Coletânea da Jurisprudência
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
5 de julho de 2018 *
«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Cláusula compromissória — Pessoal das missões internacionais da União Europeia — Competência para decidir dos litígios relativos a contratos de trabalho — Contratos de trabalho por tempo determinado sucessivos — Cláusulas compromissórias que designam, no último contrato, os tribunais da União e, nos contratos anteriores, os tribunais de Bruxelas (Bélgica) — Decisão de não renovar o último contrato — Pedido de requalificação do conjunto das relações contratuais como “contrato por tempo indeterminado” — Pedidos de indemnização por despedimento sem justa causa — Tomada em consideração das relações contratuais anteriores ao último contrato — Competência do Tribunal Geral da União Europeia»
No processo C-43/17 P,
que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 25 de janeiro de 2017,
Xxxx Xxxxxxxxx, residente em Killarney (Irlanda), representado por X. xx Xxxxxxxx e J.-N. Xxxxx, avocats,
recorrente,
sendo as outras partes no processo:
Conselho da União Europeia, representado por A. Vitro e M. Bishop, na qualidade de agentes,
Comissão Europeia, representada inicialmente por G. Xxxxxxxxx, X. Xxxx Xxxxxx e S. Xxxxxxx, na qualidade de agentes, em seguida por G. Xxxxxxxxx, X. Aresu e L. Xxxx Xxxxxx, na qualidade de agentes,
Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), representado por S. Xxxxxxxxx, X. Spac e E. Orgován, na qualidade de agentes,
Eulex Kosovo, com sede em Pristina (Kosovo), representada por M. Xxxxxxx Xxxxxxxxx, avocate, em seguida por E. Xxxxxx, avocate,
demandados em primeira instância, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: X. Xxxxx xx Xxxxxxxx, presidente de secção, X. X. Xxxxxxxx, X.-C. Xxxxxxxx, X. Xxxxxxxxxx (relator) e S. Rodin, juízes,
advogado-geral: X. Szpunar,
* Língua do processo: francês.
PT
ECLI:EU:C:2018:531 1
secretário: V. Xxxxxxxx-Xxxxxxxxx, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 17 de janeiro de 2018,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 11 de abril de 2018, profere o presente
Acórdão
1 Com o seu recurso, Xxxx Xxxxxxxxx pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de novembro de 2016, Jenkinson/Conselho e o. (T-602/15, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2016:660), pelo qual foi julgada improcedente a sua ação que tem por objeto, a título principal, um pedido baseado no artigo 272.o TFUE e destinado, por um lado, a obter a requalificação do conjunto das relações contratuais de L. Xxxxxxxxx como «contrato de trabalho por tempo indeterminado» e a reparação do prejuízo que este sofreu devido à utilização abusiva de contratos por tempo determinado sucessivos e a um despedimento sem justa causa e, por outro, a obter a declaração de que o Conselho da União Europeia, a Comissão Europeia e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) trataram o demandante em primeira instância de forma discriminatória e a condená-los, consequentemente, no pagamento de uma indemnização, bem como, a título subsidiário, um pedido baseado na responsabilidade extracontratual das instituições europeias.
Antecedentes do litígio
2 Os antecedentes do litígio estão resumidos nos n.os 1 a 6 do despacho recorrido:
«1 O demandante, Xxxx Xxxxxxxxx, cidadão irlandês, trabalhou, em primeiro lugar, entre 20 de agosto de 1994 e 5 de junho de 2002, ao abrigo de uma sucessão de contratos por tempo determinado (CTD), na Missão de Vigilância da União Europeia, criada pela Ação Comum 2000/811/PESC do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativa à Missão de Vigilância da União Europeia (JO 2000, L 328, p. 53).
2 Em seguida, trabalhou entre 17 de junho de 2002 e 31 de dezembro de 2009, ao abrigo de uma sucessão de CTD, na Missão de Polícia da União Europeia, criada pela Ação Comum 2002/210/PESC do Conselho, de 11 de março de 2002, relativa à Missão de Polícia da União Europeia (JO 2002, L 70, p. 1).
3 Por último, o demandante trabalhou na Missão Eulex Kosovo, entre 5 de abril de 2010 e 14 de novembro de 2014, ao abrigo de onze CTD sucessivos. A Missão Eulex Kosovo foi criada pela Ação Comum 2008/124/PESC do Conselho, de 4 de fevereiro de 2008, sobre a Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kosovo, Eulex Kosovo (JO 2008, L 42, p. 92). A ação comum foi prorrogada várias vezes. Foi prorrogada até 14 de junho de 2016, pela Decisão 2014/349/PESC do Conselho, de 12 de junho de 2014, que altera a Ação Comum 2008/124 (JO 2014, L 174, p. 42), aplicável aos factos do caso em apreço.
4 Em último lugar, a ação comum foi prorrogada até 14 de junho de 2018, pela Decisão 2016/947/PESC do Conselho, de 14 de junho de 2016, que altera a Ação Comum 2008/124 (JO 2016, L 157, p. 26).
5 Durante a execução do seu contrato de trabalho relativo ao período de 15 de junho a 14 de outubro de 2014, o demandante foi informado, por carta do chefe da Missão Eulex Kosovo de 26 de junho de 2014, do termo da sua missão e da não renovação do seu contrato de trabalho após 14 de novembro de 2014.
6 Foi celebrado um último CTD entre a Eulex Kosovo e o demandante para o período de 15 de outubro a 14 de novembro de 2014 (a seguir “último CTD”) que não foi renovado. Este último CTD prevê, no artigo 21.o, a competência do Tribunal de Justiça da União Europeia, com base no artigo 272.o TFUE, para a resolução de qualquer litígio relativo ao contrato.»
Tramitação no Tribunal Geral e despacho recorrido
3 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de outubro de 2015, o ora recorrente intentou uma ação contra o Conselho, a Comissão, o SEAE e a Missão Eulex Kosovo, na qual pedia ao Tribunal Geral que se dignasse:
– a título principal, requalificar a sua relação contratual como «contrato de trabalho por tempo indeterminado», declarar a violação, por parte dos então demandados, das suas obrigações contratuais, designadamente da obrigação de enviar um aviso prévio no âmbito da resolução de um contrato por tempo indeterminado, declarar que o seu despedimento era sem justa causa e, consequentemente, condená-los na reparação do prejuízo sofrido devido à utilização abusiva de CTD sucessivos, à violação da obrigação de enviar um aviso prévio e ao despedimento sem justa causa;
– a título principal, declarar que o Conselho, a Comissão e o SEAE o trataram de forma discriminatória durante o seu contrato com as missões internacionais da União Europeia (a seguir
«Missões») no que respeita à sua remuneração, aos seus direitos à pensão e a outras vantagens, declarar que o demandante devia ter sido recrutado como agente temporário de um deles e, em consequência, condená-los no pagamento de uma indemnização; e
– a título subsidiário, condenar os demandados a indemnizá-lo pelo dano resultante da violação das suas obrigações, com base na respetiva responsabilidade extracontratual.
4 No despacho recorrido, o Tribunal Geral declarou-se manifestamente incompetente para se pronunciar sobre os dois pedidos apresentados a título principal e julgou o pedido feito a título subsidiário manifestamente inadmissível. Por conseguinte, julgou a ação totalmente improcedente e condenou L. Xxxxxxxxx nas despesas.
Pedidos das partes
5 L. Xxxxxxxxx pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– anular o despacho recorrido;
– dar provimento ao recurso; e
– condenar os recorridos nas despesas das duas instâncias.
6 O Conselho e a Comissão concluem pedindo que seja negado provimento ao recurso e que L. Xxxxxxxxx seja condenado nas despesas.
7 O SEAE e a Missão Eulex Kosovo pedem que o Tribunal de Justiça se digne:
– a título principal, declarar-se incompetente para julgar o recurso;
– a título subsidiário, negar provimento ao recurso; e
– condenar L. Xxxxxxxxx nas despesas.
8 Por outro lado, caso seja dado provimento ao recurso, o Conselho e o SEAE pedem ao Tribunal de Justiça que declare o recurso e a ação inadmissíveis no que lhes diz respeito.
Quanto ao recurso
9 Com o seu recurso, L. Xxxxxxxxx pede ao Tribunal de Justiça, no âmbito do seu primeiro pedido, que anule o despacho recorrido e, no âmbito do seu segundo pedido, que dê provimento ao recurso.
10 O SEAE e a Missão Eulex Kosovo contestam a competência do Tribunal de Justiça para apreciar o recurso. Por outro lado, a Missão Eulex Kosovo contesta a admissibilidade do recurso na sua totalidade, ao passo que a Comissão só contesta a admissibilidade do segundo pedido do recurso.
Quanto à competência do Tribunal de Justiça
11 O SEAE e a Missão Eulex Kosovo alegam, em substância, que o Tribunal de Justiça é incompetente para apreciar o presente recurso, uma vez que L. Xxxxxxxxx baseia a sua argumentação nos contratos de trabalho anteriores ao último CTD e que, ao abrigo das cláusulas compromissórias constantes desses contratos, só os tribunais de Bruxelas são competentes para conhecer deste litígio. Além disso,
L. Xxxxxxxxx tinha entretanto intentado uma ação, em substância idêntica, no tribunal du travail francophone de Bruxelles (Tribunal do Trabalho de língua francesa de Bruxelas, Bélgica).
12 A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE e do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este é competente para conhecer dos recursos das decisões do Tribunal Geral referidas no primeiro parágrafo do artigo 256.o, n.o 1, TFUE. Ora, é facto assente que o despacho recorrido faz parte das decisões referidas nesta última disposição.
13 Além disso, é forçoso constatar que a questão da competência dos órgãos jurisdicionais da União para decidir do mérito das pretensões avançadas por L. Xxxxxxxxx em primeira instância, tendo em conta o conteúdo do despacho recorrido e as pretensões avançadas por L. Xxxxxxxxx no Tribunal de Justiça, faz parte das questões substantivas suscitadas pelo presente recurso.
14 Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para conhecer do presente recurso.
Quanto ao primeiro pedido do recurso
15 Em apoio do primeiro pedido, que visa a anulação do despacho recorrido, L. Xxxxxxxxx invoca, em substância, quatro fundamentos, o primeiro dos quais diz respeito à apreciação, pelo Tribunal Geral, do alcance da competência dos tribunais da União para conhecer do aspeto contratual do litígio. Com o seu segundo fundamento, invoca relações contratuais entre, por um lado, X. Xxxxxxxxx e, por outro, o Conselho, a Comissão e o SEAE. O terceiro e o quarto fundamento são relativos a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na apreciação dos pedidos referentes, respetivamente, à responsabilidade extracontratual das instituições e à repartição das despesas.
16 O Conselho, o SEAE e a Missão Xxxxx Kosovo contestam, designadamente, a admissibilidade da argumentação apresentada em apoio deste primeiro pedido.
Quanto à admissibilidade do primeiro pedido
17 O Conselho e o SEAE consideram que o recurso é inadmissível no que lhes diz respeito. Por um lado, não foram partes no último CTD e não podem ser qualificados de «empregadores» de L. Xxxxxxxxx, o que foi declarado pelo Tribunal Geral no n.o 40 do despacho recorrido, sem que este ponto tenha sido contestado durante o processo de recurso. Por outro, L. Xxxxxxxxx não precisou nenhum ato suscetível de desencadear a sua responsabilidade extracontratual.
18 Além disso, a Missão Xxxxx Kosovo alega que o recurso não é suficientemente claro e preciso para lhe permitir preparar a sua defesa e para permitir ao Tribunal de Justiça decidir.
19 No que respeita às objeções formuladas pelo Conselho e pelo SEAE, importa recordar que, nos termos do artigo 171.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o recurso é notificado às outras partes no processo em causa no Tribunal Geral. Ora, é facto assente que o Conselho e o SEAE figuravam entre as partes no processo em causa no Tribunal Geral.
20 Por outro lado, é forçoso constatar que a argumentação do Conselho e do SEAE para demonstrar a alegada inadmissibilidade do recurso a seu respeito utiliza argumentos que respeitam ao mérito do processo, a saber, a competência do Tribunal Geral para apreciar as pretensões de L. Xxxxxxxxx a seu respeito, e não à admissibilidade do presente recurso.
21 No que se refere à argumentação da Missão Xxxxx Kosovo relativa à exceção obscuri libelli, importa salientar que, embora esta missão apresente, a este respeito, uma argumentação específica quanto à argumentação de L. Xxxxxxxxx relativa ao seu segundo pedido do recurso, o mesmo não acontece com a argumentação apresentada em apoio do primeiro pedido deste recurso.
22 Além disso, é forçoso constatar que, nos quatro fundamentos invocados em apoio do primeiro pedido do recurso, L. Xxxxxxxxx identifica com precisão os números da fundamentação do despacho recorrido que contesta, pelo que a argumentação que apresenta a este respeito é suficientemente clara e precisa para permitir aos recorridos preparar a sua defesa, como demonstram as suas contestações. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça está em condições de decidir sobre os quatro fundamentos invocados em apoio do primeiro pedido.
23 Daqui decorre que as objeções à admissibilidade do primeiro pedido formuladas pelo Conselho, pelo SEAE e pela Missão Xxxxx Kosovo devem ser julgadas improcedentes.
Quanto ao primeiro e segundo fundamentos
24 O primeiro fundamento divide-se em quatro partes, havendo que analisar, em primeiro lugar, a terceira, em conjunto com o segundo fundamento.
– Argumentos das partes
25 Com a terceira parte do primeiro fundamento de recurso, L. Xxxxxxxxx salienta que, no n.o 39 do despacho recorrido, o Tribunal Geral considerou que, na medida em que era incompetente apenas no que respeitava ao último CTD, não se podia pronunciar sobre os efeitos dos contratos de trabalho anteriormente celebrados. Ora, a requalificação como contrato por tempo indeterminado do conjunto das suas relações contratuais com os demandados em primeira instância não podia em caso algum ser isolada da existência do último CTD e do termo deste contrato. Com efeito, era-lhe impossível obter
uma requalificação das suas relações contratuais parcialmente nos tribunais de Bruxelas e parcialmente nos tribunais da União. O Tribunal Geral viciou assim o despacho recorrido, nomeadamente, de um erro de direito.
26 Com o seu segundo fundamento, L. Jenkinson alega, designadamente, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, no n.o 40 do despacho recorrido, ao ter negado a sua competência para se pronunciar sobre os seus pedidos destinados a declarar o Conselho, a Comissão e o SEAE responsáveis pelo tratamento discriminatório que sofreu em termos de remuneração, de direito à pensão e de outros benefícios. A este respeito, L. Xxxxxxxxx salienta que as suas relações contratuais com outras Missões que não a Missão Xxxxx Kosovo cessaram por decisões das instituições em causa, pelo menos do Conselho, e deduz daí que estas instituições ficaram sub-rogadas nos direitos e obrigações das referidas Missões. Devem, portanto, responder pelas consequências das obrigações contratuais que estas Missões tinham para com o respetivo pessoal.
27 A Comissão recorda, tendo em conta, designadamente, os argumentos apresentados no âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, que a apreciação do objeto do litígio não pode ser feita por um juiz incompetente, sendo que a questão da competência é prévia à questão do mérito.
28 No que diz respeito ao segundo fundamento, a Comissão entende que os argumentos de L. Xxxxxxxxx são inoperantes, na medida em que este não contestou os n.os 30, 31 e 35 do despacho recorrido e que o Tribunal Geral salientou que o último CTD tinha sido celebrado exclusivamente com a Missão Eulex Kosovo, «na qualidade de empregador», pelo que só esta última, que dispõe da capacidade jurídica para celebrar tais contratos, pode ser considerada empregador. Ora, os argumentos relativos à alegada sub-rogação das três instituições em questão nos direitos e obrigações das Missões com as quais o recorrente trabalhou não eram suscetíveis de pôr em causa as referidas considerações do Tribunal Geral.
29 No que se refere à terceira parte do primeiro fundamento, o Conselho observa que a duração do último CTD não é suscetível de alterar os direitos do recorrente a obter a requalificação desejada da sua posição perante os tribunais belgas e salienta que L. Xxxxxxxxx não demonstra que a cláusula atributiva de competência do último CTD faz caducar as cláusulas contidas nos contratos anteriores que davam competência aos tribunais belgas nem que essa era a vontade das partes contratantes.
30 Quanto ao segundo fundamento, o Conselho alega que não era parte em nenhum dos contratos celebrados por L. Jenkinson e salienta que as decisões que criam as Missões, bem como a direção estratégica de que o Conselho está encarregado, não contêm nenhum elemento relativo aos contratos específicos celebrados com o pessoal afeto às Missões. É certo que o Conselho é competente para decidir uma redução do tamanho de uma Missão de gestão de crises, a sua eventual supressão e o organigrama de uma Missão; contudo, as condições contratuais laborais e a sua execução não são decididas pelo Conselho. O tratamento específico contestado não foi, pois, decidido pelo Conselho e não há atos do Conselho postos em causa. Com efeito, é facto assente que a Missão Eulex Kosovo dispõe de capacidade jurídica e é responsável por qualquer reclamação e obrigação decorrente da execução do seu mandato.
31 No que respeita à terceira parte do primeiro fundamento, o SEAE considera que resulta da petição e dos argumentos apresentados por L. Xxxxxxxxx que este baseia os seus pedidos em toda a sua relação laboral com a Missão Xxxxx Kosovo e, mais especificamente, na não renovação do seu contrato de trabalho, que lhe tinha sido assinalada durante o contrato anterior ao último CTD. Por conseguinte, o litígio diz respeito não ao último CTD mas à relação contratual anterior. Ora, uma vez que não é contestado que todos os contratos de trabalho anteriores continham uma cláusula que atribuía a competência judicial aos tribunais belgas, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito. Além disso, L. Xxxxxxxxx não explica com que fundamento o último CTD viria alterar os seus contratos anteriores.
32 No que se refere ao segundo fundamento, o SEAE responde que o Tribunal Geral decidiu corretamente que ele não era parte contratante no último CTD.
33 Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, a Missão Xxxxx Kosovo considera que, na medida em que só o último CTD continha uma cláusula atributiva de competência aos tribunais da União e essas cláusulas compromissórias deviam ser interpretadas de maneira restritiva, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao declarar-se incompetente quanto às pretensões de L. Jenkinson baseadas nos contratos anteriores deste último. Nada permite pôr em causa ex post o consentimento de
L. Xxxxxxxxx nas cláusulas atributivas de competência aos tribunais belgas que constavam dos contratos anteriores.
– Apreciação do Tribunal de Justiça
34 Uma vez que, com a argumentação apresentada na terceira parte do primeiro fundamento e no segundo fundamento, L. Xxxxxxxxx contesta, em substância, a apreciação do Tribunal Geral segundo a qual a sua competência não se pode estender aos contratos anteriores ao último CTD, há que recordar que o Tribunal Geral decidiu, nomeadamente nos n.os 23, 26 e 38 a 40 do despacho recorrido, o seguinte:
«23 […] [U]ma vez que a presente ação foi intentada com base no artigo 272.o TFUE, o Tribunal Geral não é competente no que respeita ao último CTD, por força da cláusula compromissória que o mesmo contém. O Tribunal é manifestamente incompetente para julgar os litígios que possam resultar da execução dos contratos de trabalho do demandante anteriores ao último CTD e que atribuem expressamente competência aos tribunais belgas e, por conseguinte, para conhecer da presente ação, na medida em que tem por objeto os efeitos desses contratos.
[…]
26 O alcance da cláusula atributiva de competência ao Tribunal de Justiça da União Europeia é expressamente limitada aos litígios relativos ao último CTD e não é extensiva aos contratos anteriores que preveem a competência de outros órgãos jurisdicionais.
[…]
38 O Tribunal Geral só é competente com base no artigo 272.o TFUE no que concerne ao último CTD celebrado entre o demandante e a [Missão] Eulex Kosovo.
39 Em primeiro lugar, resulta do que precede que o Tribunal Geral é manifestamente incompetente para se pronunciar sobre a primeira parte dos pedidos formulados a título principal[, que visa a] requalificação em contrato de trabalho por tempo indeterminado de toda a relação contratual do demandante com as diferentes missões que foram seus empregadores sucessivos[,] pressupõe a tomada em conta dos efeitos dos contratos de trabalho anteriores celebrados entre essas missões e o demandante, os quais conferem expressamente competência aos tribunais belgas. Uma vez que a competência do Tribunal Geral está limitada ao último CTD, não lhe permite pronunciar-se sobre este pedido. O Tribunal Geral é também manifestamente incompetente para conhecer dos pedidos acessórios destinados a obter a declaração de que os demandados violaram a obrigação de enviar um aviso prévio no âmbito da resolução de um contrato por tempo indeterminado e que o seu despedimento foi [sem justa causa]. Por conseguinte, o Tribunal Geral é também manifestamente incompetente para se pronunciar sobre os pedidos indemnizatórios acessórios a esses pedidos, que visam a reparação do prejuízo decorrente da utilização abusiva de CTD sucessivos, da violação da obrigação de enviar um aviso prévio e do despedimento [sem justa causa].
40 Em segundo lugar, o Tribunal Geral é manifestamente incompetente para se pronunciar sobre a segunda parte dos pedidos formulados a título principal, na medida em que se destinam a declarar que […] o Conselho […], a Comissão [e o SEAE] trataram o demandante de forma discriminatória no decurso do seu contrato com as missões, no que diz respeito à sua remuneração, aos seus direitos à pensão e outros benefícios, que o demandante devia ter sido recrutado como agente temporário de um deles e a obter a reparação do prejuízo daí decorrente. Com efeito, estes pedidos são dirigidos contra o Conselho, a Comissão e o SEAE, que não são partes no último CTD e, por conseguinte, dizem respeito às relações contratuais anteriores relativamente às quais o Tribunal Geral não tem competência.»
35 Nos termos do artigo 274.o TFUE, os litígios em que a União seja parte não ficam, por este motivo, subtraídos à competência dos órgãos jurisdicionais nacionais, sem prejuízo da competência atribuída ao Tribunal de Justiça pelos Tratados.
36 Em conformidade com o artigo 272.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela União ou por sua conta.
37 O artigo 256.o, n.o 1, TFUE precisa que o Tribunal Geral é competente para conhecer em primeira instância dos recursos referidos, designadamente, no artigo 272.o TFUE.
38 Tendo em conta estas disposições, a competência do Tribunal Geral com base numa cláusula compromissória é derrogatória do direito comum e deve, portanto, ser interpretada restritivamente (Acórdão de 18 de dezembro de 1986, Comissão/Zoubek, 426/85, EU:C:1986:501, n.o 11).
39 Além disso, embora, no âmbito de uma cláusula compromissória estabelecida ao abrigo do artigo 272.o TFUE, o Tribunal Geral possa ser chamado a decidir do litígio aplicando o direito nacional que rege o contrato, a sua competência para conhecer de um litígio relativo a tal contrato é apreciada com base unicamente nas disposições daquele artigo e nas estipulações da cláusula compromissória, sem que lhe possam ser opostas disposições do direito nacional que alegadamente obstem à sua competência (Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Planet/Comissão, C-564/13 P, EU:C:2015:124, n.o 21 e jurisprudência referida).
40 Daqui decorre que o Tribunal Geral só pode conhecer dos pedidos que derivam do contrato celebrado pela União que contém a cláusula compromissória ou que têm uma relação direta com as obrigações que decorrem desse contrato (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 1986, Comissão/Zoubek, 426/85, EU:C:1986:501, n.o 11).
41 Por conseguinte, há que verificar se, contrariamente às considerações formuladas pelo Tribunal Geral, as cláusulas compromissórias inseridas nos contratos de trabalho em causa conferem ao Tribunal Geral competência para conhecer dos pedidos apresentados por L. Xxxxxxxxx no âmbito da ação que este intentou no Tribunal Geral.
42 A este respeito, como salientou o Tribunal Geral nos n.os 21 e 22 do despacho recorrido, é facto assente que todos os contratos de trabalho anteriores celebrados entre as Missões e o recorrente contêm uma cláusula que prevê expressamente que os litígios decorrentes destes contratos ou relativos a estes são da competência dos tribunais de Bruxelas e que apenas o último CTD prevê expressamente, no seu artigo 21.o, que os litígios decorrentes deste contrato ou relativos a este são da competência do Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 272.o TFUE.
43 Daqui resulta que, uma vez que a ação foi intentada com base no artigo 272.o TFUE, o Tribunal Geral só é competente para conhecer, em princípio, dos pedidos que derivam do último CTD ou que têm uma relação direta com as obrigações decorrentes desse contrato.
44 No entanto, como salientou o advogado-geral nos n.os 45 e 46 das suas conclusões, quando está em causa uma relação de trabalho análoga à do caso em apreço, que dizia respeito a uma série de contratos de trabalho sucessivos celebrados ao longo de um período de quinze anos, dos quais apenas os últimos quatro contratos continham uma cláusula compromissória que atribuía competência ao Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre todos os litígios relativos à validade, à interpretação ou à execução dos referidos contratos, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de a mesma cláusula não constar dos contratos anteriores e de, no que se refere aos primeiros anos, não haver sequer contratos escritos não pode obstar a que o Tribunal de Justiça tome em consideração, na sua apreciação das relações existentes entre as partes, o conjunto dos contratos celebrados (Acórdão de 1 de julho de 1982, Porta/Comissão, 109/81, EU:C:1982:253, n.o 10).
45 Daqui decorre que, contrariamente ao que considerou o Tribunal Geral nos n.os 23, 26 e 38 a 40 do despacho recorrido, a sua competência é suscetível de se estender aos contratos de trabalho anteriores que preveem a competência dos tribunais de Bruxelas, desde que a ação intentada por L. Xxxxxxxxx contenha pedidos que derivem do último CTD ou que tenham uma relação direta com as obrigações decorrentes desse contrato.
46 A este respeito, como resulta do n.o 10 do despacho recorrido, com os pedidos apresentados a título principal, L. Xxxxxxxxx pediu ao Tribunal Geral, em substância, que requalificasse o conjunto das suas relações contratuais como contrato de trabalho por tempo indeterminado e lhe concedesse os direitos suscetíveis de decorrer, em seu entender, desta requalificação.
47 Ora, como salientou o advogado-geral no n.o 47 das suas conclusões, os pedidos de L. Xxxxxxxxx, na medida em que estão ligados à existência de uma relação de trabalho única e continuada, baseada numa sucessão de CTD, visam a requalificação do conjunto dos contratos celebrados e baseiam-se no conjunto dos referidos contratos, incluindo o último CTD.
48 Por conseguinte, há que constatar que a ação intentada por L. Jenkinson contém pedidos que derivam também do último CTD.
49 Resulta do exposto que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 39 e 40 do despacho recorrido, ao declarar-se manifestamente incompetente para se pronunciar sobre os pedidos apresentados a título principal, com o fundamento de que os pedidos de L. Xxxxxxxxx implicam a tomada em consideração dos efeitos dos contratos de trabalho anteriores.
50 Com efeito, à luz da jurisprudência recordada no n.o 44 do presente acórdão, cabia, no caso vertente, ao Tribunal Geral verificar se e, sendo caso disso, em que medida podia ter em conta os contratos de trabalho anteriores na sua apreciação dos pedidos de L. Jenkinson.
51 Face ao exposto, há que julgar procedente a terceira parte do primeiro fundamento e o segundo fundamento invocados em apoio do primeiro pedido e, por conseguinte, anular o despacho recorrido, sem que seja necessário analisar as restantes partes do primeiro fundamento nem o terceiro e o quarto fundamento invocados em apoio deste pedido, que visam, respetivamente, a apreciação, pelo Tribunal Geral, de uma argumentação apresentada a título subsidiário e a repartição das despesas da primeira instância.
Quanto ao segundo pedido do recurso
52 Com o seu segundo pedido, X. Xxxxxxxxx pede ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a ação que interpôs no Tribunal Geral.
53 A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.
54 No entanto, contrariamente ao que alega L. Xxxxxxxxx, o litígio não está em condições de ser julgado.
55 Com efeito, uma vez que o Tribunal Geral se limitou a decidir da sua competência e da admissibilidade da ação, sem abordar o mérito do processo, há que recordar que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que, em princípio, um litígio não está em condições de ser julgado quanto ao mérito da ação ou recurso interposto no Tribunal Geral quando este o tiver julgado inadmissível, acolhendo uma exceção de inadmissibilidade sem reservar a respetiva apreciação para a decisão de mérito (Acórdão de 17 de dezembro de 2009, Reapreciação M/EMEA, C-197/09 RX-II, EU:C:2009:804, n.o 29 e jurisprudência referida).
56 É certo que, em determinadas condições, é possível decidir do mérito de uma ação ou recurso, mesmo que o processo em primeira instância se tenha limitado a uma exceção de inadmissibilidade que tenha sido julgada procedente pelo Tribunal Geral. Pode ser esse o caso quando, por um lado, a anulação do acórdão ou do despacho recorridos implica necessariamente uma dada solução quanto ao mérito da ação ou recurso em questão ou, por outro, a apreciação do mérito do recurso de anulação assenta em argumentos trocados pelas partes no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral na sequência de um raciocínio do juiz de primeira instância (Acórdão de 17 de dezembro 2009, Reapreciação M/EMEA, C-197/09 RX-II, EU:C:2009:804, n.o 30 e jurisprudência referida).
57 Ora, no caso em apreço, como alega com razão a Comissão, não existem essas circunstâncias especiais que permitem ao próprio Tribunal de Justiça decidir sobre o mérito do recurso.
58 Daqui decorre que o presente processo deve ser remetido ao Tribunal Geral e que o segundo pedido deve ser julgado improcedente.
Quanto às despesas
59 Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:
1) É anulado o Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 9 de novembro de 2016, Jenkinson/Conselho e o. (T-602/15, EU:T:2016:660).
2) O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.
3) Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.
Assinaturas