MARIANA AGUIAR NASCIMENTO ALVES
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXXXX XXXXX
O USO DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA EM CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO
Como defesa do princípio da boa fé e da confiança
BRASÍLIA - DF
2014
XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXXXX XXXXX
O USO DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA EM CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO
Como defesa do princípio da boa fé e da confiança
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
Orientador: Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx
BRASÍLIA - DF
2014
Dedico este trabalho a Deus por ter me dado força por seis anos para fazer o curso, aos meus pais que me deram apoio nesta jornada, aos amigos de faculdade que me acompanharam durante todo o caminho, meu orientador Xxxxxx, sem o qual não poderia chegar até aqui, e em especial aos meus amigos de infância e adolescência que partiram cedo demais Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxx.
O estudo pretende abordar o instituto da boa fé como princípio a ser defendido dentro do nosso ordenamento jurídico, usando dos ensinamentos da responsabilidade civil, e do uso de uma de suas excludentes, a culpa exclusiva da vítima, no caso de contrato de transporte aéreo. O problema central do estudo é o uso da culpa exclusiva da vítima como defesa ao princípio da boa fé e da confiança, no caso de um contrato de transporte aéreo analisado, onde o passageiro processou uma companhia aérea por não ter sido autorizado a embarcar, a problemática se dá devido aos diversos diplomas legais usados para tratar do assunto, como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica. O objetivo geral da pesquisa é permitir uma análise aprofundada e determinar qual desses diplomas legais será usado no caso específico abordado, se a culpa exclusiva da vítima é permitida por estes ordenamentos e se caso forem, que sejam usados para defender o princípio da boa fé e da confiança, permitindo uma análise crítica do assunto.
Palavras- chave: Boa fé. Princípio da confiança. Culpa exclusiva da vítima. Transporte aéreo. Código de Defesa do Consumidor. Convenção de Varsóvia. Código Brasileiro de Aeronáutica. Antinomia.
2 A BOA FÉ NO DIREITO CIVIL 16
2.1 Da construção conceitual da boa fé
16
2.1.1 A influência Canônica no conceito de Boa Fé 22
2.2 Da natureza jurídica da Xxx Xx
00
0.0.0 Xxx Xx subjetiva e objetiva 35
41
44
3 RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL 49
3.1 Responsabilização Civil e suas finalidades 49
3.2 Culpa e Risco: fatos geradores da responsabilidade civil 55
3.2.1 Culpa 55
3.2.2 Risco 59
3.3 Excludentes de responsabilidade 60
3.3.1 A finalidade da culpa exclusiva 61
4 TRANSPORTE AÉREO 67
4.1 Classificação do transporte aéreo 67
4.2 Os contratos de transporte aéreo 68
4.3 Os diplomas legais que regulamentam o transporte aéreo 70
4.3.1 Transporte aéreo e a Constituição Federal de 1988 70
4.3.2 Transporte aéreo e as relações jurídicas civis 73
4.3.3 Transporte aéreo e as relações de consumo 76
4.3.4 A Convenção de Varsóvia 83
4.3.5 O Código Brasileiro de Aeronáutica 87
A supremacia do Código do Consumidor perante os outros diplomas legais
............................................................................................................................90
4.4.1 Análise da Jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a Supremacia do CDC 94
4.5 Da análise de caso 100
5 CONCLUSÃO 109
REFERÊNCIA 113
1 INTRODUÇÃO
O estudo sobre a boa fé se inicia pela procura de uma definição capaz de englobar tão nobre e importante princípio, pois é somente através do entendimento deste princípio que se pode compreender o seu uso em larga escala no Direito.
A boa fé é por excelência princípio norteador do nosso ordenamento jurídico e como tal, visa proteger os ditames legais que compõem a lei, dito isto a problemática surge quando um desses aparatos legais, a culpa exclusiva da vítima, é ignorado em situações que se encaixam o seu uso, pois não é incomum a preferência pelo papel de vítima que as pessoas podem desempenhar em determinadas situações, tornando por diversas vezes difícil a sua comprovação.
Para o estudo foi abordado um caso real de um passageiro que chegou com apenas 27 minutos de antecedência para todos os preparativos do embarque, quando a regra contratual da companhia aérea estipula que o horário para os preparativos do vôo seja de pelo menos uma hora antes do embarque,e que por isso perdeu o vôo.
Uma vez que o estudo é embasado em uma situação real do raro uso de culpa exclusiva da vítima, surge outra problemática, pois o caso trata desta excludente de responsabilidade em matéria específica de transporte aéreo, o qual existe não só um diploma legal que trate do assunto, mas três, o Código de Defesa do Consumidor, a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica.
O assunto gera tanta polêmica e discussão que para estabelecer qual irá tratar sobre transporte aéreo, necessita-se de ajuda também da Constituição Federal e o Código Civil, os quais irão ajudar a solidificar o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é soberano diante os demais, mas sem excluí-los do uso dentro do nosso ordenamento, sendo afastado somente em matéria que causar antinomia com o CDC.
Torna-se necessário conhecer um a um, pois só assim pode-se formar uma opinião crítica e com isso defender o uso de um dos diplomas legais.
Inicia-se o estudo falando sobre a boa fé, no primeiro capítulo a boa fé é analisada com o intuito de tentar achar um conceito que possa definir a sua aplicabilidade, usando a
obra do renomado autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx, tenta-se traçar os caminhos que este princípio percorreu para os conceitos que temos hoje em dia.
O autor nos remete então ao primeiro uso do sentido da boa fé, no Império Romano, o termo fides surge então para tentar descrever uma situação capaz de amparar as pessoas dentro e fora do universo jurídico.
A fides foi inicialmente concebida e dividida em três partes: fides sacra, fides facto e fides ética, com as idéias de aspecto moral e religioso na primeira, idéia de confiança, promessa, lealdade e credibilidade no segundo e finalmente na terceira com a mescla das duas primeiras.
O conceito tido pelos romanos é importante, pois será o primeiro passo rumo ao caráter normativo que as condutas da época iriam adquirir, pois o objetivo da fides era garantir que a palavra dada seria cumprida, que uma vez a promessa feita dever-se-ia fazer o possível para cumprir com essa expectativa, fazendo com que a obrigação pré-determinada não fosse baseada somente em palavras sem valor, mas sim dotadas de caráter moral executório.
Os conceitos de fides serão ainda importantes para se chegar a idéia de bona fides, tida como suplemento da fides, pois seria a partir dela que o conceito de fides deixaria de ser demasiadamente genérico para concreto, dando força vinculante ao conceito.
Os romanos não iriam contribuir somente com os conceitos de fides e bona fides, eles também conseguiram enriquecer essa busca com os termos Aequitas e Équo, palavras que significam a busca pela equidade, verdade e justo, busca pela justiça e igualdade entre as pessoas, passo deveras significativo na construção conceitual da boa fé, pois através delas e com elas é possível dizer que estabelecem um dos primeiros objetivos do princípio da boa fé.
A boa fé romana foi também atrelada á relação de senhor e escravo, conotação que tornava o princípio mais comercial e de uso do poder do que do sentido ético, como é entendido uma parte da matéria hoje em dia, que posteriormente seria criticada pelos sucessores do estudo da boa fé: os alemães.
A evolução deste princípio teve seu passo seguinte com os alemães, aficionados conhecedores e estudiosos do Direito, estes chegariam a definições pertinentes e necessárias para o conceito da boa fé, com as palavras Treu e Glauben, jogo de palavras que consistia em
lealdade, firmeza de comportamento diante de um contrato para a primeira, e para a segunda crença, ética e valores cavalheirescos.
A boa fé germânica é traçada então pelo estudo do significado dessas duas palavras que acrescentariam a idéia de boa fé que as obrigações deveriam ser cumpridas porque era dever moral do homem que dava sua palavra cumprir com a sua promessa, entra-se no sentido de honrar os compromissos, ideia de ‗Juramento de honra‘.
O Juramento de honra para os germânicos era um conceito importante tido entre cavalheiros, usado para cumprir com suas obrigações, fato que ganhava uma conotação ética e moral, pois para eles o importante era que a palavra dada por si só já representava um compromisso que deveria ser mantido e honrado sob todas as hipóteses.
A contribuição desse juramento não é somente no sentido moral e ético, pois como o autor Menezes Cordeiro nos ensina chegar-se-ia- através do mesmo á idéia de débito, de uma dívida que necessita ser sanada, idéia importante também para a responsabilidade civil que a partir de uma obrigação descumprida gera-se um débito capaz de gerar uma posterior indenização.
As palavras usadas no Direito alemão contribuíram muito para o aprimoramento do princípio da boa fé, mas nem por isso ficou isenta de críticas, pois os próprios germânicos tinham dificuldades em aceitar a contribuição significativa que os romanos tiveram, entendiam que o próprio estudo seria o mais importante de todos para a conceituação da boa fé.
As críticas ainda permaneciam no que confere ao teor das palavras, pois a palavra Glauben foi associada á um caráter religioso o que muitos estudiosos e pesquisadores procuravam evitar.
Seguindo a ordem cronológica da obra do autor Xxxxxxx Xxxxxxxx entra a conceituação da boa fé canônica, tão importante para a evolução do princípio da boa fé subjetiva que mesmo em dias atuais confunde-se a boa fé em sentido objetivo com a boa fé subjetiva devido a influência que o Cristianismo teve na caracterização do conceito.
O Direito antes laico será influenciado pela nova fé adotada por Xxxxxxxxxxxx, modificando o sistema jurídico da época com a idéia principal de que a boa fé consistia na ausência de pecado.
Para a boa fé canônica o importante eram os princípios das leis e regras da Igreja, inserida no meio do direito romano, ela seria mesclada com o termo Aequitas, na busca pela verdade e igualdade, pois essa era a única atitude correta a se desempenhar, a ausência de pecado seria determinante para o conceito de boa fé subjetiva, pois se entra na esfera pessoal da pessoa, analisando suas atitudes com base em valores morais e éticos, o indivíduo só poderia ter boa fé quando cumprisse com as obrigações não porque uma norma jurídica determina, mas porque suas ações são sempre feitas de modo a evitar o pecado.
Como todo estudo que possa ser aproveitado, a boa fé canônica também sofreu críticas, pois para os críticos não existiria a partir dessa definição sanção capaz de obrigar o indivíduo a cumprir com a sua promessa, as obrigações estariam sujeitas a boa fé subjetiva simplesmente.
O primeiro capítulo ainda corre na busca pela conceituação da boa fé, após a conceituação histórica, o capítulo visa definir a natureza jurídica da boa fé, abordando a necessidade de se entender que a plenitude da boa fé vai além de conceitos rígidos e inflexíveis, tornando-se, portanto um princípio, sendo impregnada em todo o ordenamento jurídico mesmo quando não for encontrada de maneira explícita.
Xxxxxxx-se ainda no mesmo capítulo que a boa fé é uma positividade da conduta, pois é clara expressão do homem de como serão executadas as leis que visam defender seus interesses, sem a qual não poderia se realizar qualquer negócio jurídico válido.
Após as análises faz-se importante também entender que um dos conceitos que guia o princípio da boa fé é a ausência de malícia, ausência de saber que o negócio possuía vício, estado de pré- ignorância, e como consequência a conceituação também da má fé, a pessoa sabendo que o negócio possui vício capaz de prejudicar o outro executa o negócio ou nada faz para impedi-lo.
Adiante se tem o conceito de boa fé subjetiva e boa fé objetiva, importante divisão para o estudo que permite que não haja dúvidas e nem confusão sobre o que cada um significa, citando as influências que sofreram até chegar à divisão que conhecemos hoje, a primeira como o agir corretamente de acordo com valores pessoais de valor moral e ético sobre a pré concepção do certo e errado, tratando da esfera interna da atuação de um indivíduo, e a segunda como o agir corretamente segundo normas estabelecidas em lei, tratando da esfera externa da atuação de um indivíduo.
O princípio da confiança vem logo a seguir sendo tratado como primordial para o princípio da boa fé, visto que o primeiro atua em decorrência do segundo, não pode existir o princípio da confiança se não existir o princípio da boa fé, pois a partir deste princípio acredita-se que as pessoas irão agir dentro da normalidade esperada do homem médio, acredita-se que irão agir de boa fé.
O capítulo é finalizado explicando a boa fé contratual, pois devido ao caso escolhido de contrato de transporte aéreo fez-se de suma importância entender que a boa fé contratual deve ser garantida em todos os contratos que quiserem possuir alguma autenticidade.
A boa fé contratual é exigida para que o negócio possua o valor vinculativo exigido das partes, sem a boa fé contratual não se pode estipular nenhum tipo de contrato, pois a mesma é garantia de que os negócios serão determinados e executados pela lei sempre protegendo o interesse das partes, buscando evitar que as partes sejam lesadas e contraiam qualquer tipo de dano.
É analisado que sem a boa fé seria impossível a concretização dos contratos, pois para que ele inicialmente exista é preciso ter confiança no outro para contratar, e que uma vez assinado ou aderido o contrato deve ser protegido em todas as fases do negócio, gerando responsabilidade antes mesmo do cumprimento da obrigação, pois o contrato já cria expectativa de ver o negócio realizado, acredita-se que o outro irá cumprir com a sua obrigação, por sua vez, demonstrando a defesa ao princípio da confiança.
O capítulo dois se inicia tratando da responsabilidade civil, onde é discutida a importância de saber sobre o assunto se quisermos usar a culpa exclusiva da vítima como defesa ao princípio da boa fé e da confiança no caso aplicado.
No capítulo será abordada a finalidade da responsabilização civil, como conceito inicial de que visa responsabilizar quem causa o dano, sendo a mesma existente somente após o descumprimento de uma obrigação, contratual ou extracontratual, pois o dano decorrente do descumprimento da obrigação gera o dever de indenizar.
É importante estudar tal matéria, pois se verá que a finalidade da responsabilização civil é de reparar, prevenir e punir, e que uma vez usada a matéria pode-se fazer um posicionamento adequado sobre o caso do passageiro que chega atrasado e perde o voo.
Sobre a responsabilização civil ainda é tratado sobre os fatos que são capazes de criar- lá, a culpa e o risco, explicado brevemente que, a primeira é elemento da responsabilidade subjetiva e tem-se o agir irresponsável lesando uma pessoa, seja de forma premeditada, seja por pura negligência, e o segundo é elemento da responsabilidade objetiva, usado amplamente no Código de Defesa do Consumidor, onde a pessoa responde por desenvolver atividade que é naturalmente perigosa, conceitos mais uma vez importantes, pois serão usados para definir a culpa exclusiva da vítima e o uso do Código do Consumidor.
A continuação e finalização do capítulo transcorrem para definir o que é uma excludente de responsabilidade para que se possa iniciar o estudo primordial da finalidade da culpa exclusiva da vítima.
A discussão sobre culpa exclusiva da vítima é importante para ressaltar que consiste em um direito real e que deve ser usado sempre que for possível, sendo este necessário ao cumprimento dos valores que compõem a boa fé, pois tal circunstância só foi criada para evitar que uma pessoa seja responsabilizada por algo que não deu origem, sendo esta a real vítima da situação que apenas se encontra na hora errada e no lugar errado.
Pretende-se com essa parte do estudo determinar as circunstâncias que serão válidas retirar a responsabilidade do agente e atribuir à culpa exclusivamente á vítima, eixo central do caso escolhido para defender a tese.
Dá-se continuidade ao estudo com o início do capítulo três, tratando o mesmo sobre o transporte aéreo.
O transporte aéreo á muito tempo vem sendo estudado, e por diversas vezes sofreu modificações e melhorias a fim de reger melhor as relações que surgem por meio dele, com o intuito de esclarecer sobre as dúvidas que regem o transporte aéreo se buscou estudar os diferentes diplomas legais que tratam do assunto, são eles: O Código do Consumidor, A Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica.
Os diferentes Códigos e Tratados visam estabelecer a responsabilidade do transportador, mas antes fez-se necessário estabelecer o tipo de contrato aplicado ao transporte aéreo, onde se inicia com a classificação de Xxxxx Xxxxx, pois é somente a partir do momento em que se sabe do tipo de contrato que esta se tratando que poderá ser estipulado as
obrigações das partes, no caso necessário para entender as funções da companhia aérea e do passageiro.
Uma vez estipulado o tipo de contrato buscam-se os diplomas legais que tratam do assunto, e inicialmente é de extrema importância falar da Constituição Federal de 1988, vigente em nosso ordenamento, pois será a partir dela que os diplomas legais serão avaliados e por consequência usados ou não.
A supremacia da Constituição é de entendimento majoritário, e perante antinomia de outros ditames legais será ela a que prevalecerá fato que é analisado no capítulo com um tópico próprio citando a supralegalidade da Constituição Federal e a sua rigidez constitucional.
Torna-se relevante para a análise do caso, pois uma vez que se estabelece que a Constituição seja de difícil mudança e por isso possui mais estabilidade durante o tempo, e que é criadora de outras normas e que os seus conteúdos deverão estar em conformidade com a matéria da Constituição, comprova-se a sua supremacia e por consequência as leis oriundas dela.
A Constituição determina, portanto no art. 21º, XII que o transporte aéreo é uma concessão de serviço público e que por consequência compete á União tratar sobre o assunto, sendo, portanto a matéria de transporte aéreo subordinada ao que diz o texto constitucional, e esta então é a primeira a definir sobre quem será o responsável a tratar do assunto, e como escolha se teve o Código de Defesa do Consumidor sempre que no transporte aéreo for estabelecida uma relação de consumo.
O fato citado fará parte da discussão que segue no capítulo três sobre a supremacia do Código de Defesa do Consumidor perante os outros diplomas legais que também tratam sobre transporte aéreo.
Após a análise da Constituição como soberana faz-se o estudo do Código Civil, nos artigos que tratam sobre as responsabilidades do transportador aéreo e passageiro, chave fundamental para defender a tese de que o passageiro em questão por possuir deveres tais como se submeter ás normas da empresa aérea e descumprindo-os não possui qualquer direito a posterior indenização por atitude culposa única e exclusivamente sua, desempenhando junto
com a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor a defesa da tese do uso da culpa exclusiva da vítima como defesa ao princípio da boa fé e da confiança.
O Código do Consumidor vem logo a seguir estabelecendo as regras que formam uma relação de consumo, e como já determinado pela Constituição no item anterior será ele o responsável por tratar do transporte aéreo.
O presente Código foi criado pela Constituição devido à necessidade de lei específica para tratar das relações de consumo (argumento que servirá também como embasamento da supremacia do Código de Defesa do Consumidor perante antinomia com a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica), visando sempre a proteção ao elo mais fraco da relação, que no caso será o consumidor, e visto que muitas vezes não possui as qualidades técnicas e financeiras que o fornecedor geralmente possui , torna-se difícil a comprovação de culpa do fornecedor, sendo o elo mais fraco.
O impasse de comprovação de dano foi resolvido pelo Código ao adotar a responsabilidade objetiva do transportador, baseada não na culpa, mas no risco, sendo, portanto o fornecedor responsável pelos danos causados ao consumidor por desenvolver atividade naturalmente perigosa e, portanto devendo suportar os riscos que a atividade comercial desenvolve.
A exceção do uso da responsabilidade objetiva do fornecedor será o que fundamenta tanto a decisão do caso estudado como a defesa deste estudo, pois quando comprovado o fornecedor poderá ter sua responsabilidade retirada, atribuindo-a ao real causador do dano, a vítima.
O capítulo segue com as definições de consumidor, fornecedor, produtos e serviços, faz-se necessário entendê-los para que seja possível classificar o caso estudado como uma relação de consumo e por consequência aplicar o Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor prevê ainda em seu art. 14º, § 3º, II o uso da culpa exclusiva da vítima, onde o fornecedor de serviços terá sua responsabilidade retirada caso consiga provar a culpa exclusiva da vítima, sendo este artigo talvez um dos cincos pontos mais importante de todo o estudo, pois através dele comprova-se que é um artifício legal, que deve e pode ser usado e que se adéqua perfeitamente ao caso escolhido para estudo, pois o passageiro perde o vôo por chegar atrasado ao embarque, não cumpre com seu dever de
passageiro, gerando, portanto um dano que não poderia de forma alguma ser atribuído ao transportador aéreo, no caso a companhia aérea.
Como o assunto é sobre transporte aéreo não poderia deixar de ser explicada e estudada a Convenção de Varsóvia, assinada em 1929, criada com o intuito de reger as regras relativas ao transporte aéreo internacional.
A convenção precisou ser modificada algumas vezes devido à antinomia que apresentava com relação à responsabilidade do transportador perante os outros diplomas legais existentes, mudanças que alteraram pouco a responsabilidade do transportador para interesse do estudo, pois a responsabilidade do transportador perante dano aos passageiros continuou a mesma.
A responsabilidade do transportador é o ponto de conflito entre a Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor, pois a primeira limita a responsabilidade do transportador e o segundo presa pela responsabilidade integral do dano, sendo importante a sua abordagem para estudar o caso.
O próximo aspecto abordado no capítulo é de extrema relevância para o caso escolhido, onde é descrito que a Convenção também prevê o uso da culpa exclusiva da vítima, mais uma vez confirmando que essa excludente de responsabilidade é dotada de boa fé que visa somente a equidade numa relação jurídica.
A seguir é apresentado o Código Brasileiro de Aeronáutica, criado em 1966 e ratificado em 1967, passando pelos mesmos conflitos que a Convenção de Varsóvia passa com o Código do Consumidor, pois também diverge do CDC quanto à responsabilidade do transportador, pois assim como a Convenção ele também limita a responsabilidade.
O Código Brasileiro de Aeronáutica também prevê o uso da culpa exclusiva da vítima, assim como na Convenção de Varsóvia e principalmente no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade da vítima é corretamente estipulada em casos que der origem ao próprio dano, ponto trivial a ser abordado na conclusão de que a vítima será penalizada independente do diploma legal usado.
Fecha-se o capítulo com a abordagem da Supremacia do Código de Defesa do Consumidor perante os outros diplomas legais, usada Jurisprudência que comprova que nosso
ordenamento prima pelo o seu uso em detrimento dos outros, ato final para se fazer a análise do caso.
O estudo torna-se relevante, portanto por ser questão atual, frequente em nosso ordenamento jurídico que não possui a devida apreciação que merece, tanto o princípio da boa fé como a culpa exclusiva da vítima, sendo o caso abordado, a aplicação real destes fundamentos legais, buscando cumprir com os mesmos através do uso dos diplomas legais que tratam sobre transporte aéreo e respeitam tais princípios.
2 A BOA FÉ NO DIREITO CIVIL
2.1 Da construção conceitual da boa fé
O uso deste conceito não estaria completo se previamente não se falasse que há muito o homem tenta definir a sua capacidade de agir em sociedade, e que durantes séculos, estudiosos tentam definir padrões e pactos para uma convivência harmoniosa. Uma vez que o homem entende que sua ação afeta a de outros, e vice versa ,tem-se uma melhor compreensão de que é necessário um mínimo norteador para regulamentar as relações humanas.
O uso da boa fé nem sempre é claro, e por ser um conceito demasiado extenso gera dúvidas, pois vai muito além do ‗ agir corretamente‘, e que, além disso, se o homem não é capaz de executar ações usando este princípio, o Direito fará com que ele o faça.
A dificuldade do conceito de boa fé começa já pela fides romana, como diz o autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx, pois os primeiros conceitos a respeito da boa fé foram criados pelos romanos e muito do material encontrado se desdobra, muitas vezes, em conceitos vagos e ambíguos, dificultando a precisão do conceito. A concepção de fides surge então para nortear as relações civis, dividindo-se em mais de uma forma, como a fides- sacra, fides – facto e fides- ética. A fides- sacra era por excelência voltada para o aspecto religioso e moral do conceito, visto que foi encontrada na Lei das XII Tábuas, também da deusa Xxxxx, e o poder patriarcal do chefe de família, como ensina o autor português:
―A fides – sacra está documentada em latitudes diversas: na Lei das XII Tábuas, ao cominar sanção religiosa contra o patrão que defraudasse a fides do cliente; no culto da deusa Fides, centrado na sua mão direita, símbolo da entrega e da lealdade; na análise dos poderes extensos atribuídos ao pater e nas fórmulas iniciais da sua limitação".1
A fides, facto se diferenciava principalmente por não vincular qualquer aspecto de caráter religioso ou moral para definir o conceito, como o autor alemão Xxxxxxxx, citado pelo autor português (1983, p.55), afirma: ―Explica aí esse autor que, na literatura republicana, fides significava garantia, empenhamento, promessa, confiança, lealdade, credibilidade‖.2
Embora o conceito seja agora laico, Menezes Cordeiro critica, pois o conceito de
―garantia‘‘ é muito genérico e amplo, e por si só não é suficiente para entender a raiz do
1 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 55.
2 Ibidem, p. 55.
conceito da boa fé, ou seja, não poderia ser o primeiro desencadeador que gerou o princípio como conhecemos hoje.
A fides, ética segue na mesma linha da fides, facto, da garantia que uma tarefa seja cumprida, porém sob um valor moral adicionado a essa tarefa, pois uma vez que os agentes assumissem o compromisso de realizar uma atividade, estaria vinculando também a sua moral, uma vez que ele se comprometeu.
―Simplesmente, desde o momento em que a garantia expressa pela fides passou a residir na qualidade de uma pessoa, teria ganho uma coloração moral.
Mais do que um mero facto, sintoma de um desenvolvimento conceptual incipiente, a fides implicaria o sentido de dever, ainda que não recebida pelo Direito‖.3
Como ensina o autor o conceito de fides encontra mais de um aspecto histórico, porém é possível se afirmar que posteriormente, o objetivo da fides seria de garantir que a palavra dada pelo homem romano seria cobrada, que uma vez que existisse a promessa de cumprir com uma obrigação, o cumprimento não seria apenas de palavras sem valor, mas dotadas de caráter executório e moral.
―É uma qualidade fundamental do homem romano, que se pode descrever como autenticidade e dignidade de confiança; primeiro chama-se a tudo que uma pessoa se podia fiar,fides.‖4
―Paulatinamente, foi retirado desse conceito tudo o que possibilita o poder-se confiar.‖ 5
―Fides é então a qualidade que provoca confiança, a conscieciabilidade, a honestidade que, entre os cidadãos romanos, concita ás certezas dos comportamentos e actuações comuns [...].‖ 6
Através dos conceitos de fides foi permitido chegar ao importante conceito de bona fides, porém foi necessária uma evolução da fides interna para fides externa, pois muito do que foi dito sobre fides ainda não conseguia alcançar o sentido que os juristas procuravam, pois estava muito ligado á questões específicas e internas da sociedade, como a relação de senhor e escravo.
3 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 56.
4 Ibidem, p. 58.
5 Ibidem, p. 58.
6 Ibidem, p. 58.
―A fides é a projecção de aplicações concretas prévias. Tais aplicações situam-se, porém, em duas aéreas na aparência diferentes: nas relações internas, próprias da cidade e dos seus habitantes e nas relações externas, da cidade com outros povos. No plano interno, avulta, como campo de aplicação da fides, a clientela. A clientela correspondia a um tipo de estratificação social que pressupunha uma graduação entre o cidadão livre totalmente sui iuris e o escravo. Implicava a existência de pessoas adstritas a certos deveres de lealdade e obediência perante outras, em troca de protecção.‘‘ 7
Os juristas também criticavam que o termo foi generalizado, sendo usado indiscriminadamente, com extensão de significados que não poderiam corresponder ao real sentido que se procurava, misturando e perdendo muito do seu real valor, sobretudo de valor afetivo, que não era esse somente este o objetivo.
―Não obstante esta evolução conturbada, com falta de precisão nas utilizações jurídicas, ainda incipientes, e em decadência acentuada na semântica comum, a fides conservaria uma conotação mística susceptível de provocar, nas pessoas, reacções afectivas. Generalizou-se por uma utilização comum e exagerada, desgastou-se, mas não se vulgarizou.‖ 8
O conceito posterior de bona fides será capaz então de preencher as lacunas do conceito puro de fides.
O bona foi tido como o objetivo que faltava ao fides, pois agora o que interessava eram as relações contratuais propriamente ditas, anteriormente a fides era tida como uma promessa feita entre pessoas extrajuridicamente, a bona vem para complementar, dar a força vinculante que os negócios realizados exigiam.
A bona fides ficou associado à usucapião onde se exigia a pré ignorância por parte do lesado, pois este termo remete a um estado de ausência de malícia, de fidelidade.
―Assim sucede no instituto da usucapio, de que a bona fides designava um dos requisitos: o da ignorância, por parte do possuidor- adquirente, do vício ocorrido no negócio transmissivo do direito real, a constituir pela usucapião.‖ 9
―Etimologicamente, o termo boa-fé tem como origem a expressão “bona fides‖ que quer dizer: fidelidade, crença, confiança, sinceridade, posicionando antagonicamente a má-fé que quer dizer engano, malícia, dolo‖. 10
7 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 59.
8 Ibidem, p. 69.
9 Ibidem, p. 106.
Os romanos não foram os únicos a indagar o assunto sobre fides, os alemães contemporaneamente também procuraram o sentido da boa fé. Para os germânicos o conceito poderia ser explicado através de duas palavras: treu e glauben.
O estudo de três autores foi essencial para que se chegasse a uma definição de boa fé germânica: Xxxxxxx, Xxxxxxx e Stratz.
Ensina o autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx:
―Na linguagem actual Treu – poder-se-ia traduzir por lealdade e Glauben – por crença. Ambas as expressões reportam-se a qualidades ou estados humanos objectivados; o Glaube acentua mais marcadamente o mero estado
– a crença, o convencimento – enquanto a Treu vinca antes uma qualidade‖.11
―Em velho alto alemão, Treu tanto designava firmeza, comportamento autêntico de alguém em consequência de um contrato concluído [...] Neste último período, porém, surge, na Treue, um sentido ético, traduzindo ‗ um conceito cerne de sistema de valores cavalheirescos‘‖.12
A expressão Glauben foi criticada por diferentes autores, pois Glauben denotava um sentido religioso, associação essa que muitos não queriam para o estudo.
Ensina o autor português: ―Glauben, por seu turno, foi utilizado, na sequência das missões, em velho-alto-alemão, para traduzir a fides latina ou a [...] grega, no sentido cristão de fé‖.13
O estudo de Stratz irá contribuir de forma significativa, pois trará ao campo de pesquisa o primeiro significado não religioso de Gleuben, presente no Código de Freising, de 1328.14
O estudo germânico permitiu mais uma vês que a questão da boa fé fosse discutida, ambas as palavras se fundiram posteriormente assim tentando delimitar o que significava boa fé, mas devido à generalização e como ensina o autor português, foi necessária uma análise de caso a caso para assim definir o uso correto de boa fé.
10 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Boa-fé objetiva: historicidade e contornos atuais no direito contratual. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx- xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx&xxxxxx_xxx0000>. Acesso em 19 out. 2013.
11 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 167.
12 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p.167.
13 Ibidem, p. 167.
14 ―Segundo Stratz, a consagração segura mais antiga de Glauben, em acepção não religiosa, estaria no Código de Freising, de 1328.‖ Ibidem, p. 168.
É importante salientar que no sentido etimológico da palavra o conceito alemão de treu e glauben e bona fides dos romanos significavam a mesma coisa por uma ‗aproximação cultural‘ como ensina Menezes Cordeiro, mas que de forma alguma os conceitos de boa fé por trás das expressões eram iguais.
―A heterogeneidade filológica entre as duas locuções indicia um estádio prévio de diferenciação semântica; a equivalência, a ter sido alcançada, em momento posterior, só pode ter sido fruto de uma aproximação cultural, agindo sobre representações diferentes.‖ 15
Diz o autor português: ―Um ano volvido, X. Xxxxx, um tanto espectacularmente, escreve que ‗ o hoje todo poderoso princípio da boa fé sempre correspondeu ao sentimento jurídico alemão e não representa uma pura aceitação da bona fides do Direito romano no Código Civil‖.16
A expressão de bona fides nos romanos surgiu com uma relação demasiadamente atrelada a poder de senhorio, servos, escravos e cidadãos, onde era comum que um senhor protegesse seu escravo e visse versa, onde a questão da boa fé era muito mais comercial e de poder do que do sentido ético.
Para a boa fé germânica medieval era necessário o cumprimento de um dever, de uma obrigação, pois era seu dever moral que o fizesse, estava assim atrelado a um conceito mais ético, como será dito posteriormente, o conceito estava associado com o ‗ Juramento de honra‘.
―Na cultura germânica, a fórmula do treu und glauben demarcam o sentido de boa-fé. Treu (lealdade) e glauben (crença), analisadas no contexto medieval dos juramentos de honra e das tradições cavalheirescas, traduzem um significado completamente diferente da boa-fé romana. A garantia de manutenção e cumprimento da palavra dada não se vincula mais a uma ótica subjetiva (do garante ou cliente), mas a uma perspectiva ética, objetiva, ligada à confiança geral estabelecida em nível de comportamento coletivo.
‗Fiadores e defensores‘, como Xxxxxxxx, os chevaliers não agem por interesse próprio, mas tendo em vista os interesses do alter – da sua dama, do seu soberano, da sua coletividade‖.17
Diz ainda o mestre que talvez a influência mais importante da boa fé germânica teria sido justamente sua falta de delimitação, pois até a codificação, o termo não foi empregado
15 Ibidem, p. 166.
16 Ibidem, p. 164.
17 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Boa-fé objetiva: historicidade e contornos atuais no direito contratual. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx-xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx&xxxxxx_xx
=8281>. Acesso em 19 out. 2013.
em sentido técnico – jurídico, visto que assim seria possível buscar uma definição mais precisa e que por isso também era mais fácil buscar novas idéias para o estudo, pois não se estava preso á um conceito rígido incapaz de evoluir.
―Apesar da situação relativa de diluição aparentada, neste estádio, pela boa fé germânica, não podem deixar de ser acentuada a diversidade existente em relação á bona fides. Ao contrário desta, a Treu und Glauben nunca atingiu, até á codificação, um emprego técnico- jurídico.Libertou-se por isso, de dois entraves que a tecnificação, mantida na bonae fidei possessio,inevitavelmente acarretou para a boa fé romana, com reflexos claros na canônica: por um lado, a dificuldade, conquistado um sentido técnico, alcançar, a partir de componentes diluídos, novas acepções precisas; por outro, o entrave permanente que o emprego técnico move é doutrina jurídica, intuitivamente fascinada e confinada á utilização já existente, e por isso, dificultada na busca de vias novas‖.18
Esse início seria importante posteriormente para o chamado ―Juramento de honra‖ que significa a obrigação de cumprir com um negócio, do seu cumprimento e da sua possível consequência quando não feito.
―A boa fé germânica tornou-se, com o decurso histórico, numa apresentação jurídica mais concreta: de referência carecida de sentido preciso, mas tão só, portadora de uma conotação geral afectiva e apreciativa, transitar-se-ia para uma realidade susceptível de suportar uma certa conceptualização. A evolução deu-se mercê de interação de um instituto tipicamente medieval: o juramento de honra‖.19
Através do ‗juramento de honra‘ se chegou a idéia de ‗débito‘, que significava uma dívida com alguém, uma prestação de um serviço á uma pessoa que precisava ser feito, e de
‗respondência‘ para uma pessoa caso não cumprisse com sua obrigação, esta responderia pelos seus atos.
Ideias essas essenciais para se entender a boa fé como conhecemos hoje.
―O papel jurídico do juramento de honra prende-se com a questão do conceito e estrutura da relação obrigacional, na fórmula bipartida do débito e respondência‖. 20
―A expressão débito é respondência abriga, em português, uma construção laboriosa devida, no início, a Von Brinz. Operando a partir de fontes romanas, V. Brinz explica, no essencial, que, á partida, é diferente a situação na qual alguém deve desenvolver uma actividade em prol de outrem- débito, debitum, schuld – daquela em que uma pessoa ou uma coisa respondem por
18 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 170.
19 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 170.
20 Ibidem, p. 171.
certo evento futuro, sujeitando- se a determinadas consequências, caso ele não ocorra – respondência, obligatio, haftung”.21
Torna-se importante o ‗juramento de honra‘ pois para os germânicos a noção de boa fé, estaria agora associada a este princípio solene de lealdade, de fazer cumprir a palavra dada entre cavalheiros, e posteriormente de forma gradativa evoluiria para uma segurança jurídica exigida pela sociedade. ―A boa fé assumiria o conteúdo do juramento de honra, traduzido no dever de garantir a manutenção e o cumprimento da palavra dada‖. 22
Sua influência foi de tal forma contributiva que iria garantir a execução de obrigações comerciais, como ensina o autor português. ―No comércio, em especial, revestiria o conteúdo do cumprimento exacto dos deveres assumidos‖. 23
Todo esse estudo é necessário para compreender o uso da boa fé no mundo contratual, onde a pesquisa de Stratz foi essencial para enxergar o uso correto deste princípio.
―Falando da boa fé germânica como bitola geral de comportamento no tráfego jurídico, Stratz distribui o seu influxo por dois pontos essenciais: a obrigação de cumprir exactamente os deveres emergentes do contrato - a lealdade ao contrato- e a necessidade jurídica de ter em conta, no exercício dos direitos, os interesses da outra parte‖. 24
O autor critica o sistema alemão por acreditar veementemente que só seu estudo foi necessário para chegar ao uso correto da boa fé no mundo jurídico, muitos estudos germânicos não levavam em consideração a enorme contribuição da bona fides romana.
Embora o autor português faça críticas ao sistema alemão de ser objectivo, o que importava era a opinião pública, pouco importando o uso da ciência para determinados casos, e de usar a irracionalidade, é notável o avanço que eles obtiveram em termos de conceituação, assim como os romanos, com a bona fides, os alemães também deixavam na história sua contribuição para o esclarecimento sobre a boa fé.
2.1.1 A influência Canônica no conceito de Boa Fé
Seguindo a ordem cronológica da obra do autor Menezes Cordeiro tem-se a boa fé canônica. Para que o conceito de boa fé atual fosse concebido foi percorrido um longo
21 Ibidem, p. 171.
22 Ibidem, p. 174.
23 Ibidem, p. 174.
24 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 174 -175.
caminho pelos romanos inicialmente e depois pelos alemães, porém há um importante aspecto sobre a boa fé que necessita ser analisada: a boa fé e a influência do Cristianismo.
A crescente dominação da Igreja viria a atingir o Direito Romano, anteriormente laico, passaria a ter agora a boa fé um aspecto moral e ético.
Diz o autor português:
―Como se viu, a boa fé era, na posse do Direito romano, simplesmente, um estado determinado de ignorância, por parte do possuidor. Apenas com o Direito canônico ganhou esse factor psicológico, uma dimensão ética. O que, dadas as circunstâncias ocorreu pela via absentia peccati”.25
A ideia de que a boa fé era um estado pré-concebido de ignorância já não era mais o ideal para explicar o conceito, o direito canônico irá influenciar o conceito através da chamada ‗ausência de pecado‘.
Xxxxxxx Xxxxxxxx explica brevemente a influência do cristianismo no Império Romano.
―A hipótese duma influência cristã, no Direito Romano das compilações, é discutida. Até Xxxxxxxxxxxx, ela pode ser afastada, dada a posição assumida pelo Estado romano e pela sua ordem jurídica, perante a nova religião. O problema põe-se, pois, com Xxxxxxxxxxxx que, em homenagem á nova Fé, agora aceita, teria desde logo, introduzido alterações jurídicas‖.26
O Estado antes laico, agora passa a receber influência da religião nos ditames políticos, as leis antes feitas sobre o único prisma dos fenômenos sociais e do direito receberia forte influencia da Igreja Católica a partir de Xxxxxxxxxxxx.
―Mais importante seria, porém, o facto de, a partir de então, se ter modificado a posição dos cristãos face ao Estado: de uma opção inicial de não interferência nos assuntos terrenos, os cristãos passaram a actuar na coisa pública [...]‖.27
Um dos elementos essenciais para essa influência do cristianismo no conceito de boa fé foi a sua indeterminação, o conceito não era ainda concreto e indissolúvel, visto que outro termo, Aequitas, se juntou a mescla de definições para o conceito de boa fé.
25 Ibidem, p. 155.
26 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p.149.
27 Ibidem, p. 149.
―Na obra jurídica de Xxxxxxxxxxx, a boa fé encontra-se num estado de diluição que permite todas as conjecturas. A reitoricização de que foi alvo e a sua miscegenação com a aequitas dão, em especial, uma certa base ao cenário de influência cristã marcada.A Religião Cristã, é formalmente, uma religião retórica. O seu Fundador recorreu, por excelência, á palavra,como forma de comunicar e converter. Os seus discípulos e continuadores foram sempre, ao longo dos séculos, mestres no uso da linguagem, cuja arte cultivaram. A concomitância verificada no emprego retórico da bona fides e no reconhecimento oficial do Cristianismo não pode ser ignorada. A aequitas, por seu turno, segundo afirmações divulgadas, teria recebido as novas idéias cristãs, designadamente a humanitas, a pietas,a caritas, e a benignitas, bem como a misericórdi‖.28
O termo Aequitas significa para os romanos, justiça e igualdade, o termo explica um dos objetivos ao se usar a boa fé nas obrigações, objetivo de que a relação contratual seja cumprida com o resultado satisfatório para ambas as partes.
―Aequitas (genitivo aequitatis) é o conceito latino de justiça, igualdade, conformidade, simetria ou equidade, É a origem da palavra portuguesa ‗equidade‘. Na Roma Antiga, pode referir-se tanto ao conceito legal de equidade ou justiça entre indivíduos‖.29
Por ser um conceito que buscava a justiça entre indivíduos, e principalmente igualdade, a influência cristã através da rica retórica convincente que os seus discípulos usavam, conseguiu se inserir no seio do ideal de aequitas, que ligado ainda que parcialmente ao conceito de boa fé, acabou influenciando-o também. Como ensina Menezes Cordeiro: ―A penetração cristã na bona fides das compilações, através da retórica e da aequitas, ainda que admissível, é, em definitivo, impossível de quantificar‖. 30
Os alemães já haviam pensado no valor moral e ético da boa fé nas obrigações, porém se antes o valor era ético devido a costumes medievais de cavalheirismo pelo ‗Juramento de honra‘, agora o valor é ético pela ausência do pecado. ―Apenas com o Direito canônico ganhou, esse factor psicológico, uma dimensão ética. O que, dadas as circunstâncias, ocorreu pela via absentia pecati”. 31
A ausência do pecado é ainda mais pessoal do que o ‗Juramento de honra‘ era para os alemães, pois eram essencialmente questões ligadas a pactos de honra e lealdade, aqui se leva
28 Ibidem, p. 149 - 150.
29 WIKIPEDIA. Conceito de Aequitas. Disponível em: <xxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/Xxxxxxxx>. Acesso em: 26 mar. 2014.
30 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 151.
31 Ibidem, p. 155.
em conta o caráter espiritual do indivíduo, leva-se em conta a pureza de suas atitudes em virtude de conservar a boa alma e os costumes cristãos.
―Dentro do Direito canônico, ganhou uma dimensão axiológica, a entender dentro do espírito cristão. O que é perfeitamente retratado pela afirmação de Xxxxxxx: a boa fé canônica traduz a ausência de pecado‖. 32
Nota-se, portanto que o viés objetivo de cumprir com uma obrigação porque a lei assim estabelece fica em segundo plano, pois agora o que é relevante é a intenção da pessoa de não lesar o outro, não somente pela ignorância, mas por acreditar genuinamente no seu íntimo que não se deve agir de forma errada. ―A universalidade, a racionalidade, a igualdade humana, tudo isso se impusera, na prática jurídica, mercê do pensamento estóico‖. 33
Portanto, é visivelmente compreensivo que a visão de boa fé, entende-se como a
‗ausência de pecado‘ dito pelo autor, pois a partir do instante em que se assume um aspecto psicológico, não se preocupa somente com a ação do sujeito, será levada em consideração também a moralidade e a caráter daquele sujeito, ou seja, a boa fé subjetiva. ―A intervenção do Direito canônico cifrou-se, pois, na eticização da boa fé subjectiva‖. 34
Na concepção anterior dos romanos é dito que para caracterizar boa fé, bastava que a pessoa não soubesse do fato quando realizado o negócio, estado de ignorância, e que sua palavra sendo dada deveria ser cumprida. Na concepção do direito canônico era estudado o valor moral que a ação feita pelo sujeito poderia ter, existia uma valorização por tanto da ética e da psique do sujeito.
―No Direito romano, a boa fé apareceria com um conceito e um alcance substancialmente diferentes, consoante aplicada ás obrigações ou á posse: nas primeiras, oponde-se a fraus e dolus, traduziria as idéias de honestidade, fidelidade e conscienciosidade; na segunda, contracenando com a má fé, expressaria, apenas, uma ignorância justificada. No Direito canônico, pelo contrário, teria ocorrido uma velha aspiração dos estudiosos da fé: a sua unificação conceptual. Na linha dos valores próprios do Direito da Igreja, a boa fé dependeria sempre da consideração do pecado: na praescriptio, a mala fides superveniens, traduzindo uma situação de scientia na constância do direito alheio, corporizaria um factor de conscientia, obstáculo ao seu funcionamento; por isso foi alterado o brocardo mala fides superveniens non nocet.Nos nuda pacta, a idéia de pecado teria sido, também decisiva: o
32 Ibidem, p. 159.
33 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 159.
34 Ibidem, p. 156.
respeito pela palavra dada impo-se, sob pena de violação dos valores transcendentais‖.35
Pode ser dito que a boa fé canônica influenciou a concepção de boa fé subjetiva, pois esta está essencialmente visada na esfera individual do agente, leva-se em conta o aspecto subjetivo do agente. A concepção da ausência de pecado foi tida por Xxxxxxx, que iria influenciar o objetivo da boa fé canônica: evitar a prescrição.
―No Direito canônico- na sequência, aliás, da evolução processada no Direito comum atravês dos glosadores e pós glosadores – ocorreria um alargamento considerável da figura. A praescriptio passou a actuar, também, no campo das ações pessoais e no das funções públicas.Em termos actualistas, todo o Direito público ficaram envolvidos. As dificuldades de comunicação e de publicidade facilitavam, nessa altura as apropriações indevidas, sendo ainda de notar que, muitas vezes, os bens da Igreja eram especialmente atingidos.
O consolidar da regra bona fides supervenients nocet visou, por tudo isto, dificultar a praescriptio‖.36
A bona fides dos romanos era, sobretudo, a procura pela realização de negócios jurídicos, a realização de obrigações. Quando realizado um negócio jurídico era assim exigido a boa fé na hora de fazer o contrato, e na realização do contrato.
―Essa solução teria, no pensar de Xxxxxxxxx, raízes no Direito romano. O âmbito da exigência de boa fé era, já então, discutido. Os proculeianos defendiam a sua necessidade no momento da celebração do contrato, enquanto que os sabinianos o faziam aquando da tradição.‖ 37
A ideia de que o negócio jurídico teria de ser feito sob o efeito da ‗ ausência de pecado‘ surge então como um estado de ‗inocência‘ na concepção e na realização do contrato jurídico. ―A boa fé subjectiva-se: por norma ela aparece, nos textos jurídicos canônicos, definida ou indiciada como estado de ciência ou de consciência individual‖. 38
As críticas a esse estudo foram muitas, principalmente no ponto de que não existiria uma sanção capaz de obrigar o indivíduo a agir de forma correta, que a obrigação ficaria sujeita a boa fé subjetiva simplesmente. A pessoa estaria à mercê da vontade do outro, sendo assim regras básicas de um contrato ficariam sem um respaldo legal, contariam apenas com o viés subjetivo de cada um e não com o viés legal.
35 Ibidem, p. 153 - 154.
36 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 158.
37 Ibidem, p. 157.
38 Ibidem, p. 161.
―Xxxxxx também de apoio outra tentativa de estabelecer uma boa fé canônica, no domínio das obrigações, e que consta dum relatório de Bigador. Nesta leitura, um certo número de pactos, tais como resultante de dádivas para a celebração de missas, não teriam qualquer sanção, deixando a Igreja, á boa fé e á consciência dos sujeitos, o seu cumprimento. Da mesma forma, deveres primordiais tais como o de consagrar aos necessitados ou a obras pias o supérfluo dos rendimentos de cada um, ficariam á bona fides‖.39
O estudo sobre boa fé é tão importante para o mundo contratual que quando ele não é encontrado, seja na criação,seja na celebração do contrato, o contrato pode ser cancelado por completo, pois o importante aqui é evitar que o direito de alguma das partes seja lesado.
Para que o contrato que conhecemos hoje chagasse a esse ponto foi preciso antes decidir o quanto a boa fé pesava para a concretização do mesmo, e em que momento ela deveria estar presente.
―O âmbito da boa fé era, já então, discutido. Os proculeianos defendiam a sua necessidade no momento da celebração do contrato, enquanto que os sabianos o faziam aquando da tradição. Xxxxxxxxxxx – D.6.27.17., segundo R.
– determinaria a boa fé como requisito nesses dois momentos. ―A consagração radical, em Gratianus, do brocardo mala fides superveniens non nocet teria provocado, entre os meios conhecedores do Direito romano, um movimento de surpresa que levaria, nas décadas subsequentes, á instituição do princípio inverso‖. 40
A relação contratual visa não outro objetivo do que a realização da obrigação estipulada entre as partes, portanto, quando um contrato é feito a boa fé deve estar explicitamente colocada em cada ação acordada do contrato. ―A boa fé surge como factor de garantia das obrigações‖. 41
O uso da boa fé contratual torna-se de suma importância, na hora de construir as cláusulas e na hora da celebração do contato, evitando, portanto quaisquer ações futuras prejudiciais para qualquer uma das partes. ―Artigo 113 do Código Civil. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração‖. 42
39 Ibidem, p. 156 - 157.
40 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 157.
41 Ibidem, p. 185.
42 JUSBRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxx?xxxxxxx:xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxx o-113-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002 >. Acesso em:26 mar. 2014.
As regras jurídicas contratuais se feitas segundo o princípio da boa fé, não abrem lacunas para contratempos capazes de arruinar o negócio jurídico, excluindo, por exemplo
‗ignorância‘ sobre uma cláusula ou permitir uma cláusula abusiva.
―Como concretização da boa fé, coloca-se a bitola de um certo equilíbrio material entre as vantagens auferidas, graças ao contrato, pelas partes. E, assim, não se admitem prejuízos desproporcionados‖.43
O uso correto deste princípio evita, portanto que a má fé surja em situações que poderiam ser evitadas, quando um contrato não é feito ou celebrado usando este importante princípio da boa fé, age-se de forma negligente, não observar este princípio significa ignorá- lo, e consequentemente trazer à tona a insegurança jurídica de sociedades remotas e desiguais.
2.2 Da natureza jurídica da Boa Fé
Após uma breve análise de alguns pontos históricos sobre a boa fé é possível dizer que a boa fé é um princípio com várias análises e não um conceito rígido e imutável, porém mesmo sem uma definição concreta torna-se primordial para as relações humanas, sobretudo no contexto jurídico.
Xxxxxxx Xxxxxx, citado por Xxxxxx Xxxx afirma:
―A boa fé constitui assim um importante princípio geral do Direito cuja aplicação no Direito das Obrigações se reconduz á imposição de comportamento ás partes, em ordem a possibilitar o adequado funcionamento do vínculo obrigacional, em termos de pleno aproveitamento da prestação, e evitar a ocorrência de danos para as partes‖. 44
Se o homem não agir de boa fé por si próprio, o Direito irá conduzir o homem a agir dessa forma através de normas e leis, sobretudo no mundo contratual.
Diz o autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx que o conceito de boa fé atualmente encontra-se em difícil situação de compreensão.
Diz o autor:
43 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 55.
44 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 0000, x. 00 - 00.
―A boa fé sofre, na actualidade, as consequências do divórcio entre os discursos metodológicos oficiais e a dogmática jurídica. E de modo agravado: noção vaga, carregada de história, rica em implicações emotivas e objecto de utilização alargada, embora de contornos pouco conhecidas, ela presta-se, por excelência, a desenvolvimentos verbais, numa aporética dominada por uma linguagem grandiloquente e vazia de conteúdo. Há uma mitificação da boa fé‖. 45
Há, portanto a dificuldade da explicação deste conteúdo, pois muitas são as fontes, por ser tratar de um conceito que vai além da esfera moral e ética, pois a própria boa fé não tem um critério de decisão solidificado e imutável.
―O panorama vive dominado por inúmeros estudos parcelares os quais, aos poucos, têm permitido o surgir de investigações sectoriais mais alargadas. O discurso sobre a dogmática- portanto, a Teoria do Direito- carece de bases capazes de lhe alicerçarem o desenvolvimento, no que respeita á boa fé‖. 46
―A disposição que remeta para a boa fé não tem, ela própria, um critério de decisão: a interpretação tradicional de tal preceito não conduz a nada. Na sua aplicação, o processo subsuntivo torna-se impossível‖. 47
Não se trata do simples regulamentar pelas leis, para o autor é variável de acordo com cada caso, o juiz terá de analisar o caso concreto e não apenas se abster á lei. ―A boa fé objetiva é entendida como do domínio do Direito jurisprudencial: o seu conteúdo adviria não da lei, mas da sua aplicação pelo juiz‖. 48
Pode-se definir a boa fé como o agir sem a intenção de lesar o outro pólo da ação, agir com lealdade perante o que foi acordado entre as partes, trata-se de respeitar a palavra que foi dada. Princípio que visa proteger a confiança no que o outro diz.
―Firmado em institutos dispersos, o dever de actuar de boa fé apresentou, em conjunturas similares, regimes diferentes; Canaris intentou resolver o problema com uma doutrina do dever unitário de protecção, de base legal, assente na boa fé [...] tem aí, cabimento falar em deveres unitários de informação e lealdade, sediados na boa fé‖. 49
O princípio visa proteger a confiança sobre o que as partes informam como também desenvolver uma direção que possa tornar mais eficaz da tarefa do juiz.
45 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 41.
46 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 41- 42.
47 Ibidem, p. 42.
48 Ibidem, p. 43.
49 Ibidem, p. 1291.
―Os deveres de informação e lealdade visam dar corpo á materialidade das situações em jogo, proteger a confiança e introduzir, nas situações singulares, vectores gerais do sistema; o juiz fica habilitado a controlar os conteúdos contratuais, a essa luz, seja quando haja condições negociais gerais, seja nos casos restantes‖.50
Uma das hipóteses para averiguar se há o uso da boa fé ou se há o uso da má fé se analisa o grau de conhecimento da pessoa sobre o assunto, ou seja, se a pessoa poderia saber ou não que um determinado ato poderia causar o resultado danoso.
Diz o código civil português em alguns de seus artigos:
―Art. 243º/2 - A boa fé consiste na ignorância da simulação, ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos;
Art. 291º/3 – É considerado de boa fé o terceiro adquirente que, no momento da aquisição, desconhecida, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável‖.51
A má fé seria o contrário dessa premissa, seria a consciência de que o ato praticado poderá causar um prejuízo à outra parte.
―[...] o Código assimila a boa ou má fé a estados simples de ignorância ou de conhecimento, por parte do sujeito; por duas, a boa fé é ligada ao desconhecimento sem culpa ou á ignorância desculpável; por uma, a má fé corresponde á consciência de certo prejuízo‖. 52
Essas primeiras definições são as mais corriqueiras usadas, porém a boa fé não pode ser tida como um simples ato moral, a boa fé é mais extensa do que um simples conceito de agir certo ou errado, pois dependerá não só dos sujeitos, mas também das definições tidas pela lei e pelo sistema em que ela se insere.
―Surgem tentativas de reconduzir a boa fé á Moral ou ao Direito natural, havendo que precisar as relações dessas ordens com o Direito. A boa fé não lhes pode ser reconduzida, sendo uma realidade jurídica. Para a dogmatização da boa fé recorre-se a conceitos indeterminados, cláusulas gerais, tipos e padrões jurídicos; tais noções devem ser precisadas. Articuladas com a boa fé, elas são úteis, requerendo não obstante, uma complementação material‖.53
50 Ibidem, p. 1291.
51 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 23.
52 Ibidem, p. 409.
53 Ibidem, p. 1298.
Em 1948 foi feita A Declaração dos Direitos Humanos, logo após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de evitar os horrores do Holocausto, declaração esta que estaria presente o princípio da dignidade da pessoa humana.
―A partir dessas cenas de violência e horrores contra o ser humano, em especial na Segunda Guerra Mundial, os Estados se reuniram para reafirmar sua crença nos direitos fundamentais do homem por meio de uma declaração universal, consolidando, então o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Dessa forma, mostrou-se indispensável reconhecer o valor da pessoa humana e garantir sua dignidade, protegendo-a de quaisquer atos atentatórios á sua condição de ser humano. Também, a dignidade revelou-se um direito inalienável e que fundamenta a liberdade, a igualdade e a solidariedade, devendo ser reconhecida e protegida pelas próprias pessoas, pelos Estados e pela comunidade internacional‖. 54
Os princípios da dignidade da pessoa humana norteiam os direitos básicos de primeira e segunda geração na Constituição Federal do Brasil, princípios que serão o fundamento constitucional para o princípio da boa fé, ensinado sabiamente por Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxx:
―O fundamento constitucional do princípio da boa-fé se encontra no próprio princípio da dignidade da pessoa humana (proclamado no inciso III do art. 1 da Constituição) e na construção de uma sociedade justa e solidária como objetivo constitucional (art. 3, I da Constituição Federal). A visão conjunta desses dois dispositivos constitucionais nos remete necessariamente a visão do ser humano como um indivíduo, mas um indivíduo inserto num núcleo maior, a comunidade, onde a dignidade de cada indivíduo e a comunidade como um organismo justo e solidário se constroem em todas as relações jurídicas com base em valores éticos‖.55
O princípio da boa fé antes de tudo é usado para que os direitos básicos adquiridos pela Constituição sejam respeitados e possam ser exercidos em sua plenitude.
Diante de uma relação contratual este princípio visa estabelecer uma relação de igualdade, ou estando essa relação desigual, que ela volte ao estado harmonioso de igualdade.
―O desenvolvimento, com base na boa fé, de um Direito jurisprudencial que, ainda quando á revelia das doutrinas comuns demonstrou, numa experiência temperada pelo corrigir de desvios, sempre possíveis, capacidades
54 TONIAL, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direitos humanos: a dignidade da pessoa humana como valor maior do sistema jurídico. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx/xxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000> Acesso em: 27 mar. 2014.
55 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Boa-fé objetiva: historicidade e contornos atuais no direito contratual. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx-xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx& artigo_id=8281>. Acesso em 20 out. 2013.
dogmáticas reais, permite atingir um dos níveis mais nobres e delicados da cultura jurídica actual: o da correção das leis injustas ou inconvenientes‖.56
A plenitude do princípio de boa fé vai além de conceitos definitivos e inflexíveis, mas foi necessário conhecer os conceitos que formariam a boa fé, como Aequitas e Équo, conceitos usados por Xxxxxxxx, jurista francês que ajudaria no processo do conceito de boa fé.
―A boa fé possessória deixa de ser um mero dado subjectivo: implica o comportamento correcto, com ausência de dolo. Nos contratos, por seu turno, a bona fides assume dois aspectos: positivamente, obriga a prestar á outra parte o que é équo; negativamente, adstringe á abstenção de dolo, de fraude e de coação física, moral. Assim é porque fides implica o respeito pelo dito e acordado, nas palavras de Xxxxxx; quando não, há má fé‖. 57
A extensão e magnitude que ela exerce no mundo jurídico ultrapassam os limites conceituais, por isso este conceito se tornou um princípio e não uma simples lei, pois um princípio consegue chegar além, pode alcançar caminhos que a lei muitas vezes não consegue reger, mesmo quando não explícita, a boa fé esta impregnada no ordenamento jurídico.
A idéia de boa fé como princípio foi tida por Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, juristas franceses que assim evoluíram a boa fé de conceito para princípio.
―Xxxxxxxx quebrou, pela primeira vez, descontando o antecedente em Cuiacius, a ideia de boa fé possessória como puro fato psicológico: deu-lhe uma dimensão normativa, explicando o seu conteúdo. Também a boa fé contratual- recuperando-se, pois, para esse âmbito, os velhos bonae fidei iudicia – é remodelada, sendo-lhe atribuído um conteúdo, muito bem definido, semelhante ao da boa fé, possessória. Deu assim, de boa fé, uma idéia unitária, como princípio geral do Direito”.58
Na relação contratual, ambas as partes visam o objetivo comum de realizar o negócio de forma satisfatória para seus próprios interesses. A boa fé permite que a individualidade de cada um não interfira na vontade do outro, pois o que vale aqui não será mais apenas a vontade da parte, mas de um todo comum, de que a expectativa do outro será correspondida também, a idéia de que o meu direito termina onde começa o direito do outro.
―A expressão boa fé não tem, no particular, o sentido em que é usada no Direito das Coisas. Agir de boa fé significa comportar-se como homem correto na execução da obrigação. Não é fácil caracterizar o comportamento.
56 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 47.
57 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 199.
58 Ibidem, p. 199.
Ao se prescrever que as partes de uma relação obrigacional oriundas de contrato, precisam proceder de boa fé, quer dizer que lhes cumpre observar comportamento decente, que corresponda a legítima expectativa do outro contratante‖.59
É por si só um princípio que não é capaz de ser definido através de simples conceitos, mas sim ser enriquecido por todos eles, visando sempre o bem estar que só é proporcionado pela igualdade.
―Estando tão presente em todo o Direito Privado e em razão da riqueza que sua construção histórica proporcionou através do tempo, arriscar-se em uma definição da boa-fé significa também arriscar a empobrecê-la, mutilá-la ou reduzir seu alcance dentro do ordenamento, enquanto ideia e valor jurídico‖.60
Compreender que é um princípio extenso e que por isso não aceita apenas uma definição concreta, permite que sua magnitude recaia sobre diversas áreas do Direito, pois sua interpretação pode ser feita nas entrelinhas da lei, agregando valor positivo ao ordenamento jurídico.
A função hermenêutica da boa fé está presente em todo aparato legal que visa não lesar as pessoas, é assim deve ser feita para que as lacunas que surgem durante o processo não sejam capazes de dissolver a relação jurídica, ou ter um resultado ainda pior, de lesar uma das partes.
É o que mestre Xxxxxx Xxxxx nos ensina que o próprio Código Civil garante:
―É a boa fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco dois artigos complementares, o de nº 113, segundo qual ―os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua celebração‖, e o art.422 que determina: ‗os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa fé.‘ Como se vê , a boa fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências‖.61
O contrato é feito com cláusulas que deveram representar os interesses dos contratantes para que o negócio seja realizado com o mínimo de contratempos possíveis, se
59 XXXXXXX, Xxxxx. Obrigações. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 108.
60 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Boa-fé objetiva: historicidade e contornos atuais no direito contratual. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx-xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx& artigo_id=8281>. Acesso em 22 out. 2013.
61 XXXXX, Xxxxxx. A boa fé no Código Civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxx fe.htm>. Acesso em: 29 mar. 2014.
um contrato é omisso em algum ponto que pode vir a prejudicar uma das partes o princípio da boa fé se estende para dirimir conflitos.
―Outro ponto importante a se salientar é fato de que o legislador se referiu expressamente a obrigatoriedade dos contratantes em guardar a boa-fé e a probidade na conclusão e na execução do contrato, mas acabou por deixar de fora as fases pré e pós-contratuais, o que, no entanto, não quer dizer que o princípio não deva ser aplicado nas fases pré e pós-contratuais, cabendo uma interpretação extensiva do dispositivo legal‖. 62
A plenitude que a boa fé pode atingir é exatamente neste ponto, pois uma vez que o contrato se torna desfavorável para algumas das partes, por omissão, e não necessariamente porque alguém agiu de má fé ao criar as cláusulas, a hermenêutica fará o papel norteador da relação, resguardando a igualdade de direitos das partes.
―Nessa função específica, boa-fé significa um critério hermenêutico objetivo de que o juiz deve se valer na busca da supressão das lacunas da relação contratual, de forma a preservar as justas expectativas das partes contratantes, sempre tendo como foco último as finalidades econômicas e sociais do contrato‖. 63
A boa fé se torna mais que um princípio nas relações obrigacionais, por ser um pilar do Direito torna-se a sustentação de um negócio contratual, sem ele a execução se torna inviável.
Xxxxxx Xxxxxx Rêgo:
―Xxxxx, dentre os alicerces ou linhas fundamentais do direito das obrigações, encontramos justamente o princípio da boa fé, e diga-se boa fé objetiva (aliado ao princípio da autonomia privada ou da autonomia da vontade), com o que se cristalina o entendimento de que a boa-fé objetiva é indissociável dos direitos das obrigações‖. 64
Como falado anteriormente pelos autores aqui estudados chega-se a conclusão de que a boa fé é uma positividade da conduta, pois é a clara expressão do homem de como serão executados os seus interesses, trata-se de uma declaração de vontade das partes.
62 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Op.cit.
63 XXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. Boa-fé objetiva: historicidade e contornos atuais no direito contratual. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx-xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx.xxx?x_xxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx& artigo_id=8281>. Acesso em 22 out. 2013.
64 RÊGO,Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx.Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 26.
Delimitando-se os direitos das partes chega-se a um acordo que só poderá ser cumprido se todos realizarem a própria parte, para que haja sucesso ambos devem ser responsáveis.
A natureza jurídica da boa fé será sempre de garantir que as pessoas não sejam lesadas, para isso é necessário que o ordenamento jurídico se comprometa a regulamentar da melhor forma leis que possam proteger o bem estar de cada um, a lei torna-se, portanto o canal que liga o Direito aos interesses e necessidades da sociedade.
2.2.1 Boa Fé subjetiva e objetiva
Como foi dito anteriormente, o princípio da boa fé deve ser inserido em um contexto, boa fé como princípio divide-se entre objetiva e subjetiva.
―Cumpre diferenciar boa fé OBJETIVA de boa fé SUBJETIVA. Aquela constitui um princípio norteador da conduta das partes, um padrão objetivo de comportamento e, concomitantemente, um critério normativo da sua valoração; ao que esta se reporta a um elemento intencional individual, exprimindo um estado ou situação de espírito que envolve o convencimento ou consciência de se ter um comportamento em conformidade com o direito‖.65
No princípio de boa fé objetiva temos o dever de cumprir com a lei, o respeito a um conjunto de deveres externo a sua personalidade e opinião pessoal.
No princípio de boa fé subjetiva temos o agir corretamente de acordo com nossos valores morais, de acordo com a ética e o agir corretamente por uma prévia consciência do certo e errado.
A diferença será que, uma análise será feita pelo prisma individual e psicológico do indivíduo, e a outra será com base em regras e princípios da lei, roteiros de como se deve agir em sociedade.
65 XXXX, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 23.
2.2.1.1 Boa Fé subjetiva
Uma vez que no sentido filosófico, há várias discussões da essencialidade do Direito para o mundo, a boa fé subjetiva torna-se manual de como viver corretamente em sociedade por princípios de caráter moral e ético.
Para a boa fé subjetiva o fundamental é de que se haja corretamente, existe aqui a consciência do indivíduo sobre o assunto, age-se por um código moral ético pessoal do que é justo e do que é injusto e por isso deve ser seguido independente da existência da lei ou não.
―Xxxxx vem definir a boa fé subjectiva como a não consciência do injusto‖. 66
Menezes Xxxxxxxx nos ensina que se trata de um erro escusável pela própria ignorância da pessoa sobre a situação e diz ainda que o Código de Seabra a encarava como um fator psicológico: ―Na primeira hipótese, a boa fé constatar-se-ia sempre que houvesse uma ignorância pura e simples de certos vícios; na segunda, exigir-se-ia que tal desconhecimento fosse desculpável. A letra do Código de Seabra inculcava uma boa fé psicológica‖. 67
A boa fé subjetiva esta ligada á honra, de se agir com justiça, esta ligada ao cumprimento da palavra dada, ao acordo entre cavalheiros, á questões específicas dos valores que cada um possui, a análise será, portanto, sobre a vontade íntima da pessoa e não somente pelo estabelecido pela lei.
O acordo de cavalheiros dos alemães na idade média, com suas expressões Treu e Glaube, é o que melhor esclarece a boa fé subjetiva, pois por mais que um acordo seja assinado e se não cumprido possa gerar prejuízo, o que esta em jogo é a reputação da pessoa, o lado mais íntimo de um indivíduo, a sua dignidade.
―Na linguagem atual Treu – ou Treue – poder-se- ia traduzir por lealdade e Glauben – ou Glaube - por crença. Ambas as expressões reportam-se a qualidades ou estados humanos objectivados; o Glaube acentua mais marcadamente o mero estado- a crença, o convencimento- enquanto a Treue vinca antes uma qualidade‖. 68
Embora o autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx nos ensine que a boa fé germânica foi objetiva e irracional, não se importando com estados de ciência ou tentativa de sensibilizar
66 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 411.
67 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 418.
68 Ibidem, p. 167.
juízes e a sociedade, é inegável que os termos usados influenciaram o conceito de boa fé subjetiva.
―Os traços fundamentais da sua influência são a objectividade e o irracionalismo. Objectividade: a boa fé germânica não se preocupava com estados de ciência ou com intuitos, antes acentuando o ritual, o padrão social, a exterioridade. [...] Irracionalismo: não se vislumbra, no emprego medieval da boa fé germânica, nem a sua integração numa ciência do discurso deliberadamente criada e desenvolvida para sensibilizar ou convencer contraditores, juízes ou assembléias, nem a sua utilização científica como expressão técnico- jurídica‖. 69
Termos como confiança, lealdade e honra só serão importantes para aqueles que possuem tais características, não se pode negar que tais expressões definem a boa fé subjetiva, e embora o objectivismo e irracionalismo sejam puramente objetivos acabou por influenciar o conceito da boa fé subjetiva, como ensina Menezes Cordeiro, ao citar que para Pires de Lima importava antes de tudo a honradez ao comportamento.
―Na mesma linha, também Xxxxx xx Xxxx defendeu um sentido ético da boa fé; fê-lo, porém, com um sentido que não pode directamente, ser reconduzido á excusabilidade do erro, devendo antes sê-lo á honradez no comportamento‖. 70
A influência canônica para a boa fé subjetiva foi também relevante, alguns dizem que talvez tenha sido a maior influência que a boa fé subjetiva sofreu, pois institui em muitos o medo (a ausência de pecado), o medo de agir de má fé e por isso ir para o inferno.
―Como se viu, a boa fé era, na posse do Direito romano, simplesmente, um estado determinado de ignorância, por parte do possuidor. Apenas com o Direito canônico ganhou esse factor psicológico, uma dimensão ética. O que, dadas as circunstâncias, ocorreu pela via absentia peccati‖. 71
Não se pode negar que a influência canônica tenha interferido no modo de agir privado das pessoas, mudando o instinto natural do homem através do medo, e não necessariamente por ter mudado a personalidade e caráter de cada um, a lei imposta seja pela Igreja seja pelo Estado pode mudar o agir externo das pessoas e não necessariamente a essência da pessoa, mas seja como for, ela influenciou e a sua retórica de convencimento das pessoas era notável.
―É de amplo conhecimento que a religião cristã é uma religião de retórica, cuja palavra é excelência na arte de comunicar e converter. Seus discípulos e
69 Ibidem, p. 176.
70 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 419.
71 Ibidem, p. 155.
continuadores até os dias atuais foram sempre mestres no uso da linguagem. Assim, a concomitância verificada no emprego retórico da bona fides e do reconhecimento oficial do Cristianismo é inegável.‖ 72
Quando se trata de contribuição é bem claro que tanto a boa fé germânica medieval e boa fé canônica foram essenciais para o conceito tido contemporaneamente, e embora ambas tenham influenciado a sociedade a viver de uma forma moralmente aceita, seja pelas leis, seja pelo acordo de cavalheiros, parece mais plausível para a boa fé subjetiva que as pessoas ajam influenciadas por tais ditames, mas sem ser influenciado pelo medo, seja o medo de ir para o inferno seja de ter sua honra ‗ manchada‘.
Embora seja arriscado contar com apenas o caráter pessoal de cada um para agir em sociedade, parece mais honesto que as pessoas assim o façam, porque verdadeiramente acreditam que agir dessa forma será mais benéfico para si e para os outros, ser, portanto um princípio geral de atitude.
―Por valioso, pode ser ressaltado o entendimento de que a boa fé subjetiva encerra em si um princípio geral, traduzido por uma proteção concedida a todo aquele que, tendo acatado os deveres de cuidado exigíveis para o não prejudicar terceiros, veria sedimentar as posições que, contra eles, obtivesse‖. 73
Não seria possível também chegar á boa fé objetiva sem antes ter passado pela boa fé subjetiva, pois por razões óbvias de evolução da sociedade o Direito procurou da melhor forma nortear as ações das pessoas.
―Destarte, o simples dever de abstenção de prejudicar, característico da boa fé subjetiva, se transforma na boa fé objetiva em dever de cooperar, o agente deve fazer o que estiver ao seu alcance para colaborar para que a outra parte obtenha o resultado previsto no contrato, ainda que as partes assim não tenham convencionado, desde que evidentemente, para isso não tenha que sacrificar interesses legítimos próprios‖. 74
Ensina ainda o autor português Xxxxxxx Xxxxxxxx que a boa fé subjetiva possui dois aspectos, um ético e outro psicológico, o primeiro seria um estado de ignorância, e o segundo um erro escusável, que não seria possível a pessoa saber que o negócio contém um vício.
72 XXXX, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 16.
73 XXXX, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 24.
74 Ibidem, p. 27.
Mais uma vez é possível fazer alusão ao princípio da confiança, que partindo do pressuposto que as partes contratantes agem de boa fé, seja em estado de ignorância, seja em um erro completamente escusável, farão o possível para cumprir com a sua parte do contrato.
―Como segunda questão, o art. 476º CS levantou o problema de saber se a boa fé, nele definida, tinha natureza psicológica ou ética. Na primeira hipótese, a boa fé constatar-se-ia sempre que houvesse uma ignorância pura e simples de certos vícios; na segunda, exigir-se-ia que tal desconhecimento fosse desculpável‖. 75
Talvez a boa fé subjetiva seja o principal motivo de despertar o interesse pelo estudo no Direito, pois como instrumento de busca pela justiça que é não visa outro objetivo se não a igualdade entre os homens.
2.2.1.2 Boa Fé objetiva
Com a posterior evolução deste princípio o Direito pelo viés positivo não poderia atuar de forma tão extensa em tantos campos, baseado apenas na esfera individual e psicológica de cada um, se não fossem regulamentadas, as relações contratuais estariam fadadas á um universo de suposições e situações ambíguas, contando apenas com a boa fé subjetiva.
―[...] a boa fé surge em sentido subjectivo, traduzindo a situação de ignorância em que se encontrem as pessoas, perante certos factores jurídicos que lhes sejam desfavoráveis. Mas surge, também, em acepção objectiva pura, para exprimir um modo de exercício das posições jurídicas, uma fórmula de interpretação objectiva dos contratos ou, até, uma fonte de deveres, independentemente do fenômeno contratual‖. 76
Nas relações contratuais o Direito é positivo, pois será feita uma regulamentação do agir com o outro, é previamente estabelecida a conduta para ambas as partes, há normas e leis que definem a conduta dos contratantes.
O uso da boa fé objetiva nos contratos é, portanto uma positividade da conduta, pois as condutas determinadas e executadas de um contrato serão com base no que é ditado pela lei, a lei atua para garantir a boa fé.
75 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 418.
76 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 317.
O mais importante do uso deste princípio para a realização de contratos é que se chegue ao cumprimento da obrigação de forma satisfatória para as duas partes, ou seja, que as obrigações previamente estabelecidas sejam realizadas por ambas sem que nenhuma seja lesada.
―Nos contratos, a boa fé assume dois aspectos, um positivo, por obrigar a prestar á outra parte o que é équo e, negativamente, adstrito á abstenção de dolo, de fraude e de coação. Tanto que fides implica aqui o respeito pelo dito e acordado.‖ 77
Mais importante do que esperar que o outro aja corretamente é impor que ele haja dessa forma. Isso se dará através da boa fé objetiva, pois o contrato quando elaborado deverá conter todas as cláusulas impregnadas com este princípio.
Visa-se a satisfação do negócio jurídico, através de uma conduta positiva, agir para que a obrigação se concretize e não somente de não prejudicar, importa que os envolvidos façam tudo o que for possível para que o negócio seja satisfatório para ambos, ser simplesmente omisso em não atrapalhar não é o suficiente para este tipo de obrigação, é necessário ser presente e atuante.
A ação positiva no negócio será imposta, tirando o aspecto subjetivo do indivíduo.
Xxxxxx Xxxxxx Rêgo:
―A boa fé objetiva, não cria apenas deveres negativos como o faz a boa fé subjetiva, mas cria também deveres positivos, uma vez que exige que as partes façam tudo para que o contrato seja cumprido conforme previsto e para que ambas obtenham o proveito objetivado‖. 78
O principal a ser analisado aqui é o contrato, suas cláusulas e a execução das mesmas, tira-se o foco da ação íntima do indivíduo, aqui não importa questões de caráter moral pessoal, mas sim se a parte é capaz de cumprir com sua palavra dada, se é capaz de cumprir com o contrato como ele foi combinado.
―Sendo, portanto, objetiva, não se configura por um estado de consciência do agente de estar se comportando segundo de acordo com o Direito, como ocorre com a boa fé subjetiva. Logo, não diz respeito ao estado mental
77 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 31.
78 XXXX, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 27.
subjetivo do agente, mas sim, ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação‖. 79
Talvez o trivial da boa fé objetiva seja sua capacidade de abordar as lacunas que a lei nem sempre consegue preencher, pois embora ela não seja explícita em algumas situações, mas como princípio maior que rege o Código Civil torna-se possível ser aplicado por extensão ou até mesmo de maneira implícita quando a lei for omissa.
Xxx Xxxx Xxxxx, citado por Xxxxxx Xxxx:
―A boa fé, segundo o escólio de Xxxx Xxxxx, apesar de ter sido acolhida em norma infraconstitucional, enquanto característica das relações obrigacionais incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade e configura cláusula geral de observância obrigatória, com conceito jurídico indeterminado, carente de concretização segundo as peculiaridades de cada caso‖. 80
Como ensina Moraes Rêgo:
―Por conseguinte, a concepção de boa fé objetiva traduz o pensamento de que o comportamento das pessoas deve respeitar um conjunto de deveres reconduzidos, num prisma juspositivo e numa ótica histórico- cultural, a uma regra de atuação de boa fé, que não se reportando a estados atinentes ao sujeito, surge, fora dele [...]‖.81
Portanto a boa fé objetiva é a própria execução na letra da lei na busca pelo o que é équo, este princípio se desenvolve através da execução correta da lei, trata-se de um mecanismo do Direito de que a lei irá atuar sempre com o propósito de promover a justiça.
Tão importante quanto preservar o princípio da boa fé, é também preservar o princípio da confiança, visto que ao se ter um contrato ele está implícito em toda a sua fase, pois é através dele que as partes conseguem negociar uma obrigação, pois ambos confiam que vão ser capazes de cumprir com o prometido, o princípio da confiança torna possível um indivíduo estranho contratar com outro indivíduo igualmente estranho, pois este princípio carrega em si e no seu centro o princípio da boa fé, ele opera através da boa fé.
79 Ibidem, p. 26,27.
80 Ibidem, p. 26.
81 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 24.
―A proteção da confiança opera mercê de preceitos específicos ou, em termos gerais, através da boa fé, reunidos certos requisitos; o seu regime tende a preservação da posição do confiante‖. 82
O princípio da confiança é por natureza mais presente nas relações extracontratuais, porém não é excluído das relações contratuais, pois embora a lei fundamente e busque por todos os meios garantir que não haja dano, haverá uma fase inicial primordial para que o contrato exista: confiança para aceitar um contrato.
―A confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas‖.83
Por este princípio simples entende-se que todos agem dentro da normalidade do homem médio e assim é esperado que os outros também o façam, há a crença no comportamento do outro, motivo pelo o qual as expectativas podem ser frustradas, o que levou ao descrédito dessa teoria, como ensina Menezes Cordeiro: ―O alargamento, com base em situações fácticas surtidas, da proteção da aparência, terá provocado, segundo H. Xxxxx, o descrédito dessa teoria‖. 84
A confiança é um princípio baseado na conduta do indivíduo de bom senso comum, espera-se que ele e seu semelhante ajam com a inteligência do homem médio, que ajam de forma coerente e segura, agindo com a auto- proteção comum que todos possuímos.
―Na medida em que o conjunto de ações a levar a cabo pelo potencial lesado depende do comportamento do potencial lesante e sendo certo que uma maior autoproteção atenua os deveres de conduta exigíveis a este último, reveste uma certa importância como elemento atendível na delimitação- negação da culpa do lesado a invocação do chamado princípio da confiança, na atuação regular do outro ou dos outros participantes na vida de relação‖.85
O princípio da confiança é importante para regulamentar as relações contratuais, pois em muitos casos existem lacunas que a lei não consegue preencher e que o rol explicativo, exaustivo e explícito do princípio da boa fé não permite alcançar, portanto, o uso deste
82 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 1299.
83 Ibidem, p. 1234.
84 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 1235.
85 PROENÇA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 567 - 568.
princípio é implícito, e necessário, pois será elo de conexão com a boa fé objetiva (regras estabelecidas pela lei) e a boa fé subjetiva (que na falta da lei deve estar presente para assegurar a segurança do contrato). ―A confiança constitui, por excelência, uma ponte entre as boas fés objectiva e subjectiva, devendo assentar em ambas‖. 86
Evitar o uso deste princípio da confiança significa desrespeitar o princípio da boa fé, pois este último também visa garantir o primeiro, possuem um sentido ético. ―Nos factos jurídicos, a boa fé ora visa proteger a confiança, ora tutela certas situações materiais subjacentes; tem um sentido ético‖.87
A lei obriga que uma pessoa se comprometa ao documento assinado, que por sua vez já gera responsabilidade antes mesmo da execução do contrato, mas seria impossível se somente a lei regesse as relações humanas, por isso o princípio da boa fé deve ser assegurado pelo próprio princípio da confiança, este segundo deriva do primeiro princípio.
―Xxxxxxx aproxima a confiança da lealdade contratual, explicando que ela se realiza nesta, reconduzindo-se ao postulado da verdade; a própria relação obrigacional afirmar-se-ia, por esta via, como relação de confiança, sendo o todo colorido pela regra universal da boa fé. Esta realidade conectar-se-ia, dede logo, com os deveres pré-contratuais, devendo ser respeitadas as situações de confiança criadas nessa fase. A relação de confiança, assim derivada da boa fé, fortalecer-se-ia em certos condicionalismos, ditados pela intensidade e pela duração do relacionar entre as partes‖.88
Tornar-se-ia impossível assinar qualquer contrato baseado apenas em leis, pois o mundo contratual a todo e qualquer momento pode ser descumprido, para que exista a possibilidade de se contratar deve se ter confiança que o outro irá cumprir com o que prometeu, se não fosse assim as pessoas não contratariam mais, pois ninguém estaria á altura de realizar suas expectativas, portanto é primordial que exista uma relação pessoal de confiança entre os contratantes, é primordial que se confie que o outro irá agir de boa fé.
―O estudo do uso comum da locução boa fé permite afirmar as suas conexões com a idéia da confiança, sendo ainda certo que esta depende, em primeira linha, do relacionar pessoal entre as partes, no que se apresentaria como elemento de confiança subjectivo nas cláusulas gerais. Xxxxxxx defende, por isso a fórmula de que o princípio de comportamento segundo a
86 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Op.cit., p. 1238.
87 Ibidem, p. 1289.
88 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx x Xxxxxxx. Da xxx xx xx xxxxxxx xxxxx. 0. xx. Xxxxxxx: Livraria Almedina, 1983, p. 1240.
boa fé quer dizer que se deve actuar como, no tráfego, se é de esperar uns dos outros‖.89
O autor Xxxxxxx Xxxxxxxx crítica muito tal princípio, pois é demasiadamente subjetivo, e genérico, mas também reconhece sua importância ao afirmar que tal princípio quando ferido pode ferir também o princípio da boa fé.
―A consagração dos dispositivos gerais, implícitos no dever de actuar de boa fé e no exercício inadmissível de posições jurídicas, capazes de, nalgumas das suas facetas mais significativas, proteger a confiança, demonstram, nesta, um vector genérico. Mas dão, também, o tom da generalização possível: a confiança, fora das normas particulares a tanto dirigidas, é protegida quando, da sua preterição, resulte atentado ao dever de actuar de boa fé ou se concretize um abuso do direito‖.90
―O que se impõe, em verdade, no Direito é captar a realidade factual por inteiro, o que deve corresponder ao complexo normativo em vigor, tanto o estabelecido pelo legislador como o emergente do encontro das vontades dos contratantes.
É que esta em jogo o princípio de confiança nos elaboradores das leis e das avenças, e de confiança no firme propósito de seus destinatários no sentindo de adimplir, sem tergiversações e delongas, aquilo que foi promulgado e pactuado‖.91
O princípio da boa fé desencadeia o princípio da confiança, é somente através da ação conjunta de ambos que podemos delegar direitos ao legislador, pois até mesmo para que a lei criada seja capaz de defender os interesses coletivos deve-se ter confiança de quem as faz usará sempre o bom senso que o princípio da boa fé impregna.
Os contratos surgiram como um meio de busca á realização das expectativas prometidas em um negócio, dando segurança para aqueles que tinham que confiar na simples palavra do outro, a insegurança, portanto é afastada e dá maior credibilidade aos que prometem algo, pois os contratos serão realizados segundo o princípio da boa fé, a boa fé contratual viabiliza a concretização das obrigações e viabiliza que o princípio da confiança seja devidamente respeitado.
89 Ibidem, p. 1240.
90 Ibidem, p. 1248.
91 XXXXX, Xxxxxx. A boa fé no código civil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx.xxx>. Acesso em: 29 mar. 2014.
―Ao se prescrever que as partes de uma relação obrigacional oriundas de contrato, precisam proceder de boa fé, quer dizer que lhes cumpre observar comportamento decente, que corresponda a legítima expectativa do outro contratante‖.92
A boa fé objetiva ser torna primordial neste ponto, pois através dela é possível garantir que o contrato será feito com o mínimo exigido pela lei, pois nem sempre a boa fé subjetiva consegue responsabilizar o agente, visto que se baseia na culpa e que, portanto é mais difícil de ser comprovado.
―A responsabilidade subjetiva não satisfaz plenamente ao anseio de justiça nas relações sociais. Há atividades no mundo dos negócios que implicam riscos para a incolumidade física e patrimonial das pessoas. Com base na culpa, tais danos ficariam sem qualquer reparação; daí o pensamento jurídico haver concebido a teoria do risco ou responsabilidade objetiva, para a salvaguarda das vítimas‖.93
A finalidade da boa fé objetiva é dar segurança de que as obrigações serão cumpridas segundo o princípio da boa fé e da confiança.
Sem este princípio não seria possível que os contratos atingissem sua plena finalidade, pois a ambiguidade presente tornaria impossível que a boa fé desempenhe seu papel de proteger os contratantes.
A garantia de que o contrato será bem executado se realiza através das cláusulas contratuais gerais e específicas, a boa fé objetiva procura garantir que o contrato irá corresponder ao prometido, e que estará garantida em todas as suas fases, antes, durante e depois.
―A boa fé tem papéis profundos e relevantes a desempenhar, como por exemplo, no caso da interrupção injustificada das negociações, nos contratos nulos ou no próprio contrato válido, em face dos modos de o entender e aplicar, nas situações de terceiros e ainda, post pactum finitum. É, pois, perfeitamente compreensível, ante as situações de ocorrência potencialmente perigosa, que a boa fé comine deveres de informação, que a evitem, em termos preventivos e deveres de lealdade que, uma vez formada, a preservem‖. 94
92 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 27.
93 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. 7, p.
32.
94 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 48.
O contrato torna-se oneroso para uma das partes quando alguma das mesmas descumpre com a sua parte, para que isso seja evitado se atribui responsabilidade em todas as fases do contrato, e consequentemente se garante a boa fé.
―Para efeito da responsabilidade civil, o dano pode ocorrer em qualquer fase do contrato: no período da pontuação, quando os interessados discutem as cláusulas; na celebração do contrato e na fase de execução da obrigação. Em todas estas fases as partes devem conduzir-se de acordo com o princípio da boa fé objetiva. Se uma delas falta a este dever, e em consequência, causa danos á outra, responderá por perdas e danos‖. 95
O contrato é promessa de uma obrigação que se realizará, já existindo uma responsabilidade pré-contratual antes mesmo da execução do contrato, e pode ser atribuída a culpa presumida, pois já existe uma obrigação que foi descumprida, a chamada culpa in contrahendo.
―Xxxxxx, também, mencionar que, algumas vezes, o dever de indenizar surge das negociações preliminares, isto é, explica-se pela teoria da culpa in contrahendo – é a chamada responsabilidade pré- contratual. Este tipo de responsabilidade ocorre no caso de um dos interessados induzir o outro a crença de que o contrato será celebrado, levando-a despesas ou a não contratar com terceiros e, depois, sem qualquer motivo, põe termo ás negociações, causando-lhe dano‖.96
A importância de se proteger a fase pré- contratual é devido à expectativa criada pelas partes quando feito um negócio, expectativa essa que muitas vezes gera gastos anteriores a realização da obrigação, se não for amplamente protegida, tem-se novamente o desrespeito ao princípio da confiança, pois existe a crença de que o outro cumprirá com a sua responsabilidade, a promessa já foi feita, portanto já existe a expectativa.
―O nosso direito ao adotar o princípio da culpa como fundamento da responsabilidade civil não tolera tais deslizes e, por isso, não pode deixar de obrigar o ressarcimento de prejuízos dessa natureza. O que ele manda reparar não é propriamente a consumação da perspectiva que falhou, mas o prejuízo a que a outra parte foi levada pelo aceno irrefletido, imprudente ou malicioso do faltoso‖. 97
Medidas preventivas da lei, como essa, são unicamente para viabilizar que a boa fé atue para que a expectativa possa corresponder á realidade.
95 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. 7, p.
390.
96 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Culpa e risco: fundamentos ou critérios de responsabilização? Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxx.xxxxxx.xx/xxx_xxxxxxx/00_xxxx.xxx>. Acesso em: 07 Nov. 2013.
97 Ibidem.
Quando se fala em medidas preventivas não se pode deixar de falar de Ação Inibitória
dos contratos, pois se trata de um instrumento que inibe cláusulas injustas e abusivas.
A Ação Inibitória torna-se um instrumento da boa fé, pois será através dela que a boa fé irá agir ao coibir o uso de cláusulas que visem lograr qualquer das partes, como ensina o autor Xxxxxx Xxxx sua função principal é de garantir a justiça contratual.
―Uma primeira função que se pode reconhecer á ação inibitória é a de justamente garantir a justiça do contrato, evitando-se surpresas e onerosidades excessivas á parte mais fraca da relação contratual, com o que então geraria um descompasso com o equilíbrio que deve nortear as negociações na atualidade, sobretudo diante da nova feitura que assumem os contratos na modernidade, observador do princípio do equilíbrio entre as prestações e contraprestações e da relatividade do princípio do pacto sunt servanda , a admitir a intervenção estatal na regulação dos contratos, inclusive, para atribuir-lhe uma função social‖. 98
O legislador a usa também como defesa ao princípio da confiança, como xxxxxx Xxxxxx Xxxx, através das normas dos arts. 5º e 6º do Dec.- Lei nº 446/85 com as alterações do Dec.- Lei nº 249/99.
―Inserido nesta perspectiva é função de justeza das negociações, foi que o legislador elaborou as normas contidas nos arts. 5º e 6º do Dec. – Lei nº 4446/85, exigindo a comunicabilidade na íntegra das cláusulas contratuais gerais pelo contratante aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, e realizando de modo adequado e com a antecedência necessária‖.99
Dizem os seguintes artigos sobre Comunicação e Dever de Informação:
―Artigo 5º - Comunicação.
1 - As cláusulas contratuais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.
2- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com antecedência necessária pra que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. ‘‘100
―Artigo 6º - Dever de informação
98 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 92.
99 RÊGO, Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Da boa fé objetiva nas cláusulas gerais de direito do consumidor e outros estudos consumeristas. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 92.
100 CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 220/95, de 31 de Agosto (este rectificado pela Declaração de rectificação nº 114-B/95, de
31 de Agosto), 249/99, de 7 de Julho, e 323/2001, de 17 de Dezembro. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxx/xxxx/Xxxxxxxxxx/XX-000-00-xxxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em 10 Nov. 2013.
1- O contratante que recorra as cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2- Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados‖. 101
Não atribuir a culpa exclusiva da vítima, quando esta a merece, faz pouco caso da boa fé objetiva, pois não se pode falar em erro escusável ou estado de ignorância já que o contrato foi explicado anteriormente sobre todos seus efeitos, a boa fé contratual só poderá ser garantida quando os que a ignoram respondam por seus próprios atos, pois se tratando de boa fé objetiva o que vale é o que está assinado e protegido por lei.
101 Ibidem.
3 RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL
3.1 Responsabilização Civil e suas finalidades
A ideia de responsabilidade por definição é de responder por seus próprios atos, atos que não afetam apenas o indivíduo, mas que podem também ultrapassar o campo do individualismo e afetar terceiros, significa arcar com as consequências das próprias atitudes.
―O interesse em restabelecer o equilíbrio econômico- jurídico alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil‖. 102
Quando ocorre a interferência do campo privado de um indivíduo por um terceiro e este lhe causa um tipo de dano, seja moral ou econômico surge o dever de reparar, o dever de reparar será imposto àquele que deu causa ao prejuízo, quando isso ocorre existe a responsabilidade civil de ressarcir o prejudicado de alguma forma.
A responsabilidade civil possui o intuito de trazer a equidade entre as partes, e pode-se dizer que a partir do conceito da boa fé a responsabilidade civil atua visando sempre que este princípio seja respeitado e compreendido, sendo impossível se falar em responsabilidade civil sem se falar em boa fé, pois como já dito antes a boa fé possui como um de seus objetivos evitar que pessoas sejam lesadas, quando isso ocorre entra a responsabilidade civil. Atua, portanto como remédio e ferramenta quando a boa fé não é encontrada ou é ignorada.
―Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil‖. 103
Novamente existe o impasse da moral e do que a lei determina, assim como na boa fé, existe o descumprimento á normas de caráter moral e de caráter normativo, quando se refere á normas morais, de caráter psicológico e religioso pode se responsabilizar o indivíduo causador do dano para indenizar moralmente o ofendido. Quando se refere á normas estipuladas por lei, existe o descumprimento a um dever que acarretou um prejuízo patrimonial para o indivíduo atingido, existe então o dever de reparar o dano, restituído o bem em espécie ou o valor pecuniário.
102 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx, Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 55.
103 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro - responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, vol. IV, p. 1.
―Esta só se revela quando ocorre infração da norma jurídica que acarrete dano ao indivíduo ou á coletividade. Neste caso, o autor da lesão será obrigado a recompor o direito atingido, reparando em espécie ou em pecúnia o mal causado‖. 104
A responsabilidade contratual surge com intuito de proteger a boa fé contratual, sem uma prévia responsabilização as ações dos agentes estariam sujeitas ao bom senso e caráter de cada um, dito isto se faz necessário explicar a diferença entre obrigação e responsabilidade.
Explica o autor Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
―Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor( sujeito ativo) o direito de exigir do devedor(sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação.[...]
A obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade. Não se confundem, pois, obrigação e responsabilidade. Esta só surge se o devedor não cumpre espontaneamente a primeira. A responsabilidade é, pois, a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional‖.105
Portanto, a responsabilidade contratual civil, surge quando uma obrigação não é cumprida e só poderá reafirmar e garantir a proteção da boa fé, quando fizer cumprir a obrigação estabelecida, ou quando esta não for possível, indenizar o agente que foi prejudicado pelo inadimplemento da obrigação.
Não se deve confundi-las, mas a existência da segunda depende da primeira, a responsabilidade não é um dever originário, mas um dever sucessivo que nasce em decorrência de um dever originário não cumprido.
Diz Xxxxxx Xxxxxxxxx, citado por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
―Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. E, sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação (a imagem é de Xxxxxx), sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação ou dever originário‖. 106
O estudo sobre responsabilidade civil por si só já possibilitaria outro estudo mais aprofundando, mas não é possível fazer o estudo sobre uma excludente de responsabilidade
104 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro - responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, vol. IV, p. 2.
105 Ibidem, p. 2, 3.
106 Ibidem, p. 3.
(culpa exclusiva da vítima) sem antes entender o que sustenta e rege a responsabilidade civil, pois o objetivo desta e do direito, em termos gerais, é de restituir a justiça sempre que possível.
―Grande é a importância da responsabilidade civil, nos tempos atuais, por se dirigir á restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e á redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado, pois, como pondera Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, o problema da responsabilidade é o próprio problema do direito, visto que ‗ todo direito assenta na idéia de ação, seguida da reação, de restabelecimento de uma harmonia quebrada‖. 107
A finalidade da responsabilização civil nada mais é do que o caráter reparador/ compensador, preventivo e punitivo, para que o lesado não seja prejudicado tenta se compensar ou reparar o seu dano e para o que causou todo prejuízo punição por seus atos que geraram danos a outras pessoas e para que assim não faça novamente.
O autor Xxxxx Xxxxx nos ensina de forma precisa e breve a finalidade e da responsabilidade civil: Reparação, Prevenção e Punição.
Em se tratando de reparação o autor nos ensina: ―O valor a ser estipulado deve ser o suficiente para compensar a lesão‖.108
Importa aqui que a vítima seja reparada, que o prejuízo não fique sem uma compensação, quando possível pretende-se voltar ao status quo e se este não for possível que seja encontrado um valor capaz de compensar o dano sofrido.
―A responsabilidade civil visa, xxxxxxxxxxxxx, ao ressarcimento da lesão sofrida pelo ofendido; se possível, com o retorno ao statu quo ante, seguindo-se o princípio da restitutio integrum. A indenização pecuniária se justifica quando o tipo de dano causado não comporta aquela reparação, como se verifica nos danos de natureza moral ou quando a coisa é destruída‖.109
A ação Preventiva é sob muitos aspectos a mais importante dentro das funções da responsabilidade civil, o intuito de prevenir é mais eficaz, pois coloca em pauta o aspecto psicológico de que as pessoas têm algo a perder quando lesam outras pessoas, elas irão
107 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro - responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, vol. IV, p. 4.
108 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. 7, p.
14.
109 Ibidem, p. 14.
responder por seus atos, a função preventiva vai na ‗ raiz do problema‘, ela inibe atitudes futuras, pois uma vez punida uma atitude capaz de lesar outrem, será feito um pré- questionamento por parte do próprio indivíduo. Para àqueles que possuem algo a perder o efeito psicológico repercute de forma pesada em suas ações, pois nos ensina que para tudo que fazemos existem consequências.
―A previsão legal ou contratual da reparação reforça nas pessoas a consciência da importância de não lesar outrem. Não é o bastante, todavia, para desestimular a prática do ilícito civil ou inadimplemento da obrigação. È indispensável, ainda, um judiciário ágil e eficiente, sem o que a previsão legal ou contratual de reparação se torna inócua, não infundindo em seus destinatários qualquer temor quanto á obrigação de reparar eventuais danos a outrem‖. 110
―Inegavelmente, mais importante do que a reparação é o efeito preventivo da disposição legal. Ao impor a obrigação de reparar os danos, as sentenças judiciais desenvolvem uma atividade pedagógica, educativa, evitando, em muitos casos, a prática de atos ilícitos‖. 111
Se uma ação provoca um dano a quem quer que seja, esta deve responder, a responsabilidade civil existe para que as pessoas não se vejam desamparadas diante de atos injustificados que lhe retiram seus direitos, se assim não for interpretado todo o princípio da boa fé, da confiança e da própria existência da lei, enfraquecem, e assim abrem brechas para que possibilidades de dano deixem de serem somente possibilidades e se tornem atos reais e concretos.
É o que explica Xxxxx Xxxxx ao citar o autor alemão Xxxxxxxx:
―A indenização de danos serve para reparar uma vulneração dos direitos consumada; mas, pergunta-se: por que se tem de esperar até que o dano exista? Em seu lugar deve ser concedida uma ação judicial preventiva que freie o perturbador, antes de cometer o ilícito‖. 112
Finalmente o autor nos ensina que não se trata apenas de um meio reparador, mas de um instrumento que os operadores do Direito necessitam para agir da forma mais eficiente possível.
110 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, vol. 7, p.
14.
111 Ibidem, p. 15.
112 Ibidem, p. 15.
―O Direito Processual deve fornecer aos operadores jurídicos instrumentos ágeis e eficazes para se poder neutralizar a conduta danosa em face de outrem, impedindo, destarte, que a potência se transforme em ato‖.113
A punição para responsabilidade civil torna-se um complemento dos itens anteriores, por se tratar de um instrumento próprio da esfera criminal foi encontrado um meio de punir os causadores do prejuízo, mas sem que adentre na esfera penal, a solução foi através de valor pecuniário alto para punir o agente causador do dano.
O autor Xxxxx Xxxxx explica que se trata de uma prática de caráter punitivo, pois não será pago apenas para compensar ou restituir o bem perdido, mas sim como multa, uma multa alta e elevada capaz de punir o agente e reprimi-lo a não cometer o mesmo ato futuramente.
O autor faz uma importante comparação com o sistema punitivo americano os chamados punitive damages ou exemplary damages, onde se pagam altas multas com o único intuito de restituir a vítima, mas também punindo o agente com essa parcela ‗a mais‘.
―Reportando-se ao Direito Romano, onde as actiones poenalis permitiam a condenação do culpado pela prática de ato ilícito ao pagamento de valor correspondente até o quádruplo do valor dos danos, alguns autores sustentam a tese de que não basta a reparação pela restitutio in integrum ou pela indenização equivalente á medida da ofensa. Preconizam a adoção de prática semelhante á norte- americana dos punitive damages,também chamados exemplary damages ou smart money , que são a parcela adicional de condenação[...]‖.114
O autor faz em seguida uma crítica de que tal medida poderia resultar em enriquecimento ilícito já que a responsabilidade civil serve para reparar na exata medida do dano, mas em seguida nos ensina que no ordenamento brasileiro tal prática não é permitida, mas que busca por outros meios como multas diárias após o descumprimento de uma obrigação, para que o agente seja punido por não cumprir com seu dever de reparar.
―Embora o sistema jurídico pátrio rejeite o enriquecimento sem causa, não comportando portanto, pois, os punitive damages,em contrapartida, na esfera processual civil admite as astreintes – penalidade estipulada pelo juízo para a hipótese de descumprimento de obrigação, geralmente de fazer ou não fazer, cujo valor é progressivo, pois fixado em dias-multa ou periodicidade diversa.Como o descumprimento prolongado da obrigação pode elevar a
113 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 15-16.
114 Ibidem, p. 15- 16- 17.
pena pecuniária a valores exorbitantes, as astreintes possuem efeito preventivo contra a inadimplência‖. 115
A responsabilidade civil possui também o caráter de reparar o lesado na exata medida do dano, pois nos primórdios da humanidade, antes mesmo do Direito Romano, o entendimento sobre ressarcimento era precário e desproporcional, visto que a culpa não era analisada de forma mais profunda e a vingança era a solução para o dano, e esta, muitas vezes, ia além do valor do prejuízo sofrido.
―Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Xxxxxxxx, então, a vingança privada [...]. Se a reação não pudesse acontecer desde logo, sobrevinha a vindita imediata, posteriormente regulamentada, e que resultou na pena de talião ‗olho por olho, dente por dente‘‖. 116
O caráter punitivo da responsabilidade civil deixou de ser físico para ser pedagógico, pois com a vingança o caráter punitivo passava da esfera pessoal ou econômica sem maiores proporções ultrapassando e muito o direito de ressarcimento, e com a posterior evolução de ressarcimento pecuniário ou em espécie passou a ser pedagógico, pois o indivíduo toma consciência de que tem coisas a perder se não cumprir com seu dever, e se não o fizer será punido.
Trata-se de um método bastante eficaz para amparar a situação desoladora da vítima, punir o culpado e automaticamente com a punição, prevenir que o mesmo cometa atos de infração novamente e servindo de exemplo para que outros não fiquem tentados a infringir a lei.
―A função intimidativa ou de prevenção se nos afigura decorrência da função reparatória. Condena-se o autor de danos, em um primeiro plano, a fim de se atender a vítima, proporcionando-lhe justiça; em um segundo plano, condena-se para se evitar a reincidência ou para que as pessoas não violem os direitos subjetivos de outrem‖. 117
Xxxxx Xxxxx expõe a extrema relevância de entender que a responsabilidade civil é o pilar para se formar uma sociedade igualmente justa, ao citar Xxxxxxxx Xxxxxxx: ―Para
115 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 15-17.
116 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito civil brasileiro - responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, vol. IV, p. 6-7.
117 XXXXX, Xxxxx. op. cit., p. 17.
Xxxxxxxx Xxxxxxx, o ordenamento jurídico que se mostra complacente com o desenrolar de um ato lesivo não é socialmente e eticamente evoluído‖. 118
Não atribuir um juízo de valor adequado á situações extremas que causam danos ás pessoas e á sociedade de forma generalizada, causa instabilidade, até mesmo constitucional, pois um país que não é capaz de contar com leis que o defendam não será capaz de reger uma nação que é dependente dele.
3.2 Culpa e Risco: fatos geradores da responsabilidade civil
Para entender a responsabilidade civil é necessário primeiro entender os elementos que desencadeiam a própria responsabilidade.
O que causa uma posterior responsabilização é o descumprimento de uma obrigação prévia, um dever originário que não foi cumprido por algum motivo e que por isso foi necessário posteriormente que o responsável respondesse por essa falta.
Os elementos responsáveis pelo descumprimento da obrigação são originários dos conceitos de culpa e risco, onde se deixa de cumprir com uma responsabilidade, pois teve a intenção de prejudicar outrem, foi desatento e imprudente ou era capaz de causar o dano pela natureza da atividade desenvolvida que em si já envolvia um perigo.
Pela teoria da culpa tem-se uma atitude feita de forma irresponsável, podendo ser sem a intenção de prejudicar ou com a intenção de prejudicar uma pessoa, diz-se que a pessoa agiu dolosamente com a intenção de se causar um dano, trata-se de um elemento subjetivo, pois se leva em conta a intenção da pessoa ao praticar o ato, como explica Xxxx xx Xxxxxx Xxxx:
―A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na ilicitude, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia,
118 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 15.
imprudentia,xxxxxxx) em relação ao direito xxxxxx, que vem a ser a culpa no sentido estrito e rigorosamente técnico‖.119
Xxxxx Xxxxx ensina também, que se age de forma dolosa ou culposa, onde a pessoa tem a intenção premeditada de prejudicar alguém, ou segundo age-se sem a intenção de causar dano a alguém, mas por descuido ou por ignorar a ciência dos perigos da sua conduta acaba causando dano a outra pessoa e ainda por descuidos de negligência, imprudência ou imperícia.
―Para efeito de responsabilidade civil, a pessoa se sujeita á obrigação de reparar os danos, tenha atuado dolosa ou culposamente. Ipso facto, a Lei Civil não distingue, nesta aérea, o dolo direto do eventual. No primeiro, o agente sabe das consequências que advirão de sua conduta e dela não desiste, vindo a causar prejuízos a alguém; pelo segundo, não age intencionalmente, mas tem ciência dos riscos da conduta e ainda assim pratica o ato ou omissão, provocando danos a outrem‖.120
A culpa é ofensa á um direito xxxxxx, mas nem toda culpa gera direito á uma indenização, a culpa tem de ser capaz de desencadear um ato ilícito, é necessário que a conduta do agente causador seja ilícita e cause um dano á vítima.
A culpa é uma conduta reprovável, como dito anteriormente ela se tornará potencialmente lesiva quando um agente agir com imprudência, imperícia ou negligência.
Explica o autor Xxxxx Xxxxx sobre estes três aspectos capazes de desencadear o dano:
―A culpa stricto sensu, também denominada quase delitual, se manifesta por negligência, imprudência ou imperícia. Por negligência, quando a atitude é de menoscabo, de incúria, de omissão. O agente deve, por exemplo, pôr óleo na máquina antes de colocá-la em funcionamento e se esquece da providência, provocando prejuízo a outrem. Na imprudência, não observa a cautela necessária, criando riscos, como na hipótese em que, por excesso de velocidade, provoca o capotamento do carro e danos corporais em seu acompanhante. Caracteriza-se a imperícia quando o dano decorre da inobservância de normas técnicas, como no caso em que o motorista provoca abalroamento por golpe errado de direção‖.121
A conduta para a responsabilidade civil subjetiva pode ser tanto culposa quando dolosa, tem a intenção direta de prejudicar uma pessoa, ou prejudica uma pessoa por falta de um comportamento adequado.
119 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx, Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 133-134.
120 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 98.
121 Ibidem, p. 98.
―Na responsabilidade subjetiva, a culpa lato sensu é um dos elementos essenciais á formação ato ilícito. [...]
O dever de reparação pressupõe a culpa lato sensu, podendo esta se caracterizar por uma conduta dolosa ou culposa‖. 122
A culpa é um elemento da responsabilidade subjetiva, mas não é imprescindível ao ato ilícito, pois como será explicado posteriormente será levada em consideração a responsabilidade do agente usando o Código do Consumidor, que em regra é usado a responsabilidade objetiva, ou seja, é usada a teoria do risco. ―A culpa lato sensu não é imprescindível ao ato ilícito, pois a Lei Civil admite a responsabilidade objetiva, onde a culpa é substituída por risco‖. 123
―Para se julgar alguém culpado, é preciso verificar se o seu comportamento foi reprovável. Do contrário, pode a lei determinar que indenize o dano, mas não é possível afirmar que houve culpa‖. 124
―Para a teoria subjetiva, o elemento culpa é essencial á caracterização da responsabilidade civil. De acordo com esta noção, se a conduta do agente não for voluntária, nem decorrer de negligência, imprudência ou imperícia, não há que se falar em ato ilícito e, conseguintemente, em reparação de danos. Diversamente, como estudaremos, se dá na responsabilidade objetiva, que dispensa a culpa‖. 125
Embora a teoria clássica da culpa não seja mais usada com tanto vinco como anteriormente ela é atuante no nosso ordenamento em alguns pontos estratégicos, como no art. 392 do Código Civil, em regra os contratos são feitos sob responsabilidade e a boa fé objetiva, mas como explica o autor Xxxxx Xxxxx ela também aparece na responsabilidade contratual.
―Consoante a disposição do art.392 do Código Civil, a culpa é um dos elementos da responsabilidade contratual. A parte que tira proveito nos contratos benéficos responde por simples culpa, enquanto o contratante onerado sujeita-se á responsabilidade civil apenas por conduta voluntária ou dolosa. Já nos contratos onerosos, as partes respondem por simples culpa, ressalvado as exceções legais‖.126
A culpa é um elemento que pode ser analisado também pela sua intensidade, os níveis de culpa podem atribuir menor ou maior responsabilidade ao ato, por isso a relevância de saber o mínimo sobre este ponto, pois foi considerada também uma atenuação da teoria clássica de culpa.
122 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 98.
123 Ibidem, p. 97.
124 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 69.
125 XXXXX, Xxxxx. op.cit., p. 98.
126 Ibidem, p. 99.
Por culpa gravíssima se tem um extremo descuido, trata-se de uma atitude inescusável, a falta de atenção e de cuidado é tão grande que muitas vezes pode ser entendida como intencional á causar dano, é importante aqui a percepção do homem médio, que significa que uma pessoa normal, operante de suas faculdades mentais e com o mínimo de conhecimento que se espera de qualquer pessoa, poderia ter evitado.
―Uma outra forma de atenuação da teoria clássica é a chamada apreciação de culpa, surgida com o Code Xxxxxxxx e pela qual o critério de se aferir o elemento subjetivo da conduta não é mediante exame das condições pessoais do agente, mas tomando-se por parâmetro a atitude que o homem médio ou bom pai de família teria em situação idêntica‖.127
Quando se leva em consideração a atitude do homem médio significa dizer que o resultado danoso só seria esperado por uma pessoa que não possui todas as faculdades mentais ou elementos básicos necessários para agir de forma segura, portanto não é compreensível que uma pessoa que possui a inteligência do homem médio cause dano dessa magnitude, cause dano por uma culpa gravíssima.
Existem também os níveis de culpa leve e levíssima, onde as atitudes tomadas são mais compreensíveis, pois pessoas com plenas faculdades mentais poderiam ter cometido o mesmo erro.
Xxxxxxx Xxxxx nos dá três definições dos graus de culpa:
―Se o agente se comporta levianamente, revelando falta de atenção, ou cuidado, que se exige de qualquer pessoa sensata, sua culpa será grave. Tão grosseira é sua negligência, tão inconsiderado o seu procedimento, tão insensata a sua conduta, que chega a ser equiparada á de quem age com animus injuriandi. A culpa é leve quando o agente não se conduz com a negligência habitual do bom pai de família. [...] Finalmente diz-se levíssima a culpa quando é mínimo o desvio do comportamento. Só uma pessoa altamente diligente não teria praticado o ato em iguais circunstâncias‖. 128
A culpa é, portanto elemento desencadeador da responsabilidade civil por permitir que uma pessoa prejudique outra, seja com o intuito claro e premeditado de causar um mal, seja por falta do dever de observância, gerando a negligência ou imprudência.
127 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 99.
128 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 71.
A teoria do risco é amplamente usada no Código do Consumidor, trata-se de responsabilidade objetiva, onde o que importa não é provar se o agente tem culpa ou não, ele responde diretamente, pois assume o risco de prestar tais serviços.
A teoria do risco surgiu devido a necessidade de se proteger o consumidor, lado mais fraco de uma relação contratual consumerista, pois seria deveras oneroso para um consumidor comum arcar com as despesas da prova processual do dano, tendo que fazer perícia e possuir conhecimentos técnicos específicos para isso,por isso há a inversão do ônus da prova, fica sob a responsabilidade do fornecedor comprovar que não foi o desencadeador do dano.
O requisito para a teoria do risco é que a pessoa empenhe a atividade dotada de periculosidade para os demais, não importando a culpa neste caso, como ensina Xxxxx Xxxxx:
―De acordo com a teoria objetiva, consagrada pelo Código Civil de 2002 nos termos do parágrafo único do art.927, desde que um dano decorra de uma atividade normalmente geradora de riscos torna-se dispensável a culpa, pois o agente será responsável pelo único fato de possuir o controle da fonte geradora. Em sua defesa poderá apenas sustentar a falta de causalidade entre a atividade geradora de risco e o dano‖. 129
É tido como requisito também a habitualidade da atividade desenvolvida pelo agente, requisito também para ser considerado fornecedor perante o Código do Consumidor.
―A relação jurídica estabelecida entre ofensor e o ofendido somente se submete aos princípios da teoria objetiva se a atividade geradora de risco não for esporádica, eventual, mas de natureza do empreendimento. O perigo, enfim, deve estar associado ás práticas habituais do agente causador dos danos‖. 130
Em princípio foi necessário para a parte mais frágil dentro de uma relação jurídica pudesse ter um auxílio mais propenso as suas necessidades, o consumidor é por natureza a parte mais frágil dessa relação, mas também é importante ressaltar que pela teoria do risco é mais simples se estipular um quantum indenizatório, pois não é necessário comprovar a culpa, mas apenas fazer a ligação entre o nexo e o dano.
―Em princípio, é indubitavelmente mais simples a apuração da responsabilidade fundada em risco do que em culpa. Naquela, basta a
129 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 104.
130 Ibidem, p. 105.
constatação do dano e o nexo de causalidade, enquanto nesta, além da comprovação de tais elementos, indispensável é a apuração da forma como o agente se conduziu: se houve culpa lato sensu ou não.‖131
Embora seja mais simples e fácil não parece razoável apenas identificar o nexo e o dano, é preciso verificar quem deu causa ao dano, o nexo é elemento de ligação essencial ao dano, de modo que se este não existir não se falará em responsabilidade, pois é necessário ligar um fato desencadeador á sua consequência, mas também é a culpa, pois esta apontará quem deu causa ao dano.
―O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ‗nexo causal‘, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. [...]
Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência‖.132
Portanto a responsabilidade civil é o pilar para se formar uma sociedade igualmente justa, como ensina Xxxxx Xxxxx, ao citar Xxxxxxxx Xxxxxxx: ―Para Xxxxxxxx Xxxxxxx, o ordenamento jurídico que se mostra complacente com o desenrolar de um ato lesivo não é socialmente e eticamente evoluído‖.133
3.3 Excludentes de responsabilidade
O objetivo maior da responsabilidade civil é atribuir á pessoa que causa o dano as consequências de seus atos, sendo de suma importância que o agente seja identificado de forma correta, isso quer dizer que a responsabilidade deve ser atribuída a quem de fato merece, pois existem situações que uma pessoa comete um dano, mas por questões fora á sua vontade, quando isso ocorre é possível excluir a sua responsabilidade. ―Trata-se de presunção juris tantum, dado que o agente se exonera da responsabilidade, se prova que lhe teria sido impossível evitar o fato danoso‖. 134
Nos casos de excludentes de responsabilidade perde-se o elemento de conexão entre o dano e a conduta, o nexo de causalidade é retirado da ação, pois não é capaz de ligar um ao
131 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 105.
132 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 7, p. 96.
133 XXXXX, Xxxxx. op.cit., p. 15.
134 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 74.
outro, quando um dos elementos essenciais não é encontrado a responsabilidade fica em estado suspenso para que se possa encontrar o real elemento desencadeador do dano. ―Como se verá, dois são os requisitos essenciais ás modalidades de responsabilidade civil: a existência de prejuízo e o nexo de causalidade‖. 135
Quando o agente é isento de sua responsabilidade é porque foi devidamente comprovado de que ele agiu da única maneira esperada diante da situação, pode ser dito que a atitude do mesmo não escapa á normalidade, é usado o conceito de homem médio, que como tal não pode evitar o dano. ―Trata-se de presunção juris tantum, dado que o agente se exonera da responsabilidade, se prova que lhe teria sido impossível evitar o fato danoso‖. 136
―Para buscar o justo equilíbrio entre as relações ligadas à responsabilidade que geram a obrigação de indenizar, o legislador criou algumas regras que permitem a defesa do ofensor. São causas que isentam ou exoneram o autor da responsabilidade, exceções ao dever ou obrigação de indenizar‖.137
Dentro do extenso universo da responsabilidade civil, em foco a contratual, existe sempre a possibilidade de que o acordo não se concretize por diversas razões, quando isso acontece é preciso estabelecer o nexo entre a conduta e o resultado, e a partir do resultado reparar o dano, é onde a responsabilidade civil entra, a partir de uma obrigação não cumprida surge o dever de restituir, de indenizar, mas se a conduta inicial que desencadeia os fatos que levam ao prejuízo for outra que não a causadora direta do dano existe uma excludente de responsabilidade.
3.3.1 A finalidade da culpa exclusiva
Uma vez que a responsabilidade civil é primordial para que as pessoas tenham um mínimo de respaldo da lei, torna-se necessário entender também quando este respaldo pode ser retirado do negócio, como uma das causas que excluem a responsabilidade civil, se tem a culpa exclusiva da vítima.
Nessa excludente não é possível fazer a ligação entre o resultado danoso e a conduta imediata, existe uma conduta anterior que provoca a segunda ação que causa o dano, a primeira ação é o gérmen que carrega o dano, e quando esta for desencadeada pela própria
135 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 7.
136 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 74.
137 PORTAL EDUCAÇÃO. Excludentes – responsabilidade civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx/00000/xxxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx> Acesso em 24 out. 2013.
vítima o autor terá sua responsabilidade excluída, pois sua ação não seria capaz de provocar o dano, este foi causado por culpa única e exclusiva da vítima.
Como ensina Xxxxx Xxxxxx Diniz ao citar Xxxxxxx xx Xxxxx:
―Xxxxxxx xx Xxxxx, ao estudar a influência desse quid ulterior da determinação da responsabilidade civil, conclui que tal fato superveniente desempenhará relevante papel, se o dano indireto resultar desse fato, pois o preexistente era potencialmente idôneo para produzi-lo, isto é, trazia em si o gérmen desse resultado‖.138
É necessário, entretanto saber se a vítima deu causa ao resultado, pois não é objetivo do estudo retirar a responsabilidade de qualquer das partes e atribuí-la injustamente a quem não mereça, e para que se possa responsabilizar em primeiro lugar deve se analisar se há um nexo causal, chave de ligação entre a conduta e o dano.
A análise sobre nexo causal torna-se tão importante quanto o conhecimento sobre culpa exclusiva da vítima, pois não é possível atribuir culpa sem antes entender o que é nexo causal.
―Indispensável é a conexão causal. Se o dano provém de outra circunstância ainda que pela atitude culposa do agente tivesse de ocorrer, este não se torna responsável, uma vez que não há a relação de causa e efeito. Não basta, com efeito, que o dano pudesse sobrevir por efeito da conduta do agente, mas é preciso que se produza na realidade como consequência desta, e não de outro acidente‖. 139
O nexo causal poderia ser definido como a relação de causa e efeito, só se atinge um determinado resultado quando se toma determinada atitude, portanto, para que seja possível averiguar se a vítima teve ou não contribuição relevante para retirar a culpa do agente é preciso analisar se a ação da vítima desencadeou os fatos seguintes responsáveis pelo dano.
Se o ato da vítima em si é o único responsável pelo dano, ele carrega em si todo o potencial para o prejuízo, retirando o nexo causal, e por consequência torna o agente mero instrumento para alcançar o dano.
―Não haverá esse nexo se o evento se der: Por culpa exclusiva da vítima, caso em que se exclui qualquer responsabilidade do causador do dano. A vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano
138 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva 2002, vol. 7, p. 97.
139 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 79.
é apenas instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre a sua ação e a lesão‖. 140
Essa excludente de responsabilidade analisa também por consequência o dolo e a culpa, elementos que ao serem analisados irão determinar a culpa exclusiva da vítima.
Para a concepção clássica de conduta culposa ela é provocada por inobservância do dever de cuidado, o resultado não é intencional, mas ocorre por negligência do agente.
Por dolo se tem o ato ilícito intencionalmente provocado, não pela inobservância de um dever de cuidado, mas por querer atingir o resultado danoso.
―Do exposto, ficou a concepção de culpa genérica, que se desdobra em dolo e culpa propriamente dita- aquele não é o vício de vontade, mas o elemento interno, que reveste o ato da intenção de causar o resultado, ao passo que na culpa, em sentindo restrito, a vontade é dirigida ao fato causador da lesão, mas o resultado não é querido pelo agente. A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude‖.141
O que nos remete ao princípio da confiança, pois explica a conduta culposa da vítima, segundo este, todos possuem a obrigação consigo mesmos de serem guardiões de sua própria liberdade, ou seja, deve se ter a observância do dever de cuidado, pois a partir do pressuposto de que o indivíduo irá agir segundo o bom senso comum do homem médio,cada um age de forma correta e por isso tem-se a expectativa que todos assim o farão.
―Uma valorização excessiva e global do lesado da posição do lesado, que tornasse o lesante guardião da sua segurança, faria tábua rasa do princípio da confiança (e das respectivas esferas de actuação) e da justiça inerente é relação interindividual, eliminando a necessidade de a pessoa se autoproteger e exagerando a apreciação da culpa do agente‖.142
Trata-se do uso irresponsável da própria liberdade como ensina o autor português Xxxxxxx Proença: ―A idéia força de uma solução moderada passa, assim, por
140 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva 2002, vol. 7, p. 98-99.
141 IPPÓLITO, Xxxx Xxxxxxx. Culpa e risco: fundamentos ou critérios de responsabilização? Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxx.xxxxxx.xx/xxx_xxxxxxx/00_xxxx.xxx>. Acesso em: 07 Nov. 2013.
142 PROENÇA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina,1997, p. 103.
autoresponsabilizar o lesado pelo uso prejudicial da sua liberdade, fazendo- o assumir os efeitos lesivos de uma conduta tipicamente anormal e normalmente culposa‖. 143
O ato da vítima por vezes pode ser considerado tão grave que a ação do agente não poderia evitar e nem amenizar o dano, sua atitude em nada mudaria a situação, foge, portanto da sua esfera de responsabilidade. ―Se, embora culposo, o fato de determinado agente era inócuo para a produção do dano, não pode ele, decerto, arcar com prejuízo nenhum‖. 144
A ação da outra parte envolvida no negócio não causa maiores impactos ou nenhum impacto no resultado obtido pela vítima, a ação danosa se daria independente da ação do agente principal ou não.
Como ensina Xxxx xx Xxxxxx Xxxx: ―A culpa grave necessária e suficiente para o dano exclui a concorrência da culpa, isto é, a culpa sem a qual o dano não se teria produzido‖ 145. A culpa grave é importante para a culpa exclusiva da vítima, pois são condutas que são realizadas com total falta de atenção e zelo, condutas que seriam feitas com perfeição por qualquer pessoa com o mínimo de discernimento e sensatez, há o desrespeito novamente do princípio da confiança.
Muitas vezes a imprudência é tão grande que pode ser entendida como busca pelo resultado doloso premeditadamente, o ato é praticado pelo agente com um descuido inescusável.
―Se o agente se comporta levianamente, revelando falta de atenção grave, ou cuidado, que se exige de qualquer pessoa sensata, sua culpa será grave. Tão grosseira é a sua negligência, tão inconsiderado o seu procedimento, tão insensata a sua conduta que chega a ser equiparada á de quem com animus injuriandi‖. 146
Por intenção premeditada ou por inobservância de um dever de cuidado a vítima é a única causadora de seus infortúnios.
No caso de se cumprir com um contrato importa que as duas partes ao término da relação jurídica saiam satisfeitas, e que ajam segundo os princípios da boa fé, se uma das partes não cumpre com sua parte a fim de dificultar a execução da obrigação, a outra parte
143 PROENÇA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação ao dano extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 104.
144 XXXX, Xxxx xx Xxxxxx. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 945.
145 Ibidem, p. 946.
146 XXXXX, Xxxxxxx. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 71.
deve fazer todo o possível para cumprir com o seu papel visto que se trata de uma relação que exige uma conduta positiva, mas se mesmo assim a outra parte se omitir ou desrespeitar as cláusulas do contrato esta será a única e exclusiva responsável pelo fracasso da obrigação, pois ao descumprir com seu papel ela quebrou a solidariedade do contrato.
―Em virtude da quebra de solidariedade revelada pela natureza intencional ou gravemente culposa da conduta, o desrespeito do homem por si mesmo tem a sua gênese e sua consequência na própria pessoa‖. 147
Quando se estabelece uma desigualdade como no caso de se descumprir com um contrato deve-se lembrar que o princípio da boa fé foi criado inicialmente pelos romanos com palavras como Xxxxxxxx e Équo, que juntas descrevem um ideal de justiça e igualdade, um conceito de justiça que visa a simetria, a equidade entre as partes, e sendo assim nada mais justo que, levando em consideração as atitudes das partes tratar de forma igual quando merecerem e desigual quando não merecerem.
―No plano do direito geral de responsabilidade civil ou relação intersubjetiva, e que foi aquele em que se colocou o legislador de 1966, representaria uma violação do princípio da igualdade de tratamento jurídico a consagração de um regime mais favorável ao lesado culpado‖. 148
Portanto, o princípio da culpa exclusiva deve ser usado em situações que a própria vítima oferece a condição culposa para que o contrato não seja efetuado e como consequência resulta em prejuízo, usar este princípio significa antes de tudo defender o princípio da boa fé, pois ela busca sempre a equidade entre as partes.
Excluir a responsabilidade quando for cabível é o instrumento de defesa que o Direito deu ao legislador para amparar pessoas que causam um dano contra a própria vontade, causadas apenas em consequência do ato de outra pessoa e a culpa exclusiva da vítima tem essa finalidade de proteger a outra parte que pode ser responsabilizada injustamente por um ato da vítima.
Como ensina Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Proença ao citar Xxxxx Xxxxxx: ―A solução regra de equilíbrio, que deve nortear o regime desta causalidade, levou mesmo Xxxxx Xxxxxx a afirmar
147 PROENÇA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 97.
148 Ibidem, p. 103.
que ‗se o legislador tem ódio ao lesante, também o lesado não lhe merece simpatia se foi co- causador do seu próprio dano‖. 149
Para que não ocorra a responsabilização do autor quando ele não possui culpa, visto que não é razoável responder por um ato que não depende de sua vontade e nem de sua imprudência, é que se busca a culpa exclusiva da vítima, pois esta desencadeia todo o processo infeccioso que gera o dano, ainda que a seja a única prejudicada, seu papel de vítima é somente de arcar com o peso do prejuízo, a verdadeira vítima é o agente que serve de mero instrumento para atingir um final desastroso. ―A vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre a sua ação e a lesão‖. 150
Quando a decisão judicial favorece a vítima, pela simples colocação de agentes da conduta, sem ponderar os fatos causadores e os verdadeiros papéis dos agentes, existe uma usurpação da verdade, pois estará concedendo direitos injustamente a quem não pode pleiteá- los, e dessa forma ignora o princípio da isonomia, atropela o princípio da boa fé e da confiança e descumpre também com o princípio da prevenção da responsabilidade civil, pois possibilita que ações semelhantes a esta possam ser cometidas no futuro, trazendo instabilidade e insegurança ao nosso ordenamento jurídico.
149 PROENÇA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p. 103.
150 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva 2002, vol. 7, p. 99.
4 TRANSPORTE AÉREO
4.1 Classificação do transporte aéreo
O transporte aéreo surgiu devido à necessidade do homem de interação com o mundo externo que o cerca, e foi através da aviação que as relações de mercado, políticas e interpessoais puderam crescer e se desenvolver viabilizando os primeiros passos para um mundo globalizado.
Para que se possa entender melhor esta importante criação do homem e como ela afeta as relações, sobretudo comerciais, é que se busca uma definição da sua utilização para transportar pessoas e mercadorias, ensina o Procurador da Justiça do Ministério Público de São Paulo, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx sobre este conceito e a necessidade de classificar o transporte aéreo em internacional e doméstico, pois conforme ele próprio diz, a distinção é crucial para saber qual diploma legal irá reger a relação.
―As facilidades de locomoção são um dos mais importantes benefícios que o consumidor desfruta no mercado moderno, Aliás, a própria noção de
‗sociedade global‘ deve muito aos extraordinários avanços tecnológicos ocorridos nos meios de transporte, principalmente aéreo‖. 151
―Há várias formas de classificação do transporte aéreo. Para os objetivos limitados deste curto estudo, interessa dividi-lo em duas categorias básicas. Primeiro, o transporte aéreo internacional, aquele que liga dois ou mais países. Segundo, o transporte aéreo doméstico, aquele que é prestado no interior de um único país.
A distinção é crucial porque, conforme a modalidade em que se encaixe, o serviço estará regrado ora pela Convenção de Varsóvia (Convenção a partir de agora), ora pelo Código Brasileiro de Aeronáutica‖.152
O Código Civil prevê de forma clara e sucinta a definição legal de transporte aéreo:
―art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar pra outro, pessoas ou coisas‖. 153
Uma vez entendido poderemos tratar dos contratos de transporte especificadamente e entender que os diplomas legais que dispomos atualmente são mais que suficientes para defender que a boa fé estará sempre presente quando os diplomas legais atribuírem a
151 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 12 Nov. 2013.
152 Ibidem.
153 JUSBRASIL. Código do Consumidor. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/ artigo-730-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002>. Acesso em 12 Nov. 2013.
responsabilidade de acordo com os atos de cada indivíduo que constrói a relação de transporte aéreo.
4.2 Os contratos de transporte aéreo
A importância da responsabilidade contratual se deve á segurança jurídica que oferece á execução do negócio, será feita através de cláusulas gerais e de cláusulas específicas, no caso analisado será regido por lei específica de transporte aéreo.
Antes de explicar as leis específicas que regem sobre transporte aéreo é necessário analisar que se trata de um contrato e como tal possui regras e classificações que serão fundamentais para entender o tipo de relação que trata, pois como dito anteriormente o contrato gera responsabilizações antes mesmo da obrigação e por isso a necessidade de classificá-lo.
De forma resumida e sucinta Xxxxx Xxxxx nos ensina a classificação adequada de contrato de transporte aéreo.
―O contrato de transportes é consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de resultado, não formal e, via de regra, de adesão. Diz-se consensual, pois basta o acordo de vontades para que o contrato se aperfeiçoe‖. 154
Portanto a compra da passagem é ato explícito da adesão de um contrato, ou seja, ao concordar com um contrato temos de estar cientes do que estamos aderindo á expectativa de promessas que visam serem realizadas por ambas as partes, e consequentemente há o pressuposto de que tudo que se promete a cumprir esta plenamente esclarecido, afastando qualquer desconhecimento das responsabilidades que as partes devem ter, há um consenso de que ambos concordam com o que o contrato promete.
Xxxxx Xxxxx ainda ensina que se trata de um contrato bilateral, pois a obrigação deve ser cumprida por ambas as partes: ―O contrato é bilateral, pois tanto o transportador quanto a contraparte assumem obrigações‖. 155
Classificado também como um contrato oneroso, pois existe uma prestação á realização do negócio, para que o transportador se encarregue de sua obrigação existe um
154 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 449.
155 Ibidem, p. 450.
pagamento feito pelo passageiro, a compra da passagem, tornando-se explícita a adesão ao contrato. ―É oneroso, pois á prestação do transportador corresponde o pagamento de passagem ou frete‖. 156
É também contrato comutativo, pois se adere ao contrato de forma onerosa e bilateral havendo um acordo prévio entre ambos sobre estes aspectos. ―Diz-se que é comutativo, pois há equivalência entre os quinhões, sendo estes definidos em previamente‖. 157
O contrato é ainda de resultado, pois necessita da entrega da pessoa ao local de destino para que a obrigação seja cumprida. ―O contrato é de resultado, pois o transportador apenas cumpre a sua obrigação quando a pessoa ou coisa chega, incólume, ao lugar de destino‖.158
Xxxx xx Xxxxxx Xxxx levanta outra questão importantíssima em sua obra, quando diz que a incolumidade é ato primordial em um contrato de transporte de pessoas, que consiste em transportar o passageiro são e salvo até o local de destino, é também através deste requisito que se faz presente o princípio da confiança e da boa fé, pois o passageiro tem que acreditar que a companhia aérea que contratou cumprirá com seu dever de transportá-lo em segurança, e a empresa só poderá cumprir com tal requisito quando o passageiro cumprir com os pré requisitos necessários para que ela também possa fazer o mesmo.
―Com efeito, não se pactua sobre a incolumidade, tanto que não seria permitida uma cláusula que excluísse a obrigação de assegurá-la. A cláusula de incolumidade é inerente ao contrato de transporte de pessoas. Quem utiliza um meio de transporte regular celebra com o transportador uma convenção cujo elemento essencial é a sua incolumidade, isto é, a obrigação, para o transportador de levá-lo são e salvo ao lugar do destino‖. 159
Trata-se de questão séria que não deve ser ignorada nem mesmo em favor de atender os caprichos do passageiro, pois a integridade física e mental do passageiro deve ser assegurada pela companhia aérea enquanto durar o contrato, e se a mesma não garantir tal requisito poderá ser processada posteriormente, pois terá colocado em risco a segurança do cliente.
156 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 450.
157 Ibidem, p. 450.
158 Ibidem, p. 450.
159 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx, Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 244.
A contratação é ato de liberdade individual permitindo a todos exercerem suas preferências de acordo com as suas necessidades, se uma pessoa prefere aderir a um contrato e sabendo das obrigações necessárias que ela deve ter, a mesma fica ciente de que sua vontade será feita somente se ela conceder a outra parte o cumprimento das obrigações a ela imposta, portanto se a dita vítima inviabiliza que a outra parte contratante cumpra com a sua promessa não resta ninguém a responsabilizar a não ser ela própria.
4.3 Os diplomas legais que regulamentam o transporte aéreo
A relevância do assunto já se inicia por qual regra específica irá reger essa relação entre passageiro e companhia aérea, cinco são as leis que dispõem sobre a matéria: Constituição Federal, Código Civil, Código do Consumidor, Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia, portanto, será necessário expor a matéria sobre cada um, pois existem divergências sobre qual lei se aplica quando se trata de transporte aéreo.
4.3.1 Transporte aéreo e a Constituição Federal de 1988
Antes de se explicar os diplomas legais existentes sobre este assunto, é de extrema importância falar mesmo que de forma abreviada sobre um dos ditames legais que rege não somente o contrato de transporte aéreo mas todo o ordenamento brasileiro: a Constituição Federal.
A supremacia da Constituição garante que esta é e sempre será a soberana sobre todo o ordenamento jurídico nacional, e embora não seja objeto desse estudo tratar sobre a supremacia da nossa constituição torna-se necessário reafirmar este princípio, pois é através deste que iremos embasar o uso do Código de Defesa do Consumidor.
A Convenção de Varsóvia é claramente mais favorável ao transportador, visto que limita o quantum indenizatório pago pelo mesmo, e que também dificulta a comprovação da culpa do transportador, mas não é objeto deste estudo fundamentar a defesa do uso da culpa exclusiva da vítima desrespeitando a Constituição, por isso embasamos a partir dela e favorável a ela, usando as doutrinas divergentes somente para dar ênfase aos pontos favoráveis que sustentam a tese.
Usando os princípios de rigidez constitucional, supralegalidade formal e material o artigo da Faculdade Xxxxxxx Xxxxxx do Rio de Janeiro explica supremacia da Constituição.
―[...] a Constituição diferencia-se dessas outras normas pelo fato de encontrar-se no topo do ordenamento jurídico, portanto todas as outras normas são hierarquicamente inferiores á ela e, portanto devem estar de acordo com a mesma‖. 160
Pelo conceito de rigidez constitucional se diz que por se tratar de norma constitucional escrita e formal a sua mudança é mais dificultosa em comparação á normas inferiores e que por isso ela possui também mais estabilidade durante o tempo.
―A rigidez também se relaciona com o fato de normas constitucionais serem mais estáveis e de duração mais longa, em contraposição com normas inferiores que podem ser mudadas mais frequente e rapidamente. E daí se concluí o porquê dela se posicionar no vértice da pirâmide do ordenamento jurídico‖.161
―Como superlegalidade formal, entende-se a Constituição como criadora das outras normas. A matéria faz a relação entre as normas e a Constituição, observando se as normas estão de acordo com a Constituição. [...] Esse controle garante que normas inferiores as constitucionais não podem ir contra a elas, pois se não, são consideradas nulas. ‗Toda lei contrastante com a constituição é nula‘ – Xxxx Xxxxxxxx‖.162
O artigo ainda fala da superlegalidade formal e da material, onde a Constituição é criadora de outras normas e que os conteúdos das normas deverão estar sempre em conformidade com as da Constituição, dito isto é necessário expor que a Constituição estabeleceu, em seu artigo 21º, XII que o transporte aéreo será uma concessão de serviço público disposto pela União, ―A Constituição Federal, em seu art. 21, XII, c[1], dispôs que o transporte aéreo é uma concessão de serviço público‖ 163, e em seu artigo 37º,§ 6º sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviço público, e que em seu art. 178º a lei irá dispor sobre transporte aéreo, e de transporte aéreo internacional e que este deverá ser analisado e firmado pela União. ―[...] e o art. 178 diz que lei disporá sobre a ordenação do transporte aéreo e sobre transporte internacional deverá ser observado o disposto em acordos firmados pela União.‖ 164
―Art. 21. Compete á União:
160 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx. Princípio da supremacia da Constituição. Disponível em:
<http://xxxxxxxxx.xxxxxxx-xxx.xxx.xx/wiki/Princ%C3%ADpio_da_Supremacia_da_Constitui%C3%A7%C3% A3o>. Acesso em 18 de Mar. 2013.
161 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
163 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em 22 mar. 2014
164 Ibidem.
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
c) ―a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;‖ 165
―A Constituição Federal, de 1988, dispôs sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos, ex vi do art. 37, § 6º‖. 166
―Art.37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.‖ 167
―Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreos, aquático e terrestre, devendo, quanto á ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendendo o princípio da reciprocidade‖. 168
É necessário, no entanto dizer que poderão existir contratos de transporte aéreos internacionais ou nacionais que não consigam se enquadrar nos requisitos de uma relação consumerista e, portanto deverão ser utilizados, a Convenção de Varsóvia ou o Código Brasileiro de Aeronáutica.
―Conforme a classificação que se encaixe o serviço de transporte aéreo internacional ou nacional será regido pela Convenção de Varsóvia ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, quando não se tratar de relação de consumo.‖ 169
Diz ainda Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
―Alega-se, certamente com a percepção turbada por outros sistemas jurídicos, que o afastamento da Convenção por uma lei ordinária violaria princípios básicos de Direito Internacional. Ora, no Brasil (ao contrário do que ocorre em outros países, por expressa permissão constitucional) a regra é a submissão dos tratados ao teste de constitucionalidade. Os tratados, no
165 JUSBRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx-x- do-inciso-xii-do-artigo-21-da-constituicao-federal-de-1988>. Acesso em 23 mar. 2014.
166 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 463.
167 JUSBRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx?xxxxxx00%0Xx0x da+cf> Acesso em: 24 mar. 2014
168 JUSBRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx?xxxxxx000xxxxxx>. Acesso em 24 mar. 2014
169 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 24 mar. 2014.
nosso sistema, só podem se afastar da Constituição Federal para ampliar garantias, jamais para riscá-las ou inviabilizá-las (art. 5º, §2º)‖. 170
Portanto a Constituição é a primeira a definir sobre quem será o responsável a tratar de transporte aéreo, e como foi explicado anteriormente o transporte aéreo é um serviço público prestado por empresas privadas ou públicas que visam fornecer a locomoção de passageiros ou coisas a um determinado lugar, como consequência o Código do Consumidor será o responsável para tratar do assunto visto que emana diretamente da Constituição em seu art. 5º XXXII, e que devido a sua classificação de consumidor e fornecedor representa a relação de consumo apontada no caso estudado. ―A Constituição, como lei maior, sobrepõe-se ás demais leis, e mesmo a tratados firmados pelo Brasil [...]‖. 171
4.3.2 Transporte aéreo e as relações jurídicas civis
Ao falarmos do Código do Consumidor é primordial que o Código Civil seja analisado antes, pois ele irá dispor sobre as regras que regem o ordenamento nacional, juntamente com a Constituição Federal desempenha um importante papel para o caso analisado, pois dispõem da responsabilidade civil dos contratos de transporte e também das responsabilidades que os integrantes da relação consumerista devem exercer para um negócio jurídico bem sucedido.
É o próprio Código Civil que estabelecerá a responsabilidade objetiva do Código do Consumidor, em seu artigo 927, parágrafo único.
―Art. 927. [...]
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem‖.172
Uma vez estabelecido o tipo de responsabilidade no Código do Consumidor, o Código Civil começa por dispor do conceito de transporte aéreo em seu artigo 730º já citado, onde o transporte será feito mediante prestação onerosa a transportar indivíduo ou objeto a um
170 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em:26 mar.2014.
171 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 24 mar. 2014.
172 JUSBRASIL. Código Civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx?xxxxxx000xxxxxxxxxx
%C3%A1grafo+unico> Acesso em 24 mar. 2014.
determinado lugar, e continua a determinar as condutas que farão parte do contrato de transporte aéreo, como explica o artigo 731º, sobre como o transporte deverá ser exercido.
―O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código.‖ 173
―Desse modo, o transporte pode ser exercido desde que, respeite as regras impostas, pois para cada transporte a ser realizado depende de concessão, sempre será regido pelas normas que regulam o transporte, tendo em vista que, não poderá prejudicar o dispositivo legal.‖ 174
Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx explicam a necessidade de entender o que o Código Civil e o Código do Consumidor trabalham juntos no transporte aéreo, e continuam quando também citam o artigo 732º do Código Civil.
―Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber,desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais‖.175
Neste ponto o Código Civil reafirma a supremacia da Constituição e de seu próprio conteúdo perante outros diplomas legais, que serão usados sempre que estiverem em conformidade com o conteúdo do nosso ordenamento.
Xxxxx Xxxxx explica de forma clara que a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica, que embora sejam leis específicas (lembrando que o Código do Consumidor também é) serão devidamente afastados quando o seu conteúdo for divergente do que nosso ordenamento estabelece, visto que ambos estabelecem um limite indenizatório e a lei nacional nada diz sobre tal limite.
―Ao regular o contrato de passageiro e de coisas, o Código Civil admite a aplicabilidade, na matéria, de preceitos da legislação especial e de tratados e convenções internacionais, desde que não contrariem as suas disposições. Indiretamente, referiu-se ás regras do Código Brasileiro de Aeronáutica e ás da Convenção de Varsóvia.
Uma vez que o Código Civil não estabeleceu o critério de limites em caso de indenização por danos, disposições deste jaez, constantes tanto no Código Brasileiro de Aeronáutica quanto na Convenção de Varsóvia, são
173 XXXXX, Xxxxxx de. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxxx. A responsabilidade nos transportes aéreos de passageiros no Brasil (Aspectos que emergem do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxx/xxxxxx_xxx_00000.xxx, p.10>. Acesso em 25 mar. 2014
174 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
inaplicáveis. Já o seriam por força da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor‖.176
O Código delimita em seus artigos dessa forma que os tratados e convenções internacionais apesar de serem leis específicas sempre encontrarão um empecilho se não estiverem de acordo com o conteúdo das normas internas do nosso ordenamento.
A importância do Código Civil para o Código do Consumidor é infinita, pois, ele irá estabelecer a obrigação do fornecedor e do consumidor, por consequência acaba fortalecendo as regras que o Direito do Consumidor procurou defender em seu próprio Código.
―Art. 734. O transportador responde pelos danos causados ás pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente de responsabilidade‖. 177
O artigo 737 ainda estabelece a responsabilidade do transportador em cumprir o horário previamente estabelecido sob pena de responder por perdas e danos. ―Art.737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior‖. 178
A companhia aérea estabelece um horário para que os passageiros se apresentem ao aeroporto para tomar as devidas providências de um embarque seguro, e não é incomum que atrasos por parte da companhia aérea gerem direito a indenizações enormes, como já vimos em nossos aeroportos, que frequentemente enfrentam tais crises.
O passageiro assim como o fornecedor também deve estar ciente que possui obrigações, pois a relação consumerista é essencialmente bilateral, necessita que as duas partes sejam operantes, pois se não forem torna impossível a concretização do negócio prometido, e por isso o artigo 738 do Código Civil determina que o passageiro também possui responsabilidades.
―Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se ás normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixados á vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos
176 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 464.
177 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx-000-xx-xxx-x- 10406-de-10-de-janeiro-de-2002 > Acesso em: 25 mar. 2014.
178 Ibidem.
passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço‖.
O Código Civil estipula de forma explícita que o passageiro só será considerado vítima quando não contribuir para o dano que sofreu, e só poderá o dano ser evitado caso ele cumpra com todas as suas obrigações assim como o transportador também cumpre com as suas.
―Art.738. [...]
Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível á transgressão de normas e instrumentos regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente á indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a o ocorrência do dano‖.179
Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx explicam que a pessoa que assume o contrato como passageiro deve assumir todas as orientações da companhia aérea sob o risco de que se não seguir tais orientações poderá causar dano a si mesma e dessa forma retirando a responsabilidade da companhia já que a mesma a informou da necessidade de cumprir estritamente com o que o contrato diz.
―O passageiro diante das normas impostas pelo transportador deverá seguir á risca, pois se este por sua vez causar algum eventual dano que possa prejudicar a si próprio, o transportador ficará imune ao ressarcimento da vítima. Decorrente de algo que possa prejudicar na íntegra ou total prejuízo seja do transporte de locomoção ou dos serviços prestados aos outros passageiros.
Sendo assim, quando a própria vítima ocasiona o dano essa será responsabilizada na medida em que ela concorreu para eventuais circunstâncias‖. 180
Portanto para que o passageiro possa ter direito a qualquer posterior indenização, e que o transportador não responda á eventuais processos deve-se analisar suas respectivas responsabilidades contratuais somente com o intuito de evitar danos á ambas as partes.
4.3.3 Transporte aéreo e as relações de consumo
Uma vez esclarecida a supremacia da Constituição, é necessário esclarecer as leis que advêm da mesma, como o Código do Consumidor, pois, serão as primeiras no topo da
179 XXXXX, Xxxxxx de. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxxx. A responsabilidade nos transportes aéreos de passageiros no Brasil (Aspectos que emergem do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxx/xxxxxx_xxx_00000.xxx,
p.22. >. Acesso em: 25 mar. 2014.
180 Ibidem.
hierarquia a serem utilizadas, para isso torna-se necessário conhecer suas classificações, para que seja devidamente aplicado é que se torna primordial falar dos conceitos básicos que constroem uma relação de consumo.
―Para as relações de consumo, a contratação de transporte aéreo, firmadas no Brasil será aplicado o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990‖.181
4.3.3.1 Responsabilidade objetiva
O Código do Consumidor foi assegurado pela própria Constituição que visando proteger as relações de consumo necessitava de lei específica que pudesse regulamentar os problemas que decorriam entre as pessoas que negociavam o fornecimento de produtos e serviços por meio de uma contraprestação.
Para regulamentar tal situação foi preciso, entretanto saber o que motivava a responsabilidade civil nessa situação, pois como explicado anteriormente, primeiro foi a culpa e depois o risco, mas para o Código do Consumidor será sempre a responsabilidade objetiva que irá regular as relações comerciais, respondendo o fornecedor independentemente de culpa, pois se visa sempre o princípio da vulnerabilidade do consumidor, porém como já foi dito e será dito novamente existe uma exceção a esta responsabilidade, onde se exclui a responsabilidade do fornecedor se ele conseguir prova que a culpa foi exclusivamente da vítima.
―O fornecedor responde civilmente por danos causados ao consumidor independentemente de culpa. O legislador consagrou, portanto, a responsabilidade objetiva e considerou excludentes de ilicitude a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro‖. 182
―A base da responsabilidade objetiva é a teoria do risco do negócio, ou seja, quem exerce uma atividade qualquer que seja ela, deve assumir os riscos a ela inerentes ou riscos dela decorrentes‖. 183
Por se tratar de uma responsabilidade que o consumidor não pode arcar, pois seria deveras oneroso é que se usa a responsabilidade objetiva, seria muito caro e difícil para que o
181 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 25 mar. 2014.
182 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 474- 475.
183 XXX, Xxxxxxxx. Op.cit.
consumidor comprovasse a culpa do fornecedor visto que não possui o poder econômico e conhecimento técnico que o fornecedor possui.
―O lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do fornecedor. Ele escolheu arriscar-se, não pode repassar esse ônus para o consumidor. Isso implica que da mesma forma que ele não repassa o lucro para o consumidor, não pode de maneira alguma passar-lhe o risco. Na livre iniciativa a ação do fornecedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso, mas sempre o risco será dele. Uma das características da atividade econômica é o risco‖. 184
O fornecedor desde o princípio se responsabiliza por todo e qualquer dano que o consumidor possa enfrentar desde que ele não tenha dado causa ao próprio prejuízo, é função do fornecedor evitar que o consumidor possa ter um prejuízo.
4.3.3.2 Consumidor, Fornecedor e os Produtos e Serviços
Para que o Código do Consumidor possa ser usado é importante estabelecer os dois agentes que configuram essa relação: Consumidor e Xxxxxxxxxx, e ainda o que eles pretendem com a relação: Produto ou Xxxxxxx, pois se trata de uma relação que precisa da positividade da conduta de ambos para fazer dar certo, sendo assim é preciso que a boa fé seja exercida por ambas as partes.
―Estes dois elementos constituem as figuras centrais, destinatárias da Lei Consumerista. Ocupam os pólos opostos da relação jurídica contratual. Embora as eventuais tensões na formação e execução dos contratos, fornecedor e consumidor desempenham funções solidárias, pois um depende do outro.‖ 185
4.3.3.2.1 Consumidor
―Art.2º- Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo‖. 186
O consumidor no sentido mais simplista será quem consome o resultado final de um serviço ou produto, aquele que pode ser classificado como destinatário final como é explicado
184 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 25 mar. 2014
185 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 471.
186 JUSBRASIL. STJ - Recurso Especial. REsp 603763 RS 2003/0191786-9. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx?xxxxxx0xxxxxxx>. Acesso em: 25 mar. 2014.
pelo artigo 2º, mas o autor Xxxxx Xxxxx também explica que podem ser aqueles que não atingem fins lucrativos com a compra de determinado serviço ou produto, pois será para uso próprio e não possuem o propósito de revender, sendo também a parte mais vulnerável da relação devido ao difícil acesso de comprovação, devido a falta de técnica e poder econômico que geralmente o fornecedor possui.
―A noção de consumidor é bastante abrangente, pois engloba tanto a pessoa física quanto a jurídica que adquire produto ou serviço como destinatário final. A partir desta definição, constante no caput do art. 2º, infere-se que a pessoa jurídica não participa de uma relação de consumo ao contratar a aquisição de matéria prima destinada á sua linha de produção. Se a pessoa física não adquire produtos para o seu consumo, mas para revenda, também não se posiciona contratualmente na condição de consumidor. Como anota Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, atua como destinatário final quem “age com vista ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.”. Se a pretensão, com o produto ou o serviço, for a prática de outra atividade produtiva, o contratante não se caracterizará como destinatário final‖.187
É um conceito amplo, capaz de englobar mais de uma classificação, pois a relação de consumo pode mudar como explica o artigo a seguir:
―O CDC definiu consumidor partindo de um conceito estrito para um conceito amplo. Ou seja, englobou tanto consumidor real que adquire concretamente um produto ou um serviço, enquanto destinatário final, como àqueles que ele equiparou a consumidor, que são todas as pessoas que hajam intervindo na relação de consumo, todas as vítimas de um acidente de consumo e todas as pessoas expostas ás práticas comerciais e contratuais‖.188
Portanto o consumidor será o que usa os serviços ou produtos de um fornecedor como destinatário final, mas podendo também ser comparado a este todos os envolvidos na relação de consumo dando maior segurança a relação consumerista.
4.3.3.2.2 Fornecedor
Diz o artigo 3º do Código do Consumidor que será classificado como fornecedor todo aquele que desenvolve atividade de montagem e produção fornecendo produtos e serviços, mediante remuneração.
187 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 472.
188 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 25 mar. 2014.
―Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista‖.189
Existe ainda um importante conceito para classificar o fornecedor, que é habitualidade do negócio, para que ele seja classificado como tal é preciso que ele exerça essa atividade de fornecer serviços mediante remuneração e de forma habitual.
―O CDC conceituou fornecedor amplamente, englobando qualquer agente que exerce atividade no mercado de consumo de forma habitual. O aspecto atividade é fundamental para que se possa verificar se quem esta transacionando é fornecedor ou não‖. 190
Ensina ainda Xxxxx Xxxxx que para ser classificado como fornecedor é preciso que ele disponha os produtos e serviços no mercado, é ele quem oferece ao consumidor a oportunidade dele obter o que quer, combinando a contraprestação e a obrigação necessária para que o fornecedor possa cumprir com a expectativa do próprio consumidor.
―Fundamental, no conceito deste protagonista da relação de consumo, e sua condição de vendedor de produtos ou de prestador de serviços, ou seja, é a pessoa que coloca produtos e serviços no comércio; é quem abastece o mercado com produtos ou presta serviços ao consumidor‖. 191
A função do fornecedor será sempre de exercer atividade econômica, habitual mediante contraprestação e visando atingir as expectativas do consumidor.
4.3.3.2.3 Produtos e Serviços
O produto ou serviço será o motivo pelo qual consumidor e fornecedor irão se unir, a obrigação só será cumprida quando o serviço ou o produto for entregue ao seu destinatário final, quando estes não são entregues ou realizados no tempo habitual estipulado há a lesão ao
189 JUSBRASIL. Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx?x
=art+3+do+cdc>. Acesso em: 25 mar. 2014.
190 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 25 mar. 2014.
191 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 474.
contrato, o descumprimento da obrigação e por consequência surge a responsabilidade civil de indenizar.
―Produto é qualquer objeto cultural, que realiza valores e visa a atender carências humanas.
[...]
Ao lado dos produtos, os serviços constituem objeto, também, das relações de consumo e consistem, fundamentalmente, em atividade desenvolvida contratualmente em benefício do consumidor e mediante contraprestação.‖192
―Portanto, as empresas que prestam serviços de transporte aéreo no mercado de consumo brasileiro, enquadram-se no conceito de fornecedor, e tanto os passageiros como os equiparados são considerados consumidores, essa relação configura-se típica de consumo e se aplica ao Código de Defesa do Consumidor.‖ 193
O transporte aéreo é um serviço que se enquadra no Código do Consumidor, visto que atende a todos os precedentes para ser classificado como tal, fornecido pela companhia aérea, mediante remuneração e com o intuito de transportar o consumidor (passageiro) que contratou seus serviços pra um local de destino.
4.3.3.3 O uso da culpa exclusiva da vítima no Código do Consumidor
O Código do Consumidor foi claro ao reger as relações de consumo visando sempre o lado mais fraco da situação, que por excelência sempre foi o próprio consumidor, mas não poderia ser juiz dessa relação se também não amparasse o fornecedor que cumprindo com as exigências que o Código lhe atribui ainda assim saísse prejudicado.
A responsabilidade da companhia aérea é em regra objetiva, pois é regida pelo Código do Consumidor, e, portanto esta sujeita a teoria do risco já mencionada anteriormente, não precisando comprovar a culpa, mas como foi dito em causas que geram a responsabilidade civil a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, é perfeitamente adequada á responsabilidade do cliente, pois embora a empresa responda a partir da teoria do risco a mesma garante em seu artigo 14º, § 3, II do Código do Consumidor, que o prestador de serviços não responderá quando conseguir comprovar a culpa exclusiva da vítima, e esta agindo com culpa, no caso imprudência, é a única responsável pelos próprios danos.
192 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 474.
193 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 25 mar. 2014.
―CDC- Lei nº8. 078 de 11 de Setembro de 1990
Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos á prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos.
[...] §3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro‖.194
―É objetiva a responsabilidade no transporte de passageiros, da mesma forma como ocorre relativamente ao transporte de coisas. E é curial: reconhecida a obrigação de garantir a incolumidade do viajante, e traduzindo o fato de que ele se queixa uma demonstração de que essa incolumidade não foi assegurada, logicamente, é á empresa de transporte que incumbe provar que não faltou á sua obrigação, em face do caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima‖.195
Se tratando de uma relação comercial consumerista a parte mais fraca será o consumidor, no caso o passageiro, mas isso não o isenta de suas responsabilidades, pois, para que o fornecedor possa executar o serviço como prometido a conduta também deve ser positiva por parte do passageiro, os princípios da confiança e da boa fé deverão estar presentes dos dois lados.
―No caso de culpa exclusiva da vítima, o prestador de serviço deverá
‗provar‘, que o consumidor provocou o ato, cabendo somente a este o ônus da prova. Se assim, for comprovado que o ato decorreu de culpa exclusiva da vítima, o prestador de serviço não responderá, portanto, não terá de indenizar o consumidor‖.196
O prestador de serviços, cumprindo com a sua obrigação, deve ser devidamente protegido pela lei, pois ele agiu da única forma coerente diante da situação e o consumidor não deve e nem pode ser entendido como ‗vítima‘ por arcar com as consequências de seus próprios atos.
194 JUSBRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx-00-xx-xxx-x-0000-xx-00-xx-xxxxxxxx-xx-0000>. Acesso em: 25 mar. 2014.
195 XXXX, Xxxx xx Xxxxxx. Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 254.
196 XXXXX, Xxxxxx de. XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxx Xxxxxx. A responsabilidade nos transportes aéreos de passageiros no Brasil (Aspectos que emergem do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxx/xxxxxx_xxx_00000.xxx, p.10>.Acesso em 25 mar. 2014
A Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional foi assinada em Varsóvia em 1929, elaborada devido á necessidade de se regulamentar melhor os transportes aéreos internacionais, visto que o primeiro a tratar deste assunto foi celebrado em Paris em 1919, e já não comportava todas as necessidades que a matéria exigia.
―[...] até o século XIX não existiam mais que oito mil convenções internacionais, após a Segunda Guerra Mundial já eram catalogadas mais de cinquenta mil tratados em vigor. Foi nesse cenário que surgiram os primeiros estatutos concernentes ao transporte no âmbito internacional, a exemplo da Primeira Convenção Internacional de Navegação Aérea, celebrada em Paris, em 1919[...]‖.197
―Somente uma década depois, com o incremento dos vôos internacionais de pessoas e cargas, celebrou-se a primeira Convenção para Unificação de certas regras para o Transporte Aéreo Internacional, na cidade de Varsóvia, em 1929‖.198
Assim como a primeira Convenção precisou ser modificada a de Varsóvia também seria aperfeiçoada posteriormente pelo Protocolo de Haia e os Protocolos adicionais de Montreal.
―Outras convenções sucederam-se na história do Transporte Aéreo Internacional, tal como [...], o Protocolo de Haia e os Protocolos Adicionais de Montreal, que aperfeiçoaram o modelo do Sistema de Varsóvia‖. 199
Ensina Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxx os principais objetivos da Convenção:
―Esse tratado, incorporado pelo Brasil através do Dec. 20.704/31, possuía como principais objetivos padronizar a documentação emitida pelo transportador para o passageiro, bagagem despachada e a carga, bem como estabelecer limites para a responsabilidade do transportador nos casos de sinistro ou dano‖. 200
197 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: o Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 26 mar. 2014
198 Ibidem.
199 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
O limite de responsabilidade do transportador é o primeiro ponto a ser discutido sobre a Convenção, pois é essencialmente o que mais gera conflito, como explica o autor ao citar Quintana Xxxxx:
―O fundamento da limitação da responsabilidade civil no transporte aéreo tem por objetivo permitir que as empresas conheçam a priori o montante que as indenizações podem alcançar em face de acidente. Com isso, o transportador poderá garantir os riscos inerentes ao transporte aéreo e não estará exposto ás graves consequências ocasionadas por um acidente aéreo [...] se esse sistema foi necessário diante do estado da indústria do transporte aéreo no período [da Convenção de Varsóvia], hoje é um dos temais mais discutidos, já que hoje esse princípio [da limitação da responsabilidade do transportador], não tem mais razões históricas para existir‖. 201
―Art. 22º. No transporte de pessoas a responsabilidade da entidade transportadora relativa a cada passageiro é limitada á quantia de duzentos e cinquenta mil francos. No caso em que, segundo a lei do tribunal que se ocupa do assunto, a indenização pode ser fixada em forma de pagamentos periódicos, o capital desses pagamentos não podem ultrapassar esse limite. Contudo, por acordo especial com a entidade transportadora, o passageiro poderá fixar um limite de responsabilidade mais elevado‖. 202
O conflito surge após o Código do Consumidor estabelecer a responsabilidade integral do transportador:
―O Código do Consumidor, por sua vez, vai em sentido contrário, ao estabelecer a responsabilidade civil objetiva para todas as vítimas do evento, inclusive terceiros, salvo motivo de força maior.[...]. Noutra borda,sustenta o dever de indenização integral (art. 6º,VII) afastando qualquer limitação á satisfação do dano[...]‖.203
A Convenção limita e torna dificultoso o processo de prova de responsabilidade do transportador como ensina Xxxxx Xxxxx:
―A Convenção de Varsóvia dificulta o pleito de indenização, pois, conforme a disposição do art. 20º, isenta de responsabilidade o transportador, quando este prove que tomou as precauções devidas para impedir os danos ou que não lhe fora possível tomá-las. No transporte de passageiros, a responsabilidade do transportador ficou limitada, em caso de acidentes pessoais, á importância de cento e vinte mil francos, podendo os
201 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: o Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 26 mar. 2014.
202 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. Disponível em:<xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxxxx0/xxxxxxxxx_xx varsovia.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2014.
203 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Op.cit.
contratantes, entretanto,adotar um patamar mais elevado. Tal limite não prevalece em caso de reconhecida culpa grave ou dolo‖. 204
O conteúdo da Convenção é para melhorar as condições do transporte aéreo para transportadores e passageiros, mas dá preferência visivelmente ao transportador, visto que adota a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, tornando dificultoso o processo de prova pelo consumidor (que só não será limitada a responsabilidade caso se prove culpa grave ou dolo), limitando a responsabilidade e indenização, motivos pelos quais estas partes do tratado divergem do Código do Consumidor e, portanto não são recepcionados na relação de consumo de transporte aéreo nacional.
―Artigo 25º. No transporte de passageiros e de bagagens, os limites de responsabilidade previstos o artigo 22º não se aplicam se se provar que o dano resulta de acto ou omissão do transportador ou dos seus propostos, quer com a intenção de provocar dano, quer temerariamente e com a consciência de que o dano resultaria provavelmente de um acto ou omissão, contando que, no caso de acto ou omissão dos propostos, terá também de se provar que estes agiram no exercício das suas funções‖. 205
A Convenção teria de ser aperfeiçoada devido aos inúmeros conflitos que ocorria devido à limitação dos transportadores, nesse sentido foram editados novos Protocolos, como o de Montreal e o Protocolo de Haia, embora não haja tempo e espaço para analisar detalhadamente cada um deles neste estudo, é relevante ressaltar que todos acrescentaram melhorias à questão da limitação da responsabilidade do transportador, mas que ainda assim a culpa exclusiva da vítima continua garantida, como ensina Xxxx xx Xxxxxx Xxxx:
―A Convenção de Montreal, assinada em 29 de maio de 1999, que encerou os trabalhos iniciados em 1996, sempre no sentido de tentar corrigir o rumo da Convenção de Varsóvia, estabeleceu os seguintes pontos de avanço, segundo relatório feito pelo delegado francês ao Senado da França.
1 Adoção do princípio da responsabilidade civil ilimitada do transportador aéreo em caso de danos corporais, articulada em dois níveis: num primeiro nível, um regime de responsabilidade civil objetivo, até o montante de
100.00 DTS; num segundo nível, responsabilidade baseada na culpa presumida, da qual o transportador não se exonera senão provando que não cometeu nenhum ato culposo ou que o dano é devido á culpa exclusiva da vítima‖. 206
204 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 462.
205 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxxxx0/xxxxxxxxx_xx varsovia.pdf>, Acesso em: 26 mar. 2014.
206 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx, Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 285.
Em se tratando exclusivamente da Convenção de Varsóvia, sem os posteriores avanços do protocolo de Montreal, a mesma não pôde ser recepcionada no que se refere á limitação de responsabilidade, como explica Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
―A Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica não foram recepcionados pela Constituição Federal, no que se refere á limitação de responsabilidade civil por acidentes de consumo (vícios de qualidade por insegurança). Seus dispositivos, nessa matéria, são contrários á ordem pública constitucional brasileira, posto que o quantum debeatur máximo (teto), em ambos os estatutos, é simples valor simbólico, não propriamente indenização justa pelos danos sofridos‖. 207
A explicação desse diploma legal é necessária para se compreender que ele é afastado pelo Código do Consumidor, mas se a discussão entre diferentes doutrinadores resultasse na supremacia da Convenção de Varsóvia, e por consequência a Constituição Federal e o Código do Consumidor fossem afastados, e a Convenção de Varsóvia fosse usada ainda assim o passageiro descuidado seria penalizado, pois a mesma confere todos os direitos e deveres de passageiros e transportador, artigo por artigo dizendo os termos de responsabilidade á que estão submetidas ambas as partes, e diz claramente no art. 20º e 21º que o transportador pode ser isento se fez todo o possível para evitar o dano e principalmente se for comprovado que a pessoa xxxxxx foi a responsável pelo dano.
―Art. 20º - No transporte de passageiros e de bagagens e em caso de dano resultante de atraso no transporte de mercadorias, o transportador não é responsável se prova que ele e os seus propostos tomaram todas as medidas necessárias para evitar o prejuízo ou que lhe era impossível tomá-las‖.208
―Art. 21º - No transporte de passageiros e bagagens, se o transportador fizer a prova de que foi culpa da pessoa lesada que causou o dano ou para ele contribuiu, o tribunal poderá, de harmonia com a disposição de suas próprias leis, afastar ou atenuar a responsabilidade do transportador‖.209
Os artigos da Convenção de Varsóvia são feitos e interpretados segundo o princípio da boa fé como explica a Convenção de Viena de 1969, sobre o Direito dos Tratados:
―A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, estabelece regras gerais acerca da interpretação dos tratados internacionais. A primeira delas, disposta no cânon do art. 31, alínea 1, consagra o princípio da boa fé do intérprete, ao versar que ‗todo tratado deve ser interpretado de boa fé,
207 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 26 mar. 2014
208 CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxxxx0/xxxxxxxxx_xx varsovia.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2014.
209 Ibidem.
segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e á luz do seu objeto e finalidade‖.210
O uso da culpa exclusiva da vítima é, portanto instrumento jurídico feito e assegurado pela boa fé, não somente pelo Código do Consumidor, mas também por tratados internacionais, retirando qualquer dúvida de que sua aplicabilidade serve para prejudicar inocentes, pelo contrário serve apenas para respeitar o princípio da boa fé e da confiança, protegido não somente pelo nosso ordenamento jurídico, mas também pelo o ordenamento jurídico mundial.
4.3.5 O Código Brasileiro de Aeronáutica
A criação de convenções e tratados mundo á fora sobre o transporte aéreo, fez surgir em nosso ordenamento a necessidade de regulamentar essa importante atividade que vinha crescendo a cada dia, com isso surgem os primeiros Códigos dispondo sobre as relações que envolveriam a responsabilidade do transportador e passageiro.
Antes que seja analisada a breve parte histórica que levou ao Código Brasileiro de Aeronáutica é importante definir que esse diploma legal irá dispor sobre os vôos domésticos, definidos no artigo 215, como explica Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
―A Lei 7.565 de 19.12.1986, instituiu o Código Brasileiro de Aeronáutica.
Nele, interessa-nos o transporte doméstico, definido como todo aquele ―em que os pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados em território nacional. (art. 215)‖. 211
O Código Civil aprovou em 1925 o primeiro Regulamento para os Serviços Civis de Navegação Aérea, e posteriormente regulamentando pelo Código Brasileiro do Ar, em 1938,como ensina Xxxx xx Xxxxxx Xxxx:
―A responsabilidade civil pelos danos oriundos da navegação aérea, até o advento do Código Brasileiro do Ar- Decreto- Lei nº483, de 8 de junho de 1938- era regulamentado pelo Código Civil por força do art. 84 do Decreto
210 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: o Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 26 mar. 2014.
211 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 27 mar.2014.
nº16.983, de 22 de junho de 1925, que aprovou o primeiro Regulamento para os Serviços Civis de Navegação Aérea‖.212
Mas foi somente quando sobreveio o Código Brasileiro de Ar, Decreto Lei nº32, de 18 de Novembro de 1966, ratificado pelo Decreto- Lei nº 234, de 28 de Janeiro de 1967- se chegou a definição de transportador que se usa hoje em dia.
―O Código do Ar de 1966(Decreto – Lei nº 32, de 18 de novembro), deu nova conceituação ao transportador, e ao que parece, aproximando-se daquela proposta pela Delegação Brasileira á Conferência de Varsóvia: “Transportador, para efeito do presente Código, é a pessoa natural ou jurídica, proprietária ou exploradora da aeronave, que se obriga, em nome próprio, a executar serviço aéreo de transporte de pessoas ou coisas.” (art. 80)‖. 213
O Código Brasileiro de Aeronáutica foi o próximo a tratar do assunto, com a Lei 7.565 de 19 de Dezembro de 1986, adotando a disciplina igual á Convenção de Varsóvia que limita a responsabilidade do transportador.
―[...] culminando com o Código Brasileiro de Aeronáutica de 1986(Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986), que possui disciplina igual á da Convenção de Varsóvia, limitando a responsabilidade‖. 214
O Código passa pelos mesmos conflitos que a Convenção de Varsóvia sobre a responsabilidade do transportador que é claramente limitada, fazendo com que o Código do Consumidor não recepcione o Código Brasileiro de Aeronáutica nessa questão, mas que não o revoga em questões que não tratem da relação de consumo. ―[...] o Código de Defesa do Consumidor não revogou a integralidade da Convenção e do Código Brasileiro de Aeronáutica, a não ser onde patente a antinomia‖. 215
O conflito surge então quando havendo relação de consumo, o Código Brasileiro de Aeronáutica limita a responsabilidade do transportador, como ensina Xxxxx Xxxxx citando o artigo 257º:
212 DIAS, Xxxx xx Xxxxxx, Da responsabilidade civil. 11. ed. Revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002 e aumentando por Xxx Xxxxxxxx Xxxx. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 278.
213 Ibidem, p. 278.
214 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 27 mar. 2014.
215 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 27 mar. 2014.
―O Código Brasileiro de Aeronáutica [...] para caso de morte ou lesão de passageiro ou tripulante, fixou, no caput. Do art. 257, o limite em valor equivalente a 3.500 Obrigações do Tesouro Nacional. [...] Tais limites não prevalecem em caso de dolo ou culpa grave do transportador‖. 216
Outro ponto discutido pelo autor é também a dificuldade em se provar a culpa do transportador: ―O ônus de tais provas é do autor da ação, condição esta que dificulta em tese o sucesso no pleito indenizatório‖ 217, isso ocorre porque a responsabilidade será a mesma da Convenção de Varsóvia, por culpa e limitada indo de contramão ao que o Código do Consumidor exige, responsabilidade por risco e ilimitada.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, portanto, não pode ser recepcionado nesse ponto, porque como explica Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, a lei deverá ser sempre para ampliar direitos e nunca reduzi-los. ―Vale dizer, os tratados e convenções, nessa matéria, são válidos, desde que sirvam para ampliar os direitos dos consumidores, nunca para reduzi-los‖. 218
O Código do Consumidor é, portanto mais benéfico ao consumidor, visto que responsabiliza o transportador de forma ilimitada e que procura a reparação integral.
―O Código de Defesa do Consumidor conflita com o tratamento da responsabilidade civil do Código Brasileiro de Aeronáutica, tanto no que se refere ao regime de imputação (o Código Brasileiro de Aeronáutica exige aferição de ―dolo ou culpa grave‖ para permitir a reparação in integrum, enquanto o Código de Defesa do Consumidor faz uso de um sistema objetivo de responsabilização), como no que tange á fixação do teto indenizatório‖.219
O intuito de estudar esse diploma é apenas para ter como referência que existem outras leis que regulam o transporte aéreo, mas que não se adéqua a situação do caso estudado, visto que se trata de relação consumerista e, portanto sendo aplicado o Código do Consumidor, mas é importante dizer que tal diploma, assim como CDC e a Convenção de Varsóvia, assegura o caso de culpa exclusiva da vítima, ou seja, em todos as leis que regem a matéria o passageiro será penalizado por seu comportamento inadequado e tendo causado dano a si mesmo, ele será o único responsável pelo prejuízo.
É o que diz o artigo 256º, § 1, a:
216 XXXXX, Xxxxx. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, volume 7, p. 462.
217 Ibidem, p.472, 462.
218 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 27 mar.2014.
219 Ibidem.
―Artigo 256º. O transportador responde por dano decorrente:
I - de morte ou lesão de passageiro, causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque.
§ 1º O transportador não será responsável:
a) No caso do item I, se a morte ou lesão resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro, ou se o acidente decorrer de sua culpa exclusiva‖. 220
Assim como na Convenção na Convenção de Varsóvia, se o Código do Consumidor fosse afastado e o Código Brasileiro fosse o responsável por tratar das relações de consumo, o passageiro culpado ainda assim seria penalizado por seu comportamento descuidado, o que torna a culpa exclusiva da vítima princípio de proteção da boa fé e da confiança encontrado em todos os diplomas legais tratantes do assunto.
4.4 A supremacia do Código do Consumidor perante os outros diplomas legais
A lei específica nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990 visou regulamentar as relações de consumo, criada devido á necessidade de se proteger a parte mais fraca dessa relação, e como foi dito anteriormente é importante salientar de que é uma lei oriunda da própria Constituição Federal, como diz o art. 5º XXXII, e que por isso quando houver divergência em que ela se adéque ela será a lei utilizada para dirimir conflitos, pois a Constituição promove a defesa do consumidor, sendo, portanto oriunda de lei suprema, e por consequência sobrepõem-se ás demais leis. ―Art. 5º- XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor‖. 221
―A Constituição, como lei maior, sobrepõe-se ás demais leis, e mesmo a tratados firmados pelo Brasil, resultando clara a possibilidade de indenização por dano moral nos casos decorrentes do direito violado‖. 222
O Código do Consumidor é lei específica garantida pela Constituição Federal, onde foi estipulado que as relações de consumo seriam regulamentadas a partir da nova lei, e como afirma Xxxxxxxx Xxx em artigo publicado pelo JusBrasil, ―O Código de Defesa do
220 CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxx_xxxxxxxxxx/ 1986-007565/007565_1986_cba_256_a_259.htm>. Acesso em 22 mar. 2014.
221 JUSBRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/00000000/xxxxxx- xxxii-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988> Acesso em 22 mar. 2014.
222 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 22 mar. 2014.
Consumidor tem alicerce e raiz constitucional‖223, sendo disciplinado pela CF/88 como direito fundamental, princípio da ordem econômica nacional e mandamento constitucional, como ensina o artigo de Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxx:
―Nesse contexto, a Carta Republicana de 1988, especialmente em três momentos, disciplina e legítima essa importante matéria, ora como direito fundamental (art.5º, XXXII, CF), ora como princípio da ordem econômica nacional (art. 170, V, CF) e, ainda na letra do art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, onde se avisa o mandamento constitucional para que o legislador infraconstitucional elabore um Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Esse triplo comando constitucional é de logo referenciado pelo art. 1º do próprio diploma consumerista, ao estabelecer:
Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas disposições transitórias‖.224
É importante entender que o Código do Consumidor é lei específica por excelência, pois trata de matéria específica, mas há divergências neste ponto, pois embora seja oriunda da própria Constituição existem autores que estabelecem a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica como ‗supremas‘ diante do uso do Código de Defesa do Consumidor, como o autor Xxxx Xxxxxxx Xxxx, que cita Xxxxxxx Xxxxxx e depois concluí que o Código de Defesa do Consumidor é lei geral:
―Se existe antinomia entre a regra geral e peculiar, específica, esta no caso, particular, tem a supremacia. [...] Em toda disposição de Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente á espécie‖.225
―Consumado o juízo de comparação, teremos que o Código de Defesa do Consumidor é lei especial em relação ao Código Civil. Não obstante, se o compararmos com o Código Brasileiro de Aeronáutica e ás disposições da Convenção de Varsóvia‖. 226
Xxxx ainda fundamenta sua tese em que a lei nova não revoga nem modifica lei anterior se não for expressamente revogada, que se a anterior não for incompatível com a
223 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 26 mar. 2014.
224 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: O Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 26 mar. 2014.
225 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Transporte aéreo de passageiros; dano moral causada a passageiro: prevalência do Código Brasileiro de Aeronáutica sobre o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol.8, nº28, p.23-24, abril/junho. 2005.
226 Ibidem.
nova, e quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, ao citar o art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
―Assim, o que resultou definido no §2º, do art. 2º da vigente Lei de Introdução ao Código Civil é que a lei nova- qualquer que ela seja, geral ou especial- não revoga nem modifica lei anterior quando estabelecer disposições a par das já existentes‖.227
O autor diz que por O Código Brasileiro de Aeronáutica não ter sido revogado expressamente e que por não ser incompatível com a nova matéria deveria ser dominante no ordenamento, como também considera O Código do Consumidor amplo e extenso sem especificar um determinado mercado do consumidor quando o Código da Aeronáutica o faz, e que por isso deveria ser o diploma legal dominante.
―Xxx, o Código do Consumidor não revogou expressamente, nem é incompatível com ela, nem regulou inteiramente a matéria de que tratam os preceitos considerados do Código Brasileiro de Aeronáutica e a que respeita a Convenção de Varsóvia‖. 228
―Não há incompatibilidade entre os textos normativos considerados, porque um é geral em relação ao outro: a primeira trata da defesa do consumidor (compreensão menor e extensão maior); as segundas, de relação entre os agentes econômicos e seus clientes em determinado mercado (setor da economia), disciplinando, inclusive, aspectos atinentes a sua defesa enquanto consumidores. Assim, temos: uma lei geral, sobre a defesa dos consumidores e textos normativos específicos que encerram, entre outras, disposições sobre a defesa do consumidor determinado mercado (setor da economia)‖. 229
O autor se prende então ao ponto de que tanto a Convenção de Varsóvia quanto o Código Brasileiro de Aeronáutica por não terem sido expressamente revogados, e como leis específicas, deveriam ser dominantes, mas ele não leva em conta que tanto um quanto o outro dispõem sobre matéria incompatível com nosso ordenamento, visto que limita a indenização e limita a responsabilidade do transportador, baseado na culpa, e ignorando a supremacia da Constituição quando legisla.
Trata-se de uma relação de consumo, e já foi definido que quando for caracterizada tal relação será usado o Código de Defesa do Consumidor, visto que tem alicerce constitucional, e que é lei específica e principiológica.
227 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Transporte aéreo de passageiros; dano moral causada a passageiro: prevalência do Código Brasileiro de Aeronáutica sobre o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, vol.8, nº28, p.23-24, abril/junho. 2005.
228 Xxxxxx.
000 Xxxxxx.
―O CDC criou um microssistema próprio, por se colocar, no ordenamento jurídico, como uma lei principiológica, pelo que a ela devem se subordinar todas as leis específicas quando tratarem de questões que atinem a relações de consumo‖. 230
Sendo o transporte aéreo regido pela responsabilidade objetiva, também se exclui o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia, pois ambos são regidos pela responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, e de que principalmente o Código do Consumidor trata da reparação integral.
―Desde o advento do CDC, o transporte aéreo, internacional ou nacional, contratado no Brasil, quando inserido numa relação de consumo é regido por ele, não se aplicando a responsabilidade do transportador aéreo contida nas legislações aeronáuticas, na presunção de culpa, mas sim a responsabilidade civil objetiva, conforme estabelecido nos arts. 6º, V, 14, 20, 25 e 51, I do CDC. Assim é que não há de se falar em limites da responsabilidade do transportador aéreo, pois o CDC adotou o princípio da reparação integral, na proporção do dano sofrido, não comportando limitações, indenizando os danos materiais e imateriais‖.231
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx rebate também o texto de Xxxx Xxxxxxx Xxxx ao entender que o Código do Consumidor que mesmo que seja lei nova e não possa derrogar lei anterior, deve-se ter em conta a hermenêutica de que as leis devem sempre agir em prol do que for mais favorável para a sociedade.
―O argumento que se lança é o de que aquelas normas seriam especiais em relação ao Código de Defesa do Consumidor e que, portanto, prevaleceria a regra instituída pelo artigo 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (― A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior)‖.
Surge, pois, o primeiro equívoco dos que vêem as leis exclusivamente como resultado de ilação teórica, esquecendo-se que elas devem servir á sociedade com a finalidade de facilitar a vida do homem, protegendo seus mais relevantes valores.
Na hermenêutica jurídica, segundo os ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxxx, quando se depara com o critério da especialização, é preciso analisar com cuidado se realmente se está diante de uma nova lei genérica ou de um ordenamento diferenciado, visando á criação de um sistema jurídico inovador‖.232
230 XXX, Xxxxxxxx. A responsabilidade civil do transporte aéreo nas relações de consumo. Disponível em:<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxx- relações-de-consumo>. Acesso em: 26 mar. 2014.
231 Ibidem.
232 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xx.xx/xxxxxx/xxxx/xxxxxx/xxx_xxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/XXXXX%00Xxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 26 mar. 2014.
E finalmente Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx coloca fim a discussão alegando a diferença entre disciplina especial em decorrência da modalidade de prestação e disciplina especial em razão do sujeito tutelado:
―São normas que têm por função, não regrar uma determinada matéria, mas proteger sujeitos particulares, mesmo que estejam eles igualmente abrigados sob outros regimes jurídicos. Daí o caráter ‗especialíssimo‘ do Direito do Consumidor. Enquanto que o Direito Aeronáutico é disciplina especial em decorrência da modalidade de prestação, o Direito do Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito tutelado. E, como é curral, prepondera o sistema protetório do indivíduo em detrimento do regime protetório do serviço ou produto‖. 233
A defesa do Código do Consumidor, como supremo perante os demais, é apenas para ilustrar que se age de boa fé ao usar o ordenamento jurídico estipulado pela própria Constituição, e que sendo assim não existe a menor possibilidade de que o transportador não responda quando for o causador do dano ou que responda de forma limitada como ocorre na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro de Aeronáutica, portanto atribuir a culpa exclusiva da vítima não é fugir da responsabilidade, mas apenas atribuir a mesma com justiça, pois a própria lei de defesa do consumidor prevê o seu uso.
4.4.1 Análise da Jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a Supremacia do CDC
A antinomia entre o Código de Defesa do Consumidor, Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica se estabelece quando é tratada a limitação do valor indenizatório ás vítimas, o primeiro defende veementemente que a indenização deverá ser integral e as demais limitam o quantum indenizatório da vítima.
Hoje se tem o entendimento que o Código de Defesa do Consumidor irá prevalecer perante os demais, mas nem sempre foi assim, os tribunais superiores, tinham como entendimento que a Convenção de Varsóvia deveria determinar o quantum indenizatório, por se tratar de lei específica, como ensina o advogado Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxx.
―Os tribunais pátrios debruçaram-se, igualmente, sobre a matéria, inclinando-se as Cortes Superiores, de início, a favor da aplicação da Convenção Internacional, mesmo após o advento do Código de Defesa do Consumidor. Ainda que patente a caracterização da relação de consumo, o STJ entendia que o CDC, por ser lei superveniente e de caráter geral, não
233 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 26 mar. 2014
afastava as disposições da Convenção de Varsóvia, a qual tratava especialmente a matéria‖. 234
Conforme o Recurso Especial. 58.736/MG, citado também pelo advogado, onde o recurso especial foi vencido por voto da maioria:
―LEI - TRATADO. O TRATADO NÃO SE REVOGA COM A EDIÇÃO DE LEI QUE CONTRARIE NORMA NELE CONTIDA. PERDERA, ENTRETANTO, EFICACIA, QUANTO AO PONTO EM QUE EXISTIA ANTINOMIA, PREVALECENDO A NORMA LEGAL. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS, PERTINENTES A SUCESSÃO TEMPORAL DAS NORMAS, PREVISTOS NA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. A LEI SUPERVENIENTE, DE CARATER GERAL, NÃO AFETA AS DISPOSIÇÕES ESPECIAIS CONTIDAS EM TRATADO. SUBSISTENCIA DAS NORMAS CONSTANTES DA CONVENÇÃO DE VARSOVIA, SOBRE TRANSPORTE AEREO, AINDA QUE DISPONHAM DIVERSAMENTE DO CONTIDO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR‖.235
Posteriormente o Código de Defesa do Consumidor se consolidou como matéria majoritária, com o Recurso Especial 169.000/RJ, assegurada pela Constituição em seu art. 5º, XXXII, o código estabelece as normas para contratos de transporte aéreo quando configurada relação de consumo, sendo, portanto afastado qualquer lei, tratado ou convenção internacional que disponha contra matéria do mesmo código.
―RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTADOR. LIMITAÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA.
EDITADA LEI ESPECÍFICA. EM ATENÇÃO Á CONSTITUIÇÃO (ART. 5º, XXXII), DESTINADA A TUTELAR OS DIREITOS DO CONSUMIDOR, E MOSTRANDO-SE IRRECUSÁVEL O RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÕES DE CONSUMO, SUAS DISPOSIÇÕES DEVEM PREVALECER. HAVENDO ANTINOMIA, O PREVISTO EM TRATADO PERDE EFICÁCIA, PREVALECENDO A LEI INTERNA POSTERIOR QUE SE REVELA COM ELE INCOMPATÍVEL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO‖.236
Após essa decisão houve uma consolidação maior da supremacia do Código do Consumidor, como afirma o advogado Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxx:
234 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: O Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 31 mar. 2014.
235 BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Resp. 58.736/MG. Relator: Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx. Terceira Turma.
Julgado em: 13/12/1995, publicado no DJ de 29/04/1996.
236 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº 169.000/RJ. Relator: Ministro Paulo Costa Leite. Terceira Turma. Julgado em: 04/04/2000, publicado no DJ de 14/08/2000.
―Tais decisões cristalizaram toda uma tendência, tornando uníssono o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Desse modo, derrogaram-se todas e quaisquer antinomias existentes entre as normas em conflito, indo desde a proibição de indenização tarifada, passando pela admissibilidade de indenização por dano moral, até a modificação de prazo decadencial, em consonância com o diploma protetivo‖. 237
Tese que se confirma também nas palavras de Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx:
―A Convenção, o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Código de Defesa do Consumidor convivem de maneira harmoniosa, permanecendo aqueles dois primeiros documentos plenamente em vigor, exceto em relação a alguns de seus dispositivos, onde o conflito é evidente‖. 238
Em outras decisões como na Decisão Monocrática de Apelação Cível Nº 024080087141239 de relatoria da Desembargadora Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, foi decidido igualmente a impossibilidade de limitação de indenização, citando não somente como fundamento o Resp. 169.000/RJ, mas como também ensinamento de Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx:
―[...] é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori speciali, porque, tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva; a lei que estabeleceu a Política Nacional de Relações de Consumo, consolidando em um só diploma legal todos os princípios atinentes à matéria, em razão de competência que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal, e, na matéria de sua competência específica, nenhuma outra lei pode a ele (Código) se sobrepor ou subsistir. Pode apenas coexistir naquilo que com ele não for incompatível.240
Como em tantas outras decisões que primaram pela supremacia do Código de Defesa do Consumidor, tem-se o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 903969 RJ 2007/0109757-3, que novamente afasta uso da Convenção de Varsóvia.
―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS - ATRASO - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DANO MORAL - SÚMULA 7/STJ - APLICAÇÃO
237 XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: O Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 31 mar. 2014.
238 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxx/Xxxxxxxx/0000.xxx>. Acesso em: 31 mar. 2014.
239 BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. AC 24080087141 ES 024080087141. Relator: Desembargadora Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Quarta Câmara Cível. Julgado em: 31/03/2009, publicado em: 07/04/2009.
240 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. in Programa de responsabilidade civil ... pp. 216 – 217.
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM DETRIMENTO DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - VALOR INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE.
I - Esta Superior Corte já pacificou o entendimento de que não se aplica, a casos em que há constrangimento provocado por erro de serviço, a Convenção de Varsóvia, e sim o Código de Defesa do Consumidor, que traz em seu bojo a orientação constitucional de que o dano moral é amplamente indenizável‖. 241
Como também o Recurso Especial 257699 / SP:
- Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as disposições do Código de Defesa do Consumidor em relação à Convenção de Varsóvia. Derrogação dos dispositivos desta que estabelecem a limitação da responsabilidade das empresas de transporte aéreo. Recurso especial não conhecido‖. 242
E o Agravo em Recurso Especial Nº 27.528/ RJ (2011/0165785-2)
―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE PASSAGEIROS - EXTRAVIO DE BAGAGEM EM VOO INTERNACIONAL - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DANO MORAL - SÚMULA 7/STJ - APLICAÇAO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM DETRIMENTO DA CONVENÇAO DE VARSÓVIA - VALOR INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE.
1.- Esta Superior Corte já pacificou o entendimento de que não se aplica, a casos em que há constrangimento provocado por erro de serviço, a Convenção de Varsóvia, e sim o Código de Defesa do Consumidor, que traz em seu bojo a orientação constitucional de que o dano moral é amplamente indenizável‖. 243
Jurisprudência usada também por Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxx:
―TRANSPORTE AÉREO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. APLICAÇÃO DO CDC. EXTRAVIO DE BAGAGEM. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. PRELIMINAR AFASTADA.[...]
241 BRASIL. Superior Tribunal Federal. AgRg no Ag 903969 RJ 2007/0109757-3. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxx. Terceira Turma. Julgado em: 09/12/2008, publicado no DJ de 03/02/2009.
242 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Resp. 257699/SP. Relator: Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Quarta Turma. Julgado em: 05/12/2000, publicado no DJ de 19/03/2001.
243 BRASIL. Superior Tribunal Federal. AgRg no AREsp 27528 RJ 2011/0165785-2. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxx. Terceira Turma. Julgado em: 15/09/2011, publicado no DJ de 03/10/2011.
2. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor que afasta a incidência da Convenção de Montreal por ser norma hierarquicamente superior a esta‖.244
Assim como o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1060792/RJ 2008/0112749-
5.
―PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA.
- A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de prevalência das normas do CDC em relação à Convenção de Varsóvia, inclusive quanto à prescrição.
- Negado provimento ao agravo‖. 245
O Supremo Tribunal Federal determinou também a supremacia do Código do Consumidor, visto que este é lei específica oriunda da própria Constituição, e esta é soberana perante todos os outros diplomas legais.
"INDENIZAÇÃO — DANO MORAL — EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA — CONVENÇÃO DE VARSÓVIA — OBSERVAÇÃO MITIGADA — CONSTITUIÇÃO FEDERAL — SUPREMACIA.
O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República — incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." (RE 172.720-9, Rio de Janeiro. Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx. 06.02.96).246
O Código do Consumidor também afasta o uso do Código Brasileiro de Aeronáutica, como entendimento do Recurso Extraordinário 351.750-3/RJ247 de relatoria do Ministro Xxxxxx Xxxxxx, e que o entendimento contrário significa ‗ofensa indireta á Constituição da República‘.
244 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. AC nº 71002253870. Relator: Desembargador Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx . Terceira Turma Recursal. Julgado em: 15/10/2009. XXXX XXXXXX, Xxxx Xxxx xx. Responsabilidade civil no transporte aéreo internacional: O Código de Defesa do Consumidor, as Convenções Internacionais e sua discussão no STF. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx?xxx_xxxxxxxxxxxx&xxx_xxxxxxx000&xxx_xxxxxx00&xxx
_topico=direitointernacional>. Acesso em 31 mar. 2014.
245 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1060792 RJ 2008/0112749-5. Relator: Ministra Xxxxx Xxxxxxxx. Terceira Turma. Julgado em: 17/11/2011, publicado no DJE de 24/11/2011.
246 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx dos. Responsabilidade civil decorrente de extravio de bagagem aérea. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/000/xxxxxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx- aerea>. Acesso em 31 mar. 2014.
247 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Re. 351.750-3/RJ. Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxx. Primeira Turma. Julgado em: 17/03/2009, publicado no DJE de 25/09/2009.
―RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM VÔO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CDC. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo CDC. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do CDC ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta á Constituição da República. 4. Recurso não conhecido‖.
A supremacia do Código do Consumidor é evidente quando expostas as jurisprudências aqui analisadas, o que permite dizer que este será usado em sua integralidade inclusive quando se tratar das possibilidades de exclusão de responsabilidade do consumidor, como é o entendimento dos Embargos Infringentes nº 10024081742066003 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.248
―AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO - EMPRESA PRIVADA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ATRASO EXCESSIVO EM VÔO E INFORTÚNIOS DE GRANDE MONTA - EXCLUDENTE - INOCORRÊNCIA - OCORRÊNCIA DE DANO E NEXO CAUSAL - DANO MATEREIAL - DANO MORAL 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO - FIXAÇÃO - HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA.
- A culpa da empresa privada prestadora de serviço público é objetiva e presumida, que somente pode ser afastada com a comprovação de caso fortuito, força maior, ou culpa exclusiva da vítima, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, também não sendo elidida por culpa de terceiro, sendo neste caso necessário apenas se provar a ocorrência do dano e o nexo causal entre e a conduta e o dano.
- Não restando comprovada causa excludente da responsabilidade objetiva, impõe-se a obrigação de indenizar passageiro por danos morais tendo sido comprovado dano moral causado em decorrência de atraso excessivo em vôo em decorrência de falha na prestação de serviço prestado pela companhia aérea, além de submeter os passageiros a infortúnios desmedidos durante o traslado, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. - O 'quantum' indenizatório por dano moral não deve ser a causa de enriquecimento ilícito nem ser tão diminuto em seu valor que perca o sentido de punição‖.
A culpa exclusiva da vítima é, portanto assegurada pelo Código do Consumidor, quando o prestador de serviço, no caso o transportador aéreo, conseguir provar que não podia
248 BRASIL. Tribunal de Justiça. EI 10024081742066003. Relator: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Câmaras Cíveis Isoladas/14ª Câmara Cível. Julgado em: 31/01/2013, publicado em: 08/02/2013.