CONTRATOS EM PROPRIEDADE INTELECTUAL
CONTRATOS EM PROPRIEDADE INTELECTUAL
XXXXX XXXXXX XXXXXXX
Indice
XXXXX XXXXXX XXXXXXX 1
Indice 2
CONTRATOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA 5
OS TIPOS DE CONTRATOS 6
Licenças e cessões de direitos de propriedade industrial 6
Contratos de tecnologia não patenteada – segredos e know how 6
Contratos relativos a projetos 7
Contratos de serviços técnicos 7
Tipos de contratos 7
Tipos de Contratos e IRPJ 8
Classificação dos contratos na legislação 9
Bibliografia: Contratos de tecnologia 11
CONTRATOS DE LICENÇA E DE TECNOLOGIA – A INTERVENÇÃO DO INPI 11
Licenças de direitos de Propriedade Industrial 11
A averbação e anotação na lei de 1945 11
A Averbação no CPI/71 12
Averbação e anotação na Lei 9.279/96 13
Dos contratos de tecnologia não patenteada 14
No regime da Carta de 1967 e do CPI/71 14
A Carta de 1988 17
Os atos normativos do INPI até 1996 18
A inefetividade do ato no. 120 do INPI 20
A lei 9.279/96 20
O ato Normativo 137/97 21
A definição de competência do INPI 23
O que é tecnologia 24
O que é transferência de tecnologia 24
O que não é tecnologia 28
A conseqüências da averbação ou do registro 29
Propósitos da averbação 29
Jurisprudência: Contratos não submetidos ao INPI 30
Legitimidade para averbação e registro. Desaverbação 30
Papel do INPI na Legislação Tributária 31
A exigência de averbação ou registro no IRPJ 32
Averbação na Legislação Tributária (IRPJ) 37
Averbação na Jurisprudência Administrativa Tributária 39
Averbação e Legislação Cambial 39
Legislação Cambial 40
O CONTRATO DE KNOW HOW 41
O objeto do contrato 41
Contrato de know how: Natureza Jurídica 42
Jurisprudência: natureza jurídica do contrato de know how 43
Contrato de know how: os vários tipos 44
O Contrato de know how e as Licenças 46
O know how e os Contratos de Serviços Técnicos 47
Contrato de know how e cooperação tecnológica 50
Contrato de know how e pacto incidental de sigilo 50
Conteúdo dos contratos de know how 51
Clausulas essenciais 51
Disposições acidentais 53
O know how e seus limites convencionais 55
Know how e direito da concorrência 57
Cláusula de cessação de uso 61
Indisponibilidade do know how 66
Perecimento do Valor do “know how” 68
Xxxxxxxxxxx e pacotes tecnológicos 70
Jurisprudência: know how é intuitu personae? 71
LICENÇA DE PATENTES 71
Modalidades de Licenças de Patentes 72
Conteúdo das licenças e direito comum 73
Licença e cessão 74
Licença exclusiva: efeitos tributários 74
Licença voluntária no CPI/96 75
Restrições em licenças de patentes – expiração do prazo 76
Restrições em licenças – pagamentos após a expiração 77
CESSÃO DE PATENTE 77
Natureza do contrato de cessão de patentes 78
Cessão parcial 78
Cessão e outras figuras de direito 78
Cessão de patentes como conferência ao capital 80
Licença e cessão – implicações tributárias 81
Remissibilidade de pagamentos relativos à cessão de patentes – Será possível? 81
Cessão proibida 82
DA LICENÇA DE MARCAS 82
Efeitos da averbação de licença de marcas 83
Licenças de marcas associadas a outros objetos contratuais 83
A licença de marca futura 84
DA CESSÃO DE MARCAS 84
Alterações e Anotações 85
FRANCHISING 85
Noção de franquia 85
O que é aviamento? 86
Estruturas confederais de alocações de risco 86
Conteúdo complexo dos serviços de franchising 87
Jurisprudência: distinção de licença de marcas e franquia 89
Jurisprudência: distribuição de produtos não é essencial para a franquia 90
Jurisprudência: devem-se royalties sempre 90
Concessão de vendas, Know-How e franchising 91
A objeção ao franchising 93
Definição legal de franchising 93
Jurisprudência: Franchising e cláusula de quarentena 94
Jurisprudência: eficácia da cláusula de exclusividade 94
Mais definição do contrato 95
Jurisprudência: Franquia e efetividade de prestação 95
A questão confederal 96
Jurisprudência: franquia não é relação de consumo 97
Jurisprudência – sem circular de franquia não há contrato 98
Jurisprudência – não há franquia quando o franqueador paga ao franqueado 98
As modalidades de franchising 99
Franquia e direito da concorrência 99
Tying in 102
Jurisprudência: franquia por si não justifica compra casada 103
Cláusulas de exclusividade 104
Condições de licitude das cláusulas em direito privado 104
Aplicação da legislação de defesa da concorrência 105
Averbação no INPI 106
O problema tributário do franchising 106
Tratamento do franchising perante IRPJ: anos 70 106
Problema do IRPJ após a Lei de Franquia 109
Legislação Tributária: IRPJ 110
ISS 111
Jurisprudência Administrativa: ISS sobre franquia 111
Bibliografia sobre Franchising 111
PRÁTICAS E CLÁUSULAS RESTRITIVAS NOS CONTRATOS 112
O impacto de TRIPs sobre as cláusulas restritivas 114
Precedentes regulatórios 114
O acordo TRIPs 116
Natureza jurídica do art. 40 de TRIPs 117
O contexto ideológico do Art. 40.2 do TRIPs 117
Cláusulas restritivas rejeitadas pelo TRIPs 119
Abuso de direito 119
A ofensa à concorrência 120
A regra da razão 120
A listagem da Práticas 122
O sistema de Consultas 123
Tratamento nacional ou regional de cláusulas restritivas 123
Bibliografia: Cláusulas restritivas no direito estrangeiro 126
Jurisprudência: razoabilidade da atuação do INPI 127
Cláusulas restritivas na legislação interna 130
Licenças de patente 132
Licença de Marcas 136
Contratos de Fornecimento de Tecnologia 137
Contrato de serviços técnicos 139
Competência para análise das cláusulas restritivas 139
TRIBUTAÇÃO DOS CONTRATOS DE LICENÇA E DE TECNOLOGIA 143
Bibliografia: Tributação dos Contratos 145
Bibliografia complementar: contratos em propriedade intelectual 148
CONTRATOS AUTORAIS 149
Cessão 149
Cessão na Lei 9.610/98 150
Cessão em Direitos Autorais e Conexos 151
Parecer – Cessão e Edição 152
Contratos de propriedade industrial e transferência de tecnologia
Os contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia são regulados, no presente momento, por um conjunto disperso de normas, não espelhadas, como ocorria até recentemente, num único normativo 1. Tais normas relevantes incluem:
• O corpo da legislação tributária, especialmente a do Imposto sobre a Renda, cuja complexidade e mutabilidade merecem estudo próprio;
• A legislação relativa ao Direito do Concorrência, especialmente a que dá competência ao CADE para analisar contratos que possam afetar a concorrência;
• A lei 4.131/62, no que regula aspectos da remissibilidade das importâncias relativas aos contratos de tecnologia;
• Os arts. 62, 140 e 211 do Código da Propriedade Industrial, Lei 9.279/96, que submetem à averbação ou registro no INPI tais contratos 2, assim como o Ato Normativo no. 135, de 15/4/97, que dispõe sobre o respectivo procedimento 3.
• Os eventuais efeitos internos do tratado OMC/TRIPs 4.
• Outros dispositivos relevantes de legislação esparsa, por exemplo, o Código do Consumidor.
Assim, são três os aspectos principais devem ser levados em conta na aquisição de tecnologia no exterior por uma empresa brasileira. Em primeiro lugar, a legislação
1 De 1975 até 1991, vigia o Ato Normativo no. 15, do INPI, que fixou-se como padrão para análise dos contratos submetidos à autarquia; a Resolução no. 22 de 27/2/91, a Instrução Normativa no. 1 de 2/7/91 e, posteriormente, o Ato Normativo no. 120, de 17/12/93, revogaram o conteúdo e os parâmetros do Ato Normativo 15, sem oferecer o roteiro detalhado deste. O Ato Normativo no. 135, de 15/4/97, que se encontra atualmente em vigor, deixa de prescrever quaisquer regras quanto à condução do exame pelo INPI.
2 Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros. Parágrafo único. A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do pedido de registro
3 O Ato, em seu item 1, elenca qual a legislação aplicável pelo INPI, incluindo as Leis 4.131/62, 4506/65, o RIR/94 e legislação tributária, a Lei do Software, as leis 8.383/91, 8.884/91, 8.955/94 e a TRIPs.
4 O art. 40.2 do TRIPs faculta às legislações nacionais a adoção de medidas para controlar ou impedir certas práticas abusivas. Vide adiante a seção sobre cláusulas restritivas.
tributária, em especial do imposto de renda e do imposto sobre operações de câmbio; em segundo lugar a legislação cambial, especialmente no que toca às remessas contratuais ao exterior; e, finalmente, as normas e práticas dos órgãos governamentais de controle e intervenção no domínio econômico, no caso presente, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e o CADE.
Os tipos de contratos
Licenças e cessões de direitos de propriedade industrial
São vários os objetos do comércio de propriedade industrial e de tecnologia. Primeiro de tudo, os negócios jurídicos que versam sobre interesses protegidos pelos direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes, direitos autorais, direitos sobre o software).
Mas, a par destes, compram-se e vendem-se prestações diversas: serviços pessoais, comunicações, estudos, dados, etc. Uma linha divisória algo precisa poderia ser estabelecida entre os direitos de propriedade industrial e os demais gêneros naquilo que aqueles são direitos absolutos e exclusivos, com um objeto identificável, e o resto não é.
Tomando como exemplo a patente de invenção, o titular do privilégio tem a exclusividade do emprego da tecnologia descrita e caracterizada nos documentos da patente. Ninguém pode fabricar o produto ou empregar o processo resultante de tal tecnologia, senão o titular ou quem por ele for autorizado; em compensação nenhum direito de exclusividade existe fora dos limites da tecnologia descrita e caracterizada na patente. Se o privilégio é de um medidor de corrente contínua, por sensores radioativos, por exemplo, nenhum direito tem o titular contra a fabricação, por terceiros, do mesmo medidor, mas que use sensores elétricos.
O direito que tem o titular da patente se exerce contra todos, mesmo contra aqueles que, tendo pesquisado e desenvolvido de forma autônoma, disponham de tecnologia estão impedido de usá-la no campo industrial, e os royalties são devidos pelo direito de exploração da tecnologia em questão. Aliás, pelo menos em teoria, o conhecimento tecnológico que, constitui a matéria do privilégio é geralmente disponível (embora sua exploração industrial seja verdade) como resultado da publicação dos documentos da patente.
Contratos de tecnologia não patenteada – segredos e know how
Muito diferente deste caso (que é, mutatis mutandis, também o das marcas) é o que ocorre com os demais objetos do comércio de tecnologia. Nos outros contratos, não se paga pelo direito de usar uma tecnologia mas pela própria tecnologia, ou pelos produtos de sua aplicação.
Paga-se pela tecnologia, obviamente, quando não se a tem; quando, factualmente, o empresário que necessita do corpo de conhecimentos tecnológicos não o pode obter senão por aquisição onerosa. A não disponibilidade da tecnologia é uma condição usualmente descrita como “segredo”, se bem que tal expressão seja um tanto vasta e imprecisa. Não importa que todos os empresários de um setor disponham de uma tecnologia; se o novo
competidor que entra no mercado dela não tem controle, e é obrigado a pagar por ela, há segredo (secretus = afastado) em relação a este.
Freqüentemente o que se compra não é uma técnica, um processo ou produto novo, mas os dados da experiência adquirida no uso da técnica em escala industrial. Estes dados, muito vinculados à atividade empresarial, tendem a ser secretos, na proporção que são íntimos da empresa, derivados da própria estruturação desta para o seu mercado específico. Em última análise, tais dados descrevem a própria estrutura da empresa, tal como está direcionado à produção do bem que importa ao comércio de tecnologia.
Caso extremo deste tipo de contrato, mas com participação relevantíssima dos signos distintivos (marcas, trade dress, padronização visual, etc.) é o da franquia comercial, ou franchising. Quem opera sob franquia, estrutura sua empresa (ou, nos casos mais brandos, seu setor de vendas) segundo padrões uniformes, alheios, pelos quais passa a alcançar a clientela potencial do franqueador, explorando-a com a máxima eficácia. Na franquia, como o operador se disfarça inteiramente sob a pele do franqueador, a clientela se transforma de potencial em efetiva. Mas fica sempre sendo do dono da franchise, não de quem trabalha a empresa e lhe assume os riscos.
Contratos relativos a projetos
Um terceiro objeto do mesmo comércio é o que consiste no produto - imaterial - da aplicação de uma tecnologia. Um empresário precisa construir uma nova instalação industrial; contrata uma firma de engenharia , que projetará a instalação, usando das técnicas, secretas ou públicas, de que dispõe, e aproveitando-se da experiência que adquiriu. O projeto não é o edifício, não é uma coisa tangível; mas também não é uma tecnologia, a ser incorporada pelo empresário encomendante, pois basicamente, tal conhecimento não está diretamente vinculado ao objeto da empresa.
Contratos de serviços técnicos
A par dos direitos de propriedade industrial, da tecnologia e dos produtos desta, existe um sem número de serviços pessoais, de reparos, de supervisões, de mensurações, de auditorias, de outros gêneros de aplicação de tecnologia ou das técnicas, que não chegam a criar um produto (imaterial) na forma de um projeto de engenharia. Tais serviços também são objeto de contrato, e estão submetidos às regras do mercado de tecnologia.
Tipos de contratos Assim:
• contratos de propriedade intelectual (licenças, autorizações, cessões, etc.)
• contratos de segredo industrial e similares (inclusive franchising)
• contratos de projeto de engenharia
• contratos de serviços em geral.
Tal divisão em quatro partes tem razoável base doutrinária 5.
No entanto, há contratos que também envolvem tecnologia, e que não se contam entre aqueles considerados como “contratos de transferência de tecnologia” pela doutrina nacional e estrangeira, e pela prática da propriedade industrial. Por exemplo:
Contrato de pesquisa, pelo qual alguém encomenda a pesquisa e o desenvolvimento de uma nova solução técnica, ainda não existente ou disponível (vide art. 81 e seguintes do CPI/96); no entanto, tratando-se de “serviços técnicos especializados”, poderiam ser subsumidos à quarta variedade da classificação acima.
Contratos de cooperação de várias formas, com natureza associativa e não sinalagmática, como, entre muitos, os de pesquisa e repartição de novas soluções tecnológicas, de repartição de experiências técnicas (num exemplo interessante, o que existe entre empresas de eletricidade), etc;
Tipos de Contratos e IRPJ
Vê-se a pertinência à nossa matéria é clara no tocante às cessões e licenças de direitos de marcas, patentes, desenhos, etc. As dúvidas de classificação e de tratamento ocorrem nas demais categorias, que não se referem a direitos, mas a serviços 6.
Cabe inicialmente notar que, no tocante aos contratos de tecnologia não patenteada, a legislação tributária brasileira distingue um tipo contratual específico, com seu regime legal próprio: o contrato de know how, geralmente denominado como “assistência técnica”. Note-se que, segundo a lei em vigor, os respectivos pagamentos não são denominados “royalties”, expressão esta que é reservada pela legislação ao caso de licença de marcas, patentes ou franchising 7, ou direitos autorais.
Levando em conta o tratamento tributário dos pagamentos contratuais pertinentes, à luz do IRPJ, tem-se algo perto da divisão proposta.
Há pagamentos que se fazem pelo uso do direito (exclusivo) de propriedade industrial, que são despesas pois há mutação patrimonial sem contrapartida no patrimônio líquido; há a
5 Por exemplo, do trabalho publicado pelo IPEA A Transferência de Tecnologia no Brasil, de autoria de Xxxxxxxxx Xxxxx et allii (IPEA, Brasília, 1973). No entanto, doctores certant acerca da denominação que cada uma figura mereceria; e o maior dissídio se verifica no que toca à expressão “assistência técnica”.
6 Bulhões Pedreira, Imposto de Renda, 1979: “Para essa confusão contribui a ambigüidade da palavra “serviço” que é usada com quatro significados distintos: a) em sentido mais genérico, é qualquer input, ou benefício, que um sistema aberto recebe do seu ambiente; b na expressão “serviços produtivos”, é aquilo com que os fatores contribuem para a produção: c) “serviço pessoal” é o serviço do trabalho fornecido pela pessoa física; e d) na expressão “bens e serviços” é bem econômico imaterial. Dessa confusão conceitual é o caso da tributação de serviços de engenharia produzidos e fornecidos no exterior, que são bens econômicos imateriais e que a autoridade tributária confunde com os pagamentos de “assistência técnica”, no sentido de remuneração pelo uso dos serviços produtivos de capital tecnológico não patenteado” O autor reflete, com tal análise, a confusão conceitual quanto aos vários contratos de serviços, sob o ângulo da dedutibilidade dos pagamentos em face o IRPJ”. O observador arguto perceberá que Bulhões Pedreira não perfaz, na verdade, a distinção entre “estudos e projetos” -, onde haveria bem imaterial em pauta, e serviços técnicos strictu senso; distinção esta que fizemos, acima. Para o autor, em todos os dois casos haveria bem imaterial. Não intentando questioná-lo neste passo, é de se notar que há serviços consumíveis (cujo efeito é imediato e se esvai) e duráveis (cujo efeito se prolonga por vários exercícios); talvez conviesse reservar a maior precisão, para aqueles, dentre os duráveis, em que o resultado mediato não fosse um bem material.
7 Vide, quanto ao franchising, a Lei 8.955 de 15/12/1994.
assistência técnica, onde se paga tal como se fosse pelo uso de direitos, mas, na verdade, pelo resultado de serviços - bens econômicos imateriais -; há os estudos, projetos, etc., onde o pagamento, que também não importa em mutação patrimonial com manutenção do patrimônio líquido, tem, porém, efeitos que se fazem estender por mais de um exercício, devendo ser ativado e diferido; e se têm, em fim, simples despesas, dedutíveis como serviços necessários e usuais.
Assim é que o serviço de um construtor de barragens cola-se a obra, e constitui parte do ativo permanente, imobilizado; da mesma forma, aliás, que os serviços da mão-de-obra industrial. Não ocorre o mesmo, quando o produto é um conjunto de instruções, de conclusões, um diagnóstico ou uma prescrição técnica; o modelo imaterial da obra concreta a ser realizado, objeto isolado de contratação, é o bem material.
Argumentar-se-ia que há casos em que o serviço consumível é também um bem imaterial tal como descrito; é forçoso concedê-lo. Na perspectiva científica, não é a barreira do exercício fiscal que configurará ou não a existência do bem imaterial; mas o princípio do fato gerador anual do IRPJ é um marco necessário, impossível de ignorar. De resto, nem mesmo a noção de bem imaterial, como construção intelectual (como dizia Cícero dos direitos: quod ist inteleguntur) não encontra muita guarida; notou-se Commons e Ascarelli: o “bem imaterial” na verdade, é a expectativa de lucros futuros, ao menos na perspectiva do moderno direito empresarial.
Desta feita, os quatro objetos tecnológicos são tratados distintamente, com regimes autônomos. Devemos somar ao quadro os contratos de cessão de direitos de propriedade industrial, onde o valor do adquirido vai para o ativo imobilizado, sendo amortizado (patentes) ou não (marcas).
Note-se, por fim, que nem todos serviços técnicos importam em transferência de tecnologia; o exemplo do empreiteiro de obras civis é suficiente.
Classificação dos contratos na legislação
A nomenclatura dos contratos varia imensa e contraditoriamente nas legislações, tanto do INPI, como do Banco Central, como a tributária; nesta, de tributo a tributo, e por vezes no tempo.
A prática do INPI tem, em um tempo ou outro, reconhecido oito tipos diversos de contratos 8:
1. Cessão de patentes
2. Exploração de patentes
3. Cessão de Marcas
4. Uso de Marca
8 Ato Normativo nº 15, de 11 de setembro de 1975 - Os contratos de transferências de tecnologia e correlatos são classificados basicamente, quantos ao seu objetivo e para fins de averbação, em cinco categorias: a) de licença para exploração de patente; b) de licença para uso de marca; c) de fornecimento de tecnologia industrial; d) de cooperação técnico-industrial e e) de serviços técnicos especializados; (...). Ato normativo no. 135 de 1997: 2. O INPI averbará ou registrará, conforme o caso, os contratos que impliquem transferência de tecnologia, assim entendidos os de licença de direitos (exploração de patentes ou de uso de marcas) e os de aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e científica), e os contratos de franquia.
5. Fornecimento de Tecnologia 9.
6. Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica 10.
7. Franquia 11 (Ato Normativo no 115/93, de 30/09/93.).
8. Participação nos Custos de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico 12 (Ato Normativo no 116/93, de 227/10/93) 13.
Para os quatro primeiros, reservam-se os procedimentos de averbação ou anotação, eis que feitos à margem do ato concessivo do direito; para os demais, existirá o registro, na forma do art. 211 do CPI/96.
A legislação do Banco Central 14 lista categorias muito próximas: I - Fornecimento de tecnologia;
II - Serviços de assistência técnica; II - Licença de uso/Cessão de marca;
IV - Licença de exploração/Cessão de patente; V - Franquia;
VI - Demais modalidades, além das elencadas de I a V acima, que vierem a ser averbadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI;
A legislação do IRPJ (§ 3º do art. 355 do Dec. 3000/99 - RIR/99), como tradicional em sua área temática, usa nomenclatura e talvez categorização diversa:
1. exploração ou cessão de patentes,
2. uso ou cessão de marcas,
3. transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes),
4. transferência de tecnologia (projetos ou serviços técnicos especializados).
Notável é a noção de assistência técnica da legislação do IRPJ, que se ajusta bastante à figura do contrato de know how, ou, no dizer do INPI, Contrato de Fornecimento de Tecnologia. De outro lado, o que o INPI chama de Assistência técnica será para o IRPJ o contrato de projetos ou serviços técnicos especializados. Eminentemente confuso.
9 Definidos como “Contratos que objetivam a aquisição de conhecimentos não patenteados”, ou seja, know how.
10 Definidos da seguinte forma: “Contratos que estipulam as condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento e programação, bem como pesquisas, estudos e projetos, destinados à execução de prestação de serviços especializados”. O mais importante, porém, vem a seguir: “Nesses contratos será exigida a explicação do custo de homem/hora detalhado por tipo de técnico, o prazo previsto para a realização do serviço ou a evidenciação de que o mesmo já fora realizado e o valor total da prestação do serviço, ainda que estimado”.
11 “Contratos que objetivam prestação de serviços, transferência de tecnologia, transmissão de padrões operacionais e outros aspectos, além do uso de marcas”.
12 “Contratos que objetivam o fluxo de tecnologia entre empresas domiciliadas no País e Centro de Pesquisa ou Empresas com capacidade de geração de tecnologia, no País ou no exterior”.
13 Revogado pelo item 6 do NA INPI 135, de 15/4/97. 14 Carta-Circular Nº 2.816/98 De 15 de abril de 1998
Bibliografia: Contratos de tecnologia
Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxxx. Quais Os Cuidados Que Deve Tomar Um Candidato A Uma Franquia estrangeira Que esteja Ingressando No Pais? Revista Da ABPI, N 11 P 71 A 72 Mar/Jun. 1994.
Comparato, Xxxxx Xxxxxx. A Transferencia empresarial de Tecnologia Para Paises Subdesenvolvidos : Um Caso Típico de Inadequação dos Meios Aos Fins. Revista Da Faculdade de Direito Da Universidade de São Paulo, Vol. 77 P 277 A 291 Jan./Dez 1982. Revista de Direito Mercantil Industrial e econômico e Financeiro, Nova Serie, Vol. 21 N 47 P 41 A 53 Jul./Set. 1982. Revista Forense, Vol. 79 N 283 P
423 A 430 Jul./Set. 1983.
Xxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Inpi Vitorioso nos Dois Primeiros Litígios Judiciais Relativos a Contratos de e exploração de Patente e de Transferencia de Tecnologia. Revista de Direito Mercantil Industrial e econômico e Financeiro, Nova Serie, Vol. 19 N 37 P 173 A 182 Jan./Mar 1980.
Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx. Transferencia de Tecnologia : Na Essência, Xxxx Xxxxx.
Revista Da ABPI, Vol. 2 N 8 P 38 Maio/Ago. 1993.
Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx A. Contrato de Transferencia de Tecnologia. Revista dos Tribunais, São Paulo, Vol. 84 N 711 P 38 A 47 Jan. 1995.
Transferencia de Tecnologia : Jurisprudência Judicial e Administrativa / Coordenador: Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro. Fundação Casa de Xxx Xxxxxxx. 1981
Xxxxxxx, Xxx. Tratamento Fiscal dos 'Royalties' e Da Assistência Técnica. Considerações e m Torno dos Artigos 231 A 234 Do Rir/80. Um Pouco de Historia. Cefir, Vol. 27 N 196 P 7 A 21 Nov. 1983.
Contratos de licença e de tecnologia – a intervenção do INPI
Licenças de direitos de Propriedade Industrial
A averbação e anotação na lei de 1945
O artigo 147 do Código de 1945, Decreto-lei nr. 7.903/45, estabelecia que a averbação era condição de eficácia do contrato 15. Até o pronunciamento da autoridade administrativa, averbando o contrato, ele era válido, mas não eficaz.
15 Parágrafo único. Igual recurso caberá a qualquer interessado do despacho que conceder ou denegar o cancelamento da anotação. Art. 50 O proprietário da patente de invenção, modelo de utilidade, desenho ou modelo industrial, seus sucessores ou mandatários poderão conceder licença para a exploração do invento privilegiado. Art. 51 A concessão da licença, a que se refere o artigo precedente, será feita mediante ato revestido das formalidades legais, no qual deverão ficar consignadas, com clareza, as possíveis restrições relativas à exploração do invento. Art. 52 O ato concessivo da licença para a exploração do invento privilegiado só produzirá efeito, em relação a terceiros, depois de anotado no Departamento Nacional da Propriedade Industrial, onde, para esse fim, o interessado deverá apresentar o título hábil que ali ficará arquivado. Art. 144 A anotação da alienação ou transferência do registro dever ser requerida ao Diretor do Departamento Nacional da Propriedade Industrial, mediante a apresentação do respectivo certificado e dos instrumentos originais de alienação ou transferência, em forma legal, ou das suas certidões. § 1.º A transferência ou alienação só produzirá efeito
Para a averbação, nada se exigia no texto legal; a prática era examinar o aspecto formal do contrato inclusive da prévia existência de outras licenças conflitantes, e então proceder à averbação. Daí em diante, o contrato adquiria eficácia; entenda-se eficácia absoluta, entre as partes e perante terceiros.
Os pressupostos e o efeito prático da averbação eram de tão pouca monta que GAMA CERQUEIRA chegou a escrever que não via qualquer utilidade na providência, foram evitar o conflito entre várias licenças de objeto igual. No entanto o efeito jurídico era o de constituir a eficácia; uma vez concluída a averbação, o ato jurídico do Estado tornava-se perfeito, e o direito de haver a eficácia entrava plenamente na esfera jurídica das partes.
A Averbação no CPI/71
A averbação prevista no artigo 30 e 90 do CPI de 1971 tinha outros pressupostos e outros efeitos do que a exigida sob a lei de 1945 16. Em primeiro lugar, a averbação não se
depois de anotada no Departamento. § 2.º A anotação será registrada em livro próprio e fornecida no certificado. § 3.º Os instrumentos de alienação ou transferência apresentados ficarão arquivados no Departamento. A requerimento dos interessados serão fornecidas certidões em cópia fotostática, não devendo porém ser restituído nenhum deles. Art. 145 Será anotada no Departamento Nacional da Propriedade Industrial, à vista de documentos em forma legal, ou de certidões, qualquer alteração quanto ao nome do proprietário da marca, título, insígnia, ou expressão ou sinal de propaganda. Desse ato dar-se-á certidão ao interessado, ficando arquivados os documentos. Parágrafo único. Serão igualmente, anotados os atos que se referirem a suspensão, limitação ou extinção dos registros de marca, nome comercial, título, insígnia e expressão ou sinal de propaganda, por despacho do Diretor do Departamento, quando os interessados o requeiram juntando documentos hábeis, com recurso, dentro do prazo de sessenta dias. Art. 146 Quando o cedente for titular de mais de um registro de marcas idênticas para o mesmo ou semelhante artigo, deverá ser requeridas a anotação de transferência em todos esses registros, salvo desistência da proteção por parte do interessado. Art. 147 Os titulares de marcas registradas no Brasil poderão autorizar o seu uso por terceiros, devidamente estabelecidos, mediante contrato de exploração. 1.º O contrato só produzirá efeito depois de averbado no Departamento Nacional da Propriedade Industrial, onde ficarão arquivados os documentos. § 2.º O concessionário da licença, sem alterar as características da marca, deverá incluir no respectivo clichê, para fins de publicação, o seu nome, como fabricante autorizado do produto. Art. 148 A anotação de transferência ou alienação do registro de marcas, título, insígnia, expressão ou sinal de propaganda, ou de alteração do nome do respectivo titular, ou ainda da averbação do contrato de exploração, será efetuado logo após a publicação do despacho, mediante pagamento das taxas, e não comportará oposições nem recursos. Art. 149 Qualquer pessoa, com legítimo interesse, poderá requerer ao Diretor do Departamento Nacional da Propriedade Industrial, o cancelamento da anotação de alienação, transferência, alteração de nome ou da averbação do contrato de exploração, desde que prove a falsidade ou ineficácia dos documentos apresentados. Parágrafo único. O cancelamento das anotações previstas neste artigo não isenta os responsáveis pela falsidade das ações criminais ou civis que no caso couberem. Art. 150 Da decisão do Diretor do Departamento Nacional da Propriedade Industrial que denegar a anotação de transferência, ou alienação do registro, caberá ao requerente recurso dentro do prazo de sessenta dias. Parágrafo único. Igual recurso caberá a qualquer interessado do despacho que conceder ou denegar o cancelamento da anotação.
16 Art. 27. 0 pedido de anotação de transferência e o de alteração de nome ou de sede do titular deverão ser formulados mediante apresentação da patente e demais documentos necessários. § 1.° A transferência só produzirá efeito em relação a terceiros depois de publicado o deferimento da respectiva anotação. (...) Art. 30. A aquisição de privilégio ou a concessão de licença para a sua exploração estão sujeitas à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Parágrafo único. A averbação não produzira qualquer efeito, no tocante a "royalties", quando se referir a: a) privilégio não concedido no Brasil; b) privilégio concedido a titular residente, domiciliado ou sediado no exterior, sem a prioridade prevista no artigo 17 deste Código; c) privilégio extinto ou em processo de nulidade ou de cancelamento; d) privilégio cujo titular anterior não tivesse direito a tal remuneração. Art. 88. 0 pedido de anotação de transferência e o de alteração de nome ou sede do titular deverão ser formulados mediante a apresentação do Certificado de Registro e demais documentos necessários. § 1.° A transferência só produzirá efeito em relação a terceiros depois de publicado o deferimento da respectiva anotação. (...) Art. 90. 0 titular de marca ou expressão ou sinal de propaganda poderá autorizar o seu uso por terceiros devidamente estabelecidos, mediante contrato de exploração que conterá o número do pedido ou do registro e as condições de remuneração, bem como a obrigação de o titular exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos artigos ou serviços. § 1.° A remuneração será fixada com observância da legislação vigente e das normas baixadas pelas autoridades monetárias e cambiais. § 2.° A concessão não poderá impor restrições à industrialização ou à comercialização, inclusive à exportação. § 3.° O contrato de exploração, bem como suas
destinava mais a dar eficácia absoluta ao contrato. Pela lei de 1971, tal eficácia já existria antes da averbação; o que carecia à licença era a eficácia relativa a terceiros, ou oponibilidade. Entre as partes, vale a licença, não para com terceiros.
Em segundo lugar, a doutrina, a prática administrativa regulamentada e alguma jurisprudência passaram a exigir que a licença estivesse averbada para ensejar prova de uso. O item 3 do Ato Normativo 67, de 22 de dezembro de 1983, configurava tal entendimento.
Em terceiro lugar, não se averbavam licenças se esta não satisfizesse certos requisitos, que não eram de simples legalidade estrita, à maneira do Código de 45, mas de direito econômico .
Averbação e anotação na Lei 9.279/96
A lei assim se expressa quanto a contratos de licença de marcas e de patentes:
CPI/96 - Art. 62. O contrato de licença deverá ser averbado no INPI para que produza efeitos em relação a terceiros.
§ 1º. A averbação produzirá efeitos em relação a terceiros a partir da data de sua publicação.
§ 2º. Para efeito de validade de prova de uso, o contrato de licença não precisará estar averbado no INPI.
CPI/96 - Art. 140. O contrato de licença deverá ser averbado no INPI para que produza efeitos em relação a terceiros.
§ 1º. A averbação produzirá efeitos em relação a terceiros a partir da data de sua publicação.
§ 2º. Para efeito de validade de prova de uso, o contrato de licença não precisará estar averbado no INPI
Quanto às cessões (transferências) de marcas e patentes, assim diz a Lei: Art. 59 - O INPI fará as seguintes anotações:
I - da cessão, fazendo constar a qualificação completa do cessionário; (...)
Art. 60 - As anotações produzirão efeito em relação a terceiros a partir da data de sua publicação.
Art. 136 - O INPI fará as seguintes anotações:
I - da cessão, fazendo constar a qualificação completa do cessionário; (...)
renovações ou prorrogações só produzirão efeito em relação a terceiros depois de julgados conforme e averbados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. § 4.° A averbação não produzirá qualquer efeito, no tocante a pagamento de "royalties", quando se referir aia) registro não concedido no Brasil;b) registro concedido a titular domiciliado ou sediado no exterior, sem a prioridade prevista no artigo 68 deste Código; c) registro extinto ou em processo de nulidade ou de cancelamento;d) registro em vigência por prorrogação; e) registro cujo titular anterior não tivesse direito a tal remuneração. Art. 126. Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para os efeitos do artigo 2.°, parágrafo único, da lei n.° 5.648, de 11 de dezembro de 1970, os atos ou contratos que impliquem em transferência de tecnologia,
Art. 137 - As anotações produzirão efeitos em relação a terceiros a partir da data de sua publicação.
Assim, como já ocorria na lei de 1971, averbação das licenças e cessões não se destina a dar eficácia absoluta ao contrato. Pela nova lei, tal eficácia já existe antes da averbação; o que carece ao contrato é a eficácia relativa a terceiros, ou oponibilidade. Entre as partes, vale o contrato, não para com terceiros.
Vide, adiante, a seção sobre as consequências da averbação.
Dos contratos de tecnologia não patenteada
O INPI tem atuado desde a década de 70 na averbação ou registro de uma gama de contratos, além das licenças de direitos de propriedade industrial. A partir de 1975, tal processo encontrava seu núcleo legal no Ato Normativo no. 15. Como narra Xxxx Xxxxxxxxx:
Embora já iniciada na segunda metade dos anos 60, a política de substituição de importações afirmou-se em toda sua extensão na década de 70 até meados da década seguinte, sendo seu expoente máximo, no que se refere à transferência de tecnologia, o Ato Normativo nº 15/75, do INPI. Xxxxxxx-se, então, explicitamente o “Código Operacional” já vigente embora, até então, não escrito e que seguia a mesma orientação adotada em outros fôros como a Decisão n º 24/80, de Pacto Andino, e as discussões na UNCTAD em torno de um “Código de Conduta para a Transferência de Tecnologia”. 17 (...)
No regime da Carta de 1967 e do CPI/71
A averbação dos contratos de transferência de tecnologia foi tarefa cometida inicialmente ao INPI pelo Art. 126 do CPI/71. A redação do dispositivo pertinente era bastante singela:
Art. 126 - Ficam sujeitos à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para os efeitos do Art. 2o., parágrafo único, da Lei 5.648 de 11 de dezembro de 1970, os atos e contratos que impliquem em transferência de tecnologia.
O que dava amplidão e força ao dispositivo é, obviamente, a menção ao Art. 2o., parágrafo único, da Lei 5.648 - que criou o INPI - em face do severo mandato conferido por este último dispositivo. Com efeito, dizia ele:
Art. 2o. (...)
Parágrafo único - Sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas, o Instituto adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes, cabendo-lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniência das assinatura ou denúncia de convenções, tratados, convênio e acordos sobre propriedade industrial.
Tal mandato foi solenemente confirmado, em seus pressupostos constitucionais, no acórdão do Supremo Tribunal Federal publicado em RTJ 106/1057-1066:
17 A classificação deriva da prática do Instituto, com as definições encontradas em seus documentos internos, e no disposto no item 2 do AN INPI no. 135. A par destes, obviamente subsistem os negócios jurídicos relativos à disposição ou oneração dos direitos de propriedade industrial - cessão de marcas, desenhos ou patentes.
O Sr. Ministro Xxxxx Xxxxxx: (Relator) A matéria versada neste recurso reveste-se da maior importância, não só jurídica - que as questões que nela se põem só agora chegam à Corte - como econômica, no mais amplo sentido.
Cuida de transferência de tecnologia, pressuposto moderno do desenvolvimento; sem ela, as nações menos desenvolvidas e, por isso mesmo, atrasadas, em face dos constantes e inatingíveis avanços tecnológicos das desenvolvidas pós-industrializadas, estarão em completo , permanente e crescente descompasso, que as distanciará, cada vez mais, e mais aceleradamente, das modernas conquistas da técnica.
Não é necessário enfatizar as conseqüências disso, se estão presentes na luta cotidiana a que a Nação assiste, e sofre, para vencer esse distanciamento insuportável, ou pelo menos impedir - o que já não é fácil - aumente o hiato que a separa das modernas conquistas da ciência.
Dos percalços para assegurar essa transferência basta dizer que as comunidades que as conseguem antes das outras, exigem, para transmiti-las preços que variam desde somas vultosas, em dinheiro forte, até a própria abdicação de parcela de independência. E valem, nessa como em outras áreas do relacionamento internacional, todos os métodos e expedientes, lícitos ou ilícitos, morais ou imorais, se o fim é a conquista ampla e, se possível, permanente, de mercados, assegurando o crescente domínio, que, muitas vezes, chega à absorção da independência, para não falar em soberania, palavra que a muitos desagrada.
Entende-se, pois, o significado que alcançam essas disputas, tanto mais quanto, do lado das nações menos adiantadas - para não dizer mais atrasadas e subdesenvolvidas - essa transferência, com perspectiva e busca de conseqüente absorção de tecnologia, é vital; com o que nem sempre se ponderam, equilibradamente, os riscos a que se submetem, na ânsia de alcançá-lo.
Essas breves considerações - que a E. Turma nos escusará - surgem no exame da espécie: de um lado, a empresa, que procura situar-se no campo de atividades que desenvolve, e anseia pela aquisição de novas técnicas, que lhe permitam posicionar-se em condições competitivas no mercado - difícil e extraordinariamente sensível mercado que se dedica, talvez o mais dinâmico e ativo; de outro, o órgão especialmente destinado ao exame e controle das condições em que deverá dar-se essa transferência, e a desejável absorção de tecnologia, devendo ter em vista as melhores condições de alcançá-lo e subordinado, como no próprio texto legal (artigo 2o.da Lei no.5.648/70), à sua função social, econômica, jurídica técnica - que bem avaliar, em defesa do interesse nacional.
É óbvio que podem verificar-se choques de interesses e conveniências, se mesmo admitindo-se que não são colidentes os objetivos finais de empresa e INPI - ambos colimando o interesse nacional nessa transferência de tecnologia - nem sempre hão de revestir-se, na forma de guardar idêntico ritmo e obedecer a iguais meios de formulação.
Não nos parece tal, data venia: a questão não se cinge ao dispêndio de divisas, nem só isto diz respeito ao desenvolvimento econômico. A complexidade da questão transferência de know how - expressão que identifica o conhecimento tecnológico, amplamente - abrange aspectos que se envolvem em dados inabarcáveis, e não é o consumo de divisas o único, nem o mais importante deles, como se deflui das breves considerações anteriormente feitas.
A eles supera a seleção da tecnologia a absorver, pois, o mais grave, é optar - entre processos diversos - o que mais se adapta às realidades nacionais; e não apenas em condições materiais (recursos físicos disponíveis) como imateriais - inclusive a capacidade e conveniência, dados de difícil avaliação a não ser pelo conhecimento amplo e profundo das condições econômicas e sociais.
Por isso mesmo impõe-se admitir na ponderação de motivos, certa área de discrionariedade, que não é possível eliminar, pois mais se deva exigir do órgão responsável que atue nos limites de vinculação que a lei lhe impõe.
Por isso mesmo, a Lei no. 5.648, de 11-12.1970, ao criar o INPI deu-lhe , no artigo 2§ , por finalidade principal.
“... executar, no âmbito nacional as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica”.
E, no parágrafo único, especificou:
“Sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas o Instituto adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes, cabendo- lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura ratificação ou denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre Propriedade industrial”.
Da leitura atenta desse dispositivo verifica-se a amplitude da missão - e a gravidade e seriedade de que se reveste - que se conferiu ao Recorrido; e de como, dentro dos parâmetros legais, se inclui razoável parcela de discricionariedade, sem a qual não poderá desempenhá-la eficientemente.
Desde logo, o objetivo - o desenvolvimento econômico do País - que não se mede apenas em conceito de avaliação material estrita, mas que desborda em aspectos imateriais, se só se completa com atingimento das finalidades humanas a que visa.
E, dai em diante, as expressões que usa a lei; medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia como que admite variado espectro de providências a serem tomadas; e, o que é mais, visando a acelerar e regular a transferência - o que impõe seleção, avaliação, opção; pois não é possível alcançá-lo senão pesando, medindo, harmonizando escolhas, matéria insuscetível de ater-se a ditames legais rígidos e explícitos.
Mas, vai mais longe; estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes; o que importa em aceitar e admitir que o INPI intervenha - ao examinar os contratos submetidos a averbação ou registro - em análise das condições que se firmaram, devendo definir-se quanto a elas. Bem como continua o parágrafo único do artigo 2§ pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou denúncia de convenções, etc. - com o que se amplia sua atuação a limites discricionários se os critérios de conveniência são dificilmente comprováveis e explicitáveis e, menos ainda, estabelecíveis em texto normativo.
Isto tudo deflui da importância vital da missão que a lei lhe deferiu o desenvolvimento econômico - no amplo e exato sentido, desenvolvimento humano, integrado, repetimos, porque não se pode atingi-lo sem que seu beneficiário direto e último - o homem - se desenvolva, no todo.
Há de cercar-se, pois isso, a averbação de tais contratos, que impliquem em transferência de tecnologia - como prevista no artigo 126 do Código da Propriedade Industrial (Lei no.5.772 de 21.12.71), de especial exame a avaliação; o que à empresa pleiteante parece excelente e real contribuição, em know how, ao Pais - sob a ótica especial, individual, em que se coloca, e sem prejuízo da honestidade de seus propósitos
- pode, na verdade, não o representar, no exame complexo de uma realidade muito mais ampla, na vida geral do problema, de que presume a lei - o INPI deve ter, como centro mesmo de todas as pretensões relativas ao mesmo objeto.
Incumbe-lhe verificar aspectos aos quais alheio, ou indiferente está o interesse particular como o controle das empresas nacionais, que pode ser posto em risco, sob várias formas, aparentes ou sub-reptícias; a efetividade e conveniência da transferência de tecnologia pretendida; os limites em que se dará os processos utilizados; etc.
Lembra, então, o Recorrente as fases que se podem distinguir nessa aquisição, invocando o ensinamento de Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx, então Presidente, do Conselho Nacional de Energia Nuclear, assim sintetizáveis:
a) de utilização - o aprendizado do modus faciendi - “how to do”;
b) de absorção - a reprodução mais fiel dos bens ou produtos - o know how.
c) de adaptação - a face do “know why” adequando a tecnologia ao país;
d) da criação - o encontro de soluções originais - a fase da “technical autonomy”
É óbvio que, por sua importância, fundamental no processo de desenvolvimento, essa tentativa há de ser rigorosamente vista, fiscalizada, superintendida, supervisionada por órgão estatal. A esse respeito, a intervenção no domínio econômico não encontra opositores, se trata de área na qual o interesse privado há subordinar-se ao superior interesse geral, que o Estado encarna e representa.
Como veremos, a Carta de 1988 robusteceu superlativamente tal entendimento da nossa Suprema Corte.
A Carta de 1988
Nunca é demais lembrar que o texto constitucional do Art. 5o., XXIX da Carta de 1988 tem redação similar à que tinha o parágrafo único do art. 2º. Da Lei 5.548/71, acima citado, ao vincular a proteção dos direitos de propriedade industrial ao atendimento dos mesmos compromissos perante o desenvolvimento econômico (e também tecnológico e social) do País.
Note-se que, em particular no que toca aos contratos de tecnologia com o exterior, forma específica do investimento tecnológico estrangeiro, a Carta de 1988 prevê poderes específicos de intervenção estatal. Diz Xxxx Xxxx, em seu “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, Revista dos Tribunais, 1991, p. 270:
“Diz o Art. 172 que “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará o reinvestimento e regulará a remessa de lucro”.
A Constituição planta as raízes, neste preceito, de uma regulamentação de controle - e não de uma regulamentação de dissuasão - dos investimentos de capital estrangeiro. Não os hostiliza. Apenas impõe ao legislador ordinário o dever de privilegiar o interesse nacional ao discipliná-lo. Cuida-se aqui, tão-somente, de submetê-lo às limitações correntes que a ordem jurídica opõe ao exercício do Poder Econômico. (Grifamos)
Aliás, no processo de intervenção no domínio do capital estrangeiro, os mecanismos anteriormente vigentes de controle, inclusive a lei do Capital Estrangeiro, de no.4.131 de 3 de setembro de 1962, foram plenamente recepcionados pela nova Constituição 18.
Assim é que, até a vigência da Lei 9.279, a atuação do INPI, sob os pressupostos do Art. 172 da Carta e em atendimento da lei federal em vigor, fazia-se pela análise econômica e jurídica dos atos e contratos a ele submetidos, cabendo-lhe não somente a verificação de regularidade dos documentos quanto às conseqüências tributárias e cambiais como também
18 Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Comentários à Constituição, Vol. 7o., Ed. Saraiva, p. 67.
o juízo de conveniência e oportunidade da contratação tendo em vista os interesses gerais do desenvolvimento econômico e social do país.
Assim é que, após uma análise dos pressupostos legais e regulamentares da contratação, à luz dos vários atos normativos que regem o órgão, o INPI desde 1979 sempre solicitou, para os contratos de maior monta, o parecer de um grupo de trabalho de que participam outras entidades governamentais, institutos tecnológicos e associações empresariais; cabe a tais grupos opinar sobre a disponibilidade de outras fontes de tecnologia, sobre a necessidade da importação, sobre o custo dos serviços face ao preços do mercado internacional, etc. Análise de substância, pois.
Igualmente, no propósito apontado pelo magistério de Xxxx Xxxx como ínsito à Carta de 1988, coube sempre ao INPI a avaliação dos resultados do possível abuso de poder econômico dos fornecedores de tecnologia. É o que ilustra magistralmente o acórdão do STF inicialmente transcrito.
Os atos normativos do INPI até 1996
O controle dos contratos de tecnologia, com análise caso a caso do preço e da substância das contratações foi instituído, com base já na Lei 4131/62, já desde 1964 pela SUMOC e Banco Central.
Subseqüentemente, com as Leis 5648/70 e 5772/71 e com a criação da área de contratos do INPI em 1972, a mesma atuação se deu de maneira progressivamente mais intensa. Apurando a necessidade de cada pagamento, o INPI passou a dar maior eficácia à fiscalização do imposto de renda ao mesmo tempo que determinava a existência em cada caso dos pressupostos econômicos e jurídicos para a efetiva transferência da tecnologia e utilização dos direitos, como o exige a lei do capital estrangeiro.
O Ato Normativo INPI no. 15, de 3 de setembro de 1975, foi por mais de 16 anos o principal instrumento legislativo da intervenção do Estado brasileiro no fluxo internacional de tecnologia. Regulamentando o procedimento interno do INPI, ele na verdade indicava o conjunto de normas legais que regiam o comércio de tecnologia, ao mesmo tempo explicitando certos procedimentos que, ao abrigo do poder discricionário do Estado fixado no Art. 2o., Parágrafo único, da Lei 5.648/70, vinham já sendo aplicados pelo Instituto desde sua fundação.
Assim, pode o STF dar pela legalidade e constitucionalidade das normas do AN 15 - por estar ele dando regra de execução administrativa a norma legal e constitucional suprajacente.
Notam os Comentários ao CPI/96 da Xxxxxxxxx:
Dessa forma, o INPI era considerado um guardião do desenvolvimento tecnológico e possuía o poder discricionário de livre apreciação dos contratos de transferência de tecnologia, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Ato Normativo nº15\75 e, muitas vezes, o seu próprio entendimento sobre a matéria e impacto econômico, em prol do interesse público.
E explica Xxxxxxx Xxxx:
“A partir de 1964, com a disseminação dos contratos de know-how, principalmente pelas empresas estrangeiras para burlar o artigo 14 da Lei 4131/62, e a opção consciente
de parte do governo brasileiro no final da década por uma estratégia nacional- desenvolvimentista, industrial e tecnológica, o Brasil criará, entre outras ações, em 1970, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), com tarefas estratégicas não só na área de propriedade industrial (o apoio nas evoluções internacionais de uma possível revisão da Convenção de Paris, e da possível implantação de um Código Internacional de Conduta sobre Transferência de Tecnologia), mas também na área de análise dos contratos de transferência de tecnologia, desde a sua criação, e com a efetiva instalação da DIRCO (Diretoria de Contratos), em 1972.
O INPI passou a atuar, assim, internacionalmente em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores, coerente com os propósitos estratégicos maiores desta ampla etapa desenvolvimentista-revisionista e nacionalista, e no apoio das propostas e ações que pudessem ser favoráveis às empresas dos países importadores de tecnologia.
(...) Longe da ênfase que muitos poderiam imaginar atualmente, de atribuir uma importância nuclear às patentes no âmbito da política de Propriedade Industrial, o INPI, à época, buscou criar mecanismos de controle e seleção de tecnologias para o País. Isto propiciaria (o País) agir e atuar concretamente em dois fronts: (i) controlar as remessas desnecessárias (e muitas vezes abusivas) de divisas para o exterior a título de "Tecnologia". Estudos feitos à época, demonstravam que a perpetuação da inércia das remessas ao exterior, a título de tecnologia, levariam o País a gastar cerca de 1 bilhão e 200 milhões US$/ano, ao longo das décadas de 70 e 80. Tais cifras estabilizaram-se - com as ações do INPI - no patamar médio de c. 200 a 300 milhões US$/ano.; e (ii), controlar e regulamentar, se possível, a melhor compra (aquisição) de tecnologias estrangeiras. O próprio empresariado privado nacional e estatal seria, como foi, chamado a participar ativamente das decisões de governo quanto à conveniência da aquisição de certas tecnologias. Assim, foi neste sentido, que o artigo 126, das Disposições Finais e Transitórias da Lei 5772, consubstanciou-se como um dos artigos mais importantes, e que organizou as políticas de Transferência de Tecnologia no Brasil durante quase duas décadas 19.
A Ato Normativo 22 de 1990, que revogou o AN 15, manteve, no entanto o cerne da atuação do INPI, cumprindo assim a legislação federal. Evidentemente, a legislação de base do antigo AN 15, leis, normas constitucionais, normas tributárias e cambiais, normas de propriedade industrial, não foram revogadas ou alteradas de nenhuma forma pela superveniência do Ato Normativo 22 nem, por muito mais razão, do novo Ato Normativo.
Coisa diversa ocorreu pela edição do Ato Normativo 120/93. Rezava o seu art. 4º.:
"No processo de averbação de que trata este Ato Normativo, o INPI limitará sua análise à verificação da situação das marcas e patentes licenciadas para cumprimento dos dispositivos dos arts. 30 e 90 (e seus parágrafos ) do Código de Propriedade Industrial, bem como à informação quanto aos limites aplicáveis - de acordo com a legislação fiscal e cambial vigente - de dedutibilidade fiscal para fins de apuração de imposto de renda, e de remissibilidade em moeda estrangeira, dos pagamentos contratuais.
§ 1º Não serão objeto de análise ou de exigência por parte do INPI os dispositivos contidos nos atos ou contratos que trata este Ato Normativo não especificamente relacionados aos aspectos elencados no caput deste antigo, inclusive aquele que se refiram a preço, condições de pagamento, tipo e condições de transferência de
19 Xxxxxxx Xxxx, Breve História da Administração da Propriedade Industrial e da Transferência de Tecnologia no Brasil Ciclos Recentes - 1950/1997, encontrado em xxx.xxxxxxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxxx/ mestrado/adm/artigos/artigos.htm , link visitado em 20/08/2002.
tecnologia, prazos contratuais, limitações de uso, acumulação de objetos contratuais, legislação aplicável, jurisdição competente e demais cláusulas."
§ 2º Não poderá, destarte, o INPI, recusar averbação com base em alegada violação de legislação repressora de concorrência desleal, legislação "anti-trust" ou relativa abuso de poder econômico, de proteção ao consumidor e outras, facultada ao INPI a opção de alertar as partes quanto aos aspectos legais pertinentes.
Segundo a Gazeta Mercantil de 28 de dezembro de 1993:
O Estado reduziu substancialmente, desde o último dia 22, “seu poder de intervenção nesse tipo de contratos”, informou o presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Xxxx Xxxxxxx X’Xxxxxxxx Xxxxxx.
Essa liberalização foi possibilitada pelo Ato Normativo no. 120/93, publicado na Revista de Propriedade Industrial de terça-feira da semana passada, dia 22. Com ele, explica Xxxxxx, o INPI efetivamente “retira seu time de campo” na definição dos contratos, porque vai limitar-se a um exame formal em prazo máximo de trinta dias e a averbação do documento.
“ O Instituto não terá mais qualquer interferência sobre preço, prazo do contrato, avaliação da qualidade de tecnologia que esta sendo comprada, etc... As partes decidirão livremente sobre tudo isso.” disse o presidente do INPI.
A nova postura da presidência do INPI pareceu, a muitos observadores, surpreendente. Com efeito, não havia, à época, qualquer mudança legislativa ou questionamento judicial que facultasse ao INPI mudar suas atribuições legais.
A inefetividade do ato no. 120 do INPI
A ninguém escapará, certamente, que as competências que a lei federal comete a um órgão público não são uma faculdade, mas um poder-dever. Não pode escolher o INPI o que deve fazer. Não lhe é possível deixar de conceder patentes, ou dispensar o critério de novidade absoluta. Não lhe é possível passar a conceder marcas olfativas, na antecipação de uma lei futura e incerta. Nem é optar por não mais examinar os contratos de tecnologia.
Aí está a ilegalidade, que feriu mortalmente o ato administrativo inquinado. Para os interessados na desregulamentação da economia, foi certamente simpática a abolição de controles; como o será, para os interessados no jogo livre, a omissão da ação policial. Mas para uma coisa e outra ser lícita, é necessária a autorização legal.
Por exemplo, pelo Ato Normativo 120, a autoridade pretendeu eliminar, radicalmente, o exame dos pressupostos de dedutibilidade fiscal perante o IRPJ. Não tem a Receita Federal qualquer corpo técnico capaz de avaliar os pressupostos de dedutibilidade de despesas em matéria de tal tecnicidade. Não o tinha, ao repassar, em 1974, tal atribuição ao INPI. Te-lo- ía menos em 1993.
Assim é que, no estrito cumprimento da lei, a autarquia continuou a aplicar, após breve vacilação, as normas de regência, de sede legal e não meramente regulamentar.
A lei 9.279/96
A competência do INPI quanto à análise e aprovação de contratos é estipulada, no quadro legal, pela Lei 9.279/96, assim como pela legislação tributária e de capital estrangeiro em vigor.
A norma de competência pertinente aparentemente no que se refere às tecnologias não patenteadas é a seguinte:
Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros.
Parece-nos razoável concluir, como o faz Xxxx Xxxxxxxxx, que a lei vigente retirou do INPI o poder de intervenção nos contratos, quanto à sua conveniência e oportunidade 20, como parte do poder antes atribuído à autarquia de regular a transferência de tecnologia para o país:
Esta orientação veio culminar com a nova Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14/05/96), vigente a partir de 15.05.97, e que suprimindo o parágrafo único, do Art. 2º, da Lei 5.648/70, eliminou das atribuições do INPI, a de regular a transferência de tecnologia 21.
No entanto, persistem, na forma da legislação tributária e cambial, as competências delegadas ao INPI de atuar como assessor, ex ante, da Receita Federal e do Banco Central na análise da questões atinentes àquelas autoridades, relativas aos contratos que importem em transferência de tecnologia.
Também persistem as competências do INPI no tocante à análise de legalidade intrínseca e o dever de suscitar a necessidade de pronunciamento do órgão de tutela de concorrência em casos em que o contrato, na forma apresentada ao INPI, seria suscetível de violação das normas concorrenciais em vigor.
O ato Normativo 137/97
Note-se que o atual ato normativo 135/97 silencia absolutamente sobre a natureza da ação do INPI quanto aos contratos. Após declarar que a finalidade principal do INPI é executar as normas que regulam a Propriedade Industrial, tendo em vista sua função econômica, social, jurídica e técnica; e notar que a Lei n.º 9279, de 14 de maio de 1996 prevê a averbação ou registro de certos contratos, o ato apenas indica a matriz legal da intervenção a que se pretende, citando o próprio CPI/96 e o que considera como sua legislação complementar.
A menção específica é à Lei n.º 4131, de 3 de setembro de 1962 (Lei do Capital Estrangeiro), Lei n.º 4506, de 30 de novembro de 1964, a Lei n.º 8383, de 31 de dezembro de 1991 e as normas regulamentares sobre o imposto de renda, a Lei do Software, a Lei Antitruste, n.º 8884, de 11 de junho de 1994, a Lei do Franchising, n.º 8955, de 15 de dezembro de 1994; e as normas do TRIPs, Decreto Legislativo n.º 30, de 30 de dezembro de 1994, combinado com o Decreto Presidencial n.º 1355, da mesma data.
20 Não, porém quanto à tutela da legalidade, inclusive em face de cláusulas abusivas, à análise de necessidade para a manutenção da fonte produtiva e de usualidade da despesa, como agente delegado da autoridade fiscal, ou como – sempre em função delegada – para avaliar a necessidade de remessa de valores ao exterior em face da atribuição de tal monopólio, quanto a contratos em geral, à União.
21 Luiz Leonardos, O Tratamento do Fluxo de Tecnologia Frente À Nova Lei de Propriedade Industrial e no Trips, encontrado em xxxx://000.000.00.00/Xxxxxx/xxx/xxxxxxxxx.xxx
A atuação da autarquia sob tal norma implica em processo decisional substantivo, como descreve o INPI
Decisões:
O INPI deve dar sua decisão (averbação, exigências ou arquivamento) no prazo de 30 (trinta) dias corridos, contados a partir do depósito regular da petição de averbação, conforme artigo 211, parágrafo único, Lei nº 9.279 de 14/05/96.
Conclui-se esta etapa com a emissão de um Certificado de Averbação, ou com indeferimento, ou com o arquivamento do pedido de averbação caso a empresa não cumpra com as exigências anteriormente formuladas. Das decisões cabem: Pedido de reconsideração à Diretoria de Transferência de Tecnologia e Recurso ao Presidente do INPI, em caso de indeferimento. 22
A autarquia se propõe fazer exigências e mesmo indeferir a pretensão de registro ou averbação. Assim, intui-se que a averbação uma análise substantiva que levará em conta não só as normas do CPI/96, mas a conformidade à legislação do IRPJ, as regras do capital estrangeiro, as disposições pertinentes da Lei Antitruste, no que for pertinente, as orientações do TRIPs.
Essa postura talvez sábia mas certamente tíbia causa alguns problemas de anomia e de projeção de normas administrativas costumeiras. Notam, com acuidade, os Comentários ao CPI/96 da Xxxxxxxxx:
Não obstante essa limitação legal e a inobservância ao Princípio da Legalidade instituído pelo art. 37 da Constituição Federal, os examinadores do INPI continuam a analisar os termos da contratação sob diversas perspectivas legais emitir exigências que no entender do examinador, ferem de alguma forma a Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994 (Lei Antitruste), a nº 7.646, de 18 de dezembro de 1987 (substituída pela Lei nº9.609, de 19 de fevereiro de 1998), dentre outras 23 Além disso, institucionalizou-se um modus operandi peculiar no procedimento de averbação dos contratos chamado de "entendimento do INPI" que são regras não escritas e obtidas do pensamento comum dos examinadores sobre determinada matéria. Apesar de terem sido expressamente revogados, as regras e condições instituídas pelo Aro Normativo nº15/75 e Ato Normativo 120/93 são as mais utilizadas pelos examinadores para justificar suas decisões.
Mesmo após as modificações introduzidas pela Lei 9.279/96, o INPI continua a manter sua atuação segundo determinam suas normas legais de competência própria e delegada:
(...) No tocante ao processo de averbação, foram levantados diversos aspectos suscitados pela Diretoria de Tecnologia do INPI, sendo alguns já de conhecimentos e outros "novidades" para os membros participantes.. Dentre as posições restritivas já conhecidas, que foram apresentadas pelos participantes, estão: (i) proibição do sigilo em contrato de prestação de serviços técnicos; (ii) proibição de sigilo superior a 5
22 xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx#xxxxxx , consultado em 20/5/2002.
23 [Pé de página do original] DIAS, Xxxx Xxxxxx Xxx e. "Os Princípios da Legalidade e da Competência e os Limites da Atuação do INPI no Direito da Concorrência". Volume 5. Número 9 (1998) Revista do IBRAC p.5
anos além do prazo contratual em contratos de fornecimento de tecnologia, sendo que o INPI ainda adota a posição doutrinária ultrapassada, segundo a qual os contratos de tecnologia não patenteada não podem ser contratos de licença; (iii) proibição à cláusula de devolução de informações tecnológicas após o término contratual, nos contratos de fornecimento de tecnologia; (iv) constantes pronunciamentos da Diretoria de Tecnologia sobre assuntos ligados à área do direito antitruste e direito do consumidor que provocam uma insegurança nas partes, mesmo entendendo que esse órgão não possui legitimidade para pronunciar-se sobre esses assuntos, em face da revisão do art. 2 da Lei 5.648, por força do art. 240 da Lei 9.279. Nesse ponto, houve unanimidade em considerar o principal problema a insistência, sem base legal, da Diretoria de Tecnologia em manter-se legítima para interferir nos termos da contratação, não obstante o fato dos arts. 211 e 240 terem restringido o âmbito de atuação do INPI no que se refere aos contratos de tecnologia.
Os requisitos considerados "novidades" pelos participantes foram basicamente: (i) a recusa do INPI em aceitar o cômputo dos royalties sobre as vendas efetuadas durante o período entre a assinatura do contrato e o protocolo para averbação no INPI. Nesse ponto, a Procuradoria do INPI vem indeferindo os recursos sem quaisquer justificativas plausíveis; (ii) exigência quanto à modificação da definição "preço líquido de venda" para deduzir os preços dos insumos importados para fabricação dos produtos licenciados na definição da base de cálculo do pagamento dos royalties e remunerações dos contratos. Essa exigência vem ocorrendo constantemente nos contratos do setor automobilístico e eletro-eletrônico, onde uma parcela dos componentes para fabricação dos produtos é importada. (iii) exigência de justificativa quando os royalties entre empresas independentes alcançam um patamar superior ao determinado pela Portaria 436/58 para fins de dedução fiscal ou quando o examinador não considera o valor razoável em vista do setor produtivo envolvido; (...) 24
É meu entendimento, porém, que desde que tais práticas sejam seguidas com razoabilidade e coerência, o INPI, ao induzir a conformação dos contratos de licença e de tecnologia a determinadas exigências legais, não faz senão cumprir suas determinações legais e constitucionais. Cassado seu poder discricionário de vetar ou induzir tecnologia com base em ação de política industrial, o INPI detém ainda, como se verá, vastos poderes próprios e delegados, e um fim específico de sua atuação, mencionado aliás pelo Ato Normativo 137/97.
A definição de competência do INPI
O INPI determina sua competência da seguinte forma: em primeiro lugar, pela listagem de contratos que pertencem a sua área de atuação. São eles, como se vê das normas de competência acima listadas, as licenças e cessões de marcas e patentes, a franquia, e os contratos que impliquem em transferência de tecnologia.
Dos diversos tipos de contratos reconhecidos pela legislação relativa ao INPI, as cessões de direitos de exclusiva, as licenças dos mesmos direitos e as franquias são especificamente mencionados como sujeitos à averbação ou registro. Quanto às demais modalidades
24 ABPI. Ata De Reunião Conjunta Da Comissão De Transferência De Tecnologia E Franchising. No dia 10 de maio de 2000 às 17:30 hs.
(Fornecimento de Tecnologia e Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica), o elemento pertinente para a inclusão na área de competência do INPI é a existência ou não de transferência de tecnologia 25.
Cabe então verificar o que é tecnologia, e o que é transferência de tecnologia.
O que é tecnologia
Em 1978 o Departamento de Estado Americano patrocinou uma pesquisa junto a 120 multinacionais daquele país para determinar a posição da comunidade empresarial quanto ao processo de transferência de tecnologia. Os resultados, reunidos em quatro alentados volumes, 26 permitem estabelecer o que o supridor americano concebe como tecnologia e o que toma como sendo sua transferência.
A definição de tecnologia é a seguinte:
"Technology is defined for this project as all the knowledge necessary for the productive functioning of an enterprise. The term can embrace hardware, such as factories, machines, products, and infrastructures (laboratories, roads, water distribution systems, storage facilities) and software, including non-material ingredient such as know how, experience, organizational forms, knowledge, and education. It is a dynamic, continuing, sequential, and complex process."
Já de início se percebe que, segundo tal perspectiva, tecnologia é algo intrínseco à atividade empresarial, o fator cognitivo da produção da empresa. Não se trata, pelo menos diretamente, de um bem intelectual comunitário, ou nacional, que vise o bem do homem ou o progresso dos povos, a não ser na medida em que a empresa é considerada como o meio ótimo de alcançar tais objetivos.
Em segundo lugar existe a noção de que a tecnologia se apresenta de duas formas: a incorporada em bens materiais, e a existente em estado puramente intelectual. Tal distinção é comum mesmo entre certos autores não ligados ao sistema empresarial.
O estudo se dedica, em seguida a dar noções do que seja know how:
"Know how is considered by a good number of firms to be one of the most valuable types of technology since it is the accumulation of many years of experience. This is often the least appreciated of all forms of technology by developing countries."
O que é transferência de tecnologia
Seguimos a nossa análise com base no estudo do Council of Americas. O passo seguinte é precisar o que seja transferência de tecnologia:
25 Vide xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx#xxxx , consultado em 20/5/2002: “Por disposição legal devem ser averbados/registrados pelo INPI todos os contratos que impliquem transferência de tecnologia, sejam entre empresas nacionais, ou entre empresas nacionais e sediadas ou domiciliadas no exterior”. E, no mesmo site: “A transferência de tecnologia é uma negociação econômica e comercial que desta maneira deve atender a determinados preceitos legais e promover o progresso da empresa receptora e o desenvolvimento econômico do país”.
26 Public Policy, in Technology Transfer, Council of Americas, 1978, Vol. 1, pag. 40 à 42.
"Transfer occurs when knowledge is conveyed from one person to another. It can occur by means of licenses; direct investment in wholly, majority, or minority foreign owned ventures; technical assistance; management contracts; consulting; trademarks; turn-key contracts; individuals, general education. Technology can be successfully transferred to a variety of users, by a variety of methods, for a multitude of types of activities and reasons. Transfer does not necessarily mean the permanent transfer of ownership of a technology; it often refers to a temporary transfer of the right to use a technology for a limited period under certain conditions but with the technology still under control of the firm that developed it."
A noção, neste ponto, é particularmente rica. Em primeiro lugar, a transferência é definida como mera comunicação ("convey" sendo repasse) e não mudança de título. Como pouco adiante no texto se enfatiza, transferir tecnologia, na perspectiva das empresas multinacionais, não significa transferir a propriedade da mesma.
Deve-se notar que noção de "transferência" como transferência de propriedade é a predominante na prática do INPI. 27 Além disto, a jurisprudência do INPI dos “trinta anos áureos” a que se refere Xxxxxxx Xxxx exigia, para que se entendesse haver transferência:
▪ que já não houvesse a tecnologia disponível no país. 28
▪ que importasse em aumento da capacidade de produção da receptora. 29
▪ que houvesse responsabilidade da supridora pela tecnologia. 4/
▪ que houvesse absorção ou autonomia. 30
▪ que o bem transmitido fosse de natureza imaterial (não se admitindo a tese da tecnologia implícita do hardware). 31
Nossa definição anterior leva em conta tais parâmetros. 32
Em segundo lugar, concebe-se que a transferência se faça por outros veículos além dos contratos de know how e as licenças de propriedade industrial. No texto americano em análise, "licenças" inclui tanto a licença de patentes como várias formas de contrato de know how. A par de tais contratos, nota-se que também se entendem como meios de transferência “do fator cognitivo da atividade empresarial”:
▪ o investimento direto,
27 Vide Transferência de Tecnologia: Jurisprudência Casa de Xxx Xxxxxxx,1981, excertos 448, 368, 372, 379, 396, 336,
334, 905 e 896.
28 Excertos 920, 918, 908 e 891.
29 Excertos 823, 380 e 328.
30 Excertos 000, 000, 000, 000 e 440
31 Excertos 867, 864, 697 e 679.
32 Para os requisitos de transferência no direito tributário americano Vide Hellawel e Pugh the Study of Federal Tax Law 1981-1982, CCH 1981, pág. 404
▪ os contratos de assistência técnica (como sendo algo diverso do know how),
▪ as marcas, os acordos de consultoria técnica,
▪ contratos turnkey e até
▪ a educação não específica .
Nem sempre os autores definem tecnologia como algo tão vinculado, de um lado, à produção de bens e serviços para o mercado e, de outro, à empresa. Tomando tecnologia como expressão geral de cultura, já se definiu:
"La tecnología puede definirse como el conjunto de instrumentos, herramientas, elementos, conocimientos técnicos y habilidades que se utilizan para satisfacer las necesidades de la comunidad y para aumentar su dominio sobre el medio ambiente".
33
Nossa preocupação aqui, porém, não é este valor antropológico vasto, mas aquele bem que, em teoria ou na prática, é transferido através das licenças de patente ou dos contratos de know how. 34 Em outras palavras, interessa-nos a tecnologia enquanto objeto de comércio, um bem que, intrínseco a uma unidade de produção, é repassado a outra unidade, de produção em condições comerciais.
A tecnologia, em tais condições, assume características específicas. Não se fala mais de um fluxo de conhecimento, mas de uma mercadoria:
"Sendo uma mercadoria, a tecnologia comportar-se-á como tal. Apesar da maior parte da tecnologia não ser produzida para a troca, pode ser negociada quando uma oportunidade econômica se apresenta. É importante adicionar a este respeito, a tendência mais recente de produção de tecnologias por si mesma; i.é, o emprego de tecnologia para a produção de novas tecnologias. Começam a aparecer institutos de investigação com objetivo de produzir tecnologia para seus clientes e compradores - verdadeiras empresas de tecnologia". 35
Similarmente, é necessário apurar a noção de Transferência de tecnologia:
"Em primeiro lugar, transferência não é o termo empregado quando transacionamos; mercadorias, seja nacional ou internacionalmente. Logo percebemos que, ao tratarmos do Comércio de Tecnologia, estamos tratando de estudar um mercado, definir suas regras e leis de comportamento.
(...) Substancialmente, Transferência e Comércio podem estar totalmente dissociados. É possível, por exemplo, através de convênios governamentais, existirem situações em
33 Xxxxxxx, Xxxxxxx, apud Xxxxxxxxx, Transferencia de Tecnología a Países en Desarrollo, ILDIS, 1978, pág. 25
34 Para definição e crítica da noção de "bem", neste contexto, vide D. Xxxxxxx know how, Poder Econômico, Dissertação de Mestrado, 1982, pág. 6 e 7.
35 A.F. Xxxxxxx, Propriedade e quase Propriedade no Comércio de Tecnologia, CNPq, 1974, pág. 20. Toledo Ferraz critica a noção de que a tecnologia seja uma mercadoria, com base no fato de que não é usualmente produzida para o comércio. Aparentemente a crítica se radica mais na noção de mercadoria do Cód. Comercial Brasileiro do que em categorias econômicas reconhecidas.
que a transferência tecnológica acontece sem o comércio, como também é viável no comércio inexistir a transferência. Este segundo aspecto, aliás, tem sido a preocupação de inúmeros autores, principalmente quando demonstram as imperfeições de mercado internacional de tecnologia.
Contudo, o conceito de Comércio de Tecnologia, conforme aqui empregado, está atrelado à categoria tecnologia, como foi conceituada. O enfoque, desta maneira, é exclusivamente sobre a chamada tecnologia explícita, sem qualquer menção à tecnologia implícita, nos termos que vem sendo usualmente utilizado. Para alguns, tecnologia implícita é aquela incorporada a outras mercadorias, em geral com ênfase em bens de capital. Esse aspecto pode servir para definir o estado das artes, mas obscurece, em geral, a questão da Transferência e, principalmente, do Comércio de Tecnologia. 36
Assim sendo, a Transferência de Tecnologia é um processo de comercialização de um bem que se constitui em fator cognitivo da atividade empresarial. A regra de competência do art. 211 do CPI/96 está, desta feita, limitada ao contexto restrito de um negócio efetuado entre duas empresas, numa economia em que o mercado, seja interno, seja internacional, representa um fator dominante.
É preciso finalmente enfatizar que o comércio de tecnologia entre empresas do mundo desenvolvido e as do mundo em desenvolvimento se perfaz em condições especiais. Diferentemente das transferências que se concluem entre empresas européias e americanas, processo simples de acasalamento entre unidades de produção atuando no mesmo contexto econômico, social e cultural, a empresa brasileira recebe da fornecedora americana algo que lhe chega como enxerto.
Nas transferências entre empresas do primeiro mundo, a tecnologia objeto do negócio pode ser tomada como base de um processo de geração de novas tecnologias: a comunidade científica e a estrutura empresarial estão aptas a prover uma concorrência tecnológica, através da geração de conhecimentos voltados para a produção, na qual o novo item se incorpora. A tecnologia transferida constitui em um fator de produção de tecnologia nova.
No caso da transferência para empresas do terceiro mundo, a tecnologia surge como, somente, um fator de produção de bens e serviços:
"En el caso de los países en desarrollo no se puede hablar propiamente de transferencia de tecnología porque generalmente la compra de las técnicas necesarias para un determinado proceso productivo, constituye sólo un insumo mas para sus adquirentes; existe una pseudo transferencia, usando la terminología de Sachs.
Esto significa que no hay una asimilación de la tecnología, que ella no se incorpora al bagaje intelectual del adquirente y que las posibilidades de perfeccionamiento y adaptación son muy limitadas. Más aún, en determinadas circunstancias la tecnología no puede ser utilizada una vez expirado el contrato, ni siguiere como un simple
36 A.F. Barbosa, Propriedade..., pág. 21.
insumo de la producción. Por ello se puede hablar más propiamente del arrendamiento de un factor de producción, más que de una "transferencia." 37
Assim, e retomando a imagem anterior, o acasalamento entre a empresa do primeiro e a do terceiro mundo dá, via de regra, um animal que, mesmo se eficaz como uma mula, como uma mula é incapaz de reproduzir-se. O comércio de puros-sangue reprodutores e o de mulas tende a ser um tanto diverso.
O que não é tecnologia
O INPI tem listado algumas categorias de contrato, que afirma – apesar de importarem em prestação de serviços ou licenciamento de direitos - não implicarem em transferência de tecnologia. São eles:
▪ Agenciamento de compras, incluindo serviços de logística (suporte ao embarque, tarefas administrativas relacionadas à liberação alfandegária, etc.);
▪ Beneficiamento de produtos;
▪ Homologação e certificação de qualidade de produtos brasileiros, visando a exportação;
▪ Consultoria na área financeira;
▪ Consultoria na área comercial;
▪ Consultoria na área jurídica;
▪ Consultoria visando participação em licitação;
▪ Estudos de viabilidade econômica;
▪ Serviços de "marketing";
▪ Serviços realizados no exterior sem a presença de técnicos da empresa brasileira e, que não gerem quaisquer documentos e/ou relatórios;
▪ Serviços de manutenção de software sem a vinda de técnicos ao Brasil, prestados, por exemplo, através de "help-desk";
▪ Licença de uso de software sem o fornecimento de documentação completa em especial o código-fonte comentado, conforme Art. 11, da Lei no 9609/98;
▪ Aquisição de cópia única de software;
37 Xxxxxxxxx, Xxxxxx. Transferência de Tecnologia. pág. 29. O autor, e com ele a jurisprudência do INPI citada acima entende que só há transferência se há passagem de propriedade, e possibilidade material de utilização plena desta propriedade tanto como fator de produção de bens e serviços quanto como fator de reprodução de tecnologia.
▪ Distribuição de software 38.
A conseqüências da averbação ou do registro
Como já disse quanto às licenças de direitos de propriedade industrial, a averbação ou registro não se destina a dar eficácia absoluta ao contrato. Pela nova lei, tal eficácia já existe antes da averbação; o que carece ao contrato é a eficácia relativa a terceiros, ou oponibilidade. Entre as partes, vale o contrato, não para com terceiros.
A averbação ou registro constitui, no entanto, determinados efeitos para o interessado, entre eles, o da possibilidade de remeter as importâncias em moeda estrangeira previstas no contrato, o de (em princípio) deduzir-se das despesas correspondentes ao pagamento. Estes direitos são renunciáveis, como o são os de receber o pagamento em moeda estrangeira, ou de poder converter os recebimentos em investimento estrangeiro. Não há, no sistema vigente, obrigação incondicional de submeter contratos à averbação do INPI, a não ser como pré-requisito para obtenção dos direitos resultantes da averbação.
É certo que a existência de cláusula contra direito nos contratos inquina de nulidade os mesmos, assim como a existência de pactos antijurídicos é desprezada como nula. A averbação no INPI cria pelo menos a presunção de validade, pela obrigação legal do órgão de zelar pela sanidade dos contratos objeto de averbação. Presumptio juris tantum, porém, removível por prova contrária. O INPI não faz coisa julgada, a não ser nos limites precários da coisa julgada administrativa.
Propósitos da averbação
No nosso entendimento, a averbação do ato ou contrato no INPI torna-se necessária para as seguintes finalidades:
1. reconhecer que há interesse público na transferência de tecnologia em questão, permitindo que as empresas envolvidas na operação possam se habilitar aos incentivos e vantagens previstos em legislação específica.
2. reconhecer, quando for competência desta autarquia, que os custos e despesas incorridos pelas empresas na obtenção da tecnologia satisfazem os limites, as condições e os propósitos da legislação fiscal.
3. reconhecer, conforme determinado pelo Banco Central do Brasil, que os respectivos pagamentos atendem às normas legais relativas à remessa de divisas para o exterior e, quando for o caso, que há interesse público na utilização das disponibilidades cambiais do País para os propósitos da operação analisada.
4. comprovar que a licença de marcas ou de patente apresenta as condições legais de permitir a exploração regular do registro ou privilégio por terceiros, respeitadas as demais condições estipuladas pelo Código de Propriedade Industrial.
5. reconhecer que, a juízo do INPI, a execução do negócio jurídico, tal como estipulado, tem condições de atender à legislação de repressão ao abuso de poder econômico.
38 Fonte: xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx
6. reconhecer que, no tocante à exploração dos direitos de propriedade intelectual e à operação de transferência de tecnologia pertinentes, os atos e contratos em questão não desatendem às normas legais relativas à proteção dos direitos dos consumidores.
7. no caso de atos ou contratos destinados a exportação, reconhecer que a tecnologia é de origem nacional.
8. conceder validade ou eficácia à manifestação de vontade das partes, quando este efeito decorrer de lei específica.
O INPI, muito mais restritamente, justifica assim sua atuação: A Averbação do Contrato no INPI é condição para :
▪ Legitimar pagamentos para o exterior;
▪ Permitir, quando for o caso, a dedutibilidade fiscal para a empresa cessionária dos pagamentos contratuais efetuados;
▪ Produzir efeitos perante terceiros. 39
Dessa longa listagem, três aspectos principais devem ser levados em conta na aquisição de tecnologia no exterior por uma empresa brasileira. Em primeiro lugar, os efeitos da averbação sobre a legislação tributária, em especial do imposto de renda, da CIDE e do imposto sobre operações de câmbio; em segundo lugar o efeito sobre a legislação cambial, especialmente no que toca às remessas contratuais ao exterior; e, finalmente, as normas e práticas dos órgãos governamentais de controle e intervenção no domínio econômico.
Jurisprudência: Contratos não submetidos ao INPI
> Supremo Tribunal Federal
Rhc 62969 Classe: Recurso de Habeas Corpus. Ministro Xxxxxx xx Xxxxx. Julgamento: 1985.05.24. Segunda Turma. DJ -21.06.85 Pg-10086 Ementário do STF - Vol- 01383.01 Pg-00092 RTJ - Vol-00114.03 Pg-01076. Ementa: - queixa por crime contra a propriedade industrial. Art. 27 e seu par-1. Da lei n. 5.772.71. O cessionário, que não efetuou o registro na propriedade industrial, e parte ilegítima para proceder contra os eventuais infratores da patente, pois o seu titulo e inoponível a terceiros. RHC provido.
Re37101. Ministro Xxxxxxx Xxxxx. Julgamento: 1958.07.01.. Segunda Turma.: Ementário Do STF- Vol-00354.03 Pg-00756. Ementa: patente de invenção: antes de registrada a transferência da patente, não tem o novo titular qualidade para agir civil ou criminalmente contra os infratores do privilégio.
Legitimidade para averbação e registro. Desaverbação
Quem pode solicitar a averbação ou registro? Em princípio, não há nos textos legais constituição de uma legitimidade específica ad causam, para o pedido de averbação. Nem o CPI/96, nem nenhum outro texto legal, exigem que o pedido de averbação seja submetido
39 Fonte: xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx tecnologia/conteudo/dirte.htm#aver , consultada em 20/5/2002.
pelo beneficiário da licença ou pelo titular, por ambos ou por qualquer interessado. O costume é que o licenciado, ou suprido, faça. O direito diz, no entanto, que quem tem a faculdade de contratar, deve ter a ação de fazer cumprir o contrato; se a contratação respeitou a lei (e está pois dentro das faculdades legais das partes) tanto o licenciante, quanto o licenciado e mesmo os beneficiários de uma estipulação em seu favor tem direito a postular a averbação.
Quem postulou, no entanto, e teve deferida sua pretensão, o que obteve? Uma posição jurídica individualizada, em seu favor, mas também (pelo entrelaçamento das posições jurídicas das partes e de terceiros beneficiários) a benefício de outros. O licenciado, que obteve a averbação, pode remeter, mas o licenciante pode receber a remessa.
Já dissemos antes que não há dever absoluto nem direito irrenunciável à averbação. Assim, entendemos que pode ser solicitada a desaverbação.
Ora, se os direitos à averbação são renunciáveis, como o são os direitos resultantes da averbação, a renúncia não pode abranger direito alheio. A desaverbação presume o pronunciamento das partes interessadas quais sejam, aquelas que, por força da averbação, adquiriram os direitos aos quais se renuncia. O licenciado não vai poder pedir a desaverbação que atentará ao direito do licenciante, e vice-versa.
Se o pudesse, e mudassem as condições objetivas, facultando ao Estado a negativa de uma futura averbação do mesmo contrato, haveria lesão irreparável aos outros titulares do benefício obtido pela averbação. Pelo princípio nemine laedere, impõe-se a conclsuão de que, para obter a desaverbação, é preciso acorrerem todos os interessados.
Papel do INPI na Legislação Tributária
Analisamos neste passo o papel da averbação dos contratos no INPI em face da legislação tributária. Outros aspectos de tributação dos contratos será visto mais adiante.
Como diz obra publicada pelo próprio INPI 40:
“Com a criação do INPI em 1970, e com a promulgação do novo Código da Propriedade Industrial em 1971, surge uma alteração importante na execução da legislação tributária e monetária já em vigor quanto ao pagamento de royalties e de tecnologia. Reconhecendo que o novo Instituto estaria melhor capacitado para avaliar a necessidade dos dispêndios e a efetividade dos direitos e serviços em questão, tanto a administração monetária quanto a tributária passaram a se articular ativamente com a autarquia.
(...)
Ficou assim definido o sentido da ação integrada da Administração Pública, que passou a só admitir a eficácia tributária e monetária dos pagamentos de marcas, patentes e tecnologia, depois de os respectivos contratos serem substantivamente examinados pelo órgão com competência para tal fim.
E, mais adiante:
“À averbação o INPI verificaria a possibilidade de prestação efetiva da assistência técnica, a existência ou não de direito da propriedade industrial, etc.; em nível mais geral, a autarquia verificaria, como órgão especializado e ex ante, a necessidade da despesa e se esta é usual no ramo de atividade em questão”
40 Tributação da Propriedade Industrial e do Comércio de Tecnologia, X.Xxxxxxx, Edição do INPI e da Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 4/5.
Note-se que a legislação vigente não só confirma, mas amplia este dever legal. O atual Regulamento do Imposto de Renda, Decreto 3000/99, prevê a averbação do INPI, como pressuposto substantivo de concessão de benefícios ou dedutibilidade fiscal. Veja-se adiante.
A exigência de averbação ou registro no IRPJ
Nunca houve questionamento quanto aos efeitos fiscais da averbação no INPI das licenças de direitos de propriedade industrial. Pelo art. 71 da Lei 4.506/64 (parágrafo único, “f” 1 e “g” 1) não são dedutíveis os royalties devidos pelas licenças de uso de marca de indústria e comércio e patente de invenção, processos e fórmulas de fabricação - pagos ou creditados a beneficiários domiciliado no exterior que não estejam de acordo com o Código da Propriedade Industrial. Na jurisprudência administrativa, confirmam-no os acórdãos 62.530 da 1 CC, 1ª Câm., de 15.7.70; 63.359 da 1 CC, 1ª Câm. de 3.12.71; 63.883, da 1 CC 1ª
Câm. de 26.4.72.
Coisa diversa, porém, se dirá da necessidade de registro na autarquia dos outros tipos de contrato “de transferência de tecnologia”.
No regime das Lei 3.470/58, 4.131/62 e 4.506/64 não havia previsão da averbação (hoje ”registro”), no INPI, dos contratos de assistência técnica, como o havia quanto às licenças de direitos de propriedade industrial. Explica-se facilmente: não havia ainda sido criado o INPI e seu predecessor, o Departamento Nacional da Propriedade Industria, não tinha a competência extensa que a Lei 5.648/70 deu ao novel Instituto, de “regular a transferência de tecnologia”, com vistas ao “desenvolvimento econômico do país”.
O mandato que foi conferido ao INPI pelo CPI/71, art. 126, instrumentalizou a competência geral do art. 2º da Lei 5.648/70, ao submeter à averbação na autarquia todos os atos ou contratos que impliquem em transferência de tecnologia. Entendeu-se do sistema legal em vigor de 1971 a 1997 que a averbação tinha o fito de propiciar a regulação da transferência de tecnologia.
Note-se que, mesmo antes da vigência da Lei 5.648/70, os contratos de assistência técnica não estavam livres de averbação pela autoridade administrativa. A Lei 3.470 falava da “efetividade de prestação” dos serviços nesses contratos, e implicitamente, dava poder à autoridade fazendária para verificá-la; a Lei 4.131/62 (art. 10) se refere ao poder - se bem que não baseado em norma tributária - de verificação da mesma efetividade, por parte da então SUMOC; na mesma lei, o art. 9º prevê a submissão antecipada de todos os documentos considerados necessários para fundamentar qualquer remessa tanto à SUMOC quanto à Divisão de Imposto sobre a Renda (e tal dispositivo, obviamente, dá um certo poder discricionário a tais órgãos, pois são eles que configurarão qual o documento necessário); na Lei 4.506/64, art. 52, exige-se o registro do contrato na SUMOC, ora o Banco Central do Brasil.
Para todos efeitos práticos, a decisão do CMN, expressa no comunicado FIRCE 19 de 1972, e reiterada na Carta-Circular Nº 2.795, de 15.04.1998, de considerar documento necessário para a remessa referente a contratos de tecnologia, o certificado de averbação do INPI e, no tocante às importâncias in these remissíveis, importou em indedutibilidade dos valores amparados em contratos não averbados e, por isso, não registrados no BACEN.
Quanto aos pagamentos internos, o raciocínio deve ser melhor elaborado. Consideramos, primeiramente, a argumentação subjacente à INSRF 5/74.
“Considerando o caráter complementar das citadas disposições” (os arts. 29 e §§, 30 e único, 90 e §§; e 126 do CPI) “em relação ao controle fiscal”.
“Considerando a conveniência de disciplinar a dedutibilidade das despesas operacionais relacionadas com o pagamento de royalties pela exploração ou cessão de patentes ou pelo uso ou cessão de marcas, bem como aquelas relacionadas com o pagamento de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, e de projetos ou serviços técnicos especializados, vinculados à transferência de tecnologia (...).”
Vê-se, desta feita, que o argumento da Xxxxxxx (não menos relevante com a alteração legislativa posterior) é que a atuação do INPI, na forma do CPI (então, de 1971, agora, de 1996), é complementar ao controle fiscal; não que seja o CPI norma tributária, nem se constitua o código expressão dos princípios gerais de direitos públicos, ou privado. A raiz da exigência estaria no Dec.-lei 1.718/79 que, repetindo o Dec.-lei 5.844/44, coloca o INPI como órgão subsidiário do controle fiscal; à averbação o INPI verificaria a possibilidade de prestação efetiva da assistência técnica, a existência ou não de direito de propriedade industrial, etc.; em nível mais geral, a autarquia verificaria, como órgão especializado e ex ante, a necessidade da despesa e se esta é usual no ramo de atividade em questão.
Mas vai além a Fazenda. Ao tornar obrigatória a averbação, como medida de controle fiscal, também disciplina a dedução das importâncias mencionadas, num sentido mais substantivo, estabelecendo que, como regra administrativa, só seriam considerados dedutíveis os montantes pago as conforme a averbação e pelo prazo prescrito. Como regra de trabalho, a Receita entendeu que, sem o pronunciamento do órgão especializado (e especializado por força de lei), não se haveria de considerar necessário e usual a despesas. Poderia, a qualquer tempo, verificar a efetividade do serviço (art. 74, Lei 3.470/58; Lei 4.506/64, art. 52); delegou, em parte, tais poderes, ao órgão que, por lei, cumpria auxiliá-la nesta tarefa. E fê-lo, sem criar requisito novo.
Tanto não quis a Fazenda criar requisito novo, que, conforme o Parecer CST 76/76, admitiu que as despesas fossem incorridas antes da averbação; apenas, a verificação do INPI (e o registro no BACEN) são requisitos para se verificar a necessidade e a usualidade da despesa além da possibilidade material de sua efetivação. A exigência não é constitutiva de dedutibilidade, mas meramente um ato de fiscalização para verificar se os demais requisitos estão atendidos.
Tal intuito fiscal pode encontrar sua base no art. 73 da Lei 2.354/54 c/c o art. 2º do Dec.-lei 1.718/79 . Assim, ao mencionar no art. 355, § 3º do RIR/99 a Lei 9.279/96, a Administração Pública, na verdade, apenas determinou a forma do exercício do poder de controle das declarações de renda, qual seja, a de que a análise se fizesse segundo os preceitos do Código de Propriedade Industrial, sem tomá-lo como matriz legal de um requisito de dedutibilidade.
Não procede, desta feita, o entendimento do E. Tribunal Federal de Recursos, na remessa ex officio 81.996/SP, examinando sentença da 6ª V. F. de São Paulo (MS 404/75), no qual concluiu que não era cabível a exigência da INSRF 5/74, citando o magistrado a aquo:
“Nos termos em que a questão restou colocada, a referência feita tanto pela Instrução Normativa 005/74 (item II), como pelo Parecer Normativo CST 102/75 (item 6), à necessidade de averbação dos contratos, quando for o caso, prevê, como é o caso do art. 90, § 3º, do Código da Propriedade Industrial, já referido, que determina a prévia averbação dos contratos para uso de marca, a fim de produzirem efeitos em relação a terceiros. A não ser assim, estar-se-ia deferindo a instruções e pareceres normativos a faculdade de inovar o sistema jurídico, exorbitando de suas funções peculiares, o que, entre nós, é absolutamente inviável, conforme farta doutrina citada às pp. 15-16.
Com efeito, no Direito Tributário vige o princípio da reserva absoluta da lei, pelo qual o fato tributário deve amoldar-se, em todos os seus aspectos, ao tipo abstratamente descrito na lei. A lei, portanto, deve obrigatoriamente descrever os elementos necessários e suficientes ao nascimento da obrigação tributária necessários na medida em que a falta de qualquer deles impede o surgimento da obrigação; suficientes, pois que nenhum outro elemento pode ser incluído pela Administração.”
Jurisprudência administrativa antiga também entendeu inaplicável a averbação como requisito de dedutibilidade, como por exemplo, o ac. 62.530/70 da 1ª C. 1 c/c ac. 63.883/72 e 64.358/78 da mesma Câmara. Também entendeu desnecessária a averbação o ac. 101- 70.870/78 referente aos exercícios de 1970 a 1974, da mesma Câmara.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx 41, de outro lado, aflora o problema das modificações exigidas pelo INPI como condições de averbação. Como se recorda, a IN SRF 5/74 condiciona a dedutibilidade às condições da averbação. Diz ele:
“Será lícito ao INPI impor às partes tout court taxas remuneratórias diversas das acordadas dentro dos limites legais e dos textos regulamentares das Portarias Ministeriais 436/58, 113/59, 303/59 e 151/70?
Temos sérias dúvidas a respeito. A legislação anterior não foi pura e simplesmente revogada e a política econômico-financeira do Ministério da Fazenda expressa nas Portaria citadas continua de pé. A autoridade do Ministério da Fazenda e do Banco Central não foi cassada.”
E, sobre o tema, Xxxxxx Xxxxxxx:
“Reitera a nossa opinião em virtude da qual, se o INPI não concorda com os termos dos contratos submetidos a registro, abre-se-lhe a seguinte alternativa: (1) decidir por não averbar o contrato, ou (2) previamente à emissão do certificado, notificar as partes, a fim de que estas possam, se lhes aprouver, modificar os termos e condições de seu contrato, visando acomodá-lo com as exigências do referido órgão. fora disso, o procedimento do INPI há de ser considerado arbitrário.” 42
41 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx - “Regime Jurídico-Fiscal dos Capitais Estrangeiros no Brasil” (RT 463:26-40, 1974). “Tecnologia Estrangeira no Brasil, Regime Jurídico-Fiscal - A Intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial” (RDM 13 (13):55-69, 1974).
42 Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxx Xxxx - O Capital Estrangeiro no Sistema Jurídico Brasileiro, Forense,Rio, 1979.
De outro lado, os Ac. 101-71.960 1ª/1CC (DO de 9.3.81), 101-71.820, 1ª/1CC (DO de 23.2.83) e 103-03.305 da 3ª/1CC (Sessão de 14.2.81) deram pela vigência da prescrição, tanto para os contratos internacionais quanto para os internos. Da mesma forma, os PNCST 101/75, 76/76 e 86/77, merecendo especial atenção o primeiro:
“A Instrução Normativa do SRF 005, de 8.1.74, reportando-se aos dispositivos supracitados da Lei 5.772 e considerando o caráter complementar dos mesmos, em relação ao controle discal, disciplinou a dedutibilidade das despesas relacionadas com royalties e assistência técnica ou semelhante.
Determina a Instrução Normativa 005/74, em seus itens I e II:
“I - A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título de aluguéis ou royalties, bem como a título de remuneração que envolva transferência de tecnologia (assistência técnica, científica ...) somente será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, obedecidos ...
“II - Permanecem inalteradas as demais condições limitativas previstas na legislação do imposto de renda ... continuando indispensáveis o registro dos atos ou contratos no Banco Central do Brasil, quando for o caso.”
Em reforço da argumentação acima desenvolvida, observe-se que o item II, da Instrução Normativa 005/74, determina a indispensabilidade do registro dos atos ou contratos no Banco Central do Brasil, quando for o caso. Considerando que este registro é obrigatório, a teor da legislação vigente (Lei 4.506/64 - art. 71, parágrafo único; “f” e “g” e 52, “a”; RIR - art. 174, parágrafo único, “e” e “f”, e 176, “a”), quando o beneficiário for domiciliado no exterior evidencia-se que as disposições da Instrução Normativa 005/74 contemplam também os domiciliados no Brasil, senão a expressão grifada seria supérflua. Portanto, para que os dispêndios com royalties e assistência técnica sejam considerados como despesas operacionais, os respectivos atos ou contratos devem ser averbados no INPI, independe da circunstância de os beneficiários serem ou não domiciliados no país.”
Xxxxxx Xxxxxxx Xx. diz concordar, na íntegra, com estas conclusões da Receita Federal; Xxxxxxx Xxxxxx, de outro lado, não se manifesta em contrário à exigência, como também não o faz Calderaro. De outro lado, Xxxxxxx Xxxxxxx entende descabida a exigência, por raciocínio similar ao do julgado citado em primeiro lugar.
Vale mencionar, também, que o art. 3º do Dec. 1.730/79 dispôs que só serão dedutíveis as provisões admitidas na legislação tributária, expressão esta que, segundo o CTN, abrange os atos normativos de toda hierarquia. Esta inversão do principio tradicional (e da Constituição vigente) poderia ser entendida como fazendo com que o INSFR/74 tivesse o poder de vedar a dedutibilidade, tal como intentou fazer.
Convém mencionar, igualmente, que o Parecer CST 76/76 admite a dedutibilidade retroativa das despesas de assistência técnica e de royalties no exercício da averbação ou do registro, se este último for exigível. O ac. 69.586 da 1ª Câmara 1º CC assegura a atualização cambial no caso de averbação ou registro com efeito retroativo (Boletim Cambial de 7.11.77).
O atual Regulamento do Imposto sobre a Renda, Decreto 3000 de 1999 assim versa sobre a matéria no § 3º do art. 355:
A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título de aluguéis ou royalties pela exploração ou cessão de patentes ou pelo uso ou cessão de marcas, bem como a título de remuneração que envolva transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados) somente será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, obedecidos o prazo e as condições da averbação e, ainda, as demais prescrições pertinentes, na forma da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996.
O dispositivo, que não enuncia sua matriz legal, indica, porém, “as prescrições pertinentes” do CPI/96. Como visto, a averbação, anotação e registro dos contratos pertinentes são necessários para fazer vale-los perante terceiros – inclusive o ente tributante.
Note-se que a Lei nº 8.661, de 02.06.93, em seu art. 4º, além de condicionar um benefício fiscal “esteja vinculado à averbação de contrato de transferência de tecnologia, nos termos do Código da Propriedade Industrial”, prossegue dizendo que quando não puder ou não quiser valer-se do tal benefício (ou seja, em todos casos em que não lhe seja aplicável o PDTI), a empresa terá direito à dedução prevista na legislação do Imposto de Renda, dos pagamentos nele referidos, até o limite de cinco por cento da receita líquida das vendas do bem produzido com a aplicação da tecnologia objeto desses pagamentos, caso em que a dedução independerá de apresentação de Programas e continuará condicionada à averbação do contrato, nos termos do Código da Propriedade Industrial. 43
Ao redigir tal dispositivo originalmente incluído no Dec.lei 2423/86 (e reproduzido na Lei 8.661/93), como representante do Ministério de Indústria e do Comércio, este autor procurou exatamente dar base legal ao requisito de averbação. Cinco por cento era já o limite máximo de dedutibilidade desde a lei 3.470/58, e assim, desde 1986, para assegurar que se possa deduzir as despesas de tecnologia passou a ser necessária a averbação.
A averbação ainda é prevista, claramente, no tocante aos contratos entre controladora sita no exterior e sua controlada brasileira, podendo ter-se como matriz a Lei 8383/91, Art. 50, que exige o exame, pela autarquia, dos “limites e condições estabelecidos pela legislação em vigor”:
Art. 50. As despesas referidas na alínea b do parágrafo único do art. 52 e no item 2 da alínea e do parágrafo único do art. 71, da Lei n° 4.506, de 30 de novembro de 1964, decorrentes de contratos que, posteriormente a 31 de dezembro de 1991, venham a ser assinados, averbados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e
43 Art. 4º (...)VI - dedução, pelas empresas industriais e/ou agropecuárias de tecnologia de ponta ou de bens de capital não seriados, como despesa operacional, da soma dos pagamentos em moeda nacional ou estrangeira, a título de "royalties", de assistência técnica ou científica, até o limite de dez por cento da receita líquida das vendas dos bens produzidos com a aplicação da tecnologia objeto desses pagamentos, desde que o PDTI ou o PDTA esteja vinculado à averbação de contrato de transferência de tecnologia, nos termos do Código da Propriedade Industrial. (...) § 4º Quando não puder ou não quiser valer-se do benefício do inciso VI, a empresa terá direito à dedução prevista na legislação do Imposto de Renda, dos pagamentos nele referidos, até o limite de cinco por cento da receita líquida das vendas do bem produzido com a aplicação da tecnologia objeto desses pagamentos, caso em que a dedução independerá de apresentação de Programas e continuará condicionada a averbação do contrato, nos termos do Código da Propriedade Industrial.
registrados no Banco Central do Brasil, passam a ser dedutíveis para fins de apuração do lucro real, observados os limites e condições estabelecidos pela legislação em vigor.
Parágrafo único. A vedação contida no art. 14 da Lei n° 4.131, de 3 de setembro de 1962, não se aplica às despesas dedutíveis na forma deste artigo.
Averbação na Legislação Tributária (IRPJ)
PARECER NORMATIVO CST N.º 102, DE 12 DE SETEMBRO DE 1975 (DOU DE 26.09.75).
Dedutibilidade de despesas com o pagamento de royalties e assistência técnica ou semelhante:
a) condicionam-se à previa averbação dos atos e contratos no INPI, independentemente da situação do domicilio do beneficiário dos rendimentos;
b) são dedutíveis os dispêndios com assistência técnica pagos a sócios domiciliados no Pais;
c) indedutíveis os royalties pagos a sócios, ainda que domiciliados no Pais.
Consulta-se sobre a dedutibilidade de despesas com royalties e assistência técnica, cientifica, administrativa ou semelhante, prestada entre empresas nacionais ou aqui domiciliadas, se depende de previa averbação dos atos e contratos no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mesmo nos casos em que inexista qualquer transferencia de tecnologia do exterior, realizando-se as operações exclusivamente em território nacional. Questiona-se, nesta mesma hipótese, sobre a dedutibilidade dos pagamentos efetuados a esse titulo a empresas consócias.
2 - A Lei n.º 5772, de 21 de dezembro de 1971, atual Código da Propriedade Industrial, em seus artigos 30, 90 e 126, sujeita, entre outros requisitos, à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), para que produzam efeito em relação a terceiros, os atos ou contratos que impliquem em transferencia de tecnologia.
3 - A Instrução Normativa do SRF n.º 05, de 08.01.74, reportando-se aos dispositivos supramencionados da Lei n.º 5772/71, e considerando o carretar complementar dos mesmos, em relação ao controle fiscal, disciplinou a dedutibilidade das despesas relacionadas com royalties" e assistência técnica ou semelhante.
4 - Determina a Instrução Normativa n.º 05/74, em seus itens I e II:
"I - A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a titulo de alugueis ou "royalties" , bem como a titulo de remuneração que envolva
transferencia de tecnologia (assistência técnica, cientifica.........) somente será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, obedecidos "
"II - Permanecem inalteradas as demais condições limitativas previstas na legislação do imposto de renda, continuando indispensável o registro dos atos ou contratos no
Banco Central do Brasil, quando for o caso."
5 - Constata-se, à vista do exposto, que a Lei n.º 5772/71, bem como a Instrução Normativa n.º 05/74, não cogitaram, para este efeito, se o domicilio do beneficiário dos pagamentos de royalties ou assistência técnica, situa-se no Brasil ou no exterior. A expressão consignada nesses diplomas foi "transferencia de tecnologia". Omitiu-se o aditamento "do exterior" ou termo equivalente elucidativo. Ora, onde a norma legal não distingue, não compete a seu interprete faze-lo. Na ausência de comando legal discriminatório, improcede a diferenciação.
6 - Em reforço da argumentação acima expendida, observe-se que o item II, da Instrução Normativa n.º 05/74, determina a indispensabilidade do registro dos atos ou contratos no Banco Central do Brasil, quando for o caso. Considerando que este registro é obrigatório, a teor da legislação vigente (Lei n.º 4506/64 - arts. 71, parágrafo único; "f" e "g", e 52, "a"; RIR - arts. 174, parágrafo único, "e" e "f", e 176, "a"), quando o beneficiário for domiciliado no exterior, evidencia-se que as disposições da Instrução Normativa n.º 05/74 contemplam também os domiciliados no Brasil, senão a expressão grifada seria supérflua. Portanto, para que os dispêndios com royalties e assistência técnica sejam considerados como despesas operacionais, os respectivos atos ou contratos devem ser averbados no INPI, independente da circunstancia de os beneficiários serem ou não domiciliados no Pais.
7 - Quanto à segunda indagação - dedutibilidade das despesas com royalties e assistência técnica ou semelhante, em que ha sociedade entre os contratantes, perdurando as demais condições já mencionadas, admite solução diversa, conforme se trate de um ou outro tipo de dispêndio.
7.1 - Com efeito, as despesas com royalties são indedutíveis, por forca do artigo 71, parágrafo único, alínea "d", da Lei n.º 4506/64 ("Não são dedutíveis os royalties pagos a sócios .........), reproduzido pelo artigo 174, parágrafo único, alínea "c", do atual Regulamento do Imposto de Renda (R.I.R. aprovado pelo Decreto n.º 58400/66). Referida determinação alcança tanto os royalties pagos a beneficiários aqui domiciliados como no exterior. Não se alegue, de outro lado, que o dispositivo veda a dedutibilidade apenas quando o beneficiário for pessoa física, não cerceando os pagamentos efetuados a pessoas jurídicas. A administração fazendária, em casos análogos, através dos Pareceres Normativos CST nas 241 e 871, ambos de 1971, estabeleceu entendimento que a restrição legal é extensiva também às pessoas jurídicas.
7.2 - No que se refere aos gastos com assistência técnica ou semelhante, também efetivados no Pais, são dedutíveis, visto inexistir proibição legal, desde que observadas as normas gerais sobre despesas operacionais, sobretudo os artigos 45, parágrafo 2º (RIR - art. 163, "caput"), 47, parágrafos 1º e 2º (RIR - art. 162) da Lei n.º 4506/64, e artigos 74, da Lei n.º 3470/58, e 12 e 13, da Lei n.º 4131/62 (RIR - art. 175).
8 - Esclareça-se, por fim, que, para efeitos fiscais, as disposições da Lei n.º 5772/71 e da Instrução Normativa n.º 05/74 alcançam também aqueles atos ou contratos vinculados à transferencia de tecnologia do exterior ou no Pais, que, firmados anteriormente, não estavam sujeitos à averbação no INPI. Entendimento em contrario, a teor do artigo 105, da Lei n.º 5172/66 (Código Tributário Nacional), implicaria em negar-se a
possibilidade de ser modificada determinada situação ainda não definitivamente constituída.
Averbação na Jurisprudência Administrativa Tributária
CSXX X.x 00-0000 - 1ª TURMA - SESSAO DE 12 DE AGOSTO DE 1993 - DOU DE
13.09.96. IRPJ - CUSTOS - ASSISTENCIA TECNICA - AVERBACAO NO INPI - Dedutibilidade - tratando-se de prestação de serviços técnicos especializados, que não envolvem a transferencia de tecnologia ou a introdução de processo especial de produção, circunstancias não provadas na peca acusatória, e não questionada a efetiva prestação dos serviços ou a sua necessidade ao desenvolvimento de atividade da empresa, a dedutibilidade dos dispêndios como custo, independe da averbação do contrato no INPI.
8ª. CCC - Recurso 119383 , Processo 10880.056606/93-12, Sessão 20/10/99. Acórdão 108-05888. Ementa: (...) DESPESAS COM ASSISTÊNCIA
TÉCNICA ADMINISTRATIVA DO EXTERIOR - Cabível a glosa de despesas dessa natureza, quando não atendido o disposto no art. 233, § 3º, do RIR/80 (registro prévio dos contratos no INPI). (...)
2ª. CCC - Recurso 086179 Processo 10768.045631/88-18 Sessão 12/06/91 ACÓRDÃO
202-04282. Ementa: IOF - CERTIFICADO DE AVERBAÇÃO - INPI. Para todos
os efeitos, prevalece o prazo concedido pelo INPI para duração dos contratos de assistência técnica procedente do exterior. Ajuste das partes curvam-se à legislação de regência para emissão dos Certificados de registro-BACEN. Recurso negado.
Averbação e Legislação Cambial
Uma vez efetuado o pagamento da tecnologia, como previsto neste caso, cumpre obter a moeda conversível, para tanto satisfazendo os requisitos da legislação cambial brasileira.
A Lei 4.131/62, que enfeixa as regras relativas ao capital estrangeiro e a remessas ao exterior a título de serviços e direitos, prevê em seu art. 9º a submissão antecipada de todos os documentos considerados necessários para fundamentar qualquer remessa tanto à SUMOC quanto à Divisão de Imposto sobre a Renda (e tal dispositivo, obviamente, dá um certo poder discricionário a tais órgãos, pois são eles que configurarão qual o documento necessário); na Lei 4.506/64, art. 52, exige-se o registro do contrato na SUMOC, ora o Banco Central do Brasil.
A Lei 4.131/62 em seu. 10 se refere também ao poder de verificação da efetividade dos contratos de assistência técnica, por parte da então SUMOC; na mesma lei, estabelece um regime especial para os pagamentos relativos a know how (ou melhor, assistência técnica). Devem tais pagamentos, para serem remetidos em moeda conversível ao exterior, serem amparados por um contrato pertinente, registrado no Banco Central do Brasil; inicialmente tal se dava segundo o Comunicado FIRCE no. 19, que estipulava como pré-requisito do registro que o contrato devesse ter sido averbado do Instituto Nacional da Propriedade Industrial 44.
44 Em recente parecer preparado pelo autor por solicitação da autoridade fiscal dos Estados Unidos, dissemos o seguinte: The recent 1994 Income Tax Regulations, among other relevant provisions, subject those agreements to INPI registration for
Para todos efeitos práticos, a decisão do CMN, expressa inicialmente no comunicado FIRCE 19 de 1972 45, de considerar documento necessário para a remessa referente a contratos de tecnologia, o certificado de averbação do INPI e, no tocante às importâncias in these remissíveis, importou em indedutibilidade dos valores amparados em contratos não averbados e, por isso, não registrados no BACEN.
Assim, com base numa delegação de seus poderes de análise prévia das pretensões de remessa, o Banco Central cometeu – e continua incumbindo – o INPI a fazer tal avaliação.
Está em vigor, presentemente, o regulamento anexo à Carta-Circular Nº 2.795, de 15.04.1998, que mantém o disposto no Comunicado FIRCE 19:
(...) Art. 9º - A aprovação do registro para operações de transferência de tecnologia e/ou franquia, bem como seu financiamento, dar-se-á após manifestação do INPI ou do Banco Central do Brasil, conforme o caso, condição indispensável ao registro de esquema de pagamento.
Em todos os casos, e em particular na remessa por serviços técnicos e de engenharia 46, existe razoável discricionariedade do Banco Central quanto à remessa de pagamentos ao exterior. Além disto, a lei (Art.19) prevê a verificação da efetividade dos serviços ou da assistência, o que desde 1971 vinha sendo feito, inclusive antecipadamente, pelo INPI 47.
Uma questão interessante é se o INPI, na sua função delegada de análise de remissibilidade, pode recusar-se a averbar com efeitos de remessa. Sempre entendi que sim.
Não existe direito liquido e certo a todos os tipos de remessa, como o demonstra o Art. 59 do Dec. 55762/65, que submete as remessas ao exterior para compra de desenhos e modelos industriais ao juízo de conveniência do BACEN, ou o Art. 61, que faz depender as demais remessas, não expressamente previstas no Art. 3o. da Lei 4131/62, da sua permissão. Assim, não retira os direitos do titular, inerentes à propriedade industrial, a norma ou ato administrativo que permite o pagamento em moeda nacional, mas veda a conversão em divisas 48.
Legislação Cambial
CARTA-CIRCULAR Nº 2.816/98 De 15 de abril de 1998. Institui o Registro Declaratório Eletrônico - RDE de operações de transferência de tecnologia, serviços técnicos complementares e importação de intangíveis. (...)
Art. 1º - Instituir, a partir de 22.04.1998, o Registro Declaratório Eletrônico (RDE) para as operações contratadas com fornecedores e/ou financiadores não residentes no País, relativas a:
deductibility and incentive purposes and keep the quantitative limitations of the 1958 Law. It would seem that there was now a some conflict between Income Tax Regulations and INPI rules.”
45 O Comunicado FIRCE nº 19, de 16.02.1972 só foi revogado a partir de 22.04.1998 pela Carta-Circular Nº 2.795, de 15.04.1998.
46 Vide Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx, Xxxxxxxx e Prática do Imposto sobre Serviços, p. 208 e 209. 47 Comunicado FIRCE no. 19
48 Note-se, aliás, que a natureza da operação, relativa à cessão de direitos de propriedade industrial, faculta aos estados membros do FMI restringir as remessas livremente, ao teor do Art. VI, seção 3 do Tratado do Fundo.
I - Fornecimento de tecnologia;
II - Serviços de assistência técnica; II - Licença de uso/Cessão de marca;
IV - Licença de exploração/Cessão de patente; V - Franquia;
VI - Demais modalidades, além das elencadas de I a V acima, que vierem a ser averbadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI;
VII - Serviços técnicos complementares e/ou despesas vinculadas às operações enunciadas nos incisos I a VI deste artigo não sujeitos a averbação pelo INPI;
VIII - Aquisição de bens intangíveis com prazo de pagamento superior a 360 dias.
IX - Financiamento das operações mencionadas neste artigo, (...) Regulamento Anexo à Carta-Circular Nº 2.795, de 15.04.1998 (...)
Art. 2º - O registro declaratório eletrônico de cada operação efetua-se após obtenção do Certificado de Averbação concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para operações que envolvam direitos de propriedade industrial, fornecimento de tecnologia, prestação de serviços de assistência técnica e franquia.
Parágrafo único - Devem ser registrados, ainda, os serviços técnicos complementares e/ou despesas vinculadas às operações descritas no "caput" deste artigo, mesmo quando não sujeitos à averbação pelo INPI. (...)
Art. 6º - Os dados de registros envolvendo transferência de tecnologia e/ou franquia são direcionados para análise do INPI, podendo aquele Órgão aprová-los, recusá-los ou indicar, via sistema, os ajustes necessários à sua aprovação. (...)
O Contrato de know how
Tratamos aqui de uma modalidade contratual que é, em princípio, classificável sob a norma administrativa do INPI como sendo um acordo que importa em transferência de tecnologia, sob a designação de Contratos de Fornecimento de Tecnologia. Tratando de negócios jurídicos relativos a certos conhecimentos técnicos não livremente acessíveis, tais acordos são designados na prática internacional como contratos de saber fazer, ou, mais usualmente, de know how
A definição e estatuto jurídico do know how foi objeto de análise específica no capítulo relativo aos segredos industriais; remetemos enfaticamente o leitor àquela seção deste trabalho. Xxxxxxxxxxxx neste passo a figura do contrato concernente ao know how, em suas várias formas.
O objeto do contrato
Como se verá, o contrato de know how tem por objeto a cessão de posição na concorrência mediante comunicação de experiências empresariais. Assim, presume uma parte que já
detém essa experiência, outra parte que dela não dispõe, e o consenso de vontades na transferência dos meios necessários a obter tal posição na concorrência.
Magnin, em uma formulação mais elaborada do que a que vimos no capítulo sobre segredos industriais, também define o know how como a “arte de reprodução”; e se entenda: não a reprodução de bens materiais, mas a reprodução das condições, do aviamento empresarial que propicia a produção dos bens materiais. Não é despropositado, assim, como já o fizemos em trabalhos anteriores, classificar o contrato de know how como cessão parcial de aviamento, cessão da oportunidade empresarial de exploração de um mercado com o auxílio de uma “arte de fabricação” determinada.
Não procede, desta feita, o entendimento de Xxxxxxxxx, de que, na transferência de know how, há um simples “dare” (plantas, projetos, etc.) e um “facere” (prestar assistência técnica, etc.), sem nenhum traspasse de bem imaterial. Tal enfoque resultaria, comparativamente, em reduzir a cessão de estabelecimento a um conjunto de compra e venda de coisas, cessão de locação, novação subjetiva de contratos de trabalho, etc.
A noção de Xxxxxx revela, de outro lado, que o know how não é exatamente um conhecimento, mas uma matriz de configuração do aviamento, uma forma de organizar a produção; sua transmissão, desta feita, consiste em transplante de parcela da organização empresarial diretamente afeta à fabricação, reproduzindo o aviamento do fornecedor do know how. A organização nova, já pelo fato de seu transplante, traz consigo uma expectativa de reditibilidade, um poder novo sobre o mercado, poder tanto mais efetivo quanto se assemelharem o mercado para o qual o know how foi concebido e para o qual foi transplantado.
O contrato que traspassa o know how, desta forma, é um contrato de comunicação de experiências empresariais, de maneiras de organizar a produção. Mas, enquanto significa uma renúncia, por parte do fornecedor, de utilizar-se da vantagem que teria em produzir, ele próprio, no mercado considerado, ou, pelo menos de produzir sozinho, é uma cessão perante a concorrência, e não somente uma criação de poder.
Em outras palavras, a aquisição do bem concorrencial não é originária. Tal raciocínio terá talvez menos validade no futuro em que se multiplicaram as fábricas de tecnologia, unidades empresariais cujo produto é a própria arte de fabricação; mantém-se, porém, ainda enquanto o know how for parcela do aviamento de uma empresa, que o gera como instrumento de produção.
Contrato de know how: Natureza Jurídica
Quanto à natureza jurídica do contrato, parte considerável da doutrina o considera empreitada mista 49, um pouco desfigurada, sendo análogo ao contrato de ensino. A complexidade das obrigações que o constituem, por outro lado, leva parcela dos autores a renunciar a uma aproximação com qualquer contrato típico 50. Parcela menos autorizada,
49 Magnin, op. cit. p. 292; Xxxxxxxx e Xxxxx, op. cit., p. 177; Calais e Mousseron, Les Biens de l’Entreprise, Libraries Techniques, 1972, p. 84.
50 Xxxxxxx Xxxxx. Contrato. Forense, 1979, p. 575; Xxxx Xxxxxxx. Contratos e Obrigações Comerciais. Forense, 1979, p. 605; Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx: “Contrato de Tecnologia” in Revista Forense, 253/123.
ancorando-se demasiadamente na natureza de bem imaterial do segredo transmitido, chega a falar de locação, usufruto, comodato, constituição de renda e - porque não? – servidão 51.
Para classificarmos um contrato de know how, segundo sua natureza jurídica, é preciso tomar em consideração a natureza jurídica do know how, ele mesmo. Páginas atrás, definimos o direito que recai sobre o segredo de empresa como um poder absoluto, embora incidindo de forma não exclusiva sobre o bem que lhe é objeto final; na introdução desta obra, citando Xxxxxxx em sua trouvaille de “direitos de clientela”, sugeríamos a existência de um “bem-oportunidade”, expresso pela reditibilidade de uma atividade econômica; a seguir, apoiando-nos em Magnin, descrevemos o know how como uma conformação de um aviamento; e, por fim, classificamos o efeito econômico-empresarial do contato de know how como de cessão parcial de aviamento.
Xxx, já se viu que o know how, e não menos do que ele, a posição do empresário perante um mercado competitivo não tem objeto físico capaz, de por si só, garantir os atributos da exclusividade. Ao classificarmos o know how como conformação do aviamento, particularmente apta a ser reproduzida, na verdade não distinguimos entre um e outro, para conceder-lhes um mesmo tratamento: o do bem concorrencial.
Este bem, sobre o qual se recai um poder absoluto, mas não exclusivo, constitui-se numa quase-propriedade, como, de resto, já notaram Xxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx 52. Quase, pois há uma forma de excluir terceiros do uso inautorizado do valor econômico, uma forma de controle econômico sobre a disponibilidade do valor; mas não há um mecanismo jurídico que permita excluir todos os concorrentes do acesso e uso desse valor.
Quase propriedade, também, pois se submete aos princípios de limitação da concorrência, e deve ser examinada sob a ótica do poder econômico. Estas limitações, aliás, não são estranhas à propriedade física, no seu estágio moderno, constrangida pelo domínio eminente do Estado, pelas regras do meio-ambiente, pelo direito de pesquisa e exploração de jazidas, por todos os ônus da função social a que se destina.
A natureza jurídica dos contratos de know how resulta, assim, deste seu objeto: uma quase propriedade, com a qual se perfazem negócios jurídicos os mais variados. É o que se verá a seguir.
Jurisprudência: natureza jurídica do contrato de know how Tribunal Federal de Recursos
“Ação ordinária visando a devolução de Imposto de Renda retido na fonte. Remessa de
numerário para a Itália em favor de sociedade, consistente em uma compensação fixa e uma compensação proporcional aos resultados obtidos calculados na base das características de funcionamento das unidades produtoras instaladas, no primeiro trimestre sucessivo à colocação em funcionamento e normalização de sua
51 Xxxx Xxxxx apud Xxxxxx Xxxxxxxx: Contratos de Transferência de Tecnologia, in Revista de Direito Mercantil. 26 p. 88, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx. Anuário da Propriedade Industrial, 1978, p. 142.
52 A. D. Tillet. Propriedad y Patentes. In Comercio Exterior (México) vol. 26, nr. 8, p.. 912. A. L. Xxxxxxxx Xxxxxxx, op. cit. p. 73.
produção.Essa avença não se caracteriza como meramente de prestação de serviços técnicos, eis que como tal não se poderá entender a compensação proporcional contratada que está presa aos resultados obtidos diariamente na produção de alumina calcinada nas novas unidades instaladas na fábrica da autora.
Tipificado contrato de sociedade.
Assim sendo e já que o numerário remetido para o exterior não especifica se a prestação se refere à compensação, fixa, remuneratória de trabalho, ou à proporcional, que é participação na sociedade, tem-se que a ação improcede, o mesmo ocorrendo com a declaratória, em apenso. Recursos providos” (ac. 34.793, SP, Rel.: Min. Xxxxxx Xxxxx, 2ª Turma, Unânime, DJ 21.11.79, EJ TFR-6/87).
Contrato de know how: os vários tipos
Os Contratos de know how têm natureza complexa. Como já se notou anteriormente, há, neles, implicitamente, obrigações de dar (plantas, blue prints, listagens, etc) e obrigações de fazer (comunicar experiências, no que o jargão da área chama o know how). Há bens materiais e bens não materiais como objeto dos direitos ajustados; e, como visto, a obrigação de comunicação de know how tende a ser parte de negócios jurídicos ainda mais complexos.
A prática administrativa vigente no Brasil vinha levando a que os contratos de importação de know how fossem desvinculados de outras avenças complementares, como as de compra e venda de bens, ou empreitadas de obras, ou licenças de direitos exclusivos, de forma a que o regime específico daqueles ficasse explicitado. Assim, os contratos que prevejam obrigações de know how, além de outras, ajustados após 1975 (data de entrada em vigor do revogado Ato Normativo INPI no. 15) até o AN 122 serão raros, e não deverão prever pagamentos em divisas especialmente por tecnologia.
Os contratos de know how de outros países podem prever cláusulas de não comunicação a terceiros, e cláusulas de não exploração. Quando disposta a não comunicação, durante o prazo prescrito as informações serão indisponíveis - o receptor de know how poderá dele usar, extrair dele seus frutos, defender-se das violações de seu segredo empresarial, mas não poderá transmitir a terceiros os conhecimentos recebidos. De outro lado, podem tais contratos prever que, após um certo período, as informações não sejam mais utilizadas no processo industrial; os dados, plantas e blue prints devem ser restituídos; a experiência adquirida, ignorada.
Nestas condições, ter-se-ia uma “locação” de know how, uma “licença” (como é mais denominada mais freqüentemente), por oposição à “cessão”, ajuste em que inexiste a cláusula de não exploração. Está claro que não sendo o know how objeto de direitos exclusivos, não haverá uma licença, em seu sentido técnico (licere = dar permissão), constituindo-se o dispositivo em um pacto em restrição da concorrência. É intuitivo, após havermos indicado a natureza de “cessão parcial de aviamento” do contrato de know how, que todos os ônus sobre tal transferência irão afetar a capacidade concorrencial do receptor, e de forma direta.
O mesmo se dirá do pacto de não comunicação; embora seja razoável exigir-se do receptor que tome especiais cuidados para não lesar o próprio patrimônio do fornecedor, divulgando o segredo transmitido aos quatro ventos, coisa inteiramente diversa é restringir a
comunicação que perfaz sob condições de sigilo - a uma terceira empresa, a uma instituição de pesquisa, de maneira a não aviltar o valor econômico do segredo.
A prática administrativa brasileira tem repudiado a cláusula de não exploração, só sendo admitida a cessão definitiva. No entanto, como se admite a cláusula de não comunicação, por prazo cetro, a cessão não é completa, até o termo do pacto, constituindo-se, na verdade, em cessão gravada com indisponibilidade.
Dizem os Comentários ao CPI/96 da Xxxxxxxxx:
Tendo em vista que o objeto se refere à tecnologia que não é objeto de proteção patentária, este tipo de contrato recebe um tratamento restritivo do INPI, baseado na concepção moldada pelo Ato Normativo nº 15/75. Ele é visto pelo INPI como um contrato de fornecimento e aquisição definitiva de tecnologia e não como licença temporária de uso de uma tecnologia.
Dessa forma, cláusulas contratuais que estipulem a devolução das informações tecnológicas ao cedente (titular) bem como obrigações de confidencialidade ad eternum não podem constar dos contratos de fornecimento de tecnologia, pois não aceitas pelo INPI.
Em teoria, conquanto não na prática do INPI, assim, o contrato de know how pode ser de cessão temporária (licença) assim como de cessão definitiva gravada com incomunicabilidade, e até mesmo de cessão integral, sendo apenas as duas últimas modalidades política, econômica e juridicamente defensáveis. Em particular, a expressão “licença” tem sido expurgada dos contratos celebrados para execução no país, por sua conotação de “autorização de uso de direitos exclusivos”, algo de que certamente não se trata 53.
Assim é que se torna possível concordar com a formulação da doutrina francesa, de ser o contrato de know how uma empreiteira mista mesmo se, por vezes, não pressuponha uma obrigação de resultado. O “empreiteiro” reúne os meios materiais e imateriais que permitem a reprodução do aviamento, e os transfere ou comunica ao receptor; isto, no caso da cessão definitiva desonerada.
O mesmo não se pode dizer da cessão gravada com a indisponibilidade (no caso, incomunicabilidade, mas em outro sentido que o da lei civil...). Há uma comunicação de bens concorrenciais, com pacto acessório de restrição à concorrência, não ignorada a atividade anterior ao repasse, que outra coisa não é senão a empreitada.
Diversa, ainda, é a cessão temporária, a “licença”, que se aproxima da locação de um bem concorrencial, algo, aliás, também conhecido no direito europeu sob outra forma, a de location-gerence dos fundos de comércio. Essa locação-gerência, proscrita como contrato de tecnologia pela prática administrativa brasileira, é porém aceita como modalidade de contrato de locação de bens materiais, como o comprova a jurisprudência nacional sobre fundos de comércio.
53 Contra a licença de know how, vide “L’incidence du Droit Communautaire de la Concurrence sur les Droits de Proprieté Industrielle” Lib. Techniques 1977, p. 120; Magnin, op. cit. p. 274. A favor, p. ex., Xxxx Xxxxxxx, loc. cit. op. cit.
Mas é o vínculo continuado, a cessão reiterada, o fluxo de informações novas que se pode pactuar num único ajuste, que se tem denominado “contrato de cooperação”, - um verdadeiro fornecimento de bens concorrenciais - que se ilustra, mais do que todos os outros, a natureza associativa dos contratos de know how. Nestas figuras contratuais, se põe em contato o aviamento de duas empresas, que, a cada momento (mas seletivamente, muito seletivamente no caso de pessoas não integrantes do mesmo grupo econômico) reproduzem a conformação tecnológica uma da outra.
Embora, neste caso específico, a associação se torne predominante, na maioria dos demais contratos de know how existe uma figura análoga à da sociedade em conta de participação; algo que Troller intui em relação à “licença” de know how 54. Com efeito, muitas vezes (e na prática administrativa brasileira, quase sempre) a contraprestação do repasse de know how é calculada na forma de percentuais sobre a futura receita, lucro, ou produção. Caso insatisfatório o repasse, ou não reditício o know how no mercado considerado, nenhum rendimento resultará para o supridor, salvo as parcelas de adiantamento (no Brasil, o pagamento pela documentação técnica inicial, em outros países, o “royalty mínimo”).
Na rara hipótese de rendimentos calculados sobre o lucros, a configuração como sociedade é clara; menos, nos casos de cálculo sobre a receita - o produto pode ser reditício, mas não lucrativo; ainda menos, no caso de valores fixos sobre unidade produzida; minimamente, quando se vincula o pagamento à capacidade de produção de uma unidade industrial - como ocorre freqüentemente na indústria petroquímica.
Em todos estes casos, porém, embora não se possa asseverar a existência de um contrato de sociedade stricto sensu, tem-se uma comunhão de interesses no que toca à reditibilidade: cabendo-se a oportunidade comercial, na verdade obtém-se um investimento de risco mínimo de perda, com razoáveis possibilidades de lucro. A última observação é particularmente pertinente quando se sabe que os investimentos em pesquisas e experiências são dimensionadas quase que sempre, em relação à empresa supridora; os ganhos de know how são usualmente líquidos, apreçando-se pelo valor da opção de, ao invés de transferir as informações, disputar diretamente o mercado.
Com isto tudo, pode-se perceber que falar-se de um contrato de know how é tão indefinido quanto o seria referir-se a um contrato de navio. Que contrato? Venda, caso nu, time charter, voyage charter, affreightment contract, hipoteca, ou simples contrato de transporte com base em conhecimento? Da mesma maneira, cessão temporária, cessão definitiva com gravame, cessão integral, cooperação, sociedade em conta de participação, contratos todos que têm em comum um certo caráter associativo, sempre presente, uma informação algo secreta, e uma esperança de lucros futuros.
O Contrato de know how e as Licenças
A obrigação de comunicar o know how é, boa parte das vezes, integrante de uma avença complexa, onde se somam licenças de direitos de propriedade industrial, serviços técnicos, exclusividades de distribuição de bens. Vide, na seção relativa às patentes, o que se fala das licenças voluntárias.
54 Op. cit. p. 161.
Nada impede em teoria que, existindo o vínculo entre as duas partes do negócio jurídico, se especifique o regime individual de cada um deles, direitos exclusivos de um lado, direitos não exclusivos de outro. Para isto é preciso ter em conta os limites do privilégio, quanto à atividade privilegiada, ao ramo tecnológico, aos condicionamentos geográficos e temporais. Nenhum direito exclusivo existe, fora das reivindicações; nenhum além das fronteiras nacionais do país outorgante; nenhum, após a extinção do privilégio; e, principalmente, nenhum, além dos limites que a lei nacional preceitua.
Tendo base em direito exclusivos, as licenças podem, via de regra, serem mais limitativas do que os contratos de know how, os quais são sujeitos, em geral, às disposições regulando os simples pactos de restrições à concorrência. Justifica-se, assim, a dissociação entre as disposições de um negócio jurídico concernente às licenças e as que afetam ao know how; o que não quer dizer, obviamente, que haja imposição de contratos autônomos, desde que, num mesmo instrumento, os regimes sejam explicitados.
O know how e os Contratos de Serviços Técnicos
Uma classificação sutil, entre as obrigações de fazer, é a que toma como paradigmas o contrato do médico com seu paciente, de um lado, e os deveres de um professor de medicina, de outro. O médico ouve, sente, vê, com os sentidos que lhe dão o conhecimento e a experiência profissional, alvitra o remédio, e prescreve; o paciente recebe a prescrição, e, por vezes, o nome da doença, para matar-lhe a curiosidade e alimentar-lhe a hipocondria. A arte médica é aplicada, em seus cânones e virtuosidades, e o doente recebe os resultados de sua aplicação.
O médico, porém, deixa seu consultório e vai para a sala de aula. Aos seus alunos, a medicina não é aplicada, mas descrita; os acadêmicos não sentem, em si, os resultados da aplicação - são, ao contrário, educados na arte, como foram instruídos na ciência. Se pudéssemos transplantar para as informações e treinamento recebidos pelos estudantes as distinções da economia, o professor de medicina repassaria bens de produção, enquanto que, como médico, forneceria aos clientes dados e informações que seriam consumidas, e em estado de prontas.
Tal distinção é indispensável para se compreender a que existe entre “serviços técnicos” e know how. Incluem-se entre os primeiros, na classificação fiscal, cambiária e administrativa em vigor, uma massa de contratos de facere, empreitadas mistas, locação de serviços, empreitadas de lavor, empreitadas globais. Não ocorre confusão entre a obrigação de construir uma usina ou reparar uma máquina hidrelétrica e a de repassar know how; mas existem casos limite, onde uma e outra obrigação se aproximam tanto que é difícil dizer qual é qual.
Em princípio, a obrigação de repassar know how é equiparável a do professor de medicina: estamos perante tal avença quando o resultado visado é a aquisição de informações que, alterando o aviamento, se integrem no processo como se bens de produção fossem. A gama dos “serviços técnicos”, por sua vez, se aproxima dos serviços do médico: a engenharia ou as ciências são utilizadas como instrumento, e sua aplicação num resultado final é que perfaz a prestação. Uma empresa de consultoria se encarrega de um projeto; planeja as instalações, escolhe o local, detalha a localização de cada equipamento, indica as dimensões e calibres dos encanamentos, calcula o peso das máquinas, e a tensão da energia
necessária. Todas estas informações, que a consultora transfere ao dono da obra, são prescrições como a do médico: o dono da obra não precisa saber como a projetista chegou a suas conclusões para operar sua fábrica 55.
Mas o dono da obra põe sua unidade industrial em ação; precisa saber como os insumos e componentes são processados, como serão estocados; a que temperatura e pressão deverão ser transformados em produtos finais, e que quantidade de ingredientes e catalisadores é precisa para obter os melhores resultados. A projetista já não lhe fornece tais dados, que virão de uma outra empresa análoga, cuja experiência industrial já haja superado tais questões, e encontrado uma solução reditícia.
Suponhamos mesmo, que a consultora, por jamais ter feito projeto comparável, não se considere capacitada a fazê-lo sozinha. Irá ajustar com outra consultora, já experiente, que lhe informará e treinará a fazer projetos como os de que necessita. Em ambos os casos, o dono da obra, ou a consultora vão a empresas análogas para obter conhecimentos e experiências que vão empregar, e de que precisam dispor para operar: ambos avençaram o repasse de know how.
Evidentemente, e cumpre abrir parênteses, a fornecedora de know how não ajustará seus serviços se não houver maiores vantagens em repassar sua arte de fabricação do que fabricar. O interesse, em grande maioria dos casos, resulta de intervenção do Estado na economia nacional, levantando barreiras alfandegárias, criando subsídios ou, simplesmente, instituindo uma reserva de mercado em favor das empresas localizadas no país; como, no Brasil, ocorre com as consultoras de engenharia. mas também pode resultar de estratégia empresariais, ou da maior lucratividade relativa que resulta dos pagamentos do know how - sendo esta última hipótese compreensivelmente bem limitada.
O revogado AN 15 dava alguns exemplos de serviços técnicos especializados: “6.1.1 (...)
a) elaboração de planos diretores, estudos de pré- viabilidade e de viabilidade t8ecnico- econômica e financeira, estudos organizacionais, gerenciais ou outros, planejamento em geral, inclusive relacionados com serviços de engenharia.
b) elaboração de planejamento, anteprojetos, projetos básicos e executivos, bem como a elaboração, controle de execução e supervisão t8ecnica de empreendimento de engenharia em seus diversos ramos e em suas diversas etapas.
c) instalação, montagem e colocação em funcionamento da máquina, equipamentos e unidades industriais.
d) outros serviços técnicos profissionais especializados, de engenharia e/ou consultoria.
e) contratação de técnicos estrangeiros para execução de determinado serviço especializado profissional e a prazo certo.”
55 Xxxxxxxx Xxxxxxx (op. cit.), nota que, em determinados projetos de engenharia, os conhecimentos técnicos secretos ou patenteados são embutidos nas informações, as quais, do ponto de vista tecnológico informacional e mesmo econômico não se diferenciam das resultantes de um contrato de know how explícito. Mas, do ponto de vista empresarial e jurídico, distinguem-se ambos os contratos.
Masnatta 56 estabelece a distinção, dando ao contrato de know how as características de ministração de informações secretas, na forma de uma obrigação de meio, e com o poder de o ministrador fazer cessar o uso das informações ao término da avença ou por ocasião de rescisão; o contrato de serviços, que ele chama de assistência técnica, seria uma obrigação de facere, com vinculação a um resultado determinado.
Parece-nos descabida a noção de Masnatta, principalmente em face à prática brasileira. Em primeiro lugar, ao contrário do que vislumbra o autor, a maior parte das vezes existe uma garantia efetiva quanto ao resultado, se não dos réditos (o que ninguém pode garantir) ao menos da reditibilidade; a obrigação é na prática de resultado, e não de meio, pois via de regra os pagamentos, contraprestação do fornecimento de informações são estipulados como parcela do faturamento, produção, ou lucros (running royalties). Em segundo lugar (como vimos), não é lícito ao fornecedor prescrever o abandono das informações obtidas, ao término do contrato.
Xxxx Xxxxx 57, de outro lado, distingue o contrato de know how - onde há transferência de um bem imaterial - e a “assistência técnica”, onde há, simplesmente, uma prestação de serviços. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx 58 situa a distinção em outras características: a “assistência técnica” (agora, significando know how) seria uma relação continuada, relação de aprendizado, enquanto os serviços técnicos seriam “tarefas instantâneas, momentâneas”.
Muito embora a noção de continuing flow of technology pressuponha um vínculo mais duradouro entre as partes, o que não haveria, realmente, num contrato para reparação de máquinas, ou numa montagem de equipamentos pesados, a verdade é que não há uma exigência conceptual neste sentido. Um contrato de construção, em regime turnkey, de uma instalação industrial, pode vincular as partes por uma dezena de anos, enquanto um autêntico contrato de know how pode se resumir numa remessa de documentos pelo correio com o pagamento sendo calculado sobre a receita de uns poucos meses.
A distinção, na verdade, em de levar em consideração as condições de transmissão da informação e os objetivos visados. Lógico está que os serviços de “organização de embarque e despacho” e outros que tais não serão jamais tomados por repasse de know how; o contrato que o encerra consiste, como já frisado, em uma obrigação de comunicação. a dificuldade se situa, pois, naqueles outros contratos de comunicação cujo exemplo é a consultoria técnica.
Em primeiro lugar, o know how, tendo, como terá, a natureza similar ao do segredo de empresa, é transmitido sob reserva de sigilo; não assim os serviços técnicos, que, não constituindo parte do aviamento da empresa prestadora, não necessitam da obrigação de sigilo (embora, é claro, nada obriga a empresa receptora a divulgar as informações recebidas). Em segundo, o repasse de know how se destina a reproduzir a organização de produção existente na mesma empresa fornecedora, enquanto que os serviços técnicos, mesmo se resultem em completa reestruturação do aviamento da empresa receptora (como
56 A. Masnatta. apud. Xxxx xxxxxxx. Contratos e obrigações Comerciais. Forense, 1977, p. 601. 57 Apud Xxxx Xxxxxxx, op. cit. p. 602.
58 Regime do Capital Estrangeiro, in Curso de Direito Empresarial. EDUC, 1977, vol III, p. 184.
acontece, por vezes, no caso de consultoria administrativa de organização), não importam na reprodução do sistema de produção existente na empresa prestadora.
Já tratamos de tal distinção ao estudar a natureza do contrato de know how. Por agora, é eficiente frisar que a natureza não associativa (no que, entre outros, o pacto de sigilo representa uma associação) e freqüentemente transitória do contrato de serviços técnicos é menos permeável às práticas abusivas do que o de know how.
Contrato de know how e cooperação tecnológica
Cada vez mais freqüentes, especialmente sob o amparo de leis especiais que sancionam a cooperação entre concorrentes para o desenvolvimento de tecnologias, mesmo em situações em que o Direito Antitruste condenaria a agregação entre empresas, a cooperação para desenvolvimento comum de tecnologias, ou a troca de experiências mútuas não configuram contrato de know how.
Em primeiro lugar, porque a tecnologia é desenvolvida prospectivamente, e não transferida de quem já a tem para quem dela necessita; em segundo lugar, porque não representa uma transferência de uma posição atual ou potencial na concorrência, mas sim um nivelamento comum num padrão concorrencial diverso, provavelmente mais evoluído. Ainda que o sigilo possa ser um requisito importante do vínculo entre as partes, o negócio jurídico não se subsume ao tipo do contrato de know how.
Contrato de know how e pacto incidental de xxxxxx
Inteiramente afins aos contratos de know how são os pactos de sigilo incidentais a contratos de fabricação sob encomenda, e outras avenças similares. Tal ocorre, por exemplo, quando o detentor de uma tecnologia de fabricação comete a um prestador de serviços, dotado de instalações industriais adequadas, a obrigação de fabricar produtos para os fins do encomendante, e sob sua marca.
Assim, para fabricar o que lhe encomenda o titular da marca, o prestador de serviço recebe informações de caráter tecnológico; recebe plantas; recebe moldes; conta com treinamento especial, recebe até mesmo autorização para usar patentes e marcas do encomendante.
Mas – ao contrário do que ocorre no contrato de know how – tais informações e meios são postos à disposição do fabricante para cumprir fins próprios do fornecedor. Assim, distingue-se o pacto incidental de sigilo 59 do nosso objeto de estudos exatamente por uma análise finalística e funcional – o know how importa em transferência dos mesmos meios, mas para os fins do receptor, e não do fornecedor; o receptor não paga, e sim recebe por seus serviços; quem fornece os meios tecnológicos é o tomador, e não o prestador dos serviços; e, conseqüentemente, a obrigação de sigilo é incondicionada e ilimitada, e pode, em qualquer hipótese, vir acompanhada de uma obrigação de cessar o uso da tecnologia transferida ao fim do contrato.
59 A idéia de pactos incidentais de sigilo, como parte do tema geral de pactos incidentais de Propriedade Intelectual, foi objeto de um interessante trabalho de mestrado, "Disposições Contratuais Incidentais Relativas à Propriedade Intelectual no Direito Brasileiro" de Xxxx Xxxxxx Xxxxxx, apresentado à UGF, em 1994.
Este foi sempre, aliás, o entendimento do INPI, não obstante a doutrina de que não existe licença temporária, mas só cessão definitiva de know how. O contrato simplesmente não é de know how.
Conteúdo dos contratos de know how
Clausulas essenciais
A essência 60 dos contratos de know how são três cláusulas:
• a que o fornecedor de tecnologia se compromete a comunicar experiências empresariais ao receptor, para os fins próprios deste, de forma a transmitir os meios necessários e suficientes para transmissão de uma oportunidade empresarial, definida no contrato;
• a que o receptor se compromete a retribuir essa comunicação;
• a que o receptor se compromete a manter a substância econômica do bem, impedindo que as vantagens concorrenciais resultantes do segredo ou escassez relativa das informações comunicadas se tornem de acesso geral.
Quanto à primeira, trata-se da obrigação, cometida ao fornecedor, de comunicar os meios que encerram a oportunidade empresarial visada (para o que propomos a denominação de meios de oportunidade). Aplicam-se a esta obrigação as regras gerais de tradição de coisas móveis, em especial, mas não só, quanto às parcelas físicas da comunicação (plantas, etc)
61.
Esta comunicação não se reduz ao envio de dados e informações; comunicar, neste contexto, importa em transmitir os meios necessários e suficientes para a produção específica visada pelo receptor dos conhecimentos, e designada no contrato; assim, caso necessária ao receptor, é parte integral da essência do contrato a chamada assistência técnica 62, definida como tal o treinamento, a vinda de técnicos, a prestação de serviços pessoais desde que indispensáveis à transferência da oportunidade empresarial 63.
Entendo que há uma obrigação efetiva de transferir as informações de maneira que se adquira efetivamente os meios de usufruir a oportunidade empresarial, o que pode importar em esforços específicos de adequação do supridor aos limites tecnológicos do receptor: daí o treinamento, a adaptação, etc.
60 Xxxxxxx et Xxxxxxx, Traité Théorique et Pratique de la Responsbilité Civile, p.185 “Elemento essencial ou qualidade essencial é a condição para que as coisas cumpram sua finalidade ou os atos jurídicos produzam seus efeitos: é a condição para que satisfaçam todas as exigências, que se mostrem fundamentais para a segurança de sua existência ou para sua perfeição, segundo as prescrições legais. Nesta razão, a falta de tudo o que é essencial retira da coisa ou do ato toda sua vida legal”
61 Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx xx xxx Xxxxxx, Contratos de Licencia y de Transferencia de Tecnología, Heliasta, Buenos Aires, 1994, p. 395.
62 Esta expressão de múltiplos significados (vide nosso A Tributação da propriedade Industrial e do Comércio de Tecnologia) tem aqui a definição restrita enunciada a seguir.
63 Contrária a esse entendimento, Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxx, A Assistência Técnica nos Contratos de know how, Coxxxxx, 0000. A favor, Xxxxxxxxx, El Contrato de licencia de know how, Barcelona, 1989, p. 171 e de las Cuevas, op. cit. ., p. 396.
De outro lado, todo o balanço de interesses entre as partes (e de direitos, por consequência) resulta da clareza da função do negócio jurídico – a comunicação, que é aparente, é apenas um meio para o objeto do contrato, que é a transferência de uma oportunidade empresarial. O que se deve ou não se deve na relação entre as partes só fica claro sabendo que o supridor de know how podia usá-lo para competir no mercado a que se propõe o receptor; o supridor opta por renunciar a essa oportunidade em favor do receptor; e esse retribui a cessão.
Assim, já se disse, a cessão dos meios de oportunidade é limitada pelo desígnio das partes (e pela contraprestação do receptor...). Se o detentor do know how cede o acesso ao mercado X, com os conhecimentos transferidos, não pactuou nem foi remunerado pelo acesso ao mercado Y. Fala-se aí seja do mercado geográfico (por exemplo, América Latina), do mercado temporal (por dois anos), ou do mercado setorial (só para fabricar porcas, e não parafusos).
Principalmente, tem-se que ver que, na racionalidade de direito privado das partes, não é essencial ao contrato a autonomia tecnológica. Não integra – em tese – a obrigação do supridor a garantia de que o receptor passe a voar com suas próprias asas. Certo é que, por razões de interesse público, as autoridades governamentais podem exigir algum empenho das partes em obter essa autonomia, em troca de acesso à moeda estrangeira detida pelo Governo, ou como condição de situação fiscal favorecida; mas essa exigência, que é lícita e louvável, não integra o tipo contratual.
Aliás, está claro na análise corrente do direito antitruste que existem dois mercados a se considerar num processo de licenciamento ou transmissão de tecnologias: o mercado primário dos produtos ou serviços gerados com o know how, e o mercado da tecnologia ele mesmo. Transmitindo-se autonomia, cedem-se dois estamentos de mercado diversos, com reflexo necessário na contraprestação.
Quanto à segunda disposição, já se viu que a contraprestação toma a forma de pagamentos fixos, ou variáveis, inclusive sob forma percentual tendo como base o faturamento, receita ou lucro. Também pode tomar a forma de permuta de ações ou de partes beneficiárias, e inúmeras outras modalidades de pagamento.
Quanto à terceira cláusula, atente-se para as várias acepções em que se emprega a regra do sigilo – a que visa proteger o interesse comum, evitando a divulgação dos conhecimentos transmitidos; a que restringe a transmissão dos conhecimentos a terceiros, ainda sob compromisso de sigilo; a que impede a cessão a terceiros dos valores concorrenciais, privando-se o cedente, por via obrigacional, do direito de continuar a usá-los; a que mantém sigilosos os dados empresariais de qualquer das partes, ainda que não restritos aos valores concorrenciais transmitidos. Cada uma dessas formas poderá ser razoável ou não, em face das circunstâncias, mas só a primeira delas é essencial para a definição da avença como contrato de know how.
A substância da obrigação garantida pelo sigilo é o valor econômico concorrencial sobre o qual versa o contrato; se o receptor vasa o conteúdo das informações, erodindo ou eliminando a escassez de meios que garante a vantagem na concorrência, há um dano injusto ao provedor do know how. A natureza especialíssima do bem jurídico em questão, comum a ambas partes em sua faceta de informação – quem a transmite dela não se desapossa, mas se fragiliza – faz com que essa obrigação de tutela do interesse comum seja cláusula essencial do negócio jurídico, integrante necessário do seu tipo.
Essa obrigação naturalmente cessa uma vez que o material escasso chegue ao acesso comum, sem culpa do receptor.
Disposições acidentais
Quanto às disposições não essenciais ao tipo, mas comuns aos contratos relativos ao know how, também se notam:
• Limitações ao uso dos meios comunicados, restringindo assim o mercado pertinente quanto ao local, tempo ou setor; vide, abaixo, o que se fala de cessação de uso, de não repasse, e de exclusividade.
• Cláusula (optativa) de sanção pelo não cumprimento do dever de sigilo;
• Cláusula (optativa) de exclusividade: ou absoluta, excluindo-se o fornecedor de usar o know how no mercado pertinente; ou relativa, comprometendo-se ele a não fornecer a mais ninguém o mesmo know how no mercado relevante, mas podendo usá-lo ele mesmo.
• Cláusula (optativa) de intransmissibilidade do know how a terceiros. Vide a seção a seguir, dedicada à questão. Há um claro e legítimo interesse do supridor dos meios de que sua vantagem concorrencial não seja diluída, aumentando os competidores que dispõem do mesmo know how; igualmente tem ele interesse (sempre que seja pago em proporção à produção, receita ou lucro do receptor) de garantir que haja maximização dos ganhos do receptor, atribuíveis ao know how; parece assim razoável que se proíba ao receptor retransmitir a terceiros o material comunicado. Um outro interesse aparentemente legítimo seria o de vedar mesmo a cessão do contrato, eis que (diz até uma decisão do STF) haveria um status personalíssimo na eleição do receptor.
• Cláusula (optativa) de cessação do uso do know how, por exemplo, no caso de inadimplemento; já se viu que, no Brasil, o INPI historicamente rejeita essa disposição como limitação temporal ao uso do know how devidamente pago. Vide seção a seguir.
• Cláusula (optativa) de não-concorrência (no que exceda aos limites da eficácia pratica do know how); quanto à validade desta, vide o que se diz no capítulo sobre concorrência.
• Cláusulas de garantia. A primeira das garantias é de que o supridor detém legitimamente os conhecimentos e a oportunidade transferida. Quanto à evicção, por exemplo em face de qualquer terceiro que alegue ser seu o material sigiloso, ou no caso de uma patente que impeça o exercício da oportunidade, entendo que se aplique a integralidade do previsto para a hipótese direito privado, tratando-se de contrato oneroso que importa em transferência da utilização de um bem imaterial, ainda que não titulado 64; assim sendo, não seria esta realmente uma cláusula acessória, ainda que não essencial ao tipo do contrato.
64 Vide de las Cuevas, op. cit. ., p. 422. Num outro tema, o que ocorre, se o receptor obtém de boa fé um material sigiloso, que não tem razão de saber ser de terceiros o que recebi? Boa parte da jurisprudência estrangeira entende que está ele protegido contra as ações de tais terceiros. Vide de las Cuevas, op. cit., p. 404.
• Garantia de que os meios transmitidos são escassos, pelo sigilo, e que em abstrato representam uma oportunidade empresarial. Entendo que, à falta de sigilosidade no momento da celebração da avença, o contrato seja nulo, por falta de objeto 65. Mas haverá também um dever de o supridor manter o sigilo, mesmo que já não mais o interesse, durante a vigência do acordo, assim protegendo a vantagem legítima na concorrência, pela qual pagou o receptor 66. Esta garantia se aplica inclusive quando o fornecedor elimine ou dilua o sigilo através da publicação do conteúdo de uma patente 67.
• Rara será a cláusula de garantia de resultado econômicos; note-se porém que o pagamento calculado sobre a forma de participação na receita, faturamento, lucro ou produção tem em si uma forma análoga à de garantia de resultados, eis que não haverá remuneração ao supridor se não houver desempenho efetivo dos meios de oportunidade empresarial. No entanto, essa garantia pode resultar da clausulação da avença, como, por exemplo, quando o contrato identifique o efeito da tecnologia em questão no mercado.
• Mas a doutrina nota a possibilidade (sempre como opção) de uma garantia técnica de possibilidade de exploração 68, seja quando a tecnologia seja ignorada pelo receptor, seja quando haja uma descrição contratual da técnica, quando se aponte uma relação entre determinados elementos comunicados e certos efeitos. Tal deriva necessariamente do fato de que o adquirente dos meios de oportunidade (sigilosos por definição) ignore o que está adquirindo; e se funda tanto na imposição de que exista o objeto da obrigação, como na regar geral da boa fé. Veja-se que não há, no caso, garantia de que a oportunidade dê frutos no mercado, mas só de que os efeitos técnicos resultantes da comunicação sejam como especificado. Finalmente, vale notar que tal responsabilidade se minora quando o receptor teve ocasião de experimentar os meios de oportunidade antes da contratação. Mesmo assim, pode- se constatar a falta de diligência do receptor para impedir a operação desta garantia.
• Cláusula de não contestação. Freqüente essa disposição nos contratos de licença, pela qual o receptor se compromete a não contestar os direitos do supridor da tecnologia 69; no caso de know how, tem-se tal obrigação como irrazoável 70.
65 De las Cuevas, op. Cit., p. 424.
66 Cessado o sigilo, sem culpa das partes, cessará o pagamento? Poderá isso ocorrer, ou não. O pagamento, ainda que contínuo, pode representar o contravalor, dilatado no tempo, de uma vantagem concorrencial já adquirida e plena ou parcialmente usufruída. Caso haja uma correspondência temporal e fáctica entre pagamento e fruição da oportunidade, se essa cessar, ou for diluída, os valores fixos ou garantidos (mas não os percentuais...) não se aplicam, por perda de objeto do contrato.
67 De las Cuevas, op. cit. . p. 435. Qual será a solução? Expiração da obrigação de pagamento no tocante à parte revelada, sem a menor dúvida. Indenização dos danos concorrenciais pertinentes. Mas haverá uma obrigação de o supridor licenciar o receptor na proporção que lhe garanta uma oportunidade comparável? Ser-lhe-á possível utilizar-se da exceção do usuário anterior (art. 45 da Lei 9.279/96)? Quanto a esta última indagação, entendo pela afirmativa. O receptor do know how, privado de sua vantagem pela publicação do conteúdo da patente, é “pessoa de boa fé que, antes da data de depósito ou de prioridade de pedido de patente, explorava seu objeto no País” e, conseqüentemente, terá assegurado o direito de continuar a exploração, sem ônus, na forma e condição anteriores.
68 De las Cuevas, op. cit. ., p. 436.
69 Como se verá, é uma das disposições que TRIPs reconhece como restritivas.
• Cláusula (optativa) impondo ao supridor a obrigação de comunicar aperfeiçoamentos. Relevante aqui notar a questão do continuing flow of technology a que nos referimos acima: a obrigação normalmente (pode-se pactuar diversamente, e o preço refletirá tal convenção) não se resume à entrega de um pacote informações paradas no tempo, mas a um continuum, um engajamento de certa duração.
• Cláusula cometendo ao receptor o dever de explorar os meios de oportunidade. Tal disposição é particularmente relevante quando a remuneração do supridor resulta da exploração.
• Cláusula (opcional) pelo qual o receptor se obriga a comunicar ao supridor os aperfeiçoamentos que tenha introduzido nos meios de oportunidade. É o chamado Grant-back, ou retrocessão. Tem-se como irrazoável a disposição, quando preveja a retrocesssão desses aperfeiçoamentos de forma flagrantemente desigual em face das condições da comunicação inicial; por exemplo, quando obrigue a um Grant- back gratuito e a comunicação inicial foi remunerada 71.
O know how e seus l imites convencionais
Como visto, o contrato de know how pode assumir várias formas, e ser sujeito a um número de limitações. Sendo, como é, instrumento para transferir os meios de explorar uma oportunidade comercial (ou, como os meios fazem a oportunidade, transferir tal oportunidade), a transferência pode ser limitada em tempo, extensão e espaço. Se, com o know how, é possível disputar o mercado por vinte anos, é concebível limitar a oportunidade transferida aos primeiros cinco ou dez anos; findo o prazo, o locatário do modelo de produção tem que deixar de empregá-lo.
Ainda na mesma linha de cogitação, se a oportunidade comercial, decorrente do know how, abrange a produção de cem unidades, é plausível que as partes do contrato concordem em limitar a produção do receptor a cinqüenta; se o mercado aberto ao detentor do know how é o mundo todo, o detentor pode decidir que o receptor só o explore em uma cidade ou em um país. Enfim, se o objeto econômico do contrato é a oportunidade comercial resultante do know how, é possível picotar, reduzir e diluir a oportunidade de acordo comgambagamba1 a conveniência das partes.
Vista a mesma questão de outro ângulo, os limites do contrato são parte do preço a pagar pelo acesso à oportunidade; além do preço explícito da tecnologia, haveria um preço implícito.
O preço implícito da tecnologia é o que resulta da restrição que o importador sofre no seu potencial de mercado ou na sua capacidade de desenvolvimento. Por exemplo: como condição para comprar tecnologia, o importador compromete-se a não exportar seus produtos; ou, então, o importador obriga-se a manter um diretor técnico indicado pelo exportador da tecnologia, que receberá e armazenará todas as informações transferidas; ao fim do contrato, o diretor vai embora.
70 De las Cuevas, op. cit., p. 431.
71 TRIPs, como se verá, também lista esta cláusula como restritiva.
Cabe explicar a racionalidade desse preço implícito. O contrato de know how não tem por objetivo a transferência de tecnologia nos termos que a conceberia um engenheiro. O que o empresário quer, ao contratar, não é o conhecimento técnico, mas o acesso ao mercado. É lógico que é conveniente para o empresário adquirir o conhecimento de forma a ficar independente; mas o que ele deseja em primeiro lugar é acesso ao mercado.
Qual é a tecnologia existente, por exemplo, num hotel? Aparentemente pouca, ou nenhuma. No entanto, há cadeias de hotéis que pagam, no mundo todo, um royalty de franquia, que é um contrato de know how. Na realidade, não há tecnologia, como a concebe um engenheiro, mas marketing, conhecimentos empresariais, o nome e, basicamente, a padronização dos serviços.
Como tanto já se insistiu, o que se cede num contrato de know how é a clientela. Ora, quem cede sua clientela tem o poder de limitar tal cessão. O exportador de tecnologia cede ao importador a sua parcela (real ou potencial) de mercado brasileiro, mas, em contrapartida, exige que o importador não desfrute da sua clientela africana: este é o preço implícito no contrato. Em outras palavras, o importador paga pela tecnologia, mas não pode exportar porque só “comprou” a clientela brasileira, ou seja, só adquiriu o direito de vender para a clientela brasileira.
Além disto, o contrato usualmente se restringe a facultar ao receptor os meios de produzir com o auxílio do know how, sem permitir que o adquirente se torne vendedor, repassando o uso do modelo de produção copiado a terceiros. Esta proibição se constitui através da cláusula de sigilo, que impede a comunicação a terceiros do que foi passado ao receptor.
De outro lado, as condições da atividade empresarial se alteram, a cada momento, segundo os condicionantes econômicos, financeiros, sociológicos ou tecnológicos: a sociedade se preocupa com a poluição, mudam os gostos, sobem os juros, o mercado primário de ações se retrai. O know how tem de se alterar a cada mutação do mercado ou das condições da empresa. Assim, se o contrato de know how se restringisse à transferência de um modelo sincrônico - uma fotografia de um instante da vida da empresa - a oportunidade transferida poderia se esvair na primeira mutação.
Assim, interessa a ambas as partes (principalmente se a remuneração do detentor ficar vinculada à performance do adquirente) que o canal de informações não se feche e que o modelo copiado reproduza dinamicamente o original. O caráter associativo do contrato fica, então, enfatizado: duas empresas repartem entre si oportunidade comercial, modelo de produção, receita (via royalties) e até mesmo uma parcela da dinâmica empresarial. Dependendo das condições de acesso e da dimensão do mercado próprio do receptor, de sua robustez empresarial e da estratégia da fornecedora do know how, um certo equilíbrio pode ser atingido entre os associados.
No caso, porém, de adquirentes de know how com poder econômico significativamente diverso do fornecedor, a associação habitualmente se caracteriza pela tendência à dominação e ao controle por parte do fornecedor das informações 72. Este fenômeno é
72 Como será visto, estes repasses parciais de know how são por vezes reprimidos pelas leis de abuso do poder econômico. Argumenta-se, porém, que tais restrições estão nos limites dos poderes legais do ofertante: se o receptor não tinha o know how, o que vier a receber só o acresce. O mesmo, dentro de tal linha de raciocínio, não se dirá das restrições
expresso e assegurado pelos instrumentos contratuais que regulam a operação, os quais freqüentemente impðem um custo não -monetário ao receptor na forma de restrições à atividade empresarial, compra de serviços ou produtos da ofertante, participação desta no capital, retrocessão dos desenvolvimentos efetuados pela adquirente, etc.
Assim, via de regra, o contrato de know how celebrado com adquirentes de menor poder econômico - principalmente os do Terceiro Mundo - configura uma rede de restrições ao uso dos conhecimentos adquiridos, à sua posterior comercialização e à atividade empresarial dos adquirentes em geral. O acréscimo de poder de mercado que o receptor ganha com o seu know how é trocado pela perda de autonomia empresarial; a situação poderia ser descrita como a de uma colonização consentida (às vezes, prazerosamente).
Know how e direito da concorrência
Tais considerações quanto aos limites impostos ao uso do know how levam, naturalmente, a pesquisar o abuso do direito na matéria. Vide, quanto ao ponto, o que dissemos no capítulo de patentes quanto ao abuso de direitos, e, mais abaixo, às cláusulas restritivas dos contratos.
Xxxxxx 73 considera que, para serem aceitáveis as restrições, inseridas num contrato de know how:
▪ o objeto do contrato deve ser know how substancial, valioso e secreto;
▪ a restrição deve ser limitada à vida real do know how, isto é, à duração de seu sigilo;
▪ a restrição deve-se limitar aos produtos feitos com base no know how.
De outro lado, a primeira legislação antitruste do Mercado Comum 74 considerava aceitável as restrições “inerentes ao know how” e “dentro do exercício do direito”, computadas como tais as que limitam o território onde tal know how será usado, as que determinam o tempo em que o know how poderá ser usado, e as que determinam o volume ou quantidade máxima de produtos a serem desenvolvidos, com o auxílio do know how, sendo um requisito básico para legitimar a restrição que o conhecimento reservado seja essencial ou eminentemente relevante para os produtos restritos.
Ambas colocações devem ser analisadas com a mais detalhada atenção. O sentido dos requisitos de Xxxxxx é de que não se deve admitir uma restrição à concorrência em seco, ou
que excedem o bem transmitido, como, por exemplo, a imposição de comprar outros produtos ou serviços da ofertante como condição para ceder o know how (Xxxxxxx, 1982:85).
73 The Antitrust Bulletin, 1976, p. 48. Vide, mais recente, Xxx Xxxxx, Antitrust Aspects of Trade Secrets, in Protecting Trade Secrets 1989, Practicing Lawyer Institute, p. 309 e seg., Xxxxxxx e Davis, Trade Secrets and Antitrust Protection, in Patent Antitrust 1989, Practicing Lawyer Institute, p. 401 e seg, Xxxx Xxxxx, The Interface between Antitrust Law and Trade Secret Law, in Patent Antitrust 1989, Practicing Lawyer Institute, p. 447 e seg.
74 Secundum Wise, op. cit. § 7.07(3) 7.43 vol. IV. Para a regulação na Comunidade, vide Guttuso e Papapalardo, La disciplina Comunitaria delle Licenze di Know how, FrancoAngeli, 1991, sabendo-se porém que o texto se refere ao regulamento anterior ao corrente, que é o Reg. (CE) n. 240-96 de 31 de janeiro de 1996. Quanto a este, vide o que dizemos na seção relativa a cláusulas restritivas dos contratos de tecnologia e licenciamento em geral.
como objetivo principal do acordo; condição prévia à admissibilidade das limitações é a existência de um objeto contratual autônomo, do qual as restrições atuariam como elemento subsidiário. Desta maneira, para ser aceitável uma limitação incluída num contrato de know how, é preciso existir conhecimentos e experiências consideráveis, com valor econômico, e que dê ao titular, graças ao segredo, uma vantagem em sua concorrência.
Não validará a restrição um know how insignificante, um jeitinho útil, mas irrelevante, praticamente imperceptível, e de toda maneira não proporcional ao teor da limitação. Não fundamentará uma restrição um conhecimento técnico sem aplicação empresarial, algo que não constitua um “modo prático” na acepção da lei brasileira de patentes de 1923. Por fim, não será razão de restringir o recipiente de um conhecimento transmitido algo que, de ciência comum, não confira ao novo detentor nenhuma vantagem significativa 75.
Em segundo lugar, a restrição, que foi constituída em atenção ao know how, não excederá sua vida útil: accessorium sequitur principale.. Caso o conhecimento se torne irrelevante, perante a evolução da técnica, ou perca o valor econômico e, principalmente, se perder o segredo, recaindo no domínio público e disponibilidade geral, serão inválidas as restrições deste momento em diante.
A terceira condição a que se refere Xxxxxx é da limitação objetiva das restrições, que só podem atingir os produtos que se aproveitam do know how. Se o conhecimento foi empregado para produzir porcas, nenhuma restrição pode ser imposta à fabricação de arruelas ou parafusos, pois quanto a tais produtos, haveria excesso de poder do fornecedor de tecnologia.
A posição do órgão do Mercado Comum em sua primeira regulação não discrepava significativamente do que expõe Xxxxxx. Eram aceitáveis, inicialmente, as restrições “inerentes ao know how”. Tal noção, que era aplicada nas normas do M.C.E. indiferentemente à propriedade industrial e ao know how, parece um tanto paradoxal no que se refere ao último: é inerente ao direito exclusivo resultante de uma patente o poder de impedir o exercício de certas atividades econômicas relacionadas a um invento, modelo de utilidade, modelo ou desenho industrial. Nada semelhante resulta da detenção do know how, a não ser o direito de não comunicar as informações de que se dispõe.
Mas o sentido da disposição se torna cristalino, quando se recorda da natureza concorrencial de ambas as modalidades - propriedade industrial e know how. O direito exclusivo resultante de uma patente impede competidores de exercer a atividade específica para qual se concedeu o monopólio; a posição de fato decorrente do know how confere ao seu detentor vantagem equiparável, mas, está claro, não impede que outros,
75 Note-se que a Res. CE 260/96, que regula as cláusulas restritivas em contratos de know how e de patentes, exige ainda que o know how seja substancial, composto de “informações que devem ser úteis, ou seja, poder razoavelmente esperar-se que, à data da conclusão do acordo, sejam susceptíveis de melhorar a competitividade do licenciado, por exemplo, auxiliando-o a penetrar no novo mercado ou concedendo-lhe uma vantagem concorrencial relativamente a outros fabricantes ou fornecedores de serviços que não têm acesso ao saber-fazer secreto licenciado ou a outro saber-fazer secreto comparável”.
autonomamente, atinjam a mesma posição. As restrições inerentes ao know how são as resultantes desta posição de fato.
Se, por carecer do know how, o recipiente deste não tinha acesso a um mercado, os limites do poder de fato (e de direito, enquanto não violar a lei) adquirido serão as fronteiras lícitas das restrições. quando, por outro lado, o fornecedor não teria atual ou potencialmente acesso ao mesmo mercado (por controle estatal, por falta de dimensão ou exportação) nenhuma restrição é válida, pois, através delas, se estaria excedendo os limites do poder de fato á disposição do fornecedor, devendo-se levar em conta que as restrições são acessórias e não principais.
Em suma, quem tem um poder de fato, sobre um mercado pode cedê-lo no todo ou em parte mas não pode, transferindo-o, ampliá-lo. tal é o princípio das “restrições inerentes” da prática da Comunidade, anterior à Res. 260/96. Coisa diversa, mas de efeito próximo, é a exigência de que se imponha a restrição “dentro do exercício de direito”.. O direito do detentor do know how - já se viu extensamente - é o de explorar, dentro dos usos e praxes do mercado, a oportunidade comercial que lhe propicia o conhecimento dos meios práticos de aplicar uma tecnologia.
Não pode o detentor do know how explorá-lo contrariamente às leis, ou em infração aos usos e praxes do mercado, em prejuízo do competidor. Da mesma forma, não pode exigir do recipiente do know how transmitido comportamento que não lhe seria permitido. Não lhe é facultado, assim impor uma estratégia comercialmente rapinante ou a prática de atos que, sob as leis antitrustes, seria inaceitáveis.
A fórmula européia, tal como a de Barton, exigia que o conhecimento transmitido seja “substancial e valioso”; ao limitar a validade das restrições aos produtos que sejam objeto do know how, se a participação do conhecimento adquirido for relevante ou essencial. E, sem dúvida, há exigência de que o know how seja secreto (caso Borroughs-Delplanque) 76.
É dentro da noção de que o interesse do detentor do segredo em mantê-lo deve ser protegido que a Comissão tem entendido que as disposições neste sentido não são abusivas. Magnin 77, no entanto, observa que:
“Sans doute, la justification de ces clauses restrictives por l’intérêt qu’elles présentent pour celui que les impose a son partenaire paraîtra-t-elle peu satisfaisant pour le juriste qui se demandera pour quelle raison cet intérêt doit être respecté s’il n’est pas selon la formule de Xxxxxxx, “légitimement protégé”.
Magnin, num passo, aliás, em que se aproxima do pensamento de Xxxxxxxxx sobre a questão, sustenta que este interesse é o de conservar a integridade da “vida interior” da empresa. O autor, no entanto, entende, de lege ferenda, que só deveria ser deferida a proteção quando o
76 Como define a Res. CE 260/96: “o facto de o conjunto do saber-fazer, considerado globalmente ou na configuração e montagem específicas dos seus elementos, não ser normalmente conhecido ou de fácil obtenção, de modo que uma parte do seu valor no avanço que a sua comunicação proporciona ao licenciado; não deve ser entendido numa acepção estrita no sentido de cada elemento individual do saber-fazer dever ser totalmente desconhecido ou impossível de obter fora da empresa do licenciante”.
77 Op. cit. p. 366.
objeto do segredo tivesse sido depositado legalmente previamente ao contrato - o que, de certa maneira, reduziria o know how suscetível de proteção ao segredo de fábrica.
Assim, a legislação comunitária considerava 78 não abusivas - dentro do direito próprio ao detentor e inerente ao know how - restrições quanto ao espaço, ao tempo, à natureza e quantidade do produto. Se, com o benefício de seu segredo, o fornecedor de know how adquire vantagens competitivas num espaço que corresponda às regiões X, Y e Z, pode restringir ao recipiente, de forma a que só aproveite as vantagens do conhecimento adquirido em uma parcela da área de seu mercado. No caso de cláusula de exclusividade, porém (e já se baseando nos dispositivos antimonopólio), tal disposição não prosperará.
Se, com o benefício de seu segredo, o detentor de know how conseguiria uma vantagem no mercado por um número de anos, entende a comissão que ele pode ceder esta vantagem por uma parcela deste período - assegurado que, se o segredo, a substancialidade ou o valor da informação desaparecer, ficará sem efeito a disposição. Note-se e observe, em particular, os leitores brasileiros, que com isto a comissão não reprovava as licenças de know how, embora não admitia contratos que importassem em restrições por tempo maior do que duraria a respectiva patente 79.
Frise-se, porém, que o simples fato da prática não ser abusiva, sob o ângulo do direito comum (algo que, aliás, é discutível) não impede que a política econômica de um país em desenvolvimento considere a licença de know how como uma aplicação errônea de recursos escassos, e uma restrição indevida no desenvolvimento econômico e tecnológico da nação: é o que acontece ainda hoje com o Brasil e aconteceu no México antes da ALCA, onde a admissão de licença de know how implicaria aos olhos das autoridades responsáveis pela política de importação de tecnologia um abuso do sistema de patentes.
Em último lugar, os padrões comunitários anteriores à Res. 260/96 implicavam em que, se o detentor de know how, com auxílio de seu conhecimento reservado, obtém uma vantagem competitiva no mercado, que o permita produzir um produto até um nível determinado da demanda, lhe é lícito ceder parte desta vantagem, reservando-se a outra: e o recipiente ficará obrigado a manter sua produção em determinados níveis. Da mesma maneira, se o know how é útil para se produzir uma série de bens, é válido que seu detentor limite o uso que um recipiente possa fazer dele a um destes bens.
Tais parâmetros, que se achariam dentro dos limites inerentes do know how, não exigiam sob o Tratado de Roma sequer registro, na proporção em que sejam ajustados entre duas partes, e não estejam ligados a restrições mais amplas, principalmente à cláusula de exclusividade.
Em suma, o abuso do direito do detentor de know how, no que se refere aos contratos, consiste em exceder, na transferência, os poderes de fato ou de direito de que já dispunha, ampliando o controle sobre o mercado com restrições à atividade do recipiente.
Quanto ao comportamento do detentor de know how, fora do âmbito dos respectivos contratos, não difere em nada dos demais ocupantes de um monopólio ou oligopólio de
78 E continua não considerando abusivas. Veja-se a Res. 260/96. 79 Vide, porém, o regulamento corrente.
fato; o abuso desta situação, como já visto, vai encontrar sua previsão nos dispositivos próprios da lei de concorrência.
Cláusula de cessação de uso
Freqüente também é a restrição que é imposta ao recipiente do know how, para que deixe de fazer uso das informações e dados recebidos após o término do contrato. Tal cláusula de cessação de uso somada à cláusula de indisponibilidade, resulta na estipulação de uma licença (“locação”) de know how.
Examinemos, nesta seção, a compatibilidade de tal disposição com o direito, especialmente com as normas relativas às práticas restritivas.
Um argumento significativo contra a prática em questão é suscitado freqüentemente nos países de tradição jus-romanística: admiti-la seria conceder ao know how efeitos análogos aos que os direitos de propriedade industrial emprestam aos inventos por eles tutelados. Com efeito, se o supridor de um conhecimento pode impor ao recipiente que deixe de fazer uso econômico direto do mesmo após o termo de um contrato, tem em relação a este os mesmos poderes de um titular de privilégio.
O argumento, embora relevante, não pareceria ser suficiente para proscrever a prática. Mesmo se, entre as partes de um contrato de know how, o efeito de tal disposição é criar um simulacro de propriedade sobe os elementos não patenteados, não há a extensão desta “propriedade” a terceiros não vinculados contratualmente. O principal efeito dos direitos exclusivos, é a vedação que impõem a terceiros, de fazer uso direto do conhecimento técnico na produção.
O peso relativo do sistema de proteção ao kow how em face do sistema de patentes foi objeto de análise da Suprema Corte Americana no famoso caso Kewanee Oil Co. v. Byron Corp. 80
Duas reflexões se impõem, no entanto; a primeira, quanto à limitação da concorrência resultante da prática de cessação de uso. É preciso ver em que ocasiões, se alguma existir, em que se justifica a cessação de uso do ponto de vista dos princípios da concorrência.
De início, nenhuma restrição poderia ser perpétua. O limite de tempo estaria, em primeiro lugar, na duração do valor econômico-concorrencial do know how, em
80 A análise leva em conta a divisão constitucional americana entre a competência dos estados e da União, já que cabe exclusivamente a esta a proteção via patentes, de forma que a lei estadual deva se inclinar à federal (pre- emption). Mas na verdade tece reflexões acerca do valor relativo e comparado dos dois tipos de proteçâo: (a) The States are not forbidden to protect the kinds of intellectual property that may make up the subject matter of trade secrets; just as the States may exercise regulatory power over writings, Xxxxxxxxx v. California, 000 X.X. 000 , so may they regulate with respect to discoveries, the only limitation being that regulation in the area of patents and copyrights must not conflict with the operation of federal laws in this area. Pp. 478-479. (b) Abolition of trade secret protection would not result in increased disclosure to the public of discoveries in the area of nonpatentable subject matter, and the public would not be benefited by disclosure of such discoveries. Pp. 482-483. (c) The federal patent policy of encouraging invention is not disturbed by the existence of another form of incentive to invention such as trade secret protection, and in this respect the two systems are not in conflict. P. 484. (d) Nor is the patent policy that matter once in the public domain must remain there incompatible with the existence of trade secret protection. P. 484. [416 U.S. 470, 471] (e) Nor is there any conflict between trade secret law and the patent policy of disclosure whether a trade secret concerning patentable subject matter is in the category of discovery which is (1) clearly unpatentable, (2) doubtfully patentable, or (3) clearly patentable. As to the first category, the patent alternative is not available and trade secret law will encourage invention and prompt the innovator to proceed with the discovery and exploitation of his invention, and to license others to exploit secret processes. As to the second category, the risk and cost of eventual patent invalidity may impel the inventor not to seek patent protection regardless of the existence of trade secret law, and the encouragement by the elimination of trade secret protection of patent applications by some with doubtfully patentable inventions is likely to have a deleterious effect on society and patent policy. As to the third category, trade secret law, which affords weaker protection than the patent laws, presents no reasonable risk of deterrence from patent application. Pp. 484-491. (f) There being no real possibility that trade secret law will conflict with federal patent policy, partial pre-emption as to clearly patentable inventions would not be appropriate and could well unnecessarily burden administration of trade secret law by States. Pp. 491-492.
particular de seu segredo. Depois, haveria um limite razoável, que poderia ser configurado, como já se fez acima, pelo espaço de tempo necessário para criação autônoma da mesma tecnologia pelo recipiente, ou pelo período requerido para assegura a devida vantagem concorrencial ao suprido. O último prazo, tomando-se como parâmetro o disposto na legislação italiana e brasileira para criação de um fundo de comércio próprio, induziria a um termo de cinco anos.
Por fim, haveria o prazo limite, que não deveria ser superado; a soma do termo contratual com as restrições subseqüentes não deveriam ultrapassar o período de duração normal de uma patente correspondente.
Em segundo lugar, não será uso econômico direto, resultando em competição, o emprego das informações no setor de pesquisa do recipiente, ou em centros por ele contratados; no caso, aplicam-se as considerações realizadas abaixo quanto às restrições à pesquisa. Também não é admissível a proibição de documentar e registrar a tecnologia, para uso posterior, e todas outras formas de uso que não resultem em dano concorrencial direto e indireto ao supridor.
Em terceiro lugar, não é admissível estender tais vedações às tecnologias não supridoras; como, por exemplo, as adquiridas de outras fontes, ou a experiência adquirida pelo recipiente no uso da tecnologia transmitida.
Cabe, neste ponto, a nossa segunda reflexão.
Esta perspectiva puramente concorrencial, não é compatível com os interesses do desenvolvimento tecnológico de um país do Terceiro Mundo. Contribui sensivelmente para isto a situação difícil que consiste em não aplicar a tecnologia já aprendidas. Para países com escassez de recursos financeiros e tecnológicos é penoso alugar um fator de produção – a tecnologia – e, ao fim do prazo, devolver ao supridor os dados, informações e mercado.
Esta mesma escassez de recursos nos países do Terceiro Mundo, aliada às limitações do mercado de suas empresas, leva a que pouca criação tecnológica se faça neles. Assim, a vantagem que os direitos de patentes usufruem, sobre os direitos ao sigilo – eliminar os efeitos econômicos da pesquisa autônoma – não existe; subsiste, indefinidamente, o monopólio de fato, onde o monopólio de direitos seria limitado no tempo. Assim, o pacto ou cláusula de cessação de uso contribui decisivamente para perpetuação do monopólio, mesmo quanto o segredo é transmitido. Nestas condições, o efeito da tecnologia não patenteada é muito mais anti-social do que o das patentes.
É certo que o próprio sistema de patentes contribui, de certa forma, para divulgar novas tecnologias. Os relatórios de patentes, para fundamentar as reivindicações, devem descrever os limites externos da invenção. Mas a seleção e combinação da massa de informações tecnológicas à disposição ou em domínio público já é, por si só, um feito que poucas empresas de países em desenvolvimento podem alcançar. Os “meios práticos”, os segredos, os dados implícitos nos relatórios, mas evidentes só para os mais próximos competidores do titular da invenção, nada disto está acessível ao empresário do Terceiro Mundo.
De outro lado, a substituição de importações faz com que o empresário dos países em desenvolvimento, ao invés de criar seu próprio mercado, como o faz o inventor, deva herdar mercados alheiros; e isto é mais flagrante quanto a substituição se faz numa economia incipiente de mercado, numa estrutura social desigual com segmentos voltados ao consumismo e sob o encanto de padrões exógenos. Os níveis de engenharia, mesmo os excessivos para as características do seu mercado, também estão enraizados
na experiência do tecnólogo do país em desenvolvimento, que reluta em aceitar desempenho e confiabilidade em índice inferior ao que está acostumado.
A tais fatores tecnológicos e psicológicos se somam as deficiências proverbiais do Terceiro Mundo em capital, pessoal, capacidade gerencial, para não falar nas questões sociais. O poder econômico das empresas já no mercado é um obstáculo final, e não o menor. É em tal contexto que a cláusula ou pacto de cessação de uso se torna especialmente inaceitável 81.
Assim, sob a lei brasileira, não pareceria em nenhuma circunstância razoável a prática de cessação de um know how transferido, quando subsidiária a um acordo ou situação onde a recipiente deva usar da tecnologia para seus próprios fins econômicos. Não vale, quanto à prática, os parâmetros derivados da perspectiva puramente concorrencial de que falávamos pouco acima.
Há, no entanto, três exceções a esta regra geral. Objeta-se que o recipiente, após obter a utilização econômica da tecnologia para seus fins próprios abandone o conhecimento incorporado ao seu processo produtivo; mas é coisa diversa a situação em que se repassa a tecnologia como um meio para que um subcontratante realize funções dependentes sob o controle do contratante principal ou quando, por empreitada, um cento de pesquisa se disponha a aperfeiçoar ou a desenvolver uma tecnologia. Nestas circunstâncias, é válido que se pactue a cessação de uso, pois a transferência não foi efetuada para os fins próprios da recipiente temporária, e paga por esta; ao contrário, recebe esta a tecnologia como um subcontratante de tecidos recebe os padrões de sua encomenda sem deles adquirir a propriedade 82.
A segunda hipótese onde é lícito pactuar a cessação de uso é nos contratos de teste, onde uma recipiente se propõe a conservar um segredo de empresa transmitido sob condição, para que se verificasse a vantagem da aquisição ou “locação” da tecnologia. Como tal, é um instrumento útil para aumentar a capacidade de opção do recipiente entre várias tecnologias alternativas, ou no caso de tecnologias novas, de provar seu valor econômico.
Há um terceiro caso, habitualmente citado pela doutrina83, em que se justificaria a cessação de uso. O caso é o da resolução do contrato, seja por impossibilidade, seja por inadimplemento, ou da resilição no caso de falência, concordata, ou extinção do recipiente.
Ora, o transpasse de know how se faz como uma obrigação de fazer e, quanto ao suporte físico da informação (papéis, fitas, desenhos), uma operação de dar. Se a resolução do contrato se dá seus efeitos serão “ex tunc”, desfazendo-se todo o ajuste desde o início, e retornando-se ao “status quo ante” – esta é a regra. Mas, como se pode descomunicar uma informação? Vem, a propósito, o ensinamento de Xxxxxxxx:
81 Lembre-se que, para a análise da razoabilidade de uma restrição vedada sob o art. 54 da lei antitruste, o atendimento aos interesses coletivos e sociais é fator relevante.
82 Não se deve, no entanto, aceitar que este mecanismo se transforme numa maneira de subtrair indiretamente a tecnologia das empresas nacionais, que, por exemplo, num sistema de incentivo à industrialização viessem a participar de empreendimentos em associação com os supridores de know how do exterior. Em casos como este, se admitida a cessação de uso seria frustrado o princípio que justificaria os incentivos
83 Xxxxx xx Xxxxx Xxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, O Capital Estrangeiro no Sistema Jurídico Brasileiro. Forense, 1979, pág. 134; Guide de know how dans I’industrie Mecanique. CEE. ONU 1970, pág.Práticas Comerciais Restritivas (UNCTAD) Revista da Propriedade Industrial n 117, item 13a.
“(...) la rétroactivité sera atténuée quand des prestations, déjà exécutées au titre d’un contrat résoluble, son irréversibles. On ne peut anéantir la jouissance déjà acquise, dans le passé, par un locataire, quand son bail est résolu” 84.
Assim, como ocorre sempre que a obrigação é de fazer, e não se pode desfazer (descantar uma ópera, anular o patrocínio de uma causa) o contrato, quanto a esta modalidade de suas obrigações, é extinto “ex nunc”, cabendo perdas e danos para indenizar o dano culposo, ou a ação “in rem verso” para repor a situação no seu equilíbrio jurídico, no caso de inadimplemento involuntário.
Mas, como já se viu, a obrigação de comunicação de know how presume uma certa cessão de clientela, potencial ou real, aquela que deflui da parcela do aviamento em que se construiu o objeto transferido. É esta parte do contrato que se pretende atingir pela extinção; é, remontando uma vez mais a Commons 85, o valor da troca do know how, o seu potencial de réditos que a cessação de uso visa alcançar. E, se não se pode descomunicar, pode-se suprimir a reditibilidade da tecnologia comunicada, por uma vedação do uso.
Desde que prevista para sancionar o inadimplemento total culposo, ou a não execução involuntária, total e irreversível a cessação de uso pode ser admitida, se não for um mecanismo indevido para legitimar a prática abusiva de que se falou acima. Pode ocorrer o mesmo no caso de resilição como resultado de falência ou concordata.
Os contratos bilaterais não são, em princípio, afetados nem pela falência nem pela concordata (art. 43 e 165 da Lei de Falência). De outro lado, não é raro que se pactue a resilição do contrato por ocasião de um ou outro evento, principalmente quanto as obrigações são constituídas “intuitu personae”, e a saúde econômica da empresa é elemento essencial para assegurar a bilateralidade do sinalagma. Mas não é o simples pedido de concordata preventiva ou a solicitação de falência ou qualquer outra coisa, resultar uma situação que torne irrazoável a continuação do acordo.
O perecimento da parte, quando não possa ser transferido o contrato, ocasiona a cessação do vínculo; mas a hipótese, que pressupõe a impossibilidade de sucessão, será melhor tratada abaixo, quando estudarmos as restrições à cessão da posição contratual.
Todas estas ocasiões em que se licita a cessação do vínculo, “a fortiori” se estará aceitando o pacto ou cláusula de não comunicação, pois não seria admissível deixar de usar para salvaguardar o interesse juridicamente protegido de alguém, e, ao mesmo tempo, possibilitar o mesmo uso por terceiros, com lesão ao interesse em questão.
A cessação de uso, fora das três hipóteses que a justificam, tende a ser uma prática inaceitável sob as leis de concorrência.
O Regulamento 260/96 da CE, no entanto, já não mais segue este entendimento:
20) Não são geralmente restritivas da concorrência a obrigação por parte do licenciado de deixar de utilizar a tecnologia licenciada, após o termo de vigência do acordo (ponto 3 do nº 1 do artigo 2º), e a de conceder uma licença ao licenciante relativa aos melhoramentos introduzidos (ponto 4 do nº 1 do artigo 2º). A proibição de uso após termo pode ser considerada como um elemento normal da licença, sem o que o licenciante seria obrigado a transferir indefinidamente o seu saber-fazer ou as suas patentes.
84 La Théorie des Obligations. Dalloz, 1969, pág. 226
85 Xxxx Xxxxxxx, citado no primeiro capítulo deste livro.
Indisponibilidade do know how
As restrições impostas após a satisfação das obrigações principais de um contrato de know how não podem ser analisadas tão facilmente quanto as que são subsidiárias a uma licença. Por um lado, não subsiste um direito exclusivo, como no caso de licença a termo inferior ao do privilégio ou registro, que pudesse justificar a ação do beneficiário da restrição. De outro, não existe um limite pré-fixado para a extinção do valor econômico do know how, como existe para os direitos de patentes.
É esta subsistência do valor econômico do know how repassado que apresenta o maior problema. O supridor, ao vender ou “licenciar” seu know how, não está, via de regra, comprometendo-se a deixar de usá-lo; o valor patrimonial vendido ou “locado” é uma vantagem competitiva, ou o acesso a um mercado, enfim, uma determinada clientela, atual ou potencial. O supridor, conservando os conhecimentos para si, teria a possibilidade de explorar sozinho, ou de entrar e permanecer no mercado com alguma vantagem.
É neste contexto que surge a cláusula de confidencialidade, elemento presente em todo e qualquer contrato de know how. Seu efeito pode ser entendido de duas formas diversas; primeiramente, como uma obrigação consensualmente assumida de não levar o patrimônio do supridor, revelando o segredo por dolo ou culpa, dolo específico de lesar (o que não precisaria de uma estipulação), e negligência, imperícia ou imprudência. Neste sentido, sua legitimidade é indiscutível, embora seja desejável exigir do supridor um compromisso similar, quanto à responsabilidade por culpa.
A obrigação do supridor, aliás, deriva do art. 214 do Código Comercial, e toda a argumentação desenvolvida quanto à venda do estabelecimento é aplicável. Xxxxxx, o que se deseja obter, com o know how não é um conhecimento, mas uma clientela, que seria diluída se o supridor, por descuido ou intento, vulgarizasse o segredo, colocando-o ao dispor de todos os competidos efetivos e potenciais.
Mas é quanto ao segundo efeito que se discute com mais vigor. A cláusula de confidencialidade também veda a cessão do know how a terceiros, a revenda, ou o “sublicenciamento”; é um ônus indisponibilidade, recaindo sobre a operação. Argui-se, com parcela de razão, que enquanto vige a cláusula de sigilo, não existe “propriedade” do know how 86, pois o adquirente não está facultado a vendê-lo.
De outro lado, não há interesse do recipiente de know how, de divulgá-lo e abastardar o valor por qual pagou; mas pode haver o de, assim como o fez o primitivo supridor, aumentar sua lucratividade ou penetrar em mercados novos, por via indireta. Uma empresa brasileira, incapacitada por falta de capital a se instalar em outro país, e a explorar-lhe o mercado estabelece com uma empresa local um contrato de know how pelo qual passa a auferir resultados do exterior, sem investimento: o know how (por que não?) pode ser o comprado anteriormente, adaptado, melhorado, requentado, se se quiser, mas o mesmo.
A ubiqüidade do segredo, que se passa e se conserva, permite tais mágicas. Na verdade, e aí está a falácia do raciocínio que entende que só há “propriedade” ao fim da obrigação de sigilo, não é o segredo que se intenta transferir, mas a posição perante um mercado. Há “propriedade” se o supridor se compromete a não mais competir no mesmo mercado, e a não favorecer competição, fornecendo o segredo a outras empresas
86 Observe-se que o argumento, que não se apega ao conceito jurídico, é desenvolvido segundo raciocínio econômico
– daí as aspas.
que possam disputar o mercado em questão o mesmo know how; e tal propriedade é, evidentemente, frágil e passageira. A exclusividade, no caso, é consensual, imitada às partes, e não se confunde com a exclusividade erga omnes que deriva das patentes, marcas e outros títulos da mesma natureza.
A solução apontada – confidencialidade acoplada à exclusividade – pode esbarrar com algumas objeções. É bem verdade que, se o supridor se obriga a não revelar por xxxx ou culpa o segredo, e dá exclusividade; e se o recipiente, por sua vez, comprometendo-se a prestar sigilo por culpa lato sensu, concorda em não dispor do segredo, há um quid pro quo razoável, atendendo a ambas as partes. Mas há também uma típica divisão de mercado, que legislações mais sensíveis à livre concorrência poderia objetar.
Como toda a restrição à concorrência o pacto de sigilo (pacto de indisponibilidade) deve ser limitado no tempo, na extensão e no objeto. A jurisprudência da C. E. E. chegou a entender que a cláusula era válida por dez anos 87; há sugestões de que a restrição não devesse passar do tempo em que o recipiente, autonomamente, pudesse obter a mesma experiência técnica; o AN 15/75 falava num “prazo razoável a partir de cada uma das últimas informações recebidas” (itens 4.5.1 d. VI e 5.5.2 d. VI).
É de se entender que o prazo de cinco anos deve ser o limite do sigilo; se, como se viu, o pacto é uma restrição à concorrência, o direito brasileiro tende a aceitar tal termo como o limite normal de tais restrições (é o termo de cristalização do fundo de comércio sob a locação comercial, como, aliás, no Código Civil Italiano (art. 2.557). É bem verdade que, no caso dos dispositivos citados, o prazo é o estabelecido para que se crie um personal ou local goodwill, relações pessoais ou hábitos de clientela; mas o princípio geral pode ser ampliado, para se considerar que a vantagem comparativa do qüinqüênio, dado ao supridor, é mais do que suficiente para garantir-lhe os interesses., Nenhuma restrição, está claro, será válida após a revelação do segredo ao público, sem culta do recipiente.
Um princípio relevante, depreendido do caso Henkel-Colgate 88, decidido sob o art. 81 do Tratado de Roma (mas cujas conclusões já não se aplicam), é de que as limitações temporais de um contrato know how (termo contratual mais limitações posteriores) não devem superar em nenhuma hipótese a duração normal de uma patente correspondente.
De outro lado, a confidencialidade deve ser interpretada estritamente quanto à extensão da restrição. Certamente, não devria haver quebra de sigilo, permitindo-se, por exemplo, que empregados divulguem o seu conhecimento para concorrentes. Mas, enquanto não houver transpasse de know how, não há limitação; a utilização em vários estabelecimentos da mesma empresa, uso por centros de pesquisa, internos ou sob contrato; e revelação parcial ou limitada a subcontratantes, nada disso pode ferir o interesse do supridor, a não ser pela maior divulgação, com aumento da possibilidade de violação.
87 O Regulamento 260/96 estabelece que certas restrições de contratos de know how persistem por um prazo de dez anos no máximo (art. 1o) ; mas não estão mais entre tais obrigações a de indisponibilidade. Ao contrário, o art. 2o. dispõe: “1. Não constituem obstáculo à aplicação do artigo 1º, em particular, as cláusulas seguintes que, em geral, não são restritivas da concorrência:1. A obrigação por parte do licenciado de não divulgar o saber-fazer comunicado pelo licenciante; o licenciado pode continuar vinculado a esta obrigação após o termo de vigência do acordo;
2. A obrigação por parte do licenciado de não conceder sublicenças ou de não ceder a licença; 3. A obrigação por parte do licenciado de não explorar o saber-fazer ou as patentes licenciadas após o termo do acordo, na medida em que e enquanto o saber-fazer se mantiver secreto ou as patentes se mantiverem em vigor; (...)”
88 72/41/CEE: Décision de la Commission, du 23 décembre 1971, relative à une procédure au titre de l' article 85 du traité CEE (IV/26917 - Henkel/Colgate) Jornal oficial no. L 014 de 18/01/1972 P. 0014
Pactuada a confidencialidade junto com a cláusula de exclusividade, esta prestada pelo supridor, deve-se entender que não quebrará a obrigação do recipiente o repasse a outra empresa, dentro de sua área de exclusividade. Com efeito, se o recipiente poderia usar o segredo, de forma a explorar todo o mercado, pode dividi-lo com outra empresa sem lesão ao interesse do supridor. Evidentemente, se ainda houver dever de pagar algo pela tecnologia do supridor tal pagamento não poderá ser afetado pelo repasse de que se fala, computando-se a alíquota devida sobre a base de cálculo total, inclusive a referente a nova recipiente.
Em terceiro lugar, a limitação deve ser restrita ao know how recebido do supridor, excluídos os aperfeiçoamentos, adaptações, melhoras ou novas criações do recipiente. Xxxxxxxxxx que o suprido tenha fornecido o mesmo know how para duas empresas diversas; o pacto de indisponibilidade e sigilo não impedirá que cada uma das empresas recipientes se comunique as suas modificações, assim como não fica sujeito à restrição a comunicação destes acréscimos aos competidos do supridor que já disponham do mesmo segredo-base. É preciso, no entanto, resguardar a informação recebida de início, não se permitindo dispor de aperfeiçoamentos que importem em comunicação do segredo-base a quem não o tinha.
Em suma, não é abusiva a exigência de resguardar o segredo da revelação que tire o seu valor econômico por culpa ou dolo; não é abusiva a cláusula de indisponibilidade do segredo, limitada em tempo, extensão e objeto, mormente quando haja, por parte do supridor, o compromisso de exclusividade.
Dentro dos pressupostos acima, a eliminação parcial da concorrência, resultante do acordo, tende a ser razoável do ponto de vista do direito comum. Com efeitos, dentro dos limites citados, a cláusula é limitada no tempo, na extensão e no objeto na proporção necessária para proteger o interesse do supridor; é subsidiária a outro negócio jurídico, cujo fito não é limitar a concorrência; se for mais benéfica do que contrária ao interesse da comunidade, e se não infringir lei ou direito de terceiro, deve ser aceita no seu aspecto concorrencial.
Veja-se, quanto ao ponto específico, o que se argumentou, com aprovação do Supremo Tribunal Federal, no RE-95382 / RJ:
“ Prevê o item 4.2, VII do Anteprojeto elaborado pela UNCTAD (órgão da ONU) do Código de Conduta para transferência de tecnologia que constitui prática comercial restritiva as proibições ou restrições do uso da tecnologia após a expiração normal do acordo.
Como forma de restrição ao livre comércio, está entre aquelas práticas abusivas proibidas pelo Art. 2º., I, g, da Lei nº4.137/62. Com efeito, exigir que receptor da informação não privilegiada deixe de utilizá-la em sua plenitude após o período contratual é dar ao fornecedor a propriedade dos conhecimentos técnico, propriedade que só é concedida ao titular de privilégio, e assim mesmo temporariamente.
Tal restrição, quando se expressa como obrigação perpétua de sigilo, constitui-se em impossibilidade de usar do valor de troca da informação. Como pacto de não concorrência (a receptora de obriga a não transmitir informação) sua validade é condicionada à limitação temporal” .
Perecimento do Valor do “know how”
O know how é pago pelo seu valor concorrencial; uma vez extinto o segredo, tornando o conhecimento acessível a todos os concorrentes efetivos e potenciais, dificilmente se conceberia a razão do dever jurídico de pagar pelo uso de algo que pereceu
economicamente. Como ocorre no caso da licença de direitos exclusivos, o objeto material da obrigação (que não é o conhecimento técnico, mas a vantagem concorrencial ou possibilidade de entrar na atividade econômica em questão) se extingue, contaminando o próprio vínculo.
É certo que a ocorrência da perda de segredo não é um fato comum, mormente quando se sabe que grande parcela do know how está juridicamente em domínio público e que, mesmo quando se trata de revelação de um “segredo de fábrica”, à maneira das fórmulas secretas da Chartreuse ou da Angostura, restariam muitas outras informações técnicas e empresariais que vedam na prática a entada no mercado de todos os concorrentes potenciais.
De outro lado, tratando-se de uma vantagem resultante de uma situação de fato, a obrigação de pagar pode ser extinta pela perda da natureza econômica do “know how”. O fornecimento das informações necessárias para produzir um determinado motor, de grande potência e grande consumo de combustível, perde sua razão de ser, se o mercado passa a consumir motores de baixo consumo.
Quando o pagamento de know how está necessariamente vinculado à produção, venda ou lucro, tais problemas não ocorrem: é o caso comum no sistema brasileiro. Mas, se o pagamento é fixo, não ligado à exploração econômica efetiva das informações técnicas, então se aplica o raciocínio acima desenvolvido, para vedar a cláusula que estipule obrigações gerando pagamentos, após a perda da utilidade econômica do objeto contratual.
Mais uma vez é preciso ter-se em conta que o pagamento, por vezes é devido em data diversa da geração da obrigação. Se a quebra do sigilo se deu em determinada época, com extinção do valor econômico do “know how”, não se tornam indevidos os pagamentos relativos á vantagem obtida em momento anterior, mesmo se devidos posteriormente. Vide, quanto ao ponto, o que se diz no tocante às licenças de patentes.
Assim considerando, serão inaceitáveis as cláusulas que prescrevam a continuação da obrigação de pagamento após a perda do sigilo do “know how”, de forma a retirar-lhe todo valor econômico, ou após o mesmo efeito se tenha dado, por qualquer outra causa.. Evidentemente, se todas as demais competidores efetivos ou potenciais já dispõem da informação em causa, ou se, por outras razões, o know how é irrelevante, o pagamento significaria uma restrição à atividade econômica do recipiente a qual não encontraria justificativa racional.
O mesmo se pode dizer das restrições estipuladas para dura além deste momento em que o objeto material do acordo perece. As restrições à concorrência como já se viu, são aceitáveis dentro da tradição jurídica brasileira, se estão limitadas em tempo, espaço, extensão e objeto, se são acessórias a um negócio jurídico principal, se são necessárias para atender um interesse de qualquer das partes, e se não infringem a lei ou o interesse juridicamente protegido de terceiros. Ora, se o principal parece, segue-lhe o acessório.
Esta condição se reflete tanto na esfera concorrencial quanto, a fortiori, na proteção das economias em desenvolvimento. É importante notar, porém, que o Regulamento 260/96 da CE admite tais pagamentos, se foram livremente pactuados sem um contexto de dominação ou preponderância de poder econômico:
Artigo 2º 1. Não constituem obstáculo à aplicação do artigo 1º, em particular, as cláusulas seguintes que, em geral, não são restritivas da concorrência: 7. A obrigação por parte do licenciado de continuar a pagar as royalties: a) Até ao termo do acordo, cujos montantes, períodos e métodos tenham sido livremente
determinados pelas partes, no caso de o saber-fazer se tornar do domínio público não por acção do licenciante, sem prejuízo do eventual pagamento adicional de uma indemnização caso o saber-fazer se torne do domínio público por acção do licenciado em violação do acordo;
No caso de acordos de know how em condições de desigualdade, como tanto ocorre nos países em desenvolvimento, tais disposições têm de ser analisadas com extrema cautela. Ao contrário do que ocorreria “em geral”, no dizer do Regimento 260/96, neste contexto tais disposições podem facilmente ser restritivas.
Xxxxxxxxxxx e pacotes tecnológicos
Não é raro que, num mesmo instrumento, convivam duas patentes ou dois tipos de “know how”. Quid, se o perecimento atinge alguns dos objetos contratados, restando os demais? A resposta foi dada, em parte em sentença da primeira instância na qual se analisava a negativa de averbação pelo seu pleno valor, de um contrato de licença de duas patentes, das quais, no memento da averbação, só restava uma. Entendeu a sentença que não seria, de princípio, absurdo reduzir os “royalties à metade 89.
Uma mais profunda análise, em outros casos, poderia levar à conclusões diversas, ou, pelo menos, não tão salomônicas (no caso, aliás, mandado de segurança, não se julgou se a solução era certa, mas apenas se não era manifestante antijurídica). Se, para fazer uma máquina, é preciso licenciar três diferentes patentes, absolutamente indispensáveis, não é sempre razoável reduzir-se a um terço os “royalties”, se duas daquelas perecem quando o simples exercício do direito implícito na última bastaria para impossibilitar a fabricação; mutantis mutandi, o mesmo se aplica ao “know how”.
Existem, porém, hipóteses em que a existência de uma patente não basta para justificar qualquer restrição ou pagamento ao licenciado. A política de pesquisa ou de patenteamento pode assegurar o prolongamento indevido dos direitos sobre um invento, pelo privilegiamento de aperfeiçoamentos, adições no que, como já visto, Arracama Zorraquim considera ser um abuso do sistema de patentes. O mesmo pode ocorrer quando um acúmulo de patentes pode assegurar ao titular uma posição de monopólio num setor relevante da economia.
Nestes casos, cabe certamente não só a divisão dos “royalties”, como até mesmo, como nos Estados Unidos já se entendeu, o licenciamento gratuito. O reajustamento do valor, por outro lado, já foi amplamente reconhecido na jurisprudência administrativa do órgão antitruste alemão.
Pode ocorrer o caso de pacotes complexos, contendo direitos e tecnologia de naturezas diversas. A melhor solução neste caso, é o do caso americano St. Regis Paper v. Royal Industries 90: se não é possível distinguir, entende-se que o dever de pagar morre com a patente. O princípio de que a patente deve transferir tecnologia, não sendo uma simples autorização de direitos, leva à mesma solução. De qualquer forma, a aplicação dos princípios gerais até aqui desenvolvidos, contribuirá para iluminar um pouco cada caso individual.
89 Mandado de Segurança movido contra o INPI pela Royal Diamond Dielétricos S.A
90 St. Regis Paper Co. v. Royal Industries, Inc., 552 F.2d 309, 315 (9th Cir.), cert. denied 000 X.X. 000 (1977).
Jurisprudência: know how é intuitu personae?
> Supremo Tribunal Federal
RE-77549 / SP, Primeira Turma , Ministro Xxxxxxx Xxxxxxxx.X. 1974/08/20. Dj Data- 27-09-74 - Ementa: Locação de Serviços Técnicos. Cessão. No Contrato de Prestação de Serviços de Assessoramento Técnico à Industria ("Know How") a locatária não pode argüir a sucessão da firma locadora por outra idônea se com isso se conformou por longo tempo, mantendo com esta as mesmas relações anteriores a substituição.
Licença de patentes
O titular de uma patente, como o dono de um apartamento, tem meios legais de impedir o uso do objeto de seu direito por qualquer pessoa não autorizada: ninguém pode invadir
o imóvel, ou explorar uma tecnologia patenteada, sem dar conta de seus atos segundo o que a lei dispõe. Isto é o mesmo que dizer que os direitos decorrentes de uma patente, como os resultantes da propriedade dos bens materiais, se exercem, indistintamente, contra todas as pessoas: e a ninguém é facultado esbulhar apartamentos ou violar patentes 91.
A licença é precisamente uma autorização, dada por quem tem o direito sobre a patente, para que uma pessoa faça uso do objeto do privilégio. Esta autorização tem um aspecto puramente negativo: o titular da patente promete não empregar os seus poderes legais para proibir a pessoa autorizada do uso do objeto da patente. Tem, porém, uma aspecto positivo, qual seja, o titular dá ao licenciado o direito de explorar o objeto da patente, com todos os poderes, instrumentos e meios que disto decorram.
Enfatizando um ou outro aspecto, os vários sistemas jurídicos vêem a licença como um contrato aproximado ao de locação de bens materiais, ou, se tomado o lado negativo, como uma promessa formal de não processar a pessoa autorizada por violação de privilégio. Neste último sentido, o direito americano e determinados autores jurídicos 92. A corrente que favorece a aproximação entre licença e a locação 93, por sua vez, exige do licenciador o cumprimento de uma série de obrigações, que configuram o contrato como de natureza substantiva: quem loca tem de dar o apartamento em condições de moradia. A Licença sem royalties, acompanhando o mesmo raciocínio, se assemelharia ao comodato.
91 Vide La Licencia Contractual de Patente, de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Aranzadi Editorial, Pamplona, 1997.
92 Xxxxx X.Xxxx, 000 X.X. 0. Vide, por exemplo, X.Xxxxx apud Xxxxxxxx, Xxxx, L'exploitation des Brevets, Lib. Techniques 1976, pág. 61; M. Planiol, apud Magnin, Xxxxxxxx, know how e Proprieté Industrielle, Lib. Techiques, 1974, pág. 271; Xxxxxx Xxxxxxxx, Licença de Uso de Marcas, Tese, F. Direito USP, 1982, pág. 91; Xxxxxxxxxx, Xxxxxxxxx, Contratos de Licencia y de Transferencia de Tecnologia, Buenos Ayres, Ed. Heliosta, 1980, pág. 20.
93 Xxxxxxxx e Burst J., Droit de la Proprieté Industrielle, Dalloz, 1976, pág. 84; Pontes de Miranda, Tratado, Vol. XVI, pág. 351; Gama Cerqueira, Tratado 2a 2a. Ed. 1982, pág. 260; Xxxxxxx, Le Nouveau Regime dos Brevets d'Invention Ed. Xxxxx 1979, pág. 206, pág. 125; Xxxxxxxxx X. O Contrato de Licença... in Anuario da Propriedade Industrial, 1978, pág. 41; Xxxxxxx, Xxxx, Le Droit de la Proprieté Industrielle, L. Xxxxx, 1952; Vo. II. pág. 260; Xxxxxxx, Agustin, Tratado Vol. I, Madrid, 1913, pág. 225; Contrários: Xxxxxxx, Xxxx, Le Droit Français des brevets d'invention, Paris, 1974, pág. 385; Xxxxxxxxx, Xxxxx, Teoria de la Concurrencia y de los biens imateriales Barcelona, Bosch Ed. 1970, pág, 350; a esta última corrente se tradicionalmente se filiava o Direito da Propriedade Industrial no Brasil (vide AN INPI 17/76, 13 e 15).
Com efeito, os parâmetros legais do Direito Brasileiro quanto à relação jurídica de locação se encontram, em geral, presentes no tocante às licenças. Diz o Código Civil de 1916 (art. 565 do Código de 2001):
Art. 1.188 - Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e o gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
Outros autores vão mais além e, não se restringindo ao paralelo com a locação, percebem na licença a natureza complexa que resulta do caráter associativo do licenciamento 94. Ao se comprometer a não disputar um mercado com o seu licenciado (ou a permitir que ele o dispute) o licenciador estabelece uma relação de repartição de benefícios que se aproxima da sociedade; a similitude se acentua quando o contrato prevê a transmissão de conhecimentos técnicos complementares, know how ou assistência técnica.
Na verdade, as diferentes perspectivas enfatizam modos diversos de explorar a patente, em contextos empresariais distintos. Num quadro de concorrência tecnológica perfeita, com os participantes do mercado aptos a extrair toda tecnologia necessária de sua própria experiência, somada aos documentos publicados da patente, a licença pode funcionar como uma simples promessa de não processar o licenciado em juízo por violação de direitos. No caso de o licenciado e o licenciador terem capacitação tecnológica diversa, a licença deve ser substantiva para ser útil. Se licenciado e licenciador repartem, atual ou potencialmente, um mercado, a licença se configura como associação ou como um método de concentração industrial 95.
Desvestida de toda complexidade, porém, a licença pressupõe um direito cujo exercício pode privar o licenciado da exploração da tecnologia, mesmo que dela tivesse inteiro conhecimento, e uma autorização para a exploração, dada por quem tem este direito. A natureza do direito, concedido pelo Estado e oponível contra todos indistintamente, é que caracteriza a licença 96
Modalidades de Licenças de Patentes
Uma licença pode ser simples ou exclusiva; aquela é a autorização de exploração, sem que o licenciador assuma o compromisso de não mais explorar direta ou indiretamente o objeto do privilégio. A licença exclusiva, que implica em renúncia do direito de exploração por parte do licenciador 97, se aproxima economicamente da venda do direito, embora juridicamente o licenciador continue como titular do privilégio.
Existem, igualmente, licenças parciais, que se limitam a autorizar a exploração de parte do direito (e.g.; só a exclusividade de fabricação na máquina, mas não do uso do processo) as quais, no entanto, dão frequentemente oportunidade para práticas de abuso de poder econômico e de repartições de mercado 98.
94 Xxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx et pratique du Droit de la Proprieté Immaterielle, Helbing, & Xxxxxxxxxxx, Bâle, pág. 162; Xxxxxxxx, op. cit. ., pág. 61; X.Xxxxxxxx, Tratado, Vol. 3 pág. 544.
95 Xxxxxxxx, op. cit. . pág. 62; X.Xxxxxxx, Dissertação, pág. 36.
96 A prática de muitos países considera "licença" também certos contratos de know how.
97 Certos autores entendem que a licença exclusiva só implica em renúncia a conceder novas licenças; o licenciador poderia explorar diretamente seu invento. Xxxxxxxx e Burst, pág. 86. Esta definição, porém, será dada pelo contrato.
98 Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx X. Los Derechos del Patentado, in Revista Mericana de la Propriedad Industrial, dez. 1973, pág. 33 e seguintes; D. Xxxxxxx, Diss., pág. 83 e 87.
É necessário lembrar neste ponto, o princípio da independência das patentes: cada Estado emite suas próprias patentes, que têm validade em seu território 99. Não há ainda patente internacional, e nem tem qualquer valor a patente estrangeira. Assim, a licença tem de se referir a cada uma destas patentes nacionais, sem que uma concessão para um país implique em licença parcial. 100
A característica das patentes, de impedirem o uso da tecnologia mesmo por quem dela já disponha, faz da licença um instrumento primordial para a concentração e coordenação industrial. A administração em pool das patentes de um determinado setor econômico, afirmando o poder de mercado dos participantes do pool, é um meio poderoso de cartelização e de exercício do poder econômico 101, e se perfaz através de uma rede de licenças cruzadas (cross licensing). Apreciaremos, mais adiante, a utilização das licenças como meios de exercício abusivo de direitos e de poder econômico.
Conteúdo das licenças e direito comum
Com a inexistência de normas substantivas sobre licença de patentes, aplica-se a elas o direito comum, qual seja, a legislação civil 102 referente à locação de coisas. Embora a natureza supletiva de tais normas, no tocante a coisas móveis, vá importar em prevalência do que for pactuado entre as partes, certamente muito haverá a fruir do padrão básico da legislação civil pertinente.
Por exemplo, a obrigação prevista no Art. 576 do Código Civil de 2002, segundo a qual se a coisa for alienada durante a locação, o adquirente não ficará obrigado a respeitar o contrato, se nele não for consignada a cláusula da sua vigência no caso de alienação, e não constar de registro. Ou a regra do art. 575, segundo a qual se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito.
Lógico que a contrapartida da licença de patentes é o pagamento de royalties, e não a de aluguel, ainda que as duas coisas tenham a mesma natureza jurídica. A noção de royalties, ou regalias, é construída na legislação tributária interna pelo art. 22 da Lei 4.506/64. Segundo a lei, são royalties:
“os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição ou exploração de direitos, tais como: a) direitos de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais; b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais; c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e
99 Convenção de Paris (Revisão de Haia) Art. IV bis
100 Nos processos de integração internacional, por exemplo, no Mercado Comum Europeu, a possibilidade de repartir os direitos de acordo com os países pode ser restrita em benefício da União: No caso brasileiro, vide o Artigo 33 § 2o 2o. do CPI 1971, que previa prova de uso de patente em outro país, no caso de acordos de complementação.
101 Xxxxxxx Xxxx Xxxxx, Contratos de Cartel, Manuscrito, 1984, sobre outro aspecto do uso de patentes no abuso de poder econômico, vide Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, , Patentes de Invenção Nulas e Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Tese, PUC/RJ, 1980.
102 A rigor, seria a locação comercial. No entanto, como nota Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, Contratos Mercantis, Atlas, 1979, 360, a total similitude das normas pertinentes leva à razoabilidade de aplicação da norma residual de direito privado. Com o novo Código Civil de 2002, obviamente tal discussão perde o sentido.
comércio; d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra” 103.
Licença e cessão
Da licença há que se distinguir a cessão de patentes, contrato em que o titular transfere o direito de exclusividade (ou o direito de pedir patente, ou sobre o pedido de patente), como um todo, e não só seu exercício - como no caso da licença 104. Pela licença, o titular do direito exclusivo autoriza o uso e o gozo do objeto de sua patente e sinal distintivo, ou, como o quer parte da doutrina, compromete-se a não exercer o seu poder de proibir o uso. Pela cessão, por sua vez, repassa a titularidade do direito, como ato voluntário inter vivos.
Não são, porém, tão claros quanto seria conveniente os limites entre a licença e a cessão. Na prática comercial e na legislação em vigor, licença e cessão são coisas diversas. Licença é a autorização concedida para a exploração do direito (como no caso de locação de bens físicos), enquanto a cessão é negócio jurídico que afeta o direito em si (como a venda de um apartamento) 105. Vide abaixo a seção específica sobre Cessão de Patentes.
Licença exclusiva: efeitos tributários
Em trabalho publicado na Revista de Direito Mercantil (nova série) nº 37 106, tivemos oportunidade de aflorar a questão, ao tratarmos da conferência de bens intangíveis ao capital social.
Concluímos, então, que, se a cessão e a licença exclusiva podem ser conferidas ao capital, o mesmo não ocorre com a licença não exclusiva; em suma, o ponto de separação mais propriamente entre a licença exclusiva e a não exclusiva, do que entre licença e cessão. Dentro da mesma linha de raciocínio, uma vez que se tenha conferido licença exclusiva e irrevogável, para a inteira duração da patente (seja a licença parcial ou total), temos que haverá aquisição de direitos, muito embora o pagamento seja variável, dependente da receita ou qualquer outra base de cálculo.
Tal solução segue as linhas do direito tributário americano, sendo de outro lado compatível com o direito brasileiro da propriedade industrial, a ser admitido em seus efeitos tributários segundo as normas do art. 109 do CTN. Com efeito, a licença exclusiva averbada no INPI de acordo como CPI tem efeito erga omnes, e, se
103 Os vários acordos internacionais de bitributação, no entanto, têm um entendimento um pouco diverso, caracterizando como royalties figuras que são tratadas aluguel, despesas de assistência técnica ou serviços técnicos especializados. A matriz dos acordos, a Convenção Tipo da OECD, entende, como royalties, as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela concessão do uso de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas (inclusive dos filmes cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de televisão ou radiodifusão), de patentes, marcas de indústria ou de comércio, desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos, bem como pelo uso ou concessão do uso de equipamentos industriais, comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico (art. 12 da Convenção Modelo).
104 Nem sempre é facil tal distinção. Xxxxxxx, pág. 228; Xxxxxxxxx, pág. 42 a 44.
105 Notamos a decisão do Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro no RV 1.855 (Rev.Tributária do CCMRJ no. 3, p. 172) segundo a qual "para efeito de tributação, a cessão de direitos autorais equipara-se à locação de bens móveis, sendo tributada no ISS à alíquota de 5%." Se se tratasse, no caso, efetivamente de um contrato de transmissão de direitos, e não de exercício de direitos, locação não haveria.
106 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, - “Da Conferência de Bens Intangíveis ao Capital das Sociedades Anônimas” (RDM, 19 (37):33-50, 1980).
irrevogável e concedido pelo inteiro prazo do direito, corresponde a uma efetiva aquisição do direito exclusivo correspondente; o argumento de que a falta do cumprimento das obrigações por parte do licenciado poderia levar à eventual rescisão do contrato nada prova, pois ocorreria o mesmo na cessão com pagamento diferido. Vide, abaixo, a seção sobre Cessão de Patentes.
A equivalência se explica pela natureza temporária destas propriedades específicas do direito industrial. As marcas e patentes são objeto de um direito exclusivo, mas limitado no tempo, ainda que, no caso dos signos distintivos, há possibilidade de prorrogar o prazo indefinidamente. Assim, a licença exclusiva perpétua e irrevogável se assimila à cessão, embora seja, teoricamente, um negócio jurídico constituindo direito pessoal e não real.
Licença voluntária no CPI/96
A Lei 9.279/96 dedica à licença voluntária de patentes três artigos de uma concisão inesperada. Ao invés da extensa matéria tratada pela legislação e pelos autores americanos e europeus, a nova lei se resume a traçar um esboço mínimo do negócio jurídico - dos mais importantes para nosso desenvolvimento econômico. A norma deixa de regular importantíssimos aspectos da circulação dos direitos de propriedade industrial: todo o regramento das licenças, dos direitos e obrigações das partes licenciante e licenciada, por exemplo, é deixado ao direito comum.
Com efeito, tudo o que se diz é:
▪ A patente pode ser licenciada.
▪ O pedido, após publicado e requerido o exame, também.
▪ O licenciado, exclusivo ou não, pode ser possuidor.
▪ A averbação no INPI é necessária para produzir efeitos perante terceiros.
▪ A averbação no INPI não é necessária para comprovar a exploração da patente e
Salvo a questão da posse do licenciado não exclusivo, sobre o qual a doutrina divergia, nada contribui a Lei 9.279/96 para resolver os problemas mais relevantes do licenciamento.
Ora, constituindo-se a licença em um dos mais eficazes instrumentos de transferência de tecnologia, cuja importância para o desenvolvimento nacional é determinada até mesmo em texto constitucional, não se pode admitir que o nosso Direito ignore matérias que recebem tratamento minucioso e preciso na legislação dos países desenvolvidos. Em particular, a regulação das práticas restritivas às atividades do licenciado.
Com efeito, deixando de lado a antiga tendência brasileira, de proibir indiscriminadamente disposições que representam, no fim das contas, a expressão da vontade das partes no negócio jurídico, é preciso distinguir as práticas inaceitáveis em qualquer hipótese - as vedadas per se do Direito Antitruste americano - daquelas cuja legitimidade dependa da avaliação em cada caso da razoabilidade das restrições impostas ao licenciado. Como ocorre nos Estados Unidos, na Comunidade Européia, no Japão e em todos países industrializados, este exame é um dever do Poder Público.
O silêncio da Lei 9.279/96 em tais matérias representa, assim, um verdadeiro atentado contra as boas práticas de mercado, que não podem admitir restrições anti-competitivas ou práticas cartelizantes, impedimentos inaceitáveis em nosso caminho para a modernidade.
Note-se de outro lado, o importante dispositivo do art. 63 do CPI/96, segundo o qual o aperfeiçoamento introduzido em patente licenciada pertence a quem o fizer, sendo assegurado à outra parte contratante o direito de preferência para seu licenciamento. Refuta-se assim o abuso do direito de patente, que consiste em apropriar-se o titular dos aperfeiçoamentos introduzidos pelo licenciado; o direito de preferência que assegura a lei é uma concessão equilibrada e razoável ao interesse do licenciante. Noite-se o paralelo do caso em questão com a figura da licença de dependência (vide o capítulo dedicado às patentes).
Restrições em licenças de patentes – expiração do prazo
Não há dúvidas, perante a legislação brasileira, de que o titular de um direito de propriedade industrial não mais pode impedir que um licenciado, após o termo do contrato, faça uso do objeto do privilégio (p. ex. Ap. 61.733, 3ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, 28.6.73).
Pela mesma razão, as licenças não poderão prever restrições após a expiração dos direitos de propriedade industrial correspondentes. Em primeiro lugar, as imposições compreendidas no direito exclusivo perderiam seu fundamento legal.
A limitação dos direitos exclusivos no tempo, principalmente no que se refere aos privilégios de invenção e de modelo de utilidade, é uma das razões de ser do sistema de propriedade industrial, cuja racionalidade prevê a divulgação dos inventos e melhoramentos em troca do monopólio temporário.
O INPI não poderia averbar um contrato de licença cujas cláusulas resultassem na extensão obrigacional dos direitos exclusivos, para além do prazo legal. Xxxx disposições de constituem em abuso do sistema de propriedade industrial, e iriam em contradição à sua função econômica, jurídica, social e técnica, como o entende a Carta de 1988.
Em segundo lugar, as restrições após o perecimento do direito exclusivo, subsistindo como limitações autônomas, não reúnem condições para obter a legitimação sob o direito comum. Caso fossem vínculos subsidiários, restrições necessárias para a proteção de um interesse legítimo do titular, não ofenderiam o princípio geral de liberdade de empresa e de desenvolvimento, se estipuladas dentro dos parâmetros de tempo, lugar e objeto. Não é o que ocorre, pois a legitimação do interesse do titular do privilégio desaparece com o fim do mesmo privilégio.
A norma administrativa brasileira que regia o licenciamento de patentes (AN 15/75, item 2.1.1) exigia, no entanto, que com a autorização de uso de direitos exclusivos o titular fornecesse todos os dados e informações suplementares, necessários para produzir o objeto da patente para o mercado do licenciado.
Entendendo-se que a licença é substantiva, e se propõe a dar ao licenciado não só a permissão, mas também os meios práticos de explorar o objeto patenteado, não se altera a questão com a revogação do AN 15. Assim é que, num mesmo negócio jurídico se teria como objeto o uso de direitos e o uso de informação; aqueles são limitados no tempo, pelo prazo legal. Mas as informações suplementares, se secretas, têm valor econômico que pode exceder ao prazo de privilégio.
Sem dúvida, aplicar-se-á no caso a regra accessorium sequitur principale: as informações, suplementares como são, têm sua proteção dimensionada à duração do privilégio. A questão se resolve, quanto a elas, como um contrato de know how cujo termo coincide com o da patente.
Desta maneira, a extensão dos direitos do titular da patente (e, mutatis mutandi, do de marca) além do prazo legal de proteção, por via de disposição consensual é um abuso do sistema de propriedade industrial; é uma restrição à concorrência inaceitável sob o direito comum; e é um abuso do poder econômico ou um crime contra a economia popular.
Note-se, aliás, que tal limitação só se refere às informações protegidas pelos direitos de propriedade industrial; para o know how desprotegido, ou seja, o que esteja fora das reivindicações, valem precisamente os mesmos parâmetros dos contratos de know how.
Restrições em licenças – pagamentos após a expiração
O perecimento do direito, cujo uso é objeto do contrato, torna inexigível o pagamento de royalties subseqüentes e tira o amparo legal de qualquer restrição à atividade econômica dos concorrentes. Tal pressuposto jurídico seria suficiente para configurar a ilicitude de uma disposição que previsse a continuação das obrigações para além do prazo de validade do direito de propriedade industrial.
Mas, como em especial no caso de patentes, a transitoriedade do direito exclusivo é essencial á finalidade de sua constituição, ter-se-ia, na disposição em análise, um exemplo claro de abuso do privilégio. Não poderia o INPI, mesmo sem disposições expressas do CPI, averbar ou consentir em licenças prevendo a prorrogação da obrigação além do direito, que é seu objeto material.
Deve-se distinguir, no entanto, o pagamento, como extinção de uma obrigação, da geração desta mesma obrigação. Calculado o “royalty” sobre a produção, a venda, ou o lucro, pode ocorrer que o pagamento se dê licitamente após a expiração do privilégio ou registro, se referir-se a fato anterior a tal extinção. Fabricou-se produto protegido por privilégio em vigor, sob licença de seu titular; o uso do privilégio deu-se na fabricação e os royalties são devidos ainda que, após o fato, haja expirado o direito exclusivo. O mesmo ocorre nos sistemas que, contrariamente ao brasileiro, admitirem o pagamento de licenças de know ho” por lump sum.
Valem, desta forma, para a exigência de royalties após a expiração do privilégio ou registro, as mesmas considerações já feitas a propósito das restrições posteriores ao termo do direito exclusivo.
Cessão de patente
Numa redação algo dúbia, o Art. 58 da Lei 9.279/96 diz que o pedido de patente ou a patente, ambos de conteúdo indivisível, poderão ser cedidos, total ou parcialmente.
A indivisibilidade de conteúdo é, na sistemática das leis de patentes, um corolário do princípio da unidade de invenção (vide acima). Assim, é de se entender que a patente ou o pedido não podem ser cedidos em partes funcionais – uma reivindicação de processo para um titular, outra - de produto - para um segundo titular. Mas o conteúdo jurídico pode ser cedido parcialmente em determinadas condições.
Natureza do contrato de cessão de patentes
Tomado como modalidade de contrato de Propriedade Intelectual, a cessão é um acordo entre partes que tem como propósito a mudança do titular dos direitos sobre a patente, marca, programa de computador, etc. O Código da Propriedade Industrial não define o regime jurídico de qualquer das duas figuras, indicando, apenas, quanto à segunda, que ä propriedade do privilégio ou da marca pode ser transferida por ato inter vivos, ou em virtude de sucessão legítima ou testamentária. Assim, a doutrina remete ao art. 1.078 do Código Civil de 1916 a regulação da matéria, ou seja, aplicando-lhe o regime geral das cessões de crédito; subsidiariamente as disposições relativas à compra e venda ou da doação.
Cessão parcial
Cabe ponderar sobre a cessão parcial. Entende-se que, dentro do princípio da unidade inventiva e para os propósitos da exploração efetiva, não se admita a cisão de uma patente em seus direitos elementares (por exemplo: o de fabricar, o de efetuar a primeira venda...). Mas não está claro o estatuto da cessão parcial proposta na Lei 9.279/96, cuja análise se fará abaixo.
Aparenta da redação que a Lei 9.279/96 concebe algum tipo de divisão em partes ideais, vale dizer, uma comunhão de objeto juridicamente indivisível. Quanto ao tema da possibilidade em tese de comunhão de direitos de patente, já se viu acima.
A transmissão pode ser global ou parcial, conforme compreenda ou não a totalidade dos direitos transmissíveis. Tem-se transmissão parcial quando o negócio jurídico estabelece limites quanto à área geográfica, quanto à extensão ou modalidade dos direitos. A dificuldade de distinguir entre cessão e licença se dá exatamente pela possibilidade, admitida tradicionalmente pela doutrina, da cessão parcial, limitada no espaço, no conteúdo dos direitos, ou no tempo. Se o titular de uma patente tem exclusividade nacional, teoricamente poderia ceder tal exclusividade para uma região limitada; e o tem para fabricar um produto e empregar um processo, poderia, em tese, ceder somente o direito ao processo.
Assim, é concebível também uma cessão de patentes para o Brasil, que não se estenda a outros países; ou do direito de utilizar a solução técnica para certos propósitos, ainda que não para outros - desde que não se verifique o abuso de poder econômico, com lesão ao consumidor ou à capacidade de desenvolvimento tecnológico do País.
É certo que a cessão limitada no tempo não parece ser tão possível; salvo nos casos, tradicionais em direito, de propriedade resolúvel, não se distinguirá a dita “cessão parcial” da licença. Mesmo os outros tipos de cessão parcial são desusadas, e não se conhece jurisprudência judicial ou administrativa sobre o tema.
Cessão e outras figuras de direito
Note-se, porém, que, na tradição brasileira do Direito Autoral, sob a influência do Direito Francês, a noção de “cessão” sofre de uma incerteza conceitual notável 107:
“O contrato de cessão de direitos autorais é típico no direito brasileiro (...) em que se opera a substituição subjetiva do titular de tais direitos. (...)
107 Dentro da noção genérica de cessão também estaria a constituição de outros direitos: por exemplo, o usufruto, o penhor, etc, importando em oneração do direito do titular.
Sem atentar para a ambigüidade da palavra ‘cessão’, os legisladores passaram a se valer dela sem nenhum critério científico, empregando-o ora no sentido de mero cumprimento de obrigação de transferir, mesmo temporariamente, direitos autorais, ora no de sua alienação definitiva, total ou parcial. (...)
No Direito Autoral Francês (...) é altamente duvidosa a possibilidade de cessão de direitos autorais sobre qualquer tipo de obra intelectual108”
Assim é que, à falta do hábito - no âmbito autoral brasileiro do uso da expressão “licença” -, a falta de critério científico leva ao emprego da palavra “cessão” para descrever tanto transferências de direitos (e.g., venda) quanto autorizações para o exercício dos direitos (e.g. locação). Claro está, porém, que mesmo fora do campo do software (onde há previsão legal específica) existe campo para a licença autoral.
É o que nota, ainda, o mesmo autor:
“Nos quadrantes da ainda chamada Propriedade Industrial, a concessão é negócio jurídico típico, porquanto expressamente regulado para a outorga de licença de exploração de patentes e para uso de marcas (...)
Em matéria de Direito Autoral, as coisas de passam de maneira praticamente igual, sendo a concessão a modalidade de negociação que transfere ao seu beneficiário a faculdade de utilizar a obra intelectual, publicamente e com fins econômicos, sem que idêntico direito deixe de integrar o patrimônio do concedente” .
Direito exclusivo assimilável aos direitos reais o conteúdo dos privilégios, esxclusivas autorais e sinais distintivos pode ser objeto de usufruto. A aceitação desta possibilidade resultaria em mais uma instância onde a cessão stricto sensu e uma outra figura jurídica teriam suas fronteira imprecisas.
A questão é tanto mais complexa quanto por vezes, e isto acontece com freqüência no exterior, a contraprestação da cessão é efetuada através de pagamentos periódicos, inclusive calculados em forma de percentuais sobre a produção, vendas ou lucro. No direito tributário americano, o problema foi enfrentado, no que toca a licenças exclusivas; quanto às patentes, a fórmula do caso Leisure Dynamics, Inc., v. Comm. 8th. Cin. 1974) é que haverá transferência de propriedade se o cedente não reteve qualquer direito substancial à propriedade. Quanto às marcas, nomes empresariais e franquias, a fórmula, que é a do Regulamento do Imposto sobre a Renda (§ 1.253 (a)): haverá transferência caso o cedente tenha repassado todo “significant power, right or continuing interest with respect to the subjec matter of the franchise, trademark or trade name”.
Quanto às patentes, o RIR americano (§ 1.1235-2 (b)) manda levar em conta antes as circunstâncias do negócio jurídico do que a terminologia empregada. Assim, considera- se que os pagamentos relativos à cessão (ou licença exclusiva) não são dedutíveis, devendo ser ativados: a) quando há reserva de domínio, mas foram transferidos todos os direitos exclusivos, de forma a que o cedente ou licenciado já se tenham privado da faculdade de usar o privilégio; b) quando o cedente tenha reservado para si direitos que não sejam incompatíveis com a passagem do título, por exemplo, direito à rescisão do contrato, em caso de falta de pagamento ou falência.
Já para o caso de cessões parciais de patente, há, no direito americano, tendência de considerarem as respectivas contraprestações como dedutíveis.
108 Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, op. cit., p. 23.
No que se refere às marcas, nomes empresariais e franquias, o Fisco americano considera que não houve transferência de propriedade e, conseqüentemente, os respectivos pagamentos são dedutíveis se o cedente pode: a) impedir o repasse a terceiros; b) denunciar a transferência por ato voluntário puro; c) estabelecer padrões de qualidade; d) restringir a comercialização dos produtos do cessionário; ou e) obter pagamentos calculados sobre produtividade, etc. quando tais contraprestações são um elemento substancial do negócio jurídico.
Cessão de patentes como conferência ao capital
Conforme a doutrina pertinente, os direitos de propriedade industrial são suscetíveis de transmissão pelas outras formas admitidas em direito, inter vivos ou causa mortis. Merecem particular atenção os pagamentos feitos em integralização de capital.
Em trabalho anterior, limitado ao exame da conferência de intangíveis ao capital das sociedades anônimas 109, tivemos ocasião de explicitar os parâmetros que, no nosso entender, devem reger tais pagamentos sob o ângulo do direito societário. Entendíamos, àquela altura, que as patentes e marcas são capitalizáveis, assim como as expressões ou sinais de propaganda, o nome comercial (como denominação mas não como firma) os monopólios legais, o direito autoral e o fundo de comércio como profitable going concern. Não o seriam os direitos não exclusivos de clientela, como o segredo de fábrica ou de empresa, o know how ou o software.
Concluímos, também, que as licenças exclusivas dos respectivos direitos (mas não as não-exclusivas) e o pedido de privilégio ou registro são conferíveis ao capital. Por outro lado, admitíamos como passíveis de serem registrados como capital estrangeiro os direitos de propriedade industrial de titulares estrangeiros, embora ressalvando, com Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, a dificuldade prática de firmar tal posição perante o Banco Central.
Quanto a última questão, é forçoso rever ou, pelo menos, precisar a posição então expressa. Face ao texto da Lei 4.131/62 não será capital estrangeiro senão o bem “introduzido no país sem dispêndio inicial de divisas”; intuitivamente, não foi introduzido no país um direito criado pelo Estado brasileiro segundo suas leis. Não se argumentará que em certos casos, a tecnologia ou o signo distintivo foram efetivamente introduzidos no Brasil: o que se conferir ao capital como investimento direto, no caso, é o direito e não seu objeto imaterial. De doutro lado, acreditamos ser conferível e registrável como capital estrangeiro os direitos às patentes e marcas obtidas pelo titular domiciliado no exterior em seu país ou em outros Estados estrangeiros.
É perfeitamente possível a conversão em capital, porém, dos valores remissíveis ao exterior mediante pagamento de royalties ou outros valores, correspondentes a contratos registrados ou averbados no INPI, e suscetíveis de registro perante o Banco Central. Segundo art. 50 “a”) do Dec. 55.762/65, que regulamentou a Lei 4.131/62 com as modificações da Lei 4.390/64; é facultada:
“a conversão, em investimento do principal de empréstimos registrados ou de quaisquer quantias inclusive juros, remissíveis para o exterior. “
Assim, sendo a importância remissível é conversível em investimento, registrado como capital estrangeiro, desde que aplicado em um setor econômico qualquer, de acordo com
109 Da Conferência de Bens Intangíveis ao Capital das Sociedades Anônimas (RDM, 19 (37):33-50, 1980).
a legislação do capital estrangeiro. O royalty devido por uma empresa nacional pode ser convertido em integralização de seu próprio capital, que será registrado no BACEN em nome do titular do recebimento no exterior.
Licença e cessão – implicações tributárias
A referência do direito americano, que se fez acima, frisa como a questão ora tratada vem merecendo regulamentação detalhada onde esta se apresenta com maior freqüência. No Direito Brasileiro, as normas são menos minuciosas do que as do RIR americano:
Art. 351. A dedução de despesas com aluguéis será admitida (Lei nº 4.506, de 1964, art. 71):
§ 1º Não são dedutíveis (Lei nº 4.506, de 1964, art. 71, parágrafo único): (...)
II - as importâncias pagas a terceiros para adquirir os direitos de uso de um bem ou direito e os pagamentos para extensão ou modificação de contrato, que constituirão aplicação de capital amortizável durante o prazo do contrato.
É bem verdade que a Lei 3.470/58, em seu art. 74, § 2º, após estabelecer o limite máximo de dedutibilidade de royalties e assistência técnica, prescreve que “poderão também ser deduzidas do lucro real, observadas as disposições deste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica”. Assim, se se entendesse pela vigência do dispositivo (coisa a se discutir), as patentes de invenção cedidas e incorporadas ao ativo do cessionário teriam como limite de amortização a mesma percentagem, calculada sobre as vendas, etc., que vigora para os royalties de uma licença correspondente.
Da única vez que o Fisco manifestou-se sobre a questão em Parecer Normativo (PNCST 375/70), não houve menção do limite da Lei 3.470, o qual também não é reproduzido nos Regulamentos do Imposto sobre a Renda desde 1966; é de se presumir, pois, que o próprio arrecadador entenda pela revogação do disposto desde a Lei 4.506/64, que deu normas gerais quanto à amortização de direitos, até agora vigente.
Desta feita, apenas a regra do Art. 351 do RIR está em vigor, estipulando que os pagamentos, assumam estes qualquer forma, destinados a adquirir o direito de propriedade industrial, não são dedutíveis, mas sim ativáveis e, se for o caso, amortizáveis. Assume, desta feita, alguma importância a distinção entre licença e cessão.
Remissibilidade de pagamentos relativos à cessão de patentes – Será possível?
Vedada a remessa de cessão de patentes pelas razões que acabamos de notar, perguntar- se-ía se seria possível fazê-lo num caso em que, deixando o país, a titular das patentes já não tivesse qualquer interesse em manter os títulos, nem em haver capital irremissível.
A Lei 4.131/62 prevê quatro fundamentos diversos de conversibilidade legal em divisas:
a) Como repatriação ou amortização de capital estrangeiro, de risco ou financeiro, registrado no país (Art. 3o. b); e , a contrario senso, Art. 28 Par. 1o.);
b) como pagamento de frutos do capital estrangeiro registrado no país (Art. 3o. b): rendimentos de capitais, juros, lucros dividendos);
c) como pagamento de royalties ou assistência técnica (Art. 3o. b, Art. 10 a 14);
d) "por qualquer outro título que implique em transferência de rendimentos do país" (Art. 3o. b, in fine).
Liminarmente, a patente não corresponde à natureza de capital estrangeiro definida no art. 10. da Lei 4.131/62. Concedida pela União, a patente é um ativo nascido no território nacional. Os ganhos de capital (produtos, e não frutos do ativo em questão) resultantes da cessão não se transformam em royalties para efeitos da legislação de capital estrangeiro 110.
No caso específico mencionado na alínea "d", do último item, o Dec. 55.762/65 em seu Art. 59 prevê remessas para o pagamento de projetos ou serviços técnicos especializados e para a aquisição de desenhos e modelos industriais.
O Art. 61 do mesmo Decreto prevê remessas para o exterior de heranças, prêmios, proventos e direitos autorais, patrimônios de pessoas que transfiram residência para o exterior e "outras remessas que atendam situações semelhantes". Dentro deste parâmetros, autorizam-se remessas a vários títulos, mas, ao contrário do que ocorre com o direito adquirido às remessas por retorno ou frutos de capital estrangeiro, a autorização é discricionária.
Não existe prática vigente, nem previsão regulamentar para remessas, com base no Art. 61 do Dec. 55.762/65, para cessão de direitos de propriedade industrial. A rigor, não seria impossível por tal remessa ao abrigo do Art. 61 (segundo autorização discricionária do BACEN, ou nos termos da auto-restrição normativa que este se propuser), se não se insurgissem contra tal idéia outras objeções de fato e de direito.
Cessão proibida.
Nos casos previstos no art. 75 § 3º das CPI/96, fica vedada a cessão de patentes ou pedidos de patentes de interesse da defesa nacional. Caso haja impacto econômico resultante dessa vedação, a União indenizará.
Da licença de marcas
Licença igualmente, aplicam-se ao contrato de uso de marcas nossas considerações quanto à licença de patentes. Assim, salvo quanto suas peculiaridades específicas, leia- se também para a matéria de licença de marcas a seção acima.
Segundo o art. 139 do CPI/96, o titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços.
Permanece, agora como direito e não dever, à forma que era no CPI/71, a hipótese de o licenciante controlar a qualidade dos produtos e serviços do licenciado. Na redação da lei anterior, tinha-se um claro dispositivo de proteção ao consumidor, aliás assistemático no campo da Propriedade Industrial.
110 Art. 75 da lei 3.470/58 diz o seguinte: "O produto da alienação, a qualquer título, de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação e marcas de indústria e comércio é equiparado, para efeitos de Imposto de Renda, aos ganhos auferidos na exploração dessas propriedades, quando o seu possuidor não as explorar diretamente."
Efeitos da averbação de licença de marcas
O artigo 147 do Código de 1945, Decreto-lei nr. 7.903/45, estabelecia que a averbação era condição de eficácia do contrato. Até o pronunciamento da autoridade administrativa, averbando o contrato, ele era válido, mas não eficaz.
Para a averbação, nada se exigia no texto legal; a prática era examinar o aspecto formal do contrato inclusive da prévia existência de outras licenças conflitantes, e então proceder à averbação. Daí em diante, o contrato adquiria eficácia; entenda-se eficácia absoluta, entre as partes e perante terceiros.
Os pressupostos e o efeito prático da averbação eram de tão pouca monta que Xxxx Xxxxxxxxx chegou a escrever que não via qualquer utilidade na providência, foram evitar o conflito entre várias licenças de objeto igual. No entanto o efeito jurídico era o de constituir a eficácia; uma vez concluída a averbação, o ato jurídico do Estado tornava-se perfeito, e o direito de haver a eficácia entrava plenamente na esfera jurídica das partes.
A averbação prevista no artigo 90 do CPI de 1971 tinha outros pressupostos e outros efeitos do que a exigida sob a lei de 1945.
Em primeiro lugar, a averbação não se destinava a dar eficácia absoluta ao contrato. Pelo CPI 1971, tal eficácia já existia antes da averbação; o que carecia à licença era a eficácia relativa a terceiros, ou oponibilidade. Entre as partes, vale a licença, não para com terceiros.
Em segundo lugar, a doutrina, a prática administrativa regulamentada e até a jurisprudência passaram a exigir que a licença estivesse averbada para ensejar prova de uso. O item 3 do Ato Normativo 67, de 22 de dezembro de 1983, configurava tal entendimento.
Em terceiro lugar, não se averbava a licença de marcas se esta não satisfizesse certos requisitos, que não eram de simples legalidade estrita, à maneira do Código de 45, mas de direito econômico. Dizia o artigo 90 do CPI 1971 que só se averbaria (“depois de julgados conforme”) a licença que contiver a obrigação de o licenciante exercer controle de qualidade; cuja remuneração seja fixada de acordo com a legislação monetária e cambial, e que não imponha quaisquer restrições à comercialização e industrialização, inclusive a exportação.
A Lei 9.279/96 manteve a averbação em seu efeito de oponibilidade contra terceiros, mas eliminou o requisito de que seja feita a averbação para efeitos de prova de uso.
Licenças de marcas associadas a outros objetos contratuais Newton Silveira 111 distingue as seguintes modalidades:
1. Licença de uso de marca para a fabricação de produtos.
2. Licença de uso de marca para a comercialização de produtos.
3. Licença de uso de sinais utilizados na publicidade.
4. Uso dos sinais distintivos no franchise.
111 Xxxxxx Xxxxxxxx, Licença de Uso de Marcas, Tese, F. Direito USP, 1982.
A licença de marca futura
Aceitando-se a premissa de que a licença é uma locação de coisa incorpórea, seguindo, no pertinente, o regime jurídico da locação 112, parece razoável admitir-se a locatio spei, assim como a locatio rei speratae. Não é contra direito que se dê em locação coisa ainda não existente, com os mesmo resultados legais, mutatis mutandi, da emptio spei ou da emptio rei speratae.
Assim, é admissível que se licencie marca ainda não registrada, sequer concebida. Os termos do contrato em análise não devem dar margem à dúvida: o titular licencia, e não promete licenciar, as marcas que no futuro vier a registrar.
Da Cessão de marcas
Pelo art. 134 da Lei 9.279/96, tanto o pedido de registro quanto o próprio registro poderão ser cedidos, desde que o cessionário atenda aos requisitos legais para requerer tal registro. A condição para o negócio jurídico é que a cessão compreenda todos os registros ou pedidos, em nome do cedente, de marcas iguais ou semelhantes, relativas a produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, sob pena de cancelamento dos registros ou arquivamentos dos pedidos não cedidos.
A Lei 9.279/96 mantém assim o princípio da universalidade da cessão constante do Art. 89 da Lei 5.772/71 - segundo o qual, no caso de transferência, todos os registros e pedidos de marcas iguais ou semelhantes relativas à mesma atividade deverão ser repassadas em bloco. O motivo é a impossibilidade de conviver modalidades da mesma marca, concedidas apenas em atenção à unicidade do titular, em condições que se presumem concorrenciais.
Não obstante o Art. 134 seguir o exemplo do Art. 89 da Lei 5.772/71, ambos estão mal e merecem reparo. O princípio de que marcas essencialmente idênticas não podem estar sob o poder de dois pólos diversos da concorrência vale no caso de cessão, sem dúvida, mas também em todos os casos de transferência de titularidade; não se admitiria o conflito de duas marcas idênticas, para o mesmo produto, apenas porque uma foi deixada a um herdeiro e outra a seu irmão.
Na legislação anterior ao CPI/45, havia a vedação da transferência da marca sem o estabelecimento a que estivesse vinculada, numa norma de veracidade da marca. A liberdade de cessão de marca independentemente do estabelecimento é assim tratada pela CUP e TRIPS:
(CUP) Art. 6o quater
(1) Quando, de acordo com a legislação de um país da União , a cessão de uma marca não seja válida sem a transmissão simultânea da empresa ou estabelecimento comercial a que a marca pertence, bastará, para que essa validade seja admitida, que a parte da empresa ou do estabelecimento comercial situada nesse país seja transmitida ao cessionário com o direito exclusivo de fabricar ou vender os produtos assinalados com marca cedida.
112 Como afirma Xxxx Xxxxxxxx em Contrato de Licença in Anuário da Propriedade Industrial, 1978, pág. 45.
(2) Esta disposição não impões aos países da União a obrigação de considerarem válida a transmissão de qualquer marca cujo uso pelo cessionário fosse, de fato, de natureza a induzir o público em erro, particularmente no que se refere à proveniência, à natureza ou às qualidades substanciais dos produtos a que a marca se aplica.
(TRIPs) ART.21 - Os Membros poderão determinar as condições para a concessão de licenças de uso e cessão de marcas, no entendimento de que não serão permitidas licenças compulsórias e que o titular de uma marca registrada terá o direito de ceder a marca, com ou sem a transferência do negócio ao qual a marca pertença.
Alterações e Anotações
A Lei 9.279/96 refere-se apenas à mutação voluntária na titularidade de marcas - a cessão. O que ocorre na sucessão causa mortis? Perece o direito? Exigir-se-á do sucessor a legitimidade ad adquirendum ? O que ocorre na execução forçada, onde inexiste cessão, strictu senso?
Franchising
Noção de franquia
Diz o Houaiss, até que com uma surpreendente precisão em matéria jurídica:
[Franquia] - relação comercial em que uma pessoa física ou jurídica (o franqueador), titular de marca registrada, patente ou registro de propriedade industrial, concede a outra (o franqueado) licença para a utilização (em atividade de comércio, indústria ou serviços) de sua marca, bem como de seu processo de produção, seus produtos e/ou seu sistema de negócios, mediante o pagamento de royalties e o cumprimento de determinadas condições;
Mas o que o dicionário não enfatiza é que o franchising ou franquia é um tipo de negócio jurídico de fundo tecnológico 113, que importa na padronização do aviamento 114 de várias empresas independentes entre si, não necessariamente vinculadas por laços societários diretos ou indiretos. A peculiaridade do franchising está na multiplicação da rede, o que o torna distinto de um contrato de know how somado a uma licença de patentes.
O empresário X conseguiu uma boa fórmula empresarial, principalmente de venda; para expandir seu próprio negócio, sem porte de capital monetário, contrata com outras pessoas a reprodução de sua fórmula, normalmente amparada no uso de signos distintivos (marcas, etc, .) do franqueador contra o pagamento de uma importância habitualmente relacionada com o volume de negócios.
113 A tecnologia, aí, não é necessariamente técnica, no sentido do direito das patentes: não importará na mudança dos estados da natureza. Como veremos, é predominantemente um know how organizacional e comercial.
114 Oscar Barreto Filho, Oscar Barreto Filho , Teoria do Estabelecimento Comercial , 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 169: aviamento é "o resultado de um conjunto de variados fatores pessoais, materiais e imateriais, que conferem a dado estabelecimento in concreto a aptidão de produzir lucros". Vide também X.X Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Freitas Bastos, 1959, vol. V. no. 17. Vivante, Trattato di diritto commerciale, 3o. vol., 3a. ed., no. 840.
Assim, o hotel X, que aperfeiçoou os seus serviços a ponto de padronizar desde o treinamento dos bell boys até a instalação elétrica nos quartos, repassa tal experiência a métodos a terceiros independentes empresários de seu ramo. Esta organização, embora sem aparência na contabilidade, é um ativo essencial da empresa 115.
O que é aviamento?
Vide, quanto à noção, o primeiro capítulo deste livro.
Estruturas confederais de alocações de risco
O franchising se põe como um sistema de multiplicação de uma mesma organização empresarial de produção, vendas ou serviços sob responsabilidade de vários empresários autônomos. É o uso inventivo da licença de signos distintivos (marcas, trade dress), complementada pela padronização administrava, organizacional e, em certos casos, tecnológico, das unidades técnicas de produção de empresas independentes.
Nessas estruturas, os franqueados arcarão com o risco do seu próprio negócio, mas prestarão serviços idênticos ao do titular da experiência adquirida inicialmente, de forma que, para o consumidor, pareça ser a mesma empresa; esta impressão é fortalecida pelo fato de todos os prestadores do mesmo serviço, etc. usarem a mesma marca.
A relação entre concedente e concessionário (franqueador e franqueado) se constrói tão estreitamente que pouco falta para se completar a unidade empresarial: o contrato via de regra inclui obrigação de exclusividade recíproca, da parte do franqueado só vender os produtos, ou prestar os serviços constantes do escopo contratual; da parte do franqueador de só fornecer os produtos ou autorizar o uso da marca para o franqueado, no espaço geográfico avençado, ou, pelo menos, de lhe dar preferência.
Não fosse pela independência de assunção de risco empresarial (de resto algo relativo), a unidade se completaria; e ter-se-ia uma única empresa exercida por várias pessoas naturais ou jurídicas diversas, mesmo sem vínculo societário. Como diz Xxxx Xxxxxxx, constituiu-se numa estrutura empresarial de caráter confederal. 116.
Numa análise de risco, costuma-se apontar as seguintes características da franquia como favoráveis ao franqueado 117:
• Perspectiva de sucesso de um negócio já experimentado
• O planejamento, pesquisas e aperfeiçoamentos ficam sob a responsabilidade do franqueador.
• Já há conhecimento do mercado específico.
115 Fábio Xxxxx Xxxxxx, Curso de Direito Comercial, volume 1, ed. Saraiva 1999.: “Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um sobrevalor. Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado. (...) Claro que a desarticulação de bens essenciais - cuja identificação varia enormemente, de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, e o seu porte - faz desaparecer o estabelecimento e o sobrevalor que gerava. Se o industrial desenvolveu uma tecnologia especial, responsável pelo sucesso do empreendimento, a cessão do know how pode significar a acentuada desvalorização do parque fabril. (...) Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração de sua atividade econômica. A proteção jurídica do estabelecimento empresarial visa à preservação do investimento realizado na organização da empresa."
116 Xxxx Xxxxxxx: “Qu’est-ce que le franchising?” Dunod. 1973, p. 22.
117 Sebrae, em <xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/Xxxx_Xxxx/xxxxxxxxx/xxx_xxxxxxxxxxxx/xx_xx_xx_x.xxx>
• Imagem consolidada no mercado, ou signos visuais e trade dress refinado para conquistar um mercado novo
• Economia de escala em compras de maiores volumes e custos de propaganda e promoções.
• Maiores facilidades de acesso a créditos.
• Retorno mais rápido, do que nos negócios independentes.
• Independência Jurídica (a estrutura confederal)
De outro lado, apontam-se desvantagens específicas do modelo:
• Controle Externo (auditorias) por parte do franqueador.
• Limitação da Autonomia, do mercado e da criatividade do franqueado.
• O contrato é de longa duração
• Há um custo da Aquisição da Franquia (taxas), com riscos de não cumprimento das cláusulas contratuais.
• A escolha de qual seja o franqueador pode ser equivocada.
• O ponto pode pertencer ao franqueador
O ponto de vista do Estado, como promotor de investimento, fica aparente nesta análise do MDIC 118:
As vantagens da franquia para fortalecer a economia decorrem da melhor estruturação da atividade empresarial quando ligada a uma rede cujo negócio já se encontra testado e reconhecido no mercado. Do ponto de vista fiscal, ainda que indiretamente, essa atividade força a uma maior transparência no faturamento das empresas, aumentando a base de cálculo para fins de apuração de impostos.
O pequeno empresário associa-se, assim, a uma rede estruturada e com marca já testada no mercado e recebe serviços de apoio e assistência na condução da operação. Embora, como em qualquer outro negócio, haja risco para o empresário, o fato de existir uma rede reduza as chances de insucesso e as dificuldades que esse pequeno empresário teria se tivesse abrindo um negócio novo, partindo do zero
Conteúdo complexo dos serviços de franchising
Fábio Konder Comparato, escrevendo na década de 70´, enfatizava a multiplicidade de prestações no franchising 119:
Esse elemento de prestação de serviços do franqueador ao franqueado é claramente distinto da simples licença de utilização de marca ou outro sinal distintivo. Ele comporta, na verdade, três aspectos vulgarmente caracterizados pelas expressões engineering, management e marketing. O franqueador, antes de mais nada, pode planejar a própria montagem material do negócio do franqueado (local e instalações). Ademais, ele costuma fornecer também ao franqueado um esquema completo de organização empresarial, desde o organograma de pessoal até a própria contabilidade e a política de estoques, com apoio em sistemas computacionais, como, por exemplo, um sistema integrado de estoques e compras. Acessoriamente, o franqueador porá à disposição do seu co—contratante o acesso ao seu equipamento de processamento de dados e um financiamento para a aquisição ou a reforma de suas instalações. Finalmente, quanto ao marketing, informações e instruções precisas serão dadas para o desenvolvimento das vendas ou da prestação dos serviços do franqueado ao público. O franqueado poderá, assim, usufruir de
118 Em xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx.xxxx. 119 Fábio Konder Comparato, Ensaios e Pareceres, vol. I, pp. 372 e ss.
uma experiência acumulada do franqueador, no mercado em questão, quanto aos sistemas de vendas e serviços (sucesso ou insucesso de promoções especiais, vendas a crédito ou descontos, por exemplo). Gozará, ademais, dos efeitos de uma publicidade largamente montada em torno da marca ou sinais de propaganda, cuja utilização lhe foi concedida.
Sem dúvida se teria, assim, a licença de uso de signos distintivos, e outros serviços. Qual a natureza destes? No PNCST 143/75 (já não mais em vigor), tratando de franchising, o fisco estabeleceu distinção entre a licença de direitos de propriedade industrial e a assistência técnica (leia-se, know how), sendo esta “serviços de consultoria e/ou assessoramento envolvendo conhecimentos especializados de quem os presta em cada campo de ação”. De outro lado, os serviços de publicidade, organização e métodos de venda não seriam “assistência técnica”.
Mas seria o Franchising uma soma de contratos, ou um contrato complexo? Xxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx 120:
"A franquia é um contrato complexo nessa acepção. É inviável nela divisar a conjugação de uma pluralidade de contratos autônomos (senão em acepção que será adiante apontada), que se somam por justaposição. Não se trata da cumulação de contrato de cessão de marca com contrato de transferência de tecnologia e outros contratos, cada um com individualidade própria. Há um plexo de deveres impostos a ambas as partes, onde a transferência de tecnologia é indissociável da cessão do uso de marca e dos demais pactos. Esses deveres não são unilaterais, muito pelo contrário.
Incumbe a ambas as partes a execução de inúmeras obrigações de fazer. Isso torna inviável a dissociação de obrigações de fazer, para fins de identificação de "prestação de serviço". É impossível, aliás, definir quem presta serviço a quem, no âmbito do contrato de franquia, tal como é inviável apontar remuneração correspondente à prática de um dever específico. ... Por decorrência e relativamente ao conjunto de atividades desenvolvidas pelas partes, em cumprimento aos plexos de deveres de fazer e de não fazer, previstos no contrato de franquia, não se caracteriza prestação de serviços. Nem o franqueado presta serviços ao franqueador, nem vice-versa."
Data vênia do eminente autor, há certamente um conteúdo de prestação de serviços no franchising, e os tribunais, como se verá, responsabilizam o franqueador pela falta de fornecimento do aviamento.
Muitas discussões foram suscitadas, no passado, sobre a confusão do franchising de distribuição de produtos (não o de serviços) e a concessão de vendas. Distingue-se o franchising da simples concessão de vendas:
a) porque a base do negócio jurídico de franchising é a cessão de uso dos signos distintivos;
b) porque, no franchising, há sempre uma certa padronização do aviamento;
c) porque o conceito de franchising admite que o franqueador seja também produtor de bens ou serviços, e não simples revendedor.
A franquia (como a concessão) vem acompanhada, habitualmente, de uma forma qualquer de exclusividade mútua: o franqueador só prestará os serviços, fabricará os
120 ISS e as atividades de Franchising, Revista de Direito Tributário, vol. 64, págs. 242/256
produtos ou comercializará os mesmos sob a marca ou nome do franqueador; este, por sua vez, só fornecerá os produtos, permitirá o uso das marcas ou nomes, ou fornecerá as informações ao franqueado, na área e pelo prazo acordado. Como se verá, suscitam-se objeções relevantes a esse tipo de cláusula, à luz do direito comum e da legislação antitruste.
Jurisprudência: distinção de licença de marcas e franquia
> Tribunal de Justiça do DF
5ª TURMA CÍVEL APC - APELAÇÃO CÍVEL, 52.337/99 – EMENTA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – UTILIZAÇÃO DE MARCA COMERCIAL – AUTORIZAÇÃO DA AUTORA – DESNECESSIDADE DE CONTRATO DE FRANQUIA – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA –
INOCORRÊNCIA.(...) 2. Atestado que o representante legal da autora autorizou a utilização da marca comercial da mesma pela ré, não procede o pedido de indenização a esse título, sendo despicienda a existência do contrato de franquia a legitimar o referido uso.3. Recurso improvido. Unânime.
Voto - A Senhora Desembargadora XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXX - Relatora. (...) Sabe-se que a franquia (franchising) tem por fim a exploração de uma marca ou produto com a assistência técnica do franqueador. Em outras palavras, além da concessão da franquia, deve o franqueador prestar também assistência técnica ao franqueado. Pode consistir ela na mera assistência técnica em relação ao bom funcionamento de aparelhos, quando os objetos comercializados forem dessa natureza – marcas especiais de rádios, televisões, refrigeradores – até a colaboração na publicidade para maior venda dos produtos; pode também a assistência ser financeira, mediante o fornecimento de certas garantias, ou a assistência contábil, relativa à adoção de certa espécie de escrituração a ser observada pelo franqueado.
Sabe-se, igualmente, que uma das características da franquia (franchising) é a independência do franqueado, ou seja, sua autonomia como empresário, não ligado, assim, por um vínculo empregatício com o franqueador. Por isso, não é a empresa franqueada (franchisee) uma sucursal do franqueador ( franchissor).
Não se ignora, também, que a franquia tem por escopo, em relação ao franqueador, uma rede de distribuição de produtos ou de serviços em condições pouco onerosas para o franqueador. Desse modo, têm-se que o contrato de franquia compreende uma prestação de serviços e uma distribuição de certos produtos, de acordo com as normas convencionadas. Bom, feitas essas breves considerações, passo à análise da questão de fundo.
Ao que se verifica da cláusula quinta do contrato social da autora-apelante (fls. 43/44), “a gerência e administração da sociedade, bem como o uso da razão social, caberá ao sócio XXXXX XXXXXXX XXXXX, que assinará todos e quaisquer documentos da sociedade, representando-a ativa e passiva, judicial ou extrajudicialmente...”
Pois bem, de posse dos poderes estatutários que lhe foram conferidos pela autora, XXXXX XXXXXXX XXXXX, sócio majoritário da mesma, autorizou à ré, de quem também era sócio, o uso das marcas “Bolinho de Bacalhau-Rio”,
“Churrasquinho de Gato”, “Comeu, Morreu de Felicidade” e “Sorveteria Buffet”, conforme consta da cláusula primeira do contrato social de fl. 14/16.
Assim sendo, observa-se que ao ser fundada a ré, o sócio majoritário da autora, pretendia, apenas, expandir os seus promissores negócios, e se a ela emprestou seus conhecimentos técnicos, fê-lo na qualidade de sócio, ou seja, na qualidade de um dos donos da mesma e não como mero orientador ou assistente técnico. Vê-se, portanto, que não houve nenhuma avença no sentido da autora prestar qualquer assistência ou orientação comercial à ré, e muito menos a intenção de distribuir produtos seus. Daí, confrontando-se esses fatos com as características da franquia, objeto das breves considerações supra, verifica-se, sem menor esforço de raciocínio, que entre as duas empresas contrato de franquia não houve, quer escrito quer verbal. Dessa forma, em nada socorre à apelante a repetitiva alegação de que, com a apelada, de boa-fé, entabulara contrato dessa natureza. (...)
Jurisprudência: distribuição de produtos não é essencial para a franquia
> Tribunal de Justiça do RS
Embargos infringentes 70002655561, Relator: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx: Embargos Infringentes. Pedido de falência. (...) Contrato de franquia empresarial. Falência requerida pelo franqueador. Possibilidade. Não sendo a venda do produto essencial ao contrato de que se trata, se ela ocorre essa relação e puramente comercial, sujeitando-se o comprador a execução individual ou coletiva, neste ultimo caso pela possibilidade de pedido de falência, ate por que a exceção não se presume e a lei n. 8955/94, silenciou totalmente a respeito. Não esta em jogo o contrato de franquia, mas relação decorrente da franquia, que ate poderia não existir, uma relação de compra e venda de mercadoria.
Jurisprudência: devem-se royalties sempre
> Tribunal de Justiça do DF
Segunda Turma Cível, APC - Apelação Cível, Nº. Processo
1998.01.1.020789-7, Apelantes RESTPAR ALIMENTOS LTDA. (1º APTE) E KI- SABOR COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA. (2º APTE) Apelados:OS MESMOS. Relator Des.XXXX XXXXXX - EMENTA - AÇÃO DE COBRANÇA. FORNECIMENTO DE MERCADORIAS. USO DE MARCA. INTERVENÇÃO NO ESTABELECIMENTO. FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS.1 - Se as
mercadorias foram entregues no estabelecimento no período em que o fornecedor, realizando "intervenção", geria o negócio, mas não prestou contas de sua gestão, indevido o pagamento, eis que o fornecimento se fez no interesse desse.2 - Mesmo no período em que o fornecedor estava à frente do negócio, devido, na forma do contrato, o pagamento pela utilização comercial de marca.3 - Contas de período de gestão do fornecedor devem ser exigidas em ação de prestação de contas.4 - Provida em parte a apelação da autora. Não provida a apelação da ré.
VOTO -Conheço de ambos recursos. A primeira apelante, autora da ação, por força de contrato que celebrou com CPA - Indústria e Comércio de Alimentos Ltda, tornou-se cessionária de todos os direitos e obrigações dos contratos de franquia, firmados com terceiros por essa, relativamente à marca Giraffas (fls. 12/22). Na qualidade de cessionária tem, pois, legitimidade ativa para cobrar créditos decorrentes do contrato de franquia que a cedente mantinha com a ré (fls. 23/37). Afirmou a autora que a ré deixou de pagar, além dos royalties de abril/95 a dezembro/97, produtos que adquiriu, conforme notas fiscais que apresentou e
valores relacionados na inicial. Ocorre, no entanto, que, ao intervir no estabelecimento da ré, as mercadorias que forneceu a ela interessava, vez que comercializava com essas mercadorias. Como não prestou contas do período de intervenção, não pode pretender pagamento de mercadorias que forneceu, pouco importado tenha apresentado notas fiscais dessas mercadorias, atestando o recebimento.
Sem relevância, por conseguinte, que a ré, na contestação, não tenha impugnado a alegação de entrega das mercadorias, porquanto, mesmo não se questionando que foram essas entregues, porque houve intervenção da autora no estabelecimento, as mercadorias entraram no interesse dessa que, além do mais, não prestou contas de sua gestão.
Não provou a ré, contudo, que pagou os royalties. E a exceção non adimpleti contractus que fez - alegação de que a autora deixou de lhe prestar assistência técnica e de publicidade - não restou provada, ônus que lhe cabia (CPC, ART. 333, II). Além do mais, tratando-se de contrato de franquia, que envolve marca e uso dessa, royalties são devidos pela utilização comercial da marca - no caso, "girafas", que ocorreu até dezembro de 1997, fato não impugnado na contestação. E mesmo no momento de intervenção da autora na administração da ré, os royalties, de 4% (quatro por cento) sobre o valor bruto do faturamento da ré, devem ser pagos, posto que utilizada a marca na comercialização dos produtos.
Concessão de vendas, Know-How e franchising
A distinção entre as obrigações de repasse de know how e aquelas que resultam das concessões comerciais é difícil, mormente quando a concessão se refere à prestação de serviços.
Está claro que não nos referimos às modalidades de concessão de vendas que se limitam a simples distribuição de produtos, com uso de marca e vínculo de exclusividade. A confusão com o contrato de know how é possível quando, aderindo à distribuição, existe uma modalidade qualquer de reorganização de aviamento da concessionária; e a confusão se torna quase inevitável quando o concessionário é, ele mesmo, produtor de bens ou prestador de serviços.
Pode-se conceber a existência de uma parcela de comerciabilidade em todo o know how, função que é da reditibilidade de um conhecimento técnico. Mas se pode conceber, também, um know how comercial puro, sob a forma de métodos de construir um aviamento, sob o abrigo de segredo de empresa; algo que mesmo Magnin, que dedica seu livro às modalidades industriais do know how, não deixa de reconhecer fazendo suas as considerações de Xxxxxxxxx:
“Les connaissances techniques ne se cantonnent pas aux plans industriel et documentaire. Elles obtiennent une importance de plus en plus grande en matière de gestion des entreprises (...). Des entrepreneurs placés devant des problèmes résolus avant eux souhaiteraient connaître les solutions ainsi dégagées, sans en avoir supportés les mêmes frais et, surtout, les mêmes délais”.
Os elementos de know how comercial estão implícitos naquele segmento classificado por Magnin como “conhecimentos da ordem empírica”. A escolha de determinados fornecedores de matéria-prima, ou adequação de um produto ao mercado, aos gostos de clientela, são parcela essencial da atividade empresarial, objeto da produção. Onde não há produção de bens materiais ou onde a produção independe de aporte especial de
conhecimentos técnicos, o know how transmitido se distancia da “arte de fabricação” (com a conotação que lhe é própria, o ambiente de máquinas, equipamentos, energia em alta tensão e fumaça) para chegar a uma “arte de produção”, mais lata e mais capitalista.
Na modalidade de contrato que se tem denominado de “franchising” as características do know how comercial se mostram mais evidentes:
“L’inventeur d’un produit ou d’un service nouveau, le promoteur d’une idée originale vont tester ce produit ou cette idée dans leur entreprise personnelle. Ils vont mettre au point des méthodes de production, de promotion. Lorsque la mise an point est terminée, et que la commercialisation s’avère être un succès l’inventeur va devenir le promoteur de son système et s’efforce de céder ses connaissances techniques et commerciales, ce que l’on appelle son know how, à des franchisés - ceux ci bénéficieront de l’expérience accumulée 121.
Na franquia existe, normalmente, um repasse de know how organizacional, de conhecimentos técnicos industriais, e de técnicas de promoção, mas necessariamente acoplado ao uso de marcas, expressões de propaganda, nomes comerciais, títulos de estabelecimento ou outros elementos distintivos (uniformes idênticos, pinturas idênticas das fachadas, etc.) 122. Não só existe transferência de aviamento estático, como, através de vínculos diversos (unificação de publicidade, e centralização de reservas, no caso de hotéis e agências de locação de veículos, etc.) uma estratégia empresarial centralizada.
Existe também algum repasse de conhecimentos técnicos nos ajustes de concessão de vendas simples, onde o concessionário se compromete a prestar assistência técnica, reparos, acompanhamento de operação, montagem, treinamento de usuário. Mas, está claro, é algo muito diverso do que acontece nos contratos de “franchising”, ainda quando exista autorização de signos distintos e alguma forma de exclusividade.
O que se tem, na franquia, é o caso limite da cessão de aviamento, uma industrialização da própria “arte de reprodução”, que no contrato de know how é pactuada como uma operação artesanal, casual. As técnicas empresariais e produtivas, elas mesmas, se transformam em bens de troca em larga escala. Os elementos associativos que se notam na maior parte dos contratos de know how e que são responsáveis pelo seu aspecto de permanência, acham-se na espécie enfatizados ao seu limite extremo.
Para todos os efeitos de uma análise do alcance das práticas restritivas em contratos de know how, não se pode deixar de considerar o caso específico dos acordos de “franchising”, pelas óbvias possibilidades de concentração de poder econômico que tais arranjos importam. Mas se pode ensaiar uma distinção entre as obrigações de know how, típicas, e as que resultam das franquias.
Em primeiro lugar, o know how deriva boa parte de seu valor econômico do sigilo das informações que encerra; a franquia, embora ocasionalmente resulte em transferência de dados sigilosos, o mais das vezes se vale dos direitos de propriedade industrial sobre signos distintos (marcas, nomes, títulos, propaganda, trade dress) para assegurar a proteção de seu valor econômico, consistindo as informações transferidas de elementos de domínio e disponibilidade pública.
121 G. Teston apud. R. Fabre, op. cit. p. 208.
122 Xxxxx Xxxxxx comparato: Franquia e concessão de venda..., in Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial. Forense 1978, p. 372 e ss. Xxxx Xxxxxxx. Op. cit., p.. 583. Xxxxxxx Xxxxx. Op. cit., p. 575. Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxx: Direito Tributário Aplicado. Forense, EDUC, SP, 1976, V. II, p. 16. Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx: Contratos Comerciais. Atlas, 1979, p. 514.
Em segundo lugar, como já se expôs, o conteúdo associativo dos contratos de know how é menor; embora podendo importar em comunicação recíproca e contínua de aquisições e experiências tecnológicas, não chega nunca a centralização de opções empresariais e de posicionamentos mercadológicos. Os vínculos são mais de colaboração do que de integração, e nunca uma relação confederativa.
A objeção ao franchising
A franquia tem inúmeros entusiastas e detratores; uma crítica de suas vantagens e perigos, que xxxxx não é objeto deste capítulo, pode ser encontrada em Fábio Konder Comparato, ao qual remetemos o leitor.
A grande objeção ao franchising usado em escala internacional é que ele representa uma forma de remuneração que, se de um lado não dá origem ao efetivo investimento de capital de risco, de outro raramente ou quase nunca representam uma transferência real de tecnologia. A simples diminuição da margem de risco do empresário independente operando no país, através da padronização organizacional, não compensa de forma alguma a sua absoluta dependência de fontes externas e a correlativa esterilidade tecnológica.
Raciocínios como este levaram à uma rejeição inicial do contrato entre nós. Assim é que, na década de 70’, o fisco pronunciou-se pela assimilação do franchising à sua forma básica, a licença de marca 123. No caso específico do franchising para o setor hoteleiro, o INPI chegou a restringir as contratações em geral e a negar averbação aos acordos prevendo quaisquer pagamentos percentuais.124
Outra objeção suscitada é o da possibilidade de infrações às leis da concorrência, tema que se verá mais adiante..
No momento, após a Lei de 1994, essa modalidade contratual parece bem estabelecida no Brasil. Temos o terceiro lugar mundial em número de franquias, superado apenas pelos EUA e Japão.
Definição legal de franchising
O art. 2º, da Lei nº 8.955/94, define o contrato de franquia do modo seguinte:
"Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício".
Assim, existe como essência legal do contrato o uso de marca ou de patente. Entendemos que é errônea essa concepção. Patente dificilmente haverá; e não só marcas constituem a espinha dorsal da franquia. Em muitos casos, sê-lo-á o trade dress 125. A
123 PNCST 143 e 186/77.
124 AN 56/81.
125 Two Pesos, Inc. V. Taco Cabana, Inc., 505 U.S. 763 (1992) "[T]rade dress" is the total image of the business. Xxxx Xxxxxx'x trade dress may include the shape and general appearance of the exterior of the restaurant, the identifying sign, the interior kitchen floor plan, the decor, the menu, the equipment used to serve food, the servers' uniforms, and other features reflecting on the total image of the restaurant. 1 App. 83-84. The
lei igualmente estabelece como dever de transparência, imposto ao franqueador, o de esclarecer a situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado por ele.
O segundo elemento do contrato é o que a lei define como “direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços”. Certamente não é distribuição a noção adequada. Nas hipóteses em que o franqueado é produtor, não há distribuição, mas produção com auxílio dos signos distintivos, e com base nos serviços auxiliares prestados pelo franqueador.
O que existe, quase sempre, é a exclusividade total ou parcial, em termos geográficos. Não de necessariamente de distribuição, mas de exercício da atividade com os signos distintivos, e com apoio nos serviços da franquia. As implicações dessa exclusividade para o direito da concorrência vai ser examinada abaixo.
A lei impõe ao franqueado tornar claro se é ou não garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz. Além disso, o franqueador deve fixar nas condições da franquia se o franqueado pode ou não realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações. Também é necessário ficar explícito se é ou não possível ao franqueado a implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador, após o término da franquia (exclusividade post mortem...).
Jurisprudência: Franchising e cláusula de quarentena
> Tribunal de Justiça do RS
Ementa: apelação cível. Contrato de franquia. "cláusula de quarentena". Viabilidade jurídica. Boa-fé. E perfeitamente viável a previsão de período de "quarentena", imposto ao franqueado, logo após a resolução do negocio jurídico de franquia. No caso concreto, o período previsto e de um ano, com estabelecimento de multa para a hipótese de infração a regra. Apelação desprovida. (Apc n.º 597023191, sexta câmara cível, TJRS, relator: Des. Xxxxxxx Xxxxx xxxx'Xxxxx Xxxxxx, julgado em 18/03/1997)
Jurisprudência: eficácia da cláusula de exclusividade
> Tribunal de Justiça do DF
APELAÇÃO CÍVEL APC5197499 DF, Registro do Acordão Número : 123780, Data de Julgamento : 06/12/1999, Órgão Julgador : 3ª Turma Cível, Relator : XXXXXXXX XX XXXXX, Publicação no DJU: 18/04/2000 Pág. : 38. Ementa - processo civil. Contratos de franquia.(...) . Contratos de franquia. Falta de
Court of Appeals accepted this definition and quoted from Blue Bell Bio-Medical v. Cin-Bad, Inc., 864 F.2d 1253, 1256 (CA5 1989): "The `trade dress' of a product is essentially its total image and overall appearance." See 932 F.2d 1113, 1118 (CA5 1991). It "involves the total image of a product, and may include features such as size, shape, color or color combinations, texture, graphics, or even particular sales techniques." Xxxx X. Harland Co. v. Xxxxxx Checks, Inc., 711 F.2d 966, 980 (CA11 1983). Restatement (Third) of Unfair Competition 16, Comment a (Tent. Draft No. 2, Mar. 23, 1990).
pagamento das taxas e royalties avençados. Inadimplência. Rescisão contratual. Juros de mora. Taxas de 0,5% ao dia. Exorbitância. Decreto nº 22.626/33 (lei de usura). Art. 1.062 do código civil. Aplicação. Perdas e danos. Uso indevido de marca registrada. Cabimento. 1. Incensurável a r. Sentença monocrática que condenou os apelantes ao pagamento das taxas de franquia e dos royalties, que não foram pagos à apelada, em razão dos contratos de franquia existentes entre as partes, tendo, também, condenado os mesmos ao pagamento de todos os valores havidos como penalidades previstas nos ajustes, inclusive os juros de mora. É que os próprios franqueados, ora apelantes, reconhecem ter descumprido a avença, por não efetuar o repasse das mencionadas taxas e dos royalties devidos à franqueadora, tanto é que o inconformismo dos mesmos se restringe às taxas dos juros impostas e à condenação em perdas e danos. 2. Todos os termos constantes dos pactos foram estabelecidos de acordo com a vontade dos interessados, razão pela qual devem os contratantes realizar todas as prestações a que se obrigaram, cabendo, no entanto, ao magistrado coibir manifestos abusos porventura verificados. (...) 5. É pertinente a condenação dos apelantes em perdas e danos, porquanto a apelada estava impedida de contratar novas franquias, em vista da exclusividade garantida contratualmente aos apelantes, os quais, mesmo notificados a respeito do inadimplemento da avença, continuaram a explorar comercialmente a marca da apelada, ao mesmo tempo em que persistiram em não efetuar os repasses das taxas e dos royalties devidos àquela. Em conseqüência, impõe-se a aplicação das regras inscritas nos artigos 159 e 1.059 do código civil, que autorizam a reparação pretendida. Apelação parcialmente provida.
Mais definição do contrato
O terceiro elemento é o de “direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador”. Está aí indicado a transferência da idéia organizativa a que nos referimos inicialmente. Trata-se de know how não industrial. A lei também determina, sempre como um dever de clareza, e sem impor qualquer regra obrigatória num ou noutro sentido, que o franqueador esclareça a situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia.
A lei não define (entre tantas e opulentas omissões) qual o conteúdo das obrigações do franqueador, além dos deveres pré-contratuais de disclosure e de isonomia entre franquados. Mas a doutrina e os tribunais entendem que há um dever substantivo – o de contribuir efetivamente para o aumento do aviamento do franqueado e para a diminuição dos riscos do negócio.
Jurisprudência: Franquia e efetividade de prestação
"Franchising – franquia não formatada – falta de estrutura para manutenção dos negócios – responsabilidade da empresa franqueadora pelos prejuízos disso advindos aos franqueados – reconvenção – as vendas efetivamente realizadas devem ser remuneradas ao franqueador, compensando-se os valores – A franquia exige, para que se desenvolva o negócio a contento, a estrutura básica necessária. Provada a inexistência dessa estrutura, é a franqueadora responsável pelos prejuízos decorrentes. As vendas efetivamente realizadas, porém, devem ser remuneradas à franqueadora." (TJRS – AC 596040527 – 6ª C. Cív. – Rel. Des. Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx – X. 24.09.96)"
A questão confederal
A lei não prescreve mas a prática tem revelado a conveniência de criação de conselhos de franqueados, no que fica ainda mais evidente a vocação confederal das cadeias de franquia. Sem tais estruturas de representação de interesses, e considerando o poder óbvio do franqueador perante sua cadeia, a lei tomou medidas para assegurar transparência das regras do jogo da franquia, e de igualdade entre todos franqueados.
Em uma série de relações empresariais, em que existam cadeias de agentes, seja em teia vertical (por exemplo, fabricantes e distribuidores) seja em rede horizontal (titular da franquia e franqueados) o Direito procura reequilibrar a relação de poder entre os partícipes da cadeia. Tal se dá, por exemplo, na Lei 6.729/79, que regula a concessão de venda de veículos automotivos, e entre os representantes comerciais, através da Lei nº 4.886/65, modificada pela Lei nº 8.420/92 126, normas que – como nas relações de trabalho ou de consumo – tentam proteger a parte tida por hipossuficiente. 127.
É com esse propósito que a Lei 8955/94 regula as relações entre franqueador e franqueado, desde as negociações preliminares, até a conclusão do contrato de franquia. O elemento mais conspícuo da lei é o seu artigo 3o que trata da obrigatoriedade do franqueador em fornecer ao potencial franqueado a Circular de Oferta de Franquia.
Tal circular tem função similar aos editais das licitações públicas, estabelecendo relações transparentes entre franqueador e franqueado, e isonômicas entre esses. O interessado na franquia tem, segundo a lei, que receber a circular pelo menos "10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia, ou ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado... " (art. 4o ).
Pela Lei de Franquia, a circular deverá declarar e responsabilizar-se pelas seguintes informações:
• histórico resumido, forma societária, nome completo e razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, para que o candidato tenha referências suficientes sobre o franqueador;
126 Mas franquia não é representação comercial. Vide TRF da 1a. Região, AMS 2000.01.00.022282-0 /GO; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA, JUIZ I'TALO FIORAVANTI XXXX XXXXXX, QUARTA TURMA, DJ 02 /10 /2001 P.190. EMENTA - TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI 9.317/96, ART. 9º, INCISO XIII.SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES DE MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE-SIMPLES. EMPRESA FRANQUEADA DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS. 1. O art. 9º, inciso XIII, da Lei nº 9.317/96, não se apresenta eivado de inconstitucionalidade, uma vez que não estabelece tratamento desigual para contribuintes que se encontram na mesma situação. Precedentes do eg. Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal Regional Federal. 2. Não há equivalência entre as atividades desenvolvidas pelas empresas franqueadoras de serviços de correios e telégrafos com as empresas de representação comercial. Assim, não se encontrando as empresas franqueadas dos correios arroladas no art. 9º, XIII, da Lei nº 9.317/96, não devem as mesmas serem excluídas do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES. Precedente deste Tribunal Regional Federal. 3. Apelação e remessa oficial improvidas.
000 00.00.00 - Valor Econômico, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx - São Paulo. O contrato entre empresas e seus representantes comerciais não pode estabelecer para as firmas de representação a responsabilidade pelo pagamento de créditos de terceiros ao adquirirem produtos ou serviços da empresa representada. Esta foi a decisão da Décima Terceira Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão dos desembargadores do tribunal reforça uma tendência histórica de priorizar as empresas representantes em sua relação com as representadas, inclusive com a definição de hipossuficientes na relação. Este movimento legal deverá ser ainda mais valorizado com a entrada em vigor do novo Código Civil.
• os balanços e demonstrações financeiras do franqueador relativos aos dois últimos exercícios. Se a franqueadora tiver menos de dois anos de existência, os demonstrativos serão apresentados desde sua constituição;
• relacionar todas as pendências judiciais que envolvam o franqueador, as empresas controladoras e titulares das marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, que possam impedir a realização ou o bom andamento da franquia;
• descrição detalhada da franquia, do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado;
• perfil do franqueado ideal, onde serão detalhadas a experiência, nível de escolaridade e outras características que serão consideradas obrigatórias ou, ao menos, preferenciais, conforme critérios adotados pelo franqueador;
• requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio;
• descrição detalhada do investimento inicial necessário à implantação da franquia, taxas de filiação ou caução, e ainda valor e custos estimados das instalações, equipamentos e estoque inicial;
• informações precisas quanto a taxas periódicas (royalties, aluguéis, seguro etc.) e demais valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador, ou a terceiros por este indicados;
• relação completa de todos os franqueados (nome, endereço e telefone...), subfranqueados e subfranqueadores, bem como os que se desligaram da rede nos últimos 12 (doze) meses;
• modelo do contrato de franquia a ser firmado.
O mesmo requisito de transparência da lei faz com que a Circular e o contrato de franquia sejam elaborados em linguagem clara, acessível e precisa.
Jurisprudência: franquia não é relação de consumo
> Tribunal de Justiça do DF
Quinta Turma Cível, AGI – Agravo de Instrumento 2001 00 2 005083-3, STAR CLEAN LTDA E MARIA AUXILIADORA DA COSTA NETTO ESTRELLA, 5 À SEC DO BRASIL COMERCIAL LTDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO Ementa – EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – CONTRATOS DE FRANQUIA
– PESSOA JURÍDICA. 1 – O foro de eleição há que prevalecer quando os contratos envolvem pessoas jurídicas e inexiste qualquer vício de vontade. 2 – Recurso conhecido e improvido. Unânime.
Voto - Dos elementos constantes dos autos, verifica-se que foram celebrados contratos de franquia e subfranquia, envolvendo as partes. Em todos, foi eleito o foro da cidade de São Paulo, para dirimir quaisquer dúvidas ou controvérsias oriundas dos referidos contratos.
O ponto nodal, tendo em vista os termos da inicial, consiste em saber se os contratos de franquia se assimilam aos contratos de adesão e se o foro de eleição deve prevalecer ou não.
Em primeiro lugar, cabe destacar que os contratos envolvem pessoas jurídicas. Nestas circunstâncias, não se aplicam ao presente caso o Código de Defesa do Consumidor. Em segundo, presume-se que as partes tenham livremente aceitado as cláusulas contratuais. Assim, há que prevalecer o foro de eleição, desde que inexistente qualquer vício de vontade, sequer apontado.
Jurisprudência – sem circular de franquia não há contrato
> Tribunal de Justiça do DF
Primeira Turma Cível, APC - Apelação Cível, Nº. Processo 53089/99, Apelante DISK INFORMAÇÃO DO BRASIL LTDA. Xxxxxxx XXXX XXXXXXX XX XXXXX. EMENTA. DIREITO COMERCIAL. CONTRATO DE FRANQUIA. INVALIDADE DO CONTRATO. ENTREGA DA CIRCULAR DE OFERTA
DE FRANQUIA. É inválido o contrato quando não observado o decêndio para entrega da Circular de Oferta de Franquia ao franqueado. Lei 8.955/94, parágrafo único do art. 4o . Recurso improvido.
VOTO - A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI - Relatora Presentes os pressupostos, conheço da apelação. As partes firmaram pré-contrato mediante recibo de compra de duas franquias da empresa Disk Informações para o Estado de Santa Catarina e Mato Grosso. No dia da assinatura do contrato definitivo, a compradora desiste porque outras dificuldades do negócio lhe foram expostas e, segundo vem alegar em Juízo, não lhe foi apresentada a documentação exigida pela Lei das Franquias.
Esta segunda alegação em nada favorece à apelada, pois, se não estava devidamente informada, seja porque não pôde, seja porque não recebeu a documentação exigida, não deveria ter emitido sua vontade de conclusão do negócio e nem efetuado o pagamento integral à vista. A emissão de vontade livre, naquela situação, lhe impõe os ônus da contratação nas condições que conhecia ao tempo da vontade expressada.
Mas a apelante, conforme se verifica na documentação dos autos, realmente não entregou a documentação que a lei lhe exige para alienar a franquia criada.
Dispõe o parágrafo único do art. 4o da Lei 8.955/94 sobre a invalidade do contrato quando a Circular de Oferta de Franquia não foi entregue ao franqueado no mínimo dez dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia.
Diante da clareza da norma e dos fatos demonstrados nos autos, outro fundamento não há para modificar a solução dada pela r. sentença apelada.
Conhecida e improvida. Unânime.
Jurisprudência – não há franquia quando o franqueador paga ao franqueado
> Tribunal de Justiça do RS,
2ª Câmara Cível, Reexame Necessário n. 599146693,Relatora Desembargadora Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx.
“Com efeito, o agente ‘é mero intermediário, realizando negócios sem vínculo de subordinação hierárquica para a empresa tendo a sua remuneração baseada nas negociações feitas’. (Xxxx Xxxxxxx, in “Contratos e Obrigações Mercantis”, Ed. Forense, 1993, 3ª Edição, p. 357).
Também não se cogita de contrato de franquia, nem de subconcessão de serviço público, já que nestes a remuneração advém da exploração do negócio, enquanto, aqui, a impetrante é paga pela ECT, e não pelos usuários do serviço postal. O contrato em apreço é, na verdade, contrato de prestação de serviços cuja atividades envolve a execução de atividades veiculadas a um serviço público de caráter econômico. A impetrante é, portanto, mero instrumento da ECT na execução material de parte do serviço público que lhe foi outorgado pela lei e que faz parte do fenômeno que tem sido chamado de privatização ou terceirização dos serviços públicos
As modalidades de franchising
A Lei da Franquia não estabelece o conteúdo dos contratos, que ficam livres à criatividade do mercado.
E é o mercado que tem distinguido – quanto à natureza das prestações do franqueado - o franchising de distribuição (quando o franqueador produz ou adquire produtos de terceiros e os distribui para a rede) do franchising de produção (quando é o franqueado produz as mercadorias); o franchising de serviços (quando o franqueado oferece ao mercado a prestação de particulares serviços criados, experimentados e realizados de forma idêntica pelo franqueador) do franchising industrial (quando o franqueado, além de usar a marca, toma do franqueador também a fórmula para fabricação do produto).
Quanto ao conteúdo da concessão que faz o franqueador, se distinguem o franchising não exclusivo – o franqueado recebe marca e produto sem exclusividade de território; o exclusivo, sendo que em certos casos ele poderá reparti-lo em frações menores – subfranquias em face do franqueado-mestre -, num encadeamento sucessivo que parece com a concessão mercantil; o franchising de conversão, no qual o empresário já operante no setor adota a franquia); e o que se reputa ser a franquia em estado puro ( denominada BFF), quando o franqueado recebe treinamento, promoções, mercado, às vezes serviços de apoio como reservas de hóspedes, propaganda centralizada, etc, e até fornecimento de equipamentos.
Ilustrando a multiplicidade de formas que o mercado inventa, ainda se notam franquias mistas, onde o contrato prevê ao mesmo tempo serviços e produtos ou industria e produtos; a chamada franquia corner, no interior de um shopping ou de locais com grande volume de movimento; a franquia associativa, na qual o franqueador tem uma participação no capital do franqueado e vice-versa; a franquia multimarcas, quando a cadeia como um todo comercializa sob parâmetros uniformes serviços ou produtos distintos; existe até mesmo a franquia de desenvolvimento de área, em que é o franqueador que toma os serviços de alguém para que este desenvolva os pontos de venda a serem posteriormente franqueados a terceiros.
O “tipo” é simplesmente livre.
Franquia e direito da concorrência
Ajuste entre concorrentes (sendo ou não o franqueado um concorrente efetivo no mercado relevante) as franquias tem, em tese, todo o risco de se transformarem em objeto de preocupação das autoridades antitruste. É alegado que com a Lei da Franquia