Contrato de Abertura de Crédito e Ação Monitória
Contrato de Abertura de Crédito e Ação Monitória
Xxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx
Juiz de Direito/RJ
1. Contrato de Abertura de Crédito - É o contrato segundo o qual o banco se obriga a pôr à disposição de um cliente uma soma em dinheiro, por prazo determinado ou indeterminado, obrigando-se este a devolver a importância, acrescida dos juros, ao se extinguir o contrato (Contratos e Obrigações Comerciais - Xxxx Xxxxxxx).
Já é amplamente conhecida a discussão sobre se o contrato de abertura de crédito em conta-corrente é, ou não, título executivo, nos termos do inc. II, do Art. 585, do Cód. de Processo Civil, que dispõe:
São títulos executivos extrajudiciais:
II - ... o documento particular assinado pelo devedor e por duas tes- temunhas ...;
Apenas para exemplificar, o 1º Tribunal de Alçada Cível do Estado
de São Paulo enunciou em súmula (Nº 11) que:
“O contrato de conta-corrente, feito por estabelecimento bancário a correntista, assinado por duas testemunhas e acompanhado de extrato da conta-corrente respectiva, é título executivo extrajudicial.”
Já a 7ª Câmara do mesmo Tribunal decidiu:
“Contrato de abertura de crédito rotativo não constitui título executivo extrajudicial, pois não satisfaz os requisitos de liquidez e certeza, uma vez que não esclarece o quantum a ser pago, nem permite de per si sua deter- minação” (Ac. Unân.).
Estabelecem os artigos:
Art. 583 - Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial.
Art. 586 - A execução para cobrança de crédito, fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível.
A despeito de majoritária a corrente que sustenta a executividade do contrato de abertura de crédito, sempre discordamos, ainda que modesta- mente, desse entendimento.
Ante os conceitos de liquidez e certeza, notadamente da liquidez de um título, nunca aceitamos estivesse o contrato de abertura de crédito revestido plenamente dos requisitos do título executivo, de vez que se res- sente da liquidez.
Os extratos elaborados e apresentados pelo creditador (banco), além de oriundos de lançamentos unilaterias, são anexados a posteriore ao contrato que se pretende seja um título executivo.
Em outras palavras, cuida-se de um título que não se basta por si só, dependendo de extratos em anexo, elaborados por apenas uma das partes, precisamente a que se intitula credora.
Todavia, no exercício da função judicante, acometiam-nos o dilema:
a) negar qualidade de título executivo a esses contratos, indeferindo a inicial de execução, ou aproveitando (contra entendimento de parte da doutrina) para o rito comum (ordinário ou sumaríssimo);
b) contrariar nosso entendimento particular e dar seguimento à exe- cução, reservando para a fase dos embargos a discussão sobre os valores pouco (ou mal) demonstrados.
Na prática, optávamos por recepcionar a via executiva, ainda que in- timamente contrariados, por uma simples razão: em todos os casos, segundo nos tem ensinado a prática, o executado é, efetivamente, devedor.
O que se discutia nos autos dos embargos era basicamente o excesso de execução que, normalmente, não invalidava a execução nem desconstituía a penhora. Apenas, quando acolhidos os embargos, impunha-se a redução no valor da execução.
Ora, nessa linha de raciocínio, preferíamos sacrificar um bem menor
- o entendimento técnico quanto a não ser o contrato um título executivo - salvaguardando o bem que reputávamos maior, qual seja, a paz social abalada pelo inadimplemento da obrigação. Isso, sem contar com o fato de que a determinação de seguimento à execução causava apenas uma afetação no patrimônio do devedor, sem que se lhe fosse reduzido o patrimônio.
Chegamos mesmo a pensar que a corrente que defende o ponto de vista de exequibilidade do contrato de abertura de crédito assim o faça pelas mesmas razões porque resolvíamos aplicar na prática esse entendimento, em detrimento de nosso ponto de vista pessoal.
Uma outra razão pela qual não atribuíamos força executiva a esses contratos era o fato de a Lei (inc. II, do art. 585/CPC) falar em “documento particular assinado pelo devedor”.
A nosso sentir, ao mencionar a lei “assinado pelo devedor”, referia-se ao negócio jurídico em que uma das partes já surja na condição de devedor, com a obrigação líquida e certa, ao contratar.
No caso de contrato de abertura de crédito, o creditado pode nunca chegar a ser devedor.
A sua obrigação é condicional e, mesmo, incerta. Surge apenas se (e quando) utilizar-se do crédito que lhe é posto à disposição.
Esclareça-se a esta altura, por oportuno, que não negamos exeqüibi- lidade ao contrato de abertura de crédito por se tratar de obrigação futura, pois que o crédito é exatamente a confiança que uma pessoa inspira a outra de cumprir, no futuro, obrigação atualmente assunida.
Vê-se que a futuridade é da essência do crédito e, por que não dizer, das obrigações em geral.
Também, não se nega a qualidade de título executivo a esse tipo de operação bancária em razão de a obrigação ser condicional.
Não.
Aliás, a condição não descaracteriza às obrigações creditícia, mesmo porque, quanto a estas, há expressa previsão legal (Arts. 572 e 614, III e 615, IV, do Cód. de Proc. Civil).
Poder-se-ia contra-argumentar com o exemplo dos contratos de locação, onde os recibos são, também, elaborados pelo credor, unilateral- mente e, por vezes, em valores totalmente defasados do locativo indicado expressamente no contrato, seja em razão da alteração do padrão monetário (criação de nova moeda), seja em razão mesmo da alta inflação com que convivíamos.
Ainda aí, a resistência não vinga.
Por primeiro, o crédito decorrente de alugueres tem carga executiva por disposição legal, eis que a expresso a respeito o inc. IV, do Art. 585/CPC. Por segundo, ao contratar uma locação, o locatário já surge como devedor, vez que com a obrigação de pagar os locativos e, se houver, os
acessórios.
Depois, inconcebível a idéia de que alguém, após contratar uma lo- cação de imóvel, não queira usufruir da coisa recebida em locação. E, ainda que não se utilize do imóvel, responderá pelos alugueres que se vencerem, eis que pôde dipor da coisa.
Paga pela disponibilidade que teve do imóvel locado, sendo certo, en- tretanto, que contratou a locação para uso da coisa. Essa a presunção lógica.
A propósito, também de carga executiva é o contrato de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade.
Note-se que, aí , a Lei (inc. II, art. 585/CPC) - única que pode criar título executivo - já antecipou a ocorrência da condição para que o referido contrato tenha eficácia executiva.
Em outras palavras, contrato de seguro de vida e de acidentes pessoais só será considerado título executivo com a demonstração, de plano, do evento morte ou da incapacidade.
Em sentido contrário, não será título executivo se ainda se vai discutir uma alegada incapacidade. Esta deve estar, já, devidamente demonstrada.
Um outro exemplo, acreditamos, talvez ajude no esclarecimento.
O contrato escrito de honorários advocatícios, como de resto, dos de- mais profissionais liberais. Aí deve constar expressamente as obrigações do profissional bem com a contra-prestação pecuniária, via de regra, do cliente.
Nessas hipóteses os clientes não contratam pura e simplesmente para terem à sua disposição um profissional liberal. É sabido que a contratação é para a prestação efetiva dos serviços contratados.
Todavia, não cuidou o legislador de atribuir a esses contratos a força executiva. Preferiu deixá-los elencados nas causas de rito comum suma- ríssimo, agora sumário, precisamente dentre os tipos que independem do valor da causa.
Se o critério não foi o do valor da causa, qual teria sido o norte do legislador?
Temos para nós que o critério foi o que preferimos chamar de quase- certeza.
Há certeza quanto à existência do título (obrigação); dúvida não existe quanto ao valor prometido pagar, mas não se tem certeza da prestação do serviço.
Por que com a prestação de serviço bancária haveria de ser diferente
...? Só se o tivesse querido expressamente o legislador.
Volteremos à tese da quase-certeza adiante, em rápida abordagem à Ação Monitória.
Retornando ao inc. II, do Art. 000/XXX, xxxxxxxxx que a lei exigia “documento do qual conste obrigação de pagar quantia determinada”.
Alerte-se, de pronto, que, permissa venia, não socorre a alegação no sentido de que essa exigência desapareceu com a nova redação trazida pela Lei nº 8.953/94.
Não.
A alteração havida, com a omissão a “quantia determinada, ou entrega de coisa fungível”, decorreu simplesmente do fato de ter o legislador querido modificar o Art. 632, que possibilitava a execução de fazer apenas para título executivo judicial. Agora, permitiu-se a exe- cução de obrigação de fazer derivada de título executivo extrajudicial, também.
Tanto que foi mantida a referência a “documento .... assinado pelo devedor”. Ou seja, no documento (título) já deve estar clara a obrigação, inclusive quanto à determinação (liquidez) para que do escrito se possa dizer tratar-se de título executivo.
Sobre a liquidez de uma obrigação, reza o art. 1533, do Cód. Civil: “Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e
determinada, quanto ao seu objeto”.
Essa discussão, todavia, segundo entendemos, foi atenuada. Pelo menos no aspecto prático.
2. A Inovação da Monitória - Encerramos as considerações sobre os contratos de abertura de crédito com a afirmação de que a discussão sobre sua natureza jurídica perdeu um pouco a razão de ser, ou foi atenuada. Ao menos em termos práticos.
Aqui, repetimos o que antes ensaiamos sobre critério da quase-cer- teza, norteador do legislador ao destinar carga executiva a determinados documentos, deixando de fazê-lo com relação a outros.
Não nos propomos a comentar a Lei 9.079/95, que cuida da Ação Monitória. Não com esse trabalho.
Cuidamos, nessa oportunidade, da abordagem ao Art. 1.102a., apenas no que pertine à prova escrita, sem eficácia de título executivo, relacionan- do-a ao contrato de abertura de crédito.
Estabelece o Art. 1.102a., acrescido pela Lei 9.079, de 14 de julho de 1995:
“A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado móvel”.
Com a Ação Monitória, teve o legislador em vista a celeridade e efetividade do processo. Esta, aliás, tem sido a tônica da recente onda de reformas por que passa o Processo Civil.
Antes, havia apenas duas espécies de títulos, assim entendido o do- cumento em que constasse uma obrigação: os títulos executivos e os títulos não-executivos. Os primeiros, revestidos de liquidez, certeza e exibilidade. Os segundos, destituídos de algum desses requisitos.
Agora, com a Monitória, acreditamos existir um meio-termo. É o que chamamos de meio-título. Falta-lhe pouco para ser alçado à categoria dos títulos executivos.
Na verdade, esses quase-títulos sempre existiram, mas sem a rele- vância que, agora, lhes é reservada pela Ação Monitória.
Muitos desses meio-títulos são mencionados no Art. 275.
Trata-se de documentos que demonstram uma obrigação, indicam o obrigado, às vezes até expressam o objeto mas, por alguma razão, deixam de preencher todos os requisitos exigíveis à caracterização de título executivo. Exemplos disso, para nós, são o contrato de abertura de crédito ban-
xxxxx, o contrato de honorários de profissionais liberais e outros similares. Assim, é que a parte que dispuser de um título caracterizado por contrato de abertura de crédito (que chamamos de meio-título) poderá se valer da Ação Monitória, desnecessitando de correr o risco de ter sua petição inicial (de execução forçada) indeferida, ou de ter seu Processo de Execução transmudado para o Processo de Conhecimento, pelo rito comum
(ordinário ou sumário).
Dessa forma o contrato de abertura de crédito, ou outro sem carga executiva, passa a ser a prova escrita de que disporá o creditador (estabe- lecimento bancário), ao pretender, ante o creditado, o pagamento de soma em dinheiro (Art. 1.102a., inovado pela Lei nº 9.079/95).
Para finalizar, entendemos que o juiz, em recebendo os autos de exe- cução forçada para despacho inicial, deva mandar seja distribuída, registrada e despachada como Ação Monitória, determinando se expeça mandado para citação e pagamento, em 15 (quinze) dias, com as advertências da nova lei.
Ressalva-se, claro, o entendimento do magistrado que ainda considera tal contrato inserido na previsão do inc. II, do art. 585, do Cód. de Proc. Civil. ◆