PEDRO HENRIQUE MAY
XXXXX XXXXXXXX XXX
O CONTRATO DE VESTING NO SISTEMA SOCIETÁRIO BRASILEIRO E A SUA APLICABILIDADE EM STARTUPS CONSTITUÍDAS NA FORMA DE SOCIEDADE LIMITADA
Florianópolis 2018
O CONTRATO DE VESTING NO SISTEMA SOCIETÁRIO BRASILEIRO E A SUA APLICABILIDADE EM STARTUPS CONSTITUÍDAS NA FORMA DE SOCIEDADE LIMITADA
Monografia submetida ao Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxx Co-orientador: Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
Florianópolis 2018
AGRADECIMENTOS
Assim como tudo em minha vida, não poderia deixar de iniciar meus agradecimentos expressando minha eterna gratidão aos meus pais, Xxxxxxxxx e Xxxxxxxx, aos quais agradeço por todo amor e carinho que dedicaram à minha criação. Sem o amor de vocês eu nada seria, sem o amor e paciência de vocês eu nada teria conquistado. Amo muito vocês. Estendo esse amor à minha irmã, Geórgia, com quem compartilho o mais puro sentimento de carinho e agradecimento por ter como laço eterno uma pessoa tão maravilhosa – e aos nossos cachorros.
Não menos importantes, agradeço aos meus avós Xxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxx e Lezi, que, realmente, são pais duas vezes. Vocês são os meus tesouros, meus exemplos e a minha mais profunda admiração. Estar com vocês me faz completo e eu só posso agradecer por tê-los em minha vida. Amo vocês.
Aos meus primos, que mais considero como irmãos, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxx e Xxxxx, por todos os momentos de nossa maravilhosa infância e por todos os momentos que passamos e ainda passaremos juntos. Também às minhas tias, Dada, Xxxx e Xxxxx, além dos meus padrinhos “dindos”, Xxxxx e Xxxxxxx, que auxiliaram, e muito, na minha criação, e nunca pouparam esforços para estarem presentes em todos os momentos da minha vida. Alongo aqui meus agradecimentos aos “agregados”, Xxxxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx e Xxxxxxx, aos quais agradeço imensamente por serem pessoas maravilhosas que muito engrandecem a minha família.
À minha namorada Xxxxxx, por me permitir compartilhar momentos únicos de felicidade e amor ao lado de uma pessoa tão especial. Pelos nossos planejamentos e por todo o apoio que recebo diariamente, pela parceria e por me deixar fazer parte de uma família que considero como minha – nominando aqui, Xxxxxx, Xxxxxxx e Xxxxx.
Aos meus amigos de infância, que considero como irmãos e que sempre estiveram ao meu lado, unidos por laços que jamais irão se separar, Xxxxxxxxx Xxxxxxx, e o grupo da jagua, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxx e, em especial, ao nosso eterno amigo Xxxxxxx “Japa”.
Aos meus amigos proporcionados pela graduação, Xxxxxxx Xxxxxxxxx, pessoa com quem compartilho integralmente meus momentos de vida, e Xxxxxxx, minha única verdadeira amiga, por terem feito meus dias de faculdade muito mais felizes e me proporcionado uma amizade leve e eterna. Também, ao meu Xxxxx Xxxxxx, Bom Amigo
Xxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx, pelas muitas risadas, costelão e momentos que jamais serão esquecidos e que ainda virão. A todos os demais amigos, em especial aos de Joinville.
Ao meu orientador, Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxx, Patrono da minha turma de formatura, pelos ensinamentos, e pelo exemplo de professor e profissional.
Ao meu co-orientador e amigo Xxxxxxx Xxxxxx, pelos conselhos, principalmente de vida, pelas corridas, momentos juntos na graduação e por ser uma amizade muito importante para mim.
Aos membros da banca, os Advogados Doutores Xxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxx Remor, por quem tenho profunda admiração pelas pessoas que sempre foram durante a época de graduação e pelos profissionais exemplares que hoje são.
Por fim, mas não menos importante, um especial agradecimento aos advogados do escritório Röse Advocacia para Startup, Xxxxxx e Xxxxxx, pelos desafios e aprendizados diários, pelo exemplo de profissionais e pela relação de amizade.
Depois de escalar uma grande montanha se descobre que existem muitas outras montanhas para escalar.
Xxxxxx Xxxxxxx
O presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicabilidade do Contrato de Vesting às principais sociedades empresariais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, com especial atenção às Startups constituídas na forma de Sociedades Limitadas. Especificamente, examina- se o emprego dessa modalidade contratual nas Sociedades Limitadas, tendo em vista que as startups se enquadram majoritariamente nesse tipo de sociedade, e em virtude do entendimento de alguns doutrinadores de que o § 2º do artigo 1.055 do Código Civil veda a possibilidade de aplicação do Contrato de Vesting para as Sociedades por quotas de participação. Para tanto, traça-se uma perspectiva geral sobre as figuras jurídicas que permeiam as sociedades vigorantes no sistema empresarial brasileiro, com enfoque no preenchimento de capital das Sociedades Limitadas e as possibilidades de compra de ações nas Sociedades Anônimas. Paralelamente, analisam-se os conceitos e funções dos Contratos de Vesting dentro das empresas que optam por utilizá-lo – com enfoque nas Startups – e, ainda, busca-se demonstrar a necessidade desse mecanismo no atual momento de renovação e inovação no sistema empresarial brasileiro. Não obstante, faz-se uma necessária distinção entre o Contrato de Vesting e o Stock-option Plan, com intuito de esclarecer as diferenças entre as duas modalidades. Por fim, faz-se uma análise aprofundada sobre a forma de integralização do capital social pelos Contratos de Vesting, visando esclarecer que não há colisão entre a possibilidade de compra de participação social e a vedação de contribuição consistente em prestação de serviços constante no § 2º do artigo
1.055 do Código Civil.
Palavras-chave: Contrato de Vesting. Startups. Sociedades empresariais. Sociedade Limitada. Sociedade Anônima. Stock-option.
The present work has the objective of analyzing the applicability of the Vesting Contract to the companies existing in the Brazilian legal system, with special attention to the Startups. Specifically, the use of this contractual modality in the Limited Companies is examined, considering that the Startups fall mainly in this type of society, and due to the understanding of some doctrinators that the second paragraph of article 1.055 of the Civil Code prohibits the possibility of application of the Vesting Agreement to the Limited Companies. For this, a general perspective is outlined on the legal figures that permeate the societies that are in force in the Brazilian business system, with a focus on filling the capital of the Limited Companies and the possibilities of buying shares in Corporations. At the same time, the functions of the Vesting Contracts within the companies that opt to use it (focusing on the Startups) are analyzed, as well as the need for this mechanism in the current moment of Brazilian business renovation and innovation. However, a distinction is made between the Vesting Agreement and the Stock-Options Plan. Finally, an in-depth analysis is made of the payment of capital by Vesting Contracts, in order to clarify that there is no collision between the possibility of social participation and the prohibition of a consistent contribution in the provision of services in the second paragraph of article 1.055 of the Civil Code.
Keywords: Vesting Contract. Startups. Business partnerships. Limited society. Anonymous society. Stock-option.
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas CF – Constituição Federal
CVM – Comissão de Valores Mobiliários EPP – Empresas de Pequeno Porte
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais LSA – Lei das Sociedades Anônimas
LTDA – Limitada ME – Micro empresas
STF – Supremo Tribunal Federal TRT – Tribunal Regional Trabalhista TST – Tribunal Superior do Trabalho TCU – Tribunal de Contas da União
1 INTRODUÇÃO. 10
2 CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS BRASILEIRAS E O SURGIMENTO DAS STARTUPS 12
2.1 HISTÓRCIO DO SISTEMA COMERCIAL E SOCIETÁRIO BRASILEIRO. 12
2.2 CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES LIMITADAS E O SEU QUADRO SOCIETÁRIO. 19
2.2.1 Responsabilidades dos sócios e vantagens legislativas para Startups 22
2.3 SOCIEDADES ANÔNIMAS: REGIME GERAL E PARTICIPAÇÃO DOS ACIONISTAS 25
2.3.1 Constituição do tipo societário e relevância dos acionistas 27
2.3.2 As dificuldades para Pequenas Empresas e Startups se constituírem na forma de Sociedade Anônima. 30
2.4 STARTUPS COMO MODELOS INOVADORES DE EMPREENDEDORISMO. 32
3 CONTRATO DE VESTING 35
3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DO CONTRATO DE VESTING PARA AS
STARTUPS E EMPRESAS COM BAIXO CAPITAL SOCIAL 35
3.1.1 Principais cláusulas e cuidados jurídicos. 42
3.2 DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE VESTING E STOCK-OPTIONS PLAN. 45
4 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO CONTRATO DO VESTING PELAS SOCIEDADES LIMITADAS. 50
4.1 INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS 50
4.1.1 O Contrato de Vesting sem contribuição por prestação de serviço. 52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 58
REFERÊNCIAS 61
1 INTRODUÇÃO
A história confirma que o Brasil é um dos países mais burocráticos e complicados para se empreender no mundo, onde, além de boas ideias, precisa-se de um sólido planejamento orçamentário e organizacional para vencer os entraves tributários e jurídicos e obter o efetivo sucesso de um novo empreendimento.
Contudo, é notório que nunca antes se falou tanto em empreender por aqui, assim como nunca houve tanta busca por inovação e novas formas de se destacar no mercado. Dessa forma, dentro dessa revolução empresarial, as Startups assumiram o protagonismo de trazer novas ferramentas de fomento aos empreendimentos – como o objeto tema do presente trabalho: o Contrato de Vesting.
Considerando que na fase inicial das Startups existe muito entusiasmo, força de vontade de seus fundadores e escassez de recursos financeiros, um dos problemas recorrentes é como conseguir atrair, contratar e manter bons profissionais, especialmente os que apresentam algum diferencial técnico.
Diante disso, o Contrato de Vesting caiu como uma luva para essas empresas aspirantes, de forma a aliar dedicação, ideias inovadoras e pouco investimento inicial. Tal modalidade consiste, simplificadamente, na possibilidade ingressar no quadro social pelo cumprimento de metas em favor da empresa.
Todavia, por se tratar de uma nova modalidade no sistema societário brasileiro, sua definição e aplicação ainda estão em fase de modulação, de maneira que o reconhecimento da possibilidade de aplicar os Contratos de Vesting no Brasil aconteceu apenas em novembro de 2014, com a Deliberação CVM nº 728 da Comissão de Valores Mobiliários.
Essa nova modalidade, a qual encontra respaldo positivo em outros países, demonstra-se como uma ótima opção para novos empreendimentos, entretanto, por estar em estágio inicial de reconhecimento, esbarra em lacunas jurídicas e contratuais que precisam ser cautelosamente observadas.
Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo analisar o emprego do instituto do Contrato de Vesting no modelo empresarial societário brasileiro, tendo como problema verificar se tal aplicação é possível para os tipos de sociedade mais relevantes em nosso ordenamento jurídico – com enfoque nas Startups constituídas na forma de Sociedades Limitadas.
Não obstante, a justificativa da pesquisa se dá em torno do recente reconhecimento de aplicação desse mecanismo, o qual enfrenta complicações trazidas, principalmente, por
alguns entendimentos doutrinários que entendem o § 2º do artigo 1.055 Código Civil como um impossibilitador da aplicabilidade dessa modalidade pelas Sociedades Limitadas.
Busca-se, então, verificar as modernizações e inovações trazidos por este modelo contratual, assim como tentar demonstrar que a integralização do capital social pelo Contrato de Vesting não colide com a vedação trazida pelo artigo do Código Civil supracitado.
Ressalta-se que o presente trabalho é dividido em três partes, sendo que no primeiro capítulo estarão em análise o histórico do direito comercial e societário brasileiro e os tipos mais importantes de sociedades empresariais brasileiras – Sociedades Anônimas e Limitadas. Trazendo um apanhado sobre a funcionabilidade desses tipos societários, suas peculiaridades e uma principal atenção às modalidades empresariais denominadas Startups.
No segundo capítulo serão analisados os aspectos gerais do Contrato de Vesting – seus aspectos formacionais, principiológico e conceituais -, elementos de conexão, autonomia da vontade das partes, além de ser feito uma distinção entre o tipo contratual estudado e o Stock- option Plan.
Por fim, o terceiro capítulo faz análise da possibilidade de utilização do Contrato de Vesting nas Sociedades Limitadas e, por consequência, na maioria das Startups, buscando demonstrar como é feita a integralização do capital social nesse tipo societário e, ainda, a desvinculação da possibilidade de compra de capital social pelo Contrato de Vesting em relação à proibição trazida pelo § 2º do artigo 1.055 do Código Civil.
Vale frisar que o intuito deste estudo é levantar a discussão sobre essa modalidade ainda pouco debatida pela doutrina e judiciário brasileiros, para que novas opiniões surjam e a insegurança jurídica que ainda plana sobre a aplicação dessa modalidade possa, cada vez mais, se dispersar e dar espaço a consagração de um recurso tão importante para os novos empreendimentos.
Para atingir o objetivo deste trabalho, foi utilizado o método dedutivo, através da análise de fontes bibliográficas, principalmente obras clássicas de direito societário e contratos, afora o uso de artigos científicos acerca da aplicação do Contrato de Vesting. Além disso, foram analisados diversos contratos bem-sucedidos em Startups que já fazem uso da modalidade estudada.
Ainda, ressalta-se que esta pesquisa segue as normas atualizadas da Associação Brasileiras de Normas Técnicas (ABNT), com a ressalva da utilização do modelo numérico de citação em conjunto com notas explicativas.
2. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS BRASILEIRAS E O SURGIMENTO DAS STARTUPS
2.1 HISTÓRICO DO SISTEMA COMERCIAL E SOCIETÁRIO BRASILEIRO
O objetivo do presente estudo visa debater a modalidade de Vesting em contratos de sociedades empresárias no Brasil, principalmente das Sociedades Limitadas e Anônimas, com enfoque especial às Startups. Diante disso, faz-se frutífera uma recapitulação teórica sobre a história e desenvolvimento do direito comercial e societário brasileiro.
O atual momento das sociedades empresárias é de total transformação. Contudo, mesmo após o advento Código Civil de 2002, entraves jurídicos ainda são muito presentes no dia-a-dia dos empreendedores, de forma que apenas a partir do resgate histórico, observados o contexto social e seus aspectos jurídicos como um todo, é que podemos compreender o momento que estamos inseridos.
Assim, nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxxxx:
O direito evolve, às vezes, lenta, mas continuamente; os novos institutos não surgem de improviso, mas se destacam, às vezes, aos poucos do tronco de velhos institutos que sem cessar se renovam, preenchendo novas funções. É através dessa contínua adaptação de velhos institutos a novas funções que o direito, às vezes, se vai desenvolvendo; não raro, ostentando, então, a história do seu passado, nas formas que permanecem idênticas, a despeito da renovação das funções1.
Xxxxx Xxxxxxxx0, no mesmo sentido do autor italiano, esclarece que “(...) o direito (ou o sistema jurídico) está diretamente ligado a seus contextos histórico, econômico e social, que não são os mesmos de outros direitos”.
Com base nessas lições, este primeiro tópico tem como meta fazer uma breve análise do desenvolvimento histórico do direito comercial e societário no Brasil, para que se entenda toda a evolução dessa modalidade no País e a formação dos principais modelos utilizados nos dias de hoje.
Lembra-se, todavia, que não se pretende adentrar nos pormenores de cada marco teórico nesse tópico, mas tão somente trazer os principais conceitos, marcos legislativos e contextos nos quais estão inseridos.
1 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller, 1ª ed., 2001, p. 152-154.
2 XXXXXXXX, Xxxxx. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 135.
Neste viés, de início, salienta-se que os primórdios das sociedade se encontram no ajuntamento de pessoas com intuito de defender interesses comuns no desempenho ou realização de atividades ou produção de bens.3
As relações comerciais, contudo, passados os períodos primitivos e chegada a necessidade de se realizar mútuos nas sociedades, surgiram da necessidade de existência de regramentos céleres que atendessem às carências dos comerciantes e mercadores, diante da especialização da sua atividade. Formando-se, assim, um sistema baseado nos costumes e nas regras de corporações de ofícios com o objetivo de disciplinar aqueles que nelas estavam inscritos.4
A partir desta dissociação, surgiu a problemática de definir quais seriam os agentes que estariam sob o guarda-chuva deste direito especial e, consequentemente, sob a sua jurisdição. Criou-se, então, a teoria dos “atos de comércio”, na qual estariam sujeitos ao direito especial, aqueles que os praticassem.5
Assim, percebeu-se a necessidade de assegurar o que constituía a matéria de comércio e que fosse de competência exclusiva dos tribunais consulares, “a fim de ditarem-se normas excludentes de conflitos de jurisdição. A promulgação do código comercial francês, a competência especial firma-se na prática de determinados atos: os atos de comércio”6.
Logo, aqueles que praticassem tais “atos de comércio” estariam sujeitos à Lei e jurisdição especial, desde que demonstrada esta atividade como habitual7. Vale salientar, a título de curiosidade, que em 1409, na cidade de Gênova, foi criada a primeira sociedade por ações, quando a então Banca di San Giorgio fracionou o seu capital em títulos de crédito, todos de igual valor)8.
Posteriormente, o primeiro diploma de manutenção do direito comercial se concretizou no Code dde commerce de 1807, elaborado por uma comissão criada por Xxxxxxxx, a qual, segundo Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, “consolidou todas as normas em vigor e abriu novos rumos ao Direito Comercial, sem servir de embaraço ao seu desenvolvimento”.9
3 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 6ª ed., 2018, p. 01.
4 XXXXXXXX, Xxxxx. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª Ed, 2009, p. 37.
5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 Ibidem.
8 RIZZARDO, 2018. pp. 04.
9 Tratado de Direito Mercantil Brasileiro, São Paulo, 1934, p. 150.
Muito se discutia sobre o Direito Comercial em outros países como Itália, França, Alemanha e Inglaterra, contudo, quando trazido à prática no Brasil, o já calejado Direito Comercial se encontrava em transição para sua fase objetiva.10
Mesmo assim, o Código Comercial de 1850 adotou um sistema misto, pois, apesar de seu “art. 4º estabelecer que “ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual”, misturava-se a necessidade de matrícula (teoria subjetivista) e atividade de comércio (teoria objetivista)”.11
Mais interessante ainda é a normatização trazida pelo Regulamento 737 de 1850 que disciplinou em seu art. 10 tratou sobre a competência da jurisdição comercial, trazendo que “Competem á jurisdicção commercial todas as causas que derivarem de direitos e obrigações sujeitas ás disposições do Codigo Commercial”.
E, ainda, em seu art. 19, determinou quais eram os atos de comércio com os seguintes regramentos:
Art. 19. Considera-se mercancia: § 1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis, ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados, ou para alugar o seu uso; § 2º As operações de cambio, banco, e corretagem; § 3º As emprezas de fabricas; de commissões; de depositos; de expedição, consignação, e transporte de mercadorias; de espectaculos publicos; § 4º Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contractos relativos ao commercio maritimo; § 5º A armação e expedição de navios.
Esta é a estrutura legislativa básica do direito brasileiro para a definição dos atos de comércio, a qual foi classificada por Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx na seguinte ordem:
a) Os atos de comércio por natureza ou ato de comércio profissional, assim tidos como atos que constituem o exercício da indústria mercantil, a prática habitual do comércio, ou a comercialidade da atividade de compra e venda de bens.
b) Os atos de comércio por dependência ou ato de comércio acessório, destinados a facilitar, a promover e a realizar o exercício da indústria, ou a implantar a atividade industrial e comercial, exemplificando-se na
10 Ibidem.
11 XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Direito Empresarial sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p.5.
compra de instrumentos e mecanismo, de materiais e máquinas que possibilitam a instalação da indústria ou do núcleo comercial.
c) Os atos de comércio por força ou autoridade de lei, como os específicos de algumas categorias profissionais, e, no caso, os atos dos corretores, dos agenciadores, dos prestadores de serviços.12
Este sistema perdurou até o ano de 1875, quando os tribunais de comércio foram extintos e suas funções foram relegadas às funções administrativas das juntas comerciais – através do Decreto n. 2.662.13
Isto porque “a adoção de critérios objetivos para a definição dos atos de comércios criou uma sistemática própria, distanciando-se da figura do comerciante tradicional e afastando o caráter personalíssimo que até então era usual”14.
Assim, o conceito de ato de comércio, como elemento central da atividade mercantil e distinguidor da matéria mercantil, surgiu como resultado da expansão da autoridade e da jurisdição das corporações de comércio. E, em razão da confiança de suas decisões pelo público em geral, por meio de procedimentos práticos e sumários, a corporação passou a abranger qualquer comerciante, independente de matrícula anterior15.
Esta “despersonalização” e desvinculação do direito comercial têm dois principais efeitos: “evolução do direito comercial como matéria autônoma e problemática da conceituação dos atos de comércio frente ao desenvolvimento do comércio”16.
No que toca a evolução do direito comercial como matéria autônoma, era natural que, com o desenvolvimento ulterior, surgisse o conceito de atos de comércio, o que, de certo, vem a pôr em foco a objetivação do Direito Comercial que, ao invés do direito profissional dos comerciantes, passou a ser o direito do comercio.17
Dessa forma, a evolução da matéria percebeu paulatinamente o abandono da definição dos atos de comércio, já que não mais suportavam a amplitude de necessidades que o avanço da sociedade capitalista tinha conquistado.18
12 DE XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx Xxxxxx, 4ª ed., Vol. 1, 1945. p. 454-455.
13 XXXXXX, Xxxxxxx. Curso de direito comercial e da empresa. São Paulo: Saraiva, 1ª ed., 2017, p. 37.
14 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 24ª ed., 2012, p 72-75
15 NEGRÃO, 2017. pp. 37.
16 Ibidem.
17 DE XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Bookseller, 2000, p. 71.
18 Ibidem.
Inclusive, no que se refere aos itens dos atos de comércio não se percebia mais algumas atividades econômicas que, com o passar do tempo, ganharam importância equivalente às do próprio comércio, como: bancos, seguros e indústria. “É o caso da prestação de serviços, cuja relevância é diretamente proporcional ao processo de urbanização. Também da lista não constavam atividades econômicas ligadas à terra, como a negociação de imóveis, agricultura ou extrativismo”19.
Complementa Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
Na Europa Continental, principalmente em França, a burguesia foi levada a travar uma acirrada luta de classes contra o feudalismo, e um dos reflexos disso na ideologia jurídica é a desconsideração das atividades econômicas típicas dos senhores feudais no conceito aglutinador do Direito Comercial do período (o segundo, na evolução histórica da disciplina). De qualquer modo, ultrapassados por completo os condicionantes econômicos, políticos e históricos que ambientaram sua formulação, a teoria dos atos de comércio acabou revelando suas insuficiências para delimitar o objeto do Direito Comercial20.
Esta deficiência da teoria dos atos de comércio veio acompanhada da substituição do objeto de estudo do direito comercial como sendo o “ato de comércio” pela figura da empresa, que foi introduzida no âmbito brasileiro por influência da doutrina italiana e o Codice Civile de 194221.
Ensina Oscar Barreto Filho que “a satisfação das necessidades do mercado exige não só uma organização especializada e diferenciada, como reclama uma instrumentação técnica e, mais ainda, uma atividade criadora que não existe na vida civil comum” 22.
A partir disto é possível visualizar o motivo pelo qual a empresa tomou o lugar de objeto de estudo do direito comercial. Não pela simples evolução da ciência jurídica, mas, principalmente, porque a sociedade e o mercado clamavam por novas e melhores técnicas para atender suas necessidades23.
É uniforme na doutrina italiana o entendimento de que não houve uma mera substituição do comerciante pelo empresário, mas sim a adoção de um sistema que forneceu preeminência a este, de forma a igualar os agentes das atividades econômicas da produção de bens ou serviços, sob a rubrica de empresário24.
19 XXXXXX, 2012. pp. 72-75.
20 Ibidem.
21 FORGIONI, 2009. pp. 55.
22 XXXXXXX XXXXX, Xxxxx. Teoria do estabelecimento comercial. São Paulo: Xxx Xxxxxxx, 0000, x.00.
00 XXXXXXXXXX, Waldirio. Tratado de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 1995, p. 59.
24 Ibidem.
Desta forma, o comerciante antigo foi absorvido pela categoria de empresário. Ou seja, o empresário comercial corresponde de certa forma ao antigo comerciante e não ao empresário em geral, contudo, é considerado empresário porque é agente de produção e não mero especulador.25
Por isso, a empresa, “compreendida em todas as faces do seu poliedro, trazia fôlego novo à matéria comercial, atendendo às demandas do mercado e da sociedade que sofria com os reflexos da segunda guerra mundial” 26.
Xxxxxxx Xxxx esclarece o contexto social da introdução da teoria da empresa no direito brasileiro:
(...) No Brasil, após a Segunda Guerra Mundial, seguida do período desenvolvimentista de Juscelino, com a política de substituição das importações em virtude da qual a indústria de base desenvolveu e começou a surgir o mercado de capitais no Brasil. Foi um período de grande interferência do Estado na economia, sem que houvesse uma estrutura bem montada da empresa brasileira para sua abertura27.
Por essa ótica, a teoria da empresa, também denominada de “sistema italiano” pelo fato de sua criação ter ocorrido na Itália com o advento do Código Civil de 194228, foi disseminada rapidamente entre os países.
Entretanto, apesar de ter influência em solo brasileiro desde meados da década de noventa, consagrou-se apenas com a vigência do Código Civil de 2002. Sendo a lenta tramitação legislativa marcante neste período, relembrando aquilo que Xxxxxx Xxxxxxxxx chamou de inércia jurídica.29
Nesse sentido, Xxxxx sustenta que:
As defasagens entre a teoria dos atos de comércio e a realidade disciplinada pelo Direito Comercial — sentidas especialmente no tratamento desigual dispensado à prestação de serviços, negociação de imóveis e atividades rurais — e a atualidade do sistema italiano de bipartir o direito privado começam a ser apontadas na doutrina brasileira nos anos 1960. Principalmente depois da adoção da teoria da empresa pelo Projeto de Código Civil de 1975 (ela tinha sido também lembrada na elaboração do Projeto de Código das Obrigações, de 1965, não convertido em lei), os comercialistas brasileiros dedicam-se ao seu estudo, preparando-se para as inovações que se seguiriam à entrada em vigor da codificação unificada do direito privado, prometida para breve30.
25 Ibidem.
26 XXXXXXX, Xxxxxxx. Perfis da Empresa. Tradução: Xxxxx Xxxxxx Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: 35º vol., n. 104, 1996, p. 109-126.
27 XXXX, Xxxxxxx. A evolução do direito societário. São Paulo: Revista de Direito Xxxxxxxxx, x. 000, 0000, x. 00-00.
00 XXXXXXX, 0000. pp. 07.
29 ASCARELLI, 2001. pp. 152-154.
30 COELHO, 2012. pp. 84-88.
Mas, a crucial modernização legislativa tramitou com inesperada lentidão. Durante um quarto de século, enquanto pouca coisa ou nada acontecia no Congresso e a doutrina comercialista já desenvolvia suas reflexões à luz da “teoria da empresa”, alguns poucos juízes começaram a decidir processos desconsiderando o conceito de atos de comércio — embora fosse este ainda o do direito positivo, porque ainda em vigor o antigo Código Comercial.31
Durante este largo tempo, as principais leis de interesse do direito comercial editadas já se inspiravam no sistema italiano, e não mais no francês. São exemplos o Código de Defesa do Consumidor de 1990, a Lei de Locação Predial Urbana de 1991 e a Lei do Registro de Empresas de 1994. Em suma, pode-se dizer que o direito brasileiro já incorporava — nas lições da doutrina, na jurisprudência e em leis esparsas — a teoria da empresa, mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002.32
Assim, nas palavras de Xxxxx Xxxxxxxx00 “o objeto do direito comercial passava ser a empresa, organização jurídica permanente, instituição jurídica, em torno da qual girarão os negócios jurídicos do atual direito comercial”.
É claro que tudo isto não foi feito sem que existissem percalços ao longo do caminho, em especial na adoção da teoria da empresa. A supramencionada demora legislativa, mostrou o descaso por parte do legislador brasileiro com aquilo que existia de mais moderno em matéria societária na época, e, por conta disso, prejudicou, principalmente, o próprio interesse nacional.
Logo, é perceptível a reformulação geradora da supremacia da empresa como objeto do direito comercial, entendendo-se que a empresa foi se impondo, pouco a pouco, com fluxos e refluxos, com uma constância remarcável na consciência de todos – juristas, sociólogos, econômicas, religiosos, políticos – a ponto de constituir uma realidade tão gritante que o direito não pôde resistir à sua presença.34
Tanto é verdade isto que, após as hesitações e perplexidades iniciais, a empresa acabou por assumir um papel de capital importância no plano jurídico, abalando e transformando a estrutura e a função do direito comercial.35
Entretanto, ainda hoje, o próprio estudo da teoria da empresa mostra-se defasado por parte da doutrina, ignorando-se a empresa como agente econômico.
31 Ibidem.
32 Ibidem.
33 FORGIONI, 2009. pp. 59.
34 BULGARELLI, 2000. pp.14-19.
35 BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 03.
Nas palavras de Xxxxx Xxxxxxxx:
Contudo, o cenário fático modifica-se a partir de meados dos anos de 1980. Profundas transformações são reconhecidas por aqueles afeitos à pratica do direito comercial. Entretanto, a empresa aparece em sua forma estática e, e não dinâmica. (...). A vida (isto é, a atividade) justifica-se nela mesma, e não em sua interação com o próximo. (...) Ignora-se que a empresa não existe sozinha, mas somente na relação com outras empresas e com os adquirentes de seus produtos e serviços. Enfim, despreza-se o mercado e o papel central de sua disciplina jurídica. A releitura dos principais autores dos anos 1950 e 1960 demonstra que a compreensão da empresa aponta-a “para dentro”, mesmo porque gravita em torno do empresário. Debruçar-se sobre sua interação com outros agentes econômicos, sobre suas relações, sobre os condicionamentos que sofre durante sua ação – isto é, considerar a empresa no mercado- volta-a “para fora”, em direção à realidade36.
Além desse isolamento da empresa, também é passível de crítica a adoção tardia pela doutrina brasileira das teorias econômicas exaradas, originariamente por Coase37, que no começo do século XX já apontavam para aquilo que Xxxxx Xxxxxxxx criticou.
Ou seja, apesar do dito popular afirmar que “depois de toda tempestade vem a calmaria”, percebe-se que na realidade empresarial brasileira a tempestade durou por décadas e, apesar do aparente estado de calmaria atual, alguns regramentos já se demonstram obsoletos e devem ser observados pelas doutrinas e legisladores em virtude da grande mudança surgida com a presença das Startups, pois estão sendo observados os primeiros relampejos de uma nova fase turbulenta.
Por tudo isso, apresentado o aspecto cronológico do surgimento do sistema empresarial em solo nacional, o presente estudo parte agora para o principal objetivo deste trabalho: a análise dos principais tipos de sociedades empresárias – principalmente, o surgimento das Startups como uma forma inovadora de empreender –, e, posteriormente, o encaixe dos Contratos de Vesting dentro dessas modalidades.
2.2 CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES LIMITADAS E SEU QUADRO SOCIETÁRIO
Não há unanimidade doutrinária sobre onde se consagrou a criação das Sociedades Limitadas. Enquanto alguns especialistas defendem seu nascimento em berços britânicos, outros muitos alegam que o surgimento em solo germânico.
36 FORGIONI, 2009, pp. 99.
37 XXXXX, X. X. The nature of the firm. Vol. 4, n. 16, 1937, p. 386-405.
Sobre esta discussão, alega Xxxxxx Xxxxxxx que “o surgimento das sociedades por cotas de responsabilidade limitada está envolto em viva controvérsia. Uns consideram-na de origem britânica e outros, alemã. Deve-se essa divergência ao uso que a legislação inglesa fez da expressão limited, secundada pela legislação francesa de 1863, que instituiu uma sociedade anônima impropriamente denominada de societé à responsabilité limitée”38.
Apesar de reconhecer que paira uma nuvem de incerteza sobre o tema, Requião ratifica as palavras de Xxxxx quando este afirma que sua origem verdadeira foi concebida em terras Alemãs.39
Nas palavras de Requião:
Em 1891 foi enviado, pelo Ministro da Justiça do Império, ao Congresso alemão, um projeto de lei, inspirado diretamente nas ideias de Xxxxxxxxxxxx. A tramitação legislativa, com algumas modificações, resultou na promulgação da Lei de 20 de abril de 1892, sobre as Gsellschaften mit beschraenkter Haftung - sociedades de responsabilidade limitada. Em pouco tempo essas sociedades dominaram o comércio alemão, de molde a, em nosso tempo, ultrapassarem de muitíssimo, em número, as sociedades anônimas existentes na Alemanha40.
Em contrapartida, os fatos e motivos que levaram ao seu surgimento não são passíveis de discussão, era latente a necessidade de organização do exercício da atividade econômica.
Ao final do século XIX, os grandes centros evoluíam seus comércios rapidamente. Os comerciantes alemães de pequeno e médio porte clamavam por um tipo societário que os livrasse das dificuldades naturais de constituição das sociedades anônimas e dos riscos e desvantagens da responsabilidade ilimitada dos sócios da sociedade em nome coletivo. Estes comerciantes se mobilizaram para forçar o legislador a criar um novo tipo societário, levando em conta essas necessidades.41
No cenário brasileiro, apesar de ter sido consagrada apenas com a vigência do Código Civil atual, este tipo societário, que muitos dizem ter sido elaborado para ser uma sociedade anônima simplificada, tem evidências na prática empresarial brasileira muito anteriores, como consagra Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx: “Antecedentes históricos
38 REQUIÃO, Xxxxxx. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003, p. 456.
39 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, Vol. 2, 1ª Ed., 2008. 84-88.
40 REQUIÃO, 2012. pp. 551.
41 DA XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Sociedades Empresariais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 190-191.
apreciáveis. Encontramo-los, pela primeira vez, com as características que lhe são peculiares, no projeto do Código Comercial de Xxxxxx xx Xxxxx, apresentado em 1912”42.
Antes mesmo, em 1865, o Ministro da Justiça, Xxxxxx xx Xxxxxx, apresentou um projeto para criação da sociedade anônima simplificada que foi rejeitado pelo imperador D. Xxxxx XX em 1867.43
Como supradito, em 1912, Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, foi incumbido de revisar o Código Comercial, de forma que adotou a sociedade por quotas, que foi disciplinada pelo projeto de lei apresentado por Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx e encaminhado à Câmara dos Deputados em 1918, que restou aprovado em janeiro de 1919.44
Contudo, o decreto que aprovou o referido projeto de lei (Decreto n. 3.708) foi classificado como lacônico, pois seus dispositivos não possuíam sentido lógico entre si. Há de se observar que tal crítica tenha, talvez, algum fundamento, tendo em vista que o diploma legal elaborado por Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx possuía apenas dezoito artigos.45
As incógnitas e brechas abertas por esta falta de regulamentação consistente criaram um imbróglio que se desenrolou até a criação do Código Civil de 2002, ou seja, quase 100 anos depois.
Assim, após anos de inercia, consagrou-se no Código Civil de 2002, o qual revogou a primeira parte do Código Comercial de 1850 (que não dava respaldo à espécie), a fim de dispor, finalmente, entre os Artigos 1.052 a 1.087, a disciplina das sociedades limitadas.46
Restou, ainda, a discussão quanto à classificação da sociedade limitada entre as sociedades de pessoas e as sociedades de capital, que se perdura até os dias atuais, como melhor explica Xxxxx:
(...) em algumas sociedades, a realização do objeto social depende fundamentalmente dos atributos individuais dos sócios, o passo que, em outras, essa realização não depende das características objetivas dos sócios. Nas primeiras, a pessoa do sócio é mais importante que a contribuição material que este dá para a sociedade; nas últimas, opera- se o inverso: as aptidões, a personalidade e o caráter do sócio são irrelevantes para o sucesso ou insucesso da empresa explorada pela sociedade47.
42 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada: São Paulo, Xxx Xxxxxxxx Editor, 1956, p. 07.
43 XXXXXX, 2012. pp. 396.
44 REQUIÃO, 2012. pp. 550-560.
45 Ibidem.
46 XXXXX, Xxxxxx. Sociedades Limitadas. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2012, p. 45.
47 XXXXXX, 2008. pp. 24.
Os doutrinadores podem divergir no que diz respeito à sua classificação, todavia, são unânimes em dizer que este tipo societário é, hoje, o mais presente no sistema empresarial brasileiro. Esta modalidade cresceu rapidamente, e, no ano de 2005, estimava-se que 98,93% das sociedades constituídas eram na forma limitada48.
Desse modo, os artigos elencados no Código Civil são o direcionamento normativo desse tipo societário, ao passo que, omissos o contrato e os artigos específicos do Código Civil, cabe às Sociedades Limitadas a incidência de normas referenciadas às sociedades simples e, até mesmo, em casos estipulados contratualmente, devido ao parágrafo único do art. 1.053, a invocação de normas aplicadas às sociedades anônimas. E, dentro das determinações constantes no Código Civil, os principais responsáveis pela sociedade são seus sócios, os quais são incumbidos de uma série de obrigações e, por vezes, livres pactuações – desde que sejam respeitados os limites legais
–, como veremos agora.
2.2.1 Responsabilidades dos sócios e vantagens legislativas para Startups
A característica fundamental das Sociedades Limitadas se encontra na limitação da responsabilidade dos sócios, de forma que estes, após ser integralizado totalmente o capital social da empresa, não podem responder para além do capital que subscreverem, como descrito no artigo 1.052 do Código Civil:
Art. 1.052: Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Ou seja, cada sócio tem a responsabilidade e obrigações restritas ao valor não integralizado de suas quotas, mesmo que todos sejam solidariamente responsáveis pela integralização total do capital social.
Dessa forma, mesmo que um sócio já tenha integralizado suas quotas, este poderá ser pleiteado solidariamente pela quantia não integralizada pelos demais sócios. Realizado todo o capital, finda-se a possibilidade de se voltar contra os sócios – e seu patrimônio – para a satisfação de créditos contra a sociedade limitada (simples ou empresária), exceto nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.49
48 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. São Paulo: Atlas, 7ª Ed., 2016, p. 300.
49 MAMED, Gladston. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2015. p. 100.
Assim, com a subscrição de quotas no capital social, surgem direitos pessoais, como o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais e de participar, direta ou indiretamente, da administração da sociedade50.
Neste sentido ensina Xxxxxxx Xxxxxxxx:
Ele (o capital social) é elemento básico à formação da sociedade e nesta desempenha papel tão relevante que todos os sistemas legislativos editam normas visando sua realidade e integridade. Com essa precisa finalidade, as disposições legais punitivas de manobras tendentes à simulação ou desfalque do capital51.
Contudo, embora exista a indicação do patrimônio que deve ter a sociedade, o capital social com ele não se confunde. Dessa forma, patrimônio social deve ser entendido como a conjuntura de bens e direitos que a sociedade é possuidora. Enquanto o capital social se refere ao valor do patrimônio que ingressou na sociedade, levando em conta a contribuição dos sócios52.
Em outras palavras, o capital social é a expressão numérica em moeda nacional do valor do patrimônio disponibilizado pelos sócios para sociedade. De forma que, se no momento da constituição da sociedade, normalmente os dois se equivalem, ao passo que se prolonga a existência da sociedade eles se distanciam, de maneira que o patrimônio varia para mais ou para menos de acordo com a marcha das atividades desenvolvidas pela empresa.53
Em muitos países do sistema europeu existem exigências de um capital mínimo para as Sociedade Limitada: “Alemanha 25.000 euros, mas é permitida a constituição de sociedade limitada simplificada com o capital social de 1 euro e na Itália é de dez mil euros” 54. No brasil não há o requisito de capital mínimo, contudo, o artigo 83, III, b da Lei 11.101/2005 protege a sociedade contra a descapitalização, desclassificando como créditos subordinados os dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatícios.
Esta vasta existência de Sociedades Limitadas, sendo elas de micro e pequenas empresas, como as Startups, até transacionais, requer cuidado no estudo e tratamento da administração societária.
50 TOMAZETTE, 2009. pp. 366.
51 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: Xxxx Xxxxxxx, n.142, 1976, p.302.
52 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXXXX, M. C. P. Curso avançado de direito comercial: títulos de crédito, falência e concordata, contratos mercantis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2006.
53 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Direto de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 6ª ed., 2016, p. 378.
54 Ibidem.
Em qualquer caso, o contrato social deverá definir a administração, nomeando os responsáveis ou indicando as regras para a sua escolha, registradas em documento apartado, público ou privado, devidamente levado a registro público55.
Ao passo que existem restrições no que toca a administração da empresa, de forma que esta será confiada a pessoas naturais, obrigatoriamente (artigo 997, VI, do Código Civil), a quem caberá a condução dos assuntos societários e a representação social, o que poderá ser objeto de regulação pelo contrato social56.
Ainda, podem ser eleitos sócios ou não sócios (terceiro estranho ao quadro social), desde que o contrato social o permita expressamente (artigo 1.061 do Código Civil). Mas não pode ser administrador quem está impedido de exercer atividade própria de empresário, conforme o artigo 973 do mesmo Código57.
Contudo, vale ressaltar as palavras de Xxxxx Xxxxx sobre a administração da sociedade para pequenas empresas, consequentemente, afetando as Startups:
Quando a limitada explora atividade económica de pequena ou média dimensão, são os próprios sócios (ou parte deles) que exercem, indistintamente, os atos da administração, agindo em conjunto ou separadamente. Uma situação corriqueira, aliás, é a do sócio majoritário empreendedor como único administrador. Na medida, contudo, em que a sociedade se dedidica as atividades de maior envergadura, a administração da empresa se torna mais complexa, e reclama maior grau de profissionalismo.58
Além disso, a Sociedade Limitada se apresenta como uma ótima opção para pequenas empresas – dentre elas as Startups –, visto o seu baixo custo e simplicidade de manutenção, pois, apesar de ser bem flexível, possui um custo reduzido. Com esse formato, é possível também optar pelo Regime de Tributação do Simples Nacional, que proporciona uma tributação mais suave, o que não é aplicável para a Sociedade Anônima.59
Ademais, “as Sociedades Limitadas podem ainda ser enquadrada nos regimes de Micro Empresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP) que possuem diversos benefícios como critério de desempate em licitações públicas, dispensa de algumas obrigações trabalhistas e ainda descontos em órgãos como o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para fazer qualquer tipo de serviço. Esses regimes empresariais
55 Ibidem.
56 MAMED, 2015. pp. 230.
57 Ibidem.
58 XXXXXX, 2006. pp.439.
59 ABSSTARTUPS. Qual o melhor tipo societário para as Stratups. 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/xxxx-x-xxxxxx-xxxx-xxxxxxxxxx-xxxx-xx-xxxxxxxx/. Acessado em: 15/09/2018.
diferenciados são regulamentado pela Lei complementar 123, sendo a ME aquelas com faturamento até R$360.000,00 anual e a EPP de R$360.000,00 a R$3.600.000,00”60.
Dessa forma, não é à toa que as Sociedades Limitadas sejam o principal tipo societário escolhido pelas Stratups, ao passo que estas empresas apresentam, em sua maioria, pouca maturidade e capital de investimento, precisando receber auxílio desde incubações até benefícios fiscais61.
Outros aspectos que permeiam a existência das Sociedades Limitadas também apresentam vital importância, dentre eles a desconsideração da personalidade jurídica e a aplicação dessa prática de forma desenfreada pelos tribunais brasileiros. Contudo, para o presente estudo, vamos nos ater à constituição dos tipos societários e as participações de seus sócios, com enfoque na chegada de novos membros.
Assim, parte-se agora para a análise das Sociedades Anônimas.
2.3 SOCIEDADES ANÔNIMAS: REGIME GERAL E PARTICIPAÇÃO DOS ACIONISTAS
Dentro do contexto histórico da criação das sociedades, vale relembrar que foi em 1409, na cidade de Gênova, onde nasceu a primeira sociedade por ações, quando a então Banca di San Giorgio fracionou o seu capital em títulos de crédito, todos de igual valor.62
Contudo, especificamente falando em sociedades anônimas, outras precursoras das sociedades anônimas foram as companhias de colonização organizadas pelos Estados modernos para viabilizar os empreendimentos de conquista e a manutenção de colônias que ocorreram nos séculos XVII e XVIII.63
Dessa forma, na era colonial, havia, por exemplo, as quatro Companhias das Índias Ocidentais: a francesa, a sueca, a dinamarquesa e a holandesa, esta última, constituída em 1621 com propósito específico de empreender a conquista do território
60 XXXXXXXX, Xxxxxx. O ideal para minha Startup é uma LTDA? 2016. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxx-xxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxx-xxxx. Acessado em: 15/09/2018.
61 CLARTECONTABIL. Benefícios fiscais para startup que você precisa conhecer. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx-xxxxxxx-xxxx-xxxxxxx/. Acessado em: 18/08/2018.
62 RIZZARDO, 2018. pp. 04.
63 Ibidem.
brasileiro, a qual foi responsável pelas invasões em Salvador, em 1624, e de Recife e Olinda, em 163064.
Tais companhias foram constituídas pelo Estado com capitais particulares e públicos, evidenciando descentralização política social e econômica das funções Estatais65.
Assim sendo, diante do interesse público em decorrência do enorme fluxo de capitais na constituição e funcionamento dessas destas organizações, iniciou-se, em 1867, o regime de liberdade plena de constituição, surtindo efeitos no Brasil em 1882. Nesse diapasão, surgiram formalidades legais para a constituição das sociedades para manter a hegemonia do poder público sobre o movimento de capitais.66
Sendo essa evolução histórica perfeitamente definida por Xxxxx Xxxxx
Coelho:
[...] a doutrina divide a trajetória histórica das sociedades anônimas em três períodos: outorga, autorização e regulamentação. No primeiro, a personalização e a limitação da responsabilidade dos acionistas eram privilégios concedidos pelo monarca e, em geral, ligavam-se a monopólios colonialistas. No segundo período, elas decorriam de autorização governamental. No último, bastavam o registro, no órgão próprio, e a observância cio regime legal específico67.
No Brasil, “em um alvará de 1808, o então Príncipe Regente criou o primeiro
banco público brasileiro (Banco do Brasil) que é considerado como uma das primeiras sociedades anônimas do País por utilizar uma espécie de “estatuto” e consagrar a presença de “acionistas”68.
O Estado tentava de qualquer modo manter seu monopólio sobre as sociedades, contudo, a força do capital estrangeiro começou a afetar as relações nacionais, ainda mais em um País que não acompanhava as mudanças globais e permanecia estagnado na mão de obra escrava.
Dessa forma, com a promulgação do primeiro Código Civil brasileiro, pela Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, foi colocada sob determinação do governo a autorização para a constituição de sociedades por ações de capital estrangeiro69.
64 XXXXXX, 2009. pp.60.
65 REQUIÃO, 1998.
66 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Manual das Sociedades Anônimas. São Paulo: Atlas, 12ª ed., 2001.
67 XXXXXX, 2009. pp. 65.
68 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx de. Manual das Sociedades Comerciais. São Paulo: Saraiva, 11ª ed., 1999, p. 160-161.
69 Ibidem.
Já em 1940, o jurista Miranda Valverde elaborou o Decreto 2.627, o qual contemplava todas as facetas das Sociedades Anônimas e do mercado de valores imobiliários. E, apenas em 1976, foi sancionada a Lei nº 6.404, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, que estabeleceu novas medidas de fiscalização do mercado de ações com a criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e vige até os dias atuais.70
Assim, diferentemente das Sociedades Limitadas, que não possuem legislação própria e são abrangidas pelo Código Civil ou subsidiárias a outros modelos, as sociedades anônimas possuem ordenamento jurídico próprio, o qual rege os limites legais desse tipo societários.
Contudo, essa legislação especial voltada para esse tipo societário não vem por acaso. As Sociedades Anônimas têm uma maior fiscalização estatal e incidência tributária, principalmente por amparar empresas de grande porte, como veremos a seguir.
2.3.1 Constituição do tipo societário e relevância dos acionistas
Como dito, observando-se a realidade atual das Sociedades Anônimas brasileiras, temos como suas principais características a natureza de sociedade de capitais, a divisão do capital social em ações, a responsabilidade limitada, bem como, a natureza mercantil, modernamente atualizada para natureza empresarial71.
Xxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx entende que “são características das sociedades anônimas a sua natureza capitalista; sua essência empresarial; sua identificação exclusiva por denominação e a responsabilidade dos seus socios”72.
Enquanto Xxxxx ensina que:
As principais características da sociedade anônima são a limitação da responsabilidade dos acionistas e a possibilidade de livre negociação das suas ações, as quais constituem ferramentas essenciais para despertar o interesse de investidores e propiciar a reunião de grandes montas de capital73.
As sociedades anônimas são, possivelmente, o tipo empresarial mais complexo e detalhado dos constantes no ordenamento societário brasileiro. Assim, passada sua constituição histórica, outros aspectos se apresentam como de suma
70 Ibidem.
71 TOMAZETTE, 2016.
72 XXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2010, p. 228 e 229.
73 COELHO, 2009. pp. 63.
importância dentro do estudo dessas sociedades empresariais, dentre eles o estatuto social e as peculiaridades de seus acionistas.
A disciplina jurídica da sociedade por ações, com respeito ao que se percebe em lei, deverá ser disciplinada no estatuto social, aprovado quando da assembleia de fundação da sociedade e levado a registro, dando surgimento à respectiva pessoa jurídica74.
Esse estatuto é o ato de expressão coletiva da vontade, em moldes um pouco distintos do contrato social, certo que não implica a constituição de faculdades e obrigações recíprocas entre os fundadores. Não se contrata o estatuto social; cuida-se de um ato jurídico de instituição, a meu ver juridicamente mais sofisticado e preciso que a própria ideia de contrato social.75
O artigo 2º, §3º, da Lei 6.404/76, nesse ponto aplicável mesmo às sociedades contratuais empresarias, aceita a possibilidade de a companhia ser constituída para ter como atividade negocial a participação em outras sociedades.
A rigor, como esclarece o próprio dispositivo, qualquer companhia pode ter participação em quotas ou ações de uma outra sociedade, seja para beneficiar-se de incentivos fiscais, seja como meio para realização de seu objeto social. Essa participação societária não carece de previsão no estatuto social da companhia ou no contrato social da sociedade contratual.76
No que diz respeito à integralização do capital social, encontramos um dos elementos centrais do presente trabalho: a contribuição por prestação de serviços. Em tese, há vedação expressa tanto para as Sociedades Anônimas pelo artigo 7º da LSA quanto para as Sociedades Limitadas no artigo 1.055, §2º do Código Civil.
Porém, nas sociedades por ações o capital social tem uma maior liberdade de transmissão, e os sócios podem contribuir com qualquer espécie de bens, sejam móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos, sendo que, antes de sua incorporação ao capital social da sociedade, esses bens devem ser avaliados por peritos a fim de verificação exata de seu valor.77
74 MAMEDE, Gladston, Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário Sociedades Simples e Empresárias. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2018, p. 260.
75 Xxxxxx.
00 Xxxxxx.
77 XXXXXXX, Xxxx. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.282.
Dessa forma, este tipo de sociedade tem uma relação muito mais informal na transmissão de ações, onde não importam a pessoa do sócio, mas sim o capital que representa cada ação incorporada por ele.
Por isso pode se dividir em sociedades de capital aberto ou fechado, conforme determina o artigo 4º da lei das sociedades anônimas ao expor que “[...] a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.”
A sociedade anônima aberta pode captar recursos junto aos investidores em geral, pela oferta de valores mobiliários. Os valores mobiliários são títulos de crédito emitidos pela sociedade anônima com o objetivo de captar esses recursos. São alguns exemplos de valores mobiliários: ações, debêntures, bônus de subscrição, partes beneficiárias.78
Vale ressaltar que debêntures são valores mobiliários que conferem direito de crédito perante a sociedade anônima emissora, nas condições constantes do certificado (se houver) e da escritura da emissão.79
Ou nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxxxx:
[...]são títulos de crédito emitidos em série; idênticos, por isso, devem ser os direitos decorrentes de qualquer dos títulos da mesma emissão; a emissão de todos os títulos corresponde a uma operação única. É por isso, natural, o interesse em organizar coletivamente os debenturistas, e com efeito, tal se deu, em virtude de associações voluntárias dos debenturistas, mesmo anteriormente à disciplina legal de uma organização coletivas deles80.
No que toca a sociedade fechada, esta não tem valores mobiliários ofertados ao público em geral, portanto, possui estrutura mais simples em relação à sociedade de capital aberto. Seu capital advém da contribuição de seus acionistas, geralmente em pequeno número. Assim, os interesses da companhia e de seus sócios são regulados no âmbito do contrato de sociedade, sendo dispensada a tutela do interesse público e um maior controle estatal.81
Percebe-se que nas sociedades limitadas e anônimas, após a integralização do valor das ações subscritas, os sócios têm responsabilidade apenas sobre o valor de suas quotas ou ações.
78 XXXXXX, Xxxxxxx. Manual de direito comercial e de empresa. São Paulo: Saraiva, 12ª Ed., 2015. p. 438.
79 XXXXXX, 2005. pp. 141.
80 ASCARELLI, 2001. pp. 736.
81 BERTOLDI, 2003. pp. 250.
Contudo, é necessário fazer a distinção entre a responsabilidade limitada dos acionistas e a dos quotistas. Os quotistas possuem, nas sociedades, apenas a responsabilidade principal, ou seja, a obrigação de responder pela importância com que entram para a formação do capital social. Os acionistas, que nada prometeram, não são obrigados a entrar com qualquer importância outra, pois se responsabilizaram apenas pelo montante de suas ações.82
Após ser declarado um legítimo acionista, este sócio terá direito a participação dos lucros e, em suas devidas proporções, adquirirá responsabilidades como o direito de fiscalização da sociedade e o direito de voto.
2.3.2 As dificuldades para pequenas empresas e Startups se constituírem na forma de Sociedade Anônima
Como se observa até aqui, a Sociedade Anônima tem como característica principal a limitação da responsabilidade dos sócios, negociabilidade da participação societária e a possibilidade de controle da empresa pela porcentagem de ações, sendo a forma jurídico-societária mais apropriada para as grandes organizações econômicas83.
No contexto brasileiro, a exposição de motivos da Lei nº 6.404/76 traz pouquíssimas menções às pequenas e médias empresas, verificando-se uma preocupação maior em atualizar a legislação brasileira para o desenvolvimento da companhia nacional. Até mesmo a alguns procedimentos como a obrigação da publicação dos documentos (art. 133 da LSA), as demonstrações financeiras, geram custos mais elevados, e por esse motivo, normalmente as pequenas empresas e Startups, por
possuírem poucos recursos financeiros) optam pelo tipo Limitada.84
O próprio contexto histórico da criação da Lei supradita e a desatualização do Decreto-Lei n. º 2.627/40 – regulamentação da sociedade por ações até então vigente – são grandes influenciadores disto.
No Brasil, a LSA foi concebida dentro de um contexto no qual ainda se sentiam os efeitos da 2ª Guerra Mundial, evento que denunciou a dependência dos chamados países de 3º mundo daqueles reconhecidos como países desenvolvidos, os
82 MARTINS, 2005. pp. 286-287.
83 Ibidem.
84 JUSBRASIL. Startups: Sociedade Limitada ou Anônima? 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx. Acessado em 06/11/2018.
quais, em função da guerra, tiveram suas economias destruídas e não mais conseguiam abastecer os países subdesenvolvidos com seus produtos industrializados85.
Diante do referido contexto socioeconômico, os países promoveram a reestruturação de suas economias com base na “filosofia do desenvolvimento”. Assim, para se alcançar o desenvolvimento econômico, medidas para melhorar a organização e funcionamento do mercado foram tomadas com intuito de reaquecer a economia, com a facilitação de captação de recursos e a alocação de investimentos. No Brasil, isto ocasionou a reforma da legislação relativa à sociedade anônima e a criação da Comissão de Valores Imobiliários.86
Nesta seara, era incontestável que a sociedade anônima, à época regulamentada pelo Decreto- Lei n. º 2.627/1950, não mais correspondia às necessidades de mercado em flagrante ebulição, que requeria “projetos de escala cada vez maior” não apenas em relação aos setores básicos da economia como infraestrutura – providos por empresas estatais –, mas também em relação aos outros setores da iniciativa privada em busca do lucro.87
Em síntese, anuncia Xxxxxx Xxxxxxx:
Os novos anseios e necessidades da economia exigiam uma nova estrutura jurídica, que abrigasse meios capazes de fomentar a captação do capital necessário a grande empreendimentos, destinados a produzirem em larga escala, ou seja, uma estrutura jurídica que correspondesse às necessidades de uma macroempresa88.
Assim, existiu pouco tratamento legislativo às sociedades anônimas de pequeno e médio porte, com a tentativa de encaixá-las onde não era seu lugar. Quanto a tendência legislativa de preferir a grande empresa da sociedade anônima, ressaltam-se as palavras de Xxxxxx Xxxxxxxxx:
Não é negável ser, a sociedade anônima, destinada à grande empresa, à mobilização das economias de muitas pessoas para realizar empreendimento que vão além das forças individuais, espelhando, simultaneamente, entre muitos, a propriedade da empresa e assim contribuindo à difusão dessa; é nesta função que a sociedade anônima encontra a justificativa de sua organização. Com efeito, lembraremos, as sociedades anônimas quando familiares ou quando utilizadas para pequenas empresas, merece ser denominadas “anômalas”, à vista da função econômica típica da sociedade anônima89.
85 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. A sociedade por Ações Simplificada no Direito Comparado. São Paulo: Revista Síntese de Direito Empresarial, n. 34, 2013, p.161-189.
86 Xxxxxx.
00 Xxxxxx.
88 Ibidem.
89 ASCARELLI, 2001. pp. 224-225.
Diante de tudo isso, percebe-se uma omissão legislativa por parte da lei n. 6.404/76 no tratamento da pequena e média empresa, a ser superada pela sua flexibilização e tratamento específico.
Desta forma, é evidente o distanciamento das sociedades anônimas em relação às Startups e os atuais modelos inovadores de pouco investimento. Não que estes tipos empresariais estejam banidos das sociedades por ações, mas são poucos os que se iniciam nessa modalidade, de forma que o próximo item trabalhará os mecanismos de desenvolvimento desses novos tipos de empresas.
2.4 STARTUPS COMO MODELO INOVADOR DE EMPREENDEDORISMO
Como o presente estudo tem como objeto os contratos de Vesting que consistem em uma inovação contratual principalmente utilizada por Startups que precisam de colaboradores eficientes, mas que ainda não constam com capital de investimento suficiente, é preciso separar um tópico especial para fazer uma breve abordagem dessa nova modalidade de empreender90.
A partir do final do século XX e com maior intensidade no início do século XXI, um novo tipo de player se destacou na economia e no mundo corporativo: as empresas denominadas startups. Apesar de o uso do termo para definir pequenas empresas inovadoras datar aproximadamente da década de 1970, foi com o impetuoso desenvolvimento tecnológico e econômico vislumbrado na segunda metade da década de 1990 e no início deste século que startups ganharam maior notoriedade.91
A evolução de startups passou a acompanhar, de certa forma, o surgimento e a propagação da internet. “Um marco histórico de origem das empresas desenvolvidas com fundamento nessa tecnologia é o ano de 1993, data de criação do navegador Mosaic. A partir de então, sucedeu-se a fundação de diversas empresas deste tipo, algumas das quais perduram até os dias atuais, como a Yahoo! e a Amazon”92.
As Startups, apesar de recentes, tomaram conta do mercado e são consideradas um novo jeito de empreender. Com poucos recursos e utilizando mecanismos inovadores de baixo investimento como bootstrap (utilização de recursos
90 LUME. As capacidades de inovação em Startups: um estudo no Vale do Silício. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxx/00000/000000. Acessado em: 22/09/2018.
91 XXXX, E, F; Xxxxx, F; Xxxxxx, C, X. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva jur., 2018. p. 21.
92 Ibidem.
próprios) fomentam o mercado com ideias inovadoras e uso do mínimo de capital possível93.
Hoje, por ser um modelo mundialmente reconhecido, faz-se pouco necessária a apresentação das Startups. Contudo, essas empresas, por não serem reconhecidas como institutos jurídicos no ordenamento brasileiro, acompanham os regulamentos gerais das sociedades vistas nos tópicos anteriores, ou seja, enfrentam burocracias e entraves legais que muitas vezes impedem um rápido desenvolvimento dessas empresas.
Assim, para melhor elucidar o que são Startups, segue o ensinamento de Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx:
[...] entendemos a Startup como um arranjo institucional complexo com características próprias, resultado de uma evolução não-linear da empresa industrial94.
Além disso, Xxxx Xxxx considera que “uma startup é uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza”95.
Assim, entende-se que Startup é uma empresa em seu estágio inicial de desenvolvimento, caracterizado pela ausência de processos internos e organização, por vezes sem um modelo de negócio claro e movida pelo ímpeto de venda de uma ideia inovadora.
Em muitas ocasiões, essa inovação é tão radical que resulta em uma ruptura da dinâmica ou status quo que prevalecia em um determinado mercado tecnológico antes da criação do produto e/ou serviço oferecido por determinada startup96.
Ou seja, as Startups são o sonho de empreender de quem tem pouco capital e muitas ideias. Mas se engana quem acredita que estas empresas se constroem de forma desordenada e incerta, pois, exatamente pelo fato de os sócios não possuírem muito capital a empresa deve estar muito bem alinhada, senão irão por água abaixo todas as reservas, sonhos e esforços de seus integrantes.
Além de um bom alinhamento, é preciso inovação. Nas palavras de Xxxx Xxxx:
As startups são projetadas para enfrentar situações de extrema incerteza. Abrir uma nova empresa, que seja um clone exato de um negócio existente, copiando modelo de negócio, precificação, cliente- alvo e produto, pode até ser um investimento econômico atraente, mas
93 XXXXXX, Xxxx. O que é uma startup? Disponível em: < xxxxx://xxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxx/x-xxx-x- boostrapping/> Acesso em: 25 de outubro de 2018.
94 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Direito das Startups. Curitiba: Juruá, Vol. 2, 2017, p. 18.
95 XXXX, Xxxx. A startup enxuta. São Paulo: Xxxx, 0000, p. 22.
96 NYBØ, 2018. pp. 24-25.
não é uma startup, pois seu sucesso depende somente da execução – tanto que esse sucesso pode ser modelado com grande exatidão97.
Ademais, Xxxxx Xxxxx e Xxx Xxxx ressaltam que “Startup não é uma simples categoria de empresas inovadoras, mas sim um termo que designa determinada empresa inovadora em seu estágio inicial de desenvolvimento”98.
Ocorre que na maioria das vezes os recursos que dispõem estes empreendedores não são suficientes para financiar o crescimento do negócio em escalas maiores, o que não lhes deixa outra saída a não ser buscar o financiamento externo de suas atividades.
O financiamento interno se dá através de aproveitamento de lucros não distribuídos, economias fiscais, desmobilização de ativos etc. Já ao financiamento externo pode ser obtido com recursos próprios (aumento do capital social, por exemplo) ou com recursos de terceiros (investidores anjo), tais como empréstimos bancários, fornecedores, debentures, comercial papers, entre outros.99
Ainda mais em um país com poucos incentivos, insegurança jurídica em diversos segmentos e um sistema tributário que já foi considerado o mais complexo do mundo pelas pesquisas do banco mundial doing business 2014.100
Tendo em vista todos estes aspectos, percebe-se que as Startups são uma forma de empreender recente e revolucionária, ao passo que têm como base a palavra “inovação”, utilizando novas funções com intuito de fomentar os empreendimentos com recursos humanos e operacionais diferenciados, mas sempre dentro do capital permitido, de forma que o contrato de Vesting se apresenta como uma ferramenta perfeita para conciliar o capital humano qualificado com o baixo poder de investimento monetário dessas empresas.
Contudo, esse recente tipo contratual, praticamente inexistente de estudos no Brasil, já vem encontrando entraves no tocante às sociedades limitadas – exatamente onde encontra-se o maior contingente de Startups. Ou seja, é preciso entender quais são as funções do Contrato de Vesting dentro das modalidades societárias e, percebida sua real
97 RIES, 2012. pp. 34.
98 XXXXX, Xxxxx; DORF, Bob. STARTUP: Manual do Empreendedor: O Guia Passo a Passo para Construir uma Grande Empresa. Rio de Janeiro: Alta Books, 2014, p. 272.
99 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Mercado de capitais: fundamentos e técnicas. São Paulo: Atlas, 7ª ed., 2014, p. 190.
100 Banco mundial. Doing business. 2014. Disponível em: [httpp//xxxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxx- business-2014]. Acessado em: 01.11.2018.
relevância, principalmente para as sociedades limitadas, seria mais uma peça fundamental para a continuidade da inovação das Startups.
Por tudo isso, no próximo capítulo, analisar-se-á a fundo o que se entende por contrato de Vesting, qual sua funcionabilidade e suas modalidades de aplicação.
3 CONTRATO DE VESTING
3.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DO CONTRATO DE VESTING PARA STARTUPS E EMPRESAS COM BAIXO CAPITAL SOCIAL
Feito no primeiro capítulo um compilado fundamental sobre as principais sociedades empresariais vigentes no sistema brasileiro, assim como das empresas denominadas Startups, que têm importância fundamental para o desenvolvimento do presente trabalho, passa- se, agora, a discorrer a respeito do ponto medular do estudo, o Contrato de Vesting, de forma a apresentar esta modalidade contratual e a entender suas peculiaridades e possibilidades.
É preciso entender que o modelo empresarial brasileiro se encontra em um momento de transição, saindo de um cenário de oligopólios de empresas com controle acionário definido e altamente concentrado para outro cenário, com nova estrutura societária, maior fragmentação do controle acionário e maior participação dos investidores institucionais focados na eficiência econômica e na transparência na gestão.101
Logo, com a pulverização do capital e o ganho de espaço de um novo modelo de empreender trazido pelas Startups, o controle das organizações passa a ter uma presença cada vez maior de investidores minoritários ou de empresas menores com baixo capital de giro que precisam de novos colaboradores, dando início às dificuldades de como garantir que o comportamento dos sócios, acionistas, gestores e colaboradores esteja alinhado102.
Xxxxx notoriedade então a “teoria da agência”, a qual analisa os conflitos existentes entre membros da sociedade ditos como “principais” (proprietários, fundadores ou investidores) e os “agentes” (administradores, colaboradores ou acionistas minoritários), partindo do pressuposto que o interesse dos primeiros nem sempre estão alinhados com os dos segundos.103
101 XXXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx. A influência da estrutura de controle e propriedade no valor de mercado, estrutura de capital e política de dividendos das empresas brasileiras de capital aberto. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado, UFRJ, 2002.
102 Ibidem.
103 BEDICKS, Heloisa. Governança corporativa e dispersão de capital: múltiplos casos no Brasil. São Paulo: Saint Paul Editora, 1ª ed., 2009.
Assim, seguindo a lógica de que nem sempre os incentivos dos colaboradores são consoantes com os dos donos do negócio, mas, sabendo-se que em muitos casos os donos do negócio precisam delegar aos administradores o poder de tomada de decisão sobre o empreendimento, é nesse ponto que entra a “teoria dos custos de agência”.104
Segundo Xxxxxx e Xxxxxxxx, “uma relação de agência é um contrato por meio do qual uma ou mais pessoas (os principais) contratam uma pessoa (o agente) para prover serviços em seu nome”105. Dessa forma, tendo em vista que o agente e o principal são pessoas distintas com pontos de vistas diferentes, para lidar com esse problema o principal pode criar incentivos para que o agente aja da maneira esperada e alinhada aos seus interesses106.
Dentro desses incentivos encontramos o Contrato de Vesting que, tal como o popular stock-options, é uma ferramenta de incentivo utilizado comumente em Startups e pode ser entendido como um mecanismo desenvolvido para diminuir o custo de agência do principal, de forma que essa modalidade surge como um alinhador entre os interesses dos agentes aos dos principais, por meio da oferta de participação societária a esses agentes, desde que cumpridas certas condições.107
Vale salientar que o Vesting pode ser feito tanto na criação da empresa entre seus sócios fundadores quanto na contratação de futuros colaboradores. Demonstrando que o alinhamento, quando utilizado este instrumento na constituição societária, não fica apenas entre principais e agentes, mas, também, entre os próprios principais (sócios fundadores)108.
Para adentrar mais na essência dessa modalidade, vale retomar do primeiro Capítulo a lição de que o Contrato Social e o Estatuto Social são “os documentos de criação da maioria das sociedades, funcionando como uma espécie de “lei” que regulamenta as relações entre os participantes da mesma, sejam eles administradores, sócios ou quotistas”109.
Sendo que a legislação que regulamenta cada tipo de sociedade elenca qual o instrumento adequado para a sua constituição (para as Sociedades Limitadas, se usa o Contrato Social; para as Sociedades Anônimas, o Estatuto Social, por exemplo) e quais os requisitos básicos para a formalização de tais documentos110.
104 NYBØ, 2018. pp. 202.
105 XXXXXX, X.X.; W. H. MECKLING. Can the corporation survive? New York: University of Rochester, Rochester, 1976.
106 NYBØ, 2018. pp. 202.
107 Ibidem.
108 XXXXXXXXX XXXX, X.; Xxxxxxxx X. X. 2018. As inovações do Contrato de Vesting. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxx-xxxxxx/xx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx/. Acessado em 01/11/2018.
109 VIREIRA, Xxxxx Xxxxxxx. Direito para startups: manual jurídico para empreendedores. Natal: Edição do autor, 2017. p. 39.
110 Ibidem.
Contudo, algumas pactuações entre sócios se dão em contratos particulares a margem das estipulações presentes nos contratos ou estatutos sociais, assim, dentre outros acordos societários, surge a figura do Contrato de Vesting, que nas palavras de Xxxxxxxx e Xxxxxxx se entende por:
Um contrato em que as partes pactuam que haverá uma distribuição das ações disponíveis em uma sociedade empresária, de maneira gradual e progressiva, levando em conta parâmetros especificados de produtividade111.
Ou nas palavras de Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx:
Vesting é um misto de contrato de investimento e garantia de participação nos negócios de uma determinada empresa, com a progressiva aquisição de direitos. É um negócio jurídico com natureza contratual, no qual alguém, progressivamente, adquire direitos sobre a participação de uma empresa. Atualmente vem sendo utilizado com mais frequência para que os talentos e funcionários mais importantes sejam devidamente valorizados, especialmente em startups112.
Dentro desta visão, tido o Vesting como um contrato, cabe uma breve reflexão sobre o que é contrato. De forma que podemos perceber que no entendimento de Xxxxxx Xxxxxxxxx, entende-se por contrato “qualquer acordo de vontades que tenha por objetivo contrair, modificar, conservar ou extinguir um ou mais direitos”113.
Sob uma ótica semelhante, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx afirma que o contrato é um “acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de cunho patrimonial”114.
Enquanto que, para Xxxxxxx Xxxxx, o contrato é “o negócio jurídico bilateral ou plurilateral que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam”115.
Todavia, alguns autores têm um entendimento distinto em relação a essa natureza puramente contratual do Vesting, de forma a considerá-lo como um direito de contratar, como nas palavras de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
Merece atenção o seguinte detalhe: esse mecanismo jurídico em estudo não é um contrato, como muitos definem. Na verdade, este instrumento é um direito contratual, que deve ser disposto em uma cláusula ou termo no Contrato Social da startup ou no instrumento de admissão do funcionário ou mentor. A fundamentação legal para essa definição se encontra no inciso IV do art. 997
111 OLIVEIRA, F. V; XXXXXXX, A. M. O Contrato de Vesting. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, nº 69, 2016, p. 2.
112 BRAGA, Xxxxxxxx xx Xxxxxx. O Projeto de Lei do Novo Código Comercial e suas Implicações Práticas no Cenário das Startups. Fortaleza: UFC, 2016, p. 33.
113 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil anotado. Rio de Janeiro: Xxxxxxxxx Xxxxx, Vol. 4,1916, p. 245.
114 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, Vol. 3, 2008, p. 30.
115 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 10.
do Código Civil é claro ao definir que deve ser objeto do Contrato Social a definição da “cota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la”. Dessa forma, utilizar outro instrumento contratual apenas para dispor sobre o capital social da startup é ir de encontro ao disposto na legislação própria sobre o tema116.
É importante reforçar que na visão de Xxxxx Xxxxxxx é necessário que a possibilidade de realização do Vesting esteja antes de tudo determinada dentro das cláusulas componentes do Contrato Social.
Assim, a lição que se tira é que o Vesting (do inglês vestes ou vestir) é, sem dúvidas, uma das inovações contratuais mais interessantes relacionadas ao direito das Startups e sua instituição em documentos e aplicabilidade prática ainda geram muitas dúvidas aos empreendedores e aos profissionais da área jurídica, introduzindo a ideia de uma nova modalidade de regulamentação da participação nas empresas, que garante mais segurança aos sócios fundadores da Startup117.
Em suma, Xxxxxxx pode ser traduzido como “aquisição”, sendo um instrumento contratual por meio do qual está em jogo a futura participação societária em uma empresa de um ou mais colaboradores, usualmente de forma fracionada e progressiva, desde que atendidas as metas e premissas estipuladas em contrato. É a junção entre um investimento e a garantia de participação no negócio.118
Por tudo isso, o autor do presente trabalho concorda com Xxxx Xxxx quando este afirma que o Vesting consiste “em uma promessa de participação societária estabelecida em contrato particular com colaboradores estratégicos que objetivam estimular a expansão, o êxito e a consecução dos objetivos sociais da Startup”119.
Como se pode perceber, a doutrina já se manifesta sobre essa nova modalidade, de forma que, mesmo com muitos pontos em aberto e sem unanimidade do assunto, os primeiros passos estão sendo dado. Em contrapartida, há pouca, quase zero, manifestação jurisprudencial sobre o tema (em caráter empresarial e societário é nula), sendo uma das poucas decisões, senão a única, dada pelo TST ao Recurso de Revista nº 2843-80.2011.5.02.0030, que esclareceu, dentro de uma ação que tratava da matéria de Stock-options (Sociedade Anônima) o conceito de Vesting como:
A metodologia de incentivo em comento envolve a concessão de uma cota virtual de ações restáveis após determinado período de tempo, denominado
116 VIREIRA, 2017. pp. 51.
117 Ibidem.
118 TUDISCO, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Advogada explica a importância do contrato de vesting para as startups. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxx/00,XX000000,00000- Advogada+explica+a+importancia+do+contrato+de+vesting+para+as+startups. Acessado em 01/11/2018. 119 NYBØ, 2018. pp. 205.
“vesting”, desde que atendidas as condições previstas em regulamento. Tem-se que o direito de resgatar as ações somente se materializa em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano. (TST, ARR 2843-80.2011.5.02.0030, Data de Julgamento: 18/11/2015,
Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, 8ª Turma).
Assim, em seu funcionamento, via de regra, os colaboradores são eleitos pelos dirigentes da sociedade que podem outorgar participações e condições diferentes para cada um, levando em conta as peculiaridades de cada colaborador referente a sua função e participação dentro plano120.
É importante frisar que o Contrato de Vesting dá direito aos membros fundadores, investidores e até mesmo funcionários adquirirem quotas do empreendimento após um período de tempo pré-determinado, ou seja, é feito uma espécie de investimento no qual os direitos são adquiridos progressivamente, de acordo com a participação do investidor no negócio121.
Além disso, devido às baixas condições de capital das Startups nas fases iniciais de suas atividades, o Vesting “figura como um mecanismo de atração de colaboradores e, também, se tornou um instrumento de retenção de talentos.”122 Principalmente porque as Startups primam muito pela inovação e colaboração, isto é, o Vesting dentro desse tipo empresarial, diferente das Stock-options que serão analisadas a seguir, tem um caráter de proximidade muito grande entre o principal e o agente, de forma que o alinhamento entre estes implica diretamente no sucesso do negócio.
Dentro dessa ótica, o colaborador contratado receberá quotas ou ações da sociedade atendendo a critérios pré-fixados. Logo, com o adimplemento dos requisitos previamente estipulados, o indivíduo terá o seu direito de ingresso na sociedade efetivado, sendo valorizado, assim, pelo seu esforço e cumprimento de metas em favor da sociedade123. Neste sentido:
Esse cronograma de aquisição de direitos incentiva um executivo a permanecer na empresa. Uma vez adquiridas as opções - ou seja, uma vez que elas sejam “ganhas” (...) Quando o período de carência termina, as ações restritas “pertencem” ao executivo e, como no caso das opções, os executivos têm sido geralmente livres para descontá-las124.
Todavia, essa modalidade ainda é muito nova e encontra vários entraves de aplicação – principalmente dentro do conturbando ordenamento jurídico brasileiro. De maneira
120 Ibidem.
121 ADVJUNIOR. Contratos de vesting: A necessidade de mudança no perfil contratual dos novos empreendimentos brasileiros para a perpetuação no mercado. 2018. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/. Acessado em: 20/10/2018.
122 NYBØ, 2018. pp. 205.
123 OLIVEIRA, 2016, pp. 02.
124 BEBCHUK, L. A.; XXXXX, X. X. How to Tie Equity Compensation to Long-Term Results. Journal of Applied Corporate Finance. S.I: Vol. 22, n. 1, 2010.
que, para dar maior validade a esta modalidade tão importante, por meio da CVM nº 728, de 27 de novembro de 2014, a Comissão de Valores Mobiliários reconheceu a possibilidade de aplicação do Contrato de Vesting no País e editou uma deliberação indicando algumas cláusulas que devem constar nos contratos:
DELIBERAÇÃO CVM Nº 728, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2014 Altera as
definições “Condição de mercado” e “Condições de aquisição de direito” e inclui as definições “Meta de desempenho” e “Condição de serviço” no Apêndice A – Definição de termos do Pronunciamento Técnico CPC 10 (R1)
– Pagamento Baseado em Ações, que passam a vigorar com as seguintes redações: Apêndice A – Definição de termos Condição de mercado é a meta de desempenho sob a qual o preço de exercício, a aquisição de direito (vesting) ou a exercibilidade do instrumento patrimonial dependem, estando relacionada com o preço (ou valor) de mercado dos instrumentos patrimoniais da entidade (ou instrumentos patrimoniais de outra entidade do mesmo grupo).” 125
A critério de exemplo, a Comissão estabeleceu as limitações em “(a) atingir um preço de ação especificado, ou atingir um montante especificado de valor intrínseco da opção de ação; ou (b) alcançar a meta especificada que seja baseada no preço (ou valor) de mercado dos instrumentos patrimoniais da entidade (ou instrumentos patrimoniais de outra entidade do mesmo grupo) em relação a algum índice de preços de mercado de instrumentos patrimoniais de outras entidades”. 126
Já para as metas, ela estabeleceu que:
A meta de desempenho pode estar relacionada tanto ao desempenho da entidade como um todo ou parte da entidade (ou parte do grupo), tal como uma divisão ou um empregado individual. Condição de serviço é a condição de aquisição que exige que a contraparte complete um período específico de serviço durante o qual os serviços são prestados à entidade. Se a contraparte, independentemente da razão, deixar de prestar o serviço durante o período de aquisição, ela não foi capaz de satisfazer a condição. A condição de serviço não requer que a meta de desempenho seja cumprida. Condições de aquisição de direito são as condições que determinam se a entidade recebe os serviços que habilitam a contraparte a receber caixa, outros ativos ou instrumentos patrimoniais da entidade, por força de acordo com pagamento baseado em ações. As condições de aquisição de direito são condições de serviço ou são condições de desempenho127.
Percebe-se que a deliberação reconheceu a possibilidade de aplicação do Vesting no Brasil, assim como firmou cláusulas que devem constar nestes contratos para sua melhor implementação como: identificação da meta de desempenho, condição de aquisição que
125 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Deliberação CVM nº 728, de 27 de novembro de 2014: Aprova o Documento de Revisão de Pronunciamentos Técnicos nº 06 referente aos Pronunciamentos CPC 04, CPC 05, CPC 10, CPC 15, CPC 22, CPC 25, CPC 26, CPC 27, CPC 28, CPC 33, CPC 38, CPC 39 e
CPC 46 emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Disponível em:< xxxx://xxx.xxx.xxx. br/>. Acessado em: 02/11/2018.
126 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
decorrerá do atingimento de determinado nível de produtividade dentro de um determinado período de tempo, tudo isso a critério das partes.
Em suma, o Vesting pode ser estruturado de duas maneiras principais: “(i) por metas; e/ou (ii) por decurso de tempo. No Vesting outorgado de acordo com as metas atingidas pelo colaborador, este passa a adquirir o direito de exercício da opção de compra conforme atingidas as metas pré-estabelecidas em contrato (milestones). Já no Vesting outorgado por decurso de tempo, o colaborador deve permanecer determinado período na empresa para então poder exercer a opção de compra de sua participação societária.”128
Assim, no segundo caso, existe uma clara preocupação com a retenção de talentos dentro da empresa, enquanto a primeira hipótese foca mais na entrega de resultados. Por essa razão, é imprescindível verificar qual objetivo a Startup deseja com a criação de um mecanismo de incentivo como o Vesting129.
Outro ponto que vale ser frisado é que o capital destinado à modalidade geralmente é integralizado no momento de constituição da empresa ou no momento em que ocorra a entrada de um investidor, de forma que a Startup separa certa porcentagem de sua participação societária a ser dedicada para fins de criação desse mecanismo de incentivo.130.
Afora isso, tendo em vista que o Vesting torna o colaborador um potencial sócio, é imprescindível ainda que um instrumento que outorga esse direito preveja a obrigatoriedade de aderência do beneficiário aos termos do acordo de quotistas ou de acionistas das Startups131.
Pois, diante das peculiaridades do direito brasileiro e do seu sistema normativo trabalhista, sabe-se que instrumentos estrangeiros não podem simplesmente ser importados sem a necessária adequação, o que pode causar problemas, de forma que muitas Startups têm optado por criar uma estrutura de holding no exterior e ofertar o mecanismo de Vesting nessas estruturas em vez de criar incentivo nas empresas brasileiras132.
E talvez o principal entrave dessa modalidade hoje no ordenamento jurídico brasileiro se encontre no tocante ao parágrafo 2º do artigo 1.055 do Código Civil que impede a integralização do capital social mediante prestação de serviços, contudo, esse debate será trado com afinco no último Capítulo do presente trabalho.
128 NYBØ, 2018. pp. 206-207.
129 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
131 Ibidem.
132 Ibidem.
Por ora, cabe os ensinamentos sobre a modalidade descritos acima e, não menos importantes, as principais cláusulas que devem compor esse tipo contratual e as diferenças entre o Vesting e as tradicionais Stock-Options que também terão atenção especial a seguir.
3.1.1 Principais cláusulas e cuidados jurídicos
Como visto até aqui, o Vesting, entre outras hipóteses, consiste em um Contrato de opção de aquisição de participação societária, de forma gradual, mediante cumprimento de metas em/ou dado período de tempo. Contudo, esta modalidade não lida com uma relação entre sócios e funcionários, mas sim entre sócios e futuros sócios, de maneira que uma série de preocupações devem ser atendidas para que não ocorram entraves jurídicos.
Logo, para sanar boa parte dos empasses, tendo em vista que a natureza do Vesting torna o colaborador um potencial sócio, “é imprescindível que o instrumento que outorga esse direito preveja a obrigatoriedade de aderência do beneficiário aos termos do acordo de quotistas ou acionistas da Startup”133.
Assim, para que o colaborador se torne efetivamente sócio, este deverá se sujeitar às mesmas cláusulas que os demais sócios se submeteram em acordo entre sócios, o que deverá sanar problemas decorrentes de cláusulas principais como quórum de deliberação, não concorrência e propriedade intelectual, restando apenas pactuar diretamente sobre as particularidades dessa nova relação jurídica que se cria.
Afora isso, uma preocupação recorrente entre os sócios gira em torno da desconfiança em fornecer de imediato participação societária a um colaborar até então desconhecido. Assim, talvez a cláusula mais vinculada ao Vesting seja a chamada cláusula Cliff, que “corresponde ao período inicial em que o novo sócio não terá qualquer participação caso saia da sociedade. Em uma analogia, seria um “período de carência” no direito de “Vesting”134.
Esta cláusula se atrela principalmente ao artigo 999 do Código Civil que dispõe que “As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime.”
Visando evitar tais situações é que o Cliff, que em inglês significa “penhasco”, se aplica como uma quebra na linha contínua de participação do capital social criada no Vesting
133 Ibidem.
134 IETSUGU, Xxxxxxx. Você sabe o que é Vesting? Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx_xxxxxxx/?xXxx0. 2015. Acessado em 01/11/2018.
ou nos contratos padrão. Sendo usado como uma garantia dos sócios para evitar que o colaborador integre a sociedade de imediato com direito de voto e sem um “período de experiência”135.
E nas palavras de Xxxx Xxxx:
Nesse sentido, esse tipo costuma prever um período probatório para que o direito de vesting passe a vigorar denominado Cliff. Durante o período de Xxxxx o colaborador encontra-se em um período probatório, durante o qual não terá nenhum direito outorgado caso resolva sair ou seja dispensado pela startup. O padrão adotado pelo vale do silício e, consequentemente, importado pelo Brasil, consiste em oferecer normalmente um ano de Xxxxx xxxxxx e quatro anos de vesting, de forma que após um ano o colaborador terá direito à aquisição da participação societária outorgada proporcionalmente ao longo de quatro anos136.
A possibilidade de aplicação de um período de carência em contratos também foi debatida dentro do exemplar julgado proferido pela Ministra relatora Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Peduzzi da 8ª Turma do Superior Tribunal Trabalhista que consolidou que:
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO – PLANO DIRETOR DE AÇÕES – “INCENTIVE SHARE UNITS” – PRAZO DE CARÊNCIA –
VALIDADE (…) PRAZO DE CARÊNCIA – VALIDADE É lícita a cláusula que prevê a perda de “ações fantasmas” (unidades monetárias de incentivo) pelo empregado que pedir demissão antes de decorrido o prazo de carência (“vesting”) fixado pelo regulamento. Não há falar em sujeição à vontade unilateral do empregador, mas na mera expectativa de direito ao resgate das ações de incentivo no curso do prazo de carência.137
Ademais, deve-se estipular a forma de contraprestação que o colaborador receberá dentro do período de carência (seja em cima de benefícios ou repartição de lucros), destacando que o Contrato de Vesting não é firmado com caráter trabalhista. Assim, ainda que de imediato o profissional não seja sócio, é importante que este seja tratado como se sócio fosse, sob pena de se estar qualificada uma relação trabalhista138.
Como nem sempre tudo são flores, contratempos podem ocorrer, de maneira que se deve dar especial atenção às cláusulas que elencam as hipóteses de saída do beneficiário do Vesting do quadro de colaboradores da Startup.
Para isso, foram desenvolvidas duas cláusulas, sendo elas a good leaver e a bad leaver. Como conceitua precisamente Xxxx:
A cláusula de good leaver costuma prever situações em que o colaborador se retira da Startup por motivos razoáveis, mantendo uma boa relação com a
135 VIREIRA, 2017. pp. 54-55.
136 NYBØ, 2018. pp. 205.
137 (ARR – 2843-80.2011.5.02.0030, Relatora Ministra: Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Data de Julgamento: 18/11/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/11/2015).
138 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxx e Xxxxxxxx X.X. As inovações do Contrato de Vesting. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxx-xxxxxx/xx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx/. Acessado em 01/11/2018.
empresa, de forma que na eventualidade de ocorrer um evento de liquidez, este passará a receber os valores proporcionais à participação social que lhe foi outorgada pelo contrato de Vesting. De outro lado, a cláusula bad leaver tem um caráter punitivo para aqueles colaboradores que deixam a Startup por motivos de demissão pelo empregador por justa causa, dentre outros casos que algum tipo de desídia entre o colaborador e o empregador, de forma que na eventualidade de um evento de liquidez o colaborador terá direito apenas ao valor contábil da participação societária que adquiriu ou, ainda, a própria Startup pode ter o direito de recomprar a participação societária outorgada a preço do valor contábil. A decisão referente à saída do colaborador como good ou bad leaver geralmente é tomada pelos administradores da Startup.139
Pela mesma razão, é comum que o contrato de Vesting preveja possibilidade de exercício da opção de compra apenas em casos de evento de liquidez. Eventos de liquidez são eventos em que, de alguma maneira, a participação societária da Startup passa adquirir algum tipo de liquidez: (i) dissolução da sociedade; (ii) investimento de terceiros na sociedade; (iii) aquisição fusão ou cisão; (iv) venda de ativos relevantes da Startup, dentre outros140.
Dessa maneira, evita-se que o beneficiário possa de alguma maneira, exercer o direito de voto ou adquirir direitos típicos de minoritários e, consequentemente, prejudicar de alguma forma o andamento dos negócios desenvolvidos pela Startup de acordo com o interesse dos fundadores ou investidores.141
Existe, ainda, uma variação a ser mencionada, o Vesting reverso. A lógica do Vesting reverso consiste em conceder ao beneficiário a participação Societária desde o início da relação contratual. Dessa forma, desde o início da relação o beneficiário é sócio da Startup que está ajudando a construir. Porém, sob esse mecanismo reverso, o beneficiário tem a possibilidade de perder sua participação societária na ocorrência de alguns eventos previstos contratualmente.142
De forma que, “para operacionalizar esse mecanismo de “perda” da participação societária já outorgada ao beneficiário, a Startup deve se valer de um instrumento de opção de compra por meio do qual o fundador da Startup detém a opção de adquirir a participação societária outorgada a referido beneficiário”.
O principal benefício dessa estrutura, é o fato de o beneficiário ser remunerado a título de pró-labore, por ser sócio da Startup. Além disso, também se evita que o beneficiário abandone a Startup e no processo de saída mantenha uma participação societária relevante, uma
139 NYBØ, 2018. pp. 205.
140 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Debêntures: forma de captação de recursos no mercado de capitais brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
141 ACESTARTUPS. Vesting: qual a melhor forma de fazer. 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx-xxxx-xxxxx/. Acessado em: 02/11/2018.
142 STARTUPI. O que é e como funciona o Vesting reverso. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/xxxxxxx-xxxxxxx/. Acessado em: 02/11/2018.
vez que o fundador poderá adquirir a participação societária outorgada pelo simples exercício da opção que ele detém contra o beneficiário.143
Essas modalidades são fundamentais quando tratamos de Startups e pequenas empresas onde a relação entre os sócios tem uma proximidade muito grande e a participação de cada um é fundamental para o bom funcionamento do empreendimento. Todavia, se tratando de Sociedades Anônimas com capital de giro muito maior e com pouca participação de decisão dos acionistas minoritários nos deparamos com a modalidade denominada Stock-option, que será integralmente abordada no próximo tópico144.
3.2 DISTINÇÕES ENTRE CONTRATO DE VESTING E STOCK-OPTIONS PLAN
Ao se analisar o conceito e motivação dos Contratos de Vesting, é usual fazer uma ligação direta com a modalidade conhecida como Stock-Options. Contudo, as duas modalidades não se confundem, sendo necessário saber distinguir uma da outra.
A Stock-option, além de já ser uma prática mais usual no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se em estágio mais avanço de aceitação. Tanto que tramita na Câmara o Projeto de Lei 286/2015 que “Acrescenta o Art. 458-A à Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a concessão de Opções de Ações (Stock Options)”.
Além disso, a própria jurisprudência nacional já se manifestou por diversas vezes sobre o tema, consolidando seu entendimento que sua natureza não salarial, como segue:
PLANO DE OPÇÃO DE AÇÕES (STOCK OPTION) - NATUREZA
JURÍDICA. O plano "Stock Option" consiste na concessão futura, ao empregado, do direito de optar pela compra de ações, a quem se garante a prerrogativa de exercer ou não tal direito, tudo a depender das variações do mercado acionário. Referida vantagem não ostenta natureza salarial, tratando- se de típico contrato mercantil de caráter oneroso.145
Assim, observa-se que a descrição da estrutura do Contrato de Vesting se assemelha muito à de um stock option plan, e de fato é. A diferença, e, diga-se de passagem, uma grande diferença, como já elencado anteriormente, é que quando falamos em stock-option estamos nos
143 Ibidem.
144 JOTA. Vesting: o que eu preciso saber antes de usar? 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx-x-xxx-xx-xxxxxxx-xxxxx- antes-de-usar-02062017. Acessado em: 02/11/2018.
145 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região TRT-3 – RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA: RO 0010058- 86.2015.5.03.0112 0010058-86.2015.5.03.0112).
referindo a uma S.A. (Sociedade Anônima) de grande capital social, e não a uma Sociedade Limitada ou pequenas empresas, que é o caso da maioria das Startups.
Dessa forma, quando nos referimos às stock-options, também estamos falando de uma estrutura de “Vesting”, na qual o empregado ganhará opções de compra de ações da empresa ao longo do tempo. Entretanto, dada a natureza de uma S.A., as ações que esse empregado adquirir terão maior liquidez e, se tratando do ponto de vista de governança, essas ações não irão conferir direitos de decisão ou papel na administração da sociedade. Ou seja, a stock-option consiste em ser um incentivo de ganho extra ao empregado e não uma efetiva participação societária como nos Vesting.146
Logo, “o ganho para o empregado nessa modalidade está relacionado com o recebimento de dividendos, ou então com o valor que esse funcionário vai obter quando vender essas ações no mercado. O contexto é completamente diferente, pois no universo das Startups a maioria das empresas estão constituídas sob a forma de Limitada e, ao se falar em Vesting em uma Limitada, a palavra “sócio” tem um significado diferente do que em uma S.A.”147
Enquanto uma S.A. é considerada uma sociedade de capital, onde os acionistas geralmente têm maior liberdade para vender as suas ações no mercado e as regras de governança previstas na lei brasileira basicamente garantem que aquele acionista que detenha mais de 50% do capital consiga controlar a empresa, as Limitadas são consideradas sociedades de pessoas, então essa relação entre sócios acaba tendo uma relação muito mais delicada entre os seus administradores.
Visto isso, dada a importância dessa modalidade, assim como a proximidade dela em relação ao tema do presente estudo, passa-se a fazer uma análise mais precisa sobre a modalidade de Stock-Options.
As Stock-options surgiram nos Estados Unidos na década de 50, porém não eram muito utilizadas por entenderem os estudiosos daquela época que se tratava de uma modalidade que causava conflito de interesses entre acionistas. Como ressaltado o entendimento do Professor Dr. D. Xxxxx Xxxxxxxx, em seu discurso de abertura do Curso Acadêmico de 1959- 1960 na Faculdade de Direito na Universidade de Harvard:
As Stock-Options começaram a fazer parte do estilo de vida americana. Estão se convertendo em um símbolo de status para os trabalhadores. Os altos executivos americanos contemplados com os planos de opções de ações estão
146 CANAZAR, Ygor. Entenda a diferença entre Vesting x Stock Option. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxx-xxxxxx/. Acessado em: 03/11/2018.
147 JOTA. Vesting: o que eu preciso saber antes de usar? 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxx.xxxx/xxxxxxx-x-xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx-x-xxx-xx-xxxxxxx-xxxxx- antes-de-usar-02062017. Acessado em: 02/11/2018.
muito satisfeitos e os que não tem desejam que as empresas lhe concedam (...) Agora, dito isto, creio que a situação está saindo do controle. O risco de conflito entre os interesses dos altos diretores e dos demais acionistas é bastante elevado. Os Planos de opções de ações favorecem todo tipo de consulta abusiva por parte da direção. É por isto eu estou convencido de que este sistema retributivo não tem nenhum futuro em nossas empresas”148.
Contudo, com o passar do tempo esta modalidade ganhou cada vez mais força, pois foi capaz de conciliar o investimento necessário aos sócios majoritários e, ainda, “é utilizada como forma de motivar os funcionários da empresa”149.
Assim, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx conceitua as Stock-Options da seguinte forma:
Trata-se de negócio jurídico, pelo qual a companhia se obriga, a partir da declaração de vontade do executivo beneficiário (exercício da opção) e pagamento por este do preço, a entregar-lhe ações de sua emissão, em quantidade e espécie previamente definidas no instrumento de opção150.
Enquanto Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx salienta que as Stock-Options acontecem
quando:
A sociedade anônima empregadora estabelece a possibilidade de seus administradores ou empregados adquirirem ações da respectiva companhia, cotadas em bolsas de valores, em condições relativamente mais vantajosas do que a simples aquisição diversa e à vista no mercado bursátil. Exercendo a opção, o trabalhador se torna proprietário de certo lote de ações, podendo vendê-lo oportunamente no mercado acionário observada, na época, a cotação encontrada no pregão.151
Ou seja, a emissão de ações decorrentes dos planos de opções de compra não é uma
emissão em relação à qual os acionistas possuem direito de subscrição, mas “um contrato com pessoas específicas e determinadas expressamente no plano, o que justificaria referida emissão como sui generis”152.
Esta modalidade está contemplada no artigo 168 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. De forma que o estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária, assim como pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.
148 XXXXXXXX, X.X. Are Stock Options out of hand? A problem of corporate management as well as corporate morality. HBR, núm. 6,1960, págs. 49 e 50, in XXXX, Xxxxx Xxxxxx. Las Stock Options. Un Studio desde el punto de vista del Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Madrid: 2003, Civitas Ediciones, S.L., pg.21.
149 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. Stock-Opitons plan como uma forma de remuneração flexível. São Paulo: Dissertação de Mestrado, USP, 2013, p. 115.
150 COELHO, 2012. pp. 197.
151 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 11ª ed., 2012, p.725. 152 FREITAS, B. V.; Xxxxxxxx, R. A. W. O. Definição do Preço de Emissão de Ações Provenientes de Planos de Opção de Compra de Ações (Stock Options). São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 642.
Dessa forma, o Plano de Stock-Options é utilizado por companhias empregadoras ou empresas do grupo a que elas pertençam. No entanto, não é qualquer empresa que pode se socorrer a este plano.
Para constituir o Plano de Stock-Options “é necessário que a companhia seja uma sociedade anônima. Além disso, é necessária a previsão expressa de instituição do Plano em seu Estatuto Social sendo que a sua efetiva adoção depende de aprovação prévia da Assembleia Geral de Acionistas (órgão máximo de representação da companhia).”153
É exatamente o que prevê a legislação brasileira ao tratar do tema na Lei das Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404/76, em seu artigo 168, §3º: “Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária. (...) § 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembleia geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.”
A opção de compra ou subscrição de ações se insere no arcabouço lógico da Lei das Sociedades Anônimas, voltado a perseguir e resguardar o interesse da companhia. O interesse da companhia é econômico: a geração de lucros para seus acionistas.
Assim, ao se oferecer aos administradores e empregados a oportunidade de se tornarem seus acionistas a um preço ou condições preestabelecidas, como contrapartida de seu esforço pela obtenção de bons resultados e a valorização das ações no mercado, a companhia busca reter talentos e comprometer esses talentos diretamente com a obtenção de tais resultados.
De fato, como já demonstra a experiência da ampla utilização do mecanismo em outros países, ao alinhar o interesse dos administradores e empregados aos interesses dos próprios acionistas alcança-se maior comprometimento, em vista do potencial de ganhos futuros. Por outro lado, o beneficiário passa a compartilhar com os demais acionistas também os riscos do mercado de valores mobiliários. Eis outro incentivo para o comprometimento com os resultados, pois caso não haja valorização das ações, a opção perderá seu valor sem que seja devida qualquer indenização pela companhia”154.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx assim entende:
Os administradores e executivos que são também acionistas da sociedade presumivelmente se encontram mais motivados com as tarefas correspondentes às suas funções e cargos. É, assim, comum que as sociedades
153 XXXXXXXX, Xxxxx. Stock Options no Brasil: Interesse da Companhia e Incentivo a
Administradores e Empregados. Monografia, UNIFMU, p. 14.
154 AZEVEDO, L. N. M.; XXXXXX, R. R. M. Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000.
anônimas outorguem aos membros da administração superior opção de compra de ações. Trata-se de negócio jurídico pelo qual a companhia se obriga, a partir da declaração de vontade do executivo beneficiário (exercício da opção) e pagamento por este do preço, a entregar-lhe ações de sua emissão em quantidade e espécie previamente definidas no instrumento de opção.155
Nessa ótica, o plano de Stock-Options consiste “na concessão de um direito de comprar ações, de forma discricionária, fornecida pelas companhias aos seus funcionários”156. Onde funcionário pode efetivamente exercer seu direito de compra da ação quando seu valor supera o preço de exercício.
A remuneração do funcionário pode ser dada em ações da companhia, emitidas em favor do mesmo, em que a remuneração está atrelada ao valor de mercado das opções adquiridas no futuro, ou em dinheiro, situação na qual o funcionário recebe a diferença entre o valor de mercado das ações na data de exercício e o preço de exercício da opção157.
Desse modo, pode-se dizer que o “Employee Stock Options Plan é uma forma de remuneração variável de longo prazo a partir da qual o executivo que a recebe pode efetivamente exercer seu direito de compra, adquirindo um número de ações limitadas em contrato”158.
Xxxxx Xxxx explica que, ao se tornar um acionista de uma companhia, o investidor pode: (i) Participar dos lucros da sociedade através do recebimento de dividendos ou bonificações em dinheiro; (ii) ter o direito de subscrição de novas ações da companhia; (iii) auferir um ganho pela valorização do preço da ação no mercado159.
Outrossim, é muito comum que o acionista aderente ao plano de compra de ações por Stock-options resolva vender estas ações posteriormente à compra de forma livre – fato de difícil, para não dizer impossível, visualização nos contratos de Vesting. Assim, o empregado- acionista, que figura como vendedor, e um terceiro alheio à relação laboral, que figura como comprador, pactuam a venda e o preço dessas ações de sofrer qualquer limitação de preço ou tempo para a venda160.
Por tudo isso, percebe-se de forma cristalina as semelhanças e diferenças entre as modalidades de Stock-options e dos Contratos de Vesting, sendo que a primeira apresenta uma relação de estímulo remuneratório aos funcionários pela compra e venda de ações, mas sem um
155 XXXXXX, 2007. pp.172.
156 PEROBELLI, 2012. pp. 105-147.
000 XXXX, X. J.; XXXXXX, X. X. The trouble with stock options. National Bureau of Economic Research, 2003.
158 PEROBELLI, 2012. pp. 105-147.
159 XXXXX XXXX, X.; XXXX, F. G. Fundamentos da administração financeira. São Paulo: Atlas, 2010. 160 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx. stock opitons plan como uma forma de remuneração flexível. São Paulo: Dissertação de Mestrado, USP, 2013, p. 115-116.
caráter participativo nas decisões da companhia, enquanto a segunda consiste em uma relação de muito mais pessoalidade e dependência do novo sócio da empresa.
Ademais, como visto, as Stock-options, e consequentemente as Sociedades Anônimas – que como demonstrado no primeiro Capítulo têm um caráter voltado às grandes empresas –, apresentam, inclusive com tramitação de Projeto de Lei na Câmara, uma segurança jurídica muito maior em relação aos Contratos de Vesting, os quais esbarram em entraves jurídicos para sua constituição e na doutrina quando esta vincula a integralização do capital social do tipo contratual ao artigo 1.055, §2º do Código Civil, impossibilitando a aplicação dessa modalidade às sociedades limitadas.
Contudo, o presente trabalho visa levantar a discussão sobre essa impossibilidade de aplicação do Contrato de Vesting às sociedades limitadas, consequentemente às Startups, de forma a tentar, dentro dos limites possíveis, demonstrar a desvinculação da modalidade de Vesting ao artigo supracitado, como também, analisar os porquês da criação desse artigo e sua possível obsolescência.
4 POSSIBILIDADE DO CONTRATO DE VESTING ÀS SOCIEDADES LIMITADAS
4.1 INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS
Passados todos os capítulos e exposições anteriores, iniciando com o histórico da criação das sociedades empresariais, seguindo pelos principais tipos societários e pelas Startups, até ser feita uma análise minuciosa sobre essa recente modalidade denominada Contrato de Vesting, chega-se ao último e principal capítulo do presente estudo.
Neste capítulo, tratar-se-á sobre a possibilidade de aplicação do Contrato de Vesting na modalidade de Sociedade Limitada, que traz como consequência, a possibilidade de aplicação para as Startups que, como já visto anteriormente, fazem em sua maioria uso desse tipo societário.
Assim, pôde-se perceber a ausência proposital de um aprofundamento sobre a integralização do capital social quando foi feito o estudo das Sociedades Limitadas, pois é aqui onde grande parte da doutrina, que ainda é discreta em quantidade, diverge na possibilidade ou não de aplicação do Contrato de Vesting.
Desse modo, faz-se agora uma breve explicação de como consiste a integralização do capital social nas Sociedades Limitadas, demonstrando como deve ser feita essa definição
na hora de formação da empresa e como pode ser redistribuída posteriormente caso os sócios resolvam fazer alguma alteração no regime de quotas.
Primeiramente, vale ressaltar o conceito de Capital trazido por Xxxxx Xxxxxx
Junior:
Capital é o valor equivalente ao das contribuições efetuadas pelos sócios. É uma expressão de totalidade econômica no pequeno universo de determinada sociedade que explora a empresa, como tal, integra o contrato social, permanecendo intangível até que, nos casos e formas legais, observados requisitos incontornáveis possam ser alterados. Realmente, mantém-se incólume enquanto não ocorra modificação do contrato social para seu aumento ou redução ou, para melhor sintonia, enquanto a atividade econômica e as relações intra-societárias não reclamem sua elevação ou diminuição161.
Diante disso, é sabido que o contrato social da Sociedade Limitada deve atender
aos requisitos do artigo 997 do Código Civil, dentre eles: “qualificação dos sócios, que poderão ser pessoas naturais ou jurídicas; objeto social; tempo de duração (prazo ou termos certos, ou prazo indeterminado); capital social, número de quotas e seus respectivos titulares; modo e tempo de realização do capital social, sendo vedada a integralização por meio de prestação de serviços (artigo 1.055, §2º); administração social; participação dos sócios nos lucros”.
Assim, para a realização do objeto social, os sócios definirão, no contrato social, o valor do capital social, expressado em moeda corrente (artigo 997, III, do Código Civil), as quotas subscritas por cada um, além do tempo e do modo de sua integralização. Lembrando, mais uma vez, que na sociedade limitada não pode haver integralização do capital social por meio de trabalho.162
Isso implica dizer que as quotas do capital social da Sociedade Limitada representam sempre contribuições patrimoniais e que o sócio não tem vínculo com a sociedade, senão como sócio investidor. “Se não assumir as funções de administrador, não pode prestar nenhum serviço para a sociedade, a não ser que seja contratado para prestar serviços de autônomo ou como empregado”163.
O artigo 1.052 do Código Civil, para Xxxxxx Xxxxx, “expressa a principal característica das sociedades limitadas, ao positivar que a responsabilidade de cada sócio está restrita ao valor de suas cotas integralizadas”164.
161 JÚNIOR, Xxxxx Xxxxxx. Sociedades Limitadas. São Paulo: Atlas, 2003.
162 MAMEDE, 2018. pp. 225.
163 XXXXXXXXX XXXX, 2016. p. 383-384.
164 CAMPOS FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Sociedade de Responsabilidade Limitada. In: Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (Coord. e Org.). Direito Societário na Atualidade: aspectos polêmicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
Nesse sentido, é importante entender que, nos termos do artigo 1.004 do mesmo Código, o sócio remisso terá o prazo de 30 dias para integralizar o capital social, caso perseverar em não fazer, a sociedade poderá tomar as seguintes medidas:
a) exigir-lhe o valor faltante, acrescida indenização pela mora; b) reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, com a redução do capital social; c) reduzir- lhe a quota ao valor já integralizado, com a aquisição da diferença pelos demais sócios, mantendo o capital social; d) excluir o sócio, com cessão de sua quota a terceiros não sócios.165
Para firmar esse entendimento sobre a responsabilidade pela realização do valor das quotas e pela integralização do valor do capital social, Xxxxxxxxx Xxxx faz um exemplo que vem a calhar, como segue:
“[...] se três pessoas constituem uma sociedade limitada, subscrevendo quotas, respectivamente, nos valores de 20, 30 e 50, para um capital social de 100, os sócios que realizaram totalmente os valores de suas cotas de 20 e de 30, continuam obrigados pelo saldo de 40, não realizado pelo terceiro sócio, relativamente a sua cota de 50.166
Nesse sentido, conforme o doutrinador, o valor faltante para integralizar o capital social pode ser reclamado de qualquer um dos outros dois sócios, ficando esses compelidos a integralizar o restante, pois todos serão solidariamente responsáveis pela integralização completa do capital social, mesmo que, o sócio faltante ainda goze de condições, ou seja, de bens para satisfazer o débito com o capital social da sociedade167.
Em especial atenção ao § 2º do artigo supramencionado, o qual preceitua que “é vedada contribuição que consista em prestação de serviços”, entende-se por essa restrição a impossibilidade de um funcionário, colaborador ou quem que se seja, terceiro ao quadro societário da empresa, ingressar na sociedade apenas com prestação de serviço, sendo discutido, atualmente, a possibilidade de integralização por capital intelectual.
Essa vedação se dá, apesar do pouco debate a respeito do assunto, por conta da dificuldade de vislumbrar e quantificar a real integralização do capital social pelo sócio, sendo uma prática que poderia levar a conflitos entre sócios e, ainda, prejudicar a vigilância de investidores.
4.1.1 O Contrato de Vesting sem contribuição por prestação de serviço
165 NEGRÃO, 2014. pp. 397.
166 XXXXXXXXX XXXX, 2008. p. 310.
167 Ibidem.
Assim, observados os critérios para se integralizar o capital social dentro das Sociedades Limitadas, tendo em vista a restrição apresentada pelo parágrafo segundo do artigo
1.055 do Código Civil, alguns doutrinadores têm entendido que essa impossibilidade seria um impeditivo para a aplicação do Contrato de Vesting a esse tipo societário.
Como podemos observar nas palavras de Xxxxxxxx e Xxxxxxx:
Ocorre que, no que concerne à integralização de quotas da sociedade limitada, o artigo 1.055, § 2º do Código Civil dispõe expressamente que “é vedada contribuição que consista em prestação de serviços”. Tal vedação acaba por impossibilitar a utilização do vesting em sociedades limitadas no Brasil, uma vez que a quota será adquirida em decorrência de critérios de produtividade decorrentes dos serviços prestados pelo empregado ou administrador em benefício da sociedade; ou seja, a contribuição para a integralização da quota acabará por decorrer da prestação de serviços, o que é expressamente vedado pelo referido artigo 1.055, § 2 º do Código Civil.168
Ou, ainda, no entendimento da advogada Xxxxx Xxxxxxx:
No Brasil, os tipos societários mais comuns são a sociedade limitada e a sociedade anônima. No caso das Sociedades Limitadas (LTDA), o capital social é dividido em quotas e o Código Civil, em seu artigo 1.055, §2º, veda a constituição do capital social que consista em prestação de serviços, ou seja, o contrato de vesting não é possível para startups constituídas sob a forma de sociedade limitada. Já para empresa constituída sob a forma de Sociedade Anônima é possível utilizar-se do vesting, já que não existe qualquer vedação legal para a contribuição em prestação de serviço. Contudo, um cuidado essencial é o tipo de ação que se disponibiliza no vesting. O mais indicado é que sejam ações preferenciais sem voto (art. 111 da lei das S/A), já que esse tipo de ação evita futuras disputas de poder e tomada de decisões pelos colaboradores169.
Inclusive, dos poucos artigos encontrados sobre o tema, grande parte deles corrobora com a ideia de impossibilidade do Contrato de Vesting para as Sociedades Limitadas, esquecendo-se, contudo, que a enorme maioria das Startups se encontram nessa modalidade societária.
Aconselham, dessa forma, que empreendedores utilizem a modalidade de Sociedade Anônima “pois estas podem utilizar-se do Vesting” e que a forma mais indicada de usar esse acordo é por meio de ações preferenciais e sem voto (art. 111 da lei das Sociedades Anônimas). E, por outro lado, afirmam que as Sociedades Limitadas “são proibidas pelo Código
168 OLIVEIRA, 2016. pp. 197-198.
169 TUDISCO, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Advogada explica a importância do contrato de vesting para as startups. 2018. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/Xxxxxxx/00,XX000000,00000- Advogada+explica+a+importancia+do+contrato+de+vesting+para+as+startups. Acessado em 01/11/2018.
Civil de terem capital social na forma de prestação de serviços e, portanto, esse tipo de contrato é proibido para startups de Sociedade Limitada”170.
Reforçando mais uma vez essa percepção levantada pela doutrina:
No Brasil, os tipos societários mais comuns são a sociedade limitada e a sociedade anônima. No caso das Sociedades Limitadas (LTDA), o capital social é dividido em quotas e o Código Civil, em seu artigo 1.055, §2º veda a constituição do capital social que consista em prestação de serviços, ou seja, o contrato de vesting não é possível para startups constituídas sob a forma de sociedade limitada. Já para empresa constituída sob a forma de Sociedade Anônima é possível utilizar-se do vesting, já que não existe qualquer vedação legal para a contribuição em prestação de serviço. Contudo, um cuidado essencial é o tipo de ação que se disponibiliza no vesting. O mais indicado é que sejam ações preferenciais sem voto (art. 111 da Lei das S/A), já que esse tipo de ação evita futuras disputas de poder e tomada de decisões pelos colaboradores.171
Contudo, essa impossibilidade às Sociedades Limitadas pode ser um problema para aqueles que pretendem ingressar apenas com o capital laboral ou intelectual na empresa. Inclusive, considerar que o Contrato de Vesting tem como única saída a integralização do capital social pela prestação de serviços, na visão do autor do presente trabalho, pode acarretar em prejuízos drásticos às Startups que, em sua maioria, integram esse tipo de sociedade.
Ademais, as Startups têm como principiologia o uso de modelos inovadores como os Contratos de Vesting, podendo, se aceitos os pensamentos supramencionados, levar este tipo contratual ao desuso e, mais uma vez, demonstrar a falta de flexibilidade do ordenamento jurídico brasileiro.
Por conta disso, o presente trabalho tenta provar que, para tal situação, não há conflito entre a aplicação do direito contratual comentado e o artigo legal exposto, uma vez que o Contrato de Vesting não consiste na integralização do capital social pela prestação de serviços, mas sim em outras possibilidades aceitas em Lei.
Com total respeito aos entendimentos supracitados dos Autores dos artigos e obras, encaminhando-se ao desfecho do presente trabalho, agora serão explanadas as conceituações que são entendidas como as mais adequadas para o Autor.
Uma das soluções se daria em respeito ao trazido por Xxxxx Xxxxxxx que leciona
que:
Deve haver a integralização do capital social antes da aplicação do vesting. Assim, o que se há não é diretamente uma aquisição na participação do capital
170 SYHUS. Você sabe o que é vesting? Saiba por que sua startup precisa dele. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxx.xxx.xx/0000/00/00/x-xxx-x-xxxxxxx-x-xxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxx-xxxx/. Acessado em 05/11/2018.
171 COMPUTERWORD. 6 perguntas sobre contrato de Vesting, que pode ajudar a proteger startups. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/00/0-xxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx- que-pode-ajudar-proteger-startups/. Acessado em: 07/11/2018.
social, mas sim uma perda na participação integralizada por descumprimento de uma cláusula disposta no próprio Contrato Social. Deste modo, na prática, quando o interesse for de aplicar o vesting para os sócios fundadores, vejo como melhor opção idealizar tal instrumento da seguinte forma: os sócios subscrevem e integralizam o seu capital social na forma acordada em bens ou dinheiro; porém, em seguida, incluem uma cláusula limitadora de manutenção do capital social baseado no critério definido pelas partes. É muito importante também que os sócios deliberem sobre qual será o destino do capital social em caso de sócios que não percam parte do capital que lhe seriam devidos por descumprimento do vesting.172
Esse tipo de preenchimento do capital social se enquadra no que foi visto no capítulo anterior, que se denominou “Vesting reverso”. Dessa forma, alguns doutrinadores já se manifestam favoravelmente ao uso dessa modalidade, inclusive para assegurar a impossibilidade de problemas trabalhistas e evitar encargos tributários, como podemos ver:
Boa parte dos empreendedores traduziram o vesting como um “direito de aquisição de cotas”. Isto porque leram/entenderam que à medida que o tempo for passando, o sócio “adquire o direito àquela cota específica”. Essa tradução está errada e pode dar efeitos tributários e trabalhistas irreversíveis [...] Fica a conclusão, no entanto, de que a melhor maneira de se ver o vesting é como “condição de perda”. E não se trata apenas de uma nomenclatura corretamente traduzida. Ler o vesting como “condição de perda” impõe uma série de cláusulas contratuais para formalizar e operacionalizar o vesting, cláusulas essas que não se tem quando se pensa em “direito de aquisição”. Adquirir cotas implica em auferir renda e, portanto, pagamento de tributos. Perder cotas implica em prejuízo financeiro, e não se paga tributo sobre prejuízo financeiro.”173
Essa pactuação do Contrato de Vesting foge completamente da integralização pela prestação de serviço, pois os sócios que estão fundando a Startup ou o colaborar que entrar nas mesmas condições têm o capital social integralizado no início da relação. Ou seja, primeiro se integraliza o capital e com isso se criam cláusulas para assegurar que os contratantes cumpram as metas sob risco de “perder” participação societária.
Todavia, tendo em vista que, por vezes, o colaborar que se submeterá ao Contrato de Vesting é pessoa estranha ao ambiente da empresa, não sendo um dos fundadores ou um colaborador que já tenha atuado no negócio, mas alguém “de fora” com boas qualificações, esse tipo de formalização do Contrato de Vesting pode ser perigoso pelo fato de já dar o poder de sócio a um terceiro e, em caso de conflito de interesses, criar uma situação muito mais difícil de se solucionar.
172 VIREIRA, 2017. pp. 51-53.
173 WIS. 7 erros jurídicos que Startups cometem e podem pagar caro por isso. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/0-xxxxx-xxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxxxxxx/. Acessado em: 08/11/2018.
Saindo da modalidade reversa e indo para o uso “tradicional” do Vesting a primeira
– e talvez mais importante – observação é a de que o Vesting não possui natureza salarial por depender de questões mercantis, conforme estabelece o Tribunal Superior Trabalhista:
Em que pese a possibilidade da compra e venda de ações decorrer do contrato de trabalho, o trabalhador não possui garantia de obtenção de lucro, podendo este ocorrer ou não, por consequência das variações do mercado acionário, consubstanciando-se em vantagem eminentemente mercantil. Dessa forma, o referido direito não se encontra atrelado à força laboral, pois não possui natureza de contraprestação, não havendo se falar, assim, em natureza salarial.174
Ainda, relembra-se outra passagem do mesmo julgado que conceitua o que é
Vesting e a possibilidade de aquisição de Ações, se tratando da modalidade de Stock-options:
A metodologia de incentivo em comento envolve a concessão de uma cota virtual de ações restáveis após determinado período de tempo, denominado “vesting”, desde que atendidas as condições previstas em regulamento. Tem- se que o direito de resgatar as ações somente se materializa em direito subjetivo após o final do prazo de carência fixado pelo plano. (TST, ARR 2843-80.2011.5.02.0030, Data de Julgamento: 18/11/2015, Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, 8ª Turma).
Assim, entende-se que as opções de compra são o direito para aquisição de ações. Entende a jurisprudência que, conforme o disposto no artigo 168 da LSA, é possível a oferta de opções de compra a terceiros, razão pela qual a oferta dessas junto à condição de Vesting estaria regulamentada entre as partes por contrato particular.175
A partir disso, faz-se importante que, enquanto não houver jurisprudência pacificada em relação ao assunto, principalmente no tocante à possibilidade de Vesting para as Sociedades Limitadas, deve-se formular no Contrato Social a previsão de regência supletiva pela Lei 6.404/76, para, por supletividade e analogia, possibilitar o modelo de opção de compra dentro das Sociedades Limitadas.
Ademais, como já visto no Capítulo anterior, o Contrato de Vesting nada mais é do que a outorga de uma opção de compra de participação societária a preços pré-estabelecidos condicionada ao cumprimento de metas e/ou decurso de tempo. Ou seja, não se trata de uma contrapartida pelo trabalho desempenhado por um empregado, mas sim a possibilidade de compra da participação societária176.
174 (TST, ARR 2843-80.2011.5.02.0030, Data de Julgamento: 18/11/2015, Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, 8ª Turma).
175 JUSBRASIL. Atualizações jurisprudenciais: Opções de Compra, Vesting e suas aplicações. 2017. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxxx- opcoes-de-compra-vesting-e-suas-aplicacoes?ref=topic_feed. Acessado em 12/11/2018.
176 NYBØ, 2018. pp. 202-208.
Lembra-se que no contrato de opção de compra é importante definir o preço a ser pago pelo adquirente das ações ou quotas, que pode ser livremente combinado entre as partes interessadas, sendo comum que seja oferecido um desconto no valor da participação, caso o valor da participação societária seja muito alto.
Além disso, trata-se de uma opção de compra, o que “não significa que o funcionário efetivamente a exercerá. Dessa forma, é importante definir um prazo para que essa opção de compra de ações ou quotas seja exercida após cumprida a condição para seu exercício. Esse prazo é importante para evitar que o funcionário não compre as ações e mesmo assim detenha tal direito para sempre, pois nunca se sabe como será o amanhã”177.
Como bem se sabe, a legislação veda a integralização de capital social por prestação de serviços nas Sociedades Limitadas. Assim, se não houver efetiva compra dessa participação o novo sócio não poderá integrar o quadro societário da Startup.
Contudo, essa compra já pode ter acontecido, isto é, ou na formulação da Sociedade houve uma porcentagem do capital social já determinada em Contrato Social para que fosse, no futuro, feita a modalidade de Vesting ou, ainda, podem os sócios doarem suas quotas sociais ao colaborador contratado.
Essa modalidade de doação de quotas já acontece com frequência quando funcionários recebem ofertas vantajosas de outros lugares e os sócios da Startup resolvem tentar segurá-lo com o Contrato de Vesting. Recebendo amparo legal pela possibilidade de se determinar em contrato ou pelo Art. 1.057 do Código Civil que explana que “Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.”
Todavia, em sua esmagadora maioria das vezes, o Vesting opera sempre por meio de uma opção de compra. Onde o colaborador tem o direito de integralizar o capital social, com um preço aquém do que realmente valem as quotas sociais da empresa, ou, se não quiser, não integraliza.
Nas palavras de Xxxx:
Esse conceito sana o questionamento realizado por Xxxxxxxx e Xxxxxxx (2016), que consideram impraticável o vesting em uma sociedade limitada, cuja a integralização de capital social por meio da prestação de serviços é vedada pela legislação brasileira. Uma vez estabelecido que o vesting é uma opção de compra de ações ou quotas e não uma espécie de contrapartida salarial – e que, consequentemente, o direito adquirido pelo colaborador é de
177 STARTUPI. O que é e como funciona o Vesting reverso. 2018. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/xxxxxxx-xxxxxxx/. Acessado em: 02/11/2018.
subscrição futura de participação societária – este contrato se torna perfeitamente possível para a realidade das sociedades limitadas. De qualquer forma, reforçamos que a vedação de integralização de capital social por meio de prestação de serviços também é feita às sociedades anônimas; dessa forma, independentemente do tipo societário adotado pela startup o vesting deverá ser uma opção de compra outorgada ao colaborador.178
Dessa forma, não haverá problema com a vedação de integralização do capital social pela prestação de serviço constante no parágrafo segundo do artigo 1.055 do Código Civil. Isto porque não há aqui uma integralização pela prestação de serviço, mas sim uma opção de compra oferecida ao colaborador a cada meta cumprida ou a cada período de tempo atingido.
Lembrando que durante o período de “Cliff”, também conhecido como período de carência, pelo fato de o colaborador ainda não ter uma parcela social e não poder repartir lucros da sociedade, deverá ser estipulado no Contrato de Vesting como se realizará a contraprestação do colaborador, sendo comissão a forma mais utilizada.
Por tudo isso é que o Autor conclui que o Contrato de Vesting consiste, principalmente, em uma opção de compra que não se confunde contribuição por prestação de serviços. Havendo, ainda, outras modalidades que também fogem à essa vedação, como a doação de quotas pela sociedade e seus sócios ou, ainda, o Vesting reverso que integraliza primeiramente o capital social, sem qualquer possibilidade de ferir o temido parágrafo segundo do artigo 1.055 do Código Civil.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vale começar essa última parte de exposição do trabalho para ressaltar que em nenhum momento o Autor tentou fazer valer suas opiniões pessoais acima dos pensamentos divergentes dos seus. O que se busca com a presente obra é encontrar a verdade do Autor, a qual não pode ser tida como absoluta. Mas, acima disso, fomentar a discussão sobre essa modalidade ainda pouco estudada no sistema brasileiro.
Trata-se, portanto, de um estudo dedutivo que visa, partindo-se da espaçada teoria geral do direito comercial e societário, passando pela análise das vastas regulamentações das sociedades empresariais, conseguir chegar a conclusão de que há possibilidade de aplicação de um tipo contratual absolutamente específico e novo no ordenamento jurídico brasileiro.
178 NYBØ, 2018. pp. 202-208.
Nessa lógica, é preciso entender que o ordenamento jurídico brasileiro e, principalmente, a questão do direito comercial e societário evoluíram, com o decorrer dos anos, sempre em marchas lentas, sem muito arriscar e, menos ainda, permitir.
Contudo, vive-se hoje numa esfera globalizada de relações cada vais mais dinâmicas, não podendo, mais uma vez, permitir-se que nossas aplicações de institutos inovadores e benéficos aos vínculos empresariais se tornem marginalizados e obsoletos aos avanços e inovação em relação a outros países.
Assim, conforme exposto durante o final do primeiro capítulo, as Startups se apresentam, na realidade atual, como as principais incentivadoras e captadoras de inovações. Com um estilo de empreender diferenciado, buscando sempre a renovação e, por mais que pareça estranho, a colaboração – inclusive com a “concorrência”.
Esse novo tipo empresarial, cada vez mais conhecido, mas ainda pouco compreendido no Brasil, requer para seu possível desenvolvimento aparatos inovadores, flexibilizações legislativas e incentivos diversos.
Dentre as suas inovações trazidas, encontramos o objeto do presente estudo, o Contrato de Vesting. O qual, como visto no segundo capítulo, aparece como um tipo contratual que busca diminuir conflitos dentro das empresas e, ainda, incentivar colaboradores, sócios e investidores a cumprirem metas e tempo de empresa, recebendo em troca o benefício de opção de compra gradual de parte do capital social por um valor menor que o de mercado – já pré- estabelecido.
Acontece que pelo baixo poder de investimento, necessidade de flexibilização legislativa e diminuição de encargos tributários das Startups, essas empresas acabam, na grande maioria das vezes, constituindo-se como Sociedades Limitadas. O que não seria um problema, pelo contrário, pois esse tipo societário realmente apresenta boas contrapartidas para micro e pequenas empresas.
O problema, na opinião do Autor desse estudo, está no entendimento que se deu no tocante ao entendimento por parte da doutrina sobre o Contrato de Vesting e a aplicação dessa modalidade nas Sociedades Limitadas. Porque o que deveria ser mais um elemento de inovação e auxílio para as Startups, acabou por ser enquadrado, por alguns Autores, como uma impossibilidade jurídica.
Essa ideia de vedação do uso desse tipo contratual nas Sociedades Limitadas, se deu por conta do § 2º do artigo 1.055 do Código Civil, o qual veda a integralização do capital social mediante prestação de serviços. Logo, para parte da doutrina, que, diga-se de passagem, ainda é muito escassa, tratando-se o Vesting de um ganho de participação societária por tempo
de empresa ou cumprimento de metas, estaria evidente sua expressa proibição pelo artigo supracitado.
Lembra-se aqui, que as Stock-options não se confundem do o Contrato de Vesting, de forma que a primeira já é uma modalidade aceita inclusive pela jurisprudência, tendo Projeto de Lei para aprovação e já sendo muito utilização em grandes corporações.
Em contrapartida o Vesting não conta com decisões judiciais que tenham decidido sobre o seu caráter, inclusive, a doutrina sobre essa modalidade ainda é muito rasa, de forma que se torna uma tarefa árdua conseguir entender a fundo suas peculiaridades e sua real aplicação.
Mesmo com esses obstáculos, o presente estudo procurou se arraigar nesse novo tipo contratual, ao passo que, após análise minuciosa análise feita no segundo capítulo, buscou- se, no último capítulo, combater o entendimento de que essa modalidade não pode ser aplicada dentro das Sociedades Limitadas.
Isso porque, o Contrato de Vestings, no entendimento do Autor, não se trata de uma integralização do capital pela prestação de serviços, mas sim uma opção de compra feita pela sociedade ao contratado. De Forma que não há integralização pela prestação de serviços, tampouco há descumprimento do artigo 1.055 do Código Civil.
Inclusive, existem outras maneiras de se fazer esse preenchimento de capital, desde a doação por parte de outros sócios até a modalidade de Vesting reverso, onde, primeiramente, se completa o capital social e, a partir disso, o que existe é uma possibilidade de perda das quotas adquiridas.
Conclui-se, então, que a chegada das Startups trouxe consigo uma série de inovações aliadas a um sistema muito mais dinâmico e flexível, contrastando diretamente com o moroso e burocrático sistema empresarial brasileiro. Dentre essas inovações, o Contrato de Vesting se apresenta como uma revolução dentro das relações societárias, com inventivos e metas para os sócios e possíveis sócios, De forma que, na visão do Autor, mesmo divergindo de parte da doutrina, a possibilidade de compra de participação social mediante cumprimento de metas e tempo de empresa, pelos meios elencados no terceiro capítulo, não fere o ordenamento jurídico brasileiro, podendo, assim, o Contrato de Vesting ser utilizado tanto para Sociedades Anônimas quanto para Sociedades Limitadas.
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