EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA NO ESTADO DE PERNAMBUCO
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA NO ESTADO DE PERNAMBUCO
INQUÉRITO CIVIL Nº 1.26.000.002124/2017-14
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA Nº /2017 MANIFESTAÇÃO Nº /2017
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela procuradora da República que esta subscreve, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição da República e nos arts. 1º, inciso IV e 3º, da Lei 7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA E DE AFASTAMENTO CAUTELAR
em desfavor da:
UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, representada pelo Advogado-Geral da União, com endereço na Av. Herculano Bandeira, nº 716, Pina, Recife/PE, CEP: 51110- 131;
Em razão dos elementos fáticos e argumentos jurídicos doravante expostos.
I – DO OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
Pretende o Ministério Público Federal, por meio desta ação, ver assegurada, em tempo hábil, e com observância dos contratos vigentes e da legislação pertinente, a aqui - sição de Concentrado de Fator de Coagulação Fator VIII Recombinante e pó liófilo injetável, no âmbito da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) firmada entre a HEMO - BRÁS e o Ministério da Saúde, a fim de propiciar a manutenção do tratamento de pacientes hemofílicos.
Além disso, visa a presente lide obter a tutela jurisdicional para condenar a ré em obrigação de fazer, consubstanciada na manutenção do Contrato n. 73/2017, firmado en - tre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde.
Ademais, a presente exordial evidencia contexto fático apto a autorizar pedido de afastamento cautelar do Ministro de Estado da Saúde Xxxxxxx Xxxxxx, em razão da prática de diversos ilícitos no exercício da função pública.
II – DOS FATOS
II.1. DAS CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O Inquérito Civil nº 1.26.000.002124/2017-14 foi instaurado com o objetivo de acompanhar solução a ser adotada pelo Ministério da Saúde sobre o processo de transfe - rência de tecnologia para a produção de fator VIII recombinante, essencial para o tratamento de pacientes portadores de coagulopatias hereditárias (notadamente hemofilia A) , haja vista a suspensão, pelo Ministério da Saúde, do acordo para a produção deste medicamento, firmado entre a HEMOBRÁS e a sociedade empresária Baxter/Baxalta, sucedida pela Shire Farma - cêutica Brasil Ltda, tendo em conta ainda a subsequente concessão de liminar (fl. 441 do IC), pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Cível do DF, requerida pela farmacêutica irlandesa para manter a mencionada Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP).
Concomitantemente, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União – MPCO representou para manter a mencionada Parceria de Desenvolvimento Produti - vo (PDP), a fim de evitar prejuízos aos cofres públicos e ao tratamento de pacientes hemofíli - cos dependentes do Fator VIII. Mencionada representação (TC nº 020.378/2017) obteve a
concessão de medida cautelar, nos termos do Acórdão nº 2207/2017 – TCU – Plenário, data - do em 04 de outubro de 2017 (fl. 461 do IC).
Também integra o contexto de instauração do procedimento administrativo em tela a notícia de proposta do Ministério da Saúde para contratar, sem processo licitatório, um consórcio liderado pela farmacêutica suíça Octapharma, visando a conclusão da fábrica de hemoderivados fora do município de Goiana/PE e alterações no processo de transferência de tecnologia para a produção do Fator VIII recombinante junto à HEMOBRÁS.
II.2. DO FATOR VIII RECOMBINANTE E SUA RELEVÂNCIA
As coagulopatias hereditárias são doenças resultantes da deficiência de proteí- nas plasmáticas (fatores) necessárias para que ocorra a coagulação, processo de formação de coágulos que ajudam a estancar sangramentos. Pacientes com coagulopatias não possuem condições próprias para suportar sangramentos espontâneos ou traumáticos, sem maiores se - quelas. Nessas condições insere-se a hemofilia A, causada pela deficiência de fator VIII.
O tratamento da citada enfermidade consiste, basicamente, na reposição da proteína do sangue (fator) por meio de medicamentos injetados na corrente sanguínea, ocor- rendo, conforme prescrição médica, por demanda (pós-traumático) ou profilaxia (preventivo, de natureza contínua). Tais medicamentos são fabricados por tecnologia de fracionamento do plasma (hemoderivados) ou tecnologia recombinante (sintéticos), diferenciando-se na medida em que um tem sua matéria-prima extraída do sangue humano e o outro elaborada por meio da engenharia genética.
Nesse contexto, o Fator VIII recombinante é o medicamento utilizado para o tratamento de pacientes portadores de Hemofilia A – distúrbio hereditário que ocasiona san - gramentos nas articulações, músculos e órgãos internos –, cuja produção se dá através de en - genharia genética, ou seja, não é um produto hemoderivado, visto que sua obtenção não se dá a partir do plasma humano.
Pois bem. Considerando que o artigo 199, § 4º, da CF/1988 proíbe a comerci- alização dos hemoderivados e que inexistem outras alternativas terapêuticas no Brasil, con - clui-se que o MS possui o dever constitucional de garantir o tratamento aos pacientes porta -
dores de coagulopatias, dado que é detentor do monopólio da aquisição, produção e distribui - ção dos hemoderivados e fatores de coagulação no país.
Com efeito, os pacientes com coagulopatias não dispõem de outra forma de tratamento senão por meio do Sistema Único de Saúde – SUS e das providências adotadas pelo Ministério da Saúde. Nesse ponto, deve-se enfatizar que, nos termos da World Federati- on Hemophilia (WFH), o Brasil possui a terceira maior população de hemofílicos no mundo.
É nesse contexto que nasce a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotec- nologia – HEMOBRÁS, criada pela Lei nº 10.972/2004, sob a forma de sociedade limitada, nos moldes do artigo 173 da Constituição Federal.
Vinculada ao Ministério da Saúde, referida empresa pública federal tem como objetivo social a produção industrial de hemoderivados e medicamentos destinados prioritari - amente para tratamento de pacientes do SUS a partir do fracionamento de plasma obtido no Brasil e da biotecnologia na engenharia genética.
Ressalte-se que, no mesmo ato de criação, foi prevista a construção de Fábrica de Hemoderivados em Goiana/PE, cujas obras foram iniciadas em 2010 e tinham previsão inicial de conclusão e operação plena para 2014. Conforme dados da própria HEMOBRÁS (Relatório de Administração de 2015), com o integral domínio da tecnologia de fabricação do fator VIII recombinante, toda a demanda interna do país seria satisfeita pela produção da re - ferida empresa pública na aludida fábrica. Contudo, é sabido que por problemas de adminis - tração, irregularidades contratuais e superfaturamento nas obras, ainda sob investigação, o parque fabril – com capacidade de processamento de plasma previsto de 500 mil litros por ano – segue inacabado.
Visando dotar a empresa estatal da necessária tecnologia produtiva de hemo- derivados (plasmáticos), foram firmados entre a HEMOBRÁS e a empresa LFB – Laboratoi- re Français du Fractionnement et des Biotechnologies S/A – os Contratos n. 22, 23 e 24/2007, assim como o Termo Aditivo n. 01/2010 ao mencionado Contrato n. 22/2007, tendo por objeto, em síntese, o fracionamento do plasma e a transferência de tecnologia produtiva de hemoderivados.
Por sua vez, com vistas à obtenção da tecnologia produtiva de fatores de coa - gulação recombinantes (sintéticos), foi firmada, mediante licitação, Parceria de Desenvolvi- mento Produtivo em 2012 com a empresa Baxter Hospitalar Ltda. (atual Shire Farmacêutica Brasil Ltda.), cuja transferência de tecnologia estaria condicionada à aquisição desses medi - camentos em determinados quantitativos mínimos e prazos ao longo do processo de transfe - rência de tecnologia, nos moldes descritos no correspondente termo de parceria.
II.3. DA PARCERIA DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO ENTRE A HEMOBRÁS E O MINISTÉRIO DA SAÚDE E DA DELIBERADA TENTATIVA DE ESVAZIAMENTO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA HEMOBRÁS
No ano de 2012, foi celebrado Termo de Compromisso entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde (fls. 309/314 do IC) para o investimento, desenvolvimento, aquisição e transferência de tecnologia do Fator VIII recombinante, fato este que culminou, ainda no mesmo ano de 2012, na celebração do Contrato de Transferência de Tecnologia e do Contrato de Fabricação e Fornecimento, no âmbito da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), com a Baxalta/Shire, à época Baxter.
O Contrato de Transferência de Tecnologia estabeleceu a consecução de Fases para a transferência acordada (fl. 317 do IC), tendo como última etapa de execução a Fase 4, a qual tem prazo de conclusão até dezembro de 2022, marco final para o processo de execu - ção da transferência de tecnologia, com a incorporação de todas as etapas produtivas do Fator VIII recombinante pela HEMOBRÁS.
Nada obstante, dentre as fases estabelecidas para a transferência de tecnologia apenas a Fase 1 foi concluída, a saber, importação do fator VIII recombinante registrado pela HEMOBRÁS (produto Hemo-8r®), com rótulo/embalagem desta Estatal. As demais fases dependem do avanço na construção da planta fabril em Goiana/PE.
Considerando as necessidades de investimentos para a finalização da planta fabril da HEMOBRÁS e a conjuntura econômica do país, o Ministério da Saúde orientou, ainda no segundo semestre de 2016, que houvesse participação financeira do parceiro tecno - lógico privado para a conclusão da fábrica da HEMOBRÁS, quando foi dado início às tratati -
vas com a Shire para elaboração de um plano para readequação da PDP, visando à continui - dade do processo de transferência de tecnologia bem como do fornecimento de produtos.
Em 21 de dezembro de 2016, foi encaminhada carta ao Ministério da Saúde (fl. 345 do IC), formalizando o interesse da Shire em investir financeiramente na PDP para o Fator VIII recombinante, firmada com a HEMOBRÁS.
Já em abril de 2017, a HEMOBRÁS recebeu carta com projeção inicial de in - vestimentos (fl. 347 do IC) para a finalização da fase 2 da transferência de tecnologia da PDP do Fator VIII recombinante, no montante de US$ 30.000.000,00 (trinta milhões de dólares), tendo encaminhado, em 05 de maio de 2017, atualização ao Ministério da Saúde, através do Ofício nº 0479/2017-PR (fl. 349 do IC).
Ressalte-se, todavia, que paralelamente às negociações com a Shire, o Tecpar, com a anuência do Ministério da Saúde, realizou, em abril de 2017, visita técnica, Due Dili- gence, na planta fabril da HEMOBRÁS, junto a empresa Octapharma. Mencionada visita de- correu de solicitação realizada pelo próprio Ministério da Saúde por intermédio do Oficio n. 087/2017/CGSHlDAET/SAS/MS, de 30 de março de 2017 (fl. 368 do IC).
Posteriormente, a empresa Octapharma apresentou proposta de investimento ao Ministério da Saúde abrangendo três laboratórios públicos, quais sejam o Tecpar, Butantan e HEMOBRÁS, prevendo, no entanto, apenas a conclusão da fábrica de hemoderivados desta Estatal e contemplando a fabricação do Fator VIII recombinante no Tecpar (Proposta da Tec- par em anexo – PJe).
Em 13 de julho de 2017, o Ministério da Saúde encaminhou o Ofício nº 1360/2017/SCTIE/MS à HEMOBRÁS (fls. 362/362v do IC), cientificando-a da suspensão da PDP do Fator VIII recombinante, e solicitando, ainda, a apresentação, no prazo de 10 (dez) dias improrrogáveis, de proposta de sua reestruturação.
Desta feita, dentro do prazo estabelecido, a HEMOBRÁS encaminhou ao Mi- nistério da Saúde, ainda em julho de 2017, por intermédio do Oficio nº 0815/2017-PR (fls. 364/369 do IC) proposta de reestruturação da PDP, com atualização do Projeto Executivo e envio de proposta consolidada de realização de investimentos pela Shire, no montante de US$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de dólares) no âmbito da PDP. Quanto à
análise da proposta de reestruturação apresentada para a PDP, aguardamos ainda o posiciona - mento do Ministério da Saúde.
No que tange à suspensão da PDP, foi ajuizada ação pela Shire Farmacêutica Brasil Ltda. que culminou na concessão de liminar, pela 4ª Vara Cível, da Justiça Federal do DF, na data de 21 de julho de 2017 (fl. 441 do IC), suspendendo a decisão do Ministério da Saúde comunicada através do Oficio nº 1360/2017/SCTIEIMS, em razão do risco de desabas - tecimento do produto e a sua essencialidade para o tratamento de pacientes portadores da He - mofilia A. A decisão foi proferida nos seguintes termos:
[…] A decisão liminar terá como holding (razão de decidir) 2 fundamentos. Por primeiro, é de se destacar que o motivo é elemento do ato administrativo.
Ato sem motivo não nulo ou anulável, mas inexistente, tendo em vista que ele-
mento se insere no plano da existência do ato jurídico.
O ato atacado não possui motivo ou motivação (que não se confundem). Moti- vação é a exposição de fato e de direito dos substratos fáticos e jurídicos de de- terminado ato.
Outro ponto da decisão ora proferida é a dignidade da pessoa humana em seus três aspectos ressaltados pelos professores Xxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx- val em Direito Civil – Parte Geral: integridade física e psíquica; liberdade e igualdade e patrimônio mínimo.
Um medicamento que combate a hemofilia não pode ter paralisado sua fabrica- ção sem a administração demonstrar, ainda que perfunctoriamente, que a popu- lação que necessita do medicamento não será desabas tecida.
Por tudo isso, suspendo, de forma liminar, os efeitos do Ofício nº 1360/2017/SCTIE/MS até o julgamento da lide ou outro pronunciamento juris- dicional. […]
De fato, o atual contrato para fornecimento de Fator VIII recombinante firma - do entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde prevê a entrega e a distribuição da última parcela de medicamentos para fevereiro de 2018, sendo necessário garantir a continuidade do abastecimento a partir dessa data.
Em 28 de julho de 2017, a HEMOBRÁS encaminhou, através do Oficio n. 0862/2017 – PR (fls. 443/444 do IC), solicitação da demanda de fator VIII recombinante para 2018 ao Ministério da Saúde, explicitando a necessidade de planejamento da fabricação e im - portação do produto no próximo ano, considerando os prazos necessários para assegurar a en - trega do medicamento aos serviços de saúde e a complexidade dos processos produtivos e lo - gísticos envolvidos.
Em 05 de setembro de 2017, o Ministério da Saúde, por meio do Oficio n. 111
– SEII2017/CGSHlDAET/SASIMS (fl. 446 do IC), informou apenas que o processo de aqui- sição de medicamentos do Ministério da Saúde segue o rito de tramitação disposto na Lei nº 8666/1993 e que a HEMOBRÁS, oportunamente, poderá ser requerida pelo departamento de compras do Ministério para apresentação de proposta comercial.
Posteriormente, em 08 de setembro de 2017, foi publicada pelo Ministério da Saúde consulta pública para aquisição de 300 milhões de UI de Fator VIII recombinante, com audiência agendada para o dia 25 de setembro de 2017. Em 14 de setembro de 2017, a HE - MOBRÁS recebeu por e-mail o Oficio nº 32-SEI/2017IDLOG/SE/MS (fl. 448 do IC), que convidou a empresa pública para participar da referida audiência pública "(…) para que se discuta com os setores competentes a contratação em comento e se cumpra o disposto no art. 39 da Lei nº 8.666/1993 (…)".
Ademais, em 20 de setembro de 2017, foi publicado extrato de acordo de transferência de tecnologia para obtenção de hemoderivados e hemocomponentes, no Diário Oficial do Estado do Paraná, celebrado entre o Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) e a Octopharma AG, com o seguinte objeto: “regular o mútuo interesse das partes em reali- zar a execução do Projeto de Transferência de Tecnologia (TdT) para o fracionamento e ina - tivação viral do plasma sanguíneo e produção do fator VIII recombinante não modificado em células humanas, para obtenção de produtos hemoderivados e hemocomponentes, com fundamento na Lei nº 10.973/2012 e Lei Estadual nº 17.314/2012 do Paraná, respeitadas as leis aplicáveis no Brasil, que poderão ser implementadas mediante celebração de contratos acessórios entre as partes”. Vejamos a mencionada publicação:
Com efeito, a partir dos elementos acima expostos, verifica-se que o Ministé- rio da Saúde, ao alvedrio do Termo de Compromisso firmado junto à HEMOBRÁS e do Con- trato de Transferência de Tecnologia e Fabricação/Fornecimento celebrado no âmbito da PDP da Hemobrás/Shire, está disposto a adquirir 300 milhões de UI de Fator VIII recombinante por meio do Termo de Referência n. 3694, instaurado com escopo no Crédito Orçamentário nº 10.303.2015.4295.0001.
Embora a referida tentativa de contratação seja objeto de capítulo específico da presente ação, calha registrar que a abertura do Termo de Referência nº 3694, do Ministé - rio da Saúde, ao lado das diversas condutas acima delineadas buscam, ao alvedrio dos princí - pios que regem a Administração Pública, em especial da moralidade administrativa e da im - pessoalidade, esvaziar as atribuições da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnolo- gia – HEMOBRÁS.
Sob esse aspecto, veja-se que a primeira tentativa de frustrar as atribuições institucionais da HEMOBRÁS foi da própria União, via Ministério da Saúde, ao suspender a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) firmada pela pasta junto à HEMOBRÁS.
A referida suspensão somente não alcançou seu intento em razão da conces - são de liminar pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Cível do DF e da atuação ostensiva do Mi- nistério Público junto ao Tribunal de Contas da União – MPCO, que representou para manter a mencionada Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), com vistas a evitar prejuízos aos cofres públicos e ao tratamento de pacientes hemofílicos dependentes do Fator VIII.
Ao mesmo tempo, este órgão ministerial, em 02/08/2017, recomendou ao Mi- nistro da Saúde, nos termos do art. 6º, inciso XX c/c art. 8º, §4º, da Lei Complementar nº 75/93, que: 1) eventual transferência de tecnologia para processamento de plasma, notada - mente de Fator VIII recombinante, bem como produção de hemoderivados para o setor priva - do seja pautado na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e/ou na legislação de re- gência que regula a Parceria Público Privada – Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004; e
2) seja devidamente justificada eventual hipótese de transferência de tecnologia para proces - samento de plasma e hemoderivados para empresas outras que não as já incluídas neste pro- cesso, a saber: a Shire/Baxter e a HEMOBRÁS, mediante a elaboração de estudos técnicos,
legais e científicos, considerando que já foi iniciada a construção do parque fabril da HEMO- BRÁS em Goiana/PE, situando-se em estado consideravelmente avançado, e que seja especi - ficada a destinação e inclusão da fábrica neste processo.
Todas as medidas adotadas pelos órgãos de controle acima mencionados in - tentaram a manutenção do Termo de Compromisso celebrado entre a HEMOBRÁS e o Mi- nistério da Saúde para o investimento, desenvolvimento, aquisição e transferência de tecnolo - gia do Fator VIII recombinante.
Com efeito, o Ministério da Saúde não apresentou elementos capazes de de- monstrar a imprescindibilidade da suspensão da Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), tampouco apresentou alternativa viável financeiramente para o imbróglio, haja vista que milhões de reais já aplicados no ajuste firmado seriam perdidos, bem como seriam arca - dos vultosos valores com a rescisão unilateral do Termo de Compromisso firmado (multas, despesas legais e contratuais e indenizações).
Apesar disso, a HEMOBRÁS, visando atender às necessidades de investimen- tos para a finalização da planta fabril, iniciou tratativas com a Shire para elaboração de um plano para readequação da PDP, visando à continuidade do processo de transferência de tec - nologia bem como do fornecimento de produtos.
Assim, atuando diligentemente, a HEMOBRÁS encaminhou, em dezembro de 2016, carta ao Ministério da Saúde (fl. 345 do IC), formalizando o interesse da Shire em investir financeiramente na PDP para o Fator VIII recombinante, firmada com a HEMO - BRÁS.
Referido interesse pode ser melhor evidenciado a partir do termo de declara - ções prestado por Xxxxxxx Xxxxx, Presidente da farmacêutica Shire no Brasil, no âmbito da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, nos seguintes termos:
[…] QUE apesar de não haver nenhuma cláusula contratual obrigando a SHIRE a investir na infraestrutura da HEMOBRÁS, a SHIRE, em face da demanda do atual Ministro da Saúde, deslocou técnicos de engenharia para avaliar o nível de investimento necessário para que se pudesse viabilizar a transferência de tec- nologia para a fabricação do fármaco Fator VIII Recombinante na cidade de Goiana; QUE a SHIRE tomou a iniciativa de apresentar uma proposta de inves- timentos à HEMOBRÁS; QUE a SHIRE fez uma proposta de investimento a fim de concluir a segunda fase da PDP; QUE tal investimento, somente para a
segunda da PDP, giraria em torno de 30 milhões de dólares; QUE a SHIRE en- viou uma carta solicitando do atual Ministro da Saúde uma audiência para falar especificamente da proposta; QUE acompanhou com a mencionada carta uma proposta inicial de 30 milhões de dólares; QUE a SHIRE se propôs também a fazer outros investimentos nas fases posteriores da PDP, uma vez concluída com êxito a segunda fase; QUE a SHIRE procedeu dessa forma para que o con- trole dos investimentos fossem melhor acompanhados; QUE a SHIRE queria ter a segurança de que a partir da reformulação dos termos outrora acordados, os contratos assinados fluiriam normalmente; QUE não obtendo resposta do Mi- nistro da Saúde, a SHIRE restou ainda por insistir em lograr uma audiência com tal Ministro, oportunidade em que ainda encaminhou mais 03 (três) cartas nesse sentido, além de realizar de outros meios de contato (e-mail, telefone, etc.); QUE o depoente gostaria de esclarecer que a SHIRE apresentou um valor glo- bal de investimento em todas as fases no novo Projeto Executivo, contudo man- teve a intenção de realmente providenciar os investimentos após a conclusão de cada uma das fases; QUE até a data presente o atual Ministro da Saúde não deu qualquer retorno aos pedidos de audiência solicitadas; QUE a SHIRE apenas recebeu uma solicitação por parte do MINISTÉRIO DA SAÚDE para fins de realizar uma inspeção na Fábrica de Fator VIII recombinante, na Suiça; QUE tal demanda de inspeção foi sucedida por uma suspensão de contrato apenas al- guns dias após a emissão de solicitação de inspeção; QUE tal atitude por parte do MINISTÉRIO DA SAÚDE causou estranheza para SHIRE; QUE a SHIRE em razão da suspensão buscou a medida judicial cabível a fim de preservar os seus direitos; QUE efetivamente a ação foi exitosa no sentido de que obteve-se uma liminar na 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal; QUE deseja ainda esclarecer que a proposta produzira pela SHIRE não teve por motivação qualquer proposta oriunda da OCTOPHARMA; QUE a SHIRE já discutia uma proposta de investimento na HEMOBRÁS antes de qualquer proposta eventual- mente apresentada pela OCTOPHARMA; QUE gostaria ainda de registrar que vem tratando com a equipe técnica da HEMOBRÁS, bem como com seu pró- prio Presidente, sendo que tais servidores são extremamente qualificados, sendo ainda, ao que lhe consta, serem pessoas dignas e trabalhadoras; QUE o depoen- te se compromete ainda a entregar a documentação a fim de comprovar as soli- citações de audiência para com o atual Ministro da Saúde; QUE de forma ne- nhuma o fármaco Fator Recombinante “NUWIQ” produzido pela OCTOP- HARMA é superior àquele produzido pela SHIRE (“HEMO8R”/ADVATE”). […]
A corroborar aludidas declarações, repise-se que, em abril de 2017, a HEMO- BRÁS recebeu carta com projeção inicial de investimentos (fl. 347 do IC) para a finalização da fase 2 da transferência de tecnologia da PDP do Fator VIII recombinante, no montante de 30 milhões de dólares, tendo encaminhado em 05 de maio atualização ao Ministério da Saú - de, através do Ofício nº 047912017-PR.
Não se pode esquecer que existe grave passivo contratual da ordem de várias centenas de milhões da HEMOBRÁS junto à empresa Shire Farmacêutica Brasil Ltda., com risco de perda dos próprios investimentos realizados no parque localizado no Município de
Goiana/PE.
Nesse contexto, resta amplamente comprovado o interesse da HEMOBRÁS e da Shire em atender às diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, seja readequando a PDP em andamento, seja com o aporte de recursos que sequer estavam previstos no contrato original. Já o Ministério da Saúde, ao revés, permaneceu inerte com vistas a frustrar os inte - resses da aludida empresa pública federal.
Foi exatamente nesse quadro que o Tecpar, com anuência do Ministério da Saúde, passou a atuar nos processos de negociação em parceria com a empresa Octapharma a fim de angariar contratos com o Ministério da Saúde em detrimento da PDP firmada com a empresa pública HEMOBRÁS.
Nessa esteira, o Ministério da Saúde recebeu proposta de parceria da HEMO- BRÁS com vistas a dar continuidade ao acordo da PDP, como também recebeu proposta de parceria do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), ao lado da Octapharma.
No âmbito do Tribunal de Contas da União, a HEMOBRÁS, ao encaminhar sua manifestação acerca da oitiva prévia, comparou as propostas de nova PDP (com a Octa- hpharma/Tecpar) com a parceria vigente (Shire). Vejamos:
[…] Com a proposta da Octapharma:
I. O faturamento da Hemobrás seria drasticamente reduzido e o passivo com o atual parceiro tecnológico não seria saneado, com o cenário de judicialização e incrementos de juros e penalidades decorrentes da rescisão contratual com a Baxalta/Shire;
II. A fabricação do fator VIII recombinante seria transferida para o Tecpar, de forma que o objeto social da Hemobrás seria compartilhado com outro ente pú- blico;
III. O portfólio de hemoderivados da Hemobrás seria reduzido, sem a previsão de fabricação de fator de von Willebrand e complexo protrombínico na fábrica de Goiana/PE, o que ensejaria a aquisição suplementar desses produtos pelo Ministério da Saúde;
IV. O tempo para absorção e domínio da tecnologia para fabricação de hemode- rivados seria ampliado para até 15 anos;
V. Não seriam necessários recursos suplementares para a conclusão da fábrica de hemoderivados; e
VI. O gasto público estimado com aquisição dos medicamentos em questão, so- mado aos aportes de capital e deduzido da arrecadação de impostos, totalizaria R$ 30,2 bilhões ao longo dos próximos 20 anos.
VII. A geração de caixa progressivamente negativa levaria à falência da Hemo- brás.
Com a proposta da Shire:
I. A Hemobrás manteria o equilíbrio financeiro conquistado em 2016, continu- ando a trajetória de redução do passivo e finalmente sua quitação em 2025;
II. A fabricação do fator VIII recombinante seria realizada pela Hemobrás, em linha com o objeto social da Estatal;
III. O portfólio de hemoderivados da Hemobrás seria mantido com os seis pro- dutos atualmente previstos, sem a necessidade de aquisição suplementar pelo Ministério da Saúde para esses produtos;
IV. O tempo para absorção e domínio das tecnologias seria mantido em 5 anos com a Shire e LFB;
V. Haveria uma redução no montante de recursos necessários para a finalização da fábrica de hemoderivados;
VI. O gasto público estimado com aquisição dos medicamentos em questão, so- mado aos aportes de capital e deduzido da arrecadação de impostos, totalizaria R$ 21,9 bilhões ao longo dos próximos 20 anos; e
VII. A geração de caixa progressivamente positiva garantiria a saúde financeira da Hemobrás e abriria espaço para novos investimentos e redução dos preços praticados para o Ministério da Saúde. […] (Grifo nosso).
De plano, ao comparar as propostas, o TCU verificou que, para a HEMO- BRÁS, “a manutenção da parceria com a Shire, contemplando os novos investimentos pro- postos pela empresa, seria mais atrativa por garantir um portfólio de hemoderivados mais amplo, apresentar prazo de obtenção da tecnologia mais curto e garantir maior rentabilida - de à empresa pública e menores custos ao Ministério da Saúde na aquisição de medicamen - tos”. Não fosse o bastante, “sendo a produção do fator VIII recombinante mantida na mesma fábrica dos demais produtos hemoderivados, haveria a possibilidade de compartilhar as ins - talações de envase e liofilização e não seria necessário o dispêndio de recursos para o envio do medicamento de uma fábrica para outra”.
Como se não bastasse, em parecer elaborado pelo Dr. Xxxxxx Xxxxxx, professor e doutor em Hematologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, datado em 21 de agosto de 2017, houve a comparação científica entre os medicamentos Ad - vate®/Hemo8r®, de titularidade da Shire/Hemobrás, e Nuwiq®, cujo registro sanitário per - tence à Octapharma. Em suas conclusões, o ilustre doutor asseverou que: (i) alfaoctocogue (Advate®/Hemo8r®) e alfasimoctocogue (Nuwiq®) são FVIII recombinantes de 3ª geração;
(ii) a metodologia de produção do alfaoctocogue (Advate®/Hemo8r®) favorece mais segu- rança quanto à propagação de doenças virais patogênicas aos humanos quando comparada à produção de alfasimoctocogue (Nuwiq®); (iii) faltam estudos de segurança na utilização de alfasimoctocogue (Nuwiq®) em pacientes pediátricos com idade inferior a 2 anos; (iv) ambos compostos apresentam farmacocinéticas muito semelhantes, tanto na faixa etária pediátrica acima de 2 anos de idade, como em adultos; e (v) hoje não é possível afirmar que há qualquer superioridade de alfasimoctocogue (Nuwiq®) sobre alfaoctocogue (Advate®/Hemo8r®).
Desse modo, não persiste nenhuma justificativa plausível capaz de embasar minimamente o afastamento da aquisição, por parte do Ministério da Saúde, do Fator VIII Recombinante produzido pela Hemobrás/Shire e capaz de possibilitar a aquisição do Fator VIII Recombinante a terceiros, como no caso do fármaco Nuwiq®, produzido pela Octaphar - ma.
Assim, é cediço que, hodiernamente, a solução mais vantajosa para a HEMO- BRÁS e para o Ministério da Saúde é a continuidade da Parceria de Desenvolvimento Produ- tivo (PDP), por inúmeros fatores, dentre os quais destacam-se: (i) a divisão da fabricação dos hemoderivados em duas fábricas dificilmente se mostraria mais vantajosa para a Administra - ção Pública; (ii) a concentração da produção em apenas uma das fábricas evita novos investi - mentos para a construção de uma segunda planta, bem como minimiza os custos de operação e ainda permite o aproveitamento de parte dos equipamentos na linha de produção; (iii) ainda que outra entidade ofereça proposta mais vantajosa financeiramente, a construção de uma nova unidade carece, no atual contexto, de demonstração de viabilidade econômica e de mo- tivação capaz de substanciar o interesse público; (iv) o fármaco produzido pela Hemobrás/Shire no âmbito da transferência de tecnologia do Fator VIII Recombinante é de- veras satisfatório para os fins propostos.
Outrossim, acerca da legalidade da proposta apresentada pela Tecpar e Octap - harma, constatou-se no âmbito do TCU que, além de elencar medicamento não previsto na lista de produtos estratégicos do Sistema Único de Saúde – SUS, publicados na Portaria GM/MS n. 704, a formalização da proposta pela Tecpar ocorreu fora do lapso temporal esta -
belecido pelo art. 13 da Portaria GM/MS n. 2.531/2014, que seria de 1º de janeiro a 30 de abril de cada exercício.
Não fosse o suficiente, no último 22 de setembro de 2017, foi publicado no Diário Oficial do Estado do Paraná extrato de Acordo de Transferência de Tecnologia para a Obtenção de Hemoderivados e Hemocomponentes, firmado diretamente entre o Tecpar e a Octapharma, cujo objeto é regular um projeto de transferência de tecnologia para o fraciona - mento e inativação viral do plasma sanguíneo e produção do Fator VIII Recombinante não modificado em células humanas para obtenção de hemoderivados e componentes.
Sobre o tema, como bem discriminou o Tribunal de Contas da União, o Tec- par, como empresa pública vinculada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Estado do Paraná, em respeito aos princípios que regem a Administração Pú - blica, em especial o da isonomia, da moralidade e da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, deveria ter realizado uma seleção pública aberta aos potenciais laboratórios privados interessados para a celebração da parceria. A simples escolha de uma empresa priva- da, ao alvedrio de quaisquer processos seletivos, viola o art. 50 da Lei n. 9.784/99, que esta - belece o dever da Administração Pública de motivar os atos administrativos praticados quan - do decidam processo administrativo ou seleção pública.
Por fim, é clarividente o desvio de poder no âmbito da atuação do Ministro da Saúde Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, porquanto assumiu publicamente, em matéria ampla - mente veiculada na mídia digital, impressa e televisiva (fl. 450 do IC), que possui interesse político em levar o “mercado de sangue” para o Estado do Paraná, bem como que o Ministé - rio da Saúde teria conduzido tratativas junto à empresa Octapharma com vistas a construir, na cidade de Maringá/PR, uma nova fábrica de hemoderivados e recombinantes (fls. 195/201 do IC).
O Ministro de Estado da Saúde articula publicamente em favor do Tecpar/Oc - topharma, seja para fins de aquisição de contratos por parte dessas instituições junto ao Mi - nistério da Saúde, seja com vistas a esvaziar as atribuições institucionais da HEMOBRÁS.
Conforme atestado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, as intenções do Ministro de Estado “são bastante preocupantes e resultariam conse-
quências graves, pois, além de não se ter conhecimento de quaisquer justificativas legais, técnicas e de economicidade para a construção de um novo empreendimento com o mesmo objetivo social da HEMOBRÁS, seria injustificável o abandono dos vultosos investimentos realizados no parque fabril dessa empresa pública federal – que tem como objetivo social, por força de lei, garantir aos pacientes do SUS o fornecimento de medicamentos hemoderi - vados ou produzidos por biotecnologia (artigo 1º, § 1º, da Lei 10.972/2004) – em detrimento de uma eventual implantação de fábrica em localidade diversa com a mesma finalidade da- quele parque fabril em Goiana/PE que se encontra em avançada etapa de execução”.
Ainda, nos termos da representação do Ministério Público junto ao TCU, “são desconhecidas as razões legais, técnicas e de economicidade consideradas pelo Minis- tério da Saúde, ou mesmo pela HEMOBRÁS, a recomendar o cancelamento da PDP do Fa- tor VIII recombinante, na qual já foram realizados altos investimentos, e celebrar outra com o objeto semelhante e parceiros diferentes. Tal procedimento exporia a entidade aos prejuí - zos contratuais inerentes à ruptura unilateral do termo de compromisso, no qual já se acu - mulam elevadíssimas dívidas de natureza contratual e ensejaria aplicação de outras penali - dades”.
Frise-se que a empresa Octapharma Brasil S/A é investigada em diversos pro- cedimentos apuratórios no Brasil e no exterior, a exemplo das Operações “Marquês” e “O- Negativo”, deflagradas pelo Ministério Público de Portugal, nas quais se constataram graves suspeitas das práticas dos crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de van - tagens e branqueamento de capitais. Na esfera de atuação da Superintendência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), também foram encontrados graves indícios de violação da ordem econômica contra a Octapharma Brasil S/A.
Não coincidentemente, posteriormente à visita dos representantes das empre - sas Tecpar e Octapharma à HEMOBRÁS, com deliberada anuência do Ministério da Saúde:
(i) a empresa Octapharma apresentou proposta de investimento ao Ministério da Saúde abrangendo três laboratórios públicos, quais sejam o Tecpar, Butantan e HEMOBRÁS, pre- vendo, no entanto, apenas a conclusão da fábrica de hemoderivados desta Estatal e contem - plando a fabricação do Fator VIII recombinante no Tecpar; (ii) em 13 de julho de 2017, o Mi-
nistério da Saúde encaminhou o Ofício nº 1360/2017/SCTIE/MS à HEMOBRÁS (fls. 362/362v do IC), cientificando-a da suspensão da PDP do Fator VIII recombinante; (iii) e m 08 de setembro de 2017, a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde publicou, no Diário Oficial da União, aviso de audiência pública para o dia 25 de setembro de 2017, cujo objeto seria tratar da aquisição de Concentrado de Fator de Coagulação, Fator VIII recombinante, pó liófilo para injetável; e (iv) em 20 de setembro de 2017, foi publicado extrato de acordo de transferência de tecnologia para obtenção de hemoderivados e hemo - componentes, no Diário Oficial do Estado do Paraná, celebrado entre o Instituto de Tecnolo - gia do Paraná (Tecpar) e a Octopharma AG.
Ou seja, diversos acontecimentos demonstram a deliberada atuação de agen - tes do Ministério da Saúde, inclusive do titular da pasta, o Sr. Xxxxxxx Xxxxxx, com vistas a favorecer os interesses da empresa pública Tecpar e, especialmente, da empresa Octapharma. Dessa forma, constata-se sérios indícios de envolvimento dos agentes do Ministério da Saúde na deliberada prática do crime de advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal), com o iter criminis já iniciado, razão pela qual foram encaminhadas cópias integrais dos autos à Procuradoria Geral da República para a respectiva apuração da responsabilização criminal, bem como na prática de atos de improbidade administrativa, cujas medidas judiciais também serão adotadas.
Nesse diapasão, há inequívoco nexo de causalidade entre a deliberada omis- são do Ministério da Saúde acerca das tratativas de readequação da parceria com a HEMO - BRÁS/Shire e a atuação do Ministro de Estado da Saúde com vistas a redirecionar as atribui - ções institucionais da HEMOBRÁS para o seu Estado natal, em pública e notória violação aos princípios legais e constitucionais.
1 O atual Ministro de Estado da Saúde, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, foi eleito para o cargo de Deputado Federal pelo Partido Progressista – PP nas eleições gerais de 2014, ocasião em que obteve 114.396 (cento e quatorze mil e trezentos e novena e seis) votos (2,02% dos votos válidos).
hemoderivados essenciais ao SUS e que, atualmente, estão sob a incumbência da HEMO - BRÁS.
II.4. – DA URGENTE NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO Nº 73/2017 PARA O FORNECIMENTO DO FATOR VIII RECOMBINANTE ENTRE A HEMOBRÁS E O MINISTÉRIO DA SAÚDE
Em 08 de setembro de 2017, a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde publicou, no Diário Oficial da União, aviso de audiência pública para o dia 25 de setembro de 2017, cujo objeto seria tratar da aquisição de Concentrado de Fator de Coagulação Fator VIII recombinante, pó liófilo injetável.
No mesmo dia, o Ministério da Saúde publicou, em seu sítio eletrônico na in- ternet, o Termo de Referência n. 3694, cujo objeto foi assim discriminado:
[…] 1. DO OBJETO
1.1. Aquisição do produto abaixo, conforme condições, quantidades, exigências e estimativas, estabelecidas neste instrumento:
Item | Descrição/ específica | Código catmat | Unidade de fornecimento | Quantidade Total (UI) |
1 | CONCENTRADO DE FATOR DE COAGULAÇÃO, FATOR VIII RECOMBINANTE, PÓ LIÓFILO P/ INJETÁVEL | 000000 | Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx (XX) | 300.000.000 (trezentos milhões) |
1.1.1. Para esta aquisição não será aplicada cota reservada para a contratação de ME/EPP, com fundamento na Inciso II do caput art. 10 do Decreto 8.538 de 06/10/15, combinando ao Inciso II do Parágrafo Único do mesmo artigo.
1.2. Estimativa de execução da Ata de Registro de Preços pelo Órgão Gerencia- dor (assinatura do contrato):
Item | Descrição. | Unidade de Medida | Cronograma estimativo de execução, a contar da assinatura da ARP | Quantitativo Total (UI) |
O atual Ministro da Saúde também é cônjuge da vice-governadora do Estado do Paraná, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx (PP) que, diga-se, pretende se candidatar ao cargo de Governador daquele Estado nas eleições gerais de 2018 (xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/0000/00/xxxxx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxxx- diz-cida-borghetti/2422365/).
1 | CONCENTRADO DE FATOR DE COAGULAÇÃO, FATOR VIII RECOMBINANTE, PÓ LIÓFILO P/ INJETÁVEL | Frascos de 250UI, 500UI1.000UI | Até 30 dias | 300.000.000 |
1.2.1. Os prazos acima representam mera expectativa de contratação, não vinculando a Administração à sua efetivação.
1.3. A descrição detalhada do objeto, concentrado de fator de coagulação, Fator VIII recombinante, frascos de 250 XX, 000 UI e 1.000 UI, em frasco ampola com produto liofilizado + frasco ampola com diluente, pó liófilo p/ injetável, e ainda, outras informações relevantes ao processo de aquisição estão contidas nos apêndices I e II, apensados ao processo de aquisição.
1.4. Será permitida a cotação parcial, desde que seja oferecido no mínimo 33% do quantitativo total cotado.
1.5. Critérios De Sustentabilidade Ambiental
1.5.1. Nos termos do Decreto nº 2.783, de 1998 e da Resolução CONAMA nº 267, de 14/11/2000 é vedada a oferta de produto ou equipamento que contenha ou faça uso de qualquer das Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio – SDO abrangidas pelo Protocolo de Montreal, notadamente CFCs, Halons, CTC e tricloroetano, à exceção dos usos essenciais permitidos pelo Protocolo de Montreal, conforme artigo 1º, parágrafo único, do Decreto nº 2.783, de 1998, e o artigo 4º da Resolução CONAMA nº 267, de 14/11/2000. […]
Na justificativa para a deflagração do mencionado procedimento, o Ministério da Saúde apenas discriminou conceitos científicos relacionados à hemofilia; realizou um bre- ve escorço histórico sobre o tratamento de reposição em pacientes com hemofilia; aduziu su - cinta análise acerca do tratamento da hemofilia com concentrado de fator de origem recombi - nante plasmática e; ao final, enfatizou a necessidade de aquisição de concentrado de Fator VIII de origem recombinante para o tratamento de pacientes brasileiros com Hemofilia A.
Elencou, ainda, que a entrega dos bens deve ocorrer até 15 de janeiro de 2018, no caso de contratações em parcela única, havendo a possibilidade de realização da entrega em 3 parcelas, nos prazos abaixo indicados:
Item | Nº da | Quantidade em UI | Quantidade | Prazo em dias, |
Parcela | Frasco de 250 UI (10%) | Frasco de 500 UI (40%) | Frasco de 1.000 UI (50%) | Total (UI) | contados da data da assinatura do contrato | |
1 | 1 | 10.000.000 | 40.000.000 | 50.000.000 | 100.000.000 | Até 15 de janeiro de 2018 |
2 | 10.000.000 | 40.000.000 | 50.000.000 | 100.000.000 | Até 15 de fevereiro de 2018 | |
3 | 10.000.000 | 40.000.000 | 50.000.000 | 100.000.000 | Até 15 de abril de 2018 | |
Total | 30.000.000 | 120.000.000 | 150.000.000 | 300.000.000 |
Primeiramente, impende-se salientar que, de fato, a competência para aquisi - ção centralizada de pró-coagulantes é do Ministério da Saúde, consoante expressa disposição no Decreto n. 3.990/2001, verbis:
Art. 4º. Ao Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria de Atenção à Saú- de, objetivando a gestão e a coordenação do SINASAN, compete: (Redação dada pelo Decreto nº 5.045, de 2004).
IX – planejar e coordenar a política de medicamentos estratégicos imprescindí- veis à assistência hemoterápica e hematológica;
X – garantir o acesso aos hemoderivados para os portadores de coagulopatias;
Não se olvide, ainda, que o artigo 199, § 4º, da CF/1988 proíbe a comerciali- zação dos hemoderivados. Assim, inexistindo outras alternativas terapêuticas no Brasil, con - clui-se que o Ministério da Saúde possui o dever constitucional de garantir o tratamento aos pacientes portadores de coagulopatias, dado que é detentor do monopólio da aquisição, pro- dução e distribuição dos hemoderivados e fatores de coagulação no país.
Com efeito, repise-se que, no ano de 2012, foi celebrado Termo de Compro- misso entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde para o investimento, desenvolvimento, aquisição e transferência de tecnologia do Fator VIII recombinante, fato este que culminou, ainda no mesmo ano de 2012, na celebração do Contrato de Transferência de Tecnologia e do Contrato de Fabricação e Fornecimento, no âmbito da Parceria para o Desenvolvimento Pro - dutivo (PDP), com a Baxalta/Shire, à época Baxter.
Como decorrência da PDP, encontra-se vigente o Contrato n. 73/2017, firma- do entre a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – HEMOBRÁS e a União, por intermédio do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministé-
rio da Saúde, cujo objeto consiste exatamente na aquisição de CONCENTRADO DE FATOR DE COAGULAÇÃO, FATOR VIII RECOMBINANTE, PÓ LIÓFILO P/INJETÁVEL, con-
forme especificações e quantitativos previstos no Termo de Referência n. 3537, no quantitati - vo de 258.000.000 UI (duzentos e cinquenta e oito milhões de Unidades Internacionais) a ser entregue em 06 (seis) parcelas mensais entre setembro de 2017 e fevereiro de 2018.
Sob o enfoque do referido contrato, é possível concluir que: (i) seu termo ini - cial ocorreu em 06 de julho de 2017, possuindo prazo de vigência de 12 (doze) meses, nos termos do art. 57, inc. I, da Lei n. 8.666/93; (ii) o valor do contrato foi assinalado em R$ 296.700.000,00 (duzentos e noventa e seis milhões e setecentos mil reais); e (iii) as despesas decorrentes da contratação foram programadas em dotações orçamentárias próprias, previstas no orçamento da União para o exercício de 2017.
Considerando a cobertura de distribuição do Contrato n. 73/2017, em 28 de julho de 2017, antes mesmo do início de execução do aludido ajuste contratual, a HEMO - BRÁS encaminhou o Ofício n. 0862/2017-PR (fls. 299/301 do IC) ao Ministério da Saúde, relatando que “o processo de fabricação e importação do produto Fator VIII recombinante leva, pelo menos, cerca de 4 a 5 meses”.
No aludido expediente, a HEMOBRÁS também relata que “no que tange ao planejamento da demanda anual, a avença entre a HEMOBRÁS e a Baxalta/Shire prevê que o pedido vinculante seja realizado no mês de agosto do ano anterior, de modo que o planeja - mento de fabricação e fornecimento de Fator VIII recombinante ocorra de modo adequado e sejam evitadas quaisquer possibilidades de ruptura. Dessa forma, é crucial que o Ministério da Saúde nos informe a demanda anual de 2018, de modo que possam ser programados os embarques do Hemo-8r para o próximo ano”.
A mencionada comunicação encerra reforçando “a premente necessidade de manifestação [por parte do Ministério da Saúde] quanto a quaisquer acréscimos de quantita- tivos no âmbito dos contratos vigentes, bem como a informação da demanda anual de 2018 e previsão de tratativas para a contratação desta Estatal, de modo que não aconteça ruptura no abastecimento do produto a partir de fevereiro de 2018”.
É possível perceber, a partir das comunicações acima evidenciadas, as inicia-
tivas da HEMOBRÁS com vistas a firmar um novo termo contratual com o Ministério da Saúde para o fornecimento do Hemo-8r, especialmente visando atender às demandas do SUS após a vigência do Contrato n. 73/2017 (com finalidade prevista para fevereiro de 2018). Ao assim proceder, a HEMOBRÁS primou, sobretudo, pelo planejamento da produção, importa- ção e distribuição como forma de garantir que não haja situação de ruptura de abastecimento.
De modo geral, o processo de contratação da HEMOBRÁS ocorre da seguinte forma: (i) é iniciado após a solicitação formal do Ministério da Saúde de proposta comercial à HEMOBRÁS; (ii) após o envio de proposta, a HEMOBRÁS é convocada para reunião de negociação no Ministério da Saúde; (iii) posteriormente, seguem-se os atos de publicação da dispensa de licitação e convocação da HEMOBRÁS para a assinatura do contrato de forneci- mento do produto; e (iv) o tempo para a conclusão da aquisição dependerá dos prazos admi - nistrativos do Ministério da Saúde.
Destarte, impende-se salientar que a contratação da HEMOBRÁS, como em- presa pública federal, para o fornecimento do Fator VIII recombinante, no âmbito da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo celebrada com o Ministério da Saúde, se dá em estrita ob- servância aos ditames da Lei n. 8666/93, por meio de processo de dispensa de licitação, nos termos do art. 24, inc. XXXII, verbis:
XXXII – na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica. (Incluído pela Lei nº 12.715, de 2012)
Assim, verifica-se que os contratos administrativos celebrados entre a HE - MOBRÁS e o Ministério da Saúde para o fornecimento do Fator VIII recombinante não so - mente possuem regularidade legal, como também estão consubstanciados na Parceria para o Desenvolvimento Produtivo firmada entre a empresa pública e o próprio Ministério. A esse respeito, a parceria se encontra vigente e em andamento, mesmo à luz do Ofício nº 1360/2017/SCTIE/MS (fls. 303/304 do IC) – que determinou a suspensão da PDP, em razão de decisão liminar proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara Federal Cível do Distrito Federal (fl. 441 do IC) e do Acórdão n. 2207/2017 (fl. 461).
Nesse sentido, ao deflagrar procedimento para a aquisição do Fator VIII re-
combinante de outro parceiro privado, o Ministério da Saúde não só viola os termos do art. 199, §4º, da Constituição Federal de 1988, como também descumpre os termos da Parceria de Desenvolvimento Produtivo celebrado, porquanto escanteia a HEMOBRÁS, empresa pú- blica federal de relevante interesse nacional e para cujo custeio o erário já despendeu milhões de reais.
Cite-se que a PDP é estruturada a partir de contratos administrativos entre a empresa privada e o laboratório público oficial, por meio dos quais a instituição fornece ao laboratório público a tecnologia de fabricação do medicamento e, durante o lapso temporal de transferência da tecnologia, o laboratório se compromete a adquirir da empresa determina - das quantidades do medicamento.
Por intermédio de outro contrato administrativo, o Ministério da Saúde se compromete a adquirir com exclusividade o medicamento do laboratório público oficial du - rante o período pelo qual perdurar o contrato de transferência de tecnologia. Esse contrato, in casu firmado entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde fornece as condições necessárias para que o laboratório público cumpra os contratos com a empresa privada, viabilizando, por conseguinte, a PDP.
O art. 66, item X, da Portaria n. 2531/2014 prevê expressamente a obrigação do Ministério de participar da fase da PDP (a fase em que há o fornecimento do produto), cumprindo todas as responsabilidades e obrigações previstas na referida fase.
Vejamos os termos da Portaria in verbis:
[…] Art. 2º Para efeitos desta Portaria, são adotados os seguintes conceitos:
I – Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP): parcerias que envolvem a cooperação mediante acordo entre instituições públicas e entre instituições públicas e entidades privadas para desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, produção, capacitação produtiva e tecnológica do País em pro- dutos estratégicos para atendimento às demandas do SUS.
[…] Art. 56. O processo administrativo de aquisição do produto objeto da PDP observará a legislação vigente e conterá toda a documentação necessária para comprovação da existência e regularidade da PDP, inclusive o extrato do termo de compromisso publicado no DOU e os documentos citados nesta Seção.
Parágrafo único. A aquisição do produto objeto da PDP será efetuada me- diante a celebração de contrato plurianual compatível com o cronograma da PDP, respeitando-se a legislação vigente. […] (Grifo nosso)
Ora, restando a fase atual da PDP com termo final estipulado em 2022, é DE- VER da União, via Ministério da Saúde, cumprir todas as obrigações constantes do Termo de Compromisso n. 20/2012, por meio do qual se comprometeu a adquirir da Hemobrás toda a demanda do mercado público federal para o Fator VIII Recombinante, produto objeto da par - ceria.
Nesse quadro, a conduta do Ministério da Saúde ao deflagrar novo Termo de Compromisso para a aquisição de 300 milhões de unidades do produto (com valor superior a R$ 150 milhões de reais) – mais de 50% do volume anual necessário para atender o mercado brasileiro) representa grave atentado às perspectivas de sucesso da PDP e, especialmente, ao interesse público.
Frise-se que as contratações derivadas do Fator VIII recombinante funcionam como a base estrutural da HEMOBRÁS, especialmente no que se refere ao processo de trans - ferência de tecnologia e ao orçamento responsável pela manutenção, estruturação e viabiliza - ção da empresa pública federal. Retirar o fornecimento do Fator VIII recombinante da HE- MOBRÁS não só inviabiliza a empresa sob o aspecto financeiro, mas, especialmente, sob o enfoque estrutural. O cliente primário da HEMOBRÁS é o Ministério da Saúde e as pessoas consumidoras são justamente àquelas que utilizam o SUS.
Acerca dos fatos, é evidente a boa-fé da HEMOBRÁS nas tratativas junto ao Ministério da Saúde. Nesse tocante, veja-se que, em 27 de julho de 2017, a HEMOBRÁS emitiu Nota Técnica Conjunta ao lado da Coordenação Geral de Abastecimento de Sangue e Hemoderivados, órgão do Departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, cujo teor asseverou que:
[…] 3. A fim de garantir o acesso aos medicamentos para o tratamento de paci- entes com hemofilia A, o Ministério da Saúde promoveu a celebração dos Con- tratos nº(s) 31/2017 e 73/2017, junto à Xxxxxxxx, para aquisição do concentra- do de Fator VIII recombinante, com entrega descentralizada nos estados.
4. Os instrumentos contratuais vigentes garantem a distribuição do Fator VIII recombinante aos centros de tratamento de hemofilia dos estados até o fevereiro de 2018.
5. Complementarmente, informe-se que se encontra em andamento tratativas para a celebração de novos instrumentos contratuais que garantirão o abasteci- mento do produto para o próximo período. […]
A partir do teor da nota acima transcrita é possível perceber as contradições decorrentes dos atos administrativos emanados dos diversos setores vinculados ao Ministério da Saúde, em notória violação à segurança jurídica e ao princípio da confiança legítima que, diga-se, deve reger a atuação positiva da administração junto aos administrados.
Nada obstante, consoante narrado no tópico anterior, restou exaustivamente comprovado o interesse da HEMOBRÁS e da Shire em atender às diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde, seja readequando a PDP em andamento, seja com o aporte de re - cursos que sequer estavam previstos no contrato original.
Nessa esteira, o Ministério da Saúde permaneceu inerte, mesmo após inúme- ros expedientes da HEMOBRÁS e da Shire, em grave violação ao art. 49 da Lei n. 9.784/99, não se manifestando sequer acerca da possibilidade de prorrogação do instrumento contratual em vigor, o que gerou, por óbvio, grave preocupação da HEMOBRÁS e dos demais órgãos de controle, considerando-se, especialmente, a possibilidade de desabastecimento do fárma - co.
No expediente de fls. 299/301 (Ofício n. 0862/2017-PR), datado em 28 de ju - lho de 2017, a HEMOBRÁS, inclusive, comunicou ao Ministério da Saúde, que “caso haja a intenção do Ministério da Saúde de realizar qualquer aditamento ao Contrato n. 73/2017, é necessário que a HEMOBRÁS seja comunicada com urgência, visto que os embarques de im - portação do Fator VIII recombinante para o ano de 2017 estão dimensionados apenas para o atendimento dos quantitativos atualmente pactuados nos contratos vigentes com o Ministé - rio da Saúde”.
Não houve nenhuma manifestação do Ministério da Saúde nesse sentido, adu- zindo a HEMOBRÁS que o quantitativo programado até o presente momento somente con- templa o cumprimento do contrato em vigor, não havendo estoque residual disponível para o período posterior ao cumprimento.
Em razão dessa inércia, a HEMOBRÁS não realizou o pedido vinculante de compra anual para que a Shire possa ter previsão das unidades do produto que deverão ser fa - bricados e exportadas no período correspondente ao próximo exercício (2018), muito embora ela tivesse obrigação de fazê-lo até o dia 31 de agosto de 2017, por força da cláusula 2.3.b do
Contrato de Fabricação e Fornecimento do Produto.
Em outras palavras, o Ministério da Saúde vem “escanteando” a HEMO- BRÁS, tanto ao permanecer inerte no que se refere às propostas de readequação da PDP, quanto em relação aos incontáveis expedientes da empresa com vistas a firmar novo contrato e/ou renovar o contrato vigente para o fornecimento do Fator VIII recombinante.
Ora, a Parceria de Desenvolvimento Produtivo foi celebrada com o conheci- mento e aval do Ministério da Saúde – órgão responsável pela recompra e distribuição desses fatores, sendo que o próprio Ministério já vem negligenciando os quantitativos mínimos, ou seja, está realizando compras em volumes muito inferiores aos acordados.
Nesse ponto, cumpre-se enfatizar os termos do tópico anterior no sentido de que há deliberado nexo de causalidade entre a omissão do Ministério da Saúde, pelo titular da pasta Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, acerca das tratativas de readequação da parceria com a Hemobrás/Shire e a atuação do Ministério da Saúde com vistas a esvaziar as atribui - ções institucionais da HEMOBRÁS, em pública e notória violação aos princípios legais e constitucionais.
Sobre o tema, o Instituto de Tecnologia do Paraná – Tecpar, empresa pública do Governo do Estado do Paraná, sem nenhuma tradição na fabricação e fornecimento de he - moderivados, passou a atuar nos processos de negociação em parceria com a empresa Octap - harma, com a absurda anuência do Ministério da Saúde, a fim de angariar contratos com o re- ferido órgão em detrimento da PDP firmada com a empresa pública HEMOBRÁS.
Entretanto, consoante já narrado e bem evidenciado pelo TCU, para a HEMO - BRÁS, prima facie, é de salutar importância manutenção da PDP, não se mostrando viável, sob os aspectos financeiro e estrutural, a celebração de nova PDP com a Tecpar/Octopharma. Além disso, como bem explanado no tópico anterior, as condutas da Tecpar/Octopharma pa- decem de legalidade, porquanto deflagradas ao alvedrio dos princípios da legalidade, morali - dade e impessoalidade.
Relembre-se, ainda, que é clarividente o desvio de poder no âmbito da atua- ção do Ministro da Saúde Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, eis que assumiu publicamente, em matéria amplamente veiculada na mídia digital, impressa e televisiva (fl. 450 do IC), que pos-
sui interesse político em levar o “mercado de sangue” para o Estado do Paraná, além de des- cumprir sistematicamente decisão do TCU e da própria Justiça Federal.
Ante todos os fatores acima expostos, é evidente que a omissão do Ministério da Saúde com vistas a firmar novo contrato e/ou prorrogar o contrato vigente, bem como a deflagração do Termo de Referência n. 3694 estão contaminados em razão: (i) da ausência de justificativa legal e idônea (sob os pontos de vista técnico, científico e financeiro), fato que macula de nulidade os atos administrativos vergastados; (ii) da evidente violação ao art. 199,
§4º, da Constituição Federal de 1988 e à Parceria de Desenvolvimento Produtivo celebrada entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde; (iii) do vício decorrente do abuso de poder praticado pelo Ministro de Estado da Saúde, ao preterir os interesses da HEMOBRÁS, em- presa pública federal, em favor dos interesses de particulares de seu Estado natal.; e (iv) da expressa violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, haja vista que referidas condutas restaram desprovidas de boa-fé, de razoabilidade/proporcionalidade e de interesse público.
Por fim, deve-se asseverar que a demora na aquisição do Fator VIII recombi- nante por parte do Ministério da Saúde pode proporcionar graves danos aos usuários do Siste - ma Único de Saúde que dependem do fármaco para o tratamento de Hemofilia A no Brasil.
Segundo a HEMOBRÁS, o processo de fabricação e importação do produto Fator VIII recombinante leva, pelo menos, cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) meses e os compo - nentes estocados somente contemplam os termos do Contrato n. 73/2017, ou seja, até o mês de fevereiro de 2018.
Em outras palavras, caso não haja a urgente renovação do contrato a fim de que a HEMOBRÁS produza e forneça, em parceria com a Shire, o fator VIII recombinante para o período compreendido após o contrato vigente, o risco de desabastecimento do fárma - co é iminente, fato que ocasionaria um verdadeiro “colapso” no Sistema Único de Saúde no que tange ao tratamento dos pacientes com Hemofilia A.
Ante o exposto, a presente demanda visa à imprescindível obtenção de tutela jurisdicional de obrigação de fazer em face da União para que prorrogue, imediatamente, os termos do Contrato n. 73/2017, firmado com a HEMOBRÁS, mantendo-se o equilíbrio eco -
nômico-financeiro do ajuste contratual e os termos da Parceria de Desenvolvimento Produti - vo celebrada.
II.5. - DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE E DA REALIDADE DOS HEMOFÍLICOS NO BRASIL
Não menos importante é o custo social decorrente da expressiva diminuição da capacidade do Brasil (SUS) em atender a parcela da população que necessita de medica - mentos para cuidar da hemofilia, além dos milhares de pacientes com imunodeficiência ge- nética, cirrose, câncer, AIDS, queimaduras, entre outras enfermidades relacionadas. Tal fato, sem dúvida pode ensejar responsabilização por dano moral coletivo.
A respeito, cumpre deixar registrado alguns dados acerca da importância do plasma e, consequentemente, dos hemoderivados, para 17.000 pacientes hemofílicos, segundo projeção da Federação Mundial de Hemofilia (1:10.000 nascimentos).
De acordo com o Perfil de Coagulopatias Hereditárias, publicado pelo Ministério da Saúde em 2015, em 2014, no Brasil, 5,93%, 24,08% e 65,18% do consumo total de 585.625.000 UI de concentrado de fator VIII foram utilizados por pacientes com hemofilia A leve, moderada e grave, respectivamente.2
Sem tratamento eficiente, os pacientes vivem sob risco elevado de sofrerem incapacidades severas, invalidez permanente e morte precoce3. Por isso, a Federação Mundial de Hemofilia determina que a profilaxia é o tratamento de escolha para preservar a função musculoesquelética normal do paciente com hemofilia4.
Em 2014, havia 302 pacientes em profilaxia primária, 3.080 em profilaxia secundária de longa duração e 205 em imunotolerância. Ressalte-se que pacientes com grave hemofilia A que receberam profilaxia apresentaram uma redução significativa de dias
2 Ministério da Saúde. Perfil das Coagulopatias Hereditárias no Brasil - 2014. 2015, in
xxxx://xxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx_xxxxxxxxxxxxx_xxxxxxxxxxxx_xxxxxx_0000.xxx.
3 Skinner MW. WFH: closing the global gap - achieving optimal care. Haemophilia. 2012;18(Suppl 4):1-12. 4 Xxxxxxxxxx, X. et al. and Treatment Guidelines Working Group of the WFH. Guidelines for the management of hemophilia. Haemophilia 2013, 19(1); e1-47.
perdidos de trabalho e estudos, na comparação com aqueles que receberam terapia requisitada.5
Os sangramentos de pacientes com hemofilia podem ser divididos em:
1- Aqueles que ameaçam a vida: hemorragia intracraniana, na garganta/pescoço, gastrointestinal; são emergências médicas agudas que podem ser fatais;
2- Sangramentos graves: articulares, musculares ou em mucosas; 70 a 80% são articulares que podem ser incapacitantes;
Sangramentos recorrentes na mesma articulação (uma articulação-alvo) resultam em danos progressivos e no desenvolvimento de artropatia hemofílica, gerando dor, deformidade e invalidez. Mesmo poucas hemartroses (de duas a três) em uma mesma articulação pode causar mudanças irreversíveis, progressivas e estruturais nesta articulação. A dor, o movimento restrito e a ansiedade provocada por sangramentos nas articulações são preocupações constantes para pacientes e suas famílias/cuidadores.
O tratamento da Hemofilia fornecido pelo Ministério da Saúde hoje é composto por produtos hemoderivados (Fator VIII e Fator IX) e recombinantes (fator VIII recombinante alfaoctocogue) extraídos por meio do fracionamento industrial do plasma, matéria-prima que, após a análise da indústria fracionadora ainda não contratada ou simplesmente após o decurso de menos de um ano, poderá ser descartada (incinerada) aos
5 Aledort XX, Xxxxxxxxxx RH, Xxxxxxxxxx X. A longitudinal study of orthopaedic outcomes for severe factor-VIII-deficient haemophiliacs. The Orthopaedic Outcome Study Group. J Intern Med. 1994;236:391-
9. Valentino LA. Considerations in individualizing prophylaxis in patients with haemophilia A. Haemophilia. 2014;20:607-15.
6 Xxxxxxxx A, Xxxxxxxxx B, Xxxxxxxxx X. The burden of bleeding in haemophilia: is one bleed too many? Haemophilia. 2014;20:459-63.
7 Xxxxxxxx A, xxx Xxxxxxxxx S, Xxxxxxxxx G, et al. Health status and health-related quality of life of children with haemophilia from six West European countries. Haemophilia. 2004;10 (Suppl 1):26-33.
montes (milhares de litros), impossibilitando a produção abundante de medicamentos essenciais aos pacientes.
A Constituição Federal de 1988 consagra a saúde como direito fundamental expressamente disposto no rol dos direitos sociais do art. 6º8 da Carta Magna. Ainda, define a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, a ser garantido mediante a adoção de políti - cas públicas voltadas para a redução do risco de doença e de outros agravos e para o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196).
Neste contexto, em consonância com os princípios constitucionais, é assente que o direito à saúde, tal como assegurado na Constituição Federal, configura direito fundamental de segunda dimensão (geração), compreendendo-se nesta os direitos sociais, culturais e econômicos, caracterizados por exigirem prestações positivas do Estado, ou seja, este deve agir operativamente para a consecução dos fins preceituados na Constituição Federal.
A principal consequência do enquadramento de uma norma na categoria dos direitos fundamentais é o reconhecimento de sua supremacia hierárquica – não apenas do ponto de vista formal, mas também sob a ótica axiológica – e, consequentemente, de sua força normativa diferenciada.
A fundamentalidade de que se revestem tais princípios não pode passar despercebida pelo intérprete, a quem cabe, através da hermenêutica especificamente constitucional, extrair-lhes o significado que proporcione maior possibilidade de gerar efeitos práticos.
XXXXXX XXXXXXXX0, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal”, assevera que:
“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado
8 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
9 XXXXXXXX, Xxxxxx. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, pp. 98/99.
como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Xxxxxx Xxxxx, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito.” (grifo acrescido)
Cumpre ressaltar, ainda, que o art. 197 da Constituição Federal qualifica como de relevância pública as ações e os serviços de saúde. Tal dispositivo possui o evidente propósito de realçar, ainda mais, o caráter de essencialidade do direito fundamental à saúde na nova ordem constitucional, porquanto todo serviço instituído para concretizar um direito fundamental ostenta o caráter de relevância pública, independentemente de ser prestado diretamente pelo Estado ou por meio de entes privados.
“Ao qualificar os serviços e ações de saúde como de relevância pública, não pretendeu o legislador constituinte dizer que os demais direitos humanos e sociais não têm relevância; quis o legislador talvez enunciar a saúde como um estado de bem-estar prioritário, fora do qual o indivíduo não tem condições de gozar outras oportunidades proporcionadas pelo Estado, como a educação, antecipando-se, assim, à qualificação de relevância” que a legislação infraconstitucional deverá outorgar a outros serviços, públicos e privados (...)”
É patente, pois, o dever do Estado de disponibilizar os recursos necessários para que o direito subjetivo dos indivíduos à saúde, tratado extensivamente pela Constituição Federal, seja levado a efeito. Mas a prestação desse serviço público essencial deve se dar, importa não olvidar, de modo imediato, sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou justificativa e, ainda, de maneira perfeita e acabada, conforme se depreende do artigo 198 da Constituição Federal, alhures descrito.
Por outro lado, questão de suma importância é a responsabilização do Poder Público quando este age em discordância com os princípios que regem a Administração Pública, pelo que estará obrigado a responder pelos danos efetivamente engendrados ou, até
10 Sistema Único de Saúde – Comentários à Lei Orgânica da Saúde. 3ª edição, Campinas: Editora da Unicamp, p. 317.
mesmo, não evitados, já que esse era seu dever. Quanto a tal ponto, imprescindível lembrar o xxxx xx xxxxxx 00, xxxxx x § 0x, xx Xxxxxxxxxxxx Xxxxxxx:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) §6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Sobre o tema, ensina o ilustre professor HELY XXXXX XXXXXXXXX00:
“A Constituição atual usou acertadamente o vocábulo agente, no sentido genérico de servidor público, abrangendo, para fins de responsabilidade civil, todas as pessoas incumbidas da realização de um serviço público, em caráter permanente ou transitório. O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. (…)
Nesta substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins”.
E conclui:
“Todo o ato ou omissão de agente administrativo, desde que lesivo e injusto, é reparável pela Fazenda Pública, sem se indagar se provém do jus imperii ou do jus gestionis, uma vez que ambos são formas da atuação administrativa”.
Não há como ignorar que o Ministério da Saúde vem sendo instado pela HEMOBRÁS a resolver a problemática em tela, sendo certo que a ausência de solução pode resultar no desabastecimento do fármaco Fator VIII recombinante na rede vinculada ao SUS, fato que ocasionaria um verdadeiro “colapso” no tratamento de hemofílicos no Brasil.
III – DA LEGITIMIDADE
III.1. DA LEGITIMIDADE AD CAUSAM
A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como
11 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito administrativo brasileiro. 29ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 626/627.
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127). Nesse escopo, foram estabelecidas suas funções institucionais no artigo 129, destacando-se:
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.
Pari passu, a legislação infraconstitucional, por meio da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), ampliada pela Lei nº 8.078/90 e corroborada pela Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), comete ao Parquet a proteção, prevenção e reparação de danos ao patrimônio público, ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e outros interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos.
Delimitando o tema, Xxxxxxxx (A defesa dos interesses difusos em juízo. 9. ed.
São Paulo:Saraiva, 1997) define:
O Ministério Público está legitimado à defesa de qualquer interesse difuso, pelo seu grau de dispersão e abrangência.
E logo adiante, arremata:
O interesse de agir do Ministério Público é presumido. Quando a lei lhe confere legitimidade para acionar ou intervir, é porque lhe presume interesse. Como disse Xxxxxxxxx Xxxxx, o interesse do Ministério Público é expresso pela própria norma que lhe consentiu ou impôs a ação.
[..]
Quando a lei confere legitimidade de agir ao Ministério Público, presume-lhe o interesse de agir, pois está identificado por princípio como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade como um todo.
Na percuciente lição de Xxxx Xxxxxx (Dano Ambiental, Prevenção, Reparação e Repressão, vol.2, São Paulo: RT, p. 281), “sempre que se estiver diante de uma ação coletiva, estará presente aí o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público.”
Prossegue o renomado autor:
De consequência, toda e qualquer norma legal conferindo legitimidade ao Ministério Público (CF 129 IX) para ajuizar ação coletiva, será constitucional porque é função institucional do Parquet a defesa do interesse social (CF 127 caput). [..]
Como o art. 82, inc. I, do CDC confere legitimidade ao MP para ajuizar ação coletiva, seja qual for o direito a ser defendido nessa ação, haverá legitimação da instituição para agir em juízo. O art. 81, parágrafo único, do CDC diz que, a ação coletiva poderá ser proposta para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (incs. I e III).
Diante do exposto, o Ministério Público Federal se encontra legitimado e, mais tecnicamente, vinculado a defender o patrimônio público e a concretização do direito fundamental à saúde.
III.2. DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA DEMANDADA
A demandada, na qualidade de proprietária do plasma através do Ministério da Saúde, é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, uma vez que não existe nenhuma condição específica para que alguém – pessoa física, jurídica ou ente dotado de personalidade jurídica – ocupe o polo passivo nas Ações Civis Públicas, sendo necessário apenas que sua conduta ou omissão cause lesão a direitos individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. Esse é o posicionamento, dentre outros, de Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx (Aspectos controvertidos da ação civil pública. 2.ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2009, p. 189), que afirma:
[...] figura no polo passivo da ação civil pública aquele que pratica conduta que ameaça ou causa lesão a um bem tutelado por essa via processual. Assim, qualquer pessoa, física ou jurídica, inclusive entes públicos diretos ou indiretos, pode estar nessa situação (p. 150).
In casu, a solução que se busca por meio desta ação civil, qual seja, a prorrogação do contrato vigente entre a HEMOBRÁS e o Minstério da Saúde para a aquisição do Fator VIII recombinante – dentro do prazo mais exíguo possível –, é competência exclusiva do Ministério da Saúde. Entretanto, considerando que o Ministério da Saúde é destituído de personalidade jurídica própria, por ser ente da Administração Pública Direta, deve a União Federal indubitavelmente figurar no polo passivo da presente lide.
Não se deve olvidar, contudo, o manifesto interesse jurídico da HEMOBRÁS no objeto desta demanda, fato que impele requerer a intimação desta empresa pública, na figura de sua procuradoria constituída para, caso vislumbre necessário, integrar a lide como terceiro interessado.
IV – DA COMPETÊNCIA FEDERAL
A competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da presente demanda encontra-se consubstanciada no art. 109, I, da Constituição Federal, in verbis: “(…) I – as causas em que a União, entidade ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho ”.
No caso em questão, a competência para a causa é indubitavelmente da Justiça Federal, uma vez que a própria União consta no polo passivo.
Ademais, em ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, órgão da União, tão somente a Justiça Federal está apta a proferir sentença que o vincule – mesmo que esta seja no sentido de negar a sua legitimidade ativa:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. [...] COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NATUREZA JURÍDICA DOS PORTOS. LEI 8.630/93. INTERPRETAÇÃO DO ART. 2º, DA LEI 7.347/85.” (Resp 1057878/RS, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXXXX, SEGUNDA TURMA,
julgado em 26/05/2009, DJe 21/08/2009)
Assim, ainda que vergastada a fundamentação anterior, a presença do Ministério Público Federal, no polo ativo da demanda, já seria suficiente para determinar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, o que não dispensa o juiz de verificar a sua legitimação ativa para a causa em questão.
V – DO PEDIDO LIMINAR DE URGÊNCIA
A Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, em seus artigos 3° e 11, prevê a possibilidade de se formular pedido consistente em obrigação de fazer. Já o artigo 12 da mesma lei autoriza o juiz a conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
para a efetivação da referida obrigação.
Não bastassem tais dispositivos legais, o Código de Processo Civil autoriza a concessão da tutela provisória no caso em espécie.
Art. 300. Tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. (Novo Código de Processo Civil Brasileiro, Lei nº 13.105/2015)
A probabilidade do direito está suficientemente demonstrada pelas provas que seguem junto a esta inicial, notadamente nas informações apresentadas pela HEMOBRÁS e pelos diversos órgãos de controle, cujo teor evidenciam que a deliberada omissão do Ministério da Saúde com vistas a firmar novo contrato e/ou prorrogar o contrato vigente para a aquisição do Fator VIII recombinante, em consonância com a vigente PDP (Termo de Compromisso) e os termos do art. 66, item X, da Portaria n. 2531/2014, bem como a deflagração do Termo de Referência n. 3694 estão viciadas em razão: (i) da ausência de justificativa legal e idônea (sob os pontos de vista técnico, científico e financeiro), fato que macula de nulidade os atos administrativos vergastados; (ii) da evidente violação ao art. 199,
§4º, da Constituição Federal de 1988 e à Parceria de Desenvolvimento Produtivo celebrada entre a HEMOBRÁS e o Ministério da Saúde; (iii) do vício decorrente do abuso de poder praticado pelo Ministro de Estado da Saúde, ao preterir os interesses da HEMOBRÁS, empresa pública federal, em favor dos interesses de particulares de seu Estado natal.; e (iv) da expressa violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, porquanto referidas condutas restaram desprovidas de boa-fé, de razoabilidade/proporcionalidade e de interesse público.
Reitere-se que a pretensão da tutela jurisdicional pleiteada na presente ação é, dito de outro modo, o regular cumprimento, por parte do Ministério da Saúde, do Contrato para o Desenvolvimento Produtivo celebrado pela União junto à empresa pública federal HEMOBRÁS, cujo amparo jurídico está previsto no item 2, parágrafos primeiro e terceiro; e itens 3, 3.1 e 3.2 do Termo de Compromisso da PDP (fls. 309/324 do IC), bem como do art. 66, item X, da Portaria n. 2531/2014, cujo conteúdo prevê expressamente a obrigação do Ministério da Saúde de participar das fases da PDP (inclusive da fase relacionada ao
fornecimento do produto), cumprindo todas as responsabilidades e obrigações previstas nos contratos pertinentes.
O perigo de dano consiste no fato de que a demora na aquisição do Fator VIII recombinante por parte do Ministério da Saúde pode proporcionar graves danos aos usuários do Sistema Único de Saúde que dependem do fármaco para o tratamento de Hemofilia A no Brasil. Segundo a HEMOBRÁS, o processo de fabricação e importação do produto Fator VIII recombinante leva, pelo menos, cerca de 4 a 5 meses e os componentes estocados somente contemplam os termos do Contrato n. 73/2017, ou seja, até o mês de fevereiro de 2018.
Em outras palavras, caso não haja a urgente renovação do contrato a fim de que a HEMOBRÁS produza e forneça, em parceria com a Shire, o fator VIII recombinante para o período compreendido após o contrato vigente, o risco de desabastecimento do fárma - co é iminente, fato que ocasionaria um verdadeiro “colapso” no Sistema Único de Saúde no que tange ao tratamento dos pacientes hemofílicos.
Além disso, salta aos olhos que, caso não haja a adoção de medidas urgentes, é possível que o Ministério da Saúde avance nos atos executórios para fins de contratação di - reta de outra empresa, sob o crivo ilegal e imoral de “emergência”, cuja causa foi dada pelo próprio órgão.
Ademais, as questões de saúde, ou seja, a diminuição da capacidade do Brasil (SUS) em atender a parcela da população que necessita de medicamentos para cuidar da he - mofilia, além dos pacientes com imunodeficiência genética, cirrose, câncer, AIDS, queima - duras, entre outras enfermidades relacionadas, não podem e não devem tolerar a omissão do Poder Público. A ausência de fixação de um prazo para a resolução da problemática implica- rá no agravamento progressivo da já crítica situação dos estoques da HEMOBRÁS.
Outrossim, ressalte-se que não há que se falar, no caso em análise, em irreversibilidade do provimento antecipado, pois o que se pede é tão-somente a atuação regular do Ministério da Saúde, na figura da União, instado pela HEMOBRÁS diversas vezes a fim de que tome as providências cabíveis quanto ao cumprimento da PDP e à consequente renovação do contrato administrativo firmado para a aquisição do Fator VIII recombinante.
Com efeito, este Órgão Ministerial requer, por extrema e evidente necessidade, seja a UNIÃO compelida a adotar, a partir da citação, as medidas necessárias à imediata PRORROGAÇÃO do contrato administrativo n. 73/2017, firmado junto à HEMOBRÁS, para a aquisição anual do Fator VIII recombinante, tudo no âmbito do regular cumprimento da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo – PDP firmada entre a União e a HEMOBRÁS.
Para tanto, pleiteia-se a cominação de multa diária, com fundamento no artigo 497, combinado com o art. 139, IV, do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), para a hipótese de descumprimento da obrigação imposta, a ser revertida em prol da HEMOBRÁS.
VII – DA NECESSIDADE DE AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE PÚBLICO
Inicialmente, a partir do contexto fático exposto nos tópicos anteriores, é cla - rividente o desvio de poder no âmbito da atuação do Ministro de Estado da Saúde Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, porquanto assumiu publicamente, em matéria amplamente veiculada na mídia digital, impressa e televisiva (fl. 450 do IC), que possui interesse político em levar o “mercado de sangue” para o Estado do Paraná, bem como que o Ministério da Saúde teria conduzido tratativas junto à empresa Octapharma com vistas a construir, na cidade de Marin - gá/PR, uma nova fábrica de hemoderivados e recombinantes (fls. 195/201 do IC).
Repise-se o inequívoco nexo de causalidade entre a deliberada omissão do Ministério da Saúde, por intermédio do Ministro, acerca das tratativas de readequação da par - ceria com a Hemobrás/Shire e a atuação do Ministro de Estado com vistas a redirecionar as atribuições institucionais da HEMOBRÁS para o seu reduto eleitoral12, em pública e notória violação aos princípios legais e constitucionais.
12 O atual Ministro de Estado da Saúde, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, foi eleito para o cargo de Deputado Federal pelo Partido Progressista – PP nas eleições gerais de 2014, ocasião em que obteve 114.396 (cento e quatorze mil e trezentos e novena e seis) votos (2,02% dos votos válidos).
O atual Ministro da Saúde também é cônjuge da vice-governadora do Estado do Paraná, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx (PP) que, diga-se, pretende se candidatar ao cargo de Governador daquele Estado nas eleições gerais de 2018 (xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/0000/00/xxxxx-xxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxxx- diz-cida-borghetti/2422365/).
É nesse contexto, ou seja, ao alvedrio da impessoalidade e da moralidade ad - ministrativa, que o atual Ministro da Saúde Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx, está buscando “esvaziar” as atribuições institucionais da Empresa Brasileira de Hemoderivados com vistas a atrair para seu Estado – Paraná, sem nenhuma cerimônia, a produção e industrialização de hemoderivados essenciais ao SUS e que, atualmente, estão sob a incumbência da HEMO - BRÁS.
Com vistas a coibir abusos, este órgão ministerial expediu a Recomendação n. 08/2017 ao Ministro de Estado da Saúde, via PGR, a fim de que: 1) eventual transferência de tecnologia para processamento de plasma, notadamente de Fator VIII recombinante, bem como produção de hemoderivados para o setor privado seja pautado na Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) e/ou na legislação de regência que regula a Parceria Público Priva - da – Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004; 2) seja devidamente justificada eventual hi- pótese de transferência de tecnologia para processamento de plasma e hemoderivados para empresas outras que não as já incluídas neste processo, a saber: a Shire/Baxter e a HEMO- BRÁS, mediante a elaboração de estudos técnicos, legais e científicos, considerando que já foi iniciada a construção do parque fabril da HEMOBRÁS em Goiana/PE, situando-se em es- tado consideravelmente avançado, e que seja especificada a destinação e inclusão da fábrica neste processo; e 3) não sejam nomeadas para cargos de gestão da estatal de hemoderivados pessoas que possuam vínculos ou interesses diretos ou indiretos na transferência da tecnolo - gia mencionada no item 1, notadamente que já tenham atuado junto a empresas farmacêuti - cas.
Por sua vez, tanto o Tribunal de Contas da União quanto a Justiça Federal no Distrito Federal expediram liminares determinando, expressamente, a continuidade dos ter - mos da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo celebrada entre a HEMOBRÁS e o Mi- nistério da Saúde.
Ao alvedrio da referida recomendação e das decisões lavradas pela Justiça Fe- deral no DF e pelo TCU, o Ministro de Estado da Saúde “escanteou” a HEMOBRÁS do pro - cesso de aquisição do Fator VIII recombinante, suspendeu “faticamente” a PDP e deflagrou o
Termo de Referência n. 3694, para a aquisição do fármaco de terceiros, sem quaisquer justifi - cativas idôneas (dos pontos de vista legal, financeiro e científico).
Mais que isso, o Ministro de Estado da Saúde articula publicamente em favor do Tecpar/Octapharma, seja para fins de aquisição de contratos por parte dessas instituições junto ao Ministério da Saúde, seja com vistas a esvaziar as atribuições institucionais da HE - MOBRÁS, fatos que maculam de nulidade os atos administrativos vergastados, porquanto praticados com evidente desvio de finalidade.
Salta aos olhos o desdém do Ministro de Estado da Saúde com as instituições públicas. No cumprimento de seu mister constitucional e legal, o Ministério Público de Con - tas vinculado ao TCU, o Tribunal de Contas da União e este órgão ministerial vêm adotando todas as medidas possíveis com vistas a resguardar o interesse público no presente caso, es - forços frustrados pela atuação viciada do agente público.
Novamente, conforme atestado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, as intenções do Ministro de Estado “são bastante preocupantes e resultari- am consequências graves, pois, além de não se ter conhecimento de quaisquer justificativas legais, técnicas e de economicidade para a construção de um novo empreendimento com o mesmo objetivo social da HEMOBRÁS, seria injustificável o abandono dos vultosos investi - mentos realizados no parque fabril dessa empresa pública federal – que tem como objetivo social, por força de lei, garantir aos pacientes do SUS o fornecimento de medicamentos he - moderivados ou produzidos por biotecnologia (artigo 1º, § 1º, da Lei 10.972/2004) – em de- trimento de uma eventual implantação de fábrica em localidade diversa com a mesma finali - dade daquele parque fabril em Goiana/PE que se encontra em avançada etapa de execu - ção”.
Ainda, nos termos da representação do Ministério Público junto ao TCU, “são desconhecidas as razões legais, técnicas e de economicidade consideradas pelo Minis- tério da Saúde, ou mesmo pela HEMOBRÁS, a recomendar o cancelamento da PDP do Fa- tor VIII recombinante, na qual já foram realizados altos investimentos, e celebrar outra com o objeto semelhante e parceiros diferentes. Tal procedimento exporia a entidade aos prejuí - zos contratuais inerentes à ruptura unilateral do termo de compromisso, no qual já se acu -
mulam elevadíssimas dívidas de natureza contratual e ensejaria aplicação de outras penali - dades”.
A comprovar o direcionamento da atuação do Ministro, note-se que, paralela - mente às negociações com a Shire, o Tecpar, com a anuência do Ministério da Saúde, reali - zou, em abril de 2017, uma visita técnica, Due Diligence, na planta fabril da HEMOBRÁS, junto à empresa Octapharma. Mencionada visita decorreu de solicitação realizada pelo Mi- nistério da Saúde por intermédio do Oficio n. 087/2017/CGSHlDAET/SAS/MS, de 30 de março de 2017 (fl. 368 do IC).
Rememore-se que a empresa Octapharma Brasil S/A é investigada em diver - sos procedimentos apuratórios no Brasil e no exterior, a exemplo das Operações “Marquês” e “O-Negativo”, deflagradas pelo Ministério Público de Portugal, nas quais se constataram gra- ves suspeitas das práticas dos crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagens e branqueamento de capitais. Nada obstante, na esfera de atuação da Superinten - dência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), também foram encontra - dos graves indícios de violação da ordem econômica contra a Octopharma Brasil S/A.
Não coincidentemente, posteriormente à visita dos representantes das empre - sas Tecpar e Octapharma à HEMOBRÁS, com deliberada anuência do Ministério da Saúde:
(i) a empresa Octapharma apresentou proposta de investimento ao Ministério da Saúde abrangendo três laboratórios públicos, quais sejam o Tecpar, Butantan e HEMOBRÁS, pre- vendo, no entanto, apenas a conclusão da fábrica de hemoderivados desta Estatal e contem - plando a fabricação do Fator VIII recombinante no Tecpar; (ii) em 13 de julho de 2017, o Mi - nistério da Saúde encaminhou o Ofício nº 1360/2017/SCTIE/MS à HEMOBRÁS (fls. 362/362v do IC), cientificando-a da suspensão da PDP do Fator VIII recombinante; (iii) e m 08 de setembro de 2017, a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da Saúde publicou, no Diário Oficial da União, aviso de audiência pública para o dia 25 de setembro de 2017, cujo objeto seria tratar da aquisição de Concentrado de Fator de Coagulação, Xxxxx XXXX recombinante, pó liófilo para injetável; e (iv) em 20 de setembro de 2017, foi publicado extrato de acordo de transferência de tecnologia para obtenção de hemoderivados e hemo -
componentes, no Diário Oficial do Estado do Paraná, celebrado entre o Instituto de Tecnolo - gia do Paraná (Tecpar) e a Octopharma AG.
Ou seja, diversos acontecimentos demonstram a deliberada atuação do Minis- tro de Estado da Saúde com vistas a favorecer os interesses da empresa pública Tecpar e, es - pecialmente, da Octopharma, incorrendo o agente público na deliberada prática de advocacia administrativa.
Não bastasse o Ministro de Estado da Saúde está atuando com desvio de po- der, ou seja, preterindo o interesse público em favor de interesses particulares. A competência que lhe foi atribuída pela ordem constitucional e legal está sendo deliberadamente utilizada para fins diversos daquelas prescritas em ocasião de sua instituição.
Sobre a temática, assevera XXXXX XXXXX XXXXXXXX:
“[…] O ato praticado com desvio de finalidade – como todo ato ilícito e imoral
– é praticado – ou é consumado às escondidas ou se apresenta sob o capuz da legalidade do interesse público. Diante disso há que ser surpreendido por cir- cunstâncias que revelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. A propósito, já deci- diu o STF que ‘indícios vários e concordantes são provas. (...) Tudo isso difi- culta a prova do desvio de poder ou finalidade, mas não a torna impossível se recorrermos aos antecedentes do ato e à sua destinação presente e futura por
Por sua vez, o professor XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXX aduz que “o des- vio de poder nunca é confessado, somente se identifica por meio de um feixe de indícios con - vergentes, dado que é um ilícito caracterizado por um disfarce, pelo embuste, pela aparência da legalidade, para encobrir o propósito de atingir a um fim contrário ao direito, exigindo um especial cuidado por parte do Judiciário”14
No caso concreto, o próprio Ministro de Estado da Saúde vem confessando, cotidianamente, sua deliberada prática de abuso de poder, de modo que urge a adoção de me - didas por parte do Estado-Juiz com vistas a sanar os graves ilícitos cometidos.
Em razão do exposto, requer-se o poder geral de cautela do magistrado para, diante da possibilidade concreta da prática de ilícitos criminais e do público e no -
13 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Direito administrativo brasileiro. 33ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006.
14 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Desvio do Poder na Anulação do Ato Administrativo. Instituto de Direito Público da Bahia. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Numero 7 – julho/agosto/setembro, 2006.
tório desvio de poder na atuação do Ministro da Saúde, decrete o afastamento cautelar de XXXXXXX XXXX XXXXXXXXX XXXXXX do ciclo de suas atribuições funcionais, sem prejuízo do cargo que ocupa, até o cumprimento da obrigação de fazer ora pleiteada, seja em tu- tela liminar, seja em caráter definitivo.
Como sabido, o poder geral de cautela é imanente à função jurisdicional, uma vez que permite ao magistrado, diante do caso concreto, analisar a necessidade da determina - ção de medida urgente, capaz de assegurar a efetividade do provimento final e – por que não dizer – do bem jurídico tutelado em abstrato pela norma.
Aplicada com previdência, a medida proposta representa alicerce fundamental para a proteção do patrimônio público e a manutenção do respeito aos princípios constitucionais que esteiam a administração pública, principalmente a moralidade, a impessoalidade e a legalidade.
Após a criteriosa análise do que restou apurado, não resta ao MPF outra opção a não ser formular o pedido de afastamento cautelar do Ministro de Estado da Saúde , distanciando-o, com isso, das facilidades que o leva a praticar ilícitos, afrontar a moralidade pública e os poderes constitucionais.
Com efeito, serve a presente medida requerida, a um só tempo, à higidez dos ser - viços públicos, à ordem pública, e ao mínimo resguardo dos princípios que norteiam a Admi- nistração Pública.
Sobre o requisito do fumus boni iuris para a adoção da presente medida, verifica- se que a proteção da Administração Pública e o resguardo da ordem pública reivindica sua implementação durante o curso do processo, sob pena de ineficácia, inutilidade e inoperância da medida decretada ao cabo do feito, por ocasião do provimento jurisdicional de mérito.
Cumpre assinalar que a medida cautelar ora requerida – afastamento provisório do exercício de função – representa tão-somente um instrumento para assegurar a ordem pública.
A justa causa para a medida já foi sobejamente demonstrada na inicial da presente demanda, seja em razão da prática de advocacia administrativa em favor de
particulares em detrimento do interesse público, seja em razão deliberada prática de abuso de poder.
Ora, após a prática de advocacia administrativa e de abuso de poder, é justo o receio de que o Ministro da Saúde, prosseguindo no exercício de funções no Ministério, pratique novas infrações cíveis e penais.
Ademais, é fato que a manutenção do Ministro no exercício de função de chefia/comando não só pode servir de incentivo à reiteração da prática ilícita, pondo em risco o funcionamento legítimo do serviço público, como pode implicar em sérios gravames à cau - sa de pedir objeto dos autos, posto que continuará investido de prerrogativas como o acesso a documentos, poder hierárquico sobre servidores arrolados como testemunhas, função de co - mando dentro do setor em que atua, etc.
Repise-se que as provas já coletadas contra o agente são contundentes, apontan- do, no mínimo, para o cometimento de advocacia administrativa, o que recrudesce o juízo de probabilidade de que, no exercício do ofício que permitiu a prática censurada, continuará a desonrar a função pública, aumentando, na mesma medida, a necessidade de acautelar o ser- viço público contra suas investidas.
Destarte, o periculum in mora está evidenciado pelo irreparável prejuízo que poderá sofrer a Administração Pública, diante da possibilidade da reiteração das práticas ilícitas e/ou da intervenção ilegítima nas decisões administrativas. A propósito do tema, também disserta o Professor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx: “Periculum in mora’ é locução latina que designa uma situação de fato, caracterizada pela iminência de um dano, em face da demora de uma providência que o impeça. Trata-se, portanto, de um dano em potencial, que ainda não se perfez.”.
Ante o exposto, suficientemente demonstrados o fumus boni iuris e o periculum in mora, afigura-se de fundamental importância a decretação judicial de afastamento cautelar do Ministro de Estado da Saúde XXXXXXX XXXX XXXXXXXXX XXXXXX até o cumprimento da obrigação de fazer ora pleiteada, seja em tutela liminar, seja em caráter definitivo.
VI. DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
1. Seja recebida a presente petição inicial;
2. A concessão da tutela provisória de urgência nos exatos termos do item V da presente petição, incluindo a cominação de multa diária em caso de descumprimento da obrigação imposta, a ser revertida em prol da HEMOBRÁS;
3. A concessão da medida de afastamento cautelar do Ministro de Estado da Saúde até o cumprimento da obrigação de fazer ora pleiteada, seja em tutela liminar, seja em caráter definitivo;
4. A citação da demandada, na pessoa de seu representante, para responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia e confissão, nos termos do artigo 344 do Código de Processo Civil;
5. A intimação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia – HEMOBRÁS, na pessoa de seu representante, para, caso entenda relevante, integrar a lide na qualidade de assistente litisconsorcial (arts. 121 a 123 do CPC);
6. No mérito, a condenação, em definitivo, da União, nos termos do artigo 3° e seguintes da Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), à obrigação de fazer consistente na prorrogação do contrato administrativo n. 73/2017, firmado junto à HEMOBRÁS, para a aquisição anual do Fator VIII recombinante, com a cominação de multa diária a ser fixada por este Juízo;
7. A condenação da União nas custas processuais e demais despesas de sucumbência;
8. Provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, notadamente prova pericial, testemunhal e juntada de documentos.
Atribui-se à presente causa o valor de R$ 296.700.000,00 (duzentos e noventa
e seis milhões e setecentos mil reais).
Recife, 11 de outubro de 2017.
ASSINADO ELETRONICAMENTE
XXXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXX
Procuradora da República