CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE EMPRESAS
XXXXX XXXXXXXXX XXXXX PRAZERES
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE EMPRESAS
Tese com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito e Gestão
Orientador: Doutor Xxxxx Xxxxxxxxxx
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Junho de 2017
DECLARAÇÃO ANTI PLÁGIO
Eu, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, declaro que o presente texto é de minha exclusiva autoria e que toda a utilização de contribuições ou textos alheios está devidamente referenciada.
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que me ajudaram de forma direta e indireta na realização deste trabalho o meu profundo agradecimento.
Ao Professor Doutor Xxxxx Xxxxxxxxxx por ter aceitado orientar a minha investigação, pelo apoio, partilha de ideias, de conhecimento e de sabedoria, os quais muito me ajudaram na realização e conclusão deste trabalho
Não posso deixar de referir a minha família, nomeadamente, os meus pais e o meu irmão por todos os concelhos, carinho, motivação, apoio e determinação que me têm dado durante estes anos, não só ao longo do meu percurso académico, mas também ao longo de toda a minha vida. Não existem palavras para descrever o quanto lhes devo por esta realização. Fico-vos eternamente grato.
Um Muito Obrigado a todos.
DECLARAÇÃO DO NÚMERO DE CARACTERES
O corpo desta dissertação, incluindo espaços e notas, ocupa um total de 162.542 caracteres.
Aos meus pais e ao meu irmão
RESUMO
A presente dissertação versa fundamentalmente sobre o contrato de compra e venda de empresas. O presente texto foi dividido em 4 fases.
A primeira fase é dedicada às várias modalidades de transmissão de empresas. Iremos, numa primeira fase, abordar o conceito de “empresa”, sendo que, posteriormente, passaremos ao estudo dos modos de transmissão direta e indireta de empresas, onde analisaremos os respetivos regimes jurídicos.
A segunda fase centrar-se-á na relevância do acesso à informação nos contratos de compra e venda de empresas, onde analisaremos a importância da realização de due diligences durante a negociação destes contratos.
Num terceiro momento, analisaremos as situações incumprimentos dos contratos. Começaremos pela análise de casos concretos e, posteriormente, passaremos então ao desenvolvimento de alguns dos regimes jurídicos existentes no ordenamento, e que visam acautelar os interesses das partes envolvidas. No fim, apresentaremos a nossa posição relativamente ao melhor instituto jurídico aplicável.
A última fase será dedicada à exemplificação de cláusulas contratuais em concreto, que têm como objetivo acautelar situações de incumprimento, bem como prever mecanismos a seguir pelas partes, por forma a diminuir o risco contratual.
ÍNDICE
1. Modo de citar 3
2. Abreviaturas 4
3. Introdução 5
4. Modalidades de Transmissão 6
4.1. Transmissão direta de empresas 7
4.1.1. Trespasse 8
4.1.2. Locação 9
4.1.3. Modalidades atípicas/hibridas 10
4.2. Transmissão indireta de empresas 11
4.2.1. Transmissão de participações sociais 12
4.2.1.1. Modalidades especiais 17
4.2.1.1.1. Leveraged Buyout (LBO) 17
4.2.1.1.2. Reorganizações Societárias: Fusões, Cisões e Transformações de Sociedades 18
4.2.1.1.3. Liquidações Societárias, Judiciais e Insolvenciais 20
4.3. Transmissão das participações sociais comparativamente ao trespasse
– vantagens e desvantagens 23
4.4. Do regime jurídico 26
4.4.1. Regime jurídico da transmissão direta de empresa (“asset deals”) 27
4.4.2. Regime jurídico da transmissão indireta de empresa (“share deals”) 29
5. A relevância da informação e a sua revelação (em particular, procedimento de due diligence) 33
5.1. A relevância da due diligence, em específico nos casos de aquisição de participações sociais 37
5.2. Os deveres de informação, em particular o regime previsto no CVM 39
6. Incumprimento 41
6.1. Casos em concreto 42
6.1.1. Privatização da Sociedade Portuguesa Financeira 42
6.1.2. Aquisição do BPN português pelo Banco BIC Portugal 45
6.2. Análise dos regimes jurídicos possivelmente aplicáveis em situações de incumprimento 46
6.2.1. Regime jurídico da compra e venda de bens onerados e defeituosos 47
6.2.2. Regime jurídico da responsabilidade pré-contratual 50
6.2.3. Regime jurídico do erro sobre a base do negócio 51
6.2.4. Posição adotada 52
7. Cláusulas típicas de proteção das partes 56
7.1. Cláusulas de Declarações e Garantias – “representations and warranties” 56
7.2. Cláusulas relativas a alterações depreciativas (material adverse change [MAC] ou material adverse effect [MAE]) 59
7.3. Cláusulas earn-out e determinação do preço 60
8. Conclusão 62
9. Bibliografia 64
1. MODO DE CITAR
Por questões de economia da presente dissertação, optaremos pelo recurso a abreviaturas ao longo do texto, sendo que, no início do trabalho será possível encontrar uma lista daquelas que foram as mais utilizadas.
No que concerne às citações, as monografias são citadas com menção do nome do seu autor, título da obra, ano de edição consultada e página (s). Além disso, nos casos em que a obra é a mesma da nota anterior, diferindo apenas a página em causa, utilizaremos a expressão “idem” e posterior das páginas em causa. Caso a nota seja igual à anterior, a expressão utilizada será “ibidem”.
No final do trabalho será possível encontrar uma lista de bibliografia com indicações bibliográficas completas.
Quanto à jurisprudência, será referida com indicação do tribunal, n.º e data do acórdão, assim como, quando possível, da página na internet na qual será possível aceder ao mesmo.
2. ABREVIATURAS
Ac. - Xxxxxxx
CC – Código Civil
CPC – Código de Processo Civil CRC – Código de Registo Comercial
CRP – Constituição da República Portuguesa CSC – Código das Sociedades Comerciais CSC – Código das Sociedades Comerciais CVM – Código dos Valores Mobiliários ROA – Revista da Ordem dos Advogados STJ – Supremo Tribunal de Justiça
Vol. - Volume
3. INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje, torna-se impossível ignorar a importância da empresa, sendo milhares as transmitidas diariamente em todo o mundo, com processos cada vez mais complexos.
Se, num primeiro momento, a empresa cingia-se à pequena produção artesanal e mercantil, num segundo momento, na sequência da Revolução Industrial nos inícios do séc. XIX, começaram a surgir as sociedades comerciais. Por consequência, os modos de negociação e transmissão, e respetivos regimes jurídicos, tornaram-se cada vez mais rigorosos, por forma a satisfazer os interesses de todos os envolvidos, ampliando, assim, o seu papel no direito comercial.
Na medida em que cada empresa possui as suas próprias características, não havendo, por isso, duas iguais, torna-se impossível delimitar um processo único através do qual se poderá efetuar a sua transmissão. Não obstante, é-nos possível estabelecer procedimentos gerais que habitualmente se encontram neste tipo de contratos.
De um modo geral, existem dois grandes modos de transmissão de empresas
– direta e indireta, sendo que, face à multiplicidade de negócios jurídicos que se encontram subjacentes a essa mesma transmissão, é unanimemente defendido que a transmissão indireta prevalece, nos dias de hoje, sobre a transmissão direta, principalmente nos casos em que os efeitos translativos ocorrem através da alienação/aquisição das participações sociais representativas do capital social.
Desta forma, face à enorme relevância deste tema, propomo-nos a analisar, com o presente trabalho, os vários meios, e respetivos regimes jurídicos, através dos quais pode uma empresa ser transmitida. Iremos ainda desenvolver alguns problemas subjacentes à transmissão, nomeadamente o acesso à informação por parte dos envolvidos, bem como da análise das consequências jurídicas em situações de incumprimento contratual. Por fim, centraremos a nossa atenção em alguns dos institutos jurídicos consagrados no nosso ordenamento jurídico, e que poderão vir a ser aplicáveis a estas situações, e ainda enunciar algumas das soluções que têm vindo
a ser adotadas pelas partes contratantes, por forma a atingir a sua plena proteção em situações de desconformidade contratual.
4. MODALIDADES DE TRANSMISSÃO
Como ponto de partida da análise do tema que nos propomos a tratar, será relevante numa primeira fase debruçarmo-nos, embora de forma muito sucinta, sobre o conceito de empresa.
Face à inexistência de um conceito jurídico unitário de empresa1, tanto a doutrina como a jurisprudência têm despendido algum tempo na análise deste tema2. Para efeitos do artigo 230.º do Código Comercial, a empresa é uma “organização autónoma e intencional de meios (humano e matérias) apta à realização de uma finalidade útil”3. A este respeito, importante referir que a doutrina maioritária tem vindo a distinguir a noção de empresa da noção de estabelecimento4. No entanto, por forma a não nos alongarmos neste tema, adotaremos, para efeitos do presente trabalho, o entendimento de Xxxxx Xxxxx Xxxxx, segundo o qual uma “empresa, enquanto organização produtiva ou mediadora de riqueza, que exerce, de forma estável, uma certa atividade económica em função do mercado a que dirige, não se diferencia do seu titular, nem do estabelecimento que dela faz parte integrante5.
1 Não obstante, é possível encontrar algumas referências ao conceito de empresa noutros diplomas. Nos termos do artigo 5.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa, “considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer atividade económica.” Nos termos n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio (Lei da Concorrência), “considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de funcionamento.”
2 Sobre a dificuldade em encontrar um conceito de empresa, vide XXXXXXXX; Orlando, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial – O Problema da Empresa como Objeto de Negócios, Dissertação de doutoramento, Almedina, Coimbra; e ABREU, Xxxxx Xxxxxxxx de, Da Empresarialidade (As Empresas no Direito), Tese de doutoramento em Direito Comercial apresentada na Faculdade de Direito de Coimbra, Almedida, Coimbra, 1999.
3 CUNHA; Xxxxx Xxxxx, Lições de Direito Comercial, Almedina, Coimbra, 2010.
4 A título de exemplo: “A empresa surge como um conceito-quadro de grande extensão e particular versatilidade. Torna-se pouco adequada para transmitir regimes jurídicos concretos. Compreende-se, assim, que o Direito português tenha elaborado, a seu lado, um outro conceito particularmente apto para traduzir o objeto unitário de determinados negócios: o de estabelecimento.”, CORDEIRO, A. Menezes, Manual de Direito Comercial, 3.ª ver. e act., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000.
5 CUNHA; Xxxxx Xxxxx, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2006.
Ora, iniciando a abordagem ao tema do trabalho, tem-se assistido desde a Revolução Industrial a uma evolução dos modelos societários, nomeadamente no que respeita à sua organização, estruturação e dimensão. Se num primeiro momento, o tecido empresarial era composto pelo pequeno comerciante em nome individual que geria a sua empresa juntamente com a ajuda da sua família, com o desenvolvimento industrial e tecnológico, foi necessário fazer face às novas exigências, dando origem às empresas coletivas de grande extensão e complexa estrutura6. Sendo a empresa um “ator económico com identidade própria”7, a mesma pode ser livremente disponibilizada pelo seu legitimo proprietário através de variadíssimos negócios jurídicos, nomeadamente, compra e venda, doação, dação, fusão, cisão, etc.
Ora, tendo em consideração os negócios jurídicos mais usuais que têm por objeto a empresa, podemos concluir que existem duas modalidades de transmissão: transmissão direta (asset deal) e transmissão indireta (share deal) da empresa.
Passemos, então, a analisar e a distinguir individualmente estas modalidades.
4.1. TRANSMISSÃO DIRETA DE EMPRESAS
Com a transmissão direta da empresa (“asset deal”), aquilo que se verifica é a transferência da empresa, enquanto conjunto de meios materiais e humanos, dotados de uma especial organização e de uma direção, de modo a desenvolver uma atividade segundos regras de racionalidade económica8. Sendo que, esta poderá ocorrer diretamente através de múltiplas modalidades, das quais se destacam o trespasse, a locação e, ainda, outras formas alternativas, que passaremos a analisar.
6 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx, A empresa como objetivo de negócios – Asset Deals versus Share Deals, Revista da Ordem dos Advogados, Vol. II/III, n.º 68, 2008.
7 SANTOS, Xxxxxx Xxxxxxxx dos, Direito Comercial Português: dos atos de comércio às empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2007.
8 XXXXXXXX, X. Menezes, Manual de Direito Comercial, 3.ª ver. e act., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000.
4.1.1. TRESPASSE
O trespasse é o principal mecanismo de transmissão direta da empresa. Apesar de ter vindo a perder terreno, face ao surgimento de outros instrumentos societários, o trespasse continua a ser bastante utilizado principalmente pelos empresários individuais de pequena e média dimensão.
O trespasse pode ser genericamente definido como o negócio de transmissão a título definitivo da propriedade de uma empresa9. Deste conceito é possível retirar duas conclusões essências.
Por um lado, estamos perante um negócio jurídico que tem por objeto direto a empresa enquanto organização de meios produtivos. Sendo a empresa constituída por todos os elementos que dela fazem parte e distinta dos seus componentes individualizados, todos os negócios jurídicos que sobre ela recaiam serão necessariamente diferentes dos negócios jurídicos que recaiam sobre cada um dos elementos em concreto. Desta forma, para que se verifique o trespasse, a vontade das partes terá que recair sobre empresa enquanto organização unitárias de bens produtivos, e não sobre um dos seus elementos.
Por outro lado, estamos perante um negócio jurídico de transmissão a título definitivo, ou seja, através do trespasse, o beneficiário do negócio jurídico (trespassário) passa a ser titular de um novo dominus sobre a empresa, ficando investido num gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas10, dando-lhe o direito de explorar, organizar, transformar, locar, onerar, vender ou liquidar a empresa.
Relativamente ao seu alcance, o trepasse pode ser total ou parcial, quando abrange apenas um ou vários elementos do estabelecimento complexo e desde que esses mesmos elementos transmitidos tenham autonomia funcional, isto é, desde que a transmissão opere sobre um mínimo de elementos essencial, por forma a permitir a exploração e funcionamento do estabelecimento comercial11.
9 Para maiores desenvolvimentos sobre a noção, as características e o regime do trespasse, vide ANTUNES,
J. Engrácia, Direito Comercial.
10 Artigo 1305.º do Código Civil.
11 XXXXX, Xxxxxx, Manual de Direito Comercial, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, p. 175.
Importa também referir que o trespasse é apenas uma forma de transmissão direta e definitiva do estabelecimento, não nos dizendo, no entanto, a que título. Ou seja, o trespasse pode concretizar-se por via de qualquer contrato, seja ele típico ou atípico, desde que tenha efeito transmissivo, nomeadamente, compra e venda, dação em pagamento, doação, etc. Desta forma, o regime jurídico a aplicar ao trespasse dependerá do contrato que, em concreto, estiver na sua origem.
4.1.2. LOCAÇÃO
A transmissão da empresa pode dar-se também diretamente através de modalidades formas como é o caso da locação. Impropriamente denominada, por vezes, quer pela doutrina quer pela jurisprudência quer mesmo pelo legislador, por “cessão de exploração de estabelecimento comercial”12, a locação pode ser definida como um negócio de transmissão a título temporário e oneroso de gozo de uma empresa13.
Antes de mais, e comparando com o trespasse, podemos desde já retirar duas diferenças essenciais.
Em primeiro lugar, ao contrário do que acontece com o trespasse, a locação é um negócio apenas transmissivo do direito de gozo, e não de propriedade. Ou seja, mantendo-se o locador proprietário da empresa, o locatário fica apenas investido num direito obrigacional de gozo, que lhe confere unicamente a possibilidade de explorar em nome e por conta a empresa durante a vigência do contrato.
E em segundo lugar, ao contrário do caracter definitivo do trespasse, o locatário é apenas detentor de um direito de gozo temporário, na medida em que, nos termos e para efeitos o artigo 1025.º do Código Civil, a locação não pode exceder o período de 30 anos, findo o qual deve o locatário restituir a coisa locada (v.g. artigo 1038.º i) do Código Civil).
12 V.g. o artigo 269.º e) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas; artigo 318.º n.º 3 do Código de Trabalho; artigo 3.º n.º 2 c) do Código de IRS.
13 XXXXXXX, X. Engrácia, Direito Comercial.
4.1.3. MODALIDADES ATÍPICAS/HIBRIDAS
Para além das duas modalidades anteriormente mencionadas, e face ao enorme desenvolvimento quer do Direito Comercial quer do Direito Societário, existem ainda outras vias mais complexas através das quais a empresa poderá ser diretamente transmitida, nomeadamente a compra e venda a retro, o contrato de subordinação ou ainda o contrato de gestão de empresa.
A compra e venda a retro, prevista no artigo 927.º do Código Civil, consiste na modalidade de venda através da qual a transmissão da propriedade da coisa vendida não se apresenta como definitiva, na medida em que é conferido ao vendedor o direito de reaver o direito alienado, mediante a restituição do preço e o reembolso das despesas feitas com a venda. Este contrato tem como objetivo tutelar a situação do proprietário que, devido à sua insuficiência financeira, se vê obrigado a alienar um bem, no entanto mantendo o interesse em reavê-lo mais tarde quando a sua situação financeira o assim permitir14/15. Ora, apesar desta modalidade de venda se encontrar prevista no Código Civil, entendemos que, aplicá-la à empresa, poderá originar grande complexidade em termos práticos, nomeadamente pelo facto de a resolução ter efeitos retroativos, devendo as partes devolver tudo aquilo que foi prestado.
O contrato de subordinação, previsto nos artigos 493.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, pode ser definido como o contrato através do qual uma sociedade subordina a gestão da sua própria atividade à direção de uma outra sociedade, quer seja sua dominante, quer não. Como refere Xxxxxxxx Xxxxxxx, in Os Grupos de Sociedades, “trata-se, não de um mero contrato obrigacional ou comutativo, mas de um verdadeiro “contrato de organização” que vem institucionalizar um poder de direção de uma sociedade sobre uma outra sociedade, traduzindo essencialmente a submissão legítima da vontade e do interesse sociais próprios desta à vontade e interesse sociais daquela.” Importa ainda referir que, na medida em que a sociedade diretora e subordinada são também necessariamente
14 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx, Direito das Obrigações, Vol. III Almedina, Lisboa, 2016.
15 “A venda a retro pode ser utilizada como forma viável alternativa face ao recurso ao crédito.” Neste sentido, XXXXXXX, Xxxx, Contrato de Compra e venda, ROA, Ano 43, 1983.
sociedade dominante e dependente, o contrato de subordinação originará sempre a aplicação quer do regime das relações de grupo e quer do regime das relações de domínio16.
Por fim, o contrato de gestão de empresa, regulado pelo Decreto-lei n.º 82/98 de 2 de Abril, com o intuito de criar sociedades privadas especializadas na revitalização e modernização de empresa, com o objetivo de estimular as sociedades, permitindo a intervenção de entidades profissionalizadas, capazes de avaliar e assumir a responsabilidade de gestão.
4.2. TRANSMISSÃO INDIRETA DE EMPRESAS
Nos inícios do séc. XIX, na sequência da Revolução Industrial, os sistemas económicos deixaram de ser caraterizados pela pequena produção artesanal e mercantil e passaram a ser vistos como económicas de grande dimensão, focados na produção e manufatura em massa. Por consequência, a empresa individual de pequena dimensão caraterizada por uma estrutura exígua e rudimentar (habitualmente composta pelo próprio comerciante e a sua família), deu lugar à sociedade comercial. Esta alteração de paradigma deveu-se sobretudo ao facto deste novo sistema económico ter trazido consigo novas exigências a nível financeiro, organizacional e legal, a que a empresa individual não era capaz de corresponder.
Ora, esta alteração da estrutura da empresa moderna teve também consequências ao nível da sua negociação e transmissão. Antes da Revolução Industrial, a circulação da empresa, enquanto unidade jurídica composta de meios produtivos, verificava-se apenas através dos negócios jurídicos consagrados no Direito Comercial, quer fosse a nível temporário (através da locação) quer a nível definitivo (trespasse). Contrariamente, com o surgimento destas modernas edificações societárias, a circulação da propriedade dos acervos empresariais estruturados passou
16 Xxx afirmação não implica que os contratos de subordinação apenas poderão ser celebrados entre sociedades que se encontrem numa prévia relação de domínio, mas sim que a celebração de tal contrato originará a tal relação. Habitualmente, estes contratos são celebração por sociedades que, de alguma forma, já se encontrarão numa relação de domínio entre si (por exemplo, através de uma participação social maioritária). No entanto, a relação de domínio não é condição para a celebração para a celebração de um contrato de subordinação, na medida em que nada impede que o contrato não possa ser celebrado por sociedades sem qualquer tipo de relação: cfr. KEUTGEN, G., Le Droit des Groupes de Sociétés dans da CEE.
a realizar-se mediante a mera transmissão das partes (quotas, ações), o que, além de agilizar enormemente essa mesma circulação, permitiu ainda teoricamente ao adquirente obter o controlo da empresa sem que para isso tenha de pagar a totalidade do valor dos respetivos ativos17. Ou seja, a transmissão da empresa passou a efetuar-se indiretamente, mediante complexos e inovadores negócios jurídicos que têm como objetivo investir o comprador na titularidade económica (isto é, no controlo), que não jurídica (propriedade), da empresa negociada, decorrente da compra de partes sociais (“share deals”), deixando de ser necessário a aquisição da totalidade do acervo patrimonial da empresa, mas apenas parte das participações sociais que o representa. Assim, tendo em consideração a cada vez mais complexa estrutura dos intervenientes, a transmissão indireta tornou-se hoje na principal modalidade de transmissão e negociação empresarial, dando origem a novos negócios jurídicos capazes de conduzir a resultados equivalentes, tais como fusões, cisões, aumentos de capital, laverege buy-out, etc.
4.2.1. TRANSMISSÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Nos dias de hoje, a aquisição de participações sociais (partes, quotas, ações), enquanto complexo de direitos e obrigações atuais e potenciais dos sócios, é o principal instrumento da transmissão indireta de empresas como forma de investir o adquirente num controlo jurídico da sociedade detentora da empresa em causa. A importância da transmissão indireta da empresa através da aquisição das participações societárias de controle é muito discutida na doutrina e jurisprudência, tanto a nível nacional como internacional.
O primeiro problema que se tem colocado é o de saber se a transmissão indireta da empresa, através da aquisição de participações representativas de uma sociedade comercial, pode ser equiparada à transmissão direta da empresa por aquela detida. Ora, desde já avançamos que em certos casos tal equiparação pode efetivamente ocorrer.
17 XXXXXXX, X. Engrácia, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, Almedina, Coimbra, 2002.
Imagine-se, por exemplo, quando ao adquirente das participações sociais não interessa propriamente a sociedade comercial de que adquira as quotas ou ações, mas sim a empresa por aquela detentora, por forma a ficar investido num gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre a empresa. Outro exemplo, será o caso da venda da totalidade de participações a um só adquirente, podendo este negócio ser visto como um trespasse, na medida em que, do ponto de vista económico, será uma situação semelhante àquela que resultaria da transmissão direta da empresa. Ou ainda, os casos em que o preço pelo qual o negócio se concretizou foi determinado em função do valor da empresa em concreto e não do valor da sociedade por ela detida.
Ora, nos exemplos acima referidos é possível equiparar-se a transmissão indireta da empresa através da aquisição das participações sociais da sociedade comercial à transmissão direta da empresa, na medida em que, no final, o objeto principal do negócio é o estabelecimento comercial. Não obstante, tal equiparação não pode ser absoluta por diversas razões.
Desde logo, os negócios de transmissão de quotas e ações (nos termos dos artigos 228.º e 328.º do Código das Sociedades Comerciais) têm por objeto a aquisição de partes do capital social de uma sociedade e não do seu património. Quer isto dizer que, caso uma sociedade comercial seja detentora de uma empresa e as suas participações sociais sejam adquiridas por alguém, a sociedade comercial permanece titular dessa empresa, na medida em que não existe qualquer alteração na sua titularidade jurídica, sendo que, para esta tudo se passa como se nada tivesse acontecido.
Por outro lado, importa referir que nem sempre a aquisição de participações sociais de uma sociedade comercial atribui ao adquirente uma posição jurídica de controlo. Pense-se, por exemplo, numa aquisição minoritária de participações sociais que habitualmente não são suficientes para investir o adquirente numa posição de controlo. Neste sentido, da “mera aquisição de participações sociais” há que distinguir a aquisição da empresa pela aquisição de participações sociais18.
18 “É ao negócio de aquisição da empresa por aquisição de participações sociais (e não à mera aquisição de participações que não envolva a aquisição de empresa) que mais propriamente caberá a designação de “share
Por fim, é importante referir que, não obstante de o negócio de aquisição de participações sociais ter sido celebrado tendo como fim último investir o adquirente numa posição jurídica de controlo, ainda que estejamos perante uma aquisição total das participações sociais, o facto de haver a interposição de uma figura jurídica (neste caso, uma sociedade comercial), impede que o adquirente seja havido como proprietário da empresa. Ou seja, o adquirente das participações sociais é sempre visto como um proprietário indireto da empresa, na medida em que a propriedade real pertence à sociedade comercial. Quer isto dizer que, o adquirente não goza de qualquer direito real sobre a empresa, mas apenas uma posição de controlo sobre a sociedade comercial, essa sim proprietária da empresa. Contrariamente, na aquisição direta de empresas, o empresário individual é havido como proprietário direto da empresa, investido num gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, dando-lhe o direito de explorar, organizar, transformar, locar, onerar, vender ou liquidar a empresa19.
Não obstante das razões referidas, e conforme já foi referido anteriormente, não se pode negar em absoluto a relevância da aquisição da aquisição de participações sociais como forma de transmissão de empresa. Pense-se, por exemplo, na aquisição da totalidade das participações sociais, ou pelo menos maioritário, de uma sociedade comercial. Se observarmos o objetivo último do negócio, o mesmo tem em vista conferir ao comprador uma posição jurídica de controle sobre a empresa, tal como acontece no trespasse, em que o trespassário sucede na posição jurídica do trespassante. Assim, do ponto de vista económico, é inegável que os negócios de participações sociais representam também um instrumento de aquisição de empresas detidas por sociedades comerciais.20
deal”, em contraposição à alienação direta do próprio estabelecimento, unilateralmente ou não (“asset deal”)”, CANARIS, Xxxxx-Xxxxxx, Handelsrecht.
19 “... a aquisição da empresa é suscetível de ocorrer por mais do que uma forma, ou seja: através da aquisição direta da empresa (“asset deal”); ou através da aquisição do capital social da sociedade que é titular da empresa (“share deal”). No primeiro caso, o titular da empresa muda com a aquisição dessa (compra e venda de empresa pela transmissão do estabelecimento de um titular para outro). No segundo caso, diversamente, há uma aquisição das participações sociais da sociedade que explora o estabelecimento: esta sociedade mantem a exploração, mas com a transmissão das participações no seu capital social transmite-se igualmente a empresa”, MONTEIRO, A. Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxx, A venda de participações sociais como venda de empresa”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3947, Ano 137.º, Coimbra Editora, Coimbra.
20 KOMPARATO, F. Konder, SALOMÃO, Calisto, O Poder de Controle na Sociedade Anónima, 4.ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2005.
Desta forma, é nosso entendimento que a melhor posição a adotar será a via intermédia, em que não se equiparará em absoluto estas duas realidades (transmissão direta da empresa e transmissão indireta da empresa através da aquisição de participações sociais), no entanto também não se negará a relevância os negócios aquisitivos de participações sociais como veiculo de transmissão de empresas. Sendo que, uma possível equiparação apenas pode ser efetivada o caso em concreto e tendo em contra três critérios.
Em primeiro lugar, será necessário averiguar se no caso concreto a aquisição das participações sociais investiu o adquirente numa posição jurídica de controle sobre a empresa, sendo que, tal ocorrerá nos casos de aquisição total ou pelo menos maioritária das participações sociais. Nestes casos, e tal como acontece na aquisição direita de empresas, o adquirente, na qualidade de sócio maioritário, poderá impor a sua vontade sobre os órgãos responsáveis pelo governo e gestão da empresa. Contrariamente, tal não ocorrerá nos casos em que estejamos perante uma mera aquisição de participações sociais, insuscetíveis de atribuir ao aquirente um controlo sobre a sociedade comercial. A este respeito, parte da doutrina defende a aplicação de um critério numérico ou quantitativo. No entanto, entendemos que o problema não pode ser solucionado através da aplicação de tal critério, na medida em que o mesmo poderia levar resultados incorretos. Por um lado, face à impossibilidade de se determinar um valor perfeitamente seguro21. E, por outro lado, o facto do negócio não ter em vista a aquisição da totalidade das participações sociais, não se poderá dizer que as partes não tiveram em vista transmissão do controlo sobre a empresa. Bastará pensar-se, por exemplo, numa situação em que a parte do capital social que não é transmitida é insuscetível de influenciar a gestão da empresa.
Em segundo lugar, é mister saber, à luz da interpretação dos contratos, qual o objetivo último das partes envolvidas no contrato, sendo que, tal equiparação poderá ocorrer quando o preço pelo qual o negócio se concretizou foi determinado em função do valor da empresa em concreto e não do valor da sociedade comercial
21 “Como se sabe, a importância do capital detido varia muito com as circunstâncias de cada sociedade, e, designadamente, com os acordos parassociais, com a maior ou menor dispersão do restante capital, com a organização e iniciativa dos restantes acionistas, etc., não podendo dizer-se sempre que basta a transmissão da maioria do capital social ou de dois terços deste”, XXXXXXXX, A. Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxx, A venda de participações sociais como venda de empresa”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3947, Ano 137.º, Coimbra Editora, Coimbra.
por ela detida. Inversamente, não poderemos falar em transmissão de empresa, por exemplo, nos casos em que as partes quiseram negociar exclusivamente a sociedade comercial ou nos casos em que a sociedade comercial não é proprietária de qualquer empresa22/23. Assim, o critério decisivo será o da qualificação do contrato, sendo que, para a sua interpretação serão decisivos os elementos que dele consta24. Deste conjunto de elementos, segundo a doutrina maioritária, o mais relevante será a percentagem de participações sociais adquiridas, desde logo, porque a aquisição de uma participação social minoritária, comparativamente com os restantes acionistas, não pode ser considerada uma aquisição indireta da empresa, tal como acontece, por exemplo, na aquisição da totalidade das participações sociais25.
Por fim, importa ainda ter em consideração o fundamento das normais legais aplicáveis. Por exemplo, não se poderá falar em transmissão de empresas nos casos em que o comprador adquire participações sociais de controlo num mercado de ações regulado. Na medida em que estamos perante mercados de negociação próprios, não poderemos aplicar, por exemplo, o regime da compra e venda de bens onerados e defeituosos (artigos 905.º e seguintes do Código Civil), pois tais mercados são dotados de normais legais especiais com vista à proteção das partes contratantes, nomeadamente de publicidade e informação26.
22 “(...) é um problema de interpretação do respetivo negócio jurídico se na cessão de partes sociais pode considerar-se envolvida a própria transmissão de empresa (trespasse), com as consequências de lhes serem aplicáveis as disposições legais que o seriam se as partes recorressem diretamente, para realizar os seus fins, a transmissão ou trespasse do haver social”, XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Sociedades fictícias e Unipessoais, Coimbra, Atlântida.
23 “Saber se a compra e venda de participações sociais é apenas aquisição de direitos sociais ou meio de aquisição de empresa e da posição de empresário depende da vontade das partes e do ponto de vista do tráfego. É, pois, um problema de interpretação do negócio jurídico celebrado: terão as partes querido transacionar tão-somente ações e o correspondente feixe de direitos sociais nelas corporizado ou a sua vontade ter-se-á dirigido mesmo à transação da própria empresa”, Xxxxxx xx Xxxxx, “A Empresa como Objeto do tráfego jurídico”, Estudos de Direito Comercial, Pareceres, Almedina, Coimbra, 1999.
24 “... a percentagem constitui apenas mais um indicio do objeto do contrato, a acrescer a outros que mostrem, por interpretação, ter-se adquirido efetivamente uma empresa explorada pela sociedade, e não uma simples participação no capital.”, XXXXXXXX, A. Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxx, A venda de participações sociais como venda de empresa”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3947, Ano 137.º, Coimbra Editora, Coimbra.
25 A doutrina tem discutido relativamente aos limites entre os quais que poderá considerar existir uma transmissão da empresa através da aquisição das participações, sendo que, tem-se entendido que tais limites se situarão entre uma aquisição maioritária e a aquisição da totalidade do capital, não obstante de poder haver exceções.
26 Relativamente à habitualmente denominada “compra em bolsa”, os referidos problemas não se colocarão. Ou seja, é entendido pacificamente quer pela doutrina quer pela jurisprudência que a compra e venda de participações sociais em mercados bolsistas não poderá ser equiparada a uma transmissão indireta de empresa, independentemente da percentagem de participações adquirida. Tal entendimento deve-se ao facto deste tipo contratual realizar-se em mercados especificamente regulados com normas que visam a proteção
4.2.2. MODALIDADES ESPECIAIS
Ao contrário do que acontece com a transmissão direta de empresa, em que a mesma apenas se pode efetuar tipicamente através de uma ou duas modalidades, a transmissão indireta de empresas poderá realizar-se através de variadíssimas formas, umas mais complexas do que outras. Como já se referiu anteriormente, a forte evolução do sistema económico-empresarial a que se tem assistido nas últimas décadas veio evidenciar as fragilidades do sistema organizacional da empresa individual, nomeadamente obstáculos de natureza organizacional, financeiro e legal, pelo que, foi necessário responder a estas novas exigências para o exercício da atividade empresarial.
4.2.2.1. LEVERAGED BUYOUT (LBO)
Entende-se por leveraged buyout, o negócio jurídico através do qual, mediante a aquisição maioritária ou total de uma participação social e não dispondo de capital ou liquidez necessária para a compra, o adquirente recorre ao financiamento de um terceiro, dando como garantia do cumprimento da obrigação o património da empresa adquirida. Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxxx, “fala-se de “buyout” porque o capital da empresa societária vai mudar de mãos; e a aquisição diz-se “leveraged” porque a empresa societária vai passar a possuir um nível de endividamento maior”. Importa referir que esta forma de transmissão indireta de empresa pode assumir várias modalidades, nomeadamente “management buyout” (MBO), os “employee buyout” (EBO) e os “family buyout” (FBO). Apesar de estarmos perante diferentes modalidades do mesmo negócio jurídico, todas elas têm em comum o facto de se tratarem de aquisição alavancadas financeiramente e apenas se distinguirem quanto aos sujeitos adquirentes27.
das partes, nomeadamente normas especiais de publicidade e informação, sendo que, o incumprimento das mesmas gerará responsabilidade civil para a sociedade cotada e outros agentes, cf. artigos 7.º, 134.º e seguintes, 198.º e seguintes, 378.º e seguintes, todos do Código dos Valores Mobiliários.
27 “no primeiro caso, os adquirentes da empresa societária “alvo” são os seus próprios administradores, que, negociando a aquisição da participação social de controlo com os sócios daquela, transmutam assim a sua posição de gestores para a de “proprietários” da empresa; no segundo caso, tais adquirentes são os trabalhadores da empresa adquirida, forma de aquisição que tem sido mesmo alvo de incentivos e regulação
4.2.2.2. REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIAS: FUSÕES, CISÕES E TRANSFORMAÇÕES DE SOCIEDADES
Outro meio importantíssimo de proceder à aquisição indireta de empresa é através de operações de reorganização ou restruturação societária, nomeadamente através das operações de fusão e cisão.
Tanto as fusões como as cisões constituem operações de transformação societária. No primeiro caso, sendo uma operação económico-jurídica de concentração intersocietária, verifica-se quando duas ou mais sociedades comerciais se unem para formar uma só sociedade comercial (artigos 97.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais)28. Contrariamente, no segundo caso estamos perante uma “operação de “desconcentração” ou descentralização societária, que consiste na operação jurídico-económica pela qual uma sociedade procede à divisão do seu próprio património, total ou parcialmente, com ou sem extinção da respetiva personalidade, sendo a parcela ou parcelas patrimoniais destacadas transmitidas para uma nova sociedade ou uma sociedade já existente” (artigos 118.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais)29.
Habitualmente, tanto as sociedades que se unem (no caso da fusão) como as sociedades que dividem (no caso da cisão) são titulares de uma ou mais empresas, pelo que, assim se compreenderá como, em determinados casos, poderemos estar perante transmissões indireta de empresas. No caso da fusão e, conforme nos diz a aliena a) do artigo 112.º do Código das Sociedades Comerciais, “com a inscrição da fusão no registo comercial, extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade”.
expressa em algumas ordens jurídicas estrangeiras; no último caso, os adquirentes contradistinguem-se pelo facto de constituírem indivíduos pertencentes a uma mesma família, sendo uma variante aquisitiva frequente sobretudo nos eventos de sucessão de empresas hereditárias ou de sociedade cotadas que se pretendem fechar sobre propriedade familiar”, XXXXXXX, X. Engrácia, “A empresa como objetivo de negócios – Asset Deals versus Share Deals”, Revista da Ordem dos Advogados, Vol. II/III, n.º 68, 2008.
28 “A fusão é o ato pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem uma única personalidade coletiva constituída pelos sócios de todas elas”, TAVERES, Xxxx, Sociedades e Empresas Comerciais, 2.ª Ed.
29 XXXXXXX, X. Engrácia, Os Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária, Almedina, Coimbra, 2002.
Relativamente à cisão, conforme nos diz a aliena b) do artigo 120.º do Código das Sociedades Comerciais, “só podem ser destacados para a constituição de nova sociedade bens que no património da sociedade a cindir estejam agrupados, de modo a formarem uma unidade económica”. Através da utilização da expressão “unidade económica”, é a própria lei que faz alusão a uma ou mais empresas da sociedade cindida.
Ora, por outro lado, importa referir estas modalidades de transmissão de empresas não se confundem com o habitual negócio de transmissão direta de empresa – o trespasse. Em primeiro lugar, ao contrário do que acontece com o trespasse, a fusão e a cisão são dotados de regimes jurídicos próprios, cuja validade e eficácia dependerá da verificação de um conjunto vasto de requisitos (projeto de fusão e cisão, fiscalização, aprovação, etc.). E, em segundo lugar, contrariamente ao que acontece com o trespasse, um dos efeitos quer da fusão quer da cisão é a transmissão universal do património30. Ou seja, enquanto que no trespasse, a cada elemento trespassado, será aplicável o respetivo regime jurídico, na fusão e na cisão a transmissão do património realiza-se de forma abstrata como uma unidade.
Por outro lado, também não se poderá confundir a fusão e a cisão com as restantes modalidades de transmissão indireta de empresas por dois motivos. Em primeiro lugar, enquanto que na aquisição de participações sociais de uma sociedade não existe uma alteração propriamente dita sobre a propriedade da empresa mas apenas uma alteração do respetivo sócio de controlo, na fusão e na cisão os efeitos jurídicos destas reorganizações societária repercutem-se diretamente na personalidade jurídica e património titular da empresa, sendo que esta última será transferida para a nova sociedade. E, em segundo lugar, quando as participações sociais de uma sociedade são adquiridas por uma segunda sociedade, isto não terá como consequência a extinção da primeira sociedade, ao contrário do que acontece com a fusão em que pelo menos uma sociedade é extinta (dependendo da
30 “Fala-se de sucessão universal precisamente porque se transmite o património como universalidade. O património passa de um sujeito para outro na sua figura complexa e unitária, mantendo nas mãos do adquirente essa sua fisionomia. E porque o património tem uma composição hibrida, abrangendo direitos e obrigações, assim se transfere ao sucessor, que tanto recebe os bens e obrigações como as dívidas”, XXXXXXX, Xxxx, Xxxxx, Cisão, Transformações Societárias, Almedina, Coimbra, 1990.
modalidade)31 . “A adoção, em sede de fusão, do princípio de transmissão universal do património resulta da necessidade prática de facilitar a realização de uma operação global, não decomposta na multiplicidade de transmissões singulares relativas a cada um dos elementos do ativo e a cada elemento do passivo a que haveria lugar. A transmissão universal da totalidade dos elementos patrimoniais ativos e passivos opera-se como efeito unitário da inscrição da fusão no registo, portanto, num só momento e por um só ato, sem que seja necessária a observância de quaisquer condicionalismos ou formalidade que a lei exija nas transmissões a título singular dos direitos, obrigações e outras posições jurídicas, que integram o património”32.
4.2.2.3. LIQUIDAÇÕES SOCIETÁRIAS, JUDICIAIS E INSOLVENCIAIS
Por fim, importa ainda despender alguma parte deste estudo neste tema de enorme relevância que é a transmissão de empresas no âmbito de processos de liquidação societária, judicial e de insolvência. Numa época marcada por uma conjuntura em que a economia global tem sofrido com uma grave crise financeira, a verdade é que muitos empresários têm visto nesta situação uma oportunidade de negócio.
Antes de mais, importa referir que não estamos perante negócios estranhos ao nosso ordenamento jurídico, na medida em que os mecanismos mencionados têm assento legal. Veja-se, por exemplo, o que nos diz o n.º 1 do artigo 148.º do Código das Sociedades Comerciais relativo à liquidação por transmissão global, segundo o qual “O contrato de sociedade ou uma deliberação dos sócios pode determinar que todo o património, ativo e passivo, da sociedade dissolvida seja transmitido para algum ou alguns sócios, inteirando-se os outros a dinheiro, contanto que a transmissão seja precedida de acordo escrito de todos os credores da
31 “Também lembro que estão liminarmente afastadas das fusões as operações que incidem sobre as participações sociais. Se uma sociedade adquire todas as quotas ações aos sócios de outra sociedade, esta não se extingue, podem ser criadas entre ambas as relações de domínio ou de grupo, mas não há fusão entre ambas.”, VENTURA, Xxxx, Fusão, Cisão, Transformações Societárias, Almedina, Coimbra, 1990.
32 ABREU, Xxxxx Xxxxxxxx de, Código das Sociedades Comerciais em Comentário – Volume II, Xxxxxxxx, 0000.
sociedade”33. Ora, é indiscutível que através deste mecanismo, principalmente quando o património da sociedade é apenas constituído por um estabelecimento comercial, a consequência prática deste instrumento seja a transmissão da empresa. Isto é, numa primeira fase, a empresa é vendida a um sócio mediante o pagamento de um preço, sendo que, numa segunda fase, a empresa se irá extinguir face à inexistência de qualquer ativo. Importa, por outro lado, referir que não estamos perante aquelas situações em que uma sociedade com determinado objeto social decide alienar o seu estabelecimento comercial através de um trespasse por exemplo. Alguns autores defendem que, na medida em que a sociedade alienou o seu próprio estabelecimento comercial e sendo este indispensável para o exercício do seu objeto social, estamos perante uma verdadeira liquidação da sociedade34. Ora, deste já avançamos que discordamos deste entendimento. O facto de uma sociedade alienar o estabelecimento comercial de que é titular e que é imprescindível para o exercício do objeto social não quer dizer que estamos perante uma situação de dissolução. Antes de mais, importa referir que o objeto social de uma sociedade não se confunde com o estabelecimento comercial de que esta é titular num determinado momento. Imagine-se, por exemplo, uma sociedade que tem por objeto a exploração de um determinado hotel. Ora, nada impede que a sociedade aliene o seu único hotel e posteriormente adquira outro. E, por outro lado, em momento algum, os artigos 141.º e 142.º do Código das Sociedades Comerciais nos referem que a venda do estabelecimento social é causa de dissolução imediata da sociedade. Refere-se, apenas, o artigo 142.º, n.º 1, c) do mesmo diploma que poderá ser requerida a dissolução da sociedade caso esta não tenha exercido qualquer atividade durante anos consecutivos. No entanto, e como se verifica, não estamos perante um efeito imediato.
33 “Muchos han sido los autores que consideran que, pese el escasso recorrido que há tenido la cesión global como autêntica modificación estructural, la misma acabará convirtiéndose em um instrumento frecuente em la transmisión de empresas, especialmente por la simplicidade de su tranmitación.”, FUENTES, J. Massaguer, La Cesión Global del Activo y Passivo, 228 “Revista de Derecho Mercantil” (1998).
34 “Há que ter em conta que é possível requerer a dissolução da sociedade quando a atividade que constitui o objeto social se torne de facto impossível. Parece que a venda do estabelecimento cuja exploração está prevista como objeto social torna de facto impossível a atividade que constitui o objeto social. Para além disso, substancialmente, a venda do estabelecimento referido acaba por ser um verdadeiro ato de liquidação”, XXXXXXX, A. Soveral, “Transmissão da Empresa Societária: Algumas Notas”, in: AAVV. Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, Vol. I, Coimbra Editora.
Outro mecanismo de natureza judicial é a penhora de empresa35. Conforme nos diz o artigo 782.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “a penhora do estabelecimento comercial faz-se por auto, no qual se relacionem os bens que essencialmente o integram ...”, sendo que, tal situação não impede que este prossiga o seu normal funcionamento. Ora, sendo o estabelecimento comercial uma “organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma atividade comercial”36, não há dúvidas de que a venda executiva do estabelecimento constitui uma modalidade de transmissão direta de empresa. Podendo a venda do estabelecimento ocorrer através de diferentes modalidades, nos termos do artigo 811.º do Código de Processo Civil, a penhora confere ao Exequente, nos termos do artigo 822.º do Código Civil, o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, sendo que, uma eventual adjudicação conferirá ao adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
Por fim, importa não esquecer que a transmissão de empresas poderá ocorrer também em situações de insolvência. Face às múltiplas dificuldades que a economia global tem enfrentado nos últimos anos, os países que tenham sistemas jurídicos insolvenciais mais eficazes, capazes de devolver à sociedade com mais celeridade os ativos produtivos terão certamente mais vantagens face às demais37. Ora, declarada a insolvência de uma determinada sociedade, e passando o juiz e os órgãos da insolvência (administrador de insolvência, comissão de credores e assembleia de credores) a ser os “donos” da massa insolvência, qualquer intenção de alienar os bens que a constituem terá que passar necessariamente pelo processo judicial. Sendo que, a aquisição de uma empresa no âmbito de um processo deste tipo poderá concretizar-se através de quatro formas: conversão de créditos em capital38;
35 XXXXXX, X. Xxxxx, A Penhora e a Venda Executiva do Estabelecimento Comercial, 9 “Themis – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa” (2004).
36 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de, Curso de Direito Comercial, Vol. II, Das Sociedades, 4.a Edição, Almedina, Coimbra, 2012.
37 Texto disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/00-00000_Xxxxx.xxx (consulta em 27 de Dezembro de 2016).
38 Nos termos do artigo 198.º, n.º 2, b) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, no âmbito de plano de insolvência, poderá equacionar-se um “aumento de capital social, em dinheiro ou em espécie, a subscrever por terceiros ou por credores, nomeadamente mediante a conversão de créditos em participações sociais...”. “Nos casos em que o insolvente seja uma sociedade comercial, a aquisição dessa participação social
aquisição extrajudicial de participações sociais39; saneamento por transmissão40; e aquisição da empresa no âmbito da liquidação do património do insolvente41.
4.3. TRANSMISSÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS COMPARATIVAMENTE AO TRESPASSE – VANTAGENS E DESVANTAGENS
“Sabe-se que hoje praticamente não se trespassam empresas. Antes se transmitem as participações de domínio ou de controlo das sociedades que
constituirá uma forma de aquisição do controlo da empresa em causa, em especial, quando a participação social adquirida seja uma participação maioritária, logo suscetível de conferir o domínio sobre a sociedade”, cfr. XXXXX, Xxxxx Xxxxx, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 2006. Ora, sendo a liquidação da massa insolvente o mecanismo principal para a satisfação dos credores, esta poderá ser uma alternativa nos casos em que fique demonstrado que a sociedade insolvente apresenta condições para manter o seu funcionamento.
39 Esta forma de transmissão de empresa não se encontra prevista no Código de insolvência e Recuperação de Empresa, no entanto, alguns autores dependem que tal não obsta a que a mesma não possa ser considerada. Anteriormente, o artigo 30.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência estipulava que a alienação de participações sociais de sociedades insolventes não tinham consequências jurídicas para o devedor, salvo se autorizadas judicialmente. Ora, com a reforma do Código de insolvência e Recuperação de Empresa, e com o desaparecimento da referida norma, parece ter havido por parte do legislador uma intenção de fazer desaparecer esta restrição, reforçando assim a iniciativa privada, sem que se verifique qualquer prejuízo para os credores ou do devedor. Cfr. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx/ LABAREDA, João, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência Anotado, 3.º Edição, Quid Juxxx, Xxxxxx, 0000, tal restrição visava prevenir “(...) a realidade de operações suscetíveis de conduzir ao aproveitamento ilegítimo da situação de exceção em que a empresa (sociedade) vive,” nomeadamente através de imóveis ou cedência de exploração do estabelecimento comercial. No entanto, e tendo em consideração o atual regime jurídico insovencial, esta restrição já não se justifica, na medida em que, todo o processo é, nos dias de hoje, conduzido no interesse primário dos credores. Nas palavras de XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx, Estudos em Memória do Professor Doutor Xxxx Xxxx Xxxxxxx, Coimbra, 2007, os credores “são considerados convertidos em proprietários económicos dos bens que integram a massa insolvente, e entende-se – entendeu o legislador – que ninguém melhor do que eles mesmos deve decidir do destino dos bens do insolvente.”
40 Medida prevista no artigo 199.º do Código de insolvência e Recuperação de Empresa, que implica a alienação de um ou mais estabelecimentos da empresa em beneficio de uma outra sociedade. Tal como acontece com a conversão de créditos em capital, esta medida apenas poderá ser adotada no âmbito de um plano de insolvência. Cfr. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx/ XXXXXXXX, Xxxx, Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falência Anotado, 3.º Edição, Quid Juxxx, Xxxxxx, 0000, esta medida é muitas vezes adotada nos casos em que o estabelecimento comercial rentabilidade positiva, pelo que, será importante destacá-lo da restante massa insolvente. Comparativamente com a conversão de créditos em capital, o saneamento por transmissão poderá ter duas vantagens: 1) a constituição de uma nova sociedade permitirá afastar-se de uma eventual má reputação da sociedade insolvente no mercado, sendo este aspeto bastante relevante nos casos em que a insolvência da sociedade é qualificada como culposa; 2) permite a intervenção de novos investidores, diferentes dos credores, o que não acontece na conversão de créditos em capital, em que os novos sócios da sociedade são necessariamente os credores da antiga sociedade insolvente.
41 Estando o Código de insolvência e Recuperação de Empresa estruturado para a satisfação dos credores, a liquidação da massa insolvente é o mecanismo mais frequente, sendo que, por vezes, desta poderá fazer parte uma empresa. Cfr. refere o artigo 162.º do CIRE, dá-se uma primeira tentativa de alienação da empresa como uma unidade jurídica autónoma, sendo que, caso não haja sucesso, passar-se-á para a liquidação de cada um dos seus elementos individualmente. Importa ainda referir que a lei portuguesa não estabelece um critério para a analise da melhor proposta, pelo que, caberá ao administrador de insolvência e à comissão de credores decidirem da proposta que melhor satisfaz os credores.
exploram as empresas.”42 No entanto, e considerando todo o exposto anteriormente, não poderemos dizer que a transmissão de participações sociais será melhor instrumento para a transferência da empresa face ao trespasse (ou vice- versa), senão vejamos.
O direito de preferência do senhorio no caso do trespasse do estabelecimento comercial pode muitas vezes obstruir a conclusão do negócio. Pense-se, por exemplo, no caso em que o arrendatário quer vender a empresa a um terceiro, no entanto, sabe que se o fizer terá que dar preferência ao senhorio, nos termos do artigo 1112.º, n.º 4 do Código Civil (“O senhorio tem o direito de preferência no trespasse por venda ou dação em cumprimento, salvo convenção em contrário”). Assim, e conforme Xxxxxxx Xxxxx, “a transmissão das participações configura-se muitas vezes como um claro instrumento para fugir ao rigor normativo do artigo 1112.º (...)”, na medida em que, neste caso verifica-se apenas uma alteração dos sócios adquirentes das participações, mantendo-se a sociedade arrendatária do estabelecimento comercial. Não obstante, como já se referiu anteriormente, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em determinadas situações, é possível equiparar-se a transmissão das participações sociais ao trespasse, nomeadamente nos casos em que é alienada a totalidade das participações sociais ou quando apenas não são adquiridas uma parte não significativa, pelo que, em termos económicos, estaremos perante uma verdadeira venda de empresa43. Desta forma, embora possamos estar perante, numa primeira fase, uma vantagem da transmissão das participações sociais face ao trespasse, a verdade é que, em caso de litigio, o senhorio poderá vir a exercer judicialmente o seu direito de preferência e até mesmo a resolução do contrato de arrendamento.
Por outro lado, na estruturação do negócio e ainda na escolha entre uma transmissão direta e uma transmissão indireta da empresa, é habitual as partes
42 COSTA, Xxxxxxx, O Novo Regime do Arrendamento Urbano e os Negócios sobre a Empresa, Congresso Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. I, Coimbra Editora, 2007.
43 Neste sentido, vide Xxxxxxx da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2006 disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/00000xx000000000000000xx00000xxx/xx0000000x0000x000000000000x000x?X penDocument, “A alienação da totalidade das participações representativas do capital social de uma determinada sociedade comercial constitui um caso de desconsideração da personalidade jurídica e traduz-se no trespasse do respetivo estabelecimento comercial. Não tendo sido comunicada tal alienação aos senhorios, foi violado o contrato de arrendamento, facultando àqueles fundamento para a resolução do mesmo, nos termos do art.º 64.º n.º 1 al. f) do RAU.”
envolvidas terem uma particular atenção ao regime fiscal. De um ponto de vista muito geral e sem nos querermos alongar muito a este respeito, em termos fiscais, a transmissão indireta (“share deals”) poderá apresentar algumas em relação à transmissão direta (“asset deal”) da empresa, na medida em que esta envolve obrigações tributárias significativas e por vezes exageradas. A título de exemplo, se estivermos perante um trespasse de um estabelecimento comercial concretizado através de um compra e venda, o primeiro passo será averiguar se o vendedor é uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva. Caso estamos estejamos perante uma pessoa singular, o valor pela qual a venda se concretizou será sujeito a IRS (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares), na medida em que estamos perante rendimentos empresariais, nos termos do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Contrariamente, se o alienante for uma pessoa coletiva, sendo os casos mais frequentes, o valor da venda está sujeito a IRC (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas), na medida em que estamos perante um rendimento e ganho, nos termos dos artigos 4.º e 20.º n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Por outro lado, quer o alienante seja uma pessoa singular ou coletiva, o negócio está sujeito ainda a Imposto de Selo à taxa de 5% sobre o valor da venda, nos termos do ponto 27.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo. Inversamente, se estivermos perante uma compra e venda de participações sociais, regra geral, a mais-valia (quando a diferença entre o valor de aquisição e de realização das participações sociais é positivo) será tributável, caso o alienante seja pessoa singular, em sede se IRS, nos termos do artigo 10.º n.º 1
b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singular ou, caso o alienante seja pessoa coletiva, em sede de IRC, nos termos dos artigos 3.º e 20.º n.º 1 f) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Por fim, caso transmissão da empresa se concretize diretamente através da fusão ou cisão, o legislador previu um regime especial de tributação previsto entre os artigos 73.º a 78.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, com o objetivo de assegurar a neutralidade fiscal destas transformações societárias. Relativamente aos sócios das sociedades fundidas ou cindidas, apenas serão
tributados em sede de IRC nos casos previstos no artigo 76.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
4.4. DO REGIME JURÍDICO
Analisadas as diversas modalidades de transmissão de empresas, importa agora tecer algumas considerações em relação aos regimes jurídicos que lhe são aplicáveis em concreto. Conforme já foi referido anteriormente, a transmissão da empresa por via direita ocorre tipicamente nas empresas individuais de pequena e média dimensão, enquanto que a transmissão indireta da empresa ocorre sobretudo nos casos em que está em causa uma empresa de maior dimensão e em que o negócio envolve já montantes consideráveis. Não obstante, a escolha de uma modalidade de transmissão em detrimento de outra apenas pode ser efetuada pelas partes envolvidas tendo em conta as características especificas de cada negócio jurídico em concreto, sendo que, tal escolha terá certamente em consideração diversos fatores, nomeadamente as partes intervenientes no negócio jurídico, a fisionomia da própria empresa objeto do negócio, o regime fiscal aplicável, etc. Considerando os inúmeros veículos jurídicos transmissivos de empresas existentes nos ordenamentos jurídicos, cada um com o seu regime jurídico especifico, aquilo que importará às partes, isto é, ao alienante e ao adquirente, não será saber todos os pormenores desses mesmos regimes, mas sim terem conhecimento de uma forma sintética das suas vantagens e desvantagens, para que possam retirar o maior proveito possível do negócio em questão.
Passemos, então, a analisar, de modo sucinto, o regime jurídico e a formação dos negócios típicos de transmissão direita e indireta: respetivamente, o trespasse e a compra e venda de participações sociais.
4.4.1. REGIME JURÍDICO DA TRANSMISSÃO DIRETA DE EMPRESA (“ASSET DEALS”)
Como já foi referido anteriormente, o trespasse a locação financeira são os veículos jurídicos mais usuais quando se trata de transmissão direta de empresas individuais, na medida em que estamos perante modelos jurídicos bastante simplistas, previstos nos artigos 1109.º e 1112.º do Código Civil. No caso do trespasse será, posteriormente, aplicado o negócio jurídico que estiver lhe subjacente (habitualmente a compra e venda e a locação, nos termos e para efeitos dos artigos 874.º e seguintes, artigos 1022.º e seguintes, todos do Código Civil).
Por outro lado, importa referir que o contrato de trespasse está sujeito a forma legal, nos termos do n.º 3 do artigo 1112.º do Código Civil, tendo este que ser reduzido a escrito – sendo o requisito mínimo o documento particular, sob pena de nulidade (artigo 280.º do Código Civil)44. Ora, sendo o trespasse um negócio jurídico que tem como objeto a empresa “tale quale”, o nosso ordenamento jurídico não dispõe de um regime jurídico unitário que permite a circulação dos elementos integrantes da empresa e, por consequência, levará à necessidade de observância das normas especificas de transmissão relativas a cada uma das classes de elementos que constituem a xxxxxxx00.
Esta realidade é também aplicável aos créditos e débitos da empresa que permanecem, salvo disposição em contrário, com o vendedor, na medida em que, contrariamente ao que acontece noutros ordenamentos jurídicos, o legislador português não previu uma regra específica relativa à transmissão global e automática dos negócios jurídicos, créditos e débitos da empresa. Por consequência, à transmissão para o adquirente das posições ativas e passivas da empresa serão
44 O trespasse está sujeito à forma legal da escritura pública, que veio a ser dispensada por força da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que alterou a redação do artigo 1112.º n.º3 do Código Civil, passando a ser suficiente a forma escrita.
45 A título de exemplo, se um imóvel é um dos elementos integrantes do estabelecimento, a transmissão definitiva do estabelecimento exige, porque está em causa a transmissão do direito de propriedade sobre o prédio, a observância de escritura pública (artigo 875.º do Código Civil): AURELIANO, Nuno, “A Obrigação de não Concorrência do Trespassante no Direito Português”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, vol. IV, 717-815, Almedina, Coimbra, 2003.
aplicáveis as normas jurídicas previstas nos artigos 424.º e seguintes, 577.º e seguintes e 595.º e seguintes, todos do Código Civil. Quer isto dizer que, tanto os créditos (por exemplo, resultantes de vendas a consumidores, créditos titulados por letras ou livranças, indemnizações no âmbito da responsabilidade civil) como as dívidas (por exemplo, a fornecedores, a trabalhadores, à Segurança Social ou à Autoridade Tributária) permanecem na esfera jurídica do alienante, salvo convenção em contrário. Relativamente aos créditos, diz-nos n.º 1 do artigo 577.º do Código Civil que o “credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor (...)”, no entanto, apenas produzirá efeito perante este último caso a cessão lhe seja notificada, nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do Código Civil. No que concerne às dívidas, diz-nos n.º 1 do artigo 595.º do Código Civil que “A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se (a)) por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor, ou (b)) por contrato entre o devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor” (sublinhado nosso), sendo que, em ambos os casos, o alienante continuará a responder solidariamente perante as dívidas simultaneamente com o novo obrigado, salvo declaração expressa em contrário do credor, n.º 2 do mesmo preceito legal.
Porém, não obstante da regra geral ser a da intransmissibilidade universal e automática, é possível encontrar no ordenamento jurídico português algumas exceções ao artigo 424.º do Código Civil, isto é, situações em que a alteração da posição jurídica ocorre sem que haja a necessidade de consentimento ou notificação de terceiros. Veja-se, a título de exemplo, o que nos diz o artigo 1112.º n.º 1 a) do Código Civil, relativamente ao contrato de arrendamento comercial ou industrial, o artigo 318.º n.os 1 e 3 do Código do Trabalho, relativamente aos contratos de trabalho, ou ainda o artigo 431.º do Código Comercial, relativamente aos contratos de seguro.
4.4.2. REGIME JURÍDICO DA TRANSMISSÃO INDIRETA DE EMPRESA (“SHARE DEALS”)
Conforme já anteriormente exposto, os veículos jurídicos de transmissão indireta de empresas, com origem nos países da “Common Law”, são cada vez mais frequentes, nomeadamente quando se trata de aquisição de participações sociais, fusões e cisões. Face à insuficiente regulação jurídica dos negócios jurídicos de transmissão direta de empresas, nomeadamente em matéria de incumprimento e das garantias, aqueles são, assim, a alternativa única para lidar de forma adequada com estes negócios aquisitivos de elevada complexidade. Fortemente influenciados pela autonomia privada das partes, habitualmente estes negócios jurídicos atravessam diferentes fases.
Numa primeira fase – pré contratual –, é frequente a celebração de acordos preliminares46 pelas partes, nos quais estipulam diversos aspetos que podem ser considerados relevantes, por exemplo, negociar em boa-fé, estipular o objeto da negociação e formalizar os termos e condições, estabelecer procedimentos e ainda questões acessórias relativas à exclusividade, confidencialidade e responsabilidades (“confidenciality agreement”, “lock-out agreements”, “standstill agreement”), através de cláusulas que imponham ao potencial alienante o dever de não negociar a empresa com nenhum terceiro, sendo que, no caso de a empresa vir a ser alienada a esse potencial adquirente, o alienante terá que suportar todos os custos suportados pelo interessado. É o que sucede, por exemplo, na celebração dos memorandos de entendimento e nas cartas de intenção (“letter of intente, memorandum of understanding,
46 Questão muito discutida é a de saber da relevância jurídica destes tipos de acordos no ordenamento jurídico português. Ou seja, dispondo o artigo 227.º do Código Civil – culpa in contrahendo –, que as partes devem basear toda a sua atuação, quer na formação do contrato quer numa fase anterior a este, no princípio da boa-fé sob pena de responsabilidade pré-contratual, então qual será o valor jurídico destes acordos preliminares? Para Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, Financiamento de Aquisição de Empresas, Universidade Católica Portuguesa, 2012, “tais acordos terão sempre de ter efeitos jurídicos, na medida em que é esse o propósito destes acordos...”, “ainda que as partes estabeleçam por acordo que não haja, durante determinada fase das negociações, qualquer obrigação de celebrar o contrato principal, essa declaração produz efeitos jurídicos, ainda que negativos ou extintivos.”. Xxx, entendemos que o intuito do acordo preliminar não é obrigar à celebração de um contrato, mas sim impor a obrigação de negociar. Ou seja, deste não resultam obrigações em sentido técnico, mas apenas deveres de comportamento, semelhantes àqueles que resultam do art.º 227.º do Código Civil – atuar em boa-fé, tendo em vista a celebração de um contrato. No entanto, comparativamente ao artigo mencionado, dos acordos preliminares resultam deveres acrescidos, na medida em que, a celebração deste tem como objetivo um reforço da confiança da outra parte.
etc.”). Noutros casos, por exemplo, as partes chegam mesmo a vincular-se na celebração do contrato final ou, contrariamente, definindo logo determinados aspetos fundamentais quanto ao regime de transação, como por exemplo acordos complementares, acordos de base ou contratos-quadro47.
Para além destes acordos, é também usual nesta fase pré-negocial a realização de auditorias (due diligence), para que o eventual adquirente possa, no momento da tomada de decisão, estar munido de um conhecimento mais detalhado sobre a situação económica da empresa objeto da negociação. Assim, estes procedimentos têm como principal objetivo reduzir a assimetria de informação existente entre as partes 48.
Por outro lado, e já na fase executória do contrato, importa referir que, salvo raras exceções, o processo de aquisição de uma empresa raramente termina com a celebração do contrato (leia-se “assinatura do contrato”) donde resulta os direitos e obrigações das partes contraentes, na medida em que o mero acordo entre estes não produz efeitos translativos. Tipicamente, nas transações de maior complexidade, é usual estruturar o negócio em dois momentos diferente: num primeiro momento – signing –, são fixados os termos contratuais a que as partes se obrigam, ficando a produção dos reais efeitos desse mesmo contrato diferida para um momento posterior através da celebração do acordo de execução – closing document49.
Apôs o momento da celebração do contrato, será necessário, então, dar cumprimento às formalidades essenciais à eficácia desse mesmo contrato, nomeadamente à produção dos seus efeitos translativos. Desta forma, e tendo em consideração o negócio específico pelo qual a empresa irá ser transmitida, o registo é um momento fundamental para a produz de efeitos transmissivos, sendo que em
47 Segundo Engrácia Antunes, in Direito dos Contratos Comerciais, o ponto de partida será o da interpretação dos termos desses acordos e do apuramento da vontade das partes. Ou seja, para este autor, se há casos em que a celebração destes acordos não gera qualquer tipo de obrigações contratuais (circunscrevendo-se unicamente ao plano pré-contratual), há casos em que os acordos celebrados têm já uma definição de regime tipicamente contratual e, nessa medida, um eventual incumprimento definitivo pode constituir o contraente infrator em responsabilidade contratual pelos danos causados ao outro contraente, nos termos do artigo 798.º do Código Civil.
48 A relevância desde procedimento irá ser tratado mais à frente durante este trabalho.
49 Na terminologia anglo-saxónica, este termo é frequentemente utilizado para as situações em que se queira referir ao momento a partir do qual as partes querem que o contrato produza os seus efeitos, bem como para as situações em que se queira referir o momento do efetivo cumprimento das obrigações originadas pelo contrato.
certos casos poderão vir a ser necessárias, até mesmo, outras formalidades, que não registo.
Caso a transmissão da empresa se realize através da fusão, diz-nos os artigos 112.º do Código das Sociedades Comercias e 3.º, n.º 1, alínea r) do Código de Registo Comercial que a produz dos efeitos translativos dá-se apenas através do registo, tal como acontece também nos casos em que a empresa tenha sido transmitida através da cessão de quotas da sociedade que a detenha, nos termos e para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, alínea c) do Código de Registo Comercial.
Situação mais complexa, e que importa analisar, será os casos em que se adquiram participações sociais, onde a efetiva transmissão da titularidade carecerá de registo em conta do adquirente quando estas sejam escriturais (artigo 80.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários), ações tituladas integradas em sistema centralizado (artigo 105.º do Código dos Valores Mobiliários) ou ações tituladas ao portador que já estejam depositadas no depositário indicado pelo adquirente (artigo 101.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários).
Quanto ao momento da eficácia transmissiva, a abundância de soluções, impede a adoção de construções unitárias, não podendo este fenómeno ser considerado como um todo50. Como já foi referido anteriormente, os negócios transmissivos indiretos apresentam uma enorme vantagem face aos negócios transmissivos diretos. Tendo os primeiros como objeto as quotas ou ações de uma sociedade comercial, a sua transmissão não implica a observância de qualquer formalidade relativamente a cada um dos seus elementos que compõem, nomeadamente imóveis, contratos, créditos, débitos, sinais comerciais51. Bastará,
50 A este propósito, será necessário considerar várias sub-hipóteses: caso estejamos perante registo da transmissão de valores mobiliários escriturais e titulados em sistema centralizado, considera-se como data do registo a data do facto transmissivo, se o registo for oficioso (artigos 66.º n.º1 e 69.º n.º1 do Código dos Valores Mobiliários), ou com a data da apresentação a registo, se sujeito ao impulso do interessado (artigos 66.º n.º2 e 69.º n.º2 do Código dos Valores Mobiliários); se os valores mobiliários estiverem bloqueados, considera-se como momento da transmissão a data da cessão (artigos 69.º n.º4 do Código dos Valores Mobiliários); perante valores mobiliários titulados ao portador, considera-se como momento da transmissão o momento da sua entrega, sendo que, nos restantes tantos, deverá considerar-se o momento da apresentação a registo (artigos 101.º n.º2 e 102.º n.º5 do Código dos Valores Mobiliários); Assim, se a transmissão ocorrer fora do mercado regulamentado, o registo assumirá carácter constitutivo (artigos 69.º n.º 2, 73.º - 75.º, 78.º n.º 2 e 80.º n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários), caso contrário, a transmissão apenas ocorrerá verificadas as formalidades anteriormente assinaladas.
51 Ao contrário do que acontece na transmissão direta de empresas, na transmissão indireta os adquirentes das participações sociais não sucedem na titularidade da empresa enquanto acervo organizado de meios
para tal, a verificação das regras específicas para a transmissão de quotas52 e da transmissão de ações.
Paralelamente, durante esta fase, é comum verificarem-se outras formalidades, nomeadamente obtenção de autorizações ou licenças, comunicações às entidades reguladoras e de supervisão, realização de novas auditorias, aprofundando-se e confirmando-se a due diligence realizada na fase pré-contratual, e ainda o habitual recurso a um escrow agent, no qual fica depositado parte do preço de forma a garantir o correto e integral cumprimento das obrigações do alienante53.
Elemento essencial num processo de aquisição de empresas prende-se com o financiamento. Habitualmente, estas operações envolvem enormes encargos para o comprador, sendo que, podendo estes ser suportados mediante capitais próprios ou então através do recurso a financiamento mediante emissão de valores mobiliários ou/e financiamento bancário. Sendo o recurso a instituições de crédito, em especial a instituições bancárias, a situação mais frequente, não se poderão aplicar aqui as regras da contratação em massa, sendo necessária uma análise cuidada e personalizada quer das necessidades da operação em causa quer das necessidades dos próprios intervenientes.
Habitualmente, a instituição bancária e o comprador celebram um contrato – “o contrato de financiamento” – que visa fornecer um quadro jurídico dentro do qual se irão reger os sucessivos contratos celebrados entre as partes no âmbito da operação de aquisição. Dentro deste “contrato de financiamento”, podemos ter várias modalidades de financiamento, e tendo em consideração a prática utilizada no
patrimoniais e produtivos, na medida em que existirá sempre a interposição da sociedade comercial, essa sim “proprietária” da empresa, que permanece como tal antes e depois do negócio transmissivo. Quer isto dizer que, nesta modalidade de transmissão da empresa, verificar-se-á apenas uma alteração do controlo económico da empresa, e não jurídica, na medida em que esta continua a pertencer à sociedade comercial. Importa referir que não estamos perante uma regra absoluta, podendo esta ser afastada através de cláusulas de “change of control”, as quais atribuem à contraparte do direito de resolução do contrato em caso de alteração do controlo da empresa.
52 Habitualmente, a transmissão deve ser reduzida a escrito (nos termos do artigo 228.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais), sendo necessário o consentimento da sociedade (nos termos dos artigos 228.º n.º 3 e 230.º do Código das Sociedades Comerciais) e tornando-se eficaz com o registo comercial e respetiva publicação (nos termos dos artigos 242.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais e artigos 3.º c), 15.º n.º 1 e 70.º n.º 1 do Código de Registo Comercial).
53 Vide, em geral, XXXXXXX, X. Morais, Do contrato de Depósito Fiduciário, Diss. Lisboa, 2005.
Project Finance, importa assinalar os créditos de ligação (bridge resource54) e os créditos com risco limitado (limited resource55) para o comprador.
Importa não deixar de fazer referência às cláusulas de market flex (ou adaptação de taxa de juros) que, face às enormes oscilações dos mercados e, por consequência, taxas de juros, são cada vez mais utlizadas nos contratos de elevado porte de financiamento. Muito sumariamente, são cláusulas que permitem, por vontade unilateral da parte que concede o crédito, uma revisão a posteriori dos termos contratuais, habitualmente as taxas de juros, em que esse mesmo crédito foi concedido em caso de alteração superveniente das condições de mercado56.
A importância do financiamento é de tal forma elevada que, em algumas operações transmissivas, o financiamento terá que estar garantido mesmo antes da concretização da operação. A título exemplificativo, tenha-se em consideração o disposto na alínea b) do artigo 179.º do Código dos Valores Mobiliários (sob epigrafe “registo da oferta pública de aquisição”), segundo o qual o pedido de registo de oferta pública de aquisição apresentado à CMVM é instruído com os documentos comprovativos (...) do depósito da contrapartida em dinheiro ou emissão da garantia bancária que cauciona o pagamento;
5. A RELEVÂNCIA DA INFORMAÇÃO E A SUA REVELAÇÃO (EM PARTICULAR, PROCEDIMENTO DE DUE DILIGENCE)
Analisadas as particularidades quer do regime jurídico da transmissão direta de empresas quer do regime jurídico da transmissão indireta de empresas, importa agora analisar alguns aspetos essenciais e que são comuns a ambos os tipos de negócios, nomeadamente no que concerne à transmissão de informação por parte do alienante relativa à situação real da empresa. Sendo este o atual titular da
54 Visa fundamentalmente suprir as necessidades de liquidez do beneficiário num curto espaço de tempo, estando, por isso, sujeito a taxa de juros mais elevadas e prazos de maturação mais reduzidos.
55 Expressamente prevista no artigo 602.º do Código Civil, esta modalidade consiste no contrato de crédito pelo qual as partes limitam contratualmente a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens. É muito frequente as partes utilizarem esta modalidade de concessão de crédito conjugada com outros mecanismos, nomeadamente cartas de conforto limitadas a um determinado montante.
56 Para maiores desenvolvidos sobre o conceito bem como das suas modalidades, vide MUGASHA, Agasha,
The Law of Multi-Banl Financing, Syndicated loans and the secondary loan market, Oxford (2007).
empresa, a informação a ser passada para o adquirente será fulcral para a formação esclarecida e consciente da sua vontade sobre o objeto e a causa do negócio57.
No entanto, importa, desde já, referir que é nosso entendimento que o alienante não está, de qualquer modo, obrigado a revelar toda e qualquer informação. Isto é, entendemos que sobre o adquirente recai um ónus de ser informar58, tanto quanto lhe for possível, sobre a situação real da empresa. Tudo isto faz com que apenas recaia sobre o alienante um dever de informação nas situações em que não seja exigível ao adquirente o esforço de obter a informação em questão através de meios próprios. Inversamente, e por outras palavras, o alienante não está obrigado a transmitir determinada informação ao adquirente nos casos em que essa mesma informação possa ser obtida através de um procedimento normal de auditoria.
Por outro lado, importa não deixar de analisar duas questões fundamentais relativas ao dever de informação. A primeira diz respeito a revelação de segredos comerciais e a segunda com a revelação de informação que não é essencial para a decisão de contratar do adquirente, mas que, de outro modo, não podia ser conhecida por este. Ora, relativamente à primeira questão, será necessário verificar no caso concreto da essencialidade dessa informação. Não obstante se estarmos perante um segredo profissional, a informação em questão poderá não ser relevante para uma tomada de decisão por parte do comprador, pelo que, neste caso, prevalecerá a tutela constitucional da livre iniciativa económica e da propriedade privada e, por consequência, não incidirá sobre o vendedor qualquer ónus de informação. No que concerne à segunda questão, a solução será a mesma, isto é, o importante não será saber se a informação poderia ser ou não conhecida pelo adquirente pelos seus próprios meios, mas sim se essa mesma informação poderá influenciar a decisão do comprador. Em procedimentos de due diligence, é frequente o adquirente enviar ao alienante uma lista (due diligence check list) de dúvidas que pretende ver esclarecidas, sendo que, neste documento poderão constar questões
57 CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx, Da boa-fé no direito civil, Almedina, Coimbra (1985); DA FRADA, Xxxxxx Xxxxxxxx, Teoria da confiança e responsabilidade civil, Coimbra (2003).
58 Este ónus não significa que o adquirente tem uma obrigação de realizar uma auditoria, sendo que, caso não o faça, poderá incorrer num qualquer ilícito. Significa antes que é um dever para o adquirente efetuar este procedimento, na medida em que, só em casos muitos excecionais é que o alienante irá ser totalmente colaborante com o adquirente e lhe irá relevar toda a informação.
não relevantes para o adquirente apesar deste querer deles ter conhecimento, como também poderão estar em falta questões que o vendedor considera essenciais para o comprador. Nesta caso, a solução será a mesma, ou seja, sendo a informação relevante e apesar da mesma não ter sido solicitada pelo adquirente, tal situação não isente o potencial alienante de a veicular ao comprador.
Ora, um importante procedimento a realizar para a obtenção pelo comprador de informação sobre a empresa quer diretamente (no caso de asset deals) que indiretamente (no caso de se tratar de share deal), concerne à realização de due diligence 59/60, que tem, nos últimos anos, vindo a adquirir uma enorme importância, nomeadamente nos contratos de maior dimensão, mas também como forma de reduzir uma eventual responsabilidade do vendedor.
Como foi referido anteriormente, a assimetria informativa entre o vendedor e o comprador é, muitas vezes, um entrave à concretização do negócio em causa61, pelo que, a realização de due diligence antes da celebração de um eventual contrato assume aqui uma função preventiva, isto é, como forma de conhecer previamente da existência de eventuais defeitos da sociedade-objeto62, sendo que, posteriormente, da analise de toda a informação obtida, resultará ou não a decisão de contratar e, em caso afirmativo, em que termos, isto é, se a transmissão da empresa irá ocorrer diretamente ou indiretamente63. O resultado da auditória poderá ainda ter consequências na determinação do preço, num eventual alongamento do
59 Traduzido à letra, significa “diligência devida”, ou por outras palavras a diligência que é expetável: cfr. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (artigo 64.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais), in Jornadas de Homenagem ao Professor Doutor Xxxx Xxxxxxx. A reforma do Código das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, 2007, em nota.
60 A expressão foi pela primeira usada na Securities Act de 1933 dos EUA, um diploma relacionado com valores mobiliários, no qual se definia o grau de responsabilidade de determinadas pessoas por informações incorretamente prestadas durante a negociações desses mesmos valores.
61 Assimetria de informação que nem sempre se verifica. Pense-se, por exemplo, nos casos de aquisição da empresa através de um processo de management buy-out, em que os eventuais adquirentes são os próprios administradores da sociedade, encontrando-se estes munidos de toda a informação necessária.
62 Contrariamente ao que acontece com o regime jurídico da compra e venda de bens onerados e de coisas defeituosas previsto no Código Civil, que assumem já uma via de resolução do vicio, ou seja, nos casos de desconformidade entre a coisa negociada e coisa que efetivamente vendida. Além do mais, é defendido por vários autores a inaplicabilidade destes regimes à compra e venda de empresas, sendo que, desde ponto, propomo-nos tratar mais à frente.
63 Como já foi explicado anteriormente, a escolha do tipo de negócio assume uma especial relevância, nomeadamente no que respeita os seus efeitos futuros. Imagine-se, a título de exemplo, que apôs realizada a due diligence, verifica-se que a empresa objeto do negócio é devedora de avultadas quantias a terceiros. Neste caso em especifico, em benefício do comprador, o ideal será que a transmissão da empresa se faça através de trespasse, pois, como é sabido, neste negócio das dívidas não se transmitem para o trespassário (ou comprador), salvo convenção em contrário.
seu pagamento no tempo e ainda numa eventual redução do mesmo, sendo que, contratualmente existem mecanismos para acautelar estas situações, nomeadamente através de “escrow accounts”. Por fim, podemos ainda ter consequências na elaborar que cláusulas de garantia, também conhecidas como representations and warranties, como forma de acautelar certos vícios na empresa e que possam não ter sido identificados durante a due diligence. Sobre este tema propomo-nos falar mais adiante. Ora, é possível distinguirmos várias modalidades/classificações de due diligence, sendo estas distinguidas tendo em consideração o seu sujeito e o seu objeto. Quanto ao sujeito, a auditoria pode ser solicitada tanto pelo potencial adquirente como pelo potencial alienante. Claramente em menor número, as auditorias cuja iniciativa parte do vendedor poderão apresentar algumas vantagens para este, nomeadamente saber o valor real da empresa, antecipar eventuais condicionantes que podem ser apresentadas pelo comprador e também corrigir vícios (sejam eles contabilísticos, financeiros ou de outra natureza) prevenindo, desta forma, uma eventual situação de responsabilidade64. Por via de regra, as auditorias são solicitadas pelo eventual adquirente, permitindo-lhe, desta forma, adquirir uma maior perceção do valor real da empresa, mas também não ser
surpreendido no futuro com eventuais desconformidades da empresa65.
Quanto ao objeto, o mais frequente é a auditoria incidirem sobre elementos de natureza diversa. Por exemplo, a nível societário, a auditoria irá aferir da existência de contrato de sociedade e dos estatutos, da existência de acordos parassociais ou da existência de contratos ente os administradores e a sociedade. A nível fiscal (“tax due diligence”), será pertinente aferir da existência de eventuais riscos/contingências fiscais. A nível patrimonial, será importante aferir, por exemplo, da existência de contratos de compra e venda de imóveis da sociedade, de contratos de arrendamento, licenças de construção e de utilização dos bens imóveis e ainda das suas apólices de seguro. Por outro lado, vão surgindo outras áreas de
64 É ainda muito frequente nos casos em que o vendedor promove a venda das suas participações sociais através de “leilão” ou ainda nos casos em que é necessário elaborar um prospeto no âmbito de uma oferta pública de venda e do qual resulta um dever acrescido de informação, podendo gerar, em caso se violação, responsabilidade civil.
65 Neste caso, o maior problema que se coloca ao vendedor é o da confidencialidade, isto é, até que momento
são o vendedor e a sociedade-alvo obrigados a colaborarem e revelarem toda e qualquer informação. Esta questão já foi por nós tratada pelo que para a mesma se remete.
interesse, como por exemplo auditorias a nível ambiental (“environmental due diligence”) e também a nível de propriedade industrial, na qual se afere, por exemplo, se a empresa é titular de patentes ou marcas, obras sobre as quais existam direitos de autor ou ainda licenças relativas a software.
Importa, ainda, não esquecer da pertinência do momento em que a auditoria é realizada, na medida em que, e seguindo o entendimento de XXXXX XXXXXX RUSSO66, “não é irrelevante que a auditoria ocorra antes da celebração do contrato, depois da celebração do contrato mas antes do closing, isto é, da sua plena eficácia contratual, ou ainda após esta plena eficácia”, sendo que, nos dois últimos casos é evidente que a auditoria realizada apenas poderá ser tida em consideração para efeitos de elaboração de cláusulas de garantia (também conhecidas por representations and warranties).
5.1. A RELEVÂNCIA DA DUE DILIGENCE, EM ESPECIFICO NOS CASOS DE AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
Face à especial delicadeza do tema, importa tecer algumas considerações, embora de uma forma muito sucinta, sob a relevância da due diligence nos casos de aquisição de participações sociais. Sendo a sociedade-alvo o objeto do negócio, o problema que se coloca é saber se sobre esta recai algum dever de informação perante o eventual adquirente, sendo que, desde já avançamos que seguimos pelo sentido negativo, não obstante de não haver qualquer impedimento de a sociedade consintir na realização da auditoria por parte do comprador67. Quando tal aconteça, deixará, por consequência, de haver um dever de informação sobre o alienante, passando sim a haver um ónus sobre o adquirente relativamente à informação que foi por este recolhida e não podendo fazer-se auxiliar de eventuais proteções que lhe possam ser concedidas nos caos em que a coisa vendida não corresponde em
66 Due diligence e responsabilidade. In I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Lisboa, Portugal, 8-9 de Outubro de 2010. – In I Congresso Direito das Sociedades em Revista Coimbra.
67 Quando autorizada, é habitual as partes determinarem os termos específicos em a auditoria se irá efetuar, nomeadamente, no que concerne às pessoas que poderão ter acesso à informação, durante quanto tempo, qual será a origem da informação, bem como a forma como irá ser disponibilizada.
singelo à coisa negociada, na medida em que essa desconformidade/vício da empresa é do seu próprio conhecimento68.
Já nas relações entre administradores da sociedade-objeto do negócio e administradores da sociedade adquirente, coloca-se a questão se saber até que ponto a realização de auditorias corresponde um dever destes últimos. Isto é, estando a atuação dos administradores sujeita a deveres de cuidado e de lealdade (nos termos do artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais), significa dizer-se que incide sobre estes um dever de obtenção de informação necessária ao normal desenvolvimento da atividade societária. Sendo o negócio de aquisição de participações sociais caracterizado por um elevado risco para o adquirente (devido a vários fatores, nomeadamente volumes de investimento, custo da transação, a incerteza quando às características do objeto adquirido, etc.), a realização de uma auditoria é, portanto, a ferramenta preferencial para a obtenção de informação69.
Estando, por outro lado, os administradores sujeitos a um dever de lealdade, tal impede que estes revelem informação relativa a segredos da sociedade. No entanto, entende-se que este impedimento não poderá ser absoluto, na medida em que a revelação da informação poderá trazer vantagens, nomeadamente para uma correta fixação do preço ou, em sentido contrário, a não revelação poderá fazer com que o eventual adquirente desista do negócio face à falta de informação70. A concessão da informação terá que ser aferida casuisticamente, ponderados diversos fatores, como por exemplo o momento em que o processo negocial se encontra, a relevância da informação transmitida (acesso a novos mercados, relação com
68 Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, in Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Coimbra, 2001.
69 Como já foi referido anteriormente, a realização da due diligence não é condição necessária para a concretização do negócio, cabendo aos administradores aferir no caso concreto se estão ou não munidos de toda a informação necessária. Neste sentido, importa ter em consideração o que nos diz o artigo 72.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual a responsabilidade dos administradores é excluída nos casos em que que estes provem terem atuado em termos informados, livres de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial. Ou seja, ficará sempre excluída qualquer responsabilidade dos administradores sempre que estes demonstrem terem atuado de acordo com o grau de informação necessário e adequado.
70 Em determinadas situações poderemos estar aqui perante um confronto entre o dever de xxxxxx e o dever de prossecução do interesse social da sociedade, isto é, se por um lado, os administradores têm o dever de não revelar determinada informação da sociedade, por outro lado, os administradores estão impreterivelmente obrigados a defender os interesses da sociedade. Imagine-se, por exemplo, que, estando a sociedade em grave situação financeira, a concretização do negócio de participações sociais poderá ser a única via possível para a sobrevivência da sociedade, sendo, portanto, necessária a colaboração da sociedade no sentido da concretização da aquisição.
fornecedores e clientes, novas técnicas de produção, novos parceiros, etc.) e até mesmo o próprio adquirente (imagine-se, por exemplo, que o eventual comprador é um concorrente da sociedade, pelo que, a revelação poderá originar uma situação de abuso da informação transmitida). Só depois desta aferição e caso estejam reunidas todas as condições necessárias para que a revelação de determinada informação não implique um abuso por parte do eventual adquirente, a administração da sociedade- alvo poderá permitir o acesso a essa mesma informação.
Como já foi referido anteriormente, uma forma de acautelar eventuais situações de abuso de informação, poderá passar pela celebração de um acordo de confidencialidade entre a sociedade alvo e o potencial adquirente. No entanto, mesma que tal não venha a acontecer, o facto da sociedade objeto do negócio ter disponibilizado determinada informação cria no adquirente um dever de sigilo decorrente da boa-fé negocial.
5.2. OS DEVERES DE INFORMAÇÃO, EM PARTICULAR O REGIME PREVISTO NO CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS
No ponto anterior, fizemos algumas considerações relativamente ao direito à informação nos casos de aquisição de participações sociais, em geral. No entanto, importa, por último, tecer breves considerações sobre os deveres de informação previstos especificamente nos mercados regulamentados de valores mobiliários.
Face à enorme instabilidade dos mercados de capitais, os seus seus agentes, nomeadamente investidores e intermediários financeiros, são constantemente confrontados com tomada de decisões, seja para maximizarem as suas aplicações financeiras, seja para reduzirem o risco. Neste sentido, para que o mercado funcione regularmente, o fluxo de informação terá necessariamente que ser abundante, por forma a proteger os investidores e ainda tornar o mercado mais eficiente.
O mercado apresenta uma forma muito simplista de funcionar: se a informação recolhida pelo investidor o leva a concluir que determinado ativo está subavaliado, então haverá uma tendência para a sua aquisição (ou seja, aumento da
procura) e, por consequência, levará a um aumento do preço. Contrariamente, se o investidor concluir que o ativo está sobreavaliado, a tendência será de desinvestir71, pelo que, assim se vê a importância da qualidade de informação. O artigo 7.º do Código dos Valores Mobiliários (sob epígrafe qualidade de informação), enuncia-nos as exigências gerais que a informação deve revestir por forma a ser considerada como informação de qualidade, determinando, então, que esta deverá ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita72. Estes critérios são de tal forma importantes que, uma ilícita transmissão de informação (nomeadamente, informação privilegiada) resultará num crime de mercado de abuso de informação, previsto no artigo 378.º do Código dos Valores Mobiliários73. Conforme resulta da letra da lei, a responsabilidade estará excluída nos casos em que o agente atue dentro do âmbito normal das suas funções74.
Por outro lado, importa distinguir o artigo acima referido do artigo 449.º do Código das Sociedades Comerciais, do qual resulta uma maior amplitude em comparação com o regime civilista do insider trading, uma vez que o artigo 449.º do Código das Sociedades Comerciais apenas se refere à emissão de ações e obrigações por parte sociedade anónimas, enquanto que o artigo 378.º do Código dos Valores Mobiliários aplicar-se-á a todos os valores mobiliários, instrumentos de mercado monetários e ainda derivados.
Por último, importa não esquecer que sobre o adquirente recaem também obrigações, nomeadamente a obrigação de informação e obrigação de
71 XXXXXX X. Fama, Efficient Capital Markets: A Review of Theory and Empirical Work, Journal of Finance, 1970, 383-417.
72 Sendo estes critérios determinados tendo em vista uma esclarecida decisão de investimento, atende-se, desta forma, às necessidades de um investidor médio para formar uma decisão de investimento esclarecida. Por outro lado, tais créditos aplicam-se quer a informação seja obrigatoriamente prestada, quer a informação facultativa quer seja suscetível a influenciar uma decisão de investir.
73 Quem disponha de formação privilegiada (...) e a transmita a alguém fora do âmbito normal das suas funções ou, com base nessa informação, negoceie ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, é punido com apena de prisão até 5 anos ou com pena de multa.
74 Apesar deste crime ser imputável a pessoas singulares e a título doloso, as pessoas coletivas e as pessoas singulares, nos casos em que atuem de forma negligente, ficarão sujeitas à sanção de contraordenação muito grave, nos termos do artigo 394.º n.º 1 alínea i) em conjugação com o artigo 248.º n.º 4, ambos do Código dos Valores Mobiliários.
confidencialidade, esta última já tratada anteriormente e sendo-lhe aplicável tudo aquilo que foi referido para o adquirente.
A mais importante será certamente a obrigação pecuniária de pagamento do preço, nos termos e para efeitos da alínea c) do artigo 879.º do Código Civil, tornando-se cada vez mais habitual as partes remeterem a determinação do preço em concreto para um perito ou até mesmo para um acordo futuro. No primeiro caso, a situação torna-se mais fácil de resolver, uma vez que se irá recorrer a um método estipulado pelas partes. O problema coloca-se relativamente ao segundo caso, quando as partes referem que o preço será aquele que resultar de um acordo a ser celebrado no futuro75/76.
6. INCUMPRIMENTO
Analisadas as diferentes modalidades de aquisição de empresas e respetivos regimes jurídicos, bem como alguns dos deveres e obrigações que recaem sobre as partes durante todo o decurso das negociações, importa agora focar a nossa atenção no regime jurídico aplicável às situações de incumprimento contratual. Isto é, não obstante das partes estarem adstritas a deveres e obrigações e, habitualmente, fazerem tudo o que estiver ao seu alcance para melhor estarem informados sobre todos os aspetos, nomeadamente quanto às características do objeto do contrato – a empresa –, a verdade é que, em alguns casos, as partes são confrontadas com vícios jurídicos ou materiais da empresa negociada e que se encontravam ocultos ou, por
75 Questão muito discutida quer pela doutrina quer pela jurisprudência é a de saber da validade destes acordos futuros, isto é, as partes afirmam que o preço será aquele que resultar de um acordo, a ser celebrado no futuro. Ora, considerando que o preço não é um elemento essencial do contrato, entendemos que destas cláusulas não resulta uma obrigação de contratar, mas sim uma obrigação de negociar. Ou seja, as partes querem manter o controlo quanto a este elemento contratual e acordam que a sua estipulação se fará num momento futuro, prevalecendo, desta forma, o princípio da liberdade contratual, nos termos e para efeitos do artigo 405.º do Código Civil.
76 Podemos ter uma enorme variedade de métodos utilizados habitualmente pelas partes para a estipulação do preço, nomeadamente, (1) a estipulação de um preço que poderá ser modificável no futuro segundo critérios previamente determinados pelas partes (na maioria dos casos, critérios económicos, financeiros ou jurídicos, que têm como objetivo corrigir eventuais alterações do preço), (2) preço que não se encontra determinado, mas que as partes acordam nos métodos através dos quais o mesmo irá ser determinado (habitualmente, através do recurso a um perito independente com a função única de determinação do preço) ou (3) situações em que o preço é em parte determinado pelas partes no momento da celebração do contrato e a outra parte fica dependente de determinado tipo de evento futuro, como por exemplo eventuais lucros que sejam gerados pela empresa objeto do negócio apôs a celebração do negócio (“earning out rules”);
outras palavras, deparam-se com desconformidades entre a coisa negociada e coisa que efetivamente vendida.
Antes de avançarmos, é importante referirmos que este tema teve uma enorme importância em Portugal, face a todos os contornos envolventes, aquando da privatização da Sociedade Portuguesa Financeira e aquisição do BPN português pelo Banco BIC Portugal.
6.1. CASOS EM ESPECIAL
6.1.1. PRIVATIZAÇÃO DA SOCIEDADE PORTUGUESA FINANCEIRA
Primeiramente, importa desde já realçar a importância que o acórdão arbitral de 31 de Março 199377 teve quer a nível jurídico quer a cientifico, na medida em que se tratou da primeira decisão jurisdicional que imputa responsabilidade por uma privatização78.
A Sociedade Portuguesa Financeira (de ora em diante designada por SPF) foi privatizada nos anos 90. Anteriormente, a sociedade Financeira Portuguesa, E.P. tinha passado por um processo de transformação em sociedade anónima regulado pelo Xxxxxxx-Xxx 000-X/00, de 14 de Setembro (passando a designar-se por Sociedade Financeira Portuguesa – Banco de Investimento, S.A.), com o objetivo de se proceder à venda da totalidade das participações sociais representativas do seu capital social.
No seguimento, através da aprovação do Decreto-Lei n.º 138-A/91, de 9 de Abril79, as ações foram integradas no Banco Pinto & Sotto Maior, S.A., como participação num aumento de capital deste, sendo as mesmas alienadas em momento posterior em sessão especial da Bolsa.
77 Decisão do tribunal arbitral disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxx-xxxxxxxx- arbitrais-nacionais/files/19930331.pdf.
78 CORDEIRO, A. Menezes, Aquisição de Empresas – Vícios na empresa privatizada, responsabilidade pelo prospeto, culpa in contrahendo, indemnização, (Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 31 de Março de 1993), Ordem dos Advogados Portugueses, 1995.
79 Nos termos do artigo 1.º deste diploma, “É aprovada a alienação da totalidade das ações correspondentes ao capital social da Sociedade Financeira Portuguesa – Banco de Investimento, S.A., de que é único titular o Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A.”
Conforme consta do referido Decreto-Lei, as ações foram divididas em três lotes: um primeiro, de 10% (900 000 ações) para aquisição por parte dos trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes; um segundo, igualmente de 10%, a serem adquiridas por qualquer interessado; e, um terceiro, de 80% (7 200 000 ações), para aquisição em bloco indiviso por um único investidor. Relativamente a valores, os mesmos foram estipulados através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/91, publicada no Diário da República, I Série, de 12 de Abril, no qual foi atribuído o valor de 1100$00 como preço-base das ações a serem adquiridas pelos trabalhadores; de 1150$00 o valor das ações a serem adquiridas por pequenos subscritores e por emigrantes; e 1250$00 o valor das ações representativas de 80% do capital, sendo este o valor também para ações remanescentes.
No dia 6 de Maio do mesmo ano, em sessão especial da Bolsa, o Grupo Mello, através da União Internacional Financeira, S.A., licitou, pelo valor de 16 milhões de contos, o loto indiviso de 80% das participações representativas do capital social e ainda algumas dos dois outros grupos, num total de 8 592 400 ações, tendo as mesmas sido posteriormente adquiridas por este por um valor médio de 1862$00, valor este bastante superior àquele que tinha sido definido na Resolução do Conselho de Ministros anterior.
No entanto, apôs a concretização da venda bem como de todas as suas formalidades, a 3 de Setembro, veio a nova Administração da Sociedade Financeira impugnar, através de carta dirigida ao Senhor Secretário de Estado das Finanças, o valor pelo qual as participações sociais tinham sido adquiridas, invocando para tal o desconhecimento de vícios existentes que implicariam a diminuição do valor da sociedade.
Tais vícios estavam relacionados com duas garantidas on first demand prestadas à IBEROL, Sociedade Ibérica de Oleaginosas, S.A. a primeira, em 17 de Dezembro de 1990, no valor de 7 100 000 dólares, e a segunda, no dia 20 de Janeiro de 1991, no valor de 6 800 000 dólares80. Segundo a nova administração da SPF, tinham sido cometidas faltas graves. Por um lado, as garantias não se encontravam previstas no
80 O problema com tais garantias devia-se ao facto das mesmas não se encontrarem contabilizadas na informação da SPF que foi disponibilizada e por terem sido prestadas à IBEROL, S.A., sem que tenham sido verificadas as diligências normais, sendo certo que, nesta altura, a beneficiária de tais garantias apresentava já alguns problemas financeiros.
“prospeto oficial”, regulado pelo Decreto-Lei n.º 8/88, de 15 de Janeiro bem como pela Portaria n.º 295-A/88, de 10 de Maio. Por outro lado, tais garantias tinham sido prestadas a uma sociedade que não apresentava uma situação financeira favorável, sendo que, a probabilidade desta não solver os seus compromissos era bastante elevada, facto que se veio a verificar quando as garantias foram debitadas em 24 de Junho de 1991 e em 3 de Setembro de 1991. Face ao acionamento destas garantias, avalizadas por uma empresa, COPAZ, S.A. – pertencente ao mesmo grupo que a beneficiária e que por este motivo nada poderia acrescentar às garantias dadas, a nova administração veio invocar a existência de um decréscimo do valor da sociedade e, por consequência, uma diminuição do valor das ações que representavam o seu capital social.
Posteriormente, as partes envolvidas vieram a atribuir competência ao Tribunal Arbitral para julgar a questão, tende este proferido o acórdão, em 31 de Março de 1993, no qual determinou a aplicação ao caso em apreço do regime jurídico da responsabilidade pelo prospeto, pelo facto das garantias prestadas não se encontrarem indicadas no “prospeto oficial”, violando, desta forma, o Decreto-Lei n.º 8/88, de 15 de Janeiro e também a Portaria n.º 295-A/88, de 10 de Maio.
No âmbito deste acórdão, e conforme é referido pelo mesmo, grandes nomes da doutrina portuguesa foram chamados a pronunciarem-se, tendo sido juntos aos autos vários pareceres que se debatiam perante várias questões. A título de exemplo, segundo XXXXXX XXXXXXX e ALMENO DE XX, em representação do entendimento maioritário, estávamos perante um caso de venda de empresa, pois bem que esse seria o objetivo último concretização através da alienação da totalidade das participações sociais. Por consequência, face à falta de publicação das garantias no “prospeto oficial”, seria aplicável o regime jurídico da compra e venda de bens onerados, tendo os compradores direito à convalescença do contrato, à redução do preço e à indemnização dos prejuízos. Por outro lado, estaríamos perante a violação do dever legal de informação, nos termos do n.º 2 do artigo 485.º, bem como do dever geral de informação, para efeitos do n.º 1 do artigo 227.º, ambos do Código Civil. Em termos muito gerais, este foi o entendimento maioritário da doutrina, que considerou a possibilidade de equiparação entre a
transmissão direta e a transmissão indireta da empresa, podendo esta ser alienada mediante a cedida através da aquisição das participações sociais81 / 82.
6.1.2. AQUISIÇÃO DO BPN PORTUGUÊS PELO BANCO BIC PORTUGAL83
Em 2008, originou-se uma crise financeira sem precedentes a nível mundial, tendo, como uma das principais consequências, demonstrado as fragilidades do sistema bancário, até ao momento apenas conhecidas por alguns. Portugal não foi exceção, tendo os principais bancos portugueses, como por exemplo o Banco Português de Negócios, sigo fortemente afetados. Com uma grave situação de liquidez e estando o volume de perdas a crescer a cada dia que passava, as preocupações foram aumentando, também devido à forte exposição quer do Banco de Portugal quer da Caixa Geral de Depósitos.
Desta forma, numa derradeira tentativa de minimizar consequências de uma eventual insolvência do Banco, surgiu a Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro de 2008, com o objetivo de nacionalizar o BPN, passando o mesmo a ser gerido pela Caixa Geral de Depósitos através de um plano de restruturação.
81 No mesmo sentido, entendeu XXXXXX XX XXXXX, segundo o qual estaremos perante uma situação de venda de empresa, podendo, por consequência, ser aplicado o regime jurídico da compra e venda de bens onerados, tendo os adquirentes direito à redução o preço ou à sanação da anulabilidade, com indemnização, bem como do regime jurídico da responsabilidade pelo prospeto, in “Parecer”, a Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, Parecer, Lex, Lisboa, 1995, p. 216; MENEZES CORDEIRO, segundo o qual, com fundamento na doutrina e jurisprudência alemã, poderá haver equiparação da venda de participações sociais à venda da empresa, podendo, no caso em apreço, ser aplicado o regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa, com possibilidade de redução do preço, por via da aplicação do n.º 1 do artigo 911.º do Código Civil, a que acrescentaria, eventualmente, o direito a indemnização, Aquisição de Empresas – Vícios na empresa privatizada, responsabilidade pelo prospeto, culpa in contrahendo, indemnização, (Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 31 de Março de 1993), Ordem dos Advogados Portugueses, 1995; e ainda M. XXXXXX XX XXXXX, segundo o qual a aquisição da maioria dos títulos que representavam o capital social equivaleria à compra da empresa, “Parecer”, A Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, Parecer, Lex, Lisboa, 1995. p. 233;
82 Em sentido diverso, XXXXXXXX XXXXXXXX entendeu estarmos perante uma compra e venda de ações e não de empresa, sendo que, sobre as mesmas não existia qualquer ónus ou defeito e, por consequência, não poderia ser aplicável os respetivos regimes jurídicos, in Oferta pública de venda de ações e violação do dever de informar, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000; e ainda XXXXXXX XXXXX, segundo o qual, deveria ser aplicado o regime da responsabilidade pré-contratual, nos termos do artigo 227.º do Código Civil, recusando claramente a aplicação dos regimes da compra e venda de onerados ou defeituosos, in Aquisição de Empresas – Vícios na empresa privatizada, responsabilidade pelo prospeto, culpa in contrahendo, indemnização, (Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 31 de Março de 1993), Ordem dos Advogados Portugueses, 1995, Voto de Vencido, pp.110 a 121;
83 Para maiores desenvolvimentos, xxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32012D0660&qid=1493859246983&from=EN.
Em Maio de 2011, apôs várias tentativas de privatização do Banco, foi apresentado o Investment Opportunity Overview, um plano de investimento que continha as linhas gerais reguladoras da aquisição de 100% das participações sociais representativas do capital social do BPN, tendo sido apresentada uma única proposta válida pelo Banco BIC. Encetadas as negociações, o Banco viria a ser posteriormente adquirido, em Dezembro de 2011, e mediante a alienação das participações sociais representativas do capital social, pelo BIC pelo valor de 40 milhões de euros, passando o mesmo a denominar-se por Banco BIC Português, S.A, em Novembro de 2012.
6.2. ANÁLISE DOS REGIMES JURÍDICOS POSSIVELMENTE APLICÁVEIS EM SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
Conforme se verificou, a doutrina não foi unanime quanto à aplicação da responsabilidade pelo prospeto no caso da privatização da Sociedade Financeira Portuguesa. Se, por um lado, foram apresentados pareceres no sentido da aplicação do regime jurídico da responsabilidade pré-contratual ou do regime do erro sobre a base do negócio, por outro lado, foram apresentados pareceres no sentido contrário, considerando como melhor solução a da aplicação do regime jurídico da compra e venda de bens onerados e defeituosos.
Desta forma, importa desde já analisar individualmente cada um destes regimes e no final aferir, segundo o nosso entendimento, qual o melhor que se adequa a situações de incumprimento.
6.2.1. REGIME JURÍDICO DA COMPRA E VENDA DE BENS ONERADOS E DEFEITUOSOS
XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, no parecer elaborado no caso da Sociedade Financeira Portuguesa84, entendeu no sentido de poder haver uma equiparação da venda de participações sociais à venda da empresa e, por conseguinte, uma das consequências seria, entre outras, a da aplicação do regime jurídico da compra e venda de coisa defeituosa e onerada, nos termos e para efeitos dos artigos 905.º e 913.º do Código Civil. O mesmo entendimento seguiu PESSOA JORGE85, XXXXXX XX XXXXX00 e XXXXXX XXXXXXX/ALMENO DE SÁ87
entre outros.
O Código Civil distingue o regime jurídico da compra e venda de bens onerados, nos termos dos artigos 905.º e seguintes, do regime jurídico da compra e venda de bens defeituosos, nos termos dos artigos 913.º e seguintes. Entende-se por coisa onerada, para efeitos dos artigos 905.º e seguintes, aquela sobre a qual recai um ónus que exceda os limites normais do direito adquirido pelo comprador. Por outras palavras, estamos perante situações em que, sobre a coisa alienada incidam ou existam direitos de terceiros, nomeadamente, hipotecas, penhores, privilégios creditórios, etc. Por outro lado, entende-se por coisa defeituosa, para efeitos do artigo 913.º e seguintes do Código Civil, aquela que apresenta um vício ou uma desconformidade tendo em consideração o que foi acordado pelas partes, sendo que, ao vício corresponderá uma imperfeição relativa à qualidade normal daquele tipo de bem e a desconformidade a algo que impeça a realização do fim a que se destina 88/89.
84 CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx, Aquisição de Empresas – Vícios na empresa privatizada, responsabilidade pelo prospeto, culpa in contrahendo, indemnização, (Anotação ao Acórdão do Tribunal Arbitral de 31 de Março de 1993), Ordem dos Advogados Portugueses, 1995;
85 XXXXX, Pessoa, “Parecer”, Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, Parecer, Lex, Lisboa, 1995.
86 XXXXXX XX XXXXX, “Parecer”, A Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, Parecer, Lex, Lisboa, 1995.
87 XXXXXXX, Xxxxxx; XX, Almeno de, Oferta pública de venda de ações e compra e venda de empresa, CJ XVIII (1993), 4, 15-32;
88 Diz-nos o n.º 2 do artigo 913.º do Código Civil que, nos casos em que não exista acordo entre as partes, deverá atender-se à função normal de bens da mesma categoria, i.e., na falta de convenção, existirá um padrão normal relativa ao bem alienado, sendo que é relativamente a esse padrão que se irá aferir da existência ou não de um vício.
89 “Exemplo 1: Suponhamos que A vende a sua empresa, em sentido objetivo, a B. Imagine-se que se verifica
Importa desde já avançar que, apesar destes regimes jurídicos serem muito semelhantes, a sua distinção apresenta uma enorme relevância prática, face à existência de algumas diferenças significativas, nomeadamente, quanto à atribuição, na venda de coisa onerada, do direito de indemnização do comprador no caso de “simples erro” (artigo 909.º do Código Civil), o qual não é atribuído no caso de bens defeituosos (artigo 915.º do Código Civil).
Outra diferença fundamental diz respeito ao prazo dentro do qual o alienante poderá exercer os seus direitos: no caso de onerosidade do bem, a doutrina maioritária tem entendido, por remissão para o regime da anulabilidade nos termos do artigo 905.º do Código Civil, que o comprador dispõe de um ano a contar da data em que o comprador teve conhecimento da existência de tal ónus; contrariamente, no caso de bem defeituoso, o mesmo direito caduca no prazo de 6 meses desde a data da entrega do bem, nos termos do artigo 917.º do Código Civil90. Ora, relativamente às consequências em situações de bens onerados ou defeituosos, que são semelhantes em ambos os regimes jurídicos, podemos ter
quatro vias de resolução.
Em primeiro lugar, é atribuído ao alienante o direito de anulação do contrato, nos termos dos artigos 905.º ex vi artigo 913.º e 287.º, todos do Código Civil, sendo que este se caracteriza por implicar a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou
um dos seguintes factos, imprevistos por B: a empresa estava locada a C, nos termos do artigo 1057.º do Código Civil; os elementos fundamentais da empresa estavam na posse de D, devido à constituição de penhor, de acordo com o artigo 669.º do Código Civil e 398.º do Código Comercial. Em todos estes exemplos verifica-se que a venda de A a B da empresa, se considera como a venda de bem onerado, de acordo com o disposto no artigo 905.º do CC. Exemplo 2: Supondo que A vende a sua empresa a B, B verifica que as máquinas e instrumentos de trabalho apresentam graves deficiências técnicas; a empresa vendida encontra-se próximo de uma ETAR; o movimento de negócios que fora assegurado não se verifica. Nestes casos, estamos perante a venda de coisa defeituosa, prevista no artigo 913.º do Código Civil.” Xxxxxxxx xx Xxxxx, in Curso de Direito Comercial, Vol. II, Das Sociedades, 4.a Edição, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 399 e 400.
90 Segundo alguns autores, nomeadamente X. XXXXX XXXXXXXX e X. MOTA PINTO, o prazo de seis meses a contar da data de entrega é excessivamente curto, na medida em que, na prática habitual, as desconformidades surgem entre 1 e 3 anos. No entanto, segundo XXXXXXXX X. XXXXXX, o curto prazo tem como objetivo “tornar o contrato definitivo o contrato definitivo e não passível de revisão o mais rapidamente possível, por razões de segurança jurídica e celeridade da vida comercial”, pelo que, este prazo traduz-se num verdadeiro ónus ou dever de diligência do comprador em verificar a conformidade da coisa vendida com aquela que foi negociada, através de uma due diligence confirmatória.
o valor correspondente, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil91. Deverá, no entanto, ter-se em atenção duas situações: em primeiro lugar, esta via apenas se aplica nos casos em que o comprador não tenha tido ou não pudesse ter tido conhecimento da desconformidade do bem, no caso, da empresa, sob pena da anulação ter um efeito dissuasor; em segundo lugar, a aplicação desta via apenas de justifica nos casos em que a desconformidade, seja de tal forma grave, que inexista a possibilidade de manutenção do regime jurídico.
Em segundo lugar, é atribuído ao alienante o direito de exigir a reparação ou a substituição da coisa vendida, pretendendo-se, desta forma, sanar a desconformidade do direito através da remoção do vício. Apesar de ser, no entendimento de XXXXX XX XXXX E XXXXXXX XXXXXX, o melhor mecanismo de resolução, na prática, a sua aplicação apresenta grandes dificuldades, na medida em que, devido ao facto de estarmos perante um objetivo contratual de enorme complexidade – a empresa –, a sua substituição dificilmente se tornará uma alternativa.
Em terceiro lugar, é conferido ao alienante o direito de exigir a redução do preço, nos termos e para efeitos dos artigos 911.º, 913.º e 884.º, todos do Código Civil, sendo que, em tal redução irá ser tida em consideração a desvalorização da coisa motiva pelo ónus ou defeito oculto. Como nos explica XXXXXX XXXXXXXX00, a redução do preço poderá ser feita por acordo das partes ou judicialmente.
Em quarto lugar, e por último, tem ainda o alienante o direito de exigir uma indemnização. Relativamente a este mecanismo, e como já foi assinalado anteriormente, no caso de bens onerados, esta indemnização pode assentar na culpa do vendedor, nos termos do artigo 908.º do Código Civil, ou de uma situação de responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 909.º do Código Civil, sendo que, neste último caso, apenas de encontram abrangidos os danos emergentes do contrato. Relativamente aos casos de bens defeituosos, apenas foi estabelecida a
91 Segundo Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxx Xxxx, sendo a restituição da coisa a primeira consequência prática, será impossível proceder à devolução da empresa no mesmo estado em que estava no momento da celebração do contrato, Garantia na alienação de empresa, Aquisição de empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2011.
92 Para maiores desenvolvimentos, cfr. XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, Cumprimento defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, Xxxxxxx, 0000.
responsabilidade civil subjetiva, isto é, o vendedor apenas será responsabilizado nos casos em que tenha culpa, nos termos do artigo 915.º do Código Civil. Apesar de não prevista, a responsabilidade objetiva poderá ser aplicada, nos casos em que tenha sido estipulada pelas partes, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 721.º do Código Civil.
Analisados os quatro mecanismos dos quais o comprador pode fazer uso, importa referir que os mesmos não terão aplicação nos casos de compra e venda de ações em mercado regulamentados (“bolsa”). Conforme nos ensina COUTINHO DE ABREU, tais mercados encontram-se especificamente regulados, resultando dos mesmos normas que visam a proteção das partes, nomeadamente de publicidade e informação – artigos 97.º, 100.º, 102.º, 143.º e seguintes, 321.º e seguintes, 339.º, 341, seguintes, 369.º, 590.º, 591.º, 594., todos do Código dos Valores Mobiliários –, e ainda atribuição aos adquirentes direitos de indemnização por perdas e danos em casos de incumprimento desses mesmos deveres, conforme artigos 160.º seguintes, 333.º e 605.º, todos do Código dos Valores Mobiliários.
6.2.2. REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE PRÉ- CONTRATUAL
Nos inúmeros pareceres produzidos aquando do caso da Sociedade Financeira Portuguesa, o regime jurídico da responsabilidade pré-contratual – culpa in contrahendo – foi considerado, para alguns autores, a solução que melhor se aplicaria para proteger os interesses do comprador. Por exemplo, para XXXXXXX XXXXXX00, não caberia, neste caso, responsabilizar os administradores por má gestão, nem tão pouco se poderia falar numa venda de coisa defeituosa ou onerada; estaríamos, sim, perante uma “falta grave do dever de informação”, pelo que, recaia sobre o vendedor um dever de indemnizar todos os danos causados ao comprador. O mesmo entendimento teve XXXXX XX XXXXX e XXXX XXXXXX XXXXXX00 no parecer proferido, segundo o qual, as garantias ocultas constituíram uma violação
93 In “Anotação ao Tribunal Arbitral de 31 de Março de 1993”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126, 1994/1995, p. 285.
94 In “A Privatização da Sociedade Financeira Portuguesa”, Parecer, Ordem dos Advogados, ano 54, n.º 3, 1994.
grave do dever de informar, nos termos do artigo 485.º do Código Civil e, ainda, numa responsabilidade na formação do contrato, pelo que, haveria o vendedor que indemnizar o comprador pelos danos emergentes e lucros cessantes, bem como pelos danos morais.
Ora, a culpa in contrahendo surgiu para equacionar o problema dos vícios na empresa vendida, nomeadamente nos casos em que o vendedor soubesse ou devesse saber da existência de tais vícios, o que consistiria na violação de um dever de prevenção do comprador, nos termos e para efeitos do artigo 227.º do Código Civil e, por consequência, numa obrigação de indemnização, conforme o artigo 562.º do Código Civil. É assim, na medida em que, existindo este dever por parte vendedor, a sua violação poderá originar a celebração de um contrato diferente daquela que era pretendido pelas partes.
6.2.3. REGIME JURÍDICO DO ERRO SOBRE A BASE DO NEGÓCIO
Estamos perante um erro sobre a base do negócio, para efeito dos artigos 247.º e seguintes dos Código Civil, nos casos em que exista uma falsa representação das qualidades do objeto do contrato, sendo as mesmas essenciais para a decisão de contratar. Para alguns autores, nomeadamente XXXXXXXX XXXXXX XXXXXXX00, a aplicação deste regime poderá ter alguns benefícios para o comprador quando confrontado, por exemplo, com uma discrepância do valor da empresa, na medida em que lhe será permitida a modificação do contrato nos termos dos artigos 252.º, n.º2, e 437.º, ambos do Código Civil.
Importa referir que este regime jurídico é frequentemente utilizado pela jurisprudência, por exemplo em situações em que são descobertas penhoras sobre equipamento da empresa adquirida indiretamente através da aquisição de
95 “A Negociação de participações de controlo. a jurisprudência”, Direito das sociedades em revista, Coimbra, 2011, p. 28;
participações sociais96 ou ainda em situações em que a manutenção do funcionamento de um estabelecimento comercial de restauração era condição essencial para aquisição das participações sociais por parte do comprador97.
6.2.4. POSIÇÃO ADOTADA
Analisados os regimes jurídicos eventualmente aplicáveis em situações de desconformidade entre a empresa negociada pelas partes e a sua situação real, incumbe-nos agora aferir, segundo o nosso entendimento e tendo em consideração as vantagens e desvantagens, aquele que melhor se poderá aplicar, tendo em vista a eficaz proteção dos direitos do adquirente.
Começando pelo regime do erro sobre a base do negócio, importa referir que na maior parte dos casos não se verifica uma verdadeira situação de erro mas sim um caso de desconformidade entre o contrato e a situação real da empresa. Por outras palavras, consideramos que nestes casos a vontade das partes foi corretamente formada, verificando-se, no entanto, um caso de incumprimento contratual. Por outro lado, existindo um contrato perfeitamente celebrado entre partes, não nos parece viável a aplicação do mecanismo da anulabilidade para o qual remete o regime do erro, conforme o disposto no artigo 247.º do Código Civil.
Quanto ao regime da responsabilidade pré-contratual, ou culpa in contrahendo, importa, desde já, avançar que, não obstante do objeto principal deste regime jurídico ser o de proteger situações nas quais o contrato final nem sequer veio a ser celebrado, nos casos em apreço, em que temos um contrato formalmente válido mas desconforme com a realidade, não podemos afastar em absoluto este regime. Tal entendimento já veio a ser assumido, por diversas vezes, pela nossa
96 Acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1991, acessível em: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/0x0x0000xx000xx0000000xx0000xxx0?X penDocument
97 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Junho de 2008, acessível em: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/x0xx000000xx0x00000000x0000xx0xx/0xx000000x000xx0000000x0000xxx00?X penDocument
jurisprudência98. Em Acórdão proferido em em 19 de outubro de 2006 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa99, entendeu-se ser aplicável o regime jurídico da responsabilidade pré-contratual, previsto no artigo 227.º do Código Civil, a situações de compra e venda de participações sociais validade celebrados, no entanto, utilizando alguns configurações relativas aos regimes previstos nos artigos 905.º e 913.º do Código Civil. Ora, é nosso entendimento que tal configuração não poderá ser, de todo, aplicável, senão vejamos.
Um dos princípios fulcrais do nosso ordenamento jurídico é, certamente, o princípio da estabilidade contratual, segundo o qual, a partir do momento em que o contrato final é celebrado, as partes envolvidas ficam adstritas a diferentes regras, nomeadamente segurança jurídica, tutela da confiança, etc., sendo que, tal princípio vigora fundamentalmente nos contratos de compra e venda, onde se pretende, salvo algumas exceções, cumprir o contrato até ao fim e efetivar-se a transmissão do direito. Este entendimento resulta, de forma clara, dos artigos 916.º do Código Civil e 471.º do Código Comercial, nos quais são estabelecidos prazo de caducidade muito curtos, para que o contrato seja efetivado com a maior brevidade possível, devendo os direitos do comprador ser exercidos rapidamente em casos de existir alguma desconformidade. Ora, o princípio da estabilidade dos contratos, o mesmo não se coaduna com o regime da culpa in contrahendo, no qual, por exemplo, o prazo longo de reação, previsto no artigo 498.º ex vi artigo 227.º, ambos do Código Civil, criará uma enorme instabilidade contratual na ordem jurídica, razão pela qual entendemos que tal regime não poderá ser aplicável a situações de desconformidade. Por último, relativamente ao regime jurídico da compra e venda de bens onerados e defeituosos, iremos apenas fazer mais algumas considerações, face àquelas que já foram feitas anteriormente. Uma questão que se coloca é saber qual o regime aplicável em caso de desconformidade, sendo que, tal distinção terá que ser realizada com enorme cuidado, face às consequências que poderá acarretar. Ora, entendemos que, estando perante situações de desconformidade em ambos os
98 Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 4 de Abril de 2006, acessível em:
xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/000x0xx0xx0xx0x000000x0x000xx000/0000xx000x00x0000000000x000xx00x?Xx enDocument.
99 In, Coletânea de Jurisprudência, 2006, Tomo IV.
casos, o regime dos bens onerados será aplicável aquando da existência de ónus, enquanto que o regime dos bens defeituosos a situações de incorreções ou divergências contabilísticas.
Como se disse, tal distinção quanto ao regime aplicável terá consequências importantes, nomeadamente no que concerne aos prazos, na medida que, enquanto que no caso de bens onerados aplicar-se-á o regime da anulabilidade, de acordo com o disposto no artigo 905.º do Código Civil, no caso de bens defeituosos o direito do comprador caducará, caso não seja exercido, no prazo de 6 meses desde a entrega da coisa, nos termos do artigo 916.º do Código Civil. Ora, relativamente ao primeiro caso, importa referir que o regime da anulabilidade tratará certamente insegurança e incerteza, devido ao facto do direito do comprador puder vir a ser exercido face à existência de desconformidade, por exemplo 5 ou 10 anos a contar da data da celebração do contrato, o que não nos parece ser razoável tendo em consideração o já referido princípio da estabilidade contratual. Quanto aos bens defeituosos, sendo o prazo de 6 meses desde a entrega da coisa, é defendido por alguns autores, nomeadamente A. XXXXX XXXXXXXX E P. XXXX XXXXX, de que o mesmo é demasiado curto face ao contrato em questão (leia-se contrato de compra e venda de participações). Não obstante, tal entendimento não é por nós seguido, porquanto o objetivo será tornar o contrato definitivo no mais curto espaço de tempo e incidindo sobre o comprador um dever acrescido de diligência no momento da celebração do contrato. Note-se que é usual, neste género de contratos, o adquirente “perder” os primeiros meses enquanto proprietário na realização de uma due dilligence confirmatória.
Ora, face aos mecanismos de reação que os regimes jurídicos da compra e venda de bens onerosos e defeituosos consagram, e que já foram anteriormente analisados, admitimos a sua aplicação em situações de desconformidade, no entanto, com algumas ressalvas, nomeadamente quanto ao prazo de reação bem como quanto aos mecanismos de reação. Note-se que, quer os mecanismos da anulação e da reparação/substituição são de complicadíssima aplicação no âmbito de aquisição de empresa. Se for, por um lado, não se torna viável “devolver” uma empresa e “apagar” todos os efeitos jurídicos pelo contrato produzidos até aquele momento,
por outro lado, é inexequível proceder à substituição de uma empresa por outra. Ficamos, desta forma, restritos quer ao mecanismo da redução do preço, quer ao mecanismo da indemnização, os quais se adequam com maior facilidade aos casos de aquisição de empresas, sendo este o sentido que a nossa jurisprudência vem seguindo nas últimas decisões proferidas.
A título exemplo, importa transcrever o que se disse no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no dia 18/01/2010100, relativo a um contrato de cessão de quotas de uma sociedade comercial, no decurso do qual os adquirentes foram confrontados, após a sua celebração, com a existência de várias letras em circulação, assinadas pelos alienantes em representação da sociedade objeto do contrato, letras essas que desconheciam, na medida em que as mesmas não constavam os elementos contabilísticos da sociedade que lhes tinham sido fornecidos antes da celebração do referido contrato, nem tão pouco lhes tinham sido informados pelos alienantes:
“O Tribunal reconheceu o direito dos autores à redução do preço, considerando o facto de os Autores terem tido de pagar a letra no valor de € 65.000,00. Ora, os Autores não se conformam com o facto de não se ter tomado igualmente em consideração a existência de outras letras no valor de € 24.500,00 e de € 19.800.00, cuja existência foi igualmente omitida pelos Réus.” “Não há dúvida de que com esta alegação, estão os autores a invocar a existência de xxxx, enquanto vício na formação da sua vontade de contratar, o qual é motivo até anulação ou de redução do negócio jurídico, nos termos, respetivamente, dos artigos 254º e 292º do Código Civil.” “Contudo, mais uma vez não nos interessa aprofundar os requisitos de relevância do erro como fundamento de anulabilidade, já que a situação se enquadra na previsão do art.º 911.º do CC. Ou melhor, os autores vêm apenas invocar o seu direito à redução do preço e não o direito à anulação do contrato, pelo que se impõe concluir que “sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior.” “Na verdade, parece óbvio que os Autores não teriam aceite pagar pela aquisição das quotas da sociedade, o valor que acordaram se tivessem conhecimento da real situação financeira da empresa condicionada pela existência das referidas letras, cujo pagamento poderia vir a ser exigido à sociedade, como efetivamente veio a suceder, pelo menos no respeitante à letra no valor de €65.000.00 e quanto à letra no valor de no valor de € 49.500,00.” “E por que razão a existência dessas letras constitui um ónus sobre os bens vendidos? Porque, tal como foi dito e bem, na sentença recorrida, o passivo resultante
100Acessível em:
xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/00x0x0000000x00x00000xxx00000xxx/0x0x00xxxxx0xxxx000000x0000000x0?Xx enDocument
dessa subscrição das letras em apreço, traduz-se numa limitação do património social, com reflexos no valor das respetivas quotas que foram adquiridas pelos Autores. Consequentemente, a uma desvalorização da empresa resultante da oneração ou limitação do ativo por um passivo superior ao previsto e constante dos elementos contabilísticos da sociedade deverá aplicar-se, como já foi referido, o regime da venda de coisas oneradas o que permite a redução do preço, nos termos do art.º 911.º, tal como foi peticionado.”
7. CLÁUSULAS TÍPICAS DE PROTEÇÃO DAS PARTES
Analisados os regimes jurídicos eventualmente aplicáveis em caso de desconformidade contratual, no qual referimos a nossa preferência pelo regime dos contratos de compra e venda de bens onerados e defeituosos sobretudo face aos seus meios de reação, verificou-se que os mesmos não foram especialmente pensados pelo legislador para serem aplicados às empresas. Desta forma, torna-se cada vez usual na prática do mercado incluir nos respetivos contratos cláusulas que têm como objetivo acautelar situações de incumprimento, bem como mecanismos a seguir pelas partes, diminuindo, assim, o risco contratual.
7.1. CLÁUSULAS DE DECLARAÇÕES E GARANTIAS – “REPRESENTATIONS AND WARRANTIES”
Nos dias de hoje, é cada vez mais frequente encontrarmos nos contratos de compra e venda de empresa cláusulas de declarações e garantias, também conhecidas no direito anglo-saxónico com “representations and warranties clauses101”. Estas cláusulas, caracterizadas por serem de enorme complexidade e minuciosidade, têm em vista descrever de forma detalhada as características e condições da sociedade objeto do negócio, quer seja a nível financeiro, legal, contabilístico, bem como preverem de forma pormenorizada um regime de responsabilidade, habitualmente do alienante, caso as mesmas não correspondam à verdade.
101 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx, “A Negociação de participações de controlo. a jurisprudência”, Direito das sociedades em revista, Coxxxxx, 0000: “Na prática comercial, as declarações de facto (“representation”) são tipicamente acompanhadas pelas garantias (“warranties”) com o objetivo de transmitir para o vendedor a responsabilidade por eventuais divergências entre a realidade e as declarações prestadas.”
Ora, se, por um lado, os contratos de compra e venda, quer face à sua complexidade quer face aos valores em questão, podem originar uma enorme instabilidade para as partes, por outro lado, não se encontram ainda completamente definido no nosso ordenamento jurídico qual o regime aplicável em caso de incumprimento. Desta forma, estas cláusulas têm principalmente duas funções: 1) fixarem todas as características quer da sociedade-objeto quer das partes envolvidas e nas quais foram tomadas em consideração para a formação do contrato; 2) definem as consequências e todo o processo que se irá seguir no caso de se verificar alguma desconformidade, bem como situações de responsabilidade do alienante102;
Por outro lado, importa referir que o conteúdo e minuciosidade destas cláusulas está muitas vezes relacionado com o resultado da due diligence realizada pelo adquirente à sociedade. Isto é, não sendo possível obter toda a informação necessária através da due diligence ou não sendo esta totalmente credível, o adquirente irá, através destas cláusulas, acautelar-se relativamente a qualquer vicio ou defeito que possa vir a surgir, transpondo a maior parte do risco para o alienante. Como nos ensina FÁBIO DE CASTRO RUSSO103, quanto mais desconfortável e inseguro estiver o alienante quanto à informação obtida na due diligence, maior será a complexidade e a extensão das cláusulas de declarações e garantia.
Tendo, habitualmente, estas cláusulas como objetivo criar uma proteção adicional ao comprador bem como o de auxiliar na interpretação do contrato celebrado pelas partes, questão muito discutida quer pela doutrina quer pela jurisprudência é saber do seu enquadramento com o ordenamento jurídico português, isto é, servirão as mesmas para dar uma proteção acrescida àquela que já resulta dos artigos 905.º e 913.º do Código Civil ou servirão para substituir esses mesmos regimes, considerando-as assim como garantias autónomas e independentes?
102 Xxxxxxx XXXXX, Xxxxx Xxxxx, “Estamos perante uma influência anglo-saxónica, no sentido de que os contratos contêm um sistema regulatório próprio. Estas cláusulas abrangem não só a empresa e património social, mas também o objeto imediato dos contratos, in casu, a transmissão de participações sociais”, “Das cláusulas de garantia nos contratos de compra e venda de participações sociais de controlo”, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Almedina, Coimbra, Setembro, 2010.
103 RUSSO, Fábio, “Das cláusulas de garantia nos contratos de compra e venda de participações sociais de controlo”, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Almedina, Coimbra, Setembro, 2010.
Quando a esta questão a doutrina não é unanime104, no entanto, entendemos, no seguimento do que já foi referido, que estas cláusulas integram o conteúdo do contrato celebrado, auxiliam na sua interpretação e atribuem determinados efeitos às declarações negociais das xxxxxx000, pelo que, irão integrar a aplicação dos artigos 905.º e 913.º do Código Civil, no sentido de definirem de forma clara quer a vontade das partes quer o conteúdo do contrato, estabelecendo, desta forma, limites à sua interpretação e facilitando a aplicação desses mesmos artigos. Assim, cremos que nada obsta a que as partes estipulem os seus direitos e deveres contratualmente, no âmbito da iniciativa privada, de forma diferente daquela que resulta da lei, mas sempre com respeito às normas imperativas consagradas nos regimes da compra e venda de bens onerados e defeituosos, sendo este o entendimento que vem a ser seguido, nos últimos tempos, pelos nossos Tribunais.
Ainda relativamente a estas cláusulas, questão importante diz respeito ao seu “prazo de validade”, também conhecidas na gíria comercial como “survival period”. Isto é, transpondo estas cláusulas todo o risco contratual para o alienante, não poderia este ficar vinculado a elas por tempo indefinido. Desta forma, as partes estipulam um prazo, usualmente entre 1 a 3 anos (exceto nos casos de questões de natureza fiscal e de segurança social), durante o qual poderão acionar as cláusulas de declarações e garantias. Muito se discute quanto à validade destas cláusulas que estipulam prazos diferentes daquelas que se encontram consagrados por lei. No entanto, e muito sumariamente, entendemos que existem bons argumentos para que estas sejam aceites, tal como é, aliás, previsto pelo artigo 330.º do Código Civil, quer sejam prazos mais alargados quer sejam prazos mais reduzidos, desde que tal estipulação não coloque em causa a tutela da confiança das partes, os limites da ordem pública e os princípios da boa-fé106.
104 Segundo A. XXXXX XXXXXXXX e XXXXX XXXX XXXXX, estas cláusulas podem limitar a responsabilidade de forma indireta e enfrentar limites de ordem pública legal e contratual;
105 Tendo o alienante maior conhecimento sobre o estado da empresa, as cláusulas de garantia são, habitualmente, construídas, por forma a transporem para si grande parte do risco contratual de se verificar alguma desconformidade, independentemente de culpa sua.
106 Imagine-se, por exemplo, que as partes estipulam um “survival period” tão reduzido que, na prática, o comprador está a renunciar aos seus direitos. Neste caso, entendemos que tal cláusula não será válida, devendo, por isso, ser aplicado o regime geral previsto por lei.
7.2. CLÁUSULAS RELATIVAS A ALTERAÇÕES DEPRECIATIVAS (MATERIAL ADVERSE CHANGE [MAC] OU MATERIAL ADVERSE EFFECT [MAE])
Sendo o contrato de compra e venda de empresa de enorme complexidade, não é possível para as partes transporem todos os efeitos do contrato no momento em que ele é assinado. Isto é, não obstante do contrato ser outorgado pelas partes num determinado dia, não quer dizer que, a partir daí, comecem a produzir todos e quaisquer efeitos nele previstos, na medida em que, poderão ser necessárias outras formalidades, nomeadamente obtenção de licenças, obtenção de autorizações consentimentos de terceiros, etc. Desta forma, estas cláusulas visam regular todos as situações que possam ocorrer no hiato temporal entre o momento da celebração (signing) do contrato e a data do closing107.
Seguindo o entendimento de XXXXX XXXXXX HOPT108, estas cláusulas podem ser agrupadas em (i) cláusulas relativas a eventos relacionados com a empresa-objeto, (ii) cláusulas relacionadas com o mercado e (iii) cláusulas relativas às partes.
Desta forma, trata-se, mais uma vez, de um mecanismo contratual que visa proteger o adquirente, ou até mesmo o alienante, contra eventuais depreciações que possam ocorrer até ao momento da produção dos efeitos translativos do contrato celebrado. Habitualmente construídas a favor do adquirente, o alienante tentará, durante a sua negociação, propor limites à indeterminação das cláusulas através da consagração do maior número de exceções (carve-outs).
Questão muito discutida é a utilidade destas cláusulas no ordenamento jurídico português face à consagração do regime das condições (artigos 271.º a 275.º do Código Civil), bem como do regime da alteração de circunstâncias (artigos 437.º e seguintes do Código Civil). Ora, estas cláusulas podem assumir um caracter
107 XXXXXXXXX, Xxxxxx X., “Standart Clause Analysis of the Frustation Doctrine and the Material Adverse Change Clause”, UCLA Law Review, Vol. 57 (2010), acessível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxx/00-0-0.xxx.
108 XXXX, Xxxxx X., “Cláusulas de cambio adverso sustancial (material adverse change - MAC) em el derecho del mercado de valores y de adquisición de acciones cotizadas”, Estudios de derecho de sociedades y del mercado de valores, Maxxxx- Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx 0000, 568-569.
suspensivo ou resolutivo, conforme as partes determinem que a execução do contrato apenas irá ocorrer num momento posterior, não se podendo até lá verificar um material adverse event, ou que o contrato se resolva no caso de, até o momento do closing, ocorrer uma das situações condicionais, nos termos dos artigos 271.º a 275.º do Código Civil, podendo as partes estabelecer quais factos como relevantes, mas sempre dentro dos limites dos artigos anteriormente referidos. Por outro lado, a estipulação, pelas partes, de determinado evento como alteração relevante e, assim, bastante para que o adquirente fundamente a resolução do contrato sem que para tal seja necessário demonstrar “a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato” (artigo 437.º n.º 1 do Código Civil), tal como acontece no regime jurídico da alteração de circunstâncias109. Segundo XXXXXXXX XXXXXXXX E SÁ110, estas cláusulas não serão o caminho preferível, elegendo como alternativa a estipulação de cláusulas de garantia.
7.3. CLÁUSULAS EARN-OUT E DETERMINAÇÃO DO PREÇO
Como já foi referido anteriormente, os contratos de compra e venda de empresa originam um elevado nível de incerteza para as partes envolvidas, grande parte devido à enorme complexidade e dinâmica do negócio, bem como dos elevados valores que estão habitualmente em jogo. Por outro lado, e como também já foi referido anteriormente, um processo de due diligence, por muito minucioso que seja, dificilmente conseguirá garantir a 100% que toda a informação recolhida corresponde à verdade e que não existe qualquer outra “encoberta” pelo alienante.
109 Por outro lado, as consequências da verificação de um determinado evento não serão as mesmas caso estejamos perante uma determinação contratual pelas partes ou caso estejamos perante o instituto da alteração de circunstâncias. Caso estejamos perante uma condição suspensiva determinada pelas partes, a verificação da depreciação terá como consequência a ineficácia do contrato, não ficando, desta forma, o adquirente sujeito às condições do contrato. Ou, caso estejamos perante uma condição resolutiva determinada pelas partes, a verificação da depreciação antes do closing, terá como consequência a extinção do negócio com efeitos retroativos, nos termos do artigo 276.º do Código Civil. Contrariamente, caso seja aplicado o regime da alteração de circunstâncias, é apenas atribuído ao adquirente o poder de resolver unilateralmente o contrato e apenas nos casos em que a modificação não seja possível, nos termos do n.º 2 do artigo 437 do Código Civil.
110 XX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e, “Cláusulas Material Adverse Change em contratos de compra e venda de empresa”, Direito Comercial e das Sociedades: Estudos em memória do Professor Doutor Xxxxx X. Sendim, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2012.
Por estas razões, mas também por outras111, a determinação do preço pelo qual o negócio se irá concretizar poderá ser um processo difícil e, por vezes impossível, podendo mesmo dar origem à rutura das negociações112.
Surge, deste modo, as cláusulas earn-out que, nas palavras de XXXXXXXX XXXXXXXX E SÁ113, “apresentam o facto de deixarem a determinação do preço de aquisição para um momento posterior ao da celebração do contrato, empurrando, assim, a sua fixação final para um momento que as partes entendem refletir o valor da empresa adquirida.” Por outras palavras, são cláusulas que condicionam a determinação do preço de aquisição de empresa, total ou parcial, à verificação de determinado objetivos114, normalmente atendendo ao rendimento ou à performance da empresa, durante um determinado período de tempo.
Quando bem construída, esta cláusula tem, assim, como objetivo repartir o risco do negócio pelas partes contratantes. Isto é, perante uma cláusula deste género, atingido determinado objetivo, o adquirente ficará obrigado a pagar um valor mais elevado pela empresa, o que não será benéfico para ele, no entanto, o facto de não se empenhar em alcançar esses mesmos resultados, poderá implicar uma desvalorização do valor da empresa por ele adquirida115.
Quanto ao seu regime jurídico, facilmente se percebe que estamos perante verdadeiras condições suspensivas116, nos termos dos artigos 270.º e seguintes do Código Civil, na medida em que, com a sua verificação apôs o closing do contrato, determinar-se-á o preço final a pagar pelo adquirente. Por outro lado, ficando as partes sujeitas ao respetivo regime jurídico, as partes nada poderão fazer para impedir a verificação da condição sob pena desta se ter por verificada, nos termos no n.º 2 do artigo referido.
111 Note-se que, muitas vezes, o valor da empresa-alvo altera-se pela própria operação de aquisição.
112 A prática tem recorrido a utilização destas cláusulas, muitas vezes, como forma de desbloquear situações de impasse, motivadas pelas divergências das partes quando ao valor da empresa ou quando à valorização que esta poderá demonstrar no futuro.
113 XX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e, “A determinação contingente do preço de aquisição de uma empresa através de cláusulas earn-out”, Aquisição de empresas, Coimbra, 2011.
114 A determinação do preço poderá estar condicionada, por exemplo, à obtenção de licenças administrativas, à obtenção do registo de patentes, à verificação de determinado lucros, ao resultado de um determinado concurso-público ou à concretização de um outro negócio, etc.
115 Por outras palavras, nem o vendedor fica dependente de resultados de que não consegue controlar, nem o comprador é obrigado a pagar mais preço com base em expetativas futuras que poderão não se verificar.
116 Na medida em que, fazem depender da produção de determinados eventos futuros e incertos o acionamento de determinados efeitos contratuais.
8. CONCLUSÃO
Nos dias de hoje, é impossível desatender à relevância da empresa em todos os ordenamentos jurídicos, sendo que são cada vez mais variadas as formas através das quais a sua transmissão se pode efetivar.
Sendo estes contratos fortemente caracterizados pelo princípio da autonomia privada, caberá às partes contratas optarem pela modalidade que melhor protegerá os seus interesses. Apesar do método de transmissão direto ser cada mais habitual na prática societária, não excluímos o facto de que, em determinados casos (dependendo das circunstâncias em concreto) em que poderá ser mais vantajoso, quer para o alienante quer para o adquirente, optarem por um dos modos de transmissão direta.
Não obstante desta distinção entre transmissão direta e transmissão indireta de empresa, existem casos em que, em termos práticos, os efeitos jurídicos são exatamente os mesmos, havendo, portanto, uma total equiparação entre estes modos de transmissão.
Por outro lado, e já no âmbito das negociações em si, importa não olvidar a relevância do acesso à informação, pelas partes, e, em concreto, na importância dos procedimentos de due diligence, com base nos quais estas irão seguir pela decisão de contratar ou não e, em caso afirmativo, em que termos.
Apesar de as partes contraentes, principalmente o adquirente, tentarem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para conhecer ao máximo a empresa que pretende adquirir, não são raras as exceções em que, já apôs a celebração do contrato, este último é confrontado com vícios ou ónus na empresa-objeto do contrato, isto é, desconformidades entre aquilo que foi contratualizado pelas partes e a situação real da empresa.
Se é verdade que o nosso ordenamento jurídicos consagrada vários regimes jurídicos aptos a solucionar situações de incumprimentos, também é verdade que, em termos práticos, nem todos são capazes de proteger, de forma plena, os interesses dos contratantes. No entanto, e conforme foi defendido por nós ao longo do presente trabalho, entre as várias alternativas à disposição, consideramos que os
regimes jurídicos da compra e venda de bens onerosos e defeituosos poderão ser aqueles que melhor protegem os interesses das partes, nomeadamente do adquirente, em situações de desconformidade, no entanto, com algumas ressalvas, nomeadamente quanto ao prazo de reação bem como quanto aos mecanismos de reação.
Não sendo, porém, esta proteção absoluta, torna-se cada vez mais frequente incluir nos respetivos contratos cláusulas que têm como objetivo acautelar situações de incumprimento, bem como mecanismos a seguir pelas partes, diminuindo, assim, o risco contratual, nomeadamente cláusulas de declarações e garantias, nas quais as partes descrevem de forma detalhada as características e condições da sociedade objeto do negócio, quer seja a nível financeiro, legal, contabilístico, bem como preverem de forma pormenorizada um regime de responsabilidade, habitualmente do alienante, caso tais pressupostos não correspondam à verdade.
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