ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSULTORIA JURÍDICA
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONSULTORIA JURÍDICA
Processo Administrativo nº 8506799-52.2022.8.06.0000 Interessado: Secretaria de Planejamento e Gestão.
Assunto: Contratação de empresa para ministrar capacitação em Power BI para servidores do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará com recursos decorrentes de empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
_
PARECER
I – RELATÓRIO
Trata-se de processo administrativo por meio do qual a Secretaria de Planejamento e Gestão requer a contratação de empresa, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, para ministrar curso sobre a ferramenta Power BI na modalidade “in company” para os servidores do Poder Judiciário do Estado do Ceará.
De acordo com a unidade consulente, o aludido curso integra o Plano de Capacitação 2022 e é uma das entregas do projeto estratégico “Fortalecimento da Inteligência de Dados”, o qual faz parte do Programa de Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará – PROMOJUD.
Suscita, ainda, que a contratação pretendida atende aos objetivos do Contrato de Empréstimo nº 5428/OC-BR, celebrado entre o Estado do Ceará e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID, que tem como executor o Tribunal
de Justiça do Estado do Ceará, e se enquadra na hipótese de Comparação de Preços prevista no parágrafo 3.6 da GN-2349-15.
O procedimento é composto pelos seguintes documentos: a) Estudo de Especificações Técnicas (fls. 02/11); b) Estimativa de Custos (fl. 12); c) Informação nº 100/2022 (fls. 13/14); d) Autorização de Processo Licitatório (fls. 27/32); e) Propostas e Documentos de Habilitação (fls. 36/190); f) Relatório de Julgamento para execução de Aquisição de Bens ou Contratação de Serviços que não são de Consultoria (fls. 191/205); e g) Dotação Orçamentária (fls. 210/212).
A Secretaria de Gestão de Xxxxxxx remeteu à Consultoria Jurídica (CONJUR) para análise e manifestação acerca da contratação pretendida, fl. 215.
O Coordenador do Núcleo de Licitações com Financiamento Externo
– XXXXXX apresentou parecer técnico recomendando o prosseguimento do processo licitatório em análise, fls. 218/219.
No despacho de fl. 222, a Consultoria Jurídica deste Sodalício remeteu o caderno administrativo ao NULFEX com o fim de requisitar a pessoa jurídica vencedora que apresente a declaração assinada, bem como a certidão de regularidade fiscal do Estado do São Paulo.
A Central de Contratos e Xxxxxxxxx solicitou a inserção do Termo de Referência, além de identificar a quem caberá a gestão e a fiscalização do contrato, fl. 238.
A Coordenadoria de Educação Corporativa acostou as Especificações Técnicas de fls. 240/251.
Às fls. 256/264 jaz a minuta do contrato a ser firmado entre as partes.
Autos encaminhados à CONJUR, para fins de análise e elaboração de parecer jurídico, conforme prevê o art. 24, §2º, inc. III, da Lei Estadual n.º 16.208/2017.
É, no essencial, o relatório. Cumpre-nos, doravante, opinar a
respeito.
II – DELIMITAÇÃO DO PARECER JURÍDICO
De início, cumpre esclarecer que esta Consultoria Jurídica se restringe, única e tão somente, ao exame de legalidade, não invadindo aspectos outros como os técnicos, financeiros, de conveniência ou de oportunidade, que são próprios do Administrador Público.
Firmada esta premissa, passamos ao exame da matéria.
III – DA NORMA APLICADA À CONTRATAÇÃO
Como se sabe, o Poder Judiciário do Estado do Ceará, dentro do seu planejamento de modernização, articulou, junto ao executivo estadual, operação de crédito externo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID para viabilizar o Programa de Modernização do Judiciário (PROMOJUD).
O contrato de empréstimo nº 5248/OC-BR foi assinado em 29 de dezembro de 2021, e, em seu bojo, traz como condição para a liberação dos recursos, a utilização das suas políticas de contratações.
Assim, para que haja o repasse financeiro, o Poder Judiciário Estadual terá que adotar métodos de contratação estabelecidos pelo Banco.
Sabe-se que a legislação pátria que versa sobre contratações públicas no Brasil (Lei nº 8.666/93 e Lei 14.133/2021) prevê a possibilidade de se utilizar procedimentos específicos do organismo internacional, ou seja, diferentes daqueles tradicionalmente consagrados (concorrência, pregão etc). Esta regra está consolidada no § 5º art. 42 da Lei nº. 8.666/93 e no § 3º do art. 1º da Lei n°. 14.133/2.021, senão vejamos:
LEI N. 8.666/93 Art. 42. (...)
§ 5o Para a realização de obras, prestação de serviços ou aquisição de bens com recursos provenientes de financiamento ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, bem como as normas e procedimentos daquelas entidades, inclusive quanto ao critério de seleção da proposta mais vantajosa para a administração, o qual poderá contemplar, além do preço, outros fatores de avaliação, desde que por elas exigidos para a obtenção do financiamento ou da doação, e que também não conflitem com o princípio do julgamento objetivo e sejam objeto de despacho motivado do órgão executor do contrato, despacho esse ratificado pela autoridade imediatamente superior. (Grifo nosso)
LEI N. 14.133/2021
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange:
(...)
§ 3º Nas licitações e contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou doação oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o Brasil seja parte, podem ser admitidas:
I - condições decorrentes de acordos internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República; (grifo nosso) II - condições peculiares à seleção e à contratação constantes de normas e procedimentos das agências ou dos organismos, desde que:
a) sejam exigidas para a obtenção do empréstimo ou doação;
b) não conflitem com os princípios constitucionais em vigor;
c) sejam indicadas no respectivo contrato de empréstimo ou doação e tenham sido objeto de parecer favorável do órgão jurídico do contratante do financiamento previamente à celebração do referido contrato;” (Grifo nosso)
Então, conforme autorização legal, há, nestes casos, um afastamento pontual das leis de regência sobre contratações públicas, passando a prevalecer os procedimentos próprios dos entes externos, ressalvando, contudo, a necessidade de se observar os princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública, sob pena de se preterir a supremacia da Constituição.
O jurista Toshio Mukai1 asseverou que “não se pode simplesmente dar prevalência total às normas dos organismos internacionais, em função apenas da redação literal do § 5º do art. 42 da Lei nº 8.666/93. Há que se observar (...) os demais princípios da licitação, que ou decorrem do princípio do julgamento objetivo,
1 Artigo: “As licitações internacionais, as normas da Lei nº 8.666/93 e as dos organismos financeiros internacionais”, in BLC, v. 10, nº 8, p. 373-374, agosto de 1997.
ou decorrem do próprio texto constitucional”.
Na mesma toada, segue o ilustre autor Marçal Justen Filho2 ao aduzir que em tais casos “o princípio norteador será a prevalência da soberania nacional e a indisponibilidade do interesse público.”
Da mesma maneira, segue o acórdão do Plenário do TCU3:
REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO CUSTEADA COM RECURSOS FINANCIADOS POR INSTITUIÇÕES QUE COMPÕEM O GRUPO BANCO MUNDIAL. ENTENDIMENTO DO TCU. RESTRIÇÃO À COMPETITIVIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A ANULAÇÃO DO CERTAME. 1. De acordo
com o art. 42, § 5º, da Lei n. 8.666/1993, é possível a realização de processos licitatórios que obedeçam às condições previstas em contratos assinados com instituições financeiras multilaterais e, ainda, a adoção de procedimentos por elas exigidos. 2. Nada obstante, consoante a Decisão
n. 1.640/2002 - Plenário, eventual contrato de empréstimo internacional não pode conter cláusulas conflitantes com a Constituição Federal, uma vez que os princípios constitucionais prevalecem em caso de divergência com as normas dos organismos de financiamento, sendo cabível, ainda, a aplicação subsidiária dos ditames da Lei n. 8.666/1993.
3. A exigência não justificada, do ponto de vista técnico-econômico, de experiência mínima de dez anos na prestação de serviços similar ao licitado consubstancia restrição ao caráter competitivo do certame. 4. Deve ser fixado prazo para a anulação de certame maculado do vício insanável da restrição à competitividade.
Assim, considerando a presente situação de operação de crédito externo para financiamento do Programa de Modernização do Poder Judiciário do Estado do Ceará – PROMOJUD, materializada através do contrato de empréstimo nº 5248/OC-BR, está claro que os procedimentos de contratações que envolvam projetos do referido programa deverão obedecer rito especial indicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, bem como os princípios constitucionais da Administração Pública e os demais postulados da Lei nº 8.666/93, os quais foram observados na minuta do contrato acostada aos autos.
IV – DA CONTRATAÇÃO ADOTANDO-SE A POLÍTICA DO BID
2 XXXXXX Xxxxx, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Dialética, São Paulo, 8ª ed., p. 425.
3 TCU, Xxxxxxx: 645/2014 – Plenário; Rel. Xxxxxx Xxxxxxxxx; Processo: 031.112/2013-7; Tipo de Processo: Representação (REPR); DATA DA SESSÃO: 19/03/2014.
Firmado o entendimento sobre a utilização das políticas do BID, passamos, agora, a identificar qual dos métodos previstos será aplicado na situação que consta no caderno administrativo.
Consoante ao que dispõe o contrato de empréstimo – normas gerais, em especial o que consta no artigo 6.04, as contratações, sejam de obras, serviços, aquisições ou consultorias deverão ocorrer de acordo com o Plano de Aquisições aprovado pelo Banco e, a depender da natureza da contratação, com a Política de Aquisições ou com a Política de Consultores. A propósito:
ARTIGO 6.04. Seleção e contratação de obras e serviços diferentes de consultoria, aquisição de bens e seleção e contratação de serviços de consultoria. (a) Sujeito ao disposto no inciso (b) deste Artigo, o Mutuário se compromete a realizar ou, conforme o caso, a que o Órgão Executor e a Agência de Contratações, se houver, realizem a contratação de obras e serviços diferentes de consultoria, assim como a aquisição de bens, de acordo com o estipulado nas Políticas de Aquisições e no Plano de Aquisições aprovado pelo Banco, e a seleção e contratação de serviços de consultoria, de acordo com o estipulado nas Políticas de Consultores e no Plano de Aquisições aprovado pelo Banco. O Mutuário declara conhecer as Políticas de Aquisições e as Políticas de Consultores e, conforme o caso, se compromete a levar tais Políticas ao conhecimento do Órgão Executor e da Agência de Contratações. (Grifo nosso).
Em suma, funciona assim:
- quando se tratar de seleção e contratação de obras e serviços diferentes de consultoria, aquisição de bens, utiliza-se a Política de Aquisições do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID que está consolidada no documento GN-2349-15;
- quando se tratar de seleção e contratação de serviços de consultoria, utiliza-se a Política de Consultores que está no documento GN- 2350-15.
De acordo com o que foi apresentado pela área técnica, a política a ser adotada é a que está descrita no documento GN-2349-15, já que se pretende contratar “empresa para ministrar curso de capacitação na plataforma Power BI,
online, ao vivo, na modalidade ‘in company’, para os servidores do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE”.
O Manual de Aquisições do Executor, no que se refere a GN-2349- 15, traz quatro formas/métodos de contratação. São eles: a) LPI, b) LPN, c) CP e d) CD.
Pois bem, foi definido, a partir dos critérios técnicos alinhados ao escopo da contratação, que seria aplicado o método Comparação de Preços (CP), previsto no parágrafo 3.6 da GN-2349-15, para esta contratação, conforme previsto no plano de aquisições.
Esse método de contratação é simplificado, baseado na comparação de, no mínimo, três propostas comparáveis e válidas, apropriado à aquisição de bens e serviços que não são de consultoria com custo estimado inferior à US$ 100 mil (cem mil dólares), conforme se verifica no Manual de Aquisições do Executor BID de 2021.
Com a Comunicação Interna nº 0011/2022 (fl. 206), verifica-se que o valor não ultrapassou o limite para essa modalidade de contratação, já que o montante ofertado pela empresa, a qual preencheu todos os campos do modelo da proposta, ficou em torno de US$ 18.988,44 (dezoito mil, novecentos e oitenta e oito dólares e quarenta e quatro centavos), considerando a cotação do dólar4 em 11/02/2022.
Ao se compulsar os autos, observa-se que os procedimentos contidos na GN-2349-15, que trata das Políticas e Procedimentos de Aquisições do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foram observados, bem como os princípios Constitucionais e da Lei de Licitação.
V – ANÁLISE DOCUMENTAL
4 US$ 1,00 = R$ 5,19. Fonte: Banco Central do Brasil. Disponível em: xxxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxx/xxxxx/xxxx/xxxxxxxxx.xxx?xxxxxx0
Antes de realizar a análise dos documentos acostados e examinar a sua consonância com as regras do Banco para o método de contratação escolhido, lembra-se do escólio de Xxxxxx Xxxxxxxx Schwind5 quando trata da limitação das exigências nos contratos em que há o financiamento externo, senão vejamos:
As diretrizes editadas pelo BID e pelo BIRD estabelecem quaisquer exigências de participação devem ser limitadas àquelas que sejam essenciais para assegurar que o licitante é dotado das qualificações necessárias ao cumprimento do objeto licitado. As exigências formuladas, portanto, devem ser as mínimas possíveis para garantir a correta execução do objeto, sem restringir demasiadamente a competitividade. Pelos mesmos motivos, não se pode negar qualificação a um interessado por razões não vinculadas à capacidade e à disponibilidade de recursos necessários à boa execução do contrato.
Essa determinação é compatível com o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal (que veda a formulação de exigências de qualificação técnica e econômica que sejam dispensáveis), bem como com o artigo 9º, inciso I, alínea 'a' da Lei nº 14.133 (que proíbe a inclusão de cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do certame). A vedação a exigências inúteis serve de orientação à Administração Pública, tanto na formulação do edital quanto na condução do certame. Trata-se de um importante vetor interpretativo que deve orientar a elaboração de exigências e a verificação do seu cumprimento pelos licitantes.
Neste sentido, depreende-se ser lícita a exigência de qualificação técnica e de habilitação fiscal, social e trabalhista na licitação para contratar empresa com recursos advindos de financiamento externo, pois são essenciais para garantir o cumprimento do objeto licitado.
Feitas essas considerações, passamos à análise dos documentos.
Conforme dispõe o Manual de Aquisições do Executor, a primeira etapa da Comparação de Preços será composta com os seguintes documentos: 1) Elaboração das especificações técnicas (previsão no §3.6 da GN2349); 2) Envio do Convite para a Apresentação de Proposta de Preços (previsão no §3.6 da GN2349);
3) Recebimento e Avaliação das Propostas (previsão no §2.53 a 2.61da GN2349); 4) Elaboração do Relatório de Julgamento (previsão no §3.6 da GN2349).
5 SCHWIND, Xxxxxx Xxxxxxxx. Licitações internacionais: participação de estrangeiros e licitações realizadas com financiamento externo. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p.208 e 209.
Examinando o caderno administrativo, é possível verificar que os documentos estabelecidos nesse fluxo inicial constam nos autos, conforme referência a seguir:
ORD. | DOCUMENTO | FOLHAS |
1 | Especificações Técnicas | fls. 02/11 |
2 | Estimativa de Custos | fl. 12 |
3 | Convite para a Apresentação de Proposta de Preços (relação de empresas convidadas) | fl. 194 |
4 | Recebimento e Avaliação das Propostas | fl. 196 |
5 | Elaboração do Relatório de Julgamento | fls. 191/205 |
6 | Contrato | fls. 256/274 |
Desse modo, como os ditames procedimentais determinados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foram observados e não houve afronta aos princípios constitucionais e da Lei nº 8.666/93, não há óbice para que o contrato seja firmado.
VI – CONCLUSÃO
Diante do exposto, e por tudo o mais que dos autos constam, ressalvando-se, mais uma vez, que os aspectos de conveniência e oportunidade não estão sob o crivo desta Consultoria Jurídica, opinamos FAVORAVELMENTE à contratação dos serviços da empresa para ministrar capacitação sobre a ferramenta “Power BI” para os servidores do Poder Judiciário do Estado do Ceará, nos moldes do presente procedimento, tendo em vista que se encontra em perfeita consonância com a GN-2349-15, que trata das Políticas e Procedimentos de Aquisições do Banco
Interamericano de Desenvolvimento BID, e com os princípios da Constituição e da Lei nº 8.666/93.
É o parecer. À superior consideração. Fortaleza/CE, 15 de julho de 2022.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx
Assessor Jurídico
De acordo. À douta Presidência. Data supra.
XXXX XXXXXXXXX XX XXXX XXXX:78586593320
Assinado de forma digital por XXXX XXXXXXXXX XX XXXX XXXX:78586593320
Dados: 2022.07.27 14:01:52 -03'00'
Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxx Xxxx
Consultor Jurídico em exercício