Parecer nº: MPC/AF/535/2021 Processo nº: @CON-21/00095271
Parecer nº: MPC/AF/535/2021 Processo nº: @CON-21/00095271
Origem: Prefeitura de Coronel Xxxxxxx
Assunto: Consulta sobre a configuração de nepotismo na contratação de parente de chefe de Poder Legislativo para prestação de serviços de consultoria e assessoria jurídica por meio
de inexigibilidade de licitação.
Número Unificado: MPC-SC 2.1/2021.657
1 – RELATÓRIO
Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Xxxxxx Xxxxxxx, à época prefeito do Município de Coronel Xxxxxxx, acerca de eventual configuração de nepotismo na contratação de parente de chefe do Poder Legislativo para prestação de serviços de consultoria e assessoria jurídica por meio de inexigibilidade de licitação.
Inicialmente, a Coordenadoria de Jurisprudência do TCE/SC elaborou informação trazendo elementos de direito pertinentes à dúvida suscitada.1
Ato contínuo, os autos foram remetidos à análise da Diretoria de Licitações e Contratações - DLC, cujos auditores sugeriram o conhecimento da consulta para, no mérito, respondê-la com a remessa de prejulgados já existentes sobre a matéria.2
Vieram-me os autos.
2 – ADMISSIBILIDADE
A competência do Tribunal de Contas de Santa Catarina para responder a consultas sobre interpretação de
2 Relatório nº DLC-140/2021 (fls. 10/27).
lei ou questão formulada em tese, relativas à matéria sujeita a sua fiscalização, foi estatuída pelo art. 59, XII, da Constituição Estadual, e reafirmada no art. 1º, XV, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.
O art. 104 da Resolução n° TC-6/2001, com redação dada pela Resolução nº TC-158/2020, elenca os seguintes requisitos para admissão da consulta: I – referir-se a matéria de competência do Tribunal; II – versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese; III – ser subscrita por autoridade competente; IV – conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada; e V
– ser instruída com parecer de assessoria técnica ou jurídica, se existente, da entidade a que se vincula a autoridade consulente.
O § 1º do art. 104 acrescentou, ainda, a necessidade de determinadas autoridades demonstrarem a pertinência temática da consulta às respectivas áreas de atribuição das instituições que representam,3 porém o dispositivo não tem aplicação no caso.
Conforme item 2 do Relatório n° DLC-140/2021,4 os requisitos essenciais para o conhecimento da consulta encontram-se presentes, devendo ser admitida para efeito de dirimir as questões de fundo.
3 – ANÁLISE
O consulente formulou questionamento nos seguintes moldes:5
3 Art. 104 [...] § 1º Cumulativamente com as formalidades do caput, as autoridades referidas nos incisos V e VI do art. 103 deverão demonstrar a pertinência temática da consulta às respectivas áreas de atribuição das instituições que representam.
4 Fls. 11/13.
5 Fl. 2.
Sabe-se que somente cargos em comissão ou funções de confiança, os quais não exigem concurso público para o seu provimento sendo de livre nomeação da autoridade administrativa, podem ser objeto de nepotismo.
Neste sentido o presidente da câmara municipal pode contratar através de inexigibilidade de licitação com base na Lei 14.039/2020, exemplo, sobrinho, primo, cunhado para prestar serviço de consultoria e assessoria jurídica sem incorrer na prática do nepotismo?
Embora mencione nepotismo – termo que se consagrou em referência a favorecimentos na nomeação para cargos públicos (item 2 do Prejulgado 2072)6 -, o Consulente busca esclarecer sobre a regularidade de contratação, por inexigibilidade de licitação, de parentes do chefe do Poder Legislativo municipal para serviços de consultoria e assessoria jurídica.
A dúvida comporta, portanto, dois espectros de análise, quais sejam: a possibilidade de contratação direta de serviços jurídicos e a legalidade da formalização de avença com parentes de agente público.
Em relação ao primeiro ponto, a questão está suficientemente dirimida pelo Prejulgado 1485 do TCE/SC,7 o qual ressalta que, como regra, os serviços jurídicos devem ser executados por servidores efetivos, sem descurar da possibilidade de contratação direta.
A Lei nº 14.039/2020, ao estabelecer que “os serviços de advogado são, por sua natureza técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização” (art. 3º-A) não modifica tal entendimento. Nesse ponto, secundo integralmente a análise realizada por auditores do
6 Prejulgado 2072 [...] 2. Somente cargos em comissão ou funções de confiança, os quais não exigem concurso público para o seu provimento, sendo de livre nomeação da autoridade administrativa, podem ser objeto de nepotismo. [...].
7 Prejulgado transcrito à fl. 22 dos autos.
Tribunal, inclusive no cotejo com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021).8
Quanto à legalidade da contratação de cônjuge ou de parentes de agentes públicos, o TCE/SC também possui diversos prejulgados sobre o tema, a saber:9
Prejulgado 403
[...]
É permitida a participação direta ou indiretamente em processo licitatório, do cônjuge e demais parentes consanguíneos ou afins, até o 3º grau inclusive, do Prefeito e do Vice-Prefeito, exceto quando expressamente vedada em lei municipal própria, a exemplo da Lei Orgânica do Município de São Carlos, integrante da Associação consulente.
Prejulgado 1056
[...]
11. Diante da omissão na Lei Orgânica e na legislação local, parentes do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores não podem ser impedidos de participar de licitação e contratar com a Municipalidade, não se estendendo essa possibilidade àqueles agentes políticos, em face do princípio da moralidade e da vedação contida no art. 9º da Lei Federal nº 8.666/93 em relação aos dirigentes de órgãos ou entidades promotoras da licitação.
Prejulgado 1102
Diante da omissão na Lei Orgânica e na legislação local, parentes do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores não podem ser impedidos de participar de licitação e contratar com a Municipalidade, não se estendendo essa possibilidade àqueles agentes políticos ou a pessoas jurídicas nas quais mantenham participação societária, em face do princípio da moralidade e da vedação contida no art. 9º da Lei Federal
8 Fls. 13/18 do Relatório nº DLC-140/2021.
9 A matéria é tangenciada, ainda, nos Prejulgados 600, 759 e 771, mas tratando exclusivamente de leis municipais específicas, sem afirmações em caráter de generalidade, razão pela qual não demandam maiores considerações.
nº 8.666/93 em relação aos dirigentes de órgãos ou entidades promotoras da licitação. [...]
Prejulgado 1415
É permitida a participação do cônjuge de servidor(a) em processo licitatório, salvo vedação em lei municipal.
Como se vê, os enunciados acima transcritos fazem depender exclusivamente de lei local a vedação à contratação de parentes de agentes públicos, uma vez que a Lei nº 8.666/93 não a estabelece de forma expressa. Todavia, esta não é a melhor hermenêutica sobre a matéria, contrariando entendimento já acolhido pelo TCE/SC e que, inclusive, acabou incorporado na Lei nº 14.133/2021, como se verá.
Com efeito, em análise da Lei nº 8.666/93, o Supremo Tribunal Federal - STF asseverou que o “art. 9º não estabeleceu, expressamente, restrição à contratação com parentes dos administradores”, de modo que “abre-se campo para a liberdade de atuação dos demais entes da federação, a fim de que eles legislem de acordo com suas particularidades locais (no caso dos municípios, com fundamento no art. 30, II, da Constituição Federal), até que sobrevenha norma geral sobre o tema”.10
O raciocínio serviu para assentar a constitucionalidade de lei local que previa vedação expressa à contratação de parentes de agentes públicos,11 não infirmando, no entanto, a existência de outras
10 STF. RE nº 423.560 (2ª Turma). Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx. Julgado em: 29-5-2012. Fls. 6/7 do inteiro teor. Disponível em: xxxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx.xxx? docTP=TP&docID=2193445. Acesso em: 1º-6-2021
11 Posteriormente, a matéria teve repercussão geral reconhecida pelo STF (Tema 1001), com mérito ainda não julgado. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxXxxxxxxxxxx/xxxXxxxxxxxxXxxxxxx o.asp? incidente=4835462&numeroProcesso=910552&classeProcesso=RE&numeroTema=1
001. Acesso em: 1º-6-2021.
proibições que decorram da força normativa dos princípios da moralidade e da impessoalidade (art. 37, caput, da Constituição).12
Igual senda foi trilhada pela douta Procuradora de Contas Cibelly Farias no Parecer nº MPC/3538/2019, exarado nos autos nº @RLA-18/00269096, cuja transcrição, pela relevância, torna-se pertinente: 13
Com efeito, da literalidade do art. 9º, inciso III, da Lei nº 8.666/93 não é possível extrair impedimento à contratação da pessoa jurídica de que era sócio o Sr. [...], seja porque não era propriamente servidor do órgão ou entidade contratante, seja porque inexiste vedação expressa à participação em licitação do cônjuge ou de parentes de agente público.14
A questão encontra relevo, no entanto, na aplicação dos princípios do regime jurídico-administrativo previstos no art. 37, caput, da CRFB/88, e no art. 3º da Lei n. 8.666/93, especialmente no que se refere à impessoalidade e à moralidade que devem ser observadas nas licitações.
[...]
Sobre o tema, colhe-se do escólio de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:15 As vedações do art. 9º retratam derivação dos princípios da moralidade pública e isonomia. A lei configura uma espécie de impedimento, em acepção similar à do Direito Processual, à participação de determinadas pessoas na licitação.
12 A propósito, da ementa do referido julgado, colhe-se afirmação de que lei local que estabelece vedação à contratação de parentes é “norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa”, ou seja, deles extrai seu fundamento último.
13 Fls. 5729/5733 daqueles autos. Notas de rodapé do excerto transcrito constantes no texto original.
14 Sobre o último ponto, esse Tribunal de Contas já firmou entendimento de que, diante da omissão na Lei de Licitações, é permitida a participação de parentes do Prefeito, do Vice-Prefeito e de servidores municipais em licitações, exceto nos casos em que a Lei Orgânica Municipal expressamente vede sua contratação, consoante Prejulgados nº 403, nº 600, nº 759 e nº 1102, assim como do cônjuge de servidor, a teor do Prejulgado nº 1415.
15 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 219 e 223.
Considera um risco a existência de relações pessoais entre os sujeitos que definem o destino da licitação e o particular que licitará. Esse relacionamento pode, em tese, produzir distorções incompatíveis com a isonomia. A simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele. Em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar a anormalidade da conduta do agente, a lei determina seu afastamento a priori. O impedimento consiste no afastamento preventivo daquele que, por vínculos pessoais com a situação concreta, poderia obter benefício especial e incompatível com o princípio da isonomia. O impedimento abrange aqueles que, dada a situação específica em que se encontram, teriam condições (teoricamente) de frustrar a competitividade, produzindo benefícios indevidos e reprováveis para si ou terceiro. [...]
Em suma, sempre que houver a possibilidade de influência sobre a conduta futura do licitante, estará presente uma espécie de “suspeição”, provocando a incidência da vedação contida no dispositivo. A questão será enfrentada segundo o princípio da moralidade. É desnecessário um elenco exaustivo por parte da lei. O risco de comprometimento da moralidade será suficiente para aplicação da regra (grifei).
Adiante, o autor menciona precedente do Tribunal de Contas da União que esclarece ocorrer o impedimento independentemente da natureza jurídica do vínculo existente com a administração pública, in verbis:16
[...] o mesmo TCU firmou entendimento no sentido de que, apesar de o sujeito “não ocupar cargo público ou função de confiança, ao representar o... como dirigente de um programa do Ministério, passou a exercer um múnus público que o obrigava a atuar de acordo com o interesse público e, consequentemente, o impedia de contratar com a Administração Pública” (Acórdão 601/2003, Plenário, rel. Min. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx).
[...]
16 Ibidem. p. 226-227.
A possível ampliação dos impedimentos de participar de licitação ao cônjuge e aos parentes de servidores serviria para evitar um potencial conflito de interesses, entendido como “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”.17
A propósito, extrai-se da doutrina que:18
De fato, embora, como já dito, no conceito de impedimento insculpido no Art. 9º da Lei 8.666/93 não haja qualquer referência ao parentesco como requisito de impedimento, seu núcleo conceitual está a indicar esse tipo de vínculo pessoal como elemento comprometedor dos propósitos da licitação e, em última análise, dos princípios republicanos. O vínculo do parentesco, portanto, à luz da incidência do princípio da moralidade e impessoalidade, demanda um comportamento comissivo das autoridades, ou seja, impeditivo da participação de parentes de agentes públicos em licitações, porque representa uma forte probabilidade de comprometimento da lisura, concorrência/igualdade.
O fato de não haver expressa menção legislativa ao parentesco como impedimento à participação em licitações, não significa que parentes de agentes públicos ou políticos possam participar livremente dos certames. A considerar o conteúdo do Art. 3º, da Lei 8.666/93 e Art. 37 da Constituição Federal, a ausência de referência ao parentesco no parágrafo 3º, do Art. 9º, da Lei geral das licitações está mais para uma verdadeira lacuna legislativa, do que para uma permissão decorrente do silêncio eloquente do legislador (grifei).
O art. 9º da Lei n. 8.666/93, portanto, poderia ser interpretado extensivamente para atender à vontade do
17 DOS SANTOS, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Impedimento à participação no certame licitatório de firmas de parentes do pregoeiro. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/Xxxxxx_-
_Impedimento_de_Servidor_JEFFERSON.pdf>. Acesso em 28-10-2019, às 13h47min.
18 XXXXXX, Xxxxxxx. Nepotismo em licitação. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxx
-em-licitacao>. Acesso em 28-10-2019, às 13h48min.
legislador de preservar a lisura da licitação, a saber:19
A razão de ser desse preceito legal autoriza, mediante a aplicação sistemática e analógica da Lei nº 8.666/93, estender o impedimento a situações não previstas expressamente na norma. Mesmo porque, o legislador não possui condições de antever, desde logo, todas as hipóteses em que o escorreito andamento da licitação pode ser comprometido, o que justifica a interpretação extensiva do dispositivo, de acordo com os princípios que regem as contratações públicas.
Por esses motivos, é possível afirmar que, muito embora não haja indicação expressa no art. 9º da Lei de Licitações quanto ao impedimento à participação em licitação de empresa cujo sócio possui vínculo de parentesco com servidor do órgão contratante, é possível à luz dos princípios da moralidade e igualdade sustentar o cabimento da restrição.
Isso decorre do fato de que tais pessoas podem obter informações singulares, que elevem as chances de alcançar, ou até mesmo garantam, a vitória do certame. Como a norma proíbe os favoritismos subjetivos quando da celebração de ajustes pela Administração, a empresa com sócio parente de servidor do órgão contratante deve ser impedida de participar da licitação (grifei).
Logo, embora se possa cogitar, em uma primeira análise, de uma eventual ofensa ao princípio da legalidade ao ampliar- se o rol de impedimentos disposto no art. 9º da Lei nº 8.666/93, deve-se ter em mente a tutela de outros valores, igualmente prestigiados pelo ordenamento jurídico, como a impessoalidade, a moralidade e o dever de probidade.
Analisando esse cotejamento entre princípios no que se refere aos impedimentos de licitar, o voto condutor do Acórdão TCU nº 1170/2010 teceu as conseguintes considerações:
19 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Impedimento à participação em licitação: empresa cujo sócio possui vínculo de parentesco com servidor do órgão contratante. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxx-x- participacao-em-licitacao-empresa-cujo-socio-possui-vinculo-de- parentesco-com-servidor-do-orgao-contratante/>. Acesso em 28-10-2019, às 13h49min.
13. A princípio, ressalto que o § 3º transcrito confere ao caput do art. 9º amplitude hermenêutica capaz de englobar inúmeras situações de impedimento decorrentes da relação entre autor do projeto e licitante ou entre aquele e executor do contrato. Nesse sentido, a norma, ao coibir a participação de licitante ou executor do contrato que possua "qualquer vínculo" de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista com o autor do projeto, elasteceu as hipóteses de impedimento, uma vez que não se faz necessária a existência de vinculo jurídico formal, mas, tão somente, uma relação de influência entre licitante ou executor do contrato e autor do projeto. [...]
20. Ademais, verifico que os fatos analisados demonstram, além de ofensa ao art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.666/93, xxxxx afronta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.
21. Cumpre destacar que no ordenamento jurídico pátrio os princípios têm força normativa intrínseca, conforme se depreende do acórdão exarado pelo STF no âmbito do RE 579.951-4. Nessa oportunidade, o STF vedou a prática do nepotismo nos três Poderes da República, conquanto só houvesse norma nesse sentido aplicável ao Poder Judiciário, fundado diretamente nos princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal.
22. Assim, qualquer situação que não esteja prevista na lei, mas que viole o dever de probidade imposto a todos os agentes públicos ou pessoa investida desta qualidade, deve ser proibida, por ser incompatível com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade (grifei). Dessa forma, tem-se que as hipóteses de impedimento descritas no art. 9º da Lei nº 8.666/93 podem e devem ser ampliadas de forma a resguardar a lisura e a probidade da licitação. (Grifos no original)
Em apertada síntese, embora a Lei nº 8.666/93 não contemple expressamente o impedimento de cônjuge, companheiro ou parentes de agente público de participarem de procedimento licitatório ou de contratarem com o órgão
ou entidade a que este pertença, é possível que lei do ente estabeleça a vedação. Mesmo nos casos em que inexiste previsão específica, haverá impedimento – decorrente da força normativa dos princípios da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput, da Constituição) – quando o interessado for cônjuge, companheiro ou parente de agente ocupante de posição na estrutura funcional que lhe permita fornecer informações privilegiadas ou influir na licitação ou contratação direta.
O | referido | entendimento | foi acolhido | pelo |
Conselheiro | Relator | nos autos | supramencionados, | in |
As considerações da Diretoria técnica e do Ministério Público de Contas sintetizam a situação de forma satisfativa, de modo que se pode concluir pela ocorrência de irregularidade quando houver contratação de pessoa jurídica em que tenha sócio servidor público vinculado ao órgão licitante, ainda que seja servidor de outro ente cedido à unidade gestora licitante. Do mesmo modo, quando sócio da pessoa jurídica seja cônjuge de servidor do órgão licitante, notadamente ocupante de cargo vinculado à área de gestão administrativa-financeira.
Isso porque, ainda que tais hipóteses não estejam expressamente mencionadas no artigo 9º da Lei nº 8.666/1993, entende-se que não se compatibilizam com princípios constitucionais atinentes à Administração Pública, em especial, os da impessoalidade e da moralidade (art. 37 da Constituição Federal).
Como se sabe, os princípios constitucionais estão acima das normas infraconstitucionais. Estas têm o sentido de dar efetividade aos princípios. Nessa senda, nem sempre as normas infraconstitucionais conseguem abranger todas as hipóteses que possam ocorrer na realidade (casos concretos). Logo, há de se confrontar os fatos com o
20 Relatório e Voto nº GAC/LRH-1436/2019 (fl. 5796 dos autos nº @RLA- 18/00269096).
conteúdo dos princípios. Não havendo compatibilidade, está- se diante de afronta aos princípios, caracterizando irregularidade a ser sanada. (Grifo meu)
Naquele caso, embora afastada a aplicação de sanção pecuniária em razão de não haver vedação expressa, o Tribunal Pleno expediu determinação à unidade gestora para saneamento da irregularidade.21
Assim, o entendimento mais recente do TCE/SC sobre a matéria reconhece que, independentemente da existência de proibição expressa em lei, os princípios da impessoalidade e da moralidade impedem a contratação de parentes de agente público quando houver situação incompatível com aqueles valores constitucionais. Isso ocorre, notadamente, quando o vínculo se der com pessoa capaz de influir nos rumos da contratação, como na situação abstrata cogitada nesta Consulta.
O raciocínio reverbera firme jurisprudência do Tribunal de Contas da União – TCU, bem sintetizada no Acórdão nº 813/2019, o qual faz remissão a diversos precedentes:22
21 Decisão nº 109/2020. O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide: [...] 3. Determinar à Secretaria de Estado da Saúde que promova levantamento da atual situação da contratação de serviços laboratoriais para o Hospital Dr. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, encerrando eventual contrato com empresa prestadora de serviço que tenha entre seus sócios servidor público lotado no Hospital, independente da esfera a que estiver vinculado, bem como parente de sócio em exercício de cargo ou função na unidade hospitalar, cuja situação fere os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade (art. 37 da Constituição Federal), apresentando as providências a este Tribunal no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico do TCE–DOTCe.
22 TCU. Acórdão nº 813/2019 (Plenário). Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxx. Processo nº 033.165/2014-9. Julgado em 10-4-2019. Disponível em:
xxxxx://xxxxxxxx.xxxx.xxx.xxx.xx/#/xxxxxxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxx/%00XXX RDAO-COMPLETO-2290244%22. Acesso em: 2-6-2021.
A jurisprudência do TCU é firme no sentido da vedação de participação, em licitações, de empresas ligadas a gestores do órgão, ou a membros da comissão de licitação, ou a funcionários de entidade convenente, com poder de influenciar o resultado do certame, a parentes de funcionários de entidade convenente, com poder de influência na contratante, ou aos próprios dirigentes das entidades convenentes. Em todos estes casos, resta violado, frontalmente, o princípio da moralidade.
Segue voto condutor do Acórdão 2057/2014-TCU-Plenário:
20. Em relação à existência de sócio de empresa contratada com relação de parentesco com funcionários da [associação], observo que a Lei 8.666/1993 não estabelece explicitamente tal vedação. Entretanto, em respeito ao princípio da moralidade, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 9º dessa norma, o TCU possui reiterada jurisprudência no sentido de que a administração pública está, em determinadas situações, impedida de contratar com empresas de cujo quadro dirigente figurem parentes de servidores do órgão contratante.
21. Nesse sentido, menciono as seguintes decisões: VOTO condutor do Acórdão 1632/2006-TCU-Plenário: [...] VOTO condutor do Acórdão 1893/2010-TCU-Plenário: [...] VOTO condutor do Acórdão 607/2011-TCU-Plenário: [...] VOTO condutor do Acórdão 1019/2013-TCU-Plenário: [...] VOTO condutor do Acórdão 1941/2013-TCU-Plenário: [...] [...]
23. Dessas deliberações, extrai-se que a vedação de parentesco de servidor do órgão contratante com sócio/dirigente da empresa contratada somente ocorre quando esse servidor possui de alguma forma poder de influência sobre a condução da licitação, quer por participar diretamente do procedimento quer em razão de sua posição hierárquica sobre aqueles que participam do procedimento de contratação. (Grifo meu)
Nesse ponto, cumpre rememorar o seguinte enunciado sumular do TCU:
Súmula 222
As Decisões do Tribunal de Contas da União, relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Não por acaso, o entendimento do TCU acabou incorporado na nova lei de licitações e contratos administrativos, que passou a prever:23
Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente: [...]
IV - aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação; (Grifo meu)
Logo, seja sob o ponto da vista da interpretação conferida à Lei nº 8.666/93 pelos órgãos de controle
externo, seja na | vigência da | Lei nº 14.133/2021, estão |
ultrapassados os | Prejulgados | 403 (quarto item, sem |
numeração), 1056 (item 11), 1102 (primeiro item, sem numeração) e 1415 do TCE/SC, sendo salutar sua revogação.
Dessa feita, em vez da simples remessa de prejulgados sugerida por auditores da DLC, a Consulta dá ensejo à consolidação do entendimento atual em novo enunciado, sendo conveniente, ainda, contemplar o
23 Vale ressaltar que a Lei nº 14.133/2021 revogará a Lei nº 8.666/93 após decorridos 2 anos da publicação oficial, interregno no qual a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com um ou outro diploma legal, vedada sua combinação (arts. 191 e 193, II, da Lei nº 14.133/2021).
regramento decorrente da superveniência da Lei nº 14.133/2021, sob pena de manter verbetes com ela incompatíveis.
Nessa toada, reputo deva haver edição de novo prejulgado, nos termos expostos na conclusão deste Parecer, e remessa daqueles que tratam sobre nepotismo (2072) e contratação de serviços jurídicos (1485).
Por fim, conquanto o procedimento de Consulta não se destine à análise de casos concretos, cabe pontuar que, ao contrário do que afirmado por auditores da DLC,24 na legislação do Município de Coronel Xxxxxxx,25 há expressa vedação à contratação direta de parentes de determinados agentes públicos.26
4 - CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas do Estado de Santa Catarina, com amparo nas atribuições conferidas pelo art. 108 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, manifesta-se pela adoção das seguintes providências:
4.1 - CONHECIMENTO da CONSULTA para, no mérito, RESPONDER nos moldes que seguem:
24 “A legislação municipal em análise não veda expressamente a contratação de parentes de agentes políticos ou servidores públicos, como regra geral” (fl. 23).
25 Lei Municipal nº 443/2007. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx-xxxxxxx-xx-xxx-xxxxxxxxx-x-000- de-28-de-setembro-de-2007.html. Acesso em: 2-6-2021.
26 Art. 1º É vedada, no âmbito do município de Coronel Xxxxxxx, a nomeação para o exercício de cargos em comissão, de cônjuge, companheira/o ou parentes consanguíneos em linha reta ou colateral até o terceiro grau ou, por afinidade, em linha reta até o terceiro grau e em linha colateral até o segundo grau, do Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores, Secretários do Poder Executivo e Legislativo ou de titulares de cargos que lhes sejam equiparados. Parágrafo Único. Igualmente é vedada a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual algum dos sócios seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (inclusive), ou por afinidade, até o segundo grau, das pessoas arroladas no caput deste artigo. (Grifo meu)
4.1.1 - Embora a Lei nº 8.666/93 não contemple expressamente o impedimento de cônjuge, companheiro ou parentes de agente público de participarem de procedimento licitatório ou de contratarem com o órgão ou entidade a que este pertença, é possível que lei do ente estabeleça a vedação;
4.1.2 - Mesmo nos casos em que inexiste previsão específica, haverá impedimento – decorrente da força normativa dos princípios da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput, da Constituição) – quando o interessado for cônjuge, companheiro ou parente de agente ocupante de posição na estrutura funcional que lhe permita fornecer informações privilegiadas ou influir na licitação ou contratação direta;
4.1.3 - Nos procedimentos regidos pela Lei nº 14.133/2021, incide a vedação expressa de disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou diretamente, daquele que seja cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de dirigente do órgão ou entidade contratante, ou de agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação (art. 14, IV).
4.2 – REMESSA ao Consulente dos Prejulgados 2072 e 1485, com fundamento no art. 105, § 1º, do Regimento Interno, na redação dada pela Resolução nº TC-158/2020.
4.3 - REVOGAÇÃO dos Prejulgados 403 (quarto item, sem numeração), 1056 (item 11), 1102 (primeiro item, sem numeração) e 1415 do TCE/SC.
4.4 – CIÊNCIA nos termos do item 3.3 do Relatório nº DLC- 140/2021.
Florianópolis, 8 de junho de 2021.
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Procurador de Contas