PESQUISA DE VITIMIZAÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO
PESQUISA DE VITIMIZAÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO
PESQUISA DE CONDIÇÕES DE VIDA E VITIMIZÃÇÃO NO ESTADO DO MATO GROSSO – RELATÓRIO ESTADUAL
Sumário Executivo
Novembro de 2010
Este sumário executivo é parte integrante do documento que visa atender ao cumprimento da última etapa do contrato realizado entre a Fundação Xxxxxxxx xx Xxxxx e a SEJUSP – Secretaria de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso, para realização através do DataUFF – Núcleo de Pesquisas da UFF, de pesquisa domiciliar junto à população do estado sobre condições de vida e vitimização, conforme previsto no Termo de Referência do processo licitatório 059/2010. Neste documento apresentamos de maneira resumida os resultados referentes ao conjunto de municípios e regiões administrativas que compõem o Estado.
A fim de organizar a sua leitura, vamos esclarecer que conteúdos poderão ser encontrados em cada item deste documento. Na introdução, buscaremos apresentar os objetivos da pesquisa e a metodologia utilizada, abordando inclusive os perfis dos participantes das fases qualitativa e quantitativa. Na primeira parte, a intenção será apresentar os dados levantados pelo estudo quantitativo voltados para a esfera estadual no que tange especificamente a: hábitos e práticas cotidianas, relação com a vizinhança, sentimento de insegurança, vitimização e avaliação da Segurança Pública no Estado. E, na sequencia, a intenção é deixar o estudo estadual e detalhar, a partir dos dados qualitativos, a relação entre os tipos de crimes e a realidade local nas doze regiões do Estado em foco.
Introdução
A pesquisa teve como objetivo geral realizar um levantamento para avaliação junto à população moradora do Estado do Mato Grosso de suas condições de vida e vitimização. Para que este objetivo pudesse ser atingido de forma satisfatória, propusemos a realização de estudos a partir de duas metodologias distintas:
Estudo Qualitativo, através da realização de 32 discussões em grupo e 161 entrevistas em profundidade nas doze regiões do estado. Promotores e defensores públicos, juízes, comandantes de corporações, presidente de conselhos de direitos e de políticas públicas, assistentes sociais e lideranças locais foram entrevistados. O recrutamento dos participantes dos grupos focais se deu através de lista de lideranças comunitárias cedida pela SEJUSP. Cada grupo continha entre 7 e 10 participantes. No roteiro foram abordados os temas: 1) Conflitos agrários e crimes contra o meio ambiente; 2) Exploração sexual de
crianças/adolescentes, violência contra a mulher e relações de trabalho; 3) Crimes contra a vida, patrimônio e relacionados a drogas ilícitas; 4) Segurança Pública no estado de Mato Grosso e desempenho das Polícias Militar, Civil e Federal.
Quadro I – Distribuição das entrevistas em profundidade e dos grupos focais por região e município.
Região | Entrevistas em profundidade – Municípios | Grupos focais – Municípios | Total |
Noroeste (Juína) | Aripuanã Castanheiras Colniza Cotriguaçu Juína | Juína Arapuanã Castanheiras | 14 entrevistas 03 grupos |
Norte (Alta Floresta) | Alta Floresta Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx | Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx | 10 entrevistas 03 grupos |
Nordeste (Vila Rica) | Vila Rica Confresa Porto Alegre do Norte São Félix do Araguaia | Vila Rica Confresa São Félix do Araguaia | 10 entrevistas 03 grupos |
Leste (Barra Garça) | Água Boa Alto Garças Barra dos Garça Canarana Torixoréu | Barra dos Garça Água Boa | 17 entrevistas 02 grupos |
Sudeste (Rondonópolis) | Alto Araguaia Primavera do Leste Rondonópolis | Alto Araguaia Alto Taquari Rondonópolis | 15 entrevistas 03 grupos |
Sul (Cuiabá|) | Cuiabá Poconé Várzea Grande | Várzea Grande | 11 entrevistas 01 grupo |
Sudoeste (Cáceres) | Cáceres Pontes Lacerda Porto Esperidião São José dos Quatro Marcos Vila Bela da Santíssima Trindade | Cáceres Porto Esperidião Pontes Lacerda | 16 entrevistas 03 grupos |
Oeste (Tangará da Serra) | Campo Novo dos Parecis Nova Olímpia Tangará da Serra | Campo Novo dos Parecis Nova Olímpia Tangará da Serra | 10 entrevistas 03 grupos |
Centro Oeste (Diamantino) | Diamantino Nova Maringá São José do Rio Claro Alto Paraguai | São José do Rio Claro Diamantino Alto Paraguai | 20 entrevistas 03 grupos |
Centro (Sorriso) | Lucas do Rio Verde Nova Mutum Sorriso Tapurah | Sorriso Lucas do Rio Verde | 15 entrevistas 02 grupos |
Noroeste (Juara) | Porto dos Gaúchos Juara Taboporã | Tabaporã Porto dos Gaúchos Juara | 13 entrevistas 03 grupos |
Centro Norte (Sinop) | Marcelandia Santa Carmem Sinop | Sinop Vera Marcelandia | 11 entrevistas 03 grupos |
Total | 161 entrevistas 32 grupos |
Fonte: Datauff.
Estudo Quantitativo, com a realização de um survey, por amostragem e domiciliar de modo a ser representativa da população do Mato Grosso. Foram quatro mil entrevistas, margem de erro 1,5% e nível de confiança de 97%. Na tabela 1, temos a distribuição da amostra. O mapa abaixo apresenta a visualização desta distribuição. Especificamente o questionário aplicado focava: a medição da violência e criminalidade nesta unidade federativa brasileira, a avaliação do impacto do crime na vida dos indivíduos e, ainda, o perfil das vítimas de violência e criminalidade. A coleta de dados teve inicio em 09 de agosto e termino em 05 de novembro de 2010.
Tabela 1 - Entrevistas por Região
Número de municípios | Freqüência | Percentual |
I – Noroeste – Juína (sede) 3 | 239 | 6,2 |
II – Norte – Alta Floresta (sede) 5 | 300 | 7,8 |
III – Nordeste – Vila Rica (Sede) 4 | 241 | 6,3 |
IV – Leste – Barra do Garças (sede) 5 | 300 | 7,8 |
V – Sudeste – Rondonópolis ( sede) 5 | 420 | 10,9 |
VI – Sul – Cuiabá (Sede) 5 | 694 | 18 |
VII – Sudoeste – Cáceres (Sede) 5 | 359 | 9,3 |
VIII – Oeste - Tangará da Serra (Sede) 3 | 240 | 6,2 |
IX - Centro Oeste – Diamantino ( sede) 3 | 239 | 6,2 |
X – Centro - Sorriso (Sede) 3 | 239 | 6,2 |
XI – Noroeste – Xxxxx (Xxxx) 0 | 000 | 0,0 |
XXX - Xxxxxx Xxxxx - Xxxxx (Xxxx) 5 | 338 | 8,8 |
Total 49 | 3849 | 100 |
Fonte DataUFF- Novembro de 2010
A respeito do perfil da amostra dos entrevistados podemos constatar que, em média, tem-se um perfil feminino, de 25 a 34 anos, parda, com menos de oito anos de estudo, com salário mensal de até 2SM, casada ou vivendo junto com um parceiro, residente de casa, católica, migrante. A seguir, a descrição da amostra por cada um dos aspectos sócio- demográfico.
Gênero: Foram entrevistadas mais mulheres (60,4%) do que homens (39,6%).
Faixa Etária: O grupo com mais entrevistados foi aquele com idade de 25 a 34 anos (23%), seguido dos grupos de 45 a 59 anos (22,1%) e de 35 a 44 anos (20,6%), ficando em menor porcentagem os segmentos de jovens de 16 a 24 anos (18%) e de idosos com mais de 60 anos (16,2%).
Raça: Parda é a raça mais presente (45%), seguida da branca (36%) e da negra (12,3%), de acordo com a auto-classificação dos entrevistados. Um segmento pequeno de pessoas (0,8%) se definiu como indígena, o que pode ser explicado por se tratar de uma pesquisa aplicada nas zonas urbanas.
Escolaridade: 51,5% dos entrevistados tem até o ensino fundamental completo, 34,7% cursaram o ensino médio (integral ou parcialmente) e 11,9% frequentaram a universidade (integral ou parcialmente), por fim, 1,9% chegou a se aplicar a uma pós-graduação.
Renda familiar mensal: 59,2% recebem até 2 salários mínimos mensais, 32,3% recebem mais de 2 a 5 SM por mês, e 8,5% recebem mais do que este valor.
Ocupação dos entrevistados: Dentre os entrevistados, 30,2 % eram empregados ou funcionários públicos, 18,8% trabalhavam por conta própria, 17,2% eram dona de casa, 12,9% aposentados, 2,4% empregadores, 1,6% trabalhadores rurais e 9,6% não possuíam trabalho.
Estado civil: A maior parte dos entrevistados é casada ou vive junto (57,9%).
Tipo de domicílio: A grande maioria dos entrevistados mora em casa (73,9%), outra parcela reside em condomínios de casa, apartamentos ou casa de vila (16,6%) e o número de moradores em favelas ou áreas invadidas ou ocupadas foi intencionalmente sobre representado com 9,45% da amostra.
Religião: Os católicos somavam 66%, seguidos dos evangélicos pentecostais (15,8%) e dos não pentecostais (7,1%), em número bem menos expressivos, encontramos os espíritas (1,9%) e aqueles que diziam ter outra religião (1,4%), não crer em Deus (0,3%) e umbanda, candomblé (0,2%)
Pertencimento aos municípios: Neste aspecto fica evidente o peso da migração no estado do Mato Grosso, 58,9% dos moradores nem sempre moraram na cidade onde hoje residem. Dentre estes, a maior parte mora há mais de cinco anos no município (68,1%).
1 – Resultados Quantitativos
1.1) Hábitos e práticas cotidianas
Os dados quantitativos apontam que, ao longo da semana, os entrevistados passam as manhãs e as tardes predominantemente no trabalho (46% e 45,3% respectivamente) ou em casa (48,9% e 48,4%, respectivamente). Já à noite, das 18 às 24hs, a grande maioria das pessoas já se encontra recolhida em casa (83,6%), exceção basicamente para aqueles que estudam (6,2%) ou trabalham (6,6%) à noite. De 00:01 até 6hs, quase a totalidade dos entrevistados fica em casa (97,2%), fundamentalmente ficam fora de casa aqueles que trabalham neste período (2,4%).
Sobre o que fazem além do trabalho e do estudo, tem-se a lista das atividades desenvolvidas nos últimos 30 dias: Foi ao shopping, galeria, mercado, centro comercial, feiras populares e exposições (72,5%), visitou amigos ou parentes (63,1%), foi à missa, culto, atividade religiosa, mística ou filantrópica (56,9%), saiu para comer fora de casa sem contar os dias de trabalho (38,9%), praticou atividade física ou esportiva (22,2%), foi a algum bar ou casa noturna (15,7%) dentre outras atividades.
Para se locomoverem, os meios de transporte que se utilizam são: à pé (28%), carro (19,9%), bicicleta (19,1%), motocicleta (18,4%) e ônibus (10,4%).
1.2) Relação com a vizinhança
A maior parte dos entrevistados mora há mais de 5 anos na mesma vizinhança (54,4%). Coerente com o tempo de moradia, muitos disseram conhecer todos (32,4%) ou quase todos (32%) os vizinhos. Quando o assunto é confiança, tende-se a confiar em alguns deles (43,1%) mais do que na maioria deles (36,2%), mas há também quem não confie em nenhum deles (20,7%).
Contam com o vizinho para auxilio em caso de problemas de saúde (81,1%), para pedir objetos ou alimentos emprestados (64%), para tomar conta da casa quando não está presente (67%), para cuidar de uma criança, deficiente ou idoso (53,7%) ou para cuidar de um animal doméstico (56,1%). Mas quando a ajuda envolve dinheiro, a taxa dos que acreditam que podem contar com o vizinho é reduzida, apenas 18% acreditam que
poderiam contar com os vizinhos para fazer compras em seu cartão de crédito, por exemplo.
Os tipos de serviços existentes nas redondezas que receberam mais avaliações positivas foram: coleta de lixo e entulho nas ruas (52,4%), proximidade de escolas públicas (54,4 %) e iluminação (43,2%) Sobre o policiamento à pé, em viaturas ou motos, 33,4% o consideraram bom, 35,8% avaliaram o serviço de maneira regular e 23,9% o fizeram de maneira negativa, por fim, 6,9% disseram ser o policiamento inexistente.
O principal problema detectado na vizinhança refere-se à existência de terrenos ou lotes vagos cheios de lixo e entulhos ou com mato alto (cercados ou não), 47,8% o mencionaram. Sobre as irregularidades presentes na vizinhança, o mais comum é a percepção de camelôs (77%) e pedintes (49,4%) nas ruas, assim como a constatação do consumo de drogas (32,9%) e a prostituição (21,9%). Alguns tipos de violência também são detectados pelos entrevistados em sua vizinhança, como pessoas se agredindo fisicamente (15,4%), mulheres sendo agredidas por seus cônjuges ou parentes (14,1%) e pessoas sendo assaltadas (13,5%)
1.3) Sentimento de insegurança
Como era de se esperar, o sentimento de insegurança aumenta do dia para noite. No que se refere à sensação ao andar no bairro em que reside, registra-se que o sentimento de um pouco de insegurança aumenta de 7,8% para 15,4% e de muita insegurança 6,2% para 14,1% quando o dia escurece. Já ao andar no bairro em que trabalha, a sensação de um pouco inseguro cresce de 9,1% para 12,5% e o sentimento de muito inseguro sobe de 7,4% para 14,7%, também com a chegada da noite. A mesma tendência ocorre ao aferirmos a sensação ao andar pelo bairro em que estuda, 11% sentem-se um pouco inseguros e 10,1% se sentem muito inseguros no decorrer do dia, números que aumentam para 12,6% e 13,1%, respectivamente, no cair da noite. Mas a ansiedade é maior quando nos referimos a andar por outros bairros. A estranheza em relação ao local faz aumentar a sensação de insegurança, 16,2% dos entrevistados se disseram um pouco inseguros e 15,1% se mostraram muito inseguros ao longo do dia, no decorrer da noite: 17, 4% de um pouco seguros e 29,7% de muito inseguros.
Xxx, mas quando temem, temem o quê? Ao andarem por seu bairro, 65% dos entrevistados temem ser assaltados, 37,9% temem ser vítima de uma bala perdida, 35,5% temem se encontrar em meio a um tiroteio e 34,9% temem ser vítima de violência sexual.
Para se protegerem da violência as pessoas tem mudado os seus hábitos, dentre eles destacam-se a preocupação em evitar: sair de casa com dinheiro (71%), andar por lugares desertos ou de pouca circulação de pessoas (70,5%), sair à noite ou chegar muito tarde em casa (59,9%) e ainda freqüentar lugares onde haja consumo de bebidas (57,1%).
A despeito da preocupação, poucos pesquisados (27,3%) chegaram a tomar medidas para aumentar a segurança de sua casa como colocar trancas extras (6,6%), adotar cães de guarda (6,2%), aumentar a altura do muro (3,5%) e colocar grade nas janelas (3,1%).
1.4) Vitimização
A seguir abordaremos os seguintes tipos de vitimização mensurados no questionário quantitativo: furto, roubo, acidentes, agressão ou ameaça, e ofensa sexual.
¬ Furto
Dos entrevistados, 40% tem um veículo para uso pessoal. Dentre eles, 3,2% já tiveram o veículo furtado. Em meio aos mesmos, 39% foram furtados por mais de uma vez. Na ocasião do ocorrido, o veículo estava na garagem de casa (32,6%), na rua de casa (25,6%), no bairro (2,3%), ou em algum outro lugar (39,5%).
No que tange a outros bens materiais, 15,7% dos entrevistados sofreram furto durante os últimos 12 meses. A maioria de tais vitimados (70%) passou por esta experiência apenas uma vez. São furtados: bicicletas (15,1%), objetos pessoais como peças de vestuário (14,9%), celulares (11,9%) e dinheiro em espécie (11,5%). Os furtos acontecem com mais freqüência na própria casa (39,7%), seguido de casos ocorridos no local de trabalho (21,1%), na casa de algum parente ou amigo (10,6%), e, em menos casos, em locais públicos internos (9,6%) e externos (4,1%).
Daqueles que foram vítimas de furtos de carro, 75% registraram queixas na delegacia. Já entre as vítimas de outros furtos, apenas 31% fizeram registro do crime.
¬ Roubo
Entre os entrevistados, 0,6% tiveram seu veículo roubado nos últimos 12 meses. Dentre estes, 17% foram vítimas deste crime por mais de uma vez. Os veículos foram tanto roubados na rua de casa (46,2%) quanto em outro lugar (46,2%), em 7,7% dos casos, o ocorrido se deu na garagem de casa. Em 23% dos casos de roubo de veículo vivenciados pelos entrevistados houve violência física acompanhada do roubo. Na configuração do crime, 63,3% dos agressores portavam arma de fogo.
O roubo do carro – dentre aqueles que o vivenciaram – atrapalhou a sua rotina de vida de alguma maneira, entre as citações destaca-se o trauma causado. Neste caso, todos vitimados pesquisados (100%) haviam registrado queixa na delegacia.
Ainda entre os entrevistados, 1,8% declararam ter tido roubado outro bem diferente de veículo, como celular (23,4%), dinheiro (19,6%), peças do vestuário (11,2%), documentos (10,3%), jóias e relógios (10,3%) entre outros. 72,7% de tais vítimas passaram por tal experiência uma única vez no decorrer dos últimos doze meses.
Com maior freqüência os roubos acontecem na própria casa (29,2%) ou andando na rua (26,2%), podendo ocorrer ainda em locais públicos internos (12,3%), local de trabalho (10,8%), locais públicos externos (7,7%) ou ainda na casa de algum parede ou amigo (7,7%). Em 28,4% dos casos, o agressor estava armado, sendo os objetos mais utilizados a arma de fogo (40,7%) e facas (18,5%).
Ainda entre os vitimados por roubo, 7,8% sofrem ferimentos e 6,3% precisaram de atendimento médico. E 41,8% acreditam que o roubo atrapalhou a sua rotina de vida, disseram terem ficado traumatizados com o ocorrido. 61,5% dos vitimados registraram queixa na delegacia.
¬ Acidente de veículo
Os acidentes de trânsito já foram vivenciados por 5,2% dos entrevistados e 24,1% do total dos mesmos tiveram seus familiares ou amigos vítimas deste desastre,
configurando-se o tipo de acidente mais freqüente, destacando-se em relação aos demais também apontados: queda (2% entre os entrevistados e 6,3% entre os familiares dos entrevistados), afogamento (0,3% e 2,6%), choque (0,2% e 1%) ou asfixia (0,1% e 0,4%).
Excesso de velocidade (24,5%), falta de sinalização (18,3%), uso de bebida alcoólica pelos motoristas (11,5%) e falta de conservação das estradas (8,7%) foram as explicações mais presentes entre aqueles que já sofreram acidente de carro.
A maioria dos entrevistados que sofreram acidente de trânsito tiveram ferimentos (68,1%). E dentre os feridos, 53,5% precisaram de atendimento médico ou hospitalar. Dos vitimados pelo trânsito, 38,8% manifestaram que o acidente alterou sua rotina, sendo o prejuízo mais freqüente a perda de dias de trabalho. A maioria dos entrevistados que sofreram acidente de carro não chegaram a registrá-lo na delegacia (62%).
¬ Agressões e Ameaças
9,7% de nossos entrevistados já foram vítimas de insulto, humilhação ou xingamentos e 4,3% foram vítimas de ameaça de bater, empurrar ou chutar, configurando- se as formais mais comuns de agressões. Agressões e ameaças ocorrem com mais freqüência dentro de casa (38%), no trabalho (16,3%) e ainda na casa de amigos e parentes (7,7%). Podem ocorrer ainda andando na rua, em lugares públicos externos e internos (13,9%, 9,2% e 6,9% respectivamente).
70% dos agressores são homens, em 58% dos casos eles são conhecidos das vítimas. Em geral, não se utilizam de qualquer arma, assim foi relatado a respeito de 72,2% dos casos. Em 12,9% das situações de agressões houve ferimento.
30,7% das vítimas de agressões disseram que tal experiência atrapalhou sua vida e 78% disseram não ter registrado ocorrência.
¬ Ofensa sexual
Dentre os respondentes, apenas 0,5% afirmaram ter sofrido agressão sexual ou tentativa de agressão sexual. Os casos ocorriam com mais freqüência dentro de sua própria
casa (38,1%) ou na casa de algum parente (9,5%), podendo também acontecer em espaços públicos externos (14,3%) ou internos (9,5%), nos meios de transporte (4,8%) ou local de trabalho (4,8%). Os agressores poderiam ser tão próximos da vítima como marido ou mulher (18,2%), irmão (4,5%), amigo (4,5%), colega de trabalho (4,5%) ou ex-cônjuge (4,5%), passando por conhecidos de vista (27,3%) e até desconhecidos (27,3%). Em suas abordagens não se utilizavam de armas (72,7%), e quando o faziam a faca era a mais freqüente, sendo utilizada em 9,1% dos casos. A freqüência de ferimentos foi de 5,6%, e dentre estes, 11,1% chegaram a ir para o hospital. O crime terminou por atrapalhar a vida de 34,8% dos vitimizados, com conseqüentes transtornos psicológicos, constrangimentos, depressão e medo de sair de casa. Trata-se de um crime sofrido em silêncio, dentre os que o experimentaram, 40,9% disseram não ter contado para ninguém o ocorrido e 85,7% disseram não ter registrado a ocorrência.
1.5) Avaliação da segurança
Antes de iniciarmos a avaliação da segurança, é importante identificar, na perspectiva de nossos entrevistados, quais são as principais ocupações da polícia, pois é a partir de tal conceito que estarão elaborando suas ponderações. As funções da polícia mais citadas foram: fazer ronda (23,5%), proteger a integridade física das pessoas (18,6%), prender pessoas que cometem ou já cometeram crimes (11,1%), realizar ações de prevenção do crime (7,9%) e proteger o patrimônio e os bens das pessoas (7,2%). Ou seja, a demanda número um é por policiamento ostensivo nas ruas. O principal trabalho da Polícia Civil, isto é investigar e solucionar crimes, foi mencionado como uma das três principais funções da polícia por poucos entrevistados (6,8%). Ou seja, o trabalho da PM é mais visível para a população do que o trabalho da Polícia Civil, muito em função da natureza de suas funções.
Dentre os entrevistados, 33,8% já tiveram algum tipo de experiência direta com uma das polícias, enquanto 66,2% ainda não passaram por esta experiência. Dentre aqueles que tiveram experiência com a polícia, 64,9% estiveram em contato com a PM, 31%, com a Polícia Civil e 1,3%, com a Polícia Federal.
O tipo de contato mais recorrente detectado foi a comunicação de crime, de violência (30,8%), seguido de blitz (14,2%), pedido de informação (9,9%), revista pessoal (7,8%), intervenção em crime em andamento (7,5%), acidente de trânsito (5,7%), assistência de pequenos socorros (4,3%), entre outros.
Sobre o referido contato com a polícia: 77,1% disseram que os policiais agiram dentro da lei; 75,8% falaram que os policiais foram educados, corteses, prestativos, interessados e respeitaram seus direitos; e 65,8% apontaram que os policiais foram rápidos. E 76,5% afirmaram que os policiais não foram relaxados, displicentes, omissos; 86,3% disseram que os policiais não foram aproveitadores, oportunistas, corruptos; 88,5% disseram que os policiais não foram violentos, agressivos; e 89,1% apontaram que os policiais não foram preconceituosos/racistas. Registra-se assim que a experiência vivenciada pelos próprios entrevistados com a polícia tendia a ser bastante positiva.
Dentre os serviços públicos de segurança avaliados, destacam-se como aqueles que despertam avaliações mais positivas a Central de Emergência 190 (42,1%) e o Disque Denúncia (41,7%), seguidos da Corregeadoria de Polícia (35,1%) e da Ouvidoria de Polícia (34,9%). A porcentagem de ponderações negativas variou muito pouco entre as avaliações dos serviços, especificamente de 21,9% (no caso da Ouvidoria de Polícia) a 25,8% (no que se refere à Central de Emergência).
Agora com o foco na Polícia Militar, os sentimentos mais comuns em relação à mesma são de pouca confiança (37,3%) e de confiança suficiente (29,6%), casos extremos aparecem de maneira mais reduzida como não confia nada (17,7%) e confia muito (15,4%). Registra-se, no entanto, que a soma dos que confiam muito ou de maneira suficiente (45%) fica 10% aquém da soma dos demais, confiam pouco e não confiam (55%). Mediante estes números, cabe-nos apresentar que aspectos podem ser considerados fortalezas da PM e os pontos que devem ser vistos como debilidades ou desafios a serem superados.
A partir dos achados desta pesquisa, identifica-se que o problema da confiança na corporação passa pela percepção de que os policiais militares trabalham com deficiências de aparelhagem e equipamentos, mas está mais focado nos aspectos atitudinais dos policiais. Isto é, enquanto 59,4 % dos entrevistados concordam que os policiais militares trabalham com viatura, armamento e equipamentos adequados ao atendimento de situações e 34,4% discordem de tal pressuposto, 62,3% concordam com a afirmação que os policiais
militares abusam do uso da força e de sua autoridade, enquanto 27,5% discordam. Abuso de poder e tolerância com irregularidades dentro da corporação podem ser vistas como as grandes debilidades da PM na perspectiva dos entrevistados. Registra-se neste sentido que 59,3% das pessoas concordam que os policiais fazem vistas grossas à desonestidade de seus colegas e 30% discordam.
Curiosamente, a imagem que repartem da PM não corresponde com a experiência vivida pela maioria dos entrevistados quando se depararam diante de policiais. Voltaremos a este ponto mais à frente.
No que tange ao preparo, as opiniões parecem bem divididas, pois temos que, por um lado, os entrevistados consideram em sua maioria que os policiais militares sabem como agir em situações de risco e perigo (56,6% concordam e 32,8 discordam com isto), mas, por outro, que 47,8% não acreditam que os mesmos estejam preparados para usar a arma de voto.
Sobre o trabalho da PM na vizinhança especificamente, registra-se que 68,2% notam sua presença no local. As ações da polícia mais presentes na vizinhança foram revistas pessoais (21,4% dos entrevistados viram tal ato) e revista de veículos (20,3% presenciaram tais cenas). Outros 12,1% assistiram perseguição policial, 8,6% presenciaram apreensão de armas, drogas e contrabandos e 4% acompanharam enfrentamento armado da polícia com o tráfico, gangues e facções criminosas.
Como aconteceu com a avaliação da Polícia Militar, no que se refere à Polícia Civil, os sentimentos mais presentes foram de pouca confiança (37,5%) e de confiança suficiente (32,5%), enquanto as posturas mais extremas contaram com menor porcentagem: confiam nada (16,9%) e confiam muito (13,1%). Não menos importante é registrar que a soma das avaliações negativas (confiam pouco e nada) superam as positivas (confiam suficiente e muito) em aproximadamente 10 pontos percentuais.
Novamente, constata-se que as debilidades da polícia – agora a Civil que está em foco – estão mais relacionadas com a atitude dos policiais do que com suas condições de trabalho. Isto é, para 61,4% dos entrevistados, os policiais civis trabalham com viatura, armamento e equipamentos adequados ao atendimento de situações, ainda que 32,4% discordem de tal afirmativa. E 56,6% concordam (e 33,6% discordam) que os policiais civis
fazem vistas grossas à desonestidade de seus colegas e 54,8% concordam (e 35% discordam) que os policiais civis abusam do uso a força e de autoridade.
Quanto ao preparo/capacitação, por um lado, 64,4% dos entrevistados concordam que os policiais civis sabem como agir em situações de risco e perigo, mas por outro, 50,7% concordam que os policiais não estão preparados para o uso de armas de fogo. As opiniões encontram-se bastante divididas quando se refere ao atendimento dado pelos policiais civis, 48,2% concordam que os mesmos atendem as pessoas com cortesia, rapidez e segurança e 40,8% discordem de tal afirmativa.
Ao final, como já mencionamos, intriga verificar como os entrevistados que tiveram algum contato com as polícias tenderam avaliar de maneira positiva a sua experiência e como os entrevistados de maneira mais geral avaliam de jeito negativo o trabalho das polícias. Repete-se a tendência encontrada quando se avalia outros tipos de serviço como educação e saúde, quando os usuários tendem avaliar o seu atendimento de maneira muito mais positiva do que a população em sua totalidade.
Por fim, tratamos das notificações de crimes. As principais razões que levam as pessoas a notificarem os crimes sofridos são o dever de denunciar (26,1%), a tentativa de recuperar o bem (20,9%) e impedir que aconteça novamente (19,1%). A maioria das pessoas ficou satisfeita (48,9%) e muito satisfeita (9,4%) ao fazê-lo, enquanto as demais ficaram insatisfeitas (29,6%) ou muito insatisfeitas (11,3%). Dentre os motivos para a satisfação destacam-se: a boa vontade e o interesse demonstrados pelo policial (25%) e a cordialidade e gentileza dos mesmos (25%). Sobre a eficiência da polícia em resolver o caso, houve poucas menções (6,7%). A mesma lógica de primazia da atitude em detrimento da valorização da eficiência é sentida na justificativa para a avaliação negativa. Ou seja, as principais variáveis para explicar a satisfação ou insatisfação dos entrevistados com os policiais na hora da notificação são interesse e boa vontade demonstrados e cordialidade.
Por fim, de acordo com os entrevistados, em 16,8% dos casos em que houve queixa o agressor ou o assaltante foi identificado e em 82% não houve identificação dos crimes sofridos contra o entrevistado.
2 – Resultados Qualitativos
2.1) Ocupação e migração no Mato Grosso: Sobre a realidade local e os crimes.
Não se pode estudar a vitimização no estado do Mato Grosso sem levar em consideração o seu histórico de ocupação e de migração. Podemos identificar ao menos dois tipos de ocupação bem marcados no que tange a fluxos migratórios. O primeiro se refere ao Mato Grosso de ocupação antiga – séculos XVIII e XIX, baseada principalmente no extrativismo mineral, e com menor ênfase, no extrativismo vegetal. Que podem ser classificadas neste tipo temos as regiões de Cuiabá, Diamantino,Cáceres e Barra do Garça.
No decorrer no tempo, a região de Cuiabá se urbanizou fortemente em decorrência de sua capital do estado com muitos avanços nos setores industrial e de serviço. Da agricultura, restou um cinturão verde com a produção de hortifrutigranjeiros. Xxxxxxx e Diamantino progrediram menos e experimentam a agricultura e pecuária como suas atividades mais significativas, ainda assim com marcada centralização de renda nas mãos de poucos. Já Barra do Garças avançou na pecuária e produção agrícola, assim como no turismo.
Os crimes mais recorrentes em cada uma destas regiões são aqueles contra a vida, a propriedade e voltados para o tráfico de drogas, pois são regiões que apresentam população empobrecida, vulneráveis ao assédio do tráfico. Ademais, com exceção de Barra do Garças, tem-se a proximidade com a fronteira com a Bolívia. Crimes de agressão em decorrência de bebedeira, de abuso sexual e crianças e adolescentes, prostituição infantil e violência contra a mulher também são usuais. São todos muito associados à herança do garimpo, para a população. Em Barra do Garças, além da pobreza, o turismo termina por fomentar a prostituição infantil.
O segundo momento se refere à expansão da fronteira agrícola na segunda metade do século XX, começando pelas regiões de Rondonópolis e de Tanguará da Serra e chegando às regiões de Vila Rica, Sorriso, Sinop, Juína, Juara e Alta Floresta. Locais em que empresas colonizadoras abriram estradas e clareiras com a ajuda de madeireiros, parceiros das primeiras extrações vegetais. Dois tipos de migrações foram postas em conjunto: aquela realizada por homens, pobres, sozinhos e desqualificados, para dar suporte às atividades extrativistas vegetais e limpeza da área para a chegada dos colonos, migrantes
em sua maioria do Sul do país, que vinham em casal e com filhos. Em Alta Floresta e Juína tem-se ainda a expansão do garimpo, que distorce o plano inicial de ter uma região de colonos. Dada a atração pela extração mineral, mais uma vez tem-se a migração do homem pobre, sem capacitação e sozinho.
Como veremos, os crimes agrários e ambientais ainda estão muito presentes nestas regiões de fronteira agrícola. Muito comuns também são os crimes de agressão entre colegas e conhecidos em meio aos trabalhadores rurais e aos garimpeiros, que nas horas de folga bebem e brigam por motivos fúteis, podendo chegar à morte.
Nesta mesma linha, têm-se, de novo, a violência doméstica e os crimes de abuso sexual e prostituição infantil. Homens trabalhadores que bebem e violentam suas mulheres com xingamentos, socos, tapas, pauladas ou com qualquer outro artefato que esteja ao alcance das mãos. Xxxxxxxxx, pais, vizinhos que abusam sexualmente de crianças. Peões, caminhoneiros, turistas, homens da sociedade que se utilizam da prostituição infantil, de meninas e meninos pobres, de pais ausentes ou muito pobres e de famílias desestruturadas.
Crimes contra a propriedade e a vida, e de tráfico de droga, ainda são mais uma ameaça do que uma realidade nestas regiões se compararmos com as demais. No entanto, trata-se de uma séria ameaça, pois como veremos, o tráfico começa a chegar aos assentamentos empobrecidos e desassistidos. Aliás, isto vem acontecendo em todo o estado.
A seguir, buscaremos tratar de maneira bastante resumida da realidade local e dos tipos de crime encontrados em cada uma das regiões.
¬ Região Sul: Cuiabá
Como sabemos, a região Sul - Cuiabá é acentuadamente urbana, com a economia baseada na industrial e de serviços, e com a presença marcante das periferias da capital do estado como pano de fundo para as principais situações de violência. A descrição da criminalidade em Cuiabá se aproxima então daquelas dos demais grandes centros do país, sendo os crimes que mais preocupam a população os roubos e assaltos nas ruas e às residências, que de modo geral estão muito associados ao tráfico de drogas. A droga comercializada na capital vem da Bolívia e a região de Cuiabá pode ser vista como parte do corredor do tráfico. Os traficantes envolvidos com tal escoamento, com o tráfico de
passagem, seriam um pouco mais velhos e mais abastados do que aqueles que controlam as boca de fumo.
Mas as bocas de fumos também já se encontram em avançado estágio de “institucionalização” argumentam os participantes do grupo de discussão. Na rua de uma entrevistada, elas já seriam quatro, cada uma com o seu líder, com o seu espaço geográfico e ainda com a sua equipe. Quando se fala em bocas de fumo, há algumas regras que precisam ser respeitadas, embora não estejam escritas. Não é permitido roubar os moradores de sua própria boca de fumo, é preciso lhes garantir segurança para que haja mais tranqüilidade para a atividade do tráfico no local. Assim, usuários de droga e traficantes quando praticam assaltos saem de seu território original. E quando seu território é invadido, o traficante – por questão de honra – busca identificar o infrator e reaver o que foi levado.
Ou seja, território é algo sagrado nesta disputa. E homicídios ocorrem em decorrência de acertos de dívidas da droga e também de marcação de território entre traficantes de diferentes bocas de fumo e ainda entre ganges. As principais vítimas seja do tráfico ou das ganges são adolescentes e jovens da periferia. Roubos para sustentar o consumo e o tráfico de drogas, praticado por adolescentes e jovens, portanto arma de fogo, são os crimes que mais preocupam a população.
¬ Região Sudoeste: Cáceres
A região Sudoeste - Cáceres é de fronteira e cuja economia está atrelada ao tráfico de droga, os seus moradores resistem e se incomodam com este fato, mas não conseguem dizer que se trata de uma inverdade. Para efeito do aumento da criminalidade, a maior debilidade que a mesma acarreta é a redução - para não dizer eliminação – da confiança entre os próprios cidadãos e as instituições. Acredita-se que qualquer um dos moradores possa estar envolvido no crime organizado, que ali perpassa todas as classes sociais e chega mesmo às instituições democráticas. Em Porto Esperidião, a rede do tráfico coíbe que trabalhos preventivos por parte da promotoria, da polícia, dos conselhos de direito e de políticas se efetivem. O Conselho de Segurança – CONSEG, recém criado, precisou suspender suas atividades em ocasião da realização desta pesquisa. Pois seus conselheiros
estavam sendo ameaçados indiretamente pelo crime organizado. Estavam sendo acusados de delatar traficantes. Policiais, por vezes, prendem pessoas, mas imediatamente precisam liberar as mesmas, mediante o pedido de favor de uma autoridade local, um recurso apresentado por um advogado bem pago, ou sob o pagamento de fiança.
Diante da descrença generalizada nas pessoas e nas instituições, muitos crimes acontecem sem que ao menos sejam notificados. Em uma região em que a impunidade é muito provável, não há incentivos para fazer um boletim de ocorrência de um crime, e a denúncia anônima, é algo impensável.
Tem-se assim que o tráfico é o principal crime e ao mesmo tempo fundamental fonte de recursos na região, o que termina por gerar certa tolerância, manifesta de maneira silenciosa, jamais expressa. Muitos são traficantes profissionais, sem serem usuários, perpassando todas as faixas etárias. Tiram dali a sua fonte de renda e apenas isto. Outros são também usuários. A população é menos tolerante com os usuários, em geral jovens e adolescentes.
As razões pelas quais este tipo de crime se alastrou por lá estão relacionadas com a falta de oportunidade de trabalho no setor formal da economia, por um lado, e a facilidade de traficar drogas mediante a vasta fronteira, com pouca fiscalização e muitas oportunidades de recebimento de pagamento para a população local.
O vínculo entre carência e acesso ao tráfico foi fortemente demarcado no grupo realizado em Cáceres. Não se trata de disser que todo traficante é de origem pobre, ao contrário, como já foi mencionado, a atividade perpassa as distintas classes sociais. Mas há uma situação de carência e pobreza que cria ambiente propício para o assédio de traficantes a mulas. Xxxxxxx, apesar de contar com quase 250 anos tem sérios problemas de saneamento básico, pavimentação e iluminação, sem considerar saúde e educação, mencionam os moradores. Em muitos pontos da cidade, a viatura da polícia não consegue entrar. Nesta situação de total precariedade se encontram os assentamentos da reforma agrária. O local foi infiltrado pelo tráfico e hoje é tido como um porto seguro para armazenar drogas e armamentos. Onde o estado não entra, o tráfico se solidifica. Xxxxxxx se prestam ao trabalho de mulas, transpondo a fronteira do Brasil com a Bolívia carregando drogas e veículos roubados, e meninas à prostituição.
¬ Região Centro Oeste: Diamantino
Predomina a percepção de que os municípios não oferecem oportunidades para os moradores. Jovens ao concluírem o ensino fundamental e mais raramente o ensino médio não conseguem se inserir no mercado de trabalho local, dado o seu caráter muito restrito. Como em Cáceres, na região, existem muitos assentamentos sem assistência governamental e sem políticas de incentivo para produção. Em São José do Rio Claro e em Alto Paraguai – este último município conta com um dos menores índices de IDH do estado 0,704, os assentados queixaram-se das condições de vida e de trabalho. Diante da pobreza e da falta de oportunidades, o ambiente se torna propício para o tráfico de drogas e os crimes a ele atrelados.
Para a população, componentes sociais estão diretamente relacionados com a prática de crimes, pois – no caso de furtos e roubos – reconhecem o agressor como o desempregado, que se envolve com o consumo ou tráfico de droga, e, na maior parte das vezes, jovem. No caso da prostituição, elas são identificadas como filhas de pais sem trabalho e viciados em bebida. Suas mulheres são as principais vítimas da violência doméstica. A extração de madeira também é vista como um bico, um paliativo, para aqueles que estão desempregados: “o madeireiro pega um trator velho e vai lá tirar a madeira”. E as brigas no bar, que podem levar até mesmo a homicídios, nas zonas rural e urbana, podem ser associadas também à falta de opção de lazer saudável.
De acordo com moradores de Alto Paraguai, que volta a ter uma onda de garimpo nos anos 40, não há como não mencionar que a atividade de xxxxxxx deixou seqüelas como a forte incidência de prostituição, abuso sexual e violência contra a mulher.
¬ Região Leste: Barra do Garças
A região tem as restrições típicas de locais interioranos prósperos, mas com pouca distribuição de renda. Isto é, a sua economia não é diversificada, faltam indústrias e comércio fortes. Tem-se o agronegócio, que gera dinheiro, mas de forma muito centralizada, nas mãos de poucos empresários. Com isto, as oportunidades de trabalho (restritas praticamente às existências de um ou dois frigoríficos e do Estado) e de
crescimento são muito limitadas para a grande maioria da população. Ademais o salário é muito baixo. Por sorte, tem-se a indústria do turismo, que termina por agregar valor ao município de Barra do Garças.
Entre os crimes que mais preocupam a região estão furtos e roubos, praticados por menores que abordam pedestres, comerciantes e adentram em residências com freqüência armados com revólver ou faca, em busca de dinheiro para sustentar o consumo da droga. Existe um aspecto que convém ser mencionado. Em Água Boa, as situações de criminalidade na cidade e no campo se cruzam quando o fruto de assaltos praticados no centro é levado para a periferia para que seja ocultado do poder público. Assim, rouba-se na cidade e o produto é levado para o espaço rural a fim de escondê-lo da polícia, que sente dificuldades de controlar os territórios mais distantes em decorrência de suas restrições estruturais.
Os crimes que ocorrem no campo estão associados a outras motivações diferentes do conflito agrário. São situações de violência motivadas por brigas entre conhecidos e na família, decorrentes de bebedeira em muitos casos; abuso sexual de crianças e adolescentes. Abuso sexual de crianças e adolescentes também estão na lista dos mais crimes mais recorrentes, particularmente em Barra do Garças, onde o turismo fomenta tal prática. Nos hotéis, cardápios de prostitutas (adolescentes com disfarce inclusive) são oferecidos.
Crimes ambientais também ocorrem em decorrência do foco econômico na pecuária (queimadas para abrir e limpar pasto, por exemplo) e na agricultura voltadas para o agronegócio (com forte uso de agrotóxico). A pesca predatória também é mencionada como um crime preocupante.
¬ Região Oeste: Tangará da Serra.
A região tem a sua economia estruturada no agro-negócio, com destaque para a cana de açúcar e a pecuária, que, de acordo com os moradores, termina por atrair mão de obra sem qualificação para a região. São homens que se apresentam para os momentos de plantio e de colheita da safra, para o trabalho braçal e temporário, e, em sua maioria, vem da região Nordeste. Nem todos que migram para a região são aproveitados no mercado de trabalho e aqueles que são absorvidos pelas fazendas recebem salários baixos, muitas vezes
insuficientes para o pagamento de suas contas. Dado o quadro, entre os crimes mais recorrentes, destacam-se aqueles que são precedidos do consumo de álcool: brigas, abuso sexual de crianças e adolescentes e a violência contra a mulher.
Ademais a região é tida por seus moradores como pertencente à rota do tráfico. Seria por Nova Olímpia, a entrada da droga que vem do exterior, destacadamente da Bolívia e Paraguai. Desta maneira, é possível identificar nas falas dos participantes dois tipos de tráfico e de traficantes. Há o tráfico de transporte e o tráfico de boca de fumo. Assim como há traficante profissional não usuário e aquele dependente, viciado. O tráfico na região do agronegócio não é tido como uma das poucas maneiras de se obter dinheiro diante da pobreza, mas como o mais fácil caminho. - Quem vai trabalhar o mês inteiro no frigorífico para ganhar R$500? Em um transporte pequeno de droga, se ganha isto?! Assim, ele envolve a população mais pobre também, mas não apenas ela.
O tráfico de droga e os crimes contra a vida, a violência contra mulher e o abuso sexual são aqueles crimes mais percebidos nesta região. Situação de pobreza e consumo de bebida aparecem muito atrelados aos mesmos.
¬ Região Sudeste: Rondonópolis.
A região também já teve no garimpo uma atividade econômica fundamental, que teria deixado sequelas como a forte presença de crimes domésticos – violência contra a mulher, abuso de crianças e adolescentes – e prostituição de menores. No que tange à atividade econômica atual e a sua relação como a violência, podemos verificar a existência de crimes contra a propriedade na área rural, envolvendo furtos de defensivos e implementos agrícolas, de tratores e de gado. Afinal, trata-se de uma das mais ricas regiões do estado, com forte ênfase na agricultura moderna e mecanizada. Tais crimes seriam praticados por quadrilhas profissionais, muitas vezes de fora da região, mas que contariam com o suporte de informações de empregados e prestadores de serviços locais.
Foram mencionados ainda casos de violência contra a vida em decorrência de conflito agrário, disputa de terras, com tiroteios, assassinatos e ameaças envolvendo posseiros e proprietários, bem como lideranças indígenas. Em algumas ocasiões, há menção ao fato que tais ocorrências acabam não sendo registradas como conflitos agrários, as
vítimas não denunciam por saberem da impunidade dos infratores. Também há menção quanto à ocorrência de garimpo ilegal, desmatamento, existência de madeireiras ilegais, desrespeito à reserva legal nas propriedades e queimadas.
¬ Região Centro Norte: Sinop
Nota-se a persistência de crimes típicos do período de ocupação: violência motivada por disputas de divisas de terras, pistolagem para intimidar o trabalhador escravo, abuso sexual entre outros. O momento é de crise do corte da madeira, base da economia por duas ou três décadas, que passa a ser contida já nos anos 90. De verdade, muitos ainda sobrevivem de tal atividade, marcadamente, em Marcelândia.
Para fazer um breve resgate histórico, a partir das percepções de seus moradores, em um primeiro momento, a região atraiu os moradores das regiões Sul e Sudeste do país, que vieram “ocupar e integrar para não entregar”, lema muito utilizado no regime militar como sabemos. Assim, em um primeiro momento, a base da economia esteve muito vinculada à extração da madeira. Afinal, era preciso limpar a região para entrar o pasto e a agricultura. E os principais crimes rurais ali encontrados estão associados a este processo. Em Marcelândia, os conflitos agrários e ambientais aparecem como ainda muito recorrentes e fortes. Como agravante do conflito no campo tem-se a percepção de que a ocupação e a regularização da terra na região foram e ainda estão sendo feitas a partir de fraudes, de maneira ilegítima. Muitos conflitos ocorrem também em Vera, seja entre pistoleiros e empregados de fazenda ou ainda por motivos como ciúmes e desavenças.
Pedidos de propinas, práticas de corrupção, ilegalidade, atitudes parciais por funcionários públicos (como do IBAMA) pautadas por interesses políticos ou econômicos, são expressões recorrentes entre os moradores da região quando buscam mencionar o desempenho das instituições fiscalizadoras nas questões agrárias e ambientais. Prestígio, poder e dinheiro se sobrepõem às regras e, portanto, perde-se o parâmetro. E, ao final, todos conhecem os canais que são utilizados para reverter ilegalidades em benefícios, para evitar investigações de crimes e esquentar a madeira, por exemplo, que deve ser comercializada em Sinop e jamais em Cuiabá. Em Cuiabá madeira extraída aqui não passa, mas em Sinop,
passa. Tem uma corrente, se você precisar levar uma carreta de madeira daqui até São Paulo sem pagar um real, você consegue.
Com a extração de madeira e o esgotamento do garimpo nas regiões vizinhas (como Alta Floresta), Sinop terminou por receber muitos emigrantes. Mas nos últimos anos, o setor madeireiro também vem se enfraquecendo. E tal população, ao chegar à região de Sinop, não tem conseguido se inserir no mercado de trabalho e usufruir de serviços públicos e privados que demanda, elevando a situação de pobreza. Estariam aí as bases para os demais crimes que ocorrem na região.
Existe a expectativa que com a modernização da economia e o êxodo rural os crimes no campo sejam reduzidos. Neste caso, aumentariam os crimes urbanos, ocasionados pela migração da mão de obra do campo para a cidade. Nas falas dos entrevistados, crimes surgem, desaparecem e são substituídos de acordo com o movimento da população, a despeito de qualquer intervenção das instituições de polícia e justiça.
¬ Região Centro: Sorriso
Na região, destacam-se a produção de soja e as atividades relacionadas à extração de madeira. Registra-se a ocorrência de crimes contra a propriedade no campo, com roubos de maquinários e agrotóxicos, por quadrilhas organizadas. Crimes envolvendo abuso sexual em crianças também são mais percebidos no campo do que na cidade. Já entre os crimes relacionados com o meio ambiente, destacam-se: a persistência do desmatamento, o uso abusivo de agrotóxico no cultivo de soja e algodão, e ainda as caça e pesca ilegais, tal como foi mencionado em Nova Mutum.
Como em outras regiões do estado com semelhante perfil de fronteira agrícola, Sorriso termina por atrair mão de obra desqualificada para o corte de madeira. Repete-se então o quadro de pobreza, que termina por deixar a população vulnerável ao consumo de álcool e de droga, ao tráfico, e às diversas modalidades de crime que deles derivam.
O crime contra o patrimônio mais recorrente é o furto às residências, na ausência dos moradores. Menos freqüente, mas que também ocorre é o assalto com isolamento dos moradores em um cômodo no transcorrer do crime. Há muito poucos casos de homicídio. Os crimes seriam praticados por usuários para a sustentação de seu vício. De acordo com os
moradores da região e os aplicadores do Direito, o tráfico na região é do tipo boca de fumo, não o de transporte, e está ainda em estágio inicial, mas já vem apresentando um grau de organização, envolvendo inclusive a elite local.
Prostituição, até mesmo de menores, aparece relacionada ao consumo e tráfico de drogas e também ao turismo de praia. A droga costuma chegar à região via caminhoneiros e prostitutas, neste aspecto, prostituição e tráfico se confundem.
¬ Região Nordeste: Vila Rica
Cinco aspectos da realidade local da região afetam de maneira direta a experiência com a segurança pública entre a população. Por um lado, tem-se na região o agro-negócio baseado na pecuária e no plantio da cana-de-açúcar, tendo como característica a concentração de propriedade e renda. O que demarca a existência de uma população excluída do acesso ao capital, empobrecida e dependente de políticas públicas para a sobrevivência e o crescimento na vida. Constata-se, enquanto segundo aspecto da realidade local a ser abordado, que existem poucas políticas voltadas para o bem estar social nos municípios, em sua maioria são iniciativas promovidas e financiadas pelo Governo Federal como o programa Pró-Jovem. Tal quadro por si só já aponta para um amplo grupo de moradores empobrecidos e desassistidos, vulneráveis a ameaças como prostituição e trabalho infantil, tráfico de drogas entre outros.
Para agravar a situação, as poucas empresas da região estão sendo submetidas às regras ambientais e trabalhistas através do endurecimento da fiscalização. Com isto, muitas estão sendo fechadas. Em Confresa, acredita-se que com o fechamento de uma destilaria e de um frigorífico duas mil pessoas tenham perdido o seu emprego. Famílias que mediante ao aperto financeiro estão incentivando suas filhas a praticarem a prostituição e os meninos entrarem no tráfico. A conseqüência é que pequenos furtos e mesmo roubos, com uso de armas, começam a fazer parte das pacatas cidades da região. Tal crise na economia local configura o terceiro ponto a ser ressaltado.
Enquanto quarto ponto tem-se a existência de muitos assentamentos na região. Xxxx assentamentos também não recebem assistência suficiente para cumprirem efetivamente a função para a qual foram criados: a agricultura familiar. De novo, a ausência ou carência de políticas públicas é sentida e repercutirá na propensão à criminalidade.
Por fim, acreditam que a localização da região na fronteira do MT com o PA facilita que criminosos fujam de um estado para o outro e que ainda suas vias sirvam de escoamento de droga.
Verifica-se que o consumo e o tráfico de drogas começam a chegar aos municípios da região Leste. Portanto, hoje, eles se configuram mais uma ameaça do que uma realidade. No entanto, dado o quadro aqui exposto, reitera-se que há aspectos sociais que favorecem a proliferação dos problemas. Os principais crimes hoje são homicídios por motivos fúteis e decorrentes do consumo de bebida, pequenos furtos e prostituição de adolescentes.
¬ Região Noroeste: Juína
A realidade da região é marcada pela extração de madeira mais intensa no passado e, no presente, com menos ritmo em decorrência das regras e dos constrangimentos impostos pelas mesmas e ainda pela redução da floresta. Extraem madeira grandes e pequenos proprietários, e também indígenas, ressaltam os participantes de Aripuanã. Tal extração pode ser a partir do cumprimento das leis que regulam a atividade ou não. Em Castanheira, a extração de madeira tem ocorrido com intensidade nos assentamentos, local onde os moradores ainda não possuem a documentação da terra. Ademais, destaca-se a presença acentuada das queimadas. E também, com freqüência, ainda ocorrem conflitos pela terra.
Trata-se de uma ocupação relativamente recente, muitos participantes dos grupos se lembram dos primórdios, quando o Estado ainda não havia ocupado a região com seus órgãos de segurança e demais políticas. Era uma “arruaça”, colocam. Nos últimos anos a “ordem” vem chegando. Mas ainda faltam recursos para uma efetiva consolidação do Estado na segurança, na saúde, no saneamento básico e na pavimentação de estradas. Ademais faltam recursos também de outra ordem, como culturais, embora estes já comecem a ser identificados entre os moradores. Como as instituições democráticas de controle social (conselhos de direito e de política, Ministério Público entre outros) ainda são novidades, os moradores ainda convivem com uma percepção muito hierárquica da sociedade, ocupando os agentes do estado um degrau superior ao dos cidadãos. Em decorrência desta falta de percepção dos direitos e deveres do cidadão democrático civil, a
prática de corrupção ainda parece ser recorrente. Isto acontece em várias outras regiões de fronteira agrícola.
Os crimes contra a mulher e crianças também aparecem muito relacionados com a realidade rural. Trabalhadores rurais e fazendeiros – que podem ter conseguido obter terras e dinheiro com a vinda para o Mato Grosso, mas que mantém uma visão pouco moderna no que tange aos direitos das mulheres e crianças – depois de muita lida se distraem abusando de meninas e adolescentes ou, se contrariados, descarregam seus sentimentos violentando as mulheres.
A presença do garimpo na região também ajuda a explicar a recorrência destes tipos de crimes, enquanto um fator cultural. A história de Xxxxx, como foi colocado por seus moradores, vem sendo marcada pelo garimpo e pelo desmatamento, duas atividades fortemente extrativistas e baseadas na degradação. Na verdade, Xxxxx e também Alta Floresta foram planejadas para a colonização baseada na agricultura familiar, no entanto, a explosão do garimpo fez alterar o ritmo da história e modificar a imagem de uma região de colonos.
¬ Região Norte: Alta Floresta
A exploração do garimpo em um passado recente é a principal marca desta terra na fala de seus moradores. Xxxxxxx Xxxxxxx, por exemplo, tem como mancha a sua associação com a prostituição, em parte organizada para atender os garimpeiros. Predominante também, é a avaliação que a região de Alta Floresta, por ter crescido com o garimpo, terminou por vivenciar uma expansão desordenada, pautada por muitas mortes e criminalidade. ”Como herança deste tempo, ficou a alta taxa de estupro e de pedofilia”, resume um participante da pesquisa.
Depois do momento áureo do garimpo, a região passou a experimentar um período de estagnação econômica. O quadro de pobreza instaurado atraiu o tráfico de drogas, que hoje já se encontra articulado com a elite e autoridades locais. Temerosos, qualquer denúncia parece ser inviável neste cenário. Foi verificado um empenho recente no sentido de reduzir o tráfico de droga na região, tendo sido estouradas quatorze bocas de fumo e efetuadas algumas prisões, mas na seqüência, o delegado teria sido transferido. Para os moradores
locais, a transferência teria sido uma punição pelo mesmo ter desafiado a organização do tráfico.
Registram-se também crimes no campo, desde desmatamento e práticas de queimadas até a persistência de trabalho escravo e da violência contra a mulher. Foram mencionados casos de abuso sexual de crianças e mulheres em fazendas.
¬ Região Noroeste - Juara
Extração de madeira e pecuária são as principais atividades econômicas da região. Os crimes agrários e ambientais ainda fazem parte da realidade local, ainda que venham sendo reduzidos. Em Juara, foi possível identificar conflitos entre fazendeiros pelas terras chamadas de devolutas ou de sobras, entre fazendeiros e assentados, e aqueles oriundos da presença de trabalho escravo. A disputa entre fazendeiros por terras devolutas seria bastante acentuada na região de Pará do Norte. Já o conflito entre fazendeiros e assentados se daria nos dois maiores assentamentos da região, com destaque para Vale dos Arinos. Não parece raro um fazendeiro se interessar pelas terras de um assentado.
Quanto ao trabalho escravo, tem-se que a atividade de extrativismo vegetal e pecuária atrai e emprega muita mão de obra desqualificada e sem documentação. Estes terminam por ser contratados pelos “gatos” para as fazendas. Passam então a depender do patrão para o seu custeio e, consequentemente, a ter uma dívida com o mesmo. Assim eles ficam impossibilitados de deixarem o trabalho sem antes quitarem o que devem. Outra situação que foi narrada é a de fazendeiros pegarem moradores de rua, viciados em bebida, levarem para suas propriedades por um curto período de tempo que pode durar até três meses para o trabalho e depois despachá-los de volta. O Ministério do Trabalho e a Polícia Federal, em operação recente no município de Juara, detectaram casos de escravidão branca. Diante desta realidade, são relatados crimes contra tais empregados, mediante interesse em reclamar qualquer direito trabalhista. Muitos crimes não são notificados.
Ocorrência de crime ambiental, marcadamente de desmatamento e de queimadas entre assentados e fazendeiros. As áreas de preservação permanente também estão ameaçadas.
Outros crimes acontecem no campo a despeito das questões da posse da terra e ambiental propriamente ditas. Entre eles destacam-se: casos de pedofilia, de violência doméstica e brigas que podem levar mesmo ao homicídio, quase todos muito associados ao vício da bebida. Situação semelhante pode ser verificada na cidade. Com a extração de madeira, a economia do agronegócio e a grande circulação de motoristas, Juara é considerada um pólo de exploração sexual inclusive de crianças. Registra-se o alto índice de pessoas portadoras de soro positivo, o que demanda a atenção das secretarias estadual e municipal de saúde.