Arbitragem nas relações de consumo e a sua aplicabilidade nos contratos de adesão
Arbitragem nas relações de consumo e a sua aplicabilidade nos contratos de adesão
Arbitration in consumer relations and its applicability in adhesion
contracts
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx x Xxxxx0
Xxxx Xx Xxxxxx Xxxx0
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto arbitral e sua relação ao campo do Direito do Consumidor, avaliando sua aplicabilidade aos contratos de adesão consumeristas e sua operacionalização. A arbitragem, comumente, sentencia sobre a matéria de suas lides com maior eficiência e celeridade, o que, com a frequência crescente de seu emprego, causado pela mora judicial, impacta a seara consumerista.
Palavras-chave: Arbitragem, contrato de adesão, direito do consumidor.
Abstract
This article aims to analyze the arbitral institutes and its relationship to the field of Consumer Law, evaluating its applicability to consumer adhesion contracts and their operationalization. The arbitration commonly sentences the matter of its litigation with greater efficiency and speed, which, with the increasing frequency of its use, caused by judicial arrears, impacts the consumerist sphere.
Keywords: Arbitration, adhesion contract, consumer law.
1. Introdução
Como preâmbulo a este artigo, e a fim de alcançar os seus principais objetivos, precisa-se, em primeiro lugar, compreender o desenvolvimento histórico que acompanhou a
1 Orientando. Graduando em Direito pela universidade Unisociesc. E-mail: xxxx.0000@xxxxx.xxx
2 Orientador. Professor de Direito na universidade Unisociesc.
implantação e utilização do instituto arbitral, principalmente no Direito do Consumidor. Tal feito iniciou-se com o desenvolvimento industrial em meados do século XVIII, onde a manufatura alavancou o consumo em massa dos produtos fabricados. E com esta evolução, seguiu-se igualmente a criação e aprimoramento de mecanismos de tutela às novas relações do consumo.3
Já em terras brasileiras, pode-se encontrar que o registro primário da arbitragem deu-se na Constituição do Império de 1824, onde era estabelecido que as partes poderiam nomear juízes para resolver os conflitos da esfera civil; e para os julgamentos destes juízes não incidiria qualquer espécie de recurso, sendo prontamente executados – se assim as
partes acordarem.4 A partir de então, como afirmado por Xxxxxx (2001), o instituto da
arbitragem começou a florescer efetivamente em 1850 onde, no meio comercial, decretava-se o uso da arbitragem.5 No entanto, à data da Constituição de 1891, a arbitragem não constava no diploma legal.
Na Constituição de 1988, porém, sancionou-se em nova roupagem o instituto arbitral. Como lê-se:
Artigo 4. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
VII - solução pacífica dos conflitos;
Artigo 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar
§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.6
Na mesma cártula, de semelhante modo, a proteção ao consumidor é suscitada e elevada a um patamar de direito fundamental, frisando-se os seus aspectos econômicos de relação. Como dispõe a Constituição no art. 5, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”7
Neste contexto, a saber, de proteção ao consumidor e suas trocas voluntárias em meio ao mercado, promulgou-se, no ano de 1990, o Código de Defesa do Consumidor, inserindo dentro do ordenamento jurídico uma política totalmente renovada de relação
3 XXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, p. 48.
4 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil, 1824, art. 160: “Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Xxxxxxxx. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.”
5 XXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx. Arbitragem e poder judiciário: (lei 9.307, 23.09.1996): mudança cultural. São Paulo: LTr, 2001, p. 20.
6 BRASIL. Constituição (1988). Brasília; DF: Xxxxxx Xxxxxxx, 0000.
0 XXXXXX. Constituição (1988). Brasília; DF: Senado Federal, 1997.
consumerista. Além deste progresso, ao consumidor também foi conferida, graças a lei 8.078/1990, a condição de vulnerabilidade ante às figuras com as quais transaciona, tais como os fabricantes, fornecedores e importadores, para se referir aos principais.8
Outra particularidade do CDC, é seu fomento à resolução de litígios através de métodos alternativos,9 haja vista a enorme demanda de processos, com finalidades diversas, mas que encontram similaridades ao exigirem a preservação da autonomia da vontade e a proteção à vulnerabilidade do ente consumidor.
A arbitragem, por sua vez, recebeu seu próprio diploma em 1996, quando da criação da Lei n. 9.307/96,10 a qual funda uma nova cultura da resolução de litígios na vereda arbitral. Tal iniciativa foi entendida como método alternativo às tradicionais em voga no Poder Judiciário, e como medida para desafogá-lo.11
Hoje em dia, a lei regulamentadora do instituto extrajudicial, conjuntamente a já mencionada Lei n. 9.307/96, é a Lei n. 13.129/15,12 cujo escopo atualizou os artigos da lei predecessora, bem como os do Código Civil e de Processo Civil que regimentam sobre o tema em questão, passando a integrar o regramento e o ampliando para ser usado de forma mais abrangente, caso da possibilidade de se usar o instituto arbitral no âmbito da administração pública.
Esta mudança de paradigma, embora não se tratando particularmente dos contratos de consumo, possibilitou a utilização cada vez mais frequente deste instituto facultativo de solução de conflitos, tornando-o uma ferramenta útil e economicamente viável.
Vê-se, portanto, que ambas as matérias evoluíram quase que concomitantemente, tanto no horizonte global quanto nos avanços legais do Brasil, restando-nos analisá-las, com especial enfoque em sua confluência: a arbitragem consumerista.
Tal investigação terá, portanto, como objetivo a elucidação do problema de qual a correta aplicabilidade do instituto arbitral nas relações de consumo, abordando-se, mais especificamente, a esfera dos contratos de adesão consumeristas e as cláusulas que estipulem, dentro deste quadro legal, o uso compulsório da arbitragem, definindo, enfim,
8 BRASIL. CDC, art. 4º, inciso I - “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;”
9 BRASIL. CDC, art. 4º, inciso V - “incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;”
10 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 1996.
11 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Arbitragem como meio alternativo à crise do Judiciário. Tese Mestrado - Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Piracicaba/SP, 2006, p. 90.
12BRASIL. Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 2015.
como ambos os domínios, com a devida vênia, interligam-se. Ver-se-á que a relação é possível, embora bem delimitada em seu espaço de atuação pela legislação e pela jurisprudência, operando seus efeitos sobre uma lide consumerista cujas partes, efetivamente, acordaram pela solução do conflito no terreno extrajudicial.
Verificar-se-á, ademais, quais os proveitos destes efeitos quando da utilização do método extrajudicial da arbitragem - isto através do estudo de seus atributos e dados empíricos. Desta maneira, como se poderá constatar, o instituto em questão supre as necessidades mais urgentes dentro de um processo que vise a solução de um conflito, sendo uma ferramenta que, se empregada no interior de seus limites, trará resultados satisfatórios aos envolvidos.
Para a execução desta tarefa, empregar-se-á o esforço em investigar os conceitos do Direito do Consumidor, tais como a vulnerabilidade do consumidor, bem como o da relação jurídica firmada entre este último e as empresas através dos contratos, especialmente, de adesão; examinar-se-á, também, o instituto arbitral em si, considerando seus atributos frente ao atual cenário do Poder Judiciário, seu modus operandi, tal como sua vertente consumerista, justamente para integrar ambos os assuntos em um bloco teórico.
A metodologia aqui empregada utilizar-se-á do critério dedutivo, com o auxílio de pesquisa bibliográfica, consulta em doutrinas, dissertações, legislação, além da rede mundial de computadores.
2. Do Direito De Consumo
Com o intuito de se abrir o caminho rumo às elucidações no domínio das relações de consumo, retratar-se-á acuradamente os vínculos que neste subsistem. Isto pois, antes de se adentrar às normas fixadas no Código de Defesa do Consumidor, é necessário determinar a questão sobre a relação jurídica de consumo.
Em primeiro lugar, esclarecer-se-á que o Código de Defesa do Consumidor não traz consigo o exato conceito do que seria a relação de consumo, mas, no entanto, delimita os elementos objetivos e subjetivos pertencentes à relação supracitada. Na esfera dos conceitos subjetivos, o que vem a ser o consumidor e o fornecedor.
Estes conceitos estão bem desenvolvidos na cártula destinada à proteção do consumidor, os descrevendo em detalhes. Assim pois, o fornecedor é, como expresso no art. 3º do CDC, conceituado como:
(...) toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.13
Desta feita, ressalta-se o aprofundamento etimológico da palavra “atividade”, bem como sua correta utilização dentro da temática do CDC. Tal nomenclatura serve não apenas para se referir à confecção do produto ou à prestação do serviço, mas sua oferta de modo habitual por parte do fornecedor; portanto, não é o bastante o ato da fabricação, mas esta
deve acontecer com objetivo e de forma corriqueira.14 Resumidamente, o agente aqui
descrito, o qual participa ativamente de ocupação produtiva e econômica, seja pessoa física ou jurídica, deve, a fim de ser considerado fornecedor, enquadrar-se nos xxxxxx xxxxxx.
Por sua vez, o conceito de consumidor está devidamente positivado no art. 2º do CDC, como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”15 Esta definição, diferente de correntes estrangeiras, não coaduna em um mesmo paradigma o comprador efetivo de um bem, produto ou serviço, com aquele que o usufrui na cadeia final das relações de troca para fins não profissionais, retirando o bem do mercado e fazendo factual uso pessoal dele.16 Outrossim, o Código aqui, pelo mesmo artigo, utilizou-se de um caráter econômico para conceituar o consumidor, pois optou levar em consideração a pessoa que adquire as mercadorias para função de uso pessoal, não comercial, ou seja, aquele que intenta satisfazer “uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial”.17
Estabelecidos os conceitos mais basilares do Direito do Consumidor, elucidar-se-á qual a relação que se desdobra do consumo que liga ambas as partes. Destarte, a relação jurídica, que se consolida através do contrato, exige por força de lei sua efetivação, seja de
13 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990, art. 3º.
14 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do consumidor. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 15.
15 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990, art. 2º.
16 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do consumidor. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 6.
17 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. In: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. I. p. 23.
fazer ou não fazer, onde o acordo abriga-se no interior desta força legal para garantir sua consumação.
Bem por isso, em havendo a evidenciação do fornecedor e do consumidor, assim como do nexo causal que deles surgi, existe ali, pois, uma relação de consumo. Deste modo, estabelece-se a relação de consumo como um vínculo jurídico através do qual uma pessoa física/jurídica qualificada como consumidor, adquire e/ou se utiliza de certo bem, produto ou serviço, de outra pessoa física/jurídica qualificada como fornecedor.
2.1. Da Proteção Ao Consumidor E Sua Vulnerabilidade
Definidos os agentes que pressupõem e caracterizam a relação de consumo, apregoar-se-á um dos aspectos de maior relevância ao direito consumerista como um todo, qual seja, a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor.
A vulnerabilidade é senão um aspecto do sujeito, pois possuindo uma debilidade, seja permanente ou temporária, configura um desequilíbrio perante à outra parte da relação, exibindo uma carência que deve ser suprida. Observa-se, assim, que a vulnerabilidade é um status inerente que inviabiliza qualquer igualdade entre os polos do contrato, quer pelo ângulo jurídico ou econômico, fazendo-se necessária a intervenção estatal por meio de proteção legislativa e material cruciais à preservação de uma saudável relação jurídica, inclusive de consumo.
No entanto, vale esclarecer que, embora parecidos e com objetivos em comum, o instituto da vulnerabilidade e da hipossuficiência não são sinônimos, enquadrando-se cada um em diferentes âmbitos das relações de consumo; enquanto o primeiro se aplica universalmente aos consumidores, evidentemente desfavorecidos em lide processual diante dos fornecedores e afins, o segundo não é do mesmo modo verdadeiro, caso ser disposição constatada particularmente no pleito, demonstrando-se as condições factuais de o consumidor em questão usufruir das benesses do instituto. Nas palavras de Xxxxxxx (2020), “a hipossuficiência é um conceito fático e não jurídico, fundado em uma disparidade ou discrepância notada no caso concreto.”18
18 TARTUCE, Xxxxxx; ASSUMPÇÃO NEVES, Xxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 29.
Um exemplo disso, e que denota claramente a determinação da hipossuficiência, é o instituto da inversão do ônus probatório, elencado no art. 6º, inciso VIII do CDC, onde o consumidor poderá, dependendo de suas condições reais, utilizar-se ou não de recursos para a angariação das provas que intenciona apresentar. Se não possuir os meios necessários, o ônus desta incumbência recairá sobre o fornecedor.19
Dessa maneira, resta-se provado que tanto a hipossuficiência como a vulnerabilidade tratam-se de institutos com o propósito de resguardar o consumidor de possíveis abusos a ele impetrados, provenientes das próprias relações de consumo e que, portanto, encontram razão de ser diante da grande relevância que o consumidor e suas relações possuem perante a atual legislação, como também a todo o funcionamento do mercado nacional, desempenhando o papel de garantirem o seu equilíbrio.
2.2. Das Cláusulas Contratuais E Dos Contratos De Adesão
Na conjuntura das relações de consumo, o consumidor depara-se com uma miríade de situações em que lhe são impostas certas cláusulas contratuais, cuja existência nunca fora plenamente revelada e exposta à discussão e anuência do consumidor. Isto se revela como condição sine qua non, ou seja, requisito indispensável colocado a todos que pretendem integrar-se ao giro econômico, desfrutando da aquisição de seus bens.
Na esfera da doutrina jurídica, delineiam-se diferenças entre os contratos por adesão e os contratos de adesão. O primeiro se trata de uma soma de cláusulas homogêneas previamente determinadas, usualmente estipuladas unilateralmente pelo Poder Público, e em que o aderente não possui a opção de declinar. O segundo, por sua vez, mesmo tratando-se de cláusulas unilateralmente estabelecidas, não permanece inalterável, já que resta ao aderente contratual aceitar ou não tais encargos.20
Com relação ao ordenamento jurídico, a abordagem que ambos recebem é semelhante, sendo até qualificados conjuntamente como contratos de adesão. Não se está
19 BRASIL. CDC, art. 6, inciso VIII - “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”
20 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. In: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 551.
diante, pois, de dois tipos contratuais, mas de distinta metodologia na formulação dos contratos que podem ser usados em qualquer tipo ou espécie contratual.
Assim sendo, no artigo 54 do CDC, que regula o tipo de esquematização contratual, prevendo as fronteiras ao estabelecimento prévio de cláusulas, como é o caso das restrições à resolução alternativa, cabendo a vigilância sempre atenta aos princípios basilares da legislação, dentre eles o equilíbrio das relações consumeristas, sua proporcionalidade e a vedação ao fornecedor de obter excessiva vantagem sobre o consumidor.21 Portanto, ainda que a adesão seja uma premissa sumaríssima para a operacionalização dos negócios, principalmente levando-se em conta a economia em alta escala na qual se vive atualmente, ela deve ser compatível com os princípios aqui levantados e pelo Código de Defesa do Consumidor erigidos.
Nesta vereda, ressalta-se que qualquer cláusula contratual que vise restringir o pleno exercício de direito ao consumidor terá de ser, impreterivelmente, suprimida, ainda mais sobre aquelas que visem obstruir a defesa de seus direitos a respeito dos quais uma futura lesão possa incorrer. Desta forma, será nulo e/ou ineficaz todo pacto que, decorrente de cláusula em negócio jurídico, estipular unilateral e obrigatoriamente que os contratantes se comprometam a se sujeitar seja ao Poder Arbitral ou ao Judiciário, bem como na eleição de foro desfavorável ao consumidor em possível litigância vindoura.
Sendo de ordem pública, tal matéria tem total atenção por parte dos entes públicos, a exemplo dos juízes que, baseados no artigo 6º, VIII do CDC, podem de ofício conhecer a matéria, julgando, se assim entenderem, os benefícios da inversão do ônus da prova em caso
concreto;22 tudo para propiciar aos consumidores, os mais vulneráveis na relação de
consumo, igualdade na defesa dos direitos ao lado dos fornecedores.
3. Da Arbitragem E Solução De Conflitos
Antecedente a qualquer aprofundamento dentro do estudo que entorna a arbitragem, como também de sua aplicabilidade às relações de consumo, é necessário circunscrever mais profundamente o seu contexto e realizar alguns apontamentos.
21 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990, art. 54º.
22 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília, 1990, art. 6, inciso VIII.
Historicamente, após a passagem dos meios primitivos de autotutela, a arbitragem, concomitantemente as demais ferramentas extrajudiciais de solução de conflitos, pode ser rastreada desde a antiguidade, período este em que não há possibilidade em se mencionar algum ente jurídico organizado, ou algum poder centralizado responsável pela mediação de conflitos. O que se pode observar, é que o distanciamento do uso do instrumento arbitral se deu, sobretudo, à burocratização das funcionalidades deste, e o acúmulo do poder estatal para tutelar os conflitos.
No Brasil, a arbitragem foi regulamentada pela lei 9.307/1996, no entanto, já anteriormente à vigência da lei, observava-se dentro do ordenamento jurídico, elementos normativos voltados à arbitragem e sua aplicação. No artigo 160 da Constituição de 1824, previa-se que tanto na área civil quanto na penal, era possível a nomeação de juízes árbitros, onde suas sentenças não seriam passíveis de recursos, se assim as partes tivessem convencionado. 23
Seguidamente, na lei nº 556, ou Código Comercial, promulgada em 1850, versava sobre a arbitragem, na sua forma voluntária ou obrigatória, nas lides do meio mercantil.24 Seu aspecto obrigatório ou necessário, pactuado em seu respectivo artigo 20, contudo, foi revogado em 1866, através da lei 1.350.25 Outros registros antecessores do instituto arbitral também podem ser identificados no Código Civil de 1916 que, através dos artigos 1.037 em diante, regulamentavam o instituto do compromisso,26 e no Código de Processo Civil do ano de 1973, que dispunha efetivamente sobre a arbitragem por meio dos artigos 1.071 até 1.102.27
Ademais, mesmo reconhecidamente importantes, tais artigos foram, através da lei própria à arbitragem, a saber, a lei 9.307/1996, por meio do artigo 44,28 derrogados, pois, mesmo contendo normativas sobre o instituto arbitral, inclusive introdutórios, não possuíam
23 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Xxxxx X, 1824, art. 160.
24 BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial de 1850, art. 20: “Serão necessariamente decididas por árbitros as questões e controvérsias a que o Código Comercial dá esta forma de decisão.”
25 BRASIL. Lei nº 1350, de 14 de setembro de 1866. Derrogava o Juízo Arbitral necessário estabelecido pelo art. 20, título único do Código Comercial.
26 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil de 1916.
27 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil de 1973. Brasília, 1973.
28 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Brasília, 1996, art. 44: “Ficam revogados os arts. 1.037 a
1.048 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, Código Civil Brasileiro; os arts. 101 e 1.072 a 1.102 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil; e demais disposições em contrário.”
a potencialidade necessária para uniformizar e disseminar apropriadamente o uso da arbitragem no Brasil.
Frente à profunda revolução que a lei da arbitragem trouxe ao cenário legal brasileiro, foi natural que muitas arguições a ela fossem trazidas à baila. Imediatamente após sua promulgação, deu-se início à vultosa querela diante do Supremo Tribunal Federal a respeito da constitucionalidade da lei e de seus principais artigos. Tal discussão foi sustentada até o final de 2001, quando finalmente decidiu-se pela constitucionalidade da lei 9.307/96.
Após este episódio de grande relevância, medidas para consolidar o projeto da arbitragem no Brasil foram iniciadas, já que, ainda que regularmente incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento extrajudicial não era ainda suficientemente conhecido pela maior parte da população, que ainda depositava toda sua confiança na figura do Estado como juiz absoluto. Também não haviam muitos precedentes que levassem à conclusão diversa. E mesmo no interior do próprio judiciário havia muita descrença e relutância para se adotar esses “novos” meios de solução de conflitos. Nas palavras de Xxxxxx (2016):
Eminentes juristas e magistrados, além das forças políticas de tradicional viés estatal, defendiam de maneira legítima e muitas vezes sustentada seu ponto de vista contrário ao instituto como previsto na Lei 9.307/1996.29
Somente com o passar do tempo, e a divulgação cada vez mais constante do instituto arbitral por certas parcelas de magistrados da alta hierarquia, bem como de árbitros, é que este começou a ganhar terreno, sendo reconhecido como um meio apropriado para a resolução de conflitos. Isto também foi fruto da própria natureza do instituto que, em contraposição ao judiciário, traz consigo números mais favoráveis em seus litígios (o que será abordado no próximo tópico).
Voltando-nos ao conceito da arbitragem, ela se refere àquele procedimento alternativo e extrajudicial de solução de conflitos, em que pese envolverem direitos patrimoniais disponíveis (direitos com valor econômico e que podem, pelo seu titular civilmente capaz, serem renunciados, transacionados ou transigidos), pactuado livremente
29 XXXXX, Xxx Xxxxxxxx, coordenação de Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, A reforma da Arbitragem, cap. 1 – Xxxxxxxx Xxxxxx, ed. Forense, Rio de Janeiro, 2016, p. 6.
entre as partes interessadas, com derrogação da jurisdição estatal. Assim sendo, os direitos não-patrimoniais, bem como os direitos indisponíveis, ficam de fora da seara arbitral.
Mais uma vez trazendo Xxxxxxxxxx que, respaldado em Carmona, define a arbitragem como uma busca da solução de um conflito realizada por um terceiro alheio à lide e que não compõe o corpo do Poder Judiciário, escolhido voluntariamente pelas partes com o objetivo de dirimir as formalidades e agilizar todo o procedimento.30
Desta feita, o instituto da arbitragem despontou como uma segunda opção ao judiciário brasileiro, capaz de solucionar os conflitos em acordo com as partes da lide sobre os direitos patrimoniais disponíveis destas, ao optarem por árbitro terceiro à toda situação que envolve o caso. Desta forma, optando-se assim, também, por se ampliar os princípios de celeridade, desburocratização, confidencialidade, especialização, flexibilidade, imparcialidade, além de maior executividade aos procedimentos como um todo.
Quanto à celeridade proporcionada pelo instituto arbitral, ela se deve em muito a sua natureza desburocratizada. Na arbitragem, os prazos e trâmites relacionados ao processo são objetivos e bem definidos, regras estas que são acordadas e valem entre as partes do litígio, enquadrando-se a matéria descomplicadamente ao molde procedimental da arbitragem pactuada.
A confidencialidade, facultativa ao rito da arbitragem, ainda que não manifesta em lei, é regra comum entre os tribunais arbitrais, cujos regimentos dispõem sobre, mas que caso contrário, as partes têm a possibilidade de determinar o sigilo das informações do processo por meio de cláusula específica se assim desejarem. Portanto, e principalmente em determinadas temáticas envolvendo tecnologia e estratégias das empresas, tais como sistemas e logística, é de suma importância a confidencialidade a fim de salvaguardar o exercício dessas tarefas com toda a segurança do sigilo.31
Igualmente, as partes que empregam o uso do instituto extrajudicial, podem escolher os árbitros a qual se submeterão, árbitros estes que não raramente são especialistas no particular objeto do litígio, garantindo maior segurança ao redor das decisões e sentença prolatadas, já que se utilizaram de técnicas e de princípios de suas áreas de formação, dirimindo as possibilidades de erro em decorrência de ignorância sobre o tema a ser julgado; coisa bastante observada nos cartórios onde um único juiz é responsável por uma extensa
30 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Arbitragem como meio alternativo à crise do Judiciário. Tese Mestrado - Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Piracicaba/SP, 2006, p. 79.
31 XXXXX, Xxx. F.; XXXXX, Xxxxxxx. L. Manual de Arbitragem. Grupo Almedina (Portugal), 2021, p. 154.
variedade de demandas, nem sempre conhecendo todas as nuances metodológicas que as envolvem, necessitando, se assim julgar necessário, recorrer a peritos, porém, com isso, gerando ainda mais morosidade e insegurança no processo.
Outro ponto característico da arbitragem, é sua flexibilidade, haja vista que enquanto o Código de Processo Civil equaliza de maneira uniforme todo o sistema processual, através de regramentos padronizados, o procedimento arbitral possibilita um ajustamento do rito às condições factuais do caso. Por esse motivo, os polos do litígio possuem autonomia para traçar em convenção arbitral, a forma processual que mais lhe beneficiem.32
Além disso, o árbitro, ou árbitros, escolhidos pelas partes detêm responsabilidades e deveres inerentes às suas funções, e que são cumpridos rigorosamente dentro da arbitragem. Isto é, pois, a convicção depositada sobre o árbitro é essencial, uma vez que serão as partes as encarregadas em indicar ou não tal profissional, como em qualquer serviço na iniciativa privada. Para tanto, é primorosa a manutenção da imparcialidade e da autonomia dos árbitros, possuindo estes a incumbência de desvelar às partes, todo impeditivo que porventura afete a apreciação isenta do mérito da demanda.
Na arbitragem, a sentença expedida faz coisa julgada material entre os litigantes, não cabendo recurso algum contra o mérito sentenciado. Por conseguinte, imediatamente após ser promulgado, assume o condão de título executivo extrajudicial, apto a ser prontamente executado, atestando segurança e celeridade.33
Fica evidenciado, assim, que a arbitragem é fundada na principiologia da vontade das partes, com liberdade e autonomia, limitadas apenas por lei, o que, para muitos, tem-se mostrado o suficiente para a tornar na solução mais adequada às suas demandas - o que se verá a seguir.34
3.1. Da Arbitragem Como Alternativa ao Judiciário
Desde sua criação em 1609, o Judiciário Brasileiro experienciou muitas mudanças. Sua primeira aparição foi no período das Capitanias Hereditárias, que exerciam a função de jurisdição, tanto cível quanto criminal, além de recolherem e destinarem os impostos cada
32 XXXXX, Xxx. F.; XXXXX, Xxxxxxx. L. Manual de Arbitragem. Grupo Almedina (Portugal), 2021, p. 156. 33 XXXXX, Xxx. F.; XXXXX, Xxxxxxx. L. Manual de Arbitragem. Grupo Almedina (Portugal), 2021, p. 156. 34 XXXXX, Xxx. F.; XXXXX, Xxxxxxx. L. Manual de Arbitragem. Grupo Almedina (Portugal), 2021, p. 157.
qual dentro de seus limites. O Poder Judiciário, durante este período, e até mesmo além dele, viu-se atado e dependente do governo, do executivo em si, servindo às suas vontades acima de tudo; tal situação foi alvo de uma tentativa de reforma em 1871, contudo, somente no marco da promulgação da Magna Carta de 1988 é que este pôde alforriar-se de seu passado, buscando, então, harmonia em pé de igualdade perante os demais poderes, e enaltecendo a liberdade individual dos tutelados pela sua jurisdição.35
O Poder Judiciário, conceituando-o, é o órgão, representado por juízes togados, encarregado por julgar, valendo-se para isto das normas legais elaboradas pelo Estado por meio do Poder Legislativo, as interpretando e as aplicando às demandas concretas das quais tomou ciência e passou, em virtude de sua jurisdição, a tutelá-las, substituindo as partes, a fim de as sanar com justiça imparcial, despojado de revanchismo vingativo, próprio à autotutela.
Levando-se em conta esta missão designada ao judiciário, do mesmo jeito que sua histórica emancipação desde a redemocratização do país, o acesso à justiça, ou seja, o desimpedido ingresso dos cidadãos às prerrogativas do judiciário a fim de verem satisfeitas suas demandas, tornou-se uma preocupação universal dentro da jurisdição brasileira. No entanto, tal princípio, então adotado, não tem sido desempenhado a contento, já que, pelas estatísticas, as lides caminham de forma morosa na seara judicial, atolando-a e, deste modo, dificultando em demasia o acesso das pessoas à tutela estatal. Nas palavras de Xxxxxxxxxx (2006):
Devido ao congestionamento dos processos que assolam nosso Poder Judiciário, garantidos constitucionalmente pelo acesso à Justiça do cidadão, o sistema Judiciário encontra-se cada vez mais lento, menos eficaz e, consequentemente, menos justo.36
Isto é consequência da pesada estrutura que envolve todo o Judiciário - mesmo este sofrendo com insuficiência de servidores e magistrados -, causa de sua falta de agilidade e dificuldade em sanar os litígios em tempo aceitável. O congestionamento que disto decorre é perceptível em toda cadeia processual dentro dos tribunais, gerando grandes atrasos e pendências; tanto que em mapeamento anual feito pelo Conselho Nacional de Justiça,
35 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. O Poder Judiciário através da história: reflexões sobre as principais transformações ocorridas na Nova República. Rio Grande do Sul, XIX, n. 151, ago. 2016, p. 3.
36 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx. Arbitragem como meio alternativo à crise do Judiciário. Tese Mestrado - Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP, Piracicaba/SP, 2006, p. 32.
possuindo como base o ano de 2019, constatou que os processos da Justiça Comum Estadual levaram em torno de 3 anos e 7 meses tramitando até serem julgados ainda em primeira instância.37
Estes levantamentos denotam a crescente falha em proporcionar ao cidadão médio o acesso à justiça, deixando-o à deriva, tendo, o mesmo, de aguentar os efeitos negativos de tamanha morosidade. A prestação jurisdicional, em seu estado atual, tem se transformado em uma ação desacreditada pelos indivíduos que, por isso, buscam com cada vez mais frequência meios alternativos para terem suas demandas contempladas.
Em pesquisa realizada pela Professora Selma Lemes, coautora do projeto inicial da lei de arbitragem, cuja proposta foi a de averiguar a evolução da arbitragem no Brasil, constatou que entre 2018 e 2019 o crescimento dos procedimentos em andamento no interior do instituto extrajudicial foi de 7,2%, tomando como base oito grandes Câmaras de Arbitragem, todas localizadas nos principais centros metropolitanos do Brasil.38 Ela também destacou que, em média, um processo arbitral leva em torno de 9 meses a 1 ano e meio para ser concluído.39 Neste âmbito, é proveitoso também salientar que as partes podem, como prevê o artigo 23 da Lei de Arbitragem, definir um prazo acordado para o sentenciamento da matéria.40
Contudo, apesar da boa escala de evolução apresentada pela arbitragem no Brasil, e equivalentemente à sua eficácia, a professora Xxxxx constatou que a grande maioria dos casos abarcados em sede do instituto arbitral relacionam-se à pessoas jurídicas com expressivo capital envolvido, apesar de uma expressiva queda entre os anos pesquisados de 2018 e 2019.41 As demandas, no geral, estão ligadas às áreas societárias e empresariais,42 cujas matérias giram bastante em torno dos setores de construção civil e de energia elétrica, muito por conta dos contratos envolvendo a administração pública direta e indireta.43
Em virtude disto, e dos muitos atributos benéficos da arbitragem, desperta a curiosidade sobre a questão do instituto aqui estudado não ser mais amplamente adotado,
37 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça, Brasília: CNJ, 2020, p. 51.
38 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem em números e valores, São Paulo, abril de 2020, p. 2.
39 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem em números e valores, São Paulo, abril de 2020, p. 5.
40 BRASIL. Lei nº 9.307, art. 23: “A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.”
41 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem em números e valores, São Paulo, abril de 2020, p. 3. 42 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem em números e valores, São Paulo, abril de 2020, p. 3. 43 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx, Arbitragem em números e valores, São Paulo, abril de 2020, p. 7.
restringindo-se, mesmo que não totalmente, a estas demandas particulares, passando ao largo das demais esferas do direito, tais como a consumerista (debate este que será explorado a seguir). Por ora, é justo destacar que, em grande parte, é devido ao caráter vulnerável do adquirente dentro das relações de consumo que há ainda baixa utilização do dispositivo da arbitragem no íntimo destas relações, já que é inconcebível à legislação pátria a subordinação do consumidor sob configuração de inferioridade.
No entanto, vê-se que, pelos dados expostos, o interesse pelo instituto arbitral tem se expandido enormemente. Os principais fatores deste fenômeno já foram aqui elencados, a saber, a celeridade, a simplicidade desformalizada, a desburocratização, enfim, uma série de atributos que os tribunais da arbitragem promovem aos seus aderentes em detrimento das comarcas tradicionais vigentes, e que, aos poucos, tem incluído outros domínios não explorados do direito, implicando os consumidores e suas necessidades.
3.2. Da Cláusula Arbitral E Sua Validade Nos Contratos Consumeristas
Neste momento, antes de adentrarmos no mote alvo deste artigo, a saber, qual a legítima aplicabilidade da arbitragem nas lides consumeristas, tanto legalmente quanto doutrinariamente, existem divergências com relação a esta hipótese, e um debate é travado no mundo acadêmico buscando dirimir o assunto.
Quem melhor nos introduz à discussão é Xxxxxxxx (2021), que diz:
O art. 51, inciso VII, do CDC considera abusiva a cláusula que, no contrato de consumo, determine a utilização compulsória de arbitragem. Mas a Lei nº 9.307/1996, posteriormente editada, autorizou genericamente, e sob certas condições, a cláusula de arbitragem nos contratos de adesão em geral. Com isso, surgiu uma séria controvérsia sobre a subsistência, ou não, da regra contida no art. 51, VII, do CDC.44
Ou seja, na lei consumerista não há espaço, stricto sensu, para uma tal cláusula que constranja o consumidor à, junto ao fornecedor, adotar certos meios de resolução de conflitos, ainda que o mesmo diploma viabilize a utilização destes.45 Não obstante disso, e
44 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do consumidor. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 273.
45 BRASIL. CDC, art. 4º, inciso V - “incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;”
até com o condão da lei da arbitragem, é possível o emprego do instituto arbitral em contratos de adesão, como dispõe:
Artigo 4. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se
o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.46
No entanto, vale ressaltar, como na respectiva citação de Xxxxxxxx acima alude, que nem todo contrato do direito do consumidor é por adesão, ainda que em sua maioria o seja. Assim sendo, não serão todas as regras cabíveis aos contratos de adesão, que poderão ser aplicadas aos contratos consumeristas, haja vista que o bem jurídico tutelado pelo direito consumerista, a saber, o consumidor em si, detém direitos e uma série de proteções, como já vistos, que claramente sobrepõem-se ao nível comum dos contratos de adesão. Para maior esclarecimento, Tartuce (2020) comenta:
(...) até porque nem todo contrato consumerista é de adesão e vice-versa. Assim, todo contrato consumerista, de adesão ou não, jamais poderia conter uma cláusula compromissória, enquanto os contratos de adesão não consumeristas só poderiam conter tal espécie de cláusula com os cuidados previstos no art. 4.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996. A solução, entretanto, não é tão simples.47
E como muito bem explanou, a solução não é evidente. Até com o uso das normas da hermenêutica do direito, como “a prevalência da norma mais nova sobre a mais antiga”, caso da lei arbitral sobre o CDC, não sobra muito espaço de atuação para a Lei 9.307/96 sobre as demandas do consumidor, protegido pelo seu código especial.
Deve-se descartar inicialmente a regra de hermenêutica que determina a prevalência da norma mais nova sobre a mais antiga, até mesmo porque as normas do Código de Defesa do Consumidor têm natureza de ordem pública, nos termos do art. 1.º da Lei 8.078/1990. Ademais, conforme já exposto, não são normas que versam rigorosamente sobre o mesmo tema, havendo, quando muito, pontos de contato entre ambas.48
46 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 1996.
47 TARTUCE, Xxxxxx; ASSUMPÇÃO NEVES, Xxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 521.
48 TARTUCE, Xxxxxx; ASSUMPÇÃO NEVES, Xxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p. 522.
Isto exposto, parece haver um abismo, ou uma contraposição, intransponível entre ambas as legislações e às matérias a que pretendem tutelar, salvo os mencionados pontos de contato. Entretanto, é exatamente por estes parcos pontos de avizinhamento que as comunicações são restauradas, não isoladamente, por óbvio, mas com o auxílio da jurisprudência e da doutrina, que observam nos dois institutos, pontes interligadas, aspirando, conjuntamente, pela solução de conflitos entre os polos ativos do mercado.
Como num ajuntamento de aplicações da common law dentro dos ditames da civil law, erigiu-se certo costume de a bem da verdade e da utilidade, e embora exista lacuna legal não suprida em legislação apropriada, conceder legitimidade à pretensão jurisdicional da arbitragem nas lides consumeristas que surgem de um contrato de adesão, sem, por isso, abrir mão da proteção ao consumidor. Como balizado pelo STJ, que harmonizou a querela:
Direito Processual Civil e Consumidor. Contrato de adesão. Convenção de arbitragem. Limites e exceções. Arbitragem em contratos de financiamento imobiliário. Cabimento. Limites.
1. Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/1996.
2. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral.49
Igualmente, em trecho de julgado mais recente, o mesmo STJ sintetizou bem a questão, como abaixo se observa:
Em resumo, é possível a utilização de arbitragem para resolução de litígios originados de relação de consumo quando não houver imposição pelo fornecedor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo
49 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 3ª T., REsp. n° 1.169.841/RJ, Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJe 14.11.2012.
consumidor ou, se houver iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição.50
Nesta medida, também temos o doutrinador Xxxx Xx. (2011), que divide, do mesmo modo, a posição da possibilidade de uso do instituto arbitral nos contratos consumeristas pela adoção de cláusula de arbitragem:
Esse dispositivo da LArb não é incompatível com o CDC, art. 51, VII, razão pela qual ambos os dispositivos legais permanecem vigorando plenamente. Com isso queremos dizer que é possível, nos contratos de consumo, a instituição de cláusula de arbitragem, desde que obedecida, efetivamente, a bilateralidade na contratação e a forma da manifestação da vontade, ou seja, de comum acordo.51
Pode até não parecer o melhor cenário, visto que o consumidor possui pouca voz na feitura de seus contratos, além de, no caso arbitral, estar no liame entre duas legislações aparentemente incompatíveis; porém, apesar de tudo, todas as ferramentas de proteção estão ao dispor do contratante que, ao mínimo sinal de abuso, pode acioná-las ao seu favor e proteção. Isto é o que tem se observado na prática do direito, podendo-se, por precedentes, garantir estabilidade e justiça no exercício da arbitragem em seara consumerista.
Por fim, pode-se então considerar que, embora seja denotado em toda lei a liberdade das partes de compactuar o que bem entenderem, salvo o estritamente proibido em lei, o legislador previu a possibilidade da ocorrência de certos abusos no que concerne aos contratos consumeristas de adesão, onde os aderentes são compelidos, ao aceitarem os bens ou serviços fornecidos pelo proponente do contrato, a acolher todos os termos previamente estipulados.
Desta feita, levando-se em conta a vulnerabilidade do consumidor, em que pese a desproporção econômica frente às empresas, é imprescindível conferir-lhe proteção especial, podendo, então, este efetivamente optar pelo procedimento arbitral ou porventura o autorizar expressamente, se assim o desejar e acordar com o fornecedor litigante, salvo em atestado vício de consentimento. Pois, somente com a participação e anuência expressa da parte mais vulnerável será possível implementar critérios de justiça à lide privada
50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, no Recurso n° 1785783/GO, Relatora Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, DJe 05.11.2019
51 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. In: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. I, p. 590.
consumerista, além de se evitar quaisquer abusos que surjam do monopólio por sobre os contratos de adesão e suas formas de resolução.
4. Observações À Arbitragem Consumerista E Sua Operacionalização
Pois bem, já revisadas as leis dimensionadas à avaliação e de capaz execução dentro do sistema processual arbitral e consumerista, passemos a perscrutar algumas observações mais práticas deste instituto, como as regras a que se submete no transcorrer de seu concreto exercício dentro do direito consumerista.
Com relação à forma como se institui a arbitragem em um determinado processo, parte-se do pressuposto, seja em cláusula compromissória de arbitragem, aquela realizada na formação do contrato, ou em compromisso arbitral, aquela pactuada à parte do contrato principal, referindo-se a uma lide específica, de que ambas as partes são capazes e detém seu livre arbítrio para, então, renunciarem a jurisdição estatal, definindo tanto o árbitro quanto as regras que serão aplicadas ao procedimento particular como um todo, vinculando-se obrigatoriamente ao acordo pactuado e logrando de suas consequências. Além do mais, como estabelece a Lei 9.307/96, em seus artigos 3º e 4º, as partes se submeterão ao procedimento arbitral por meio da cláusula compromissória onde, no contrato estipulado entre elas, estará definido que, em suposto litígio, optar-se-á pelo instituto arbitral como apto a julgar o caso.52
Tal compulsoriedade contratual pode, todavia, ser destituída se assim ambas as partes igualmente declararem de forma expressa este desejo, não podendo meras insinuações tácitas possuírem o mesmo efeito. Nem mesmo o árbitro possui diretamente um poder coercitivo, evidenciando a extrajudicialidade da arbitragem, pois, somente ao Judiciário compete, pela força do poder do Estado, executar assertivamente o direito já declarado em sentença arbitral.
O procedimento arbitral, no que lhe concerne, sendo o conjunto de atos que desenvolvem o processo da arbitragem como um todo, segue em determinada marcha ordenada a fim de, em um caso concreto, alcançar a satisfação completa deste mesmo processo, com o seu desfecho por meio da sentença final. Os procedimentos, sejam eles
52 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 1996, arts. 3º e 4º.
estabelecidos diretamente, pelas partes, ou indiretamente, pelo árbitro ou tribunal arbitral,53 têm respaldada sua validade em dois critérios, a saber, a formal, como sendo a devida obediência aos “princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do
árbitro e de seu livre convencimento”;54 e a material, qual seja o estabelecimento dos
procedimentos em concordância com o interesse das partes.
Em vista de tal processo, os procedimentos, como sequência coordenada de atos, pautados pelos princípios acima referenciados, dispõem-se da seguinte forma rumo à solução da lide: “a) inicial (realização de atos para instituição da arbitragem e início do procedimento arbitral); b) fase da defesa; c) fase probatória; d) fase decisória.”55 Na fase inicial, vale ressaltar o encorajamento, tal como nos juizados especiais, à realização da conciliação entre os litigantes que, não chegando a acordo algum em audiência, prosseguirão normalmente pelos demais estágios procedimentais da arbitragem.
Outra relação frente ao Poder Judiciário, está no fato de, mesmo sendo extrajudicial, sua natureza é também jurisdicional, o que tem a eventualidade de suscitar um conflito entre diferentes competências, a arbitral e a estatal, facultando ao STJ o trabalho de julgar este estado de coisas.
O Direito do Consumidor, como já explanado aqui, proíbe a prévia adesão compulsória à arbitragem no momento da formalização do contrato, não impedindo, contudo, que mais à frente, deparando-se com tal litígio, seja consensualmente instaurado procedimento arbitral entre as partes. O Poder Judiciário mesmo é desimpedido de intervir excepcionalmente em qualquer fase do procedimento arbitral, a fim de declarar a nulidade de sua cláusula compromissória; vê-se a existência, assim, de mais um dispositivo capaz de assegurar os direitos dos vulneráveis, incluindo dos consumidores, de abusos contratuais.56
Sobre a execução, enfim, como cumprimento da sentença arbitral condenatória, caso de prestação pecuniária, o prazo para seu cumprimento, seja, no nosso contexto, do consumidor ou do fornecedor, é de 15 dias contados da juntada do mandado de citação cumprido aos autos, ou por meio de intimação, na pessoa do advogado, ao executado por
53 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 1996, art. 21: “A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.”
54 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Brasília, 1996, art. 21, § 2º.
55 XXXXX, Xxx. F.; XXXXX, Xxxxxxx. L. Manual de Arbitragem. Grupo Almedina (Portugal), 2021, p. 162.
56 BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.Brasília, 1996, art. 20, §§ 1º e 2º.
intermédio de publicação na empresa oficial, se previamente houve a liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral; caso não cumprido o pagamento espontâneo da pecúnia, incidirá multa no montante de 10%, conforme art. 523, § 1º do CPC.57
5. Considerações Finais
A evolução protetiva ao consumidor está inserida em um cenário de grandes revoluções tecnológicas e econômicas, sobretudo naquelas provenientes da evolução industrial, e do consequente aprimoramento dos métodos de distribuição de produtos e serviços às massas consumidoras.
Na legislação brasileira, a proteção ao consumidor foi incorporada pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXII, onde o resguardo pela figura do consumidor ganhou ares de direito fundamental, tornando-se o princípio da ordem econômica, e o
centro nas relações de consumo.58 O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez,
incorporou no ordenamento jurídico uma nova política nas relações consumeristas, ao reconhecer nestas a vulnerabilidade do consumidor; portanto, para este fim, adota tanto princípios gerais quanto normas de variadas naturezas, abrangendo os aspectos processual, administrativo e penal do bem jurídico tutelado.
Contudo, em face da sobrecarga no poder judiciário, as mais diversas demandas lá encontram muita morosidade, tornando a arbitragem cada vez mais desejável ante a tutela judicial. O instituto arbitral, em detrimento à judicialização – por sua congestão, além da patente onerosidade às partes envolvidas –, cresce exponencialmente pelo respaldo que possui em seus atributos, ou seja, ao seu caráter célere, confidencial, desburocratizado, flexível e especializado. A arbitragem, enquanto tal, conceitua-se como um acordo de vontades que, ao se servirem de contrato para abrir mão do dispêndio judicial, optam pela investida arbitral a fim de dirimirem seus conflitos, ou possíveis conflitos, por meio de um ou mais árbitros de suas escolhas.
57 BRASIL. CPC, art. 523: “No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput , o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.”
58 BRASIL. CF, art. 5, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Como distintivo aos meios judiciais de resolução de lides, a arbitragem, como regra, havendo exceções legais e específicas, dispõe de confidencialidade que, se não for regramento adotado pelo tribunal arbitral a qual as partes elegerem, pode-se se estipular em cláusula, garantindo-se sigilo às informações tratadas no decorrer do processo; coisa fortemente requisitada nos assuntos referentes às empresas, seus sistemas e tecnologias. Outra qualidade da arbitragem repousa no fato de que ela concede liberdade às partes de escolherem seus árbitros, cujos julgados acordam em se submeter. Normalmente, os árbitros são especialistas nos temas atrelados ao objeto do litígio, fornecendo maior segurança em torno de suas decisões, haja vista que, pela técnica e perícia na matéria, diminuem as possibilidades de qualquer equívoco, coisa mais recorrente no judiciário, onde um único juiz atua em demandas diversas - quantitativa e qualitativamente.
A sentença em âmbito arbitral, ao fazer coisa julgada às partes, estas não podem oferecer recurso quanto ao mérito materialmente sentenciado. Consequentemente, logo após a decisão, constitui-se a mesma em título executivo extrajudicial, possuindo peso jurídico e podendo ser executado imediatamente, o que traz ainda mais celeridade a todo o processo.
Já a sua contribuição é de grande valia para o cenário conflituoso e, por vezes, caótico do judiciário no Brasil, devido ao excesso de processos e falta de recursos humanos e materiais para julgá-los. Como corroboram os dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio brasileiro para a execução dos processos em primeiro grau é de 4 anos e 9 meses.59
Pode-se dizer, contudo, que, integrando-se os dois blocos teóricos em um só, como desejado durante todo o processo de composição deste artigo, ao consumidor foi conferida uma proteção especial, garantida constitucionalmente, o que mereceu boa dose de atenção, já que, mesmo este atado a certo contrato de adesão, estando, pois, sujeito ao pactuado, tal como a uma cláusula arbitral, ele determinará, no final das contas, se será assim prosseguido em concreto processo em face de seu fornecedor e litigante. Destarte, resta confirmada a hipótese de que, preservada a liberdade e a vontade das partes em contratar, especialmente no que tange ao consumidor e seu pleno Direito e autonomia em escolher qual instrumento jurídico adotar, enquadrada dentro da função social do contrato e protegida pelo Estado
59 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça, Brasília: CNJ, 2020, p. 47.
contra qualquer abusividade perpetrada pelos agentes economicamente superiores, a arbitragem pode ser um instrumento capaz de dirimir as lides dentro do contexto dos contratos de adesão consumeristas.
Para além disso, também resta evidenciado o impacto positivo nas demandas daqueles que adotaram a arbitragem como instrumento de resolução de conflitos, tanto pelo lado da economia em relação ao Poder Judiciário, como já apresentado aqui, quanto pelas qualidades intrínsecas que o instituto extrajudicial oferece.
Por todo o exposto, é possível ver que pelo caráter célere, especializado, flexível e desburocratizado da arbitragem, em comparação aos resultados exibidos pela tutela tradicional, atraiu-se uma parcela cada vez maior da população a encarar este regimento diferenciado como uma boa alternativa para a resolução de suas lides, inclusive nos espinhosos casos que envolvem o consumidor implicado em contratos de adesão, e, com isso, desafogando um pouco mais os tribunais, favorecendo o acesso à Justiça.
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