados ao autor do projeto básico ou executivo em outras sociedades empresariais, à vista do disposto no art. 9º, inciso I e § 3º, da Lei 8.666/93.
Vez que o fato da pessoa ser autor do projeto, permite o conhecimento prévio e detido sobre todas as informações da elaboração da proposta de preços, tendo inclusive como identificar as melhores opções e o menor custo para execução do serviço.
Tal arrazoado também sustenta, pelo menos de forma relativa, a impossibilidade da participação de parentes do autor do projeto básico/executivo na licitação, pelo alto risco de se ferir o princípio da ampla competitividade, configurando- se como uma forma de restrição de participação.
Acresça-se aqui o disposto no § 4º, também do artigo 9º da Lei nº 8.666/93, cujo texto enuncia:
§ 4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.
Os membros da comissão de licitação, na qualidade de servidores, não podem participar de licitação, conforme disposição do inciso III, do artigo 9º da Lei nº 8.666/93. Além deles, a vedação se estende às empresas que tiverem relação estreita com membro da comissão de licitação, bem como aos que com ele possuam grau de parentesco.
2 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx xxx Xxxxxx. Manual de direito administrativo. 24. ed., Rio de Janeiro: Xxxxx Xxxxx, 2011, p. 225.
Tal entendimento, qual seja o de possibilitar a participação de parentes do autor de projeto básico ou de membros da comissão de licitação, se embasa no grande potencial dessas condutas afrontarem o princípio da isonomia de da ampla competitividade.
A limitação se mostra ainda mais necessária no âmbito da licitação na modalidade convite, dado o universo restrito dos concorrentes e a discricionariedade concedida ao Poder Público na escolha dos licitantes.
No final das contas, a empresa que tiver algum tipo de ligação com o autor do projeto básico ou com membro da comissão de licitação, poderá estar, desta forma, impedida de participar do certame.
2) NO CASO DE PARENTESCO ENTRE O INTEGRANTE DO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA COM O PREFEITO DO MUNICÍPIO QUE EFETUE A CONTRATAÇÃO
A despeito da Lei nº 8.666/1993 não vedar expressamente a contratação, pela Administração Pública, de empresas pertencentes a parentes de gestores públicos envolvidos no processo licitatório, entende-se que há evidente e indesejado conflito de interesses e consequente violação dos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade.
Tal situação se mostra ainda mais necessária quando o gestor público atua na condição de autoridade homologadora do certame (cita-se como exemplo, portanto, a figura do Prefeito).
Cabe ressaltar que as ações dos gestores públicos devem pautar-se sempre na busca do atendimento aos princípios norteadores da atividade administrativa e da proteção à isonomia, sobre o tema Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx afirma que:
Considera-se um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distinções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele. [...] O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que,
dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si e para terceiro.3
Vale lembrar que o inciso III do art. 9º da Lei de Licitações e Contratos Administrativos veda expressamente a participação de agente público em licitação e a sua consequente contratação ou de empresa da qual seja proprietário, diretor ou nela exerça função remunerada, com o órgão ou a entidade:
Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
[…]
III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.
O inciso III proíbe expressamente de participar da licitação o servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante responsável pelo certame. Também proíbe a participação de empresas cujos sócios, administradores, empregados, controladores, etc., sejam servidores ou dirigentes dos órgãos contratantes.
Por oportuno, deve-se esclarecer que tal vedação alcança as contratações entre Prefeitos e a municipalidade e, por extensão, a sua participação em processos licitatórios.4
Alcança também a aquisição de bens por parte da municipalidade de único estabelecimento existente no município do qual seja proprietário o Prefeito, visto que ele representa diretamente a municipalidade nas contratações e autoriza as licitações.
Mesmo que haja delegação, os impedimentos para a contratação permanecem, visto que poderão estar presentes riscos do relacionamento pessoal produzir distorções incompatíveis com o princípio da isonomia.
Nessa esteira, apesar do parente do alcaide estar, a priori, habilitado ao desempenho, a contento, da função pública ou da execução do objeto contratual, sua contratação colide com os princípios constitucionais da impessoalidade e da isonomia,
3 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 163
4 O mesmo se aplica aos Governadores em relação aos Estados.
contendo elevada probabilidade de resultar em privilégios e favorecimentos, o que justifica vedá-la no caso concreto.
Se tal contratação for permitida, pode importar em ato sobre o qual penderia sempre a suspeita de motivação espúria, independentemente da aptidão e idoneidade do parente. Por isto que a contratação de parente do Prefeito, do dirigente do órgão ou da entidade pública que promove a licitação ou efetiva a contratação direta, deve ser tida como medida de exceção, de última ratio.
3) NO CASO DE PARENTESCO ENTRE O INTEGRANTE DO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA COM VEREADOR DO MUNICÍPIO QUE EFETUE A CONTRATAÇÃO
Por força do disposto no art. 29, inciso IX, c/c com o art. 54, incisos I e II, da Constituição Federal, é vedada a participação em licitação e a consequente realização de obra ou fornecimento de bens e serviços – decorrente de contrato firmado com pessoa jurídica de direito público do Município – de pessoa física do Vereador ou de empresa da qual seja proprietário, diretor ou que nela exerça função remunerada.
Os Vereadores, destarte, estão obstados de participar de procedimento licitatório, quanto menos de celebrar contratos com a Administração Pública que estão vinculados, considerando que a execução contratual sucede a própria participação na licitação.
Salienta-se que o art. 29, inciso IX, da CF/1988 determina que as regras impostas aos membros do Congresso Nacional5 se aplicam, no que couber, aos integrantes do Poder Legislativo Municipal:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e aos seguintes preceitos:
(...);
IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo
5 A regra contida no art. 54, incisos I, “a” e II, “a”, da Constituição Federal de 1988, trata de impedimentos impostos a membros do Congresso Nacional.
Estado para os membros da Assembleia Legislativa;
Destarte, cabe aqui utilizar-se do princípio da simetria, aplicando a vedação dos membros do Congresso Nacional, conforme regra contida no art. 54 da Constituição Federal de 1988, que tem a seguinte previsão:
Art. 54. Os Deputados e Senadores NÃO poderão:
I – desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
(...).
II – desde a posse:
a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada;
As hipóteses previstas na Constituição Federal devem ser aplicadas em conformidade com os princípios orientadores dos procedimentos de contratação pública: isonomia, moralidade, ampla competitividade, livre iniciativa e economicidade, de modo a se reconhecer que há uma presunção relativa de privilégio espúrio à empresa que tenha em seu quadro societário pessoa que seja parente de Vereador vinculado ao órgão promotor da licitação.
Além da previsão constitucional, viabilizada pela aplicação do princípio da simetria, há vários municípios que definem em suas leis orgânicas a impossibilidade de vereadores firmares contratos com o Poder Público a que se vinculam. Destarte, com o escopo de verificar se há harmônia a regra constitucional anteriormente citada, é de bom alvitre pesquisar eventual disposição legal municipal.
Sobre a matéria o Supremo Tribunal Federal já se posicionou:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite, portanto, que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as normas locais sobre licitação devem observar o art. 37, XXI da Constituição, assegurando a igualdade de condições de todos os concorrentes. Precedentes. Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas específicas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do Município de Brumadinho-MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa pólis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice- prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido.6
Logo, no caso de existência de diploma legal municipal sobre a temática, restará ainda mais hialina a vedação específica aos vereadores, não podendo a municipalidade celebrar contrato com entidades que possuam em seu quadro societário algum parente desses agentes políticos, até o terceiro grau (geralmente, a vedação alcança até esse limite).
4) NO CASO DE PARENTESCO ENTRE O INTEGRANTE DO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA COM ALGUM SERVIDOR (EFETIVO OU COMISSIONADO) DO ÓRGÃO QUE EFETUE A CONTRATAÇÃO
O impedimento de participação em licitação, ou na execução da obra ou serviço e do fornecimento de bens, é aplicável ao servidor da entidade contratante (uma Prefeitura, por exemplo), conforme regra contida no art. 9º, inciso III, da Lei de Licitações.
6 STF, Relator: Min. XXXXXXX XXXXXXX, Data de Julgamento: 29/05/2012, Segunda Turma
Dai porque NÃO se pode admitir que o servidor público, seja ele efetivo ou ocupante de cargo em comissão/função gratificada, firme contratos com o poder público, visto que está impedido até mesmo de participar da licitação.
De outro lado, note-se que a vedação diz servidor ou dirigente, não especificando se efetivo ou comissionado (ou função de confiança). Tem-se, portanto, que o vocábulo utilizado pelo legislador é de amplitude tal que seja capaz de abranger não somente os cargos em comissão e funções de confiança, como também os servidores efetivos. Quisesse fazer distinção entre os efetivos e àqueles ocupantes de cargo em comissão, certamente traria especificado dentro do corpo da lei essa diferenciação. Não o fez, devendo o impedimento estender-se a todos os servidores, sejam comissionados ou efetivos, inclusive àqueles que exercem função de confiança.
Aliás, ainda “mais impedidos” estão os ocupantes dessas funções de confiança e os cargos em comissão, considerando-se a proximidade ainda maior que detém do chefe do Poder Executivo. Sabe-se que o exercício de funções de chefia e assessoramento dentro do órgão público, pode trazer à tais pessoas privilégios diversos em relação aos demais licitantes. Logo, estar-se-ia ferindo tanto o princípio da igualdade, como também da moralidade e da impessoalidade.
Aliás, sobre o tema ponderou Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“Também não podem participar da licitação o servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação. Também se proíbe a participação de empresas cujos sócios, administradores, empregados, controladores, etc., sejam servidores ou dirigentes dos órgãos contratantes. Essa vedação reporta-se ao princípio da moralidade, sendo pressuposto necessário da lisura da licitação e contratação administrativa. A caracterização de participação indireta contida no § 3º aplica-se igualmente aos servidores e dirigentes do órgão.7”
Neste mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Contas da União – TCU, com o seguinte teor:
Não passa pela avaliação de saber se os servidores (...) detinham ou não informações privilegiadas para que esteja impedido de
7 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos.10ª edição. São Paulo: Dialética, 2004 – p. 191.
participar, direta ou indiretamente, de licitação por ele realizada.8
Em outra decisium, também da Corte de Contas da União, entendeu-se que, apesar de o sujeito “não ocupar cargo público ou função de confiança, ao representar como dirigente de um programa do Ministério, passou a exercer um múnus público que o obrigava a atuar de acordo com o interesse público e, consequentemente, o impedia de contratar com a Administração Pública.9”
Há, ainda, outras decisões do TCU no sentido de tratar como impedidas de contratar com a Administração Pública ocupantes de cargos comissionados/funções gratificadas, bem como servidores em geral que, MESMO QUANDO NÃO DESEMPENHAM TAIS CARGOS, ostentam maior conhecimento do objeto licitado que os demais participantes:
A demissão do cargo em comissão ocupado por dirigente que participou diretamente da fase interna da licitação NÃO impede a incidência da vedação contida no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/93, uma vez que, embora perdendo a capacidade de influir no resultado da licitação, remanesce a vantagem do maior conhecimento acerca do objeto licitado em relação aos potenciais concorrentes. Como visto no relatório precedente, nesta representação aprecia-se irregularidade consistente na contratação de sociedade empresária cujo sócio-cotista era, à época da licitação, servidor do órgão licitante, o que configura violação ao art. 9º, inciso III, da Lei nº. 8.666/1993.
(...).
5. A instrução da unidade técnica fundamenta-se em entendimento doutrinário e jurisprudencial para rejeitar os elementos de defesa. Conclui que a situação fática se subsume à hipótese vedada pela Lei de Licitações e independe da situação do servidor, se sócio-cotista ou sócio-gerente. Afasta, também, o argumento relativo à procuração assinada em 6/6/2006 com base no documento acostado à fl. 51, o qual evidenciaria a participação efetiva do responsável numa das contratações decorrentes dos certames acima mencionados.
6. Pelos seus cristalinos argumentos, entendo procedentes as razões defendidas pela unidade técnica. Os fatos não deixam dúvidas acerca do vício de legalidade.
7. Todavia, entendo que, ante a inexistência de dano ao erário, a jurisdição do TCU não alcança o servidor público para efeito exclusivo de imposição de sanção, porque não geriu recursos
8 TCU, decisão nº. 133/1997, Plenário, Rel. Min. Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx.
9 TCU, acórdão nº. 601/2003, Plenário, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx.
públicos ou deu causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que tenha resultado prejuízo aos cofres públicos. O rol do art. 5º da Lei nº 8.443/1992 é taxativo e não abarca o caso concreto.10
Frise-se, aliás, que há posição do Superior Tribunal de Justiça entendendo que, mesmo em caso de servidor licenciado, aplica-se a ele o impedimento de participação na licitação contido no art. 9º, inciso III, da Lei nº. 8.666/1993. Diz o precedente o seguinte:
ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – DESCLASSIFICAÇÃO – EMPRESA – SERVIDOR LICENCIADO – ÓRGÃO CONTRATANTE.
Não pode participar de procedimento licitatório, a empresa que possuir, em seu quadro de pessoal, servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação (Lei nº 8.666/93, artigo 9º, inciso III).
O fato de estar o servidor licenciado, à época do certame, não ilide a aplicação do referido preceito legal, eis que não deixa de ser funcionário o servidor em gozo de licença.
Recurso improvido11.
Logo, o fato de o servidor estar licenciado, à época da licitação, é irrelevante porque não deixou ele de ser funcionário da entidade pública, ou seja, continuou tendo vínculo com esta. Atenta contra o princípio da moralidade admitir a participação de servidor licenciado da administração, em licitação. Com isso, estaria sendo atingido o princípio da igualdade que deve imperar no certame.
É verdade que o art. 84, caput, da mencionada normal legal, considera como servidor público aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função, ou emprego público, mas isso não quer dizer que o servidor licenciado deixe de ser servidor, porque ele continha vinculado à administração. Seu contrato de trabalho estava apenas interrompido ou suspenso, mas em vigor.
Assim, tem-se que servidores efetivos, ocupantes dos cargos em comissão ou mesmo de função de confiança NÃO podem contratar com o Poder Público do qual fazem parte, seja por meio de empresa/comércio próprio, ou por meio de sociedade que integrem. Ainda que proprietários de empresas ou que tenham participação em sociedade, não podem sequer participar do processo de licitação, menos
10 Acórdão nº. 934/2011, Plenário, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxx.
11 STJ – REsp 254115/SP, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/06/2000, DJ 14/08/2000, p. 154
ainda firmar contrato com o Poder Público, considerando que a execução contratual sucede a própria participação na licitação.
Nessa mesma esteira, é possível afirmar que a participação de empresa cujo sócio tenha vínculo de parentesco com servidor da entidade licitante afronta, por interpretação analógica, o disposto no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993.
De forma que, nem mesmo a alteração do contrato social no curso do certame descaracterizaria a irregularidade, constituindo indício de simulação e fraude à licitação.12
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que embora a realização de negócios jurídicos com parentes de gestores, servidores e agentes públicos do ente público não seja impossível, vale lembrar que quanto maior for o número de participantes nos processos licitatórios, mais fácil será à Administração Pública encontrar a melhor proposta. Maior será, portanto, a competitividade e, consequentemente, maior será a garantia de que se atingirão os objetivos da contratação, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição da República.
Apesar da ausência de vedação expressa, na Lei n. 8.666/93, da participação, em licitação, de parentes de servidores ou agentes políticos, cabe ao ente responsável pelo certame observar atentamente os princípios norteadores da administração pública, sobretudo os da moralidade, isonomia, impessoalidade e competitividade, visando, com isso, a uma atuação administrativa voltada à satisfação de interesses supraindividuais, nos moldes dos ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx00:
É vedado ao administrador sobrepor um interesse particular (próprio ou de terceiros) ao interesse coletivo. Diante de conflito de interesses, o administrador deve agir com lealdade para com o interesse coletivo. A moralidade e a probidade acarretam a impossibilidade de vantagens pessoais extraídas pelo administrador.
12 TCU, Acórdãos 1.170/2010 e 607/2011, todos do Plenário. Xxxxxxx 1019/2013- Plenário, TC 018.621/2009-7, relator Ministro Xxxxxxxx Xxxxxx, 24.4.2013.
13 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 76.
Por igual, estão proibidas vantagens ou prejuízos decorrentes de preferências pessoais dos titulares de funções públicas. Mesmo que não retirem, direta ou indiretamente, qualquer benefício, os administradores praticam atos inválidos quando interferem no destino da licitação para beneficiar ou prejudicar concorrente.
As situações aqui enfrentadas denotam hialino conflito de interesses, visto que a simples potencialidade do dano é suficiente para que, por meio de uma interpretação sistêmica, sejam extirpadas as possibilidades de fraudes. Dessa forma, caberá a atuação ministerial no sentido de averiguar as responsabilidades daqueles que estejam envolvidos em eventuais atos ilícitos.
Eis o que cumpria ponderar sobre os temas aventados na pesquisa.