Número do Relator:
Número do Relator:
Relator do Acordão: Data do Julgamento: Data da Publicação:
1.0000.18.142318-7/001
Des.(a) Leite Praça Des.(a) Leite Praça 28/03/2019
04/04/2019
Númeração
5007471-
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - ISSQN - CONTRATO DE FRANQUIA - INCLUSÃO NO ROL DOS SERVIÇOS TRIBUTÁVEIS - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA EM INCIDENTE JULGADO PELO ÓRGÃO ESPECIAL - ISSQN - INEXIGIBILIDADE - COMPENSAÇÃO DE CREDITÓS TRIBUTÁRIOS - AUSÊNCIA DE LEI - NÃO CABIMENTO.
O Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0024.10.039640-7/004, por unanimidade, acolheu o incidente para declarar a inconstitucionalidade da inclusão do contrato de franquia no rol dos serviços sujeitos ao ISSQN.
Consoante artigo 949, parágrafo único, "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão", o que importa em entrave a nova submissão da matéria para análise do controle difuso.
O conceito de contrato de franquia não se amolda ao conceito de serviços tributáveis pelo ISSQN, pois, além da prestação de serviços, abarca licença de uso de marca ou patente, know-how e distribuição de produtos.
O eg. Superior Tribunal de Justiça, a este respeito, pacificou o entendimento de que "a compensação tributária, prevista no art. 170 do CTN, só poderá ser autorizada por lei que atribua à administração fazendária a prerrogativa de deferir ou não a compensação de créditos
tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Assim, para haver a compensação almejada é necessário lei do ente federativo autorizando tal compensação, não sendo permitida a compensação de créditos entre pessoas jurídicas distintas". (STJ. REsp 1177827, Rel. Min. XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, x. 30/03/2010).
Inexistindo lei autorizativa, revela-se inviável a compensação de créditos.
Apelação Cível Nº 1.0000.18.142318-7/001 - COMARCA DE Divinópolis - Apelante(s): VK HOLDING DE PARTICIPACOES S/A - Apelado(a)(s): SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FAZENDA DE DIVINÓPOLIS - Interessado(s): MUNICÍPIO DE DIVINÓPOLIS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 19ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO, À UNANIMIDADE.
DES. LEITE PRAÇA RELATOR.
DES. XXXXX XXXXX (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação contra a r. sentença proferida
pela Exmo. Juiz de Direito da Vara de Fazenda Pública da Comarca de Divinópolis, que, no mandado de segurança impetrado por VK HOLDING DE PARTICIPAÇÕES S/A em desfavor do SECRETÁRIO MUNICIPAL DE
FAZENDA DE DIVINÓPOLIS - MG denegou a segurança pleiteada.
O apelante sustenta, em apertada síntese, que a sentença merece reforma "haja vista a impossibilidade de incidência do ISSQN sobre a taxa de ingresso ao sistema de franquia, sobre a taxa de publicidade e propaganda e sobre os royalties recebidos em decorrência dos contratos de franquia empresarial (franchising), vez que não se subsumem ao conceito constitucional de prestação de serviços, e, portanto, não constituem obrigação de fazer, evidenciando assim a hialina inconstitucionalidade do item 17.08 da Lista Anexa à LC 116/03 e LC 95/2003 de Divinópolis".
Aduz que o contrato de franquia envolve uma multiplicidade de obrigações lastreadas por elementos circunstanciais, e não pura e simplesmente obrigações de fazer, o que evidencia sua complexidade e a impossibilidade de caracterizá-lo como serviço.
Assevera que o legislador infraconstitucional não pode, sob pena de usurpar a competência constitucional outorgada pela Magna Carta em seu art. 156, inciso III[9], tributar atividade que não se adeque plenamente ao conceito de prestação de serviço, vez que a incidência de ISSQN sobre o franchising extrapola a competência constitucional por tributar relação jurídica que não se amolda exclusivamente ao conceito de prestação de serviço.
Afirma ser impossível considerar o contrato de franquia empresarial como se locação de bem móvel fosse, vez que representam institutos diversos.
Diz que, não obstante tenha o magistrado entendido de maneira diversa, o pagamento de taxa de franchising, de royalties e de publicidade e propaganda à Impetrante (franqueadora) não se caracteriza como prestação de serviço, mas como pagamento devido
pela existência de um contrato típico e complexo de cessão de direitos.
Relembra o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ao julgar, em 2009, o Recurso Especial nº 963.512/RJ sob o rito dos recursos repetitivos, bem como o fato de que a questão demandada encontra-se, inclusive, desde 2010, aguardando julgamento em sede de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal através do Tema 300 - Incidência do ISS sobre os contratos de franquia - tendo como leading case o RE 603.136.
Por fim, reverbera que uma vez reconhecido o direito liquido e certo da impetrante ora apelante de não possibilidade de ser tributada em ISSQN sobre a taxa de franchising, sobre os royalties e taxa de publicidade e propaganda provenientes dos contratos de franquia empresarial (franchising), premente a declaração do direito de compensação dos valores recolhidos indevidamente nos últimos 05 (cinco) anos anteriores à impetração da presente ação mandamental.
Nestes termos pede o provimento da sentença para que seja concedida a segurança pleiteada.
Contrarrazões apresentadas no documento de ordem 48.
A PGJ, acostou a manifestação de ordem 51, na qual deixa de intervir com parecer opinativo, por não identificar presença de interesse indisponível ou tema de relevância social que imponha a atuação Ministerial.
Em observância ao disposto nos arts. 9º e 10º do Código de Processo Civil, as partes, intimadas para se manifestem sobre a eventual aplicação da Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0024.10.039640-7/004 à hipótese dos autos, acostaram as petições de Ordens 53 e 58.
É o relatório.
ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso de apelação, porque preenchidos os requisitos de sua admissibilidade.
MÉRITO
Incialmente, porque pertinente à apreciação do feito, destaco que os arts. 926 a 928, da Lei Federal nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil brasileiro) instituem e disciplinam o denominado "Sistema Jurisprudencial", cuja finalidade é buscar maior estabilidade, integridade e coerência na atividade judicante, seja no âmbito interno dos Tribunais, seja no âmbito de todo o Poder Judiciário pátrio unitariamente considerado.
Neste sentido, cito:
Nos termos do art. 926 do Novo CPC, os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Trata-se de importante dispositivo legal que corrobora a maior aposta do Novo Código de Processo na criação de um ambiente decisório mais isonômico e previsível, exigindo que os tribunais deem o exemplo. (...)
A harmonização dos julgados é essencial para um Estado Democrático de Direito. Tratar as mesmas situações fáticas com a mesma solução jurídica preserva o principio da isonomia. Além do que a segurança no posicionamento das cortes evita discussões longas e inúteis,
permitindo que todos se comportem conforme o Direito. Como ensina a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica, à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança, à igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade, ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e de despesas) e à maior eficiência. (ASSUMPÇÃO NETO, Xxxxxx Xxxxxx. Manual de direito processual civil. 8ª Ed. - Salvador: Jus Podivm, 2016, pp. 1299/1300)
Compreender que o microssistema de precedentes do CPC/2015 - art. 926 e seguintes - coloca a necessidade dos Tribunais não apenas uniformizarem jurisprudência, mas quer esta seja mantida "estável, íntegra e coerente", é mostrar que a nova lei preocupa-se com que a aplicação do Direito se dê de forma a se gerar previsibilidade nos julgamentos e, ao mesmo tempo, que o uso de julgados anteriores se dê de maneira a problematizar o uso dos mesmos face o caso que se tem a julgar. Se, de um lado, os Tribunais devem uniformizar entendimentos quando realmente houver tal uniformidade (e não apenas para se prevenir de novos processos - jurisprudência defensiva), de outro lado, esse trabalho não acaba com a formulação de súmulas ou precedentes de qualquer espécie. Um caso (ou vários reunidos em uma súmula) não deveria ser visto como precedente porque assim a lei ou o Tribunal o diz e sim por se inserir numa cadeia argumentativa que constrói o Direito e, especificamente, porque possui fundamentos relevantes, que trazem em sua "ratio decidendi" a explicação de princípios que representam a "leitura sob a melhor luz" do direito. (XXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx; BAHIA, Xxxxxxxxx. Precedentes e a busca de uma decisão correta. In: XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx (Coord). Processo civil brasileiro: novos rumos de acordo com a Lei 13.256/2016. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 199)
Dito isto, passo à analise da controvérsia posta nesta via recursal.
VK HOLDING DE PARTICIPAÇÕES S/A impetrou mandado de segurança em desfavor do SECRETÁRIO MUNICIPAL DE FAZENDA DE DIVINÓPOLIS - MG pretendendo que o impetrado abstenha-se de exigir o ISSQN sobre a taxa de ingresso ao sistema de franquia, taxa de publicidade e propaganda e sobre os royalties recebidos em decorrência dos contratos de franquia empresarial (franchising), sob o fundamento de que estas não se subsumem ao conceito constitucional de prestação de serviço, não consistindo obrigação de fazer. Pediu, ainda, para que não seja autuada e multada ou, ainda, os débitos inscritos em Dívida Ativa e executados; a declaração de inconstitucionalidade do item 17.08 da Lista Anexa à LC 116/03 e do item 37b da LC 44/97 de Divinópolis; e a compensação dos valores indevidamente pagos nos últimos 05 (cinco) anos anteriores a impetração do mandamus.
A legislação que rege a matéria controvertida abarca os seguintes dispositivos constitucionais e legais:
Constituição Federal:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
(...)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior. III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e
benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
LC 116/2003 (Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências):
Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
17 - Serviços de apoio técnico, administrativo, jurídico, contábil, comercial e congêneres.
17.08 - Franquia (franchising).
Pois bem.
Primeiramente consigno que a discussão ora perpetrada não é recente.
Na verdade, o Supremo Tribunal Federal, em 02/09/2010, quando do julgamento do RE 6033136 RG/RJ, reconheceu a existência de repercussão geral sobre o tema, qual seja, incidência de ISS sobre os contratos de franquia, porquanto entendeu, o i. Relator, Ministro Xxxxxx Xxxxxx, que "a qualificação como serviço de atividade que não ostenta essa categoria jurídica implicaria violação frontal à matriz constitucional do imposto, havendo, pois, questão constitucional em debate"
Não obstante, aludido Recurso Extraordinário remanesce sem decisão, não sendo tal fato, a meu ver, óbice para a presente análise, notadamente se considerarmos o longo interregno de tramitação daquele feito, eis que, sem prestar escusas, uma questão de tal envergadura certamente atrai a participação de diversas pessoas (físicas e jurídicas), o que certamente posterga sua conclusão.
Noutro giro, muito embora o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha proferido decisão meritória quanto ao tema debatido, este
egrégio Tribunal de Justiça, em decisão proferida pelo Órgão Especial, analisou a questão quando da Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0024.10.039640-7/004, oportunidade na qual, por unanimidade, o colegiado reconheceu a inconstitucionalidade do item 17.08 da lista anexa à Lei nº8.725/03, do Município de Belo Horizonte, e à Lei Complementar nº 116/03.
Confira-se da ementa do aludido julgado:
EMENTA: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE - ISSQN - FRANQUIA - ITEM 17.08 DA LISTA ANEXA À LEI Nº8.725/03, DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE E À LEI COMPLEMENTAR Nº116/03 - EXTRAPOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ART. 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ARGUIÇÃO ACOLHIDA.
- "A delimitação do conceito de serviço deve se ater aos pressupostos constitucionais. Em termos mais rigorosos, todas características definitórias do definiendum "serviço" estão postas na Constituição Federal. A lei complementar somente pode acrescer características acidentais ou acessórias. Mas não pode estabelecer, como serviço, o que não o é. Por conseqüência, qualquer grandeza eleita para figurar na base de cálculo do ISS que não se origine das características definitórias constitucionais de "serviço" encontra-se estigmatizada pelo vício da inconstitucionalidade." (XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx e XXXXXX XX., Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx. "ISS na Lei Complementar 116/2003 e na Constituição", Organização de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, 1ª Ed., Ed. Manole, São Paulo, 2004, págs.236/237)
- "O contrato de franquia envolve cessão de marca, transferência de tecnologia, assistência técnica. É um conjunto de fatores e não prestação de serviços. Esta, quando existente, é indissociável dos outros fatores. O franqueado não presta serviços ao franqueador ou vice-versa. Franquia não é serviço. É cessão de direitos. A supervisão de rede, orientação, treinamento do franqueado e de seus
funcionários, escolha de ponto é obrigação de meio para a realização da franquia e não serviço." (XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. "Manual do Imposto Sobre Serviços", 7ª ed., Xx. Xxxxx, Xxx Xxxxx, 0000, págs. 272/278)
- "A mera inserção da operação de franquia no rol de serviços constantes da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 não possui o condão de transmudar a natureza jurídica complexa do instituto, composto por um plexo indissociável de obrigações de dar, de faz er e de não fazer" (AgRg no REsp 953.840/RJ, Rel. Ministro XXXX XXX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 14/09/2009), sendo certo que por força do art. 110, do Código Tributário Nacional, é vedado ao legislador infraconstitucional alterar os conceitos de direito privado utilizados pela Carta Magna para limitar competências tributárias.
- Não correspondendo a atividade de franquia a uma efetiva prestação de serviço, revela-se inconstitucional sua inclusão no rol dos serviços tributáveis pelo ISS. (TJMG - Arg Inconstitucionalidade 1.0024.10.039640-7/004, Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 25/10/2018, publicação da súmula em 09/11/2018)
Para o relator do acórdão, Desembargador Belizário de Xxxxxxx, "O ISSQN pode incidir tão somente sobre as obrigações de fazer, não se identificando para efeitos constitucionais, neste caso, como serviço, a figura do contrato de franquia,".
Em seu voto de vogal, o d. Desembargador Edilson Xxxxxxx Xxxxxxxxx esclareceu que:
Conquanto a tributação encontre amparo na Lei Complementar nº 116/2003 (lista Anexa 10.04), a conformidade da norma
infraconstitucional com a norma constitucional (artigo 156, III, CRFB/88) impõe a análise da natureza da atividade de franquia.
A Lei nº 8.955/1994 prevê que por meio do contrato de franquia há cessão de direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício (artigo 2º).
Tais obrigações não se qualificam como simples obrigação de fazer, pressuposto para a configuração da prestação de serviços para fins de incidência do imposto municipal, mas evidenciam cuidar-se a franquia de contrato de natureza complexa. Ainda que o contrato de franquia seja composto pela prática de atos que consubstanciem obrigações de fazer, tais como assistência técnica e comercial, não se tratam de seus elementos essenciais.
Com efeito, por meio do contrato de franquia busca-se a exploração de uma marca ou produto, recebendo o franqueado do franqueador orientação para consecução do negócio jurídico, característica esta que não se constitui atividade-fim da franquia, mas atividade-meio, incapaz de, por si só, atrair a incidência do ISS (...)
O alvo de tributação pelo ISS é o esforço humano prestado a terceiros como fim ou objeto, não as suas etapas ou acessórios, importando, portanto, considerar o negócio jurídico objetivado pelas partes.
Conforme prevê o artigo 110 do Código Tributário Nacional, o poder de tributar municipal não pode alterar a definição de contrato de franquia consagrada pelo direito privado, de modo que não se revela tributável, mediante ISS, a atividade de franquia, porquanto o tributo municipal apenas pode incidir sobre obrigações de fazer.
Sem embargo, a discussão ora travada é análoga a que fora decidida pelo colegiado deste Tribunal.
Certo é, outrossim, que, consoante artigo 949, parágrafo único, "os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão", o que importa em entrave a nova submissão da matéria para análise do controle difuso.
O Regimento Interno deste Tribunal de Justiça também entende pela irrelevância da arguição quando a questão já houver sido decidida pelo Órgão Especial:
Art. 297. Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão ao órgão julgador a que competir o conhecimento do processo.
§ 1º O órgão fracionário não submeterá ao Órgão Especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento deste ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
(...)
Art. 298. O incidente de arguição de inconstitucionalidade será distribuído no Órgão Especial, e, no prazo de 5 (cinco) dias, o cartório perante o qual tramita o feito providenciará a indicação de acórdão referente a julgamento anterior relativo à mesma lei ou ato normativo, caso exista
§ 1º A arguição será considerada irrelevante pelo Órgão Especial nos
casos do § 1º do art. 297 deste regimento.
Portanto, uma vez enfrentada a matéria pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, e reconhecida a inconstitucionalidade da inclusão dos contratos de franquia no rol dos serviços tributáveis pelo ISS, entendo que a decisão deve ser aplicada ao caso em desate.
Neste ponto friso que as decisões dos Tribunais Superiores acostadas pelo Município de Divinópolis não se amoldam ao caso posto, eis que tão somente aplicaram a Lei Complementar 116/2003 às hipóteses sob análise, não indo além de modo a verificar a própria constitucionalidade da inclusão da atividade de franquia no item 17.08 da lista de serviços, tal qual procedeu o Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça.
Além do mais, somente por questão de registro, oportuno frisar que o contrato de franquia não se enquadra no conceito de serviços, propriamente dito.
A Lei nº 8.955/1994, que dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências, conceituou o contrato de franquia empresarial como sendo "o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício."
Vê-se, de tal definição, que a franquia não se limita a prestação de serviços.
Na verdade, o que ocorre é uma venda de licença, uma cessão do o "direito de uso da sua marca, patente, infraestrutura, know-how e direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços. O franqueado, por sua vez, investe e trabalha na franquia e paga parte do faturamento ao franqueador sob a forma de royalties. Eventualmente, o franqueador também cede ao franqueado o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistemas desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem ficar caracterizado vínculo empregatício." (xxxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/Xxxxxxxx)
E, ainda que o contrato de franquia possua prestação de serviços, certo é que sua composição não se limita a isto, abarcando também os seguintes contratos: licença de uso de marca ou patente, know-how e distribuição de produtos.
Com efeito, a meu ver, o conceito de franquia não se amolda ao conceito de serviços tributáveis pelo ISS.
Neste cenário, procede o pleito da Impetrante, na parte em que pede a abstenção da exigência do ISSQN sobre a taxa de ingresso ao sistema de franquia, taxa de publicidade e propaganda e sobre os royalties recebidos em decorrência dos contratos de franquia empresarial (franchising).
No tocante ao pedido de compensação dos valores pagos, preceituam os artigos 165, 167 e 168 do CTN:
Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza
ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.
Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.
Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança do tributo exigido da recorrente, seria devida a restituição dos valores efetivamente pagos, a partir do lustro que antecede a propositura da presente demanda, conforme previsto no artigo 165 do CTN, supra citado.
Não obstante a parte não formulou tal pleito, eis que limitou-se a
pedir a compensação dos valores pagos nos últimos cinco anos anteriores a impetração do mandamus.
Quanto a este requerimento (compensação de valores), em que pese o entendimento esposado pelos Impetrantes, posiciono-me pela ausência, no caso sob exame, do direito líquido e certo a legitimar sua concessão.
Leciona Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx que:
"A compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o credito tributário.
O Código Tributário Nacional não estabelece a compensação como forma de extinção do crédito tributário. Apenas diz que a lei pode, nas condições e sob garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública". (Curso de Direito Tributário, 28ª ed., p. 232).
Observa-se, pois, que o instituto da compensação, no direito tributário, tem a sua aplicação restrita aos casos expressamente previstos em lei.
Nesse sentido, o texto do art. 170 do Código Tributário Nacional:
Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda
pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
O eg. Superior Tribunal de Justiça, a este respeito, pacificou o entendimento de que "a compensação tributária, prevista no art. 170 do CTN, só poderá ser autorizada por lei que atribua à administração fazendária a prerrogativa de deferir ou não a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Assim, para haver a compensação almejada é necessário lei do ente federativo autorizando tal compensação, não sendo permitida a compensação de créditos entre pessoas jurídicas distintas". (STJ. REsp 1177827, Rel. Min. XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, x. 30/03/2010).
Noutras palavras, pacificou-se naquela Corte jurisprudência no sentido de que o referido art. 170 não é autoaplicável, de modo que, para que seja permitida a compensação, mister se faz a autorização legislativa, ou seja, lei do ente federativo tributante que a autorize, não sendo permitida, ainda, a compensação de créditos entre pessoas jurídicas distintas.
Confiram-se alguns julgados do eg. STJ:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
DECLARATÓRIA. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. LEI ESTADUAL AUTORIZATIVA. EXISTÊNCIA. ARTIGO 170, DO CTN. PROVA DE TODOS OS RECOLHIMENTOS INDEVIDOS. INEXISTÊNCIA. CONDENAÇÃO ADSTRITA AO PEDIDO TAL COMO FORMULADO. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA ANTE A DECISÃO JUDICIAL QUE DECLAROU A INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA.
1. A compensação, modalidade extintiva do crédito tributário elencada no artigo 156, do CTN, reclama autorização legal expressa para que o contribuinte possa engendrá-la, ex vi do disposto no artigo 170, do Codex Tributário.
2. Consectariamente, a declaração do direito de compensação tributária pressupõe a existência de lei autorizativa oriunda da Pessoa Jurídica de Direito Público competente para a instituição do tributo, o que resta incontroverso nos autos (artigo 1º, caput e parágrafo único, da Lei Municipal 7.640/99, regulamentada pelo Decreto Municipal 10.574/01).(REsp 832.629/MG, Rel. Ministro XXXX XXX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 03/11/2010).
"TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. LEI LOCAL AUTORIZATIVA. IMPRESCINDIBILIDADE. ICMS. PRECATÓRIO DEVIDO POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
1. A extinção do crédito tributário mediante compensação somente é possível se houver lei autorizativa na esfera do Estado. Precedentes do STJ.
2. Ademais, seria inviável a extinção de crédito de ICMS por meio de compensação com precatório devido por pessoa jurídica distinta (autarquia estadual - Departamento de Estradas de Rodagem).
Precedentes do STJ.
3. Nesse contexto, é desnecessária a análise de suposto poder
liberatório, pois o art. 78, § 2º, do ADCT é expresso ao referir-se a "tributos da entidade devedora".
4. A inexistência de identidade entre o devedor do precatório (DER) e o credor do tributo (Estado) afasta a aplicabilidade do dispositivo constitucional.
5. Agravo Regimental não provido". (STJ. AgRg no RMS 29.939/PR, Rel. Min. XXXXXX XXXXXXXX, SEGUNDA TURMA, j.20/10/2009).
"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPENSAÇÃO. ICMS. CRÉDITOS ALIMENTARES HABILITADOS EM PRECATÓRIOS. PESSOAS JURÍDICAS E
TRIBUTOS DISTINTOS. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica na impossibilidade de compensação de créditos tributários de ICMS com precatórios devidos por ente jurídico de natureza distinta, no caso, o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS,
autarquia previdenciária dotada de autonomia administrativa e financeira.
2. A compensação só é permitida entre tributos e contribuições de mesma natureza, não sendo admitida para compensar débitos oriundos de ICMS com créditos alimentares, habilitados em precatórios judiciais, adquiridos por meio de cessão de direitos.
(...)
4. Agravo regimental improvido".
(STJ. AgRg no Ag 1.174.142/RS, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, DJe de 28/10/2009).
Com efeito, não obstante o permissivo constitucional do §9° do art. 100, mostra-se imprescindível, para a compensação almejada, a existência de lei específica estadual autorizadora, o que, porém, inexiste.
Logo, inexistindo lei autorizativa, revela-se inviável a compensação de créditos.
Nada impede, contudo, que a parte pleiteie a restituição dos valores pagos.
- DISPOSITIVO
Por todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação, para conceder, em parte, a segurança pleiteada, determinando que o impetrado se abstenha de exigir o ISS sobre as taxas de ingresso ao sistema de franquia, de publicidade e propaganda e sobre os royalties recebidos em decorrência dos contratos de franquia empresarial (franchising).
Sem custas.
É o meu voto.
DES. VERSIANI PENNA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXX - De acordo com o(a)
Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO
VOLUNTÁRIO, À UNANIMIDADE"