O Impedimento de Mau Desempenho em Contratos Públicos Anteriores e a sua Relevação
O Impedimento de Mau Desempenho em Contratos Públicos Anteriores e a sua Relevação
Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxx
Orientador: Dr. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx
Mestrado em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Direito Administrativo e Administração Pública
2021/2022
Índice
I. Notas Introdutórias 4
II. Motivos de exclusão e causas de impedimento de um operador económico 6
II.1. Aspetos procedimentais e limites temporais dos efeitos impeditivos 11
II.2. Motivos de exclusão na Diretiva 2014/24/UE 19
II.2.a. Exclusões obrigatórias 21
II.2.b. Exclusões facultativas 24
II.3. Impedimentos no Código dos Contratos Públicos 31
III. Mau desempenho em contratos anteriores (bad past performance) 40
III.1. Acórdãos do Tribunal de Justiça: Forposta (2012) e Meca (2019) 42
III.2. Princípios aplicáveis à adjudicação de contratos públicos 45
IV. Relevação dos impedimentos (self-cleaning) 51
IV.1. Medidas de autossaneamento no direito português 53
IV.1.a. O enunciado de medidas de autolimpeza 60
IV.2. Análise da situação impeditiva e condicionamento à sua relevação 63
V. Conclusão 67
Bibliografia 71
Legislação nacional e europeia 73
Jurisprudência 73
Resumo
O presente trabalho aborda o tema dos impedimentos na contratação pública, com foco no impedimento de mau desempenho em contratos públicos anteriores. Debruça-se sobre as legislações europeia e nacional, que foram submetidas a importantes alterações nos últimos anos. Há um grande interesse por parte da União Europeia em regular o acesso dos operadores económicos – assim como o impedimento de aceder – ao mercado interno comum. A União Europeia atuou no sentido de harmonizar as disposições legislativas relativas à contratação pública, alterando regras importantes que dizem respeito aos motivos de exclusão. Das alterações trazidas pelas recentes reformas, destacam-se a previsão expressa do motivo de exclusão com fundamento no mau desempenho em contratos anteriores e a consagração do autossaneamento (self-cleaning), previsto expressamente nas legislações europeia (Diretiva 2014/24/UE) e nacional (Código dos Contratos Públicos).
Abstract
This paper addresses the exclusions grounds in public procurement, focusing on the bad past performance exclusion from procurement proceedings. This work focuses on European and national legislation on this matter, which has undergone important changes in recent years. There is great interest on the part of the European Union in regulating the access of economic operators – as well as the impediment of access – to the common internal market. The European Union has acted to harmonize the legislative provisions on public procurement, changing important rules concerning exclusion grounds. Of the changes brought by recent reforms, must be highlighted the express provision of the exclusion ground based on poor performance in previous contracts (bad past perfomance) and the consecration of self-cleaning, expressly provided for in European (2014 Public Procurement Directive) and national legislation.
Abreviações
CCP – Código dos Contratos Públicos CE – Comunidade Europeia
DEUCP – Documento Europeu Único de Contratação Pública STA – Supremo Tribunal Administrativo
TFUE – Tratado de Funcionamento da União Europeia TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia
UE – União Europeia
Palavras-Chave: Contratação pública; Diretiva 2014/24/UE; impedimentos; motivos de exclusão, relevação dos impedimentos.
Key words: Public procurement; Directive 2014/24/EU; exclusion grounds; self- cleaning.
I. Notas Introdutórias
O estudo dos impedimentos na contratação pública – mais especificamente o impedimento de mau desempenho em contratos anteriores –, exige a compreensão de certos conceitos presentes no direito da contratação pública.
A compreensão do sistema de contratação pública e de seus institutos é de suma importância para a análise das escolhas legislativas feitas aos níveis europeu e nacional (especialmente no que toca à transposição das diretivas europeias sobre contratação pública), assim como para a apreciação do tema deste trabalho. O direito europeu regula esta temática por meio de diretivas que contêm as normas europeias de contratação pública.
As diretivas de contratação pública atuais são fruto da revisão de 2014, que resultou na emissão de três diretivas em 26 de fevereiro daquele ano pelo Parlamento Europeu e o Conselho. São elas: i) Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos em geral, ii) Diretiva 2014/25/UE, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, energia, transportes e dos serviços postais e, por fim, iii) Diretiva 2014/23/UE, que regula a adjudicação de contratos de concessão, tema que passa a ser regulado por um diploma específico.
As diretivas 2004/18/CE e 2004/17/CE, que precederam as atuais, foram substituídas, respetivamente, pelas diretivas 2014/24/UE e 2014/25/UE.
Apesar de não ser a única diretiva proveniente da reforma de 2014 que possui disposições relativas à exclusão dos operadores económicos, merece destaque no presente trabalho a Diretiva 2014/24/UE, sobre contratos públicos em geral. O tema da exclusão dos operadores económicos de procedimentos concorrenciais com fundamento nos motivos de exclusão era tratado anteriormente pela Diretiva 2004/18/CE.
A Diretiva 2014/24/UE trouxe inovações e ampliou o elenco de motivos de exclusão de operadores económicos. Houve a inédita consagração da causa de exclusão de mau desempenho em contratos anteriores como um motivo de exclusão expressamente previsto.
Esta temática é de especial interesse para a União Europeia – que tem por objetivo harmonizar as disposições legislativas dos Estados-Membros em determinadas áreas – em razão da sua estreita ligação com a construção do mercado interno comum. Há a
articulação de disposições legislativas a nível europeu no sentido de uniformizar as regras de contratação pública, principalmente no que diz respeito ao acesso (ou consequente impedimento de aceder) a procedimentos concorrenciais.
Os motivos de exclusão, previstos no artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, dividem- se em obrigatórios e facultativos. Esta dicotomia foi preservada na revisão de 2014 em moldes similares aos presentes nos números 1 e 2 do artigo 45.º da Diretiva de 2004/18/CE.
As exclusões obrigatórias dizem respeito à obrigação imposta às entidades adjudicantes de excluir operadores económicos que se enquadrem em situações previstas no número 1 do artigo 57.º da diretiva. As exclusões facultativas, por sua vez, previstas no número 4, artigo 57.º da diretiva, são transpostas para o direito interno por escolha de cada Estado-Membro.
A Diretiva 2014/24/UE ampliou o elenco de motivos de exclusão dos operadores económicos até então previsto pela Diretiva 2004/18/CE. Este alargamento teve como resultado a previsão expressa na Diretiva 2014/24/UE do motivo de exclusão que impede um operador económico, que tenha realizado uma execução deficiente de um contrato anterior, de aceder a um procedimento concorrencial.
A inclusão deste motivo de exclusão foi solicitada por entidades adjudicantes que, face à ausência desta previsão nas diretivas de 2004, viram-se diante de um cenário desvantajoso. Entidade privadas poderiam afastar operadores económicos incumpridores, enquanto entidade públicas estariam obrigadas a aceitar a sua participação devido a ausência de uma atribuição expressa de relevância por parte da legislação europeia ao mau desempenho de contratos anteriores.
Deve ser destacada a importância dos princípios comunitários, que incidem significativamente no direito da contratação pública. Tanto a nível europeu quanto a nível nacional os princípios da concorrência, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento e não discriminação devem ser observados e respeitados, seja na atuação legislativa ou na aplicação direta das regras e normas de contratação pública.
Como uma das grandes inovações das revisões legislativas que decorreram em 2014, a figura da relevação dos impedimentos (self-cleaning) passou a ser expressamente regulamentada a nível europeu e a nível nacional. Este mecanismo consiste no afastamento de impedimentos aplicados a determinado operador económico em resultado
da adoção de medidas de autossaneamento, ou seja, diz respeito a um limite imposto à exclusão de operadores económicos.
A Diretiva 2014/24/UE, em seu artigo 57.º, número 6, determina expressamente ser possível afastar impedimentos que recaiam sobre operadores económicos em consequência da prestação de esclarecimentos ou da adoção de medidas pertinentes que salvaguardem os interesses protegidos pelo impedimento. Neste mesmo artigo estão previstos os critérios que devem pautar a análise de adequação das medidas adotadas pelo operador económico que pretende livrar-se do impedimento aplicado sobre si.
II. Motivos de exclusão e causas de impedimento de um operador económico
A Diretiva 2014/24/UE utiliza a expressão motivos de exclusão enquanto, por sua vez, o Código dos Contratos Públicos vale-se do termo impedimentos. Os motivos de exclusão dizem respeito à “prática de determinados crimes ou ilícitos de natureza administrativa”1 que, por fim, justificam a adoção de medidas que afastem o operador económico2 de procedimentos de contratação pública por determinado período.
As causas e os motivos de exclusão, que fundamentam a imposição de um afastamento a um operador económico “por razões ligadas à sua honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade”3, foram previstos em termos taxativos nas “sucessivas gerações das diretivas comunitárias”4.
1 X. X. XXXXXXX, “A relevação dos impedimentos no Código dos Contratos Públicos”, e-Pública Revista Eletrónica de Direito Público, IV, n.º 2, 2017 p. 124, disponível em xxxxx://xxx.x-xxxxxxx.xx/ (acedido em 24 de fevereiro de 2022).
2 Um operador económico é “qualquer pessoa singular ou coletiva, entidade pública ou agrupamento de tais pessoas e/ou entidades, incluindo agrupamentos temporários de empresas, que realize empreitadas e/ou obras, forneça produtos ou preste serviços no mercado”, nos termos da definição contida no artigo 2.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/UE.
3 X. X. XXXXXXX, “Os “Motivos de Exclusão” na Diretiva 2014/24/UE”, Revista de Contratos Públicos, n.º 13, 2016, pp. 43-44.
4 “Veja-se, a este propósito, os artigos 23.º da Diretiva 71/305/CEE (coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas), 20.º da Diretiva 77/62/CEE (coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público), 25.º, n.º 2. da Diretiva 90/531/CEE (procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos setores da água, da energia, dos transportes c das telecomunicações), 20.º da Diretiva 92/50/CEE (coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços), 20.º da Diretiva 93/36/CEE do Conselho (coordenação dos processos de adjudicação dos contatos públicos de fornecimento), 24.º da Diretiva 93/37/CEE (coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas) ou 3I.º, n.º 2, da Diretiva 93/38/CEE (coordenação dos processos de celebração de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações)” – MOREIRA, RCP, pp. 43-44.
Em resultado da reforma de 2014, a Diretiva 2014/24/UE trouxe inovações e acabou por ampliar o número de casos que fundamentam a exclusão de um operador económico de procedimentos concorrenciais5. Dentre as inovações trazidas temos a consagração do mau desempenho em contratos anteriores como um motivo de exclusão previsto na alínea g), número 4, artigo 57.º da diretiva de 2014.
Neste momento inicial, importa vermos questões gerais sobre os motivos de exclusão (e os impedimentos, a nível nacional). A este respeito, vale referir as razões para a existência dos motivos de exclusão na legislação europeia e quais seriam os objetivos visados com a inclusão desta matéria nas normas de contratação pública.
Os mercados públicos ao nível europeu devem estar sujeitos a regras uniformizadas, principalmente no que diz respeito às limitações de acesso impostas a operadores económicos em determinadas situações. Verifica-se uma estreita ligação entre a construção de um mercado interno comum e a definição de regras com certo grau de uniformização entre os Estados-Membros, ao ponto de ser possível afirmar que estas duas atividades são indissociáveis6.
As disposições que regulamentam os motivos de exclusão devem, para tal, ser cuidadosamente definidas e balizadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho enquanto instituições encarregadas de exercer a função legislativa da União. Através da emissão de diretivas, o legislador europeu avança com a harmonização deste tema7.
O tema da exclusão dos operadores económicos inclui-se nos aspetos sujeitos à harmonização legislativa8 promovida pela União relativa à formação de contratos públicos. A exclusão “afeta necessariamente o acesso por estes operadores a um determinado mercado possuindo, por conseguinte, elevada aptidão para obstaculizar a mobilidade intracomunitária dos agentes económicos”9, além de “representa[r]
5 A. R. XXXXXX XXXX, “A Exclusão de Operadores Económicos à Luz da Nova Directiva sobre Contratos Públicos – o artigo 57º, nº 4, 1º parágrafo, alínea g)”, Publicações CEDIPRE Online - 22, 2014, pp. 7-9, disponível em xxxx://xxx.xxxxxxx.xx.xx.xx (acedido em 24 de fevereiro de 2022).
6 XXXXXXX, RCP, pp. 43-44.
7 “O interesse do direito europeu pela contratação pública assenta, em primeira linha, na importância desta matéria para a construção do mercado comum. Cedo se reconheceu, porém, que os instrumentos fornecidos pelo direito primário, as chamadas liberdades fundamentais do mercado comum, se revelavam insuficientes para promover a liberalização dos “mercados públicos" à escala da União. Assim, convocando uma base jurídica que supre insuficiências desta natureza o legislador europeu tem vindo a emitir atos secundários (sobretudo diretivas) com vista a harmonizar alguns aspetos das diversas regulamentações nacionais em matéria de formação de contratos públicos” - MOREIRA, RCP, pp. 43-44.
8 Cf. Artigo 114.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
9 XXXXXXX, RCP, pp. 43-44.
necessariamente uma restrição no acesso ao procedimento adjudicatório, diminuindo, por conseguinte, a desejada concorrência”10. Por estas razões este tema é de especial interesse para a União Europeia.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, no acórdão Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici de 10 de julho de 2014 (processo C-358/12) afirmou: “é do interesse da União que em matéria de liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços seja assegurada a maior abertura possível do concurso à concorrência”11. O Tribunal de Justiça havia se pronunciado anteriormente no acórdão Michaniki de 16 de dezembro de 2008 (processo C-213/07) neste mesmo sentido, afirmando a importância da promoção da concorrência efetiva nos procedimentos concorrenciais à escala comunitária12.
Devido à importância conferida ao impedimento de participação em procedimentos concorrenciais, reconhecida pelo Tribunal de Justiça, a liberdade do legislador nacional encontra-se limitada. No que toca à estipulação de fundamentos para afastar operadores económicos, o legislador nacional não pode, por regra, defini-los de forma a exorbitar os motivos de exclusão previstos na legislação europeia13. O Tribunal de Justiça pronunciou- se sobre esta limitação no acórdão La Cascina de 09 de fevereiro de 2006 (processos C- 226/04 e C-228/04)14.
Deste modo, por regra, os Estados-Membros sujeitam-se à imposição desta limitação, ou seja, têm suas faculdades restringidas por um único limite: o que dispõe o direito europeu secundário. Contudo, esta limitação – para além de não ser absoluta –
10 XXXXXXX, RCP, pp. 47-49.
11 Xxxxxxx do TJUE de 10.07.2014, proferido no processo n.º C-358/12, parágrafo 29, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
12 Cf. Xxxxxxx do TJUE de 16 de dezembro de 2008, Michaniki, processo C-213/07, parágrafo 39.
13 “Ao regular a matéria da exclusão de operadores económicos dos procedimentos de adjudicação de contratos, a legislação europeia tem a pretensão de definir um catálogo fechado (numerus clausus) de fundamentos ou motivos suscetíveis de darem origem à exclusão. É pelo menos essa a interpretação do TJ, que rejeita que os Estados-Membros consagrem, nos respetivos ordenamentos internos, impedimentos que extravasem os motivos de exclusão delineados nas diretivas europeias. É esta a regra da taxatividade dos motivos de exclusão”. - P. XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos, 5.ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 666.
14 “Assim se explica que o TJUE se tenha oposto a que os Estados-Membros prevejam, nos seus ordenamentos jurídicos, causas de exclusão que exorbitem os fundamentos oferecidos pelo legislador europeu. Deste modo, no seu Acórdão La Cascina, o Tribunal salientou que as disposições do direito europeu secundário estabelecem «os únicos limites da faculdade dos Estados Membros, no sentido de que estes não podem prever causas de exclusão diferentes das que [nelas] são previstas». No mesmo sentido, em Michaniki, o TJUE considerou que o elenco de fundamentos de exclusão constante da pretérita Diretiva 93/37/CEE «deve ser interpretado no sentido de que enumera de forma taxativa as causas suscetíveis de justificar a exclusão (...) por razões relativas às suas qualidades profissionais e baseadas em elementos objetivos»” - XXXXXXX, RCP, pp. 47-49.
encontra-se associada apenas a determinados fundamentos, relativos às “«qualidades profissionais» dos interessados e «baseados em elementos objetivos»”15.
Consequentemente, para “além das causas de exclusão baseadas em considerações objetivas sobre a qualidade profissional, taxativamente enumeradas”16, o legislador nacional poderia prever outros fundamentos para afastar operadores económicos com o intuito de “garantir o respeito dos princípios da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparência no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos”17.
É de ressaltar que a previsão de outros fundamentos para a exclusão deve ocorrer excecionalmente e em observância ao princípio da proporcionalidade. Neste sentido, afirmou o Tribunal de Justiça que “essas medidas não devem ir além do que for necessário para alcançar esse objectivo de igualdade [de tratamento de todos os concorrentes]”18. No acórdão Assitur Srl de 19 de maio de 2009 (processo C-538/07), o Tribunal de Justiça reafirma que esta faculdade dos Estados-Membros possui sua extensão delimitada pelo princípio da proporcionalidade19 20.
No que diz respeito ao direito nacional, o Código dos Contratos Públicos prevê uma lista de impedimentos aplicáveis aos operadores económicos em resultado da transposição das diretivas. Quanto ao seu conteúdo, “estas causas de impedimento (…) prendem-se em larga medida com a prática de determinados crimes ou ilícitos de natureza administrativa”21.
Trata-se de uma matéria fortemente conformada pelo direito da União Europeia. Como se compreende, aliás, com facilidade: ao afastar um interessado do procedimento adjudicatório, o impedimento interfere
15 XXXXXXX, RCP, pp. 47-49.
16 Xxxxxxx do TJUE de 16.12.2008, proferido no processo C-213/07, parágrafo 47, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
17 Xxxxxxx do TJUE de 16.12.2008, proferido no processo C-213/07, parágrafo 47.
18 Xxxxxxx do TJUE de 16.12.2008, proferido no processo C-213/07, parágrafo 48.
19 “O Tribunal de Justiça acrescentou que esta enumeração taxativa não exclui, porém, a faculdade de os Estados-Membros manterem ou estabelecerem, além destas causas de exclusão, regras materiais destinadas, designadamente, a garantir, em matéria de contratos públicos, o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento de todos os proponentes e da transparência, que constituem a base das directivas comunitárias relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos, mas com a condição de que o princípio da proporcionalidade seja observado (v., neste sentido, acórdão Michaniki, já referido, n.os 44 a 48 e a jurisprudência aí referida)”. – Xxxxxxx do TJUE de 19.05.2009, proferido no processo n.º C-538/07, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
20 XXXXXXX, RCP, pp. 47-49.
21 MOREIRA, e-Pública REDP, p. 124-125.
com o acesso a um determinado “mercado público” e, por conseguinte, com a mobilidade intracomunitária do operador impedido. Reconhecendo esta circunstância, o direito secundário da UE tem vindo a definir taxativamente as concretas situações que permitem a uma entidade adjudicante excluir um interessado do procedimento por razões ligadas à sua honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade22.
Avançando para outro ponto de relevo, o trâmite dos procedimentos contratuais, previsto nas diretivas, inclui duas fases distintas: i) avaliação dos concorrentes ou candidatos, “associada à honestidade profissional, solvabilidade ou fiabilidade”23 – e ii) avaliação das propostas e seus atributos24.
A fase de avaliação das pessoas dos concorrentes ou candidatos está associada à seleção qualitativa dos operadores económicos que se apresentam em procedimentos concorrenciais. Nesta fase são identificados os “casos onde comprovadamente se tenha dado demonstração de falta de idoneidade necessária para contratar com entidades públicas, ou onde se considera que as condições em que o sujeito se encontra oferecem riscos desmedidos de violação dos valores subjacentes à contratação pública”25. A este respeito:
(…) este é um exemplo claro de que na contratação pública existem preocupações que podem muitas vezes justificar um afastamento do princípio da igualdade de oportunidades26.
Em resultado da aplicação da seleção qualitativa, “os operadores económicos são submetidos a avaliações de várias naturezas”27, realizadas com base nos critérios de: i) capacidade económica e financeira e de capacidade técnica e profissional; ii) habilitação para o exercício da atividade profissional; e iii) inexistência de motivos de exclusão28.
22 MOREIRA, e-Pública REDP, p. 124-125.
23 M. XXXXXXX XX XXXXXXXX e X. XXXXXXX XX XXXXXXXX, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, reimpr., p. 500.
24 J. XXXXXXXX XXXXXXXX, “Causas de exclusão e “self cleaning”. A revisão do Código dos Contratos Públicos à luz da Diretiva 2014/24/UE” in N. XXXXX XXXXXXXXX (coord.), Direito Internacional e Europeu da Contratação Pública, Lisboa, 2017, p. 107.
25 M. XXXXX XXXXXXXX, A formação dos contratos públicos, Lisboa, AAFDL, 2013, p. 861.
26 MEDEIROS SALVADOR, “Causas de exclusão e “self cleaning”” p. 107.
27 XXXXXXX, RCP, pp. 44-45.
28 XXXXXXX, RCP, pp. 44-45.
A avaliação com base em critérios de capacidade económica e financeira e de capacidade técnica e profissional desenvolve-se em procedimentos que possuam uma fase de qualificação (concurso limitado por prévia qualificação; procedimento de negociação e o diálogo concorrencial). Estes procedimentos possuem uma fase inicial qualitativa na qual os operadores económicos devem passar por um filtro de exigências específicas para que possam vir a ter suas propostas consideradas no procedimento29.
Outros dois elementos presentes na seleção qualitativa dos operadores económicos dizem respeito à habilitação para o exercício da atividade profissional – sobre este ponto temos o previsto no artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos – e à verificação da inexistência de motivos de exclusão (ou impedimentos, no contexto do Código dos Contratos Públicos), ponto que merece maior atenção neste trabalho.
Por fim, a fase de avaliação das propostas e seus atributos – em conjunto com a fase de avaliação das pessoas dos candidatos e concorrentes – compõe o “iter procedimental dirigido à escolha do adjudicatário”. Nesta segunda fase do procedimento estão inseridos os critérios relativos à adjudicação do contrato, que põem fim à fase pré- contratual da contratação pública.
II.1. Aspetos procedimentais e limites temporais dos efeitos impeditivos
Neste momento, analisaremos três aspetos que merecem destaque dentro desta temática: i) o momento procedimental da exclusão do operador económico, ii) o modo de comprovação da ausência de motivos de exclusão e iii) os limites temporais aplicáveis aos efeitos impeditivos.
Em primeiro lugar, no que diz respeito ao momento procedimental, a exclusão pode ocorrer no início do procedimento com a análise de todos os participantes ou ao final com a análise apenas do autor da melhor oferta. A possibilidade de proceder com a exclusão do operador económico em dois momentos distintos do procedimento resulta da articulação da seleção qualitativa – cujos critérios encontram-se definidos nos artigos 57.º e seguintes da Diretiva 2014/24/UE – com a fase de adjudicação das propostas30.
29 XXXXXXX, RCP, pp. 44-45.
30 “Numa perspectiva cronológica, existem teoricamente duas possibilidades de articular esta fase com a da avaliação das propostas («adjudicação do contrato»): (i) ou se começa pela avaliação dos critérios de “seleção qualitativa” relativamente a todos os participantes, apreciando subsequentemente o mérito das propostas apresentadas pelos operadores selecionados, (ii) ou se conhece primeiramente do mérito das propostas, sujeitando-se posteriormente apenas o autor da melhor oferta ao crivo da «seleção qualitativa»”
- XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
Ao tempo da Diretiva 2004/18/CE havia a dúvida quanto ao momento procedimental de realização da avaliação qualitativa, mais especificamente de verificação da presença de eventuais impedimentos. Da interpretação feita pela doutrina do número 1, artigo 44.º da Diretiva 2004/18/CE resultavam duas correntes interpretativas distintas31. Assim dispunha o referido artigo:
1. Os contratos são adjudicados (…) após verificada a aptidão dos operadores económicos não excluídos ao abrigo dos artigos 45.º e 46.º, pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios relativos à capacidade económica e financeira, aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos nos artigos 47.º a 52.º e, eventualmente, com as regras e critérios não discriminatórios referidos no n.º 3.
Por um lado, entendia-se que o número 1 do artigo 44.º, Diretiva 2004/18/CE “imporia que a «seleção qualitativa» dos operadores antecedesse a avaliação das propostas”32. Por outro, defendia-se que a norma extraída deste texto normativo simplesmente exigia “que a idoneidade do operador fosse verificada antes da efetiva adjudicação, rejeitando a ideia de que a norma prescrevia uma ordem pela qual se processaria a avaliação dos concorrentes e a avaliação das propostas”33.
Por sua vez, a Diretiva de 2014/24/UE, mais especificamente através do número 2 do artigo 56.º, “parece consentir ambos os métodos”34 ao prever que a análise do mérito das propostas pode anteceder, por escolha da entidade adjudicante, a verificação da ausência de motivos de exclusão e o cumprimento dos critérios de seleção. A diretiva de 2014 está, portanto, dotada de uma flexibilidade neste ponto.
Deste modo, nos termos do previsto no número 5, artigo 57.º da diretiva de 2014, a exclusão passou a ser expressamente permitida a qualquer momento do procedimento o que não ocorria ao tempo da direita anterior. Caso se trate de um motivo de exclusão obrigatória, estaremos perante um dever da entidade adjudicante. Por outro lado, sendo o fundamento um motivo de exclusão facultativa, haverá a exclusão a qualquer tempo no
31 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
32 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
33 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
34 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
procedimento em resultado do exercício desta faculdade pela entidade adjudicante ou a pedido dos Estados-Membros.
Vale ressaltar que o primeiro parágrafo do número 5 do artigo 57.º faz referência aos números 1 e 2 do mesmo artigo. A este respeito, “em bom rigor, este dever [de exclusão] aplicar-se-ia também à vertente facultativa da exclusão fundada em dívidas ao fisco ou à segurança social”35.
Ao interpretar este texto normativo, podemos identificar a finalidade da norma que dele se extrai. O legislador pretendeu “acautelar situações de simples superveniência subjetiva”36 de motivos de exclusão. A saber:
(…) mesmo que, numa primeira avaliação, a entidade adjudicante não se tenha apercebido da existência de um impedimento, esta norma permitir-lhe-á excluir o operador impedido logo que tome conhecimento da circunstância impeditiva37.
Deste modo, ainda que a entidade adjudicante tenha inicialmente verificado que estavam ausentes os motivos de exclusão – ou até mesmo não os tenha identificado apesar de já existirem –, poderá excluir o operador económico em momento futuro ao deparar- se com a confirmação de que um motivo de exclusão existe. Esta exclusão poderá ocorrer independentemente do momento em que se encontre o procedimento.
Quanto à superveniência objetiva, que diz respeito a factos praticados no decurso do procedimento, também houve a preocupação do legislador europeu em incluir a possibilidade de exclusão a ser efetuada pela entidade adjudicante na diretiva de 2014. Assim, “mesmo que, num momento inicial do procedimento, o interessado não se encontre impedido de participar, a ocorrência superveniente de um facto inabilitante ditará o seu afastamento”38.
Em suma, factos anteriores ao procedimento que venham a ser descobertos no decurso deste e factos supervenientes, que ocorrem enquanto decorre o procedimento, encontram-se abrangidos por esta norma. Estes obrigam – ou permitem, a depender do
35 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
36 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
37 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
38 XXXXXXX, RCP, pp. 67-70.
que dispõe o direito interno do Estado-Membro em questão – que a entidade adjudicante exclua o operador económico, esteja o procedimento na fase em que estiver.
No direito nacional não encontramos regra que corresponda ao previsto no número 5 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE. Contudo, estão presentes na doutrina portuguesa determinados posicionamentos que se aproximam da solução trazida pelo legislador europeu. Neste sentido, Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx afirmam ser a titularidade dos requisitos de habilitação – em sentido amplo, incluída a habilitação pessoal – uma exigência constante que “impende sobre os concorrentes ao longo de todo o procedimento, desde o momento de apresentação das propostas até ao da celebração do contrato”39.
Em segundo lugar, quanto ao aspeto procedimental da comprovação da ausência de motivos de exclusão, temos o Documento Europeu Único de Contratação Pública. Este documento encontra-se previsto no artigo 59.º da Diretiva 2014/24/UE e serve de prova preliminar da ausência dos motivos de exclusão.
Através da apresentação deste documento, nos termos do número 1, artigo 59.º da diretiva de 2014, os operadores económicos declaram sob compromisso de honra que – para além de outras questões, designadamente o cumprimento dos critérios de seleção previstos no artigo 58.º – não estão abrangidos por nenhuma das situações previstas no artigo 57.º da diretiva de 2014.
A nova diretiva prevê, deste modo, um direito de simples declaração de ausência de impedimentos. No entanto, esta faculdade circunscreve-se ao momento do acesso ao procedimento. Com efeito, a diretiva estabelece que, «antes da adjudicação do contrato», a entidade adjudicante deve exigir ao proponente a quem decidiu adjudicar o contrato a apresentação dos documentos comprovativos a que se refere o artigo 60.º40.
39 M. XXXXXXX XX XXXXXXXX e X. XXXXXXX XX XXXXXXXX, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, reimpr., pp. 495 ss.
40 XXXXXXX, RCP, pp. 70-72.
O número 2 do artigo 59.º dispõe que a Comissão Europeia adota por meio de um ato de execução um formulário-tipo41 com base no qual o Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP) é elaborado.
A alínea a), número 2, artigo 60.º da Diretiva 2014/24/UE versa sobre as provas aceites relativamente aos motivos de exclusão obrigatória, previstos no número 1 do artigo 57.º da diretiva de 2014, associados à pratica de determinados crimes. Por sua vez, a alínea b) dispõe sobre as provas aceites relativamente aos motivos de exclusão “(obrigatória ou facultativa) relacionados com a existência de dívidas ao fisco ou à segurança social ou com os motivos de exclusão facultativa” previstos na alínea d), número 4, artigo 57.º, Diretiva 2014/24/UE “(v.g. insolvência do operador)”42.
O Tribunal de Justiça afirmou que a não apresentação do DEUCP pode fundamentar a exclusão do operador económico. No acórdão Cartiera dell’Adda SpA c. CEM Ambiente SpA, de 06 de novembro de 2014 (processo C-42/13) – proferido ao tempo da anterior diretiva – decidiu o tribunal que o direito da União Europeia não se opunha à exclusão de um operador económico por:
(…) não ter respeitado a obrigação, prevista nos documentos do concurso, de juntar à sua proposta, sob pena de exclusão, uma declaração nos termos da qual a pessoa designada nessa proposta como diretor técnico do (…) operador não é objeto de um processo ou de uma condenação penal, mesmo quando, numa data posterior ao termo do prazo concedido para a apresentação das propostas, essa declaração tenha sido comunicada à entidade adjudicante ou seja demonstrado que a qualidade de diretor técnico foi atribuída a essa pessoa por erro43.
Nos termos do número 4, artigo 59.º da diretiva de 2014, a entidade adjudicante poderá solicitar a qualquer momento do procedimento a totalidade ou parte dos documentos comprovativos caso entenda ser necessário para assegurar a correta tramitação do procedimento. O número 5, porém, limita esta possibilidade conferida à entidade adjudicante. Nos termos deste dispositivo, os operadores económicos estarão
41 Cf. Regulamento de Execução (UE) 2016/7 da Comissão, de 5 de janeiro de 2016, que estabelece o formulário-tipo do Documento Europeu Único de Contratação Pública.
42 XXXXXXX, RCP, pp. 70-72.
43 Acórdão do TJUE de 06.11.2014, Xxxxxxxx, proferido no processo n.º C-42/13, parágrafo 36, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
desincumbidos desta obrigação caso a entidade adjudicante possa obter as informações eventualmente solicitadas aos proponentes e candidatos por meio de documentos que já detenha ou através de consultas a determinadas bases de dados.
No direito nacional existem disposições sobre este tema que apresentam diferenças relativamente ao previsto pelo direito europeu. O direito interno português prevê qua a apresentação da declaração no momento inicial do procedimento basta, a princípio, para satisfazer a exigência de comprovação da ausência de motivos de exclusão. A alínea a), número 1, artigo 57.º, juntamente com o ponto 4 do Anexo I do Código, densifica esta exigência a nível nacional44.
O terceiro aspeto diz respeito aos limites temporais impostos aos efeitos impeditivos. A Diretiva 2004/18/CE “não continha qualquer referência à questão de saber durante quanto tempo a verificação de uma circunstância inabilitante relativamente a um operador económico o impediria de participar em procedimentos adjudicatórios”45.
Apesar da omissão verificada ao tempo da diretiva de 2004, havia o entendimento de que, à luz do princípio da proporcionalidade, a liberdade dos Estados-Membros deveria ser exercida dentro de certos limites no que diz respeito à extensão temporal dos efeitos dos impedimentos impostos aos operadores económicos46.
Tendo em vista as finalidades da previsão do motivo de exclusão, a duração de determinado impedimento não poderia prevalecer caso fosse considerada excessivamente longa. Em alternativa, também em resultado do reconhecimento de que o direito primário da União impunha limites e definia parâmetros à duração dos efeitos impeditivos, no caso dos motivos de exclusão de natureza obrigatória – associados a situações reconhecidas
44 “Note-se que a lei portuguesa também se basta, num momento inicial, com uma simples declaração do concorrente de inexistência dos impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP. Contudo, ao contrário do que se encontra previsto na diretiva, a comprovação documental apenas ocorre após a escolha da proposta vencedora. Esta exigência de comprovação não abrange a totalidade dos referidos impedimentos. Quanto aos previstos nas alíneas b), d), e) e i) do artigo 55.º, o CCP exige apresentação de documentos que demonstrem a sua inexistência. No que se refere aos demais impedimentos, a lei nesta fase basta-se de novo com uma mera declaração do (agora) adjudicatário. A apresentação destes elementos é configurada como uma obrigação pós-adjudicatória e insere-se procedimentalmente na chamada fase de habilitação” - MOREIRA, RCP, pp. 70-72.
45 XXXXXXX, RCP, pp. 72-77.
46 “Por um lado, o princípio da proporcionalidade opor-se-ia a que os efeitos impeditivos se estendessem por um período excessivo face à intenção que levou o legislador a consagrar o concreto motivo de exclusão. Por outro, pelo menos no que concerne as causas de exclusão obrigatória, um impedimento de exígua duração também colidiria com o direito da UE na medida em que colocaria em causa a efetividade da norma comunitária que impõe a exclusão” - MOREIRA, RCP, pp. 72-77.
pelo legislador europeu como de maior gravidade –, não poderia haver uma duração extremamente curta de seus efeitos.
Em suma, a limitação presente no direito primário da União Europeia, que recai sobre as liberdades dos Estados-Membros, impede tanto durações excessivas quanto durações insuficientes e ineficientes – tratando-se de um motivo de exclusão de natureza obrigatória – dos efeitos impeditivos.
A Diretiva 2014/24/UE prevê tempos de duração máxima para os efeitos dos motivos de exclusão. Os períodos máximos de exclusão definidos pela diretiva devem ser observados pelos Estados-Membros ao realizarem a transposição desta matéria para o direito interno, sem prejuízo das disposições de self-cleaning, previstas no número 6 do artigo 57.º. Neste sentido, o considerando 101 afirma que o direito nacional deverá determinar, com observância ao princípio da proporcionalidade, o período de duração máxima para as exclusões47.
Nos termos do número 7 do seu artigo 57.º, os Estados-Membros têm o dever de especificar, tendo em conta o direito da União, as condições de aplicação deste artigo – incluída a determinação do período máximo de exclusão – por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas. É de destacar a ressalva contida no número 7 do artigo 57.º, segundo a qual as disposições nacionais serão observadas caso não haja uma determinação quanto à duração do impedimento na própria decisão (judicial ou administrativa) transitada em julgado.
Note-se, porém, que, segundo a diretiva, estes prazos máximos apenas valem «se o período de exclusão não tiver sido fixado por sentença transitada em julgado». Deste modo, ficam salvaguardados os casos em que o direito interno de um Estado Membro admite a possibilidade de os tribunais decretarem um impedimento à participação em procedimentos de adjudicação48.
Neste sentido, no caso de ausência da determinação mencionada, as exclusões obrigatórias (previstas no número 1 do artigo 57.º) não poderão ter a sua duração prevista
47 “Significa isto que a acusação de falhas graves ao nível da execução de um contrato anterior não impossibilitará, ad aeternum, um operador económico de participar num procedimento de contratação, mas tão-somente o impossibilitará por um período razoável e, sobretudo, proporcional à gravidade da falha que foi cometida” - A. R. VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 9.
48 XXXXXXX, RCP, pp. 72-77.
no ordenamento jurídico nacional por período superior a cinco anos. Por outro lado, as exclusões facultativas (previstas no número 4 do artigo 57.º) não poderão ter duração superior a três anos. O número 7 do artigo 57.º estipula, ainda, os momentos considerados para o início da contagem do período de duração, a saber:
No que toca às exclusões obrigatórias, esse limite máximo não poderá ser superior a cinco anos contados da data da condenação por decisão transitada em julgado. Quanto às exclusões facultativas, o período não deverá ultrapassar os três anos posteriores à data «do facto relevante», o que parece indiciar que, neste caso, o prazo corre a partir da data da prática da infração inabilitante (v.g. a data da ofensa às regras profissionais) e não da data da sua verificação pela entidade adjudicante ou por outra entidade administrativa ou judicial (v.g. a data da aplicação de uma sanção disciplinar pela respetiva ordem profissional)49.
Vale ressaltar que este limite máximo não é aplicável às exclusões, sejam elas obrigatórias ou facultativas, relativas a dívidas à administração tributária ou à segurança social. “Nestes casos, parece que o interessado faltoso será (ou poderá) ser excluído dos procedimentos adjudicatórios enquanto não satisfizer as suas obrigações (ou celebrar um acordo tendente a esse fim)”50.
Também não se aplicam às exclusões que se baseiam na participação do operador económico na preparação do procedimento e suas peças ou às exclusões que têm por fundamento a existência de conflitos de interesse. Isto se deve ao facto de, nestas situações os efeitos impeditivos “circunscreve[rem]-se, por natureza, a um procedimento concreto”51.
É possível verificar que no direito interno português não existe a devida transposição das normas europeias que versam sobre a duração dos efeitos dos impedimentos52. A respeito deste ponto, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx afirma ser possível
49 XXXXXXX, RCP, pp. 72-77.
50 XXXXXXX, RCP, p. 74.
51 XXXXXXX, RCP, p. 74.
52 Neste sentido, “(…) verifica-se que o CCP só aborda esta questão relativamente ao impedimento previsto na alínea h) do artigo 55.º que se refere aos interessados que tenham sido objeto de aplicação de uma sanção administrativa ou judicial por inobservância das regras sobre o pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social devidos pela utilização de mão-de-obra. Uma sanção desta natureza só produzirá os seus efeitos inabilitantes se tiver sido aplicada «há menos de dois anos». De resto, não se descortina qualquer regra sobre a duração dos impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP”. – XXXXXXX, RCP, p. 74.
concluir que “a disciplina dos impedimentos previstos no CCP, pelo que respeita à sua duração, não se harmoniza com as exigências da Diretiva 2014/24/UE”53.
II.2. Motivos de exclusão na Diretiva 2014/24/UE
Os motivos de exclusão54 encontram-se previstos no artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE e dividem-se em obrigatórios e facultativos. Esta dicotomia – presente em ambas as diretivas (atual e anterior) – foi preservada na revisão de 2014 em moldes similares aos presentes nos números 1 e 2 do artigo 45.º da diretiva de 2004.
As exclusões obrigatórias dizem respeito à obrigação imposta às entidades adjudicantes que, por força do previsto na legislação europeia, têm o dever de excluir operadores económicos que se enquadrem em alguma ou várias das situações previstas no número 1 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
Deste modo, assim como ocorria ao tempo da Diretiva 2004/18/CE, os Estados- Membros devem “impor às suas entidades adjudicantes a exclusão dos operadores relativamente aos quais se verifique um motivo de exclusão obrigatória”55 devido à natureza vinculativa destes motivos de exclusão.
As exclusões facultativas, por sua vez, previstas no número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, são transpostas para o direito interno por escolha de cada Estado- Membro. Anteriormente, a diretiva de 2004 limitava-se a prever que “um operador relativamente ao qual se verificasse uma das circunstâncias inabilitantes aí consignadas
«pod[ia] ser excluído»”56, sem mais nada dispor a respeito da transposição destes motivos de exclusão.
O número 2, artigo 45.º da Diretiva 2004/18/CE era interpretado no sentido de que os Estados-Membros dispunham de “uma liberdade para decidir sobre se estes fundamentos de exclusão dev[iam] ser colocados à disposição das suas autoridades
53 XXXXXXX, RCP, pp. 72-77.
54 “O direito da União Europeia regula a contratação pública na perspetiva da promoção do mercado comum. Neste contexto, os impedimentos à participação nos procedimentos adjudicatórios, previstos nos diferentes ordenamentos jurídicos internos, apresentam-se como potenciais obstáculos à mobilidade dos operadores económicos naquele mercado. Eis a razão por que, desde início, as diretivas da contratação definiram, em termos tendencialmente exaustivos, as situações suscetíveis de conduzir à exclusão da participação de operadores económicos nos procedimentos de adjudicação. Atualmente, a Diretiva 2014/24 contempla um (longo) artigo dedicado aos designados «motivos de exclusão» (artigo 57.º): em geral, os
«motivos de exclusão de operadores económicos da participação em procedimentos de contratação» correspondem, no CCP, aos impedimentos assinalados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 55.º; mas essa correspondência não é integral”. – XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos, p. 666.
55 XXXXXXX, RCP, p. 46.
56 XXXXXXX, RCP, pp. 44-47.
adjudicantes”57. Este facto gerou dúvidas quanto à possibilidade de transposição das causas de exclusão facultativa para o direito interno em termos vinculativos.
Apesar desta omissão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida à época reconhecia esta possibilidade aos Estados-Membros. O Tribunal de Justiça pronunciou- se no sentido de que poderiam os Estados-Membros, para além de escolher realizar a transposição, transpor as exclusões facultativas em níveis de intensidade de sua escolha.
A este respeito, o Tribunal de Justiça pronunciou-se no acórdão Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici de 2014 (julgado mencionado no início deste capítulo e proferido mais recentemente) no mesmo sentido em que havia se pronunciado no acórdão La Cascina de 2006. A saber:
Por conseguinte, o artigo 45.º, n.º 2, da Diretiva 2004/18 não prevê uma aplicação uniforme das causas de exclusão aí indicadas ao nível da União, na medida em que os Estados-Membros têm a faculdade de não aplicar de nenhum modo essas causas de exclusão, ou de as integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que poderá variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional. Neste contexto, os Estados-Membros têm o poder de moderar ou de tornar mais flexíveis os critérios estabelecidos nessa disposição58.
Ao tempo da Diretiva 2004/18/CE, a transposição de um motivo de exclusão facultativa por um Estado-Membro concedia às entidades adjudicantes a faculdade de excluir operadores económicos. Com a Diretiva 2014/24/UE – para além da consolidação desta faculdade – foi incluída a possibilidade de exclusão de um operador económico em resultado de uma solicitação de um Estado-Membro às entidades adjudicantes59.
57 XXXXXXX, RCP, pp. 44-47.
58 Xxxxxxx do TJUE de 10.07.2014, proferido no processo C-358/12, parágrafo 36, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx
59 “O legislador europeu vem confirmar a possibilidade de os Estados-Membros incorporarem no direito interno uma exclusão facultativa em termos vinculativos para as suas autoridades adjudicantes. Embora a diretiva de 2004 não se opusesse expressamente a esta possibilidade, o novo diploma veio eliminar, de forma concludente, quaisquer incertezas que possam ter existido a este respeito. Note-se, aliás, que foi justamente este o método adotado pelo legislador português. Com efeito, a verificação de qualquer dos impedimentos enumerados no artigo 55.º do CCP – elenco que integra também as exclusões configuradas pela diretiva de 2004 como facultativas – impõe, em termos vinculativos, a exclusão do interessado em causa” - XXXXXXX, RCP, pp. 44-47.
Nesta lógica, encontramos no direito nacional disposições que determinam ao júri a obrigação da propositura de exclusão caso seja verificada uma situação de impedimento. Nos termos do artigo 146.º, número 2, alínea c) do Código dos Contratos Públicos, “o júri deve propor a exclusão das propostas que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º”60. Também se apresentam neste sentido os artigos 122.º, número 2 e 184.º, número 2, alínea c), do Código.
Com o que dispõe a diretiva de 2014, ficou pacificada a questão relativa à transposição de motivos de exclusão facultativa em termos vinculativos, sendo superadas as dúvidas a este respeito. Deste modo, cabe aos Estados-Membros, ao tempo da transposição, decidir com relação a cada um dos motivos de exclusão facultativa se estes serão incluídos “no direito interno em termos facultativos ou em termos vinculativos para as suas entidades adjudicantes”61.
II.2.a. Exclusões obrigatórias
No que diz respeito aos motivos de exclusão obrigatória, o legislador europeu desenvolveu uma listagem de práticas criminais reconhecidas como mais graves e, consequentemente, de maior importância em matéria de participação em procedimentos concorrenciais.
A Diretiva 2004/18/CE previa como causas de exclusão obrigatória nas alíneas do número 1 do artigo 45.º as “situações em que o interessado havia sido condenado, por sentença transitada em julgado, pelos crimes de participação em atividades de uma organização criminosa, de corrupção, de fraude ou de branqueamento de capitais”62.
Na Diretiva 2014/24/UE, para além das causas de exclusão previstas na diretiva de 2004, foram incluídos os motivos de exclusão referentes a i) infrações terroristas ou relacionadas com atividades terroristas (incluídas a instigação, cumplicidade ou tentativa) e ao ii) trabalho infantil ou tráfico de seres humanos. Estes motivos de exclusão encontram-se previstos nas alíneas d) e f), respetivamente, do número 1 do artigo 57.º.
Quanto ao motivo de exclusão que diz respeito às dívidas (não regularizadas) à segurança social ou à administração tributária, o legislador europeu estabeleceu uma
60 MOREIRA, e-Pública REDP, p. 125-126.
61 MOREIRA, e-Pública REDP, p. 126.
62 XXXXXXX, RCP, p. 49-51.
distinção que não era encontrada na Diretiva 2004/18/CE. Ao tempo da direita de 2004, esta causa de exclusão possuía natureza facultativa. Contudo, nos termos do primeiro parágrafo do número 2 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, este motivo de exclusão será de natureza obrigatória caso haja uma decisão judicial ou administrativa transitada em julgado e com efeito vinculativo. Não havendo decisão nestes moldes, estaremos diante de um motivo de exclusão facultativa, como previa a diretiva anterior63.
Depreende-se do segundo parágrafo do número 2, artigo 57.º da diretiva de 2014 que, fora dos casos em que haja decisão nos termos mencionados no primeiro parágrafo, poderão os Estados-Membros “permitir ou impor o afastamento do operador económico faltoso (exclusão facultativa) quando as suas autoridades adjudicantes, através de «meios adequados», consigam demonstrar o incumprimento das referidas obrigações”64.
À semelhança do que sucedia no diploma de 2004, a nova diretiva cinge esta causa de exclusão a infrações relativas às normas do país em que o interessado se encontre estabelecido ou do Estado-Membro da autoridade adjudicante. Fá-lo, porém, apenas no âmbito da exclusão obrigatória. Na vertente facultativa deste fundamento de exclusão, o legislador absteve-se de colocar semelhante exigência65.
Em síntese, nos termos do número 2 do artigo 57.º da diretiva, a exclusão dos concorrentes por dívidas à segurança social ou à administração tributária só é obrigatória para as entidades adjudicantes se tal tiver sido determinado por decisão transitada em julgado. Nos restantes casos, estaremos perante uma causa de exclusão facultativa.
É de destacar que a regularização da dívida – por pagamento integral ou pela celebração de um acordo vinculativo – terá por resultado afastar os efeitos impeditivos previstos no número 2 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE. Isto é o que prevê o último parágrafo deste número.
Assim como ocorria com a diretiva anterior, a Diretiva 2014/24/UE prevê no número 3 do artigo 57.º a possibilidade de derrogação dos fundamentos de exclusão. Nos termos deste número, poderá ser prevista no ordenamento interno dos Estados-Membros a derrogação, de caráter excecional, das exclusões obrigatórias previstas nos números 1 e
63 XXXXXXX, RCP, p. 49-51.
64 XXXXXXX, RCP, p. 49-51.
2 do artigo 57.º. No ordenamento jurídico português não há previsão normativa que densifique esta possibilidade de derrogação que consta na Diretiva 2014/24/UE66.
Poderão ser utlizados como fundamento para a derrogação razões imperiosas de interesse público, incluídos: i) motivos de saúde pública ou ii) proteção do ambiente67. O considerando 100 da Diretiva 2014/24/UE traz exemplos de situações que possam vir a justificar a previsão no ordenamento de um Estado-Membro deste tipo de derrogação. No contexto em que vivemos apresenta-se extremamente pertinente o seguinte exemplo:
Pode ser esse o caso, por exemplo, se determinadas vacinas ou equipamento de emergência só puderem ser obtidos junto de um operador económico ao qual se aplica um dos motivos de exclusão obrigatória68.
Por outro lado, no que diz respeito especificamente ao motivo de exclusão obrigatória com fundamento em dívida ao Fisco ou à segurança social, a possibilidade de derrogação encontra-se prevista no segundo parágrafo do número 3 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
Nos termos deste dispositivo legal, os Estados-Membros poderão prever a derrogação caso a exclusão se afigure manifestamente desproporcionada. Em situações nas quais, nomeadamente, i) as dívidas envolvam pequenos montantes de valor irrisório ou ii) o operador económico seja informado do montante exato da dívida em momento que já não permita a sua atempada regularização, ou seja, momento que não permita celebrar acordo para pagar antes de expirar o prazo de apresentação de sua candidatura ao procedimento concorrencial69.
Neste sentido, encontra-se exposto no terceiro parágrafo do considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE que, relativamente aos motivos facultativos de exclusão – v.g. dívidas não regularizadas à administração tributária ou à segurança social que não decorram de decisão judicial ou administrativa transitada em julgado – apenas em circunstâncias excecionais poderão as pequenas irregularidades conduzir à exclusão de um operador económico.
66 XXXXXXX, RCP, p. 51-52.
67 XXXXXXX, RCP, p. 51-52.
68 Considerando 100, Diretiva 2014/24/UE.
69 XXXXXXX, RCP, p. 51-52.
A Diretiva 2014/24/UE passa a prever expressamente no segundo parágrafo do número 1, artigo 57.º que, havendo condenação que recaia sobre um dos membros da administração do operador económico candidato ou concorrente, estará impedida a pessoa coletiva de participar no procedimento. Não havia previsão desta natureza na Diretiva 2004/18/CE, a saber:
A diretiva de 2004 apenas exigia a condenação pessoal do candidato ou proponente pela prática de algum dos crimes impeditivos, sendo omissa quanto à questão de saber se um interessado pessoa coletiva seria de excluir quando a condenação criminal tivesse recaído, não sobre esta entidade, mas sobre algum dos membros dos seus órgãos sociais70.
Da leitura do que se encontra estipulado no número 1 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE não restam dúvidas quanto a esta questão. Há a obrigação de excluir o operador económico, pessoa coletiva, caso a pessoa condenada por decisão final transitada em julgado seja membro dos órgãos administrativos, de direção ou de supervisão desse operador económico ou tenha poderes de representação, decisão ou controlo nesses órgãos71.
II.2.b. Exclusões facultativas
Os motivos de exclusão facultativa encontram-se previstos nas diversas alíneas do número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE. Para além de reformular a tipificação dos motivos previstos até então nas diretivas anteriores, a diretiva de 2014 estabelece novos motivos de exclusão72.
Em síntese, temos os seguintes motivos de exclusão facultativa previstos na Diretiva 2014/24/UE: a) incumprimento de obrigações em matéria ambiental, social e laboral; b) insolvência; c) falta profissional grave; d) distorção da concorrência; e) conflitos de interesses; f) participação na preparação do procedimento; g) mau desempenho em contratos anteriores; h) declarações falsas; i) comportamentos impróprios no procedimento (influenciar indevidamente a tomada de decisão).
Nos termos da alínea a), número 4, artigo 57.º da diretiva de 2014, poderá haver a exclusão do operador económico caso haja a demonstração pela entidade adjudicante do
70 XXXXXXX, RCP, p. 52-53.
71 Cf. último parágrafo número 1, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
72 XXXXXXX, RCP, p. 53.
incumprimento das obrigações em matéria ambiental, social e laboral por parte dos operadores económicos ao executavam os contratos públicos73. Estas obrigações podem ter origem no direito europeu, direito nacional ou direito internacional.
Nos termos da alínea b) do número 4, artigo 57.º, o operador económico que tenha sido declarado em estado de insolvência ou esteja em processo de insolvência pode ser impedido de participar em um procedimento concorrencial. O tema encontrava-se previsto em duas alíneas ao tempo da diretiva de 2004: xxxxxxx a) e b), número 2 do artigo 45.º. A diretiva atual reuniu o conteúdo destas em uma única alínea.
O último parágrafo do número 4 do artigo 57.º da diretiva de 2014 traz a ressalva de que, em observância às regras e medidas nacionais aplicáveis à continuação da atividade em situações como as descritas na alínea b) poderá a entidade adjudicante não excluir o operador económico. Para que isso seja possível deverá haver previsão dessa exigência ou possibilidade no direito interno deste Estado-Membro. Esta escolha do legislador europeu foi elogiada pela doutrina por promover a concorrência nos procedimentos concorrenciais74.
A alínea c) prevê o motivo de exclusão de falta profissional grave que ponha em causa a idoneidade do operador económico. Este motivo de exclusão, previsto anteriormente na alínea d), número 2, artigo 45.º da Diretiva 2004/18/CE, veio a ser alterado ligeiramente pela diretiva atual75. A sua transposição para o direito interno foi consolidada na alínea c) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos.
O acórdão Forposta, sobre o qual iremos debruçar-nos mais a frente neste trabalho, tem especial relevância para este motivo de exclusão. Neste momento, cabe dizer que no referido acórdão o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu o conceito de falta em matéria profissional como “qualquer comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador em causa”76.
73 “Muito embora estes fundamentos de exclusão não constassem do texto de 2004, é contudo duvidoso que, materialmente, estas infrações não se encontrassem já abrangidas noutros motivos de exclusão. Na verdade, a própria diretiva de 2004 admitia, nos seus considerandos, que a inobservância de obrigações desta natureza poderia motivar a condenação por delito que afeta a honorabilidade profissional ou ser considerada como falta grave em matéria profissional, conceitos a que correspondiam duas cláusulas gerais de exclusão. Na verdade, a enunciação expressa destas obrigações oferecerá, provavelmente, um caráter sobretudo simbólico, revelando a importância que os intervenientes no processo legislativo europeu atribuem a estes temas” - XXXXXXX, RCP, p. 56.
74 XXXXXXX, RCP, p. 53-54.
75 XXXXXXX, RCP, p. 54-55.
76 Acórdão do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 27, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
A definição estabelecida neste acórdão é consideravelmente ampla e, como afirma o Tribunal de Justiça, não se limita a “violações das regras deontológicas na estrita aceção da profissão à qual pertence esse operador, que sejam constatadas pelo órgão disciplinar previsto no quadro dessa profissão ou por uma decisão jurisdicional com força de caso julgado”77. Para além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que “o incumprimento, por um operador económico, das suas obrigações contratuais pode, em princípio, ser considerado uma falta cometida em matéria profissional”78.
Extrai-se da própria redação da alínea c), número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE que a gravidade da falta profissional tem relevância para a constituição do motivo de exclusão do operador económico. Apenas haverá fundamento para excluir quando estivermos perante uma falta profissional grave79.
Em comparação com o que previa a diretiva anterior, a Diretiva 2014/24/UE inova precisamente ao “impor expressamente a adequação dos meios pelos quais a entidade adjudicante comprova a falta” e “exigir expressamente que a infração praticada comprometa a idoneidade do operador faltoso”80.
A alínea d) prevê a situação de exclusão na qual a entidade adjudicante possa concluir com base em indícios suficientemente plausíveis que o operador económico tenha celebrado acordos com outros operadores com o intuito de criar uma distorção da concorrência. Não resta claro, contudo, se estes acordos identificados pela entidade adjudicante devem ter sido realizados no seio do próprio procedimento ou se acordos ilícitos pretéritos poderiam ser considerados para fins de exclusão de um operador económico81.
77 Acórdão do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 27, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
78 Xxxxxxx do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 29, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
79 “Quanto à avaliação da gravidade da falta profissional (pois só uma falta «grave» pode ditar a exclusão), o TJUE fixou essencialmente duas coordenadas: por um lado, é necessário que ao comportamento do interesssado subjaza uma «intenção culposa» ou uma «negligência de uma certa gravidade»; por outro, a verificação da existência de uma falta grave requer, em princípio, uma «apreciação concreta e individualizada» daquele comportamento. À semelhança da diretiva de 2004, tão-pouco o novo texto legal contém qualquer exigência no sentido de uma verificação externa da infração (por exemplo, uma decisão judicial ou administrativa), permitindo antes que a entidade adjudicante averigue e conclua, ela própria, pela ocorrência de uma «falta» desta natureza. Neste ponto, o impedimento distingue-se das causas de exclusão obrigatórias que, como vimos, exigem uma condenação judicial pela prática da infração (ou, no caso das dívidas ao fisco à segurança social, pelo menos uma decisão administrativa)” - MOREIRA, RCP, p. 54-55.
80 XXXXXXX, RCP, p. 54-55.
81 “Na doutrina que já se pronunciou sobre este preceito, o aludido motivo de exclusão tem sido associado ao combate (...) a comportamentos anti-concorrenciais adotados no contexto da contratação
As ilicitudes praticadas antes do procedimento concorrencial poderiam sempre ser abarcadas pelo motivo de exclusão fundado na falta em matéria profissional, cuja vasta amplitude conceitual permitiria às entidades adjudicantes avançar com a exclusão do operador económico82. O Tribunal de Justiça pronunciou-se neste sentido ao definir de forma ampla o sentido destas faltas no acórdão Forposta, incluindo qualquer comportamento culposo com incidência na honorabilidade profissional do operador. A este respeito, temos o seguinte trecho do Considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE:
As autoridades adjudicantes deverão (…) poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, por exemplo na sequência de infrações de obrigações ambientais ou sociais, incluindo (…) formas de falta profissional, como a violação de regras da concorrência.
Os motivos de exclusão previstos nas alíneas e) e f) são inovadores no direito europeu secundário. Temos, respetivamente, uma situação de conflitos de interesses e uma situação em que a participação na preparação do procedimento de contratação resulta em uma distorção da concorrência. É possível observar duas características comuns a estes dois motivos de exclusão.
Em primeiro lugar, estamos diante de impedimentos relativos – também chamados de proibições específicas de acesso83 – cujos efeitos impeditivos aplicam-se apenas ao procedimento concorrencial que possui ligação com o motivo de exclusão em questão. Deste modo, os operadores económicos não se encontram impedidos de participar em nenhum outro procedimento, ou seja, não há um impedimento em absoluto84.
A segunda característica comum diz respeito à ausência de relação com as qualidades profissionais dos operadores económicos. Em outras palavras, ambos os
pública. Nesta perspetiva, além de consubstanciar naturalmente uma censura à inobservância das regras da concorrência, a exclusão teria sobretudo o propósito de garantir a observância das regras jus-concorrenciais no âmbito dos próprios procedimentos adjudicatórios. Contudo, parece duvidoso que, conforme já foi defendido na doutrina, a letra da diretiva exclua do âmbito deste impedimento as ofensas às regras da concorrência que tenham ocorrido no exterior do procedimento pré-contratual” - XXXXXXX, RCP, p. 56-59.
82 XXXXXXX, RCP, p. 56-59.
83 Cf. M. XXXXXXX XX XXXXXXXX e X. XXXXXXX XX XXXXXXXX, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, reimpr., p. 516.
84 XXXXXXX, RCP, p. 59-61.
motivos de exclusão “destinam-se antes a garantir a igualdade de tratamento dos concorrentes e a transparência no procedimento”85.
Nos termos do segundo parágrafo do artigo 24.º da diretiva de 2014, estamos perante uma situação de conflitos de interesses quando há qualquer situação em que membros da entidade adjudicante, ou de quem age em seu nome, têm interesse financeiro, económico ou outro suscetível de comprometer a sua imparcialidade e independência no contexto do procedimento de adjudicação. Este artigo estabelece o mínimo exigido para classificar uma situação como um conflito de interesses, podendo ser incluídas, para além destas, situações mais severas.
Por sua vez, a participação na elaboração das peças do procedimento que resulte em distorção da concorrência “abrange a apresentação de pareceres à autoridade adjudicante (incluindo no âmbito de uma «consulta preliminar ao mercado» nos termos do artigo 40.º), assim como qualquer outra forma de participação na preparação do procedimento de contratação”86.
(...) É também manifesta a preocupação do legislador em garantir a proporcionalidade da exclusão, mais concretamente, a necessidade do recurso a esta medida. Em ambos os casos, a exclusão apenas é consentida quando a patologia do caso (o conflito de interesses ou a distorção da concorrência resultante de uma intervenção prévia) não possa ser curada através de outras medidas “menos invasivas”. A exclusão apresenta-se, assim, como medida de ultima ratio87.
Encontra-se previsto na alínea g), número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE o motivo de exclusão facultativa de mau desempenho em contratos anteriores (também denominado bad past performance). Este fundamento de exclusão será estudado em maior detalhe em capítulo próprio. Importa, neste momento, realizar uma breve apresentação do mesmo.
Este motivo de exclusão, que tem por fundamento a execução deficiente de um contrato público anterior, encontra-se previsto expressamente na Diretiva 2014/24/UE, o que não ocorria na diretiva anterior. Assim, apesar do Tribunal de Justiça da União
85 XXXXXXX, RCP, p. 59-61.
86 XXXXXXX, RCP, p. 59-64.
87 XXXXXXX, RCP, p. 59-64.
Xxxxxxxx ter abordado o tema no acórdão Forposta – proferido ao tempo da diretiva de 2004 –, no qual resta reconhecida a possibilidade de previsão deste motivo de exclusão no direito nacional dos Estados-Membros, trata-se de uma previsão inovadora da diretiva atual.
No referido acórdão, o Tribunal de Justiça afirmou que “«em princípio», o motivo de exclusão consistente em falta grave em matéria profissional, previsto na diretiva, serviria para afastar um concorrente com fundamento no incumprimento de uma obrigação contratual”88. Tribunal de Justiça afirmou que o direito europeu não se oporia a uma atuação legislativa de um Estado-Membro neste sentido.
A Diretiva 2014/24/UE, além de prever expressamente este motivo de exclusão, determinou requisitos específicos para que possa haver a sua aplicação e o consequente afastamento do operador económico. Em primeiro lugar, há a exigência de que as deficiências na execução sejam significativas ou persistentes.
Como exemplos de deficiências deste tipo temos as apresentadas no considerando 101 da diretiva de 2014: “falhas na entrega ou execução, deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam, ou conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico”.
Em segundo lugar, é exigido “que as patologias da execução do contrato anterior tenham provocado certas reações por parte do contraente público: «rescisão antecipada» (…), «condenação por danos» (o que pressupõe a propositura de uma ação judicial) ou
«outras sanções comparáveis»”89.
O motivo de exclusão previsto na alínea h) diz respeito a declarações falsas prestadas pelo operador económico, seja no âmbito da verificação de ausência de motivos de exclusão ou da verificação do cumprimento dos critérios de seleção pelo operador económico. Esta alínea faz referência ao artigo 59.º da diretiva de 2014, que prevê o Documento Europeu Único de Contratação Pública, através do qual os concorrentes fornecem as informações necessárias para as análises mencionadas.
Este motivo de exclusão é o resultado de uma reformulação do que vinha previsto na Diretiva de 2004/18/CE. Apesar disto, a essência manteve-se no que diz respeito às
88 XXXXXXX, RCP, p. 64-65.
89 XXXXXXX, RCP, p. 64-65.
informações prestadas e analisadas. São observados dados sobre “(i) a capacidade técnica e financeira do interessado, (ii) a inexistência de factos subsumíveis aos motivos de exclusão e (iii) a titularidade das habilitações legais necessárias ao desenvolvimento da atividade em causa”90. A respeito deste motivo de exclusão:
Cotejando o novo texto legal com o da diretiva anterior, poder-se-ia concluir que o legislador abandou a exigência de que as falsas declarações fossem prestadas «com culpa grave». Na verdade, a versão portuguesa da nova diretiva não contém qualquer referência equivalente91.
Por sua vez, a alínea i) apresenta-se como um novo fundamento de exclusão. Esta permite que seja afastado do procedimento o operador económico que tenha diligenciado no sentido de influenciar indevidamente o processo de tomada de decisão da entidade adjudicante quanto às exclusões, seleções ou adjudicação no procedimento.
Valer-se desta alínea para fundamentar a exclusão de um operador económico pode traduzir-se numa tarefa complexa, dúvidas podem surgir quanto ao enquadramento correto de determinada situação. Neste sentido, “os comportamentos aqui visados confundir-se-ão certamente, muitas vezes, com a prática de um crime de corrupção”92. Como vimos, caso haja uma condenação judicial transitada em julgado estaremos diante de uma causa de exclusão de natureza obrigatória. Assim, analisar uma situação em concreto e realizar esta distinção nem sempre será uma tarefa fácil.
Este motivo de exclusão facultativa tem utilidade especialmente para permitir que entidades adjudicantes afastem operadores económicos que pratiquem soft corruption93. Esta diz respeito a situações que não caracterizam corrupção nos termos das legislações
90 XXXXXXX, RCP, p. 65-66.
91 XXXXXXX, RCP, p. 65-66.
92 XXXXXXX, RCP, p. 65-67.
93 A respeito da definição deste conceito: “This is soft corruption: unethical transgressions carried out in the quest for political power or personal benefit, achieving results that work against the public interest; and it’s all legal. Most writers about corruption generally define it as political behavior that violates the norms of public office for private, selfish reasons. That definition is fine, except that such behavior can be perfectly legal”. – NJ Spotlight News, 21 de Agosto de 2017, disponível em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx/0000/00/00-00-00-xxxxxx-xxxxxxx-0000-xxx-xxxx-xxxxx-xxxxx-xxxx- corruption-and-nj/ (acedido em 20 de janeiro de 2022).
penais ou que não apresentam relevância criminal, mas que põem em causa a integridade do procedimento em resultado de uma influência indevida praticada pelo concorrente94.
Por regra, os efeitos impeditivos estariam restritos ao procedimento em que se verificou o comportamento indevido. Contudo, os efeitos poderão estender-se para além deste procedimento em duas situações: “se no âmbito de um procedimento ulterior a conduta pretérita for qualificada como falta grave em matéria profissional ou se o anterior exercício de influência indevida tiver dado lugar a uma condenação judicial (transitada em julgado) por crime de corrupção”95.
II.3. Impedimentos no Código dos Contratos Públicos
Antes de iniciarmos o estudo dos impedimentos previstos no Código dos Contratos Públicos, afigura-se pertinente estabelecer a distinção entre estes e as causas de exclusão das propostas. Os impedimentos, que incidem sobre os próprios operadores económicos, não se confundem com as causas de exclusão das propostas que, como o próprio nome refere, incidem sobre as propostas apresentadas pelos operadores económicos.
As causas de exclusão das propostas encontram-se previstas no artigo 70.º, número 2 do Código dos Contratos Públicos, que prevê “um elenco geral de causas de exclusão”96. Os números 2 e 3 do artigo 146.º, por outro lado, estabelecem uma “enumeração alargada de causas de exclusão em sede de regras aplicáveis ao concurso público”97.
Em suma, o Código dos Contratos Públicos não inovou nesta temática, o legislador nacional procedeu com o esclarecimento e aperfeiçoamento do regime em vigor anteriormente à revisão de 201498.
94 “Noutras situações, porém, o exercício de uma “influência indevida” no procedimento poderá escapar às malhas deste tipo de exclusão, desde logo pela circunstância de o comportamento não apresentar relevância criminal. Deste modo, uma das virtudes deste novo fundamento de exclusão consistirá certamente em abranger estes casos de soft corruption. Por outro lado, mesmo que estejamos em presença de um comportamento subsumível ao crime de corrução (hard corruption), a exclusão obrigatória apenas operará mediante uma condenação por sentença transitada em julgado. Assim, uma vez que a operatividade desta nova causa de exclusão dispensa uma pronúncia judicial definitiva, a diretiva disponibilizará às entidades adjudicantes um instrumento de garantia imediata de integridade no procedimento” - MOREIRA, RCP, p. 65-67.
95 XXXXXXX, RCP, p. 65-67.
96 J. PAÇÃO, “Novidades na tramitação dos procedimentos: causas de exclusão de propostas, impedimentos, preço ou custo anormalmente baixo e preço base” in M. Xxxx Xxxxxxxxxx e X. Xxxxxxx Xxxxxxx (coord.), Atas de Conferência - A Revisão do Código dos Contratos Públicos, Lisboa, ICJP e CIDP, 2016, pp. 161-164.
97 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 161-164.
98 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 161-164.
Feita esta breve distinção, avançamos para o estudo dos impedimentos (nomenclatura adotada no direito nacional)99. Estes encontram-se previstos nas diversas alíneas do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, artigo através do qual é realizada a transposição para o direito interno português dos motivos de exclusão previstos no artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
Como vimos, nas diretivas de 2014 – assim como ocorria nas diretivas de 2004 – há uma divisão dos motivos de exclusão em dois grupos. Temos, como resultado da dicotomia adotada – e preservada nas diretivas de 2014 – pelo legislador europeu, de um lado os motivos de exclusão de natureza obrigatória e, do outro, os motivos de exclusão de natureza facultativa.
Esta dicotomia, presente ao nível da legislação europeia, não foi, contudo, objeto de transposição para o direito nacional português. Apesar do que afirmou o Tribunal de Justiça no acórdão Forposta – por regra, ser de rejeitar a “«transformação» acrítica de uma causa de exclusão facultativa em causa de exclusão obrigatória”100 – verificamos que no direito nacional os motivos de exclusão facultativa foram diretamente inseridos no grupo dos impedimentos, ao qual não se aplica a distinção quanto à natureza (obrigatória ou facultativa).
É possível encontrar críticas na doutrina a essa opção do legislador nacional, para além de afirmações sobre a possibilidade de, no futuro, haver uma acusação de violação do princípio da proporcionalidade sujeita à censura do Tribunal de Justiça. Esta acusação teria por fundamento o facto de o legislador português “exceder o necessário para atingir o objetivo de salvaguarda do interesse público prosseguido com os impedimentos – restringindo, de forma excessiva, o valor concorrência e a participação dos interessados no procedimento”101.
Sendo todos os impedimentos no direito interno português causas de exclusão obrigatória do operador económico, verifica-se que o legislador português ignorou o facto
99 “A ratio iuris subjacente à consagração de impedimentos específicos em sede de contratação pública relaciona-se com a necessidade de proteção de multiplicidade de interesses da entidade adjudicante e de interesses públicos essenciais, como sejam as dívidas ao fisco e à Segurança Social, o estado de insolvência, etc. Todos eles se relacionam, em última instância, com a necessidade de as entidades adjudicantes escolherem operadores económicos que tenham robustez financeira para executarem o contrato público e o bom nome e reputação para se associarem à prossecução do interesse público”. – R. XXXXXXXX, Direito da Contratação Pública, 2.ª ed., Porto, Universidade Católica Portuguesa, 2021, p. 168.
100 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 182-183.
101 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 183.
de que o legislador europeu estabeleceu os motivos de exclusão sendo eles, em grande parte, facultativos102 103.
Avançando para uma análise individual dos impedimentos previstos no direito interno português, o artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos determina que as entidades que estejam inseridas em suas hipóteses não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento candidato ou concorrente. O regime dos impedimentos “corresponde, em traços simplistas, à previsão legal de motivos de exclusão relativos à idoneidade pessoal dos concorrentes”104.
Em síntese, temos os seguintes impedimentos: alínea a) insolvência; alíneas b) e c) crimes que afetem a honorabilidade profissional; alíneas d) e e) incumprimento das obrigações em matéria de contribuições à Segurança Social e pagamento de impostos; alínea f) sanção acessória de proibição de participação em concursos; alínea g) sanção pela utilização não declarada de mão-de-obra sujeita a impostos; alínea h) condenação pela pratica de crime; alínea i) participação na preparação e elaboração das peças do procedimento; alínea j) influenciar indevidamente a decisão de contratar, obter vantagens indevidas e prestar informações erróneas; alínea k) conflitos de interesses; alínea l) mau desempenho em contratos anteriores.
A alínea a) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, que resulta da transposição da alínea b), número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, contém a hipótese de insolvência. É de ressaltar que “as Diretivas de 2014, tirando alterações de mera «cosmética», não modificaram, na substância, os preceitos relativos às causas de exclusão insolvenciais”105.
Nos termos desta alínea os operadores económicos que se encontrem em insolvência, declarada por sentença judicial, ou que estejam em fase de liquidação,
102 “No CCP não se distingue entre impedimentos facultativos e impedimentos obrigatórios. Entre nós, o impedimento é sempre obrigatório, no sentido de que o órgão adjudicante não pode deixar de determinar a exclusão da candidatura ou da proposta sempre que se verifique uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º; coisa diferente, que pode ocorrer, é a relevação do impedimento, nos termos do artigo 55.º-A”. – XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos, p. 668.
103 A distinção estabelecida pelo legislador europeu tem por referência a gravidade de cada motivo de exclusão. Enquanto, por um lado, os mais gravosos “obrigam à exclusão dos concorrentes, sem atribuição de uma margem de apreciação às entidades adjudicantes”103, por outro, os menos gravosos “são atributivos de uma margem de apreciação às entidades adjudicantes, pelo que a exclusão do concorrente é um poder-dever a ser exercido pelas entidades adjudicantes, consoante os contornos do caso concreto”. - PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 183
104 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 164.
105 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 161 ss.
dissolução ou cessação de atividades, assim como os que estejam sujeitos a qualquer meio preventivo de liquidação de patrimónios ou em situação análoga não podem ser candidatos ou concorrentes em procedimentos concorrenciais.
Esta alínea traz a ressalva para os casos em que os operadores económicos estejam abrangidos por – ou tenham pendente – um plano de recuperação de empresas, judicial ou extrajudicial, previsto em lei. Deste modo, permite-se a participação em procedimentos concorrenciais dos operadores que se encontrem nestas situações.
Quanto à específica relevação de impedimentos insolvenciais, não houve a transposição para o direito nacional da norma prevista no último parágrafo do número 4, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE. Nos termos deste dispositivo, o concorrente pode demonstrar que as regras e medidas nacionais que lhe estão a ser aplicadas permitem o exercício da sua atividade e executar o contrato.
Esta previsão normativa relativa à relevação dos impedimentos insolvenciais não se encontra transposta para o Código dos Contratos Públicos, que não admite a aplicação do regime relativo à relevação dos impedimentos (self-cleaning) às situações de impedimento previstas na alínea a) do artigo 55.º. Deste modo, nos termos do número 2, artigo 55.º-A do Código, o impedimento de insolvência não poderá ser relevado. A este respeito, encontramos vozes na doutrina106 que defendem a inclusão expressa deste motivo de relevação no número 2, artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos.
Em uma análise em conjunto das alíneas b) e c) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos é possível verificar que, apesar de as diretivas de 2014 terem suprimido a referência à condenação por delito que afete a honorabilidade profissional, o Código dos Contratos Públicos manteve a distinção entre crime que afete a honorabilidade profissional e falta grave em matéria profissional, transposta das diretivas de 2004.
A Diretiva 2014/24/UE utiliza-se do conceito alargado de “falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade” que abarca também as infrações criminais (Cf. Acórdão Forposta)107.
As alíneas d) e e) do Código dos Contratos Públicos preveem os impedimentos com fundamento nas situações em que os operadores económicos não tenham a sua situação
106 Cf. PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 168-170.
107 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 170-171.
regularizada quanto às contribuições para a segurança social e/ou junto à administração tributária.
Como vimos, a Diretiva 2014/24/UE faz distinção entre duas situações: i) entidade adjudicante tem conhecimento do incumprimento e ii) existe decisão judicial ou administrativa transitada em julgado.
Ao contrário do que previam as diretivas de 2004, o legislador comunitário consagrou, no número 2 do artigo 57.º da diretiva de 2014, a obrigação de exclusão do concorrente quando verificados os seguintes pressupostos: i) se a autoridade adjudicante tiver conhecimento de que o concorrente não cumpriu as suas obrigações em matéria de pagamento de impostos ou contribuições para a segurança social; e ii) desde que tal tenha sido determinado por decisão judicial ou administrativa, transitada em julgado e com efeito vinculativo.
Em suma, nos termos do segundo parágrafo, número 2, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, na primeira situação a exclusão do procedimento é facultativa, enquanto na segunda há a obrigatoriedade de excluir o operador económico.
O previsto no Código dos Contratos Públicos não reflete a distinção presente na Diretiva 2014/24/UE. O legislador nacional não acompanhou a diferenciação estabelecida pelo legislador europeu, que conferiu um regime mais rigoroso para as situações em que a irregularidade da situação contributiva resulta de uma decisão judicial ou administrativa transitada em julgado com efeitos vinculativos108.
Por sua vez, a alínea f) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos prevê o impedimento relativo à aplicação de uma sanção acessória de proibição de participação em procedimentos de contratação pública previstos em legislação especial, nomeadamente nos regimes contraordenacionais em matéria laboral, de concorrência e igualdade e não discriminação, bem como da sanção prevista no artigo 460.º, durante o período fixado na decisão condenatória.
A alínea g) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos impede a participação de operadores económicos que tenham sido objeto de aplicação, há menos de dois anos, de sanção administrativa ou judicial pela utilização ao seu serviço de mão-de-obra legalmente sujeita ao pagamento de impostos e contribuições para a segurança social, não
108 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 171-173.
declarada nos termos das normas que imponham essa obrigação, em Portugal ou no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal.
A alínea h), artigo 55.º do Código traz o impedimento com fundamento na condenação do operador económico pela prática de algum dos crimes indicados: organização criminosa, corrupção, fraude, branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, infrações terroristas, trabalho infantil.
Com a revisão de 2014, este impedimento passou a ser aplicável também “aos casos de responsabilidade penal das pessoas coletivas, e não apenas de responsabilidade criminal dos titulares de órgãos sociais, à semelhança da modificação operada na alínea
b) do mesmo artigo”109.
Esta formulação legal sugere que, no caso das pessoas coletivas, o impedimento opera apenas por referência à condenação dos titulares dos referidos órgãos sociais, sendo para o efeito irrelevante uma eventual condenação da própria pessoa coletiva. No entanto, a Diretiva 2014/24/UE é, como vimos, muito clara neste ponto: para além dos casos em que a condenação inabilitante tenha recaído sobre o próprio operador, a exclusão obrigatória “aplica-se também” (e não apenas) no caso de a condenação ter recaído sobre uma das pessoas (singulares) referidas no segundo parágrafo do n.° l do artigo 57.º110.
A alínea i), artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos estabelece o impedimento aplicável aos casos em que o operador económico tenha prestado assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento que lhe confira vantagem que falseie as condições normais de concorrência. Este impedimento resulta da transposição da alínea f), número 4 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE, que contém a ressalva relativa à sua aplicação aos casos em que a vantagem auferida não possa ser corrigida por outras medidas, menos invasivas.
Encontramos no artigo 41.º da Diretiva 2014/24/UE exemplos de medidas que podem ser tomadas pela entidade adjudicante. Conclui-se que o concorrente só deve ser excluído se não existirem outras formas menos gravosas de garantir o cumprimento do dever de observância do princípio da igualdade de tratamento. Em outras palavras, “o
109 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 174-175.
110 XXXXXXX, RCP, p. 52-53.
legislador comunitário apenas prevê a exclusão do concorrente caso não seja possível à entidade adjudicante adotar outras medidas, menos invasivas e, naturalmente, menos restritivas da concorrência e da participação do procedimento”111.
Voltando ao Código dos Contratos Públicos, os números 3 e 4 do artigo 35.º-A transpõem esta matéria. Há a habilitação à tomada de medidas menos gravosas que a exclusão, dentre as quais temos, a título de exemplo, a disponibilização da informação trocada.
Avançando para o próximo impedimento, temos o previsto na alínea j) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos. Nos termos desta alínea, estão impedidos os operadores económicos que tenham diligenciado no sentido de influenciar indevidamente a decisão de contratar do órgão competente, de obter informações confidenciais suscetíveis de lhe conferir vantagens indevidas no procedimento, ou tenham prestado informações erróneas suscetíveis de alterar materialmente as decisões de exclusão, qualificação ou adjudicação.
Este impedimento resulta da transposição da alínea i), número 4 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE e “diz respeito, em traços gerais, a um comportamento má-fé, para benefício próprio, do qual resulta uma restrição injustificada do valor concorrência e do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes”112. Neste sentido, “as situações subsumíveis a este impedimento aproximam-se, em boa verdade, ao crime de corrupção, pelo que estaremos, em grande medida, perante casos de soft corruption”113.
A soft corruption114¸ como vimos brevemente, diz respeito a situações que não caracterizam corrupção nos termos das legislações penais ou que não apresentam relevância criminal, mas que põem em causa a integridade do procedimento concorrencial.
Por sua vez, a alínea k) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos prevê o impedimento relativo aos conflitos de interesse115 que não possam ser corrigidos de forma
111 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 175-176. 112 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 176-177. 113 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 176-177.
114 “Soft corruption is the type of influence peddling that’s perfectly legal – but unethical”. - NJ Spotlight News, 21 de Agosto de 2017, disponível em xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx/0000/00/00-00-00- summer-reading-2017-the-hard-truth-about-soft-corruption-and-nj/ (acedido em 20 de janeiro de 2022).
115 “Conflitos de interesses é uma expressão que cobre uma realidade plurifacetada e muito complexa. Em geral, pode dizer-se que ela procura referenciar situações em que a vontade subjacente a uma escolha de um decisor público é ou pode ser afectada por motivações estranhas aos interesses públicos cuja prossecução a lei pôs a seu cargo”. – X. CAUPERS, “Os conflitos de interesses
eficaz por outras medidas menos gravosas que a exclusão. Este impedimento resulta da transposição do motivo de exclusão previsto na alínea e), número 4 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
Ora, é, desde logo, discutível a necessidade de o legislador proceder à transposição deste motivo de exclusão, visto que as situações em que a vontade subjacente a uma escolha de um decisor público é ou pode ser afectada por motivações estranhas aos interesses públicos cuja prossecução a lei determinou, encontram-se cabalmente reguladas nos artigos 69.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, relativos às garantias de isenção e imparcialidade, e necessariamente aplicáveis às entidades adjudicantes e aos procedimentos contratuais por estas lançados116.
O Código dos Contratos Públicos em seus números 3 e 4 do artigo 1.º-A faz menção às garantias de imparcialidade do Código do Procedimento Administrativo e traz, respetivamente, a definição de conflitos de interesse para efeitos do disposto no número
3. A respeito deste impedimento, Xxxxx Xxxxx traz duas notas, a saber:
A alínea [k] do artigo 55.º deve ser sempre aplicada pela entidade adjudicante tendo em conta a sua parte final, relativa à ponderação e adoção de medidas menos gravosas que não a exclusão do concorrente, e, nesta medida, em conjugação com o n.º 2 do artigo 55.º, preceito no qual o legislador teve a preocupação de estabelecer um elenco exemplificativo de medidas gravosas a serem ponderadas pela entidade adjudicante117.
O número 2 do artigo 55.º do Código traz um elenco exemplificativo de medidas menos gravosas a serem ponderadas pela entidade adjudicante em detrimento da exclusão. São elas: i) substituição de membros do júri ou de peritos que prestem apoio ao júri; ii) instituição de sistemas de reconfirmação de análises, apreciações ou aferições técnicas; iii) proibição de o concorrente recorrer a um determinado subcontratado.
na revisão do Código dos Contratos Públicos”, in M. Xxxx Xxxxxxxxxx (coord.), A transposição das Diretivas Europeias de 2014 e o Código dos Contratos Públicos, ICJP – CIDP, 2016, p. 36.
116 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 177-179.
117 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 177-179.
A segunda nota trazida por Xxxxx Xxxxx diz respeito à subscrição de declaração de inexistência de conflitos de interesses pelos membros do júri e demais intervenientes na avaliação das propostas, prevista no número 5, artigo 67.º do Código.
Estabelece-se, a título inovatório, a obrigação dos membros do júri e demais intervenientes no processo de avaliação de propostas subscreverem declaração de inexistência de conflitos de interesses (…), tendo em vista a prevenção de situações de potencial parcialidade, o que se xxxxxx000.
A alínea l) do artigo 55.º do Código prevê o impedimento de mau desempenho em contratos anteriores. Nos termos desta alínea, não podem ser candidatos, concorrentes nem integrar agrupamento as entidades que:
Xxxxxx acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras sanções equivalentes119.
É possível concluir que esta alínea estabelece requisitos para a verificação de uma situação de impedimento fundada nestes termos. Requisito de uma i) deficiência qualificada (significativa ou persistente); ii) ocorrência da deficiência nos últimos três anos; iii) resolução do contrato em decorrência das deficiências e com fundamento nas situações elencadas.
Quanto à qualificação das deficiências, o considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE traz exemplos de situações que caracterizam deficiências significativas ou persistentes. No que diz respeito ao momento em que ocorreu a deficiência na execução, são consideradas as que tenham ocorrido nos últimos três anos.
Por fim, quanto ao fundamento da resolução, a alínea l) prevê quatro possibilidades:
i) resolução sancionatória por incumprimento; ii) pagamento de indemnização por danos
118 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 177-179.
119 Artigo 55.º, alínea l), Código dos Contratos Públicos.
resultantes do incumprimento; iii) aplicação de sanções que tenham atingido os limiares de 20% e 30%, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º120; iv) sanções equivalentes.
III. Mau desempenho em contratos anteriores (bad past performance)
A Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos em geral, ampliou o elenco de motivos de exclusão dos operadores económicos até então previsto pela Diretiva 2004/18/CE. Este alargamento teve como resultado a previsão no primeiro parágrafo da alínea g), número 4 do artigo 57.º da diretiva de 2014 do motivo de exclusão que impede um operador económico, que tenha realizado uma execução deficiente de um contrato anterior, de aceder a um procedimento concorrencial.
Este motivo não era previsto pela diretiva de 2004, que trazia em seu artigo 45.º, as causas de exclusão dos operadores económicos121. A atual diretiva incluiu este motivo de exclusão no elenco do artigo 57.º de forma inovadora não por acaso, mas “na sequência de solicitações de múltiplas entidades adjudicantes de diversos Estados-membros”122, que pretendiam alcançar a atribuição expressa de relevância por parte da legislação europeia ao mau desempenho de contratos anteriores.
Este interesse manifestado por diversas entidades adjudicantes tem por fundamento a diferença presente nas relações de contratação em âmbitos privado e público. Para um contratante privado, não sujeito às regras de contratação pública, não há qualquer
120 A respeito do valor das multas relevante para o impedimento, deve ser consultado o acórdão do STA de 18-02-2021, proc. 0807/19.5BELRA. Afirma o Supremo Tribunal Administrativo: “Lidas as normas em causa, parece resultar da redacção dada pelo legislador que o nº 2 do artº 329º do CCP se apresenta como uma norma geral (…). Por sua vez, o nº 3 da mesma norma apresenta-se como uma excepção ao nº 2, ou seja, sempre que a percentagem ultrapasse os 20% e ainda assim, o contraente público decidida não proceder à resolução do contrato por incumprimento, com fundamento em grave dano para o interesse público, a referida percentagem não pode exceder 30%. Só que, neste último caso, o legislador impõe uma ponderação autónoma dessa consequência através de decisão fundamentada de não resolver o contrato, a emitir pelo contraente público de onde constem as razões pelas quais da resolução do contrato resultaria um grave dano para o interesse público”. Mais a frente neste mesmo aresto o STA afirma: “Assim, no caso dos autos, tendo sido fixada uma multa que ultrapassa os 20% (valor máximo previsto no nº 2 do artº 329º do CCP), é nosso entendimento que se verificará sempre o impedimento desde que a primeira parte do artº 55º também se mostre preenchida, ou seja, desde que os candidatos tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos. E se assim suceder (o que veremos de seguida) esse impedimento gerará sempre que os candidatos não devam ser admitidos a novo concurso (regra geral prevista no nº 2 do artº 329º). Significa isto que o nº 3 do art.º 329º se apresenta como uma regra excepcional, apenas e unicamente quanto ao valor a fixar em termos de sanção pecuniária e nada mais, pois ambos os números podem conduzir ao impedimento; a diferença está em que neste número 3 se permite que sempre que o valor percentual seja superior a 20%, este valor pode ser aumentado até 30%, se o contraente público decidir não proceder à resolução do contrato, por entender que desta resolução pode resultar grave dano para o interesse público”.
121 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 8.
122 M. CALDEIRA, Bad Past Performance, disponível em xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/0000/00/00/xxx-xxxx-xxxxxxxxxxx/ (acedido em 14 de outubro de 2020).
complicação em deixar de contratar com um operador económico que tenha executado de forma deficiente contrato anterior. De forma simples: em âmbito privado, “em caso de incumprimento, nunca mais se volta a contratar com o prevaricador”123.
Por outro lado, nas contratações sujeitas às regras de contratação pública não se afigura tão simples afastar ou impedir o acesso de determinado operador económico. As entidades adjudicantes, antes da previsão expressa da causa de impedimento do mau desempenho, não possuíam um meio que as permitisse alcançar de forma clara a exclusão fundamentada de agentes económicos relapsos, tornando-se, por vezes, sujeitas à livre participação destes em novos procedimentos concorrenciais124.
O considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE desenvolve a ideia presente na alínea g), número 4.º do seu artigo 57.º. Nos termos do segundo parágrafo do considerando125, as deficiências graves relativas aos requisitos essenciais traduzem-se, designadamente, nas falhas na entrega ou execução ou nas deficiências significativas do produto ou serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim.
Tais situações, uma vez verificadas, podem levar à exclusão do operador económico. Estamos, assim, diante de uma faculdade conferida às entidades adjudicantes de excluir um operador económico que apresente um mau desempenho126.
Quanto à densificação deste motivo de exclusão, compete aos Estados-Membros promovê-la. Esta deve ocorrer ao tempo da transposição das disposições da Diretiva 2014/24/UE. A este respeito, cabe aos Estados-Membros definir “as falhas que concretamente poderão levar a uma exclusão e quais os tipos de sanções que efectiva-
123 CALDEIRA, Bad Past Performance, disponível online.
124 CALDEIRA, Bad Past Performance, disponível online.
125 “Tendo em conta que a autoridade adjudicante será responsável pelas consequências da sua decisão eventualmente errada, as autoridades adjudicantes deverão também ter a liberdade de considerar que houve falta profissional grave quando, antes de tomarem uma decisão final e vinculativa sobre a existência de motivos de exclusão obrigatória, puderem demonstrar por qualquer meio adequado que o operador económico violou as suas obrigações, nomeadamente obrigações relacionadas com o pagamento de impostos ou de contribuições para a segurança social, salvo disposição em contrário do direito nacional. Deverão também ter a possibilidade de excluir os candidatos ou proponentes cujo desempenho no âmbito de anteriores contratos públicos tenha acusado deficiências graves no que se refere aos requisitos essenciais, por exemplo, falhas na entrega ou execução, deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam, ou conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico. O direito nacional deverá prever uma duração máxima para essas exclusões” - Considerando 101, Diretiva 2014/24/UE.
126 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 8.
mente tiveram de ser aplicadas em sede de incumprimento contratual anterior para que haja repercussões no contrato actualmente em execução”127.
Verificamos que o legislador nacional, ao transpor o motivo de exclusão referente ao mau desempenho para o ordenamento jurídico português, optou por transforma-lo em contraordenação. A este respeito, encontramos na doutrina críticas a esta escolha legislativa128 129.
O artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos tem como base da sua redação o artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE. Como vimos anteriormente, a alínea l) do artigo 55.º do Código, introduzida pela alteração de 2017, encarrega-se da previsão de proibição de participação de um operador económico que tenha apresentado deficiências significativas e persistentes em contrato anterior, ou seja, um operador económico que tenha tido um mau desempenho na execução de um contrato anterior.
Quanto à aplicação da norma de exclusão de um operador económico do procedimento de contratação, para além da existência de deficiências significativas ou persistentes, temos como requisitos fundamentais: i) a rescisão antecipada por incumprimento em um contrato anterior, ii) o pagamento de indemnização resultante de incumprimento ou iii) a aplicação de determinadas sanções.
III.1. Acórdãos do Tribunal de Justiça: Forposta (2012) e Meca (2019)
O acórdão do Tribunal de Justiça Forposta, proc. C-465/11 de 13 de dezembro de 2012, versa sobre a interpretação da alínea d), número 2, artigo 45º da Diretiva
127 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 9.
128 A respeito desta escolha ao tempo do anteprojeto afirma Xxxxx Xxxxx: “O Anteprojeto transforma o motivo de exclusão relativo à bad past performance numa contraordenação (…). Solução que, salvo melhor entendimento, não nos parece ter sido a melhor, por esvaziar o impedimento relativo à bad past performance da sua principal finalidade: permitir que as entidades adjudicantes, num determinado procedimento pré-contratual, possam, por sua iniciativa, proceder à exclusão de concorrentes com um historial de incumprimento contratual. Rejeita-se, quanto ao seu mérito, um regime que obriga as entidades adjudicantes a aguardarem pela verificação de uma contraordenação, participação à entidade competente, tramitação de processo contraordenacional e, finalmente, aplicação de uma sanção de inibição de participação. Por outras palavras: uma coisa é a atribuição de um poder-dever, balizado por critérios legais, às entidades adjudicantes, que lhes permita a exclusão imediata de dado concorrente por se verificar uma situação de bad past performance à luz dos referidos critérios legais; outra é a possibilidade de uma entidade com funções de regulação proceder à tramitação de um processo contraordenacional que culmine com a aplicação da sanção de inibição de participação” - PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 199-200.
129 Neste mesmo sentido, afirma Xxxxx Xxxxxxxx: “(…) Embora não fosse líquida qual a melhor forma de transpor, para o ordenamento nacional, esta figura das Directivas – se como impedimento do operador económico ou causa de exclusão das propostas, sendo que, se calhar, em teoria, o mais adequado seria “apenas” o aumento do valor da caução, correspondente ao agravamento do risco de incumprimento
–, provavelmente a forma mais prática e adequada seria a de consagrar o incumprimento contratual anterior como impedimento” – CALDEIRA, Bad Past Performance, disponível online.
2004/18/CE. Esta alínea previa a possibilidade de exclusão de um candidato ou proponente que tivesse cometido falta grave em matéria profissional, comprovada por qualquer meio que as entidades adjudicantes pudessem evocar.
Esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia diz respeito a um pedido de decisão prejudicial, com fundamento no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A Polónia apresentou o pedido em razão de uma decisão de exclusão de duas empresas de um procedimento concorrencial para a adjudicação de um contrato no setor dos serviços postais.
Neste acórdão, o Tribunal de Justiça analisa a compatibilidade do disposto na lei polaca com o que prevê a alínea d), número 2, artigo 45º da Diretiva 2004/18/CE, em vigor ao tempo da decisão. A lei polaca130 à época dispunha no sentido de excluir automaticamente os operadores económicos. Esta previsão corresponde ao conteúdo da atual alínea g), número 4, artigo 57º da Diretiva 2014/24/UE. Deste modo, podemos verificar que “foi com base naquilo que vem agora previsto na nova directiva que a Poczta Polska SA decidiu excluir a Forposta SA e a ABC Direct (…) do procedimento de contratação que tinha lançado”131.
Neste aresto, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o conceito de falta grave em matéria profissional, ampliando-o. Assim, determinou-se que este conceito “abrange todas as faltas que tenham um impacto na credibilidade profissional do operador económico e, por conseguinte, não se restringe às violações de padrões éticos estabelecidos por um órgão disciplinar”132 133.
O órgão jurisdicional de reenvio conclui em suas considerações que a causa de exclusão prevista na Diretiva 2004/18/CE “consiste numa falta grave cometida em
130 “1. a) os operadores económicos com os quais a respetiva entidade adjudicante, por circunstâncias que lhes sejam imputáveis […], tenha revogado, denunciado ou rescindido o contrato, no caso de a revogação, a denúncia ou a rescisão ter ocorrido dentro do prazo de três anos anterior à abertura do processo de adjudicação em curso e de o valor do contrato não executado corresponder a, pelo menos, 5% do valor do contrato” - Acórdão do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 6, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
131 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 11-12.
132 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 11.
133 Em resposta às questões prejudiciais o Tribunal afirmou haver determinadas limitações ao conceito de falta grave, que “deve ser compreendido como referindo-se normalmente a um comportamento do operador económico em causa que denota uma intenção culposa ou uma negligência de uma certa gravidade por sua parte. Assim, qualquer execução incorreta, imprecisa ou não cabal de um contrato ou de parte dele pode eventualmente demonstrar uma competência profissional limitada do operador económico em causa, mas não equivale automaticamente a uma falta grave”. - Xxxxxxx do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 30, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
matéria profissional, conceito que, na linguagem jurídica, é sobretudo associado à violação de princípios relativos às normas deontológicas, à dignidade ou à honorabilidade profissionais”134. Nos termos do acórdão, “os conceitos de «falta» «grave» cometida «em matéria profissional» podem ser especificados e explicitados pelo direito nacional”135, respeitando-se o direito da União.
Quanto à exclusão automática, o Tribunal de Justiça afirmou que o disposto na alínea d), número 2, artigo 45º da diretiva de 2004 deve ser interpretado no sentido de que obsta a uma regulamentação nacional que prevê a existência de uma falta grave em matéria profissional, conducente à exclusão automática do operador económico136. Esta era justamente a previsão contida na legislação polaca, considerada pelo Tribunal de Justiça incompatível com o que dispõe o direito europeu, além de caracterizar uma violação do princípio da proporcionalidade137.
Outro acórdão do Tribunal de Justiça que merece destaque é o acórdão Meca, proferido em 19 de junho de 2019 no processo C-41/18. Neste acórdão, fundamental sobre o tema e mais recente, o Tribunal de Justiça discorre sobre aspetos relacionados à apreciação da idoneidade e fiabilidade de um operador económico e da decisão que dela resulta.
Nos termos do acórdão, esta decisão é confiada às entidades adjudicantes e não a um órgão jurisdicional nacional, que devem poder, a qualquer momento, excluir um operador económico138. A legislação italiana levada ao conhecimento do Tribunal de
134 Acórdão do TJUE de 13.12.2012, proferido no processo C-465/11, parágrafo 11, pesquisável em xxxxx://xxx-xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
135 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 11-12.
136 O Tribunal de Justiça da União Europeia, apesar de afirmar não ser a lei polaca compatível com o que dispunha a Diretiva 2004/18/CE, pronunciou-se sobre questões relevantes acerca deste tema. Deste modo, “o TJUE não deixou de afirmar expressamente que, «em princípio», o motivo de exclusão consistente em falta grave em matéria profissional, previsto na diretiva, serviria para afastar um concorrente com fundamento no incumprimento de uma obrigação contratual - MOREIRA, RCP, p. 64-65. 137 “(…) o Tribunal de Justiça indagou da possibilidade de os princípios e as normas do direito da
União Europeia em matéria de contratos públicos justificarem, por motivos de prossecução do interesse público e da manutenção de uma concorrência leal, uma regulamentação nacional que preveja causas de exclusão automática dos operadores económicos, designadamente, a que estava consagrada na lei polaca. E mais uma vez acabou por concluir em sentido negativo” - XXXXXX XXXX, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 12.
138 Neste sentido afirma o Tribunal de Justiça no número 31 do acórdão: “(…) nos termos do artigo 57.º, n.º 5, da Diretiva 2014/24, as autoridades adjudicantes devem poder excluir um operador económico
«a qualquer momento do procedimento» e não apenas após um órgão jurisdicional ter proferido a sua sentença, o que constitui um indício adicional da vontade do legislador da União de permitir à autoridade adjudicante efetuar a sua própria apreciação dos atos que um operador económico cometeu ou omitiu, antes ou durante o procedimento de contratação, numa das situações referidas no artigo 57.º, n.º 4, desta diretiva”.
- Acórdão do TJUE de 19.06.2019, proferido no processo C-41/18, pesquisável em xxxxx://xxx- xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxx.xxxx.
Justiça acrescentou uma condição à exclusão cuja compatibilidade com o direito europeu é apreciada pelo Tribunal. Nos termos da legislação italiana, deve haver confirmação judicial da resolução contratual ou ausência de impugnação judicial.
Com o que dispõe a legislação italiana, há a paralisação dos efeitos da decisão relativa à idoneidade e fiabilidade do operador económico tomada pela autoridade adjudicante. Esta previsão legislativa nacional remove da entidade adjudicante o poder que lhe foi conferido pela Diretiva 2014/24/UE através de uma simples impugnação judicial.
Assim, esta condição presente na disposição nacional em questão, nos termos da decisão do Tribunal de Justiça, não é suscetível de preservar o efeito útil do motivo facultativo de exclusão previsto na Diretiva 2014/24/UE, sendo, portanto, incompatível com o que dispõe o direito europeu139.
III.2. Princípios aplicáveis à adjudicação de contratos públicos.
A adjudicação de contratos públicos deve respeitar os princípios previstos no Tratado de Funcionamento da União Europeia, assim como os princípios que deles decorrem. Os princípios têm por função guiar o processo de interpretação dos textos normativos que resulta na extração das normas de contratação pública. Em outros termos, por definirem os limites de interpretação dos dispositivos legais aplicáveis, são de grande importância para a contratação pública140.
O considerando de número 1 da Diretiva 2014/24/UE, em linha com o que previa a diretiva anterior, dispõe que devem ser respeitados os princípios presentes no Tratado de Funcionamento da União Europeia, designadamente os princípios da livre circulação de
139 “(…) O poder de apreciação dos Estados-Membros não é absoluto (…), uma vez que um Estado-Membro decida incorporar um dos motivos facultativos de exclusão previstos na Diretiva 2014/24, deve respeitar as suas características essenciais, conforme definidas nesta última. Ao esclarecer que os Estados-Membros devem ter «em conta o direito da União» quando especificarem «as condições de aplicação do presente artigo», o artigo 57.º, n.º 7, da Diretiva 2014/24 obsta a que os Estados-Membros desvirtuem os motivos facultativos de exclusão estabelecidos nesta disposição ou ignorem os objetivos e os princípios subjacentes a cada um desses motivos. (…) Resulta da redação do artigo 57.º, n.º 4, da Diretiva 2014/24 que o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e só a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação.”. – Números 33 e 34 do acórdão do TJUE de 19.06.2019, proferido no processo C-41/18.
140 “[Os princípios] consubstanciam um factor de interpretação das regras constantes das directivas comunitárias ou das leis internas, funcionando, deste modo, como tópico de determinação do seu sentido e alcance e servindo de critério para uma interpretação mais extensiva ou mais restrita das normas” - VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 12-14.
mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, assim como os deles decorrentes, designadamente os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência141.
Na contratação pública podem ser destacados certos princípios que compõem um núcleo de especial importância – “um núcleo de princípios que assumem uma posição privilegiada”142 –, são estes os princípios fundamentais da contratação. Neste grupo estão incluídos os princípios i) da concorrência, ii) da igualdade de tratamento e não discriminação e iii) da proporcionalidade.
Inicialmente, estes princípios estavam presentes no número 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos, número este que veio a ser revogado. Com a reforma de 2017, estes princípios foram incluídos no artigo 1.º-A do Código juntamente com outros princípios relevantes para a contratação pública. A nível europeu encontramos estes princípios previstos no número 1, artigo 18.º da Diretiva 2014/24/UE143.
De acordo com o que prevê o número 2 do artigo 18.º da diretiva de 2014, é possível concluir que à luz da legislação europeia “um dos principais escopos em matéria de contratação pública é a sua utilização estratégica para atingir objectivos sociais e ambientais”144. Por esta e outras disposições presentes na diretiva, é possível observar que a Diretiva 2014/24/UE confere uma elevada importância à proteção ambiental, social e laboral.
141 “As diversas gerações de directivas comunitárias relevantes em matéria de contratação pública procuram, tendo justamente como pano de fundo a ideia de uma economia de mercado aberta e de livre concorrência, assegurar a efectiva eliminação das chamadas barreiras «invisíveis» ao mercado interno da contratação pública, bem como condições fundamentais de igualdade dos agentes económicos na participação nos diversos procedimentos de formação dos contratos públicos” – R. Xxxxxxxx, “Âmbito do novo regime da contratação pública à luz do princípio da concorrência”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 69, 2008, pp. 3-29.
142 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 13.
143 Artigo 18.º, Diretiva 2014/24/UE - Princípios da contratação
1. As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não-discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada.
Os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera-se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.
2. Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que, ao executarem os contratos públicos, os operadores económicos respeitem as obrigações aplicáveis em matéria ambiental, social e laboral estabelecidas pelo direito da União, por legislação nacional, por convenções coletivas ou pelas disposições de direito internacional em matéria ambiental, social e laboral constantes do Anexo X.
144 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 12-14.
Avançando para uma análise mais individualizada dos princípios relevantes nesta matéria temos, inicialmente, o princípio da concorrência, consagrado no número 1, artigo 1.º-A do Código dos Contratos Públicos. Este princípio constitui a trave xxxxxx000 da contratação pública e aponta na direção de uma concorrência efetiva e leal. Neste sentido, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx afirma: “a concorrência assume-se, portanto, como um valor cardinal da ordem jurídica, de interesse público e tutelado no âmbito do direito público”146.
Trata-se de um princípio fundamental dos procedimentos adjudicatórios, que deve ser observado, em conjunto com os demais princípios elencados neste artigo, na formação e na execução dos contratos públicos. Deste modo, na formação dos contratos deve-se garantir o mais amplo acesso dos interessados em contratar aos procedimentos e em cada procedimento deve ser consultado o maior número possível de interessados. Em outras palavras, deve ser conferida ao contratante público a melhor comparação possível147.
O sentido no qual aplica-se o princípio da concorrência poderá variar consoante o caso. Por certas vezes, este princípio impede a imposição de barreiras de acesso a procedimentos concorrenciais e, por outras, assume fundamenta esta imposição de barreiras. Esta variação associada à aplicação deste princípio é comentada por Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx nos seguintes termos:
(…) o princípio da concorrência não é de sentido único, apontando, a um tempo, para a maior concorrência possível e, a outro tempo, para
145 P. XXXXXX X. X. INÊS, “Os princípios da contratação pública: O princípio da concorrência”, Publicações CEDIPRE Online - 34, disponível em xxxx://xxx.xxxxxxx.xx.xx.xx (acedido em 07 de outubro de 2021).
146 P. XXXXX XXXXXXXXX, “Concorrência e Contratação Pública (a integração de preocupações concorrenciais na contratação pública)”, Estudos em Homenagem a Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Volume I, Almedina, p. 482.
147 “Com uma ligação intrínseca ao princípio da igualdade e, sobretudo, associado à prossecução do interesse público, o princípio da concorrência determina que, nos procedimentos de adjudicação de um contrato público, se garanta o mais amplo acesso dos interessados em contratar, não apenas no sentido do livre acesso à contratação pública mas, igualmente, no da igualdade de tratamento nessa mesma contratação. Por sua vez, o princípio visa, não apenas a salvaguarda do normal funcionamento do mercado e a protecção dos concorrentes, mas, também, a salvaguarda do interesse público, na medida em que a concorrência permite, em princípio, que a celebração do contrato se faça nas melhores condições financeiras, desde logo, porque quanto maior for o número de entidades com interesse em contratar, mais essas entidades batalharão entre si para a apresentação da melhor proposta” - VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 17.
uma concorrência efectiva e sã. Ali, o princípio pode ser um obstáculo à instituição de barreiras de acesso, aqui, pode ser o seu fundamento148.
O princípio da igualdade, por sua vez, “proíbe qualquer discriminação em razão da nacionalidade e a criação de obstáculos à liberdade de circulação”149. Em outras palavras, este princípio “impõe que os procedimentos de adjudicação proporcionem iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, não podendo ser feita uma discriminação infundada ou injustificada”150.
Há uma forte relação entre o princípio da igualdade e o princípio da concorrência. O equilíbrio resultante da combinação destes dois princípios conduz os procedimentos de contratação pública em direção a uma concorrência efetiva e sã. Neste sentido, “é de acordo com o princípio da concorrência, associado ao princípio da igualdade, que se justifica a existência de determinadas causas de exclusão de operadores económicos dos procedimentos de adjudicação”151.
Por seu turno, o princípio da proporcionalidade determina “que a entidade adjudicante tome em consideração a situação individual de cada operador económico para efeitos de uma eventual exclusão de determinado procedimento de contratação pública”152. Nesta lógica, nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, exige-se das entidades adjudicantes, “considerando a função e objectivos do procedimento em causa, [que] não adopte[m] medidas restritivas da concorrência sem justificação suficiente e adequada para o efeito”153.
(...) A entidade adjudicante apenas deve decidir-se pela exclusão do operador nos casos em que essa opção se revele necessária para atingir o interesse público prosseguido, que consistirá, conforme se retira do acórdão Forposta referido supra, na «exclusão dos operadores económicos realmente pouco fiáveis»154.
148 R. Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Restrições à participação em procedimentos de contratação pública
in Revista de Direito Público e Regulação CEDIPRE, (n.º 1, maio de 2009), pp. 27-34 (p. 27).
149 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 15. 150 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 15. 151 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, p. 15.
152 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 16-17.
153 R. XXXXXXX XX XXXXXXXX, “Os princípios gerais da contratação pública”, Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, 2008, pp. 51-113 (p. 104).
154 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 16-17.
O considerando 101 da Diretiva 2014/24/UE desenvolve em seu terceiro parágrafo no sentido de que a aplicação dos motivos de exclusão facultativa deve ocorrer em observância ao princípio da proporcionalidade. Aos olhos do legislador europeu e em linha com o que determina o princípio da proporcionalidade, pequenas falhas verificadas na execução de um contrato anterior não bastariam para fundamentar a exclusão de um operador económico “em sede de aplicação das causas de exclusão facultativas”155.
Deste modo, apenas excecionalmente pequenas irregularidades poderão conduzir à exclusão de um operador económico. Neste sentido, como determina a primeira parte da alínea g), número 4.º do artigo 57º da diretiva de 2014, devemos estar perante falhas significativas, capazes de “comprometer a fiabilidade do operador económico de tal forma que o interesse público na boa execução do contrato não permita a adjudicação àquele concorrente”156.
Por outro lado, a reincidência em pequenas irregularidades – situação distinta da verificação de pequenas falhas isoladas –, pelo facto de poder gerar dúvidas a respeito da fiabilidade de um operador económico, poderá fundamentar uma decisão de exclusão do operador económico.
No que diz respeito ao objeto dos contratos – apesar de não haver menção clara e expressa da Diretiva 2014/24/UE –, entende-se que tanto o contrato anterior, no qual verificaram-se as falhas, quanto o contrato atual deverão possuir objetos idênticos. Somente deste modo, “a deficiente execução de um requisito essencial do contrato anterior poderá efectivamente comprometer a boa execução do actual contrato, retirando ao operador económico a fiabilidade necessária para que o contrato seja com ele celebrado”157.
Neste raciocínio, tratando-se de motivos de exclusão facultativa, Xxx Xxxx Xxxx afirma, à luz do princípio da proporcionalidade: “exige-se a acusação de falhas ao nível de requisitos essenciais (…), o que nos leva a concluir que neste tipo de situações há de estar em causa a celebração de um contrato com um objecto idêntico ao do contrato onde o operador económico apresentou as referidas falhas”158.
155 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 16-17. 156 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 16-17. 157 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 16-17. 158 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 17-18.
[A previsão no direito europeu de motivos de exclusão, uns vinculativos e outros facultativos] é importante, na medida em que a exclusão de operadores económicos baseada no incumprimento de contratos anteriores não pode configurar uma causa de exclusão automática de concorrentes. Essa exclusão poderá efectivamente ocorrer mas apenas no âmbito de uma apreciação em concreto de cada caso, em nome de princípios estruturantes. (…)159.
Esta tem sido a posição adotada pelo Tribunal de Justiça que, ao longo dos anos proferiu decisões no sentido de censurar “as disposições do direito nacional que estabelecem causas automáticas de exclusão de operadores económicos”160 161.
Assim sendo, relativamente à hipótese prevista na nova Directiva, que alarga os motivos de exclusão de operadores económicos aos casos em que se verificaram falhas significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial de um contrato anterior, constatamos que estamos na presença de uma causa de exclusão facultativa, que poderá levar, ou não, à exclusão do operador económico num caso concreto. De facto, compreende-se que assim seja, desde logo, porque há que reconhecer aos Estados-Membros uma certa margem de apreciação para efeitos da adopção de medidas destinadas a garantir o respeito dos princípios comunitários162.
Vale ressaltar a previsão no direito nacional de prazos máximos para a duração dos efeitos da exclusão, aspeto abordado anteriormente neste trabalho. Esta previsão diz
159 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 15-16.
160 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 15-16.
161 A respeito das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça sobre o tema: “Veja-se, a título de exemplo, o caso Assitur (de 19.05.2009, proc. C-376/08), em que se coloca o problema da exclusão de empresas que se encontrem numa relação de domínio entre si. O Tribunal de Justiça esclarece que a enumeração taxativa das causas de exclusão previstas no nº 1 do artigo 45º da Directiva 2004/18/CE, não impede os Estados-Membros de adoptarem outras medidas tendentes à exclusão de operadores económicos, baseadas noutros factores e em prol dos princípios gerais de direito comunitário, como o princípio da concorrência e da igualdade. Fundamental é que essas causas de exclusão respeitem o princípio da proporcionalidade e não vão além do que é necessário para alcançar os objectivos da concorrência e da salvaguarda do interesse público, designadamente. Na mesma linha, encontramos as decisões proferidas nos acórdãos Fabricom (de 03.03.2005, proc. C-21/03) e Xxxxxxxxx (de 16.12.2008, proc. C-213/07)”. - XXXXXX XXXX, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 15-16.
162 VIEIRA NOVA, A Exclusão de Operadores Económicos, pp. 15-16.
respeito a uma atuação do legislador nacional que satisfaz uma exigência decorrente do princípio da proporcionalidade.
Deste modo, deve ser destacada a importância dos princípios comunitários que, como vimos, incidem significativamente no direito da contratação pública. Tanto a nível europeu quanto a nível nacional os princípios, designadamente da i) concorrência; ii) igualdade de tratamento e não discriminação; e da iii) proporcionalidade devem ser observados e respeitados, seja na atuação legislativa ou na aplicação direta das regras e normas de contratação pública.
IV. Relevação dos impedimentos (self-cleaning)
A relevação dos impedimentos – também denominada self-cleaning163 – encontra- se prevista expressamente na Diretiva 2014/24/UE e é uma das “grandes novidades em matéria de impedimentos”164. A relevação de um impedimento consiste em permitir que determinado operador económico impedido participe de um procedimento concorrencial caso demonstre que “adotou um conjunto de medidas aptas a afastar as preocupações que motivaram a consagração legal do impedimento que o atinge”165.
A figura da relevação dos impedimentos teve sua origem em momento anterior à Diretiva 2014/24/UE, sob o contexto de conformação da matéria pelo direito da União Europeia. Como vimos, a conformação deste tema é de particular interesse para a União Europeia pelo facto de os impedimentos interferirem “com o acesso a um determinado
«mercado público» e, por conseguinte, com a mobilidade intracomunitária do operador impedido”166.
Apesar de não ter havido regulamentação desta matéria pela legislação europeia antes da Diretiva 2014/24/UE, estava presente na doutrina – já ao tempo da diretiva de 2004 –, o entendimento de que o direito europeu não se oporia ao reconhecimento da relevação dos impedimentos por parte dos ordenamentos jurídicos nacionais. Debatia-se a respeito da existência desta faculdade “ao abrigo de uma possibilidade reconhecida aos
163 A respeito da origem do termo em língua inglesa: “The term self-cleaning is derived from the literal translation of the German legal terminus technicus «Selbstreinigung» and has now become part of the legal terminology of EU procurement law.” – PRIESS, XXXX-XXXXXXX, “The rules on exclusion and self-cleaning under the 2014 Public Procurement Directive”, Public Procurement Law Review, (3), 2014, pp. 112-123.
164 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 180-182.
165 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 124-125.
166 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 124.
Estados-Membros de, por razões imperiosas de interesse geral, derrogar algumas das causas de exclusão de transposição obrigatória para o direito interno”167 168.
Em resultado da reforma europeia de 2014, o primeiro parágrafo do número 6, artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE determina expressamente ser possível afastar impedimentos que recaiam sobre operadores económicos em consequência da prestação de esclarecimentos ou da adoção de medidas pertinentes que salvaguardem os interesses protegidos pelo impedimento.
Em sintonia com o que prevê o número 6 do artigo 57.º da diretiva de 2014, deve ser feita uma análise das razões que levaram à estipulação do motivo de exclusão aplicado ao caso, assim como devem ser identificados os interesses que o legislador pretendeu proteger com a aplicação desta limitação à participação em determinado procedimento concorrencial. Os parágrafos seguintes do número 6 preveem os critérios que devem pautar a análise de adequação das medidas adotadas pelo operador económico que pretende livrar-se do impedimento aplicado sobre si.
Nos termos do segundo parágrafo do número 6, artigo 57.º da diretiva de 2014, o operador económico deve demonstrar a sua fiabilidade por uma de três formas: i) ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave; ii) esclareceu integralmente os factos e as circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito; iii) tomou as medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.
167 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 124-125.
168 A respeito deste tema, afirma Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx: “Por outro lado, algumas vozes davam mais um passo e colocavam a hipótese de o direito europeu primário, designadamente através do princípio da proporcionalidade, exigir mesmo que as medidas de self-cleaning fossem consideradas no âmbito de uma decisão que afastasse um interessado do procedimento adjudicatório”. Em outra passagem, o autor afirma: “O ponto de partida consiste, para vários autores, nas normas contidas no artigo 45.º, n.º 1 e 2 (segundos parágrafos), da anterior Directiva 2004/18/CE, segundo as quais os Estados-Membros especificariam as condições de aplicação das causas de exclusão «na observância do direito comunitário». A partir daqui, os caminhos separavam-se. Por vezes, a questão era avaliada no quadro das liberdades fundamentais do mercado comum. Neste contexto, a exigência de proporcionalidade apresenta-se como limite a uma medida restritiva das citadas liberdades (…). Outras vezes, a análise quedava-se fora do contexto das liberdades fundamentais. O principio da proporcionalidade era considerado antes como princípio autónomo do direito europeu primário sendo sublinhado que, segundo a jurisprudência do TJUE, nos citados Acórdãos Xxxxxxxxx e Fabricom, a exclusão apenas se justificaria enquanto medida necessária à consecução das finalidades que motivam a consagração legal do impedimento (cf. respetivamente os Acórdão de 16 de dezembro de 2008, proferido no proc. C-213/07, e o Acórdão de 3 de março de 2005, proferido nos procs. C-21/03 e 34/03)”. - XXXXXXX, e-Pública REDP, p. 124-125.
Por sua vez, o número 7 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE determina que os Estados-Membros devem especificar as condições de aplicação da relevação dos impedimentos por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União.
O Considerando 102 da Diretiva 2014/24/UE apresenta exemplos de medidas que poderão ser adotadas, sendo as primeiras em matéria de organização e pessoal169. Para além disto, o considerando faz referência à possibilidade de haver uma análise centralizada da adequação das medidas de autossaneamento adotadas pelos operadores económicos para afastar os efeitos impeditivos que sobre estes recaiam.
Deste modo, os Estados-Membros são livres para decidir se pretendem deixar as avaliações pertinentes ao cuidado das autoridades adjudicantes, ou se preferem confiar esta tarefa a outras autoridades, seja a nível central ou não central. Nas palavras de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, “esta abertura será de aplaudir na medida em que uma prática decisória centralizada oferece maior grau de coerência e de certeza”170. Contudo, apesar da menção a esta possibilidade, a verificação da inexistência de impedimentos em Portugal ocorre casuisticamente e de forma não centralizada171.
IV.1. Medidas de autossaneamento no direito português
Como vimos, a relevação dos impedimentos diz respeito a um limite imposto à exclusão de operadores económicos. Por sua vez, as medidas de autossaneamento (self-
169 Nos termos do Considerando 102 da Diretiva 2014/24/UE, essas medidas poderão consistir, em particular, em intervenções ao nível do pessoal e da organização, como sejam a rutura de todas as ligações com as pessoas ou organizações envolvidas na conduta ilícita, medidas adequadas de reorganização do pessoal, a aplicação de sistemas de notificação e controlo e a criação de uma estrutura de auditoria interna para acompanhar o cumprimento e a adoção de regras internas em matéria de responsabilidade e compensação.
170 XXXXXXX, RCP, p.77-81.
171 “O Direito da União Europeia confia aos Estados-Membros a tarefa de especificar as condições de aplicação do artigo 57.º da Diretiva 2014/24. Em concretização dessas condições, podem ser adotados diversos modelos ou sistemas de verificação dos impedimentos. No sistema português, os impedimentos são, em regra, verificados e determinados caso a caso, «contract-by-contract», por cada entidade adjudicante, em cada procedimento concreto. A Diretiva 2014/24 não proíbe, contudo, a instituição de um sistema centralizado de decisão sobre a exclusão (como nos EUA, o «debarment»): segundo este modelo, as exclusões e impedimentos são verificados por um organismo central que, quando for o caso, define a inibição do operador económico durante um certo período de tempo. Poderão também existir sistemas mistos, em que algumas decisões são proferidas a um nível central e outras, por ex., as relativas a impedimentos num procedimento específico (v.g., conflitos de interesses) são decididas pelas entidades adjudicantes. Os modelos descentralizados de verificação de impedimentos – verificação pelas entidades adjudicantes em cada caso – podem articular-se com sistemas de centralização ou registo centralizado da informação, que identifique os operadores económicos impedidos («barrados») de participar em procedimentos de adjudicação («black-lists»): é o que sucede, na Alemanha, com a criação do designado registo de proteção da concorrência. - XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos, pp. 672-673.
cleaning measures) entendem-se como “medidas de demonstração, pelo próprio concorrente, da sua idoneidade para o pontual cumprimento do contrato a adjudicar”172. Através da adoção de medidas de autossaneamento173 os operadores económicos podem vir a alcançar a reaquisição do direito de participar em procedimentos de contratação pública174 175.
No que diz respeito aos impedimentos, o direito da contratação pública português é marcado por uma rigidez que resulta da forma de transposição dos motivos de exclusão previstos nas diretivas. Esta rigidez, que se traduz na relação direta entre a verificação de uma situação de impedimento e o afastamento de um operador económico, esteve presente no direito nacional já ao tempo da Diretiva de 2004/18/CE.
No ordenamento jurídico português, a entidade adjudicante encontra-se obrigada a afastar o candidato ou concorrente uma vez verificada a existência de alguma das hipóteses previstas no elenco dos impedimentos (artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos). Isto resulta do facto de que não houve a incorporação no direito interno da dicotomia presente na legislação europeia. Em outras palavras, não foi adotada a divisão que consta na diretiva de 2014 – e que também constava na diretiva de 2004 – entre motivos de exclusão facultativa, por um lado, e obrigatória, por outro.
É possível defender que existe uma contradição em juntar-se um mecanismo de relevação de impedimentos a um sistema rígido como o que está presente no direito nacional. Contudo, a incorporação do self-cleaning resultou na atenuação da rigidez do sistema de impedimentos português, introduzindo um mecanismo que altera a realidade
172 PAÇÃO, Atas de Conferência, p. 180.
173 A respeito da análise de adequação das medidas de autossaneamento, deve ser visto o acórdão do TJUE de 24.10.2018, Vossloh, proferido no processo C-124/17. Neste aresto, muito importante a propósito do self-cleaning, o Tribunal debruça-se sobre a análise realizada pela entidade adjudicante das medidas de autossaneamento adotadas pelo operador económico: “(…) segundo o artigo 57.º, n.º 6, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, se as provas fornecidas pelo operador económico forem consideradas suficientes à luz das regras do direito nacional pertinentes para este fim, este último não é excluído do procedimento de contratação. Em contrapartida, ao abrigo do artigo 57.º, n.º 6, terceiro parágrafo, caso as medidas tomadas sejam consideradas insuficientes, o operador económico recebe uma exposição dos motivos dessa decisão”; “(…) resulta do considerando 102 da Diretiva 2014/24 que, quando um operador económico adotou medidas de execução destinadas a remediar as consequências de quaisquer infrações penais ou faltas graves e a prevenir eficazmente a repetição de tais faltas, proporcionando garantias suficientes, este operador económico deverá deixar de estar excluído por esse motivo apenas”.
174 Cf. XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos.
175 “Por outras palavras, e com outra densificação, estamos perante um conjunto de medidas que permitem ao interessado em participar num procedimento pré-contratual público demonstrar que, apesar de se verificar, à luz da lei, uma causa impeditiva da sua participação no procedimento pré-contratual, as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato a adjudicar” – PAÇÃO, Atas de Conferência, pp.180-182.
até então existente na qual “as entidades adjudicantes não dispunham de qualquer liberdade quanto à decisão de excluir”176.
Com a reforma europeia de 2014 passa a ser possível não excluir o operador económico ainda que verificada uma das hipóteses de impedimento do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos. Deste modo, as entidades adjudicantes passam a ter o poder de afastar os efeitos impeditivos nos termos do artigo 55.º-A do Código. Não devemos, porém, considerar que existe discricionariedade por parte das entidades adjudicantes ao decidir177.
O número 1 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos faz referência ao afastamento de operadores económicos com dívidas ao Fisco ou à Segurança Social. Deste dispositivo é possível extrair que os impedimentos cuja fundamentação seja a existência de dívidas ao Fisco ou à Segurança Social não se estabelecem autonomamente, ou seja, devem ser vistos em conjunto com eventuais regularizações das dívidas existentes através dos devidos meios previstos em lei.
No anteprojeto de revisão do Código dos Contratos Públicos utilizava-se a expressão “sem dívidas” no número 1 do artigo 55.º-A. Ao final, acabou por não se manter a expressão presente inicialmente no anteprojeto, que veio a ser substituída pela expressão “situação regularizada”. Encontramos críticas da doutrina178 a esta escolha inicial presente no anteprojeto levado à consulta pública em 2016.
Verifica-se que a aplicação de um regime de regularização de dívidas desta natureza afasta o impedimento. A própria redação das alíneas d) e e) transmite esta mesma ideia de que é necessária uma análise para além da verificação da existência por si só destas
176 MOREIRA, e-Pública REDP, p. 126.
177 “Inexistindo, é certo, uma discricionariedade de decisão, verifica-se contudo alguma margem de livre apreciação no plano do preenchimento de alguns conceitos que descrevem a situação geradora de impedimento – v.g. sanção administrativa relativa a «falta grave em matéria profissional» [alínea c) do mesmo preceito]” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 125-126.
178 “(…) quanto ao artigo 55.º-A, o seu n.º 1 é absolutamente tautológico tendo em conta que, desde os anos 90 do século passado, as leis da contratação pública passaram a referir-se a este impedimento através da expressão «situação regularizada» em vez de «sem dívidas» (cfr. a alínea e) do artigo 55.º do CCP)” – J. XXXXXX E XXXXXXX E P. XXXXXXXXX XXXXXXX, Comentários ao Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos (agosto 2016), Regime da Contratação Pública, Sérvulo & Associados, disponível em
xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxx/xxxxx/00_XXXX_XXXX/00_XXXXXXXXXXXX/00_XXXXXX_XXXXXXX_X IENTIFICOS/2016/Livros/Comentarios_ao_Anteprojeto_de_Revisao_do_Codigo_dos_Contratos_Public os.pdf (acedido em agosto de 2021).
dívidas. O número 1 do artigo 55.º-A do Código, que em questões de conteúdo não se enquadra no conceito de relevação de impedimentos, recebe críticas da doutrina179.
O mecanismo de relevação de um impedimento é entendido como uma causa de cessação antecipada dos efeitos impeditivos. É possível verificar que a duração dos efeitos impeditivos não é uniforme nem possui uma estruturação padronizada. Deste modo, “no caso da consagração no direito português, este mecanismo de antecipação é introduzido num contexto legal que suscita dúvidas relevantes sobre a duração ordinária das inabilidades”180.
Enquanto certos impedimentos têm a sua duração relacionada com a sua causa, outros têm o seu período de duração definido por outros termos, por vezes de difícil compreensão e aplicação. Dentre os impedimentos cujas limitações impostas à duração de seus efeitos são claras, temos o previsto na alínea f), número 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, relativo à aplicação de sanções acessórias. Estas operam durante o período fixado na decisão condenatória.
O impedimento previsto na alínea g), número 1, artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos também se encontra incluído no grupo de impedimentos cujas regras de aplicação temporal são dotadas de maior clareza. Na alínea g) encontramos o impedimento relativo à aplicação de sanções em resultado da utilização de mão-de-obra sem o devido pagamento de impostos ou contribuições à Segurança Social. A aplicação destas sanções, como bem afirma o dispositivo legal, deverá ter ocorrido há menos de dois anos.
Os impedimentos das alíneas b) e h), relativos a crimes que afetem a honorabilidade profissional e condenação pela prática de crime, respetivamente, possuem uma referência clara relativamente às suas durações. Contudo, outros impedimentos caracterizam-se pela
179 “Não se apresenta com clareza o sentido e a utilidade desta intervenção legislativa. Na verdade, se a situação do interessado se qualifica como regularizada à luz de um regime de regularização de dívidas, não operam, pura e simplesmente, os impedimentos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 55.º, cuja previsão apenas abrange contribuintes que «não tenham a sua situação regularizada». Por outro lado, sempre se afiguraria inadequada a inclusão desta norma no artigo 55.º-A do CCP, já que, em bom rigor, não estamos perante uma «relevação» de impedimentos. A norma não se refere ao afastamento de um impedimento operativo, mas antes à extensão do próprio âmbito de aplicação dos citados impedimentos” - MOREIRA, e-Pública REDP, p. 128.
180 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 126-128.
dificuldade em se alcançar uma identificação clara dos limites temporais impostos à aplicação de seus efeitos181.
A redação da alínea c), por sua vez, não possui a mesma clareza que encontramos nas alíneas b) e h), apesar de valer-se do mesmo termo “reabilitação”. Por se tratar de uma sanção administrativa, não há que se falar em registo criminal nem, portanto, em um cancelamento e subsequente cessação da duração de seus efeitos182.
Desta forma, “a antecipação da cessação da situação de impedimento, proporcionada pelo regime da sua relevação, nem sempre opera por referência a um quadro muito claro sobre a duração ordinária da situação de inabilidade”183. Em outras palavras, estamos perante um cenário marcado pela falta de padronização e uniformização, sobre o qual se aplica a cessação antecipada dos efeitos impeditivos (mecanismos de self-cleaning).
A decisão de relevação deve ser tomada com base em critérios específicos. O número 2 do artigo 55.º-A prevê o primeiro destes critérios trazidos para balizar a relevação dos impedimentos identificados: a idoneidade para a execução do contrato. A definição deste conceito não é pacífica184.
O segundo critério diz respeito à identificação das finalidades do impedimento. Esta identificação é necessária para que possa ser avaliado se os interesses que justificam os impedimentos em questão foram afetados. Este segundo critério deverá ser analisado conjuntamente com o primeiro para que possa haver a relevação dos impedimentos.
181 “Percorrendo o catálogo do artigo 55.º, n.º 1, verificamos que vários dos impedimentos associados à aplicação de uma sanção apenas operam enquanto não tiver ocorrido a «reabilitação» do infrator. Ora, presumindo que o legislador terá empregado este conceito no seu sentido jurídico-penal, referindo-se, portanto, ao cancelamento do registo criminal os impedimentos fundados na condenação pela prática de certos crimes [alíneas b) e h) do n.º 1 do artigo 55.º] operariam até ao momento em que, segundo a lei da identificação criminal [Lei n.º 37/2015, de 5 de maio], ocorre o citado cancelamento do registo” - XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 126-128.
182 “(…) É menos claro o sentido com que o legislador emprega o termo «reabilitação» na alínea c) do citado preceito. À semelhança do que sucede nos casos que acabámos de referir, o impedimento fundado na aplicação de uma sanção administrativa em matéria profissional opera apenas no caso de «entretanto não ocorrer a […] reabilitação» do respetivo destinatário. Neste caso, porém, o impedimento alicerça-se na aplicação de sanções de natureza administrativa que não são inscritas no registo criminal ou noutro registo equivalente. Por conseguinte, nestas situações torna-se mais difícil identificar a duração da situação de impedimento” - XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 126-128.
183 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 126-128.
184 “Poderá referir-se, por exemplo, a uma exigência de fiabilidade ou competência na realização das prestações contratadas, pressupondo-se, nesta hipótese, que o impedimento serviria o propósito de mitigar o chamado performance risk do contrato. Por outro lado, poderíamos estar também perante uma exigência de honestidade ou aptidão moral colocada a quem procure unir-se contratualmente à Administração” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 128-130.
Ademais, a constatação das finalidades deve decorrer sob a luz do princípio da proporcionalidade. Neste sentido, a medida de exclusão de um operador económico deve acompanhar, proporcionalmente, os objetivos subjacentes aos impedimentos.
Deste modo, a citada norma legal [número 2 do artigo 55.º-A, Código dos Contratos Públicos] reflete o juízo que se encontra na origem do instituto do self-cleaning: o reconhecimento de que, em certas circunstâncias, a exclusão do procedimento adjudicatório se mostra desproporcional. Ou seja, em função de uma «autolimpeza» levada a cabo pelo próprio interessado, a exclusão do procedimento pode revelar-se uma medida inidónea ou excessiva para atingir os objetivos subjacentes aos impedimentos185.
A distinção entre motivos de exclusão obrigatória e motivos de exclusão meramente facultativa feita pelo direito da União Europeia – mais especificamente na Diretiva 2014/24/UE, respetivamente nos números 1 e 4 do artigo 57.º – ganha destaque na análise das finalidades dos impedimentos.
Com relação aos primeiros, de transposição obrigatória para o ordenamento dos Estados-Membros, devem ser analisadas as finalidades do impedimento no âmbito do próprio direito da União Europeia186. À luz da Diretiva 2014/24/UE, é possível afirmar que os impedimentos possuem uma finalidade de prevenção da criminalidade187. Neste sentido, ao tempo da Diretiva 2004/18/CE, a Comissão Europeia188 afirmou que o
185 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 128-130.
186 “No que se refere aos impedimentos enquadráveis na primeira destas categorias – refletidos essencialmente na alínea h) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP – a Directiva não só obriga os Estados Membros a transpô-los para os respetivos ordenamentos nacionais, como obriga ainda a que a exclusão seja internamente vinculativa para as entidades adjudicantes. Atendendo a esta imposição do direito da UE, que praticamente não deixa margem ao legislador nacional, julgamos ser no plano do ordenamento europeu, e não no do direito interno, que se deverá indagar das finalidades destes impedimentos”. - XXXXXXX, e- Pública REDP, pp. 130-132.
187 “A disciplina europeia da contratação pública atua na perspetiva da promoção do mercado comum, conforme resulta com clareza das bases jurídicas do direito primário em que se apoia a Directiva. Sendo certo que a realização deste desiderato pode produzir efeitos benéficos no plano da qualidade da execução do contrato, já que tendencialmente conduz a uma ampliação da concorrência, tem sido anotado na doutrina que tais benefícios – que consubstanciam uma finalidade primária no direito nacional da contratação pública – não constituem, em rigor, uma finalidade da disciplina europeia. A circunstância de o catálogo dos crimes inabilitantes se relacionar com áreas de intervenção da UE milita no sentido de que, mais do que à proteção da Administração, os impedimentos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP se dirigem à prevenção dessa criminalidade. Neste sentido, os impedimentos em causa consubstanciam aparentemente um instrumento adicional de concretização das políticas subjacentes à criminalização das condutas em causa” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 130-132.
188 “A inibição de direitos pode ser definida como uma medida de acordo com a qual uma pessoa singular ou colectiva, por um período limitado ou ilimitado, fica proibida de exercer determinados direitos,
objetivo principal do conceito de inibição de direitos (disqualification), no qual incluem- se os impedimentos, é primordialmente preventivo.
Por sua vez, as finalidades associadas aos impedimentos facultativos devem ser analisadas de acordo com o que determina o direito nacional, para além do que prevê a legislação europeia. Isto se dá pelo facto de ser conferida ao legislador nacional a faculdade de transpor os impedimentos desta natureza para o direito nacional.
Deste modo, conferida certa liberdade ao legislador nacional, não há uma correspondência entre as razões que sustentam cada um dos motivos de exclusão facultativa transpostos para o direito interno. Estes impedimentos possuem finalidades distintas e têm por fundamento preocupações diferentes189.
Os impedimentos passíveis de relevação – enunciados no número 2 do artigo 55.º- A do Código dos Contratos Públicos – possuem fundamentos que podem ser organizados em dois grupos. Por um lado, temos os impedimentos “que se fundam na aplicação de certas sanções administrativas e penais [os casos das alíneas b), c) e g) do n.º 1 do artigo 55.º] e, por outro, o impedimento fundado na execução deficiente de um contrato público anterior [alínea l) do referido preceito]”190.
A respeito dos primeiros impedimentos, que se fundam na aplicação de sanções, como bem afirma Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, estes encontram-se associados às ideias de uma “exigência de moralidade e ética na contratação pública” e de “idoneidade profissional”191. Neste sentido, afirma Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx sobre a “exigência de coerência e não-contradição”192.
ocupar determinados cargos, exercer uma actividade, deslocar-se a determinados locais ou realizar determinados actos. Trata-se de uma categoria de sanções que tem um objectivo primordialmente preventivo. Ao privar uma pessoa que foi condenada por uma infracção da possibilidade de exercer determinados direitos (…) pretende-se sobretudo evitar a reincidência” - Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 21 de fevereiro de 2006 – Inibição de direitos decorrente de condenações penais na União Europeia (COM/2006/0073 final), disponível em xxxxx://xxx- xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/?xxxxxxxxx%0X00000XX0000.
189 “Nalguns casos, como no da insolvência do interessado, a lei visa garantir a fiabilidade do parceiro contratual e a boa execução do contrato. Noutros, os impedimentos assentam em exigências impostas pelo princípio da concorrência e da igualdade de tratamento – nesta última categoria inscreve-se, por exemplo, o impedimento baseado em distorções concorrenciais resultantes da intervenção do interessado na preparação das peças do procedimento” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 130-132.
190 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 130-132.
191 P. XXXXX XXXXXXXXX, Direito dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2015, p. 241.
192 M. XXXXX XXXXXXXX - A formação dos contratos públicos – Uma concorrência ajustada ao interesse público, Lisboa, AAFDL, 2013, p. 862.
Quanto ao impedimento fundado na execução deficiente de um contrato público anterior, as preocupações são distintas. O legislador nacional estabelece este impedimento em razão de “preocupações ligadas à garantia da fiabilidade e competência do parceiro contratual da Administração caucionando, em última instância, a boa execução da tarefa administrativa servida pelo contrato em questão”193.
É possível verificar que as finalidades dos impedimentos possuem naturezas diversas, o que obriga a entidade adjudicante a estar devidamente atenta ao tempo da análise das medidas implementadas pelo operador económico para livrar-se dos efeitos do impedimento que recai sobre si. Nesta lógica, a entidade adjudicante deverá apreciar as medidas adotadas, assim como a gravidade e as circunstâncias da infração cometida para decidir se o afastamento do operador económico do procedimento deverá manter-se.
Quanto à fundamentação das decisões – nos termos do terceiro parágrafo do número 6 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE e da alínea c), número 1 do artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo –, esta será obrigatória no caso de uma decisão negativa tomada pela entidade adjudicante “por se tratar de uma decisão em sentido contrário a pretensão formulada pelo concorrente”194.
Haverá “a necessidade de interpretar e aplicar, de forma conjugada o artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos e o artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo, sempre que a entidade adjudicante decida não reconhecer a idoneidade do concorrente, apesar das self-cleaning measures apresentadas”195. Ressalta-se que a fundamentação da decisão será relevante mesmo em caso de uma decisão positiva, traduzindo-se numa “blindagem” da decisão por parte da entidade adjudicante face à provável contestação de interessados196.
IV.1.a. O enunciado de medidas de autolimpeza
Encontramos no número 2 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos exemplos de medidas que podem ser adotadas pelos operadores económicos para que estes possam afastar os efeitos dos impedimentos que recaiam sobre si. Estes elementos
193 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 130-132.
194 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 180-182.
195 PAÇÃO, Atas de Conferência, pp. 180-182.
196 Cf. xxxxxxx a) e c) do número 1 do artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo.
presentes no Código resultam do que se encontra previsto no artigo 57.º, número 6, segundo parágrafo da Diretiva 2014/24/UE.
O ressarcimento dos danos é previsto na alínea a), número 2 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos como a primeira medida de autolimpeza197. O candidato ou concorrente deverá demonstrar que ressarciu ou tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou falta grave.
O esclarecimento dos factos é a segunda medida de autolimpeza, prevista na alínea b), número 2, artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos. O candidato ou concorrente procederá com o esclarecimento integral dos factos e circunstâncias por meio de uma colaboração ativa com as autoridades competentes198.
Esta apuração poderá ocorrer, como se extrai da jurisprudência estrangeira, através da “realização de auditorias externas e independentes às circunstâncias que rodearam a infração”199 200. A este respeito, afirma Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx que a ideia de realização de um esforço sério de apuração dos factos que fundamentaram a ocorrência do ilícito praticado destaca-se na doutrina201.
197 “Seguindo de perto a Directiva, o legislador convoca aqui uma ideia controversa na doutrina estrangeira: a de que o restabelecimento da idoneidade de um operador impedido reclama o ressarcimento dos danos provocados pelo ilícito inabilitante. Para os defensores de uma exigência neste sentido ao ressarcir os danos provocados através do ilícito o interessado assumiria a responsabilidade pelos seus atos e manifestaria o seu arrependimento, demonstrando implicitamente que não admite a ocorrência de factos semelhantes no futuro. Como respaldo jurisprudencial deste entendimento, é frequentemente citada uma decisão do Landgericht de Berlim de 2006 que, apreciando as medidas de self-cleaning de um sujeito impedido, parece sustentar a sua insuficiência, inter alia, no facto de não ter havido lugar a qualquer compensação pelos danos ocorridos. Existem, contudo, veementes oposições a este entendimento. Segundo Xxxxxx e Xxxxxxxx, por exemplo, a exigência seria insustentável na medida em que abrangeria também a satisfação de pretensões controvertidas. Em situações deste tipo, o não reconhecimento por parte do interessado das mencionadas pretensões não deverá repercutir-se negativamente no juízo de prognose sobre a sua fiabilidade” - XXXXXXX, e-Pública REDP, p. 133.
198 “A enunciação desta medida parte da ideia de que as iniciativas de self-cleaning devem ter como escopo evitar a reincidência na prática dos factos ilícitos inabilitantes. Considera-se, concretamente, que a identificação das ações mais adequadas para alcançar tal desiderato pressupõe, antes de mais, que o interessado procure apurar as particulares circunstâncias que rodearam a prática da infração” - MOREIRA, e-Pública REDP, p. 134.
199 XXXXXXX, e-Pública REDP, p. 134.
200 “Num caso paradigmático neste domínio, decidido em 2003, o Oberlandesgericht de Düsseldorf realçou o facto de, perante investigações relacionadas com um crime de corrupção, a empresa visada ter encomendado uma auditoria externa e ter partilhado o respetivo relatório com as autoridades encarregadas da investigação”. A este respeito, “cf. decisão de 9 de abril de 2003 (VII-Verg 66/02), no parágrafo 98 (decisão publicada, designadamente, na XXXxx, 0000, p. 578 ss”. - XXXXXXX, e-Pública REDP, p. 134.
201 “A doutrina tem realçado que apenas está em causa a manifestação de um esforço sério no sentido de apurar os factos corridos e não, naturalmente, qualquer exigência no sentido de que o interessado assuma a responsabilidade por todas as condutas ilícitas que lhe sejam imputadas. Por outro lado, não é necessário que as investigações promovidas pelo próprio interessado incidam sobre a eventual existência de outros ilícitos, até então desconhecidos, bastando que os seus esforços se concentrem nos factos fundantes do impedimento a afastar” - MOREIRA, e-Pública REDP, p. 134.
Deste modo, a apuração vista como necessária para caracterizar um esforço sério não precisa ultrapassar os factos associados ao ilícito em questão. Ou seja, apurar factos relacionados a outros ilícitos revela-se exagerado em termos de aplicação de medidas de autolimpeza, apesar de trazer resultados possivelmente mais amplos e significativos no que diz respeito ao combate à prática de ilícitos.
O conjunto de medidas técnicas, organizativas e de pessoal encontra-se previsto na alínea c), número 2 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos. O segundo parágrafo do número 6, artigo 57.º, da Diretiva 2014/24/UE prevê a adoção por parte do operador económico de medidas concretas desta natureza. Este conjunto engloba medidas “de feição muito variada”202 e pode ser dividido em duas partes.
A primeira parte corresponde às medidas técnicas e organizativas. Esta parte insere-se no domínio do compliance, que diz respeito às “medidas através das quais as empresas pretendem assegurar-se de que são cumpridas as regras que vigorem para elas e para o seu pessoal, que as infracções sejam descobertas e que eventualmente sejam punidas”203.
Para que seja possível exercer as funções associadas ao domínio do compliance, é necessário compreender determinadas matérias relacionadas à verificação do cumprimento das regras impostas aos operadores económicos. Por esta razão, afirma-se ser de extrema importância “promover a formação dos funcionários em matérias relevantes neste contexto – v.g. noções de direito penal e contraordenacional ou até mesmo do próprio direito da contratação pública”204.
Exige-se que as empresas impedidas emitam um conjunto de normas internas prescrevendo certos padrões de conduta ou procedimentos de decisão – o que atualmente já sucede com frequência, sobretudo nas empresas de maior dimensão, sob variadas designações: códigos de conduta, códigos de ética, programas de compliance, etc.
Num plano organizacional, a eficácia da «autolimpeza» pode exigir a criação de certos departamentos na empresa (departamentos de compliance, instâncias de clearing [destinada a analisar e questionar a
202 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
203 L. XXXXXX, X. XXXXX XXXXXXX, Í. XXXXX XX XXXXXX XXXXXX, “Cuestiones fundamentales de Compliance y Derecho Penal”, in Compliance y teoría del Derecho penal, Madrid, Barcelona, Buenos Aires, São Paulo, Xxxxxxx Xxxx, 2013, p. 51.
204 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
estratégia adotada pela empresa nos procedimentos pré-contratuais]) e a designação de um compliance officer (ou compliance manager) responsável pela monitorização do cumprimento das normas relevantes legais e internas ou de um provedor externo (ombudsman) que sirva como agente de contacto no caso de ocorrem de atos de corrupção205.
Dentre as concretas medidas técnicas e organizativas encontra-se a dupla apreciação (four-eye-principle) aplicada à tomada de decisões sensíveis, através da qual poderá ser evitada “a prática de ilícitos (sobretudo, penais e contraordenacionais)”, tendo em vista a aplicação de uma “disciplina mais exigente quanto ao modo como são tomadas decisões” desta natureza206.
Para além deste exemplo concreto de medida, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx faz menção a “sistemas de rotação periódica” a fim de combater o surgimento de “nichos” de corrupção pela exposição de determinados temas aos mesmos decisores administrativos repetidas vezes. Com a rotação regular destes agentes entre diferentes departamentos da empresa, haveria uma redução do risco da prática de ilícitos.
Por último, outro exemplo de medida técnica e organizativa que poderá ser adotada diz respeito à criação de sistemas que protejam os chamados whistleblowers. Destaca-se a importância da criação de sistemas capazes de proteger denunciantes de forma eficaz sem que estes se sintam vulneráveis ou que suas posições nas empresas sejam afetadas207.
A segunda parte do conjunto de medidas técnicas, organizativas e de pessoal previsto na alínea c), número 2 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos diz respeito às medidas de pessoal, “frequentemente identificadas como «cerne» da reabilitação”208 209.
IV.2. Análise da situação impeditiva e condicionamento à sua relevação
205 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
206 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
207 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
208 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
209 “O considerando 102 da Directiva 2014/24/UE refere-se, a este respeito, à «rutura de todas as ligações com as pessoas ou organizações envolvidas na conduta ilícita», aludindo assim à ideia de que o afastamento imediato dos funcionários infratores se apresenta como indispensável à restauração da idoneidade da empresa. (…). Note-se que, para além da extinção das relações laborais, alguma doutrina extrai da jurisprudência um consentimento relativamente a medidas menos gravosas, como a colocação dos funcionários responsáveis pelo ilícito em posições inferiores dentro da empresa” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 135-137.
O Código dos Contratos Públicos estabelece que a verificação da existência de impedimentos em determinado caso concreto seja realizada pelas entidades adjudicantes casuisticamente. No mesmo sentido, o legislador nacional optou por submeter a análise das medidas de autossaneamento adotadas pelos operadores económicos à mesma lógica de análise descentralizada e casuística210.
Optou-se a nível nacional pela descentralização destas análises em oposição às saídas centralizadas presentes em outros ordenamentos jurídicos. Esta escolha vem associada a determinadas desvantagens, como a possibilidade de adoção de decisões incoerentes por diferentes entidades adjudicantes; e determinadas virtudes, como uma melhor adaptação da tomada de decisão às especificidades presentes no caso concreto211.
Em alternativa ao estabelecido no direito nacional, é possível encontrar mecanismos que impedem de forma ampla e geral a participação de operadores económicos em resultado de “pronúncias administrativas que extravasam o procedimento concreto, permitindo declarar um operador económico impedido de participar numa pluralidade de procedimentos de contratação pública”212 213. Neste contexto, também é possível
210 “Quer dizer, da mesma forma que cada entidade adjudicante tem de apreciar separadamente a existência de um impedimento, o concorrente impedido terá de demonstrar, em cada procedimento, e perante cada entidade adjudicante, que possui idoneidade para executar o contrato em formação” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 139-142.
211 “A forma casuística e descentralizada como esta avaliação é levada a cabo pode comportar um conjunto de desvantagens: por um lado, um risco de incoerência na prática decisória da Administração; por outro, pode afetar a qualidade da decisão, já que, em casos mais complexos, a avaliação sobre o mérito das medidas de self-cleaning pode exigir elevados níveis de expertise. É certo que, em teoria, o modelo de avaliação casuística revela também algumas virtudes. Facilita, por exemplo, o ajustamento do grau de exigência na avaliação das medidas de self-cleaning a eventuais necessidades especiais impostas pelo concreto contrato a celebrar. Além disso, permite considerar, em cada momento, o peso relativo que a patologia inabilitante representa no universo da atividade do operador. Contudo, não se afigura que um sistema centralizado – a que a Directiva não parece opor-se – sacrificasse necessariamente estas vantagens. Seria equacionável, designadamente, um sistema de debarment que admitisse decisões desviantes quando as exigências especiais do caso concreto assim o impusessem” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 142-144.
212 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 139-142.
213 “Quanto ao direito alemão, importa aludir à chamada Vergabesperre (ou Auftragssperre) que se consubstancia numa declaração da entidade adjudicante no sentido de que não contratará com um determinado operador económico durante certo período. Uma interdição deste tipo pode naturalmente ser pronunciada por ocasião de um procedimento pré-contratual concreto, mas pode também ocorrer fora deste contexto procedimental. Por outro lado, este impedimento poderá também ser declarado conjuntamente por várias entidades adjudicantes (koordinierte Auftragssperre). No que se refere ao direito norte-americano, são de referir as figuras da suspension e do debarment previstas na Federal Acquisition Regulation (FAR). Uma vez pronunciada uma destas interdições, o agente económico em causa passa a ser identificado no chamado System for Award Management, operado pela General Services Administration, ficando incapacitado, durante um certo período, de participar no denominado Government contracting. O operador económico atingido por uma destas medidas fica, deste modo, afastado de uma pluralidade de procedimentos adjudicatórios” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 139-142.
encontrar mecanismos que reestabelecem a capacidade de contratar dos operadores económicos de forma centralizada e com efeitos de amplo alcance214.
Neste momento, analisaremos as disposições finais do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos, mais especificamente os números 3 e 4 deste artigo. O número 3 do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos determina que a entidade adjudicante pode tomar a decisão de não relevar o impedimento em atenção à gravidade e circunstâncias específicas da infração ou falta cometida. A possibilidade de adotar esta decisão negativa prevista no número 3 do artigo 55.º do Código resulta do previsto no artigo 57.º, número 6, parágrafo terceiro da Diretiva 2014/24/UE.
Nas palavras de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, o posicionamento da doutrina e jurisprudência alemães serviram de base para a origem da “ideia [presente nas disposições legislativas nacionais] de que a adequação das medidas reabilitadoras depende da gravidade do ilícito inabilitante”215. Apesar disso, como veremos a seguir, o legislador nacional “não acolheu um conjunto de outros fatores frequentemente apontados neste contexto”216.
Um primeiro destes fatores diz respeito à “extensão do período decorrido entre a prática dos factos conducentes à situação de impedimento e o momento da apreciação da entidade adjudicante”217. Estão presentes na jurisprudência alemã decisões que afirmam: “quanto mais distante o ilícito se situa no tempo, menor seria o seu impacto no juízo sobre a idoneidade do interessado”218.
214 “Os efeitos da reabilitação dos operadores «listados» acabam por partilhar desta amplitude. No âmbito da decisão sobre o debarment, marcadamente discricionária, impõe-se a consideração de um conjunto de aspetos legalmente enunciados (mitigating factors ou remedial measures), próximos, nalguns casos, das medidas reabilitadoras previstas na Directiva e no CCP – designadamente, a existência de sistemas de controlo internos ou a investigação interna aos factos que estão na origem do impedimento. A conclusão pela suficiência das medidas adotadas inibe, assim, a pronuncia de uma interdição generalizada quanto à contratação com o Estado”. - XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 139-142.
215 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 137-138.
216 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 137-138.
217 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 137-138.
218 “Cf., p. ex., a decisão do Kammergericht de Berlim de 13 de março de 2008 (2 Verg 18/07), publicada, designadamente, na NZBau 2008, p. 466. O tribunal sublinha que não carece necessariamente da idoneidade exigida para a realização de uma empreitada quem tenha subornado um adjudicante privado “em especial” quando esses factos tenham ocorrido «há anos»”. - XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 137-138.
Um segundo fator refere-se à “ratio entre os casos de boa execução contratual e os casos de execução patológica”219. A frequência com a qual foram praticados os comportamentos desviantes possui grande relevância para determinada doutrina220.
Assim, designadamente, poderia afigurar-se excessivo que um único comportamento desviante, enquanto caso isolado num universo centenas de execuções imaculadas, influísse determinantemente no juízo sobre a idoneidade do operador económico221.
Podemos apontar um terceiro fator não acolhido pelo legislador nacional, relacionado à variação do grau de fiabilidade exigido do operador económico em razão do objeto do contrato. Esta ideia diz respeito à possibilidade de exigir-se de um operador económico um maior grau de fiabilidade para a execução de determinados contratos com objetos considerados mais sensíveis e tem por fundamento a lógica de que estes contratos apenas poderiam ser devidamente executados por operadores económicos capazes de atender a exigências mais elevadas, ou seja, operadores dotados de fiabilidade superior222.
(…) tem sido também assinalado que o grau de exigência na avaliação das medidas pode variar em função do concreto objeto contratual. Por exemplo, o Oberlandesgericht de Munique, em decisão do ano de 2006, considerou que um contrato para a realização de análises a vacas destinadas à deteção da encefalopatia espongiforme bovina (vulgo, doença das vacas loucas) reclamaria um parceiro contratual de
219 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 137-138.
220 “Exemplificando esta questão de forma impressiva, PRIESS, PÜNDER e STEIN (…) fazem a seguinte comparação: numa empresa que emprega dois funcionários, um destes comete uma infração no primeiro contrato público que a empresa celebra; por outro lado, numa empresa com milhares de trabalhadores é cometida uma primeira infração depois de centenas de contratos terem sido executados de forma irrepreensível. Como é evidente, as preocupações em torno da fiabilidade dos parceiros contratuais colocam-se com uma intensidade totalmente distinta nestas duas hipóteses”. - XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 137-138.
221 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 137-138.
222 “Cf. a decisão de 21.04.2006 (Verg 8/06): «Com razão, a entidade adjudicante, ao avaliar se a fiabilidade da autora está comprometida, empregou uma bitola muito rigorosa, capaz de afastar qualquer risco relacionado com a atividade em concurso. […]. Esta bitola rigorosa justifica-se à luz do projeto concreto para o qual está a ser realizado o concurso. No caso presente, está em causa a realização de testes de BSE. Estes testes obrigatórios são atentamente seguidos pela população. Os testes constituem a base essencial para as medidas do Estado contra a propagação de uma epizootia e servem simultaneamente a prevenção contra a ocorrência da doença de Creutzfeldt-Jacob. Deste modo, não se dá apenas resposta à proteção dos consumidores num domínio particularmente sensível, como também se previne os receios do público relativamente a uma possível continuação da propagação da epizootia BSE. Para manter a confiança numa correta gestão, devem ser contratados concorrentes íntegros sob todos os aspetos». - XXXXXXX, e- Pública REDP, pp. 137-138.
particular fiabilidade, ou seja, de fiabilidade superior àquela que se exigiria para a celebração de um contrato público comum223.
O número 4 do artigo 55.º-A, por sua vez, prevê a insusceptibilidade de relevação de sanções impeditivas que resultem de decisão transitada em julgado. “Esta insusceptibilidade de relevação refere-se, pois, a casos em que a situação jurídica de impedimento resulta diretamente do conteúdo da sanção aplicada”224.
[O número 4, artigo 55.º-A, Código dos Contratos Públicos] não é inteiramente claro quanto à natureza das sanções «aplicadas». Considerando a posição da segunda vírgula, a referência a decisões transitadas em julgado – que aponta nitidamente no sentido da natureza judicial – parece designar apenas o suporte dos atos pelos quais as sanções são «aplicadas», mas já não o suporte dos atos pelos quais as sanções são «consideradas válidas»225.
Apesar da falta de clareza na redação deste dispositivo do Código, que transpõe a norma contida no artigo 57.º, número 6, parágrafo quarto da Diretiva 2014/24/UE, “a Diretiva exige que a exclusão seja determinada por «decisão transitada em julgado»”226
227.
V. Conclusão
A compreensão do sistema de contratação pública e dos institutos que este engloba é importante para a análise e interpretação das escolhas legislativas feitas sobre o tema a nível europeu e nacional. As diretivas de 2014 – com destaque para a Diretiva 2014/24/UE – trouxeram inovações e acabaram por ampliar o número de casos que resultam na exclusão de um operador económico de um procedimento concorrencial.
223 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 137-138.
224 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 138-139.
225 XXXXXXX, e-Pública REDP, pp. 138-139.
226 MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 138-139.
227 “O que a Diretiva teve em vista foi obstar a que as entidades adjudicantes afastassem os efeitos decorrentes da aplicação de sanções como, designadamente, a pena acessória de «proibição de celebrar certos contratos ou contratos com determinadas entidades», prevista no Código Penal, a pena acessória de
«privação temporária do direito de participar em arrematações ou concursos públicos de fornecimentos», prevista no Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro (infrações antieconómicas e contra a saúde pública) ou a pena acessória de «privação temporária do direito de participar em […] concursos de obras públicas, de fornecimento de bens ou serviços e de concessão, promovidos por entidades ou serviços públicos», prevista na Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (regime geral das infrações tributárias)” - MOREIRA, e-Pública REDP, pp. 138-139.
Dentre as inovações trazidas temos a consagração da causa de exclusão de mau desempenho em contratos anteriores (bad past performance), que diz respeito a uma execução deficiente de um contrato anterior, como um motivo de exclusão previsto expressamente na alínea g), número 4 do artigo 57.º da Diretiva 2014/24/UE.
Apesar de o Tribunal de Justiça ter abordado o tema no acórdão Forposta – proferido ao tempo da diretiva de 2004 –, no qual resta reconhecida a possibilidade de previsão deste motivo de exclusão no direito nacional dos Estados-Membros, trata-se de uma previsão inovadora da diretiva de 2014.
A Diretiva 2014/24/UE, além de prever expressamente este motivo de exclusão, determinou requisitos específicos para que possa haver a sua aplicação e o consequente afastamento do operador económico. Em primeiro lugar, exige-se que as deficiências na execução sejam significativas ou persistentes (v.g., falhas na entrega ou execução ou deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam). Em segundo lugar, é exigido que, em razão destas deficiências, haja a resolução antecipada do contrato, condenação por danos ou a aplicação de outras sanções comparáveis.
Há uma forte harmonização desta temática, ou seja, a regulamentação da contratação pública é uniformizada pelo direito europeu. Com o que dispõe a diretiva de 2014, ficou pacificada a questão relativa à transposição de motivos de exclusão facultativa em termos vinculativos, sendo superadas as dúvidas a este respeito. Deste modo, cabe aos Estados-Membros, ao tempo da transposição, decidir com relação a cada um dos motivos de exclusão facultativa se estes serão incluídos no direito nacional em termos facultativos ou vinculativos para as entidades adjudicantes.
O Tribunal de Justiça da União Europeia reforçou e esclareceu ideias fundamentais nesta temática. No acórdão Forposta (2012), o Tribunal definiu o conceito de falta em matéria profissional como qualquer comportamento culposo que tenha incidência na honorabilidade profissional do operador em causa.
O acórdão Meca, proferido em 2019, também possui especial relevância para o tema. Dele se extrai que a legislação europeia confere às entidades adjudicantes a titularidade para decidir a respeito e apreciar a idoneidade e fiabilidade de um operador económico, não podendo haver a sujeição desta decisão a uma confirmação judicial ou a suspensão de seus efeitos em consequência de uma impugnação judicial.
Com a reforma de 2014 houve a transposição para o direito nacional de novidades impostas ou oferecidas pelas Diretivas de 2014, a modificação e clarificação de atuais soluções legais tidas por desajustadas, assim como a Consolidação de soluções legais tidas por ajustadas.
A alínea l) do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, introduzida pela alteração de 2017, encarrega-se da previsão de proibição de participação de um operador económico que tenha apresentado deficiências significativas e persistentes em contrato anterior, ou seja, um operador económico que tenha tido um mau desempenho (bad past performance).
Para que haja a aplicação desta exclusão, exige-se a presença de requisitos fundamentais: i) a rescisão antecipada por incumprimento em um contrato anterior, ii) o pagamento de indemnização resultante de incumprimento ou iii) a aplicação de determinadas sanções.
É possível verificar que as finalidades dos impedimentos possuem naturezas diversas, o que obriga a entidade adjudicante a estar devidamente atenta ao tempo da análise das medidas de autossaneamento implementadas pelo operador económico que pretende ver-se livre dos efeitos impeditivos que recaem sobre si. Nesta lógica, a entidade adjudicante deverá apreciar não apenas as medidas adotadas, mas também a gravidade e as circunstâncias da infração cometida para decidir se o afastamento do operador económico do procedimento deverá manter-se.
Uma das grandes inovações das revisões legislativas que decorreram em 2014 foi a regulamentação expressa em legislação europeia – com a consequente transposição para o direito nacional português – da figura da relevação dos impedimentos (self-cleaning). Este mecanismo consiste no afastamento de impedimentos aplicados a determinado operador económico em resultado da adoção de medidas de autossaneamento.
A própria Diretiva 2014/24/UE, em seu considerando 102, apresenta exemplos de medidas que poderão ser adotadas pelos operadores económicos. Para além disto, o considerando faz referência à possibilidade de haver uma análise centralizada da adequação das medidas de autossaneamento adotadas.
Os Estados-Membros são livres para decidir se pretendem deixar as avaliações ao cuidado das autoridades adjudicantes, ou se preferem confiar esta tarefa a outras autoridades, seja a nível central ou não central. Contudo, apesar desta possibilidade, a
verificação da inexistência de impedimentos em Portugal ocorre casuisticamente e de forma não centralizada.
No que diz respeito aos impedimentos, o direito da contratação pública português é marcado por uma rigidez que resulta da forma de transposição dos motivos de exclusão previstos nas diretivas. Esta rigidez, que se traduz na relação direta entre a verificação de uma situação de impedimento e o afastamento de um operador económico, esteve presente no direito nacional já ao tempo da Diretiva de 2004/18/CE.
No ordenamento jurídico português, a entidade adjudicante encontra-se obrigada a afastar o candidato ou concorrente uma vez verificada a existência de alguma das hipóteses previstas no elenco dos impedimentos (artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos). Isto resulta do facto de que não houve a incorporação no direito interno da dicotomia presente na legislação europeia. Em outras palavras, não foi adotada a divisão que consta na diretiva de 2014 – e que também constava na diretiva de 2004 – entre motivos de exclusão facultativa, por um lado, e obrigatória, por outro.
É possível defender que existe uma contradição em juntar-se um mecanismo de relevação de impedimentos a um sistema rígido como o que está presente no direito nacional. Contudo, a incorporação do self-cleaning resultou na atenuação desta rigidez do sistema de impedimentos português. Com a reforma europeia de 2014 passa a ser possível não excluir o operador económico ainda que verificada uma das hipóteses de impedimento. Deste modo, as entidades adjudicantes passam a ter o poder de afastar os efeitos impeditivos nos termos do artigo 55.º-A do Código dos Contratos Públicos.
Bibliografia
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